019 -Paulo Trabalho - Operação de migração para o novo ... · priorizadas as contribuições de...

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1 Identificação Autor: Paulo Sérgio Pestana Estabelecimento: Colégio Estadual Professora Dirce Celestino do Amaral Ensino: Fundamental e Médio Disciplina: Língua Portuguesa/Literatura Conteúdo Estruturante: Discurso Enquanto Prática Social Conteúdo: Análise da personagem negra na literatura 1 – Problematização do Conteúdo. “Educar sem discriminar tem sido uma tarefa árdua, pois muitos preconceitos e estereótipos ainda estão muito enraizados nos indivíduos.” Pessanha Titulo: A Lei 10639/03 e a Atuação dos Professores Texto: A alteração trazida à Lei 9.394/96 de Diretrizes e Bases da Educação Nacional pela Lei 10.639/2003, aponta a urgência de rever algumas vertentes relacionadas à formação docente e à atuação das instituições educacionais frente ao contexto marcado pelo racismo e a construção de identidade da pessoa negra. No que concerne à atuação dos professores, estudos indicam a precariedade na formação dos profissionais da educação que, por não terem uma disciplina especifica de “Literatura Afro”, nos cursos superiores, sentem-se despreparados para desenvolver um trabalho consistente quando o tema é racismo. Por outro lado, as crianças negras não vêem o espaço garantido na comunidade escolar e continuam enfrentando sérios problemas de discriminação, o que reflete na aprendizagem e posterior evasão escolar. Seus valores culturais não se encontram representados de forma valorizada nos conteúdos ministrados e seus estereótipos são cada vez mais reforçados sob argumentos de uma falsa “democracia racial”. Mesmo nas obras de literatura infanto-juvenil, de forma geral, não são priorizadas as contribuições de pluralidade cultural do negro para a formação da nacionalidade brasileira. Decorrente disso, surgem as indagações: De que forma as experiências racializadas podem ser trabalhadas a fim de promover a condição humana? Como as obras de literatura infanto-juvenil têm contemplado a personagem negra e sua diversidade cultural?

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Identificação Autor: Paulo Sérgio Pestana Estabelecimento: Colégio Estadual Professora Dirce Celestino do Amaral Ensino: Fundamental e Médio Disciplina: Língua Portuguesa/Literatura Conteúdo Estruturante: Discurso Enquanto Prática Social Conteúdo: Análise da personagem negra na literatura 1 – Problematização do Conteúdo.

“Educar sem discriminar tem sido uma tarefa árdua, pois muitos preconceitos e estereótipos ainda estão muito enraizados nos indivíduos.”

Pessanha

Titulo: A Lei 10639/03 e a Atuação dos Professores Texto:

A alteração trazida à Lei 9.394/96 de Diretrizes e Bases da Educação Nacional pela

Lei 10.639/2003, aponta a urgência de rever algumas vertentes relacionadas à formação

docente e à atuação das instituições educacionais frente ao contexto marcado pelo racismo e a

construção de identidade da pessoa negra. No que concerne à atuação dos professores, estudos

indicam a precariedade na formação dos profissionais da educação que, por não terem uma

disciplina especifica de “Literatura Afro”, nos cursos superiores, sentem-se despreparados

para desenvolver um trabalho consistente quando o tema é racismo. Por outro lado, as

crianças negras não vêem o espaço garantido na comunidade escolar e continuam enfrentando

sérios problemas de discriminação, o que reflete na aprendizagem e posterior evasão escolar.

Seus valores culturais não se encontram representados de forma valorizada nos conteúdos

ministrados e seus estereótipos são cada vez mais reforçados sob argumentos de uma falsa

“democracia racial”. Mesmo nas obras de literatura infanto-juvenil, de forma geral, não são

priorizadas as contribuições de pluralidade cultural do negro para a formação da

nacionalidade brasileira.

Decorrente disso, surgem as indagações:

• De que forma as experiências racializadas podem ser trabalhadas a fim de promover a

condição humana?

• Como as obras de literatura infanto-juvenil têm contemplado a personagem negra e sua

diversidade cultural?

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Referências OLIVEIRA, Iolanda de. (org) Relações Raciais e Educação: Novos desafios. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. PARANÁ, Secretaria de Estado da Educação. Superintendência de Educação. Departamento de Ensino Fundamental. Cadernos Temáticos: inserção dos conteúdos de história e cultura afro-brasileira e africana nos currículos escolares. Curitiba: SEED. PR, 2005. 2 – Recursos de Investigação 2.1 – Investigação Disciplinar Titulo: Personagens negros e a construção de identidades na literatura infanto-juvenil Texto:

Tendo em vista a dificuldade enfrentada pelos professores em sala de aula quando o

assunto é racismo, preconceito e discriminação, pretende-se com esse projeto desenvolver

estudos teóricos junto aos educadores, sobretudo no que concerne à analise de obras da

Literatura Infanto-Juvenil em que ocorre a presença de personagens negras.

A literatura infanto-juvenil é um gênero ainda em busca de afirmação como tal. Os

estudos dessa produção para um público infante demarcam suas origens no século XIX

quando surge a necessidade de traduzir as obras infantis estrangeiras. Já nas décadas de 20 a

30 do século XX, com o processo de modernização, as produções infantis começam a ganhar

espaço. A urbanização crescente revolucionava as práticas sociais de leitura na época, sendo

preciso atingir desde o público infantil ao adulto. Mas é mesmo com Monteiro Lobato que as

obras para as crianças e jovens vão atingindo sua especificidade. É também com esse

renomado escritor que os personagens negros são apresentados nas narrativas. Não quer dizer

que em períodos anteriores não fossem contemplados, o problema é que sua presença

baseava-se em folclore e era quase nula. Entre 1900 e 1920, por exemplo, quando aparece um

figurante negro, ocupa sempre a posição de doméstico nas cenas sociais.

O fato de o negro estar ligado á experiências de escravidão, portanto à “selvageria”,

talvez comprometesse a imagem de um país ufanista de passado glorioso que para o contexto,

deveria apresentar-se com ideais de civilização europeizada. A respeito dessa negação do

negro na contribuição da formação nacional do Brasil, Zilá Bernd (2003) afirma:

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A literatura atua em determinados momentos históricos no sentido da união da

comunidade em torno de seus mitos fundadores, de seu imaginário ou de sua

ideologia, a uma homogeneização discursiva, à fabricação de uma palavra exclusiva,

ou seja, aquela que pratica uma ocultação sistemática do outro, ou uma representação

inventada do outro. No caso da Literatura Brasileira, este outro é o negro cuja

representação é frequentemente ocultada. (BERND, 2003, p. 33).

A literatura de caráter infanto-juvenil que emerge nos anos 80, momento considerado

por Cademartori (1986, p. 11) como o “boom” da produção, visa a erradicar o analfabetismo

de crianças e jovens. Essa maior preocupação, por certo tenha ocultado a situação: apesar de

apresentar a temática étnico-racial por meio de denúncia, não se aguçou um olhar mais crítico

sobre como a inclusão do personagem negro poderia provocar efeito contrário, ou seja,

promover a disseminação do racismo à brasileira. Assim se as obras para crianças denunciam

a pobreza, a marginalização, o preconceito e as injustiças sociais, fazem-no reforçando a

inferiorização do negro em relação à superiorização do branco.

Identidades: dos estágios à construção das personagens negras na literatura

infanto-juvenil

São várias as contribuições da antropologia, sociologia, psicologia e filosofia para os

estudos das identidades do personagem negro, nas narrativas. Stuart Hall (2001), por

exemplo, destaca o caráter de celebração móvel da identidade:

O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao redor do ‘eu’ coerente. Dentro de nós há identidades contraditórias, empurrando em diferentes direções, de tal modo que nossas identidades estão sendo continuamente deslocadas. Se sentimos que temos uma identidade unificada desde o nascimento até a morte é apenas porque construímos uma cômoda estória sobre nós mesmos ou uma confortadora narrativa do ‘eu’. A identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia. (HALL, 2001, p.13).

É no contexto dessas identidades deslocadas que Ricardo Franklim Ferreira (2004)

estabelece os estágios de submissão, impacto, militância e articulação. Uma breve

esquematização de cada um deles pode contribuir para análise dos personagens negros na

Literatura Infanto-Juvenil:

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A- Estágio de submissão

- Submissão às crenças e valores da cultura branca dominante.

- O processo começa na escola.

- A internalização de estereótipos negativos acontece de forma inconsciente.

- Valores brancos - europeus, levam as crianças a se identificarem com as idéias

dominantes.

- Nesse estágio a criança referencia-se em valores brancos para diminuir o desconforto

causado pela tensão de se aceitar.

- As pessoas brancas acreditam ser seu status vantajoso devido à qualidade de seu

esforço pessoal, enquanto as pessoas negras, nesse estágio, encaram suas dificuldades

justificadas pelo fato de não realizarem o esforço equivalente ao esperado delas.

- Os efeitos psicológicos provocados nesse estágio são: autoconceito pobre, alta

ansiedade e depressão. A pessoa tem a sensação de realmente não se encaixar em nenhum

grupo, demonstrando alienação.

B- Estágio de impacto

- Nesse estágio, a identidade que se constrói permite às pessoas se sentirem centradas,

articuladas nas situações de vida e terem um bom grau de controle e previsibilidade sobre tais

situações. É o momento de espanto e vertigem;

- Aqui o inferiorizado toma consciência de sua pouca aceitação na sociedade, seja para

conseguir um bom emprego, uma posição de status, uma educação de direito, etc. A partir daí,

ele começa a construir uma nova identidade;

- O mais importante nesse estágio é que se trata de uma fase intermediária que

determina a morte do estágio de submissão e o inferiorizado passa a ser uma pessoa

afrocentrada. Com isso, o reconhecimento de uma identidade referenciada em valores

africanos permite a passagem para o Estágio de militância.

C- Estágio de militância

Consiste no início de um processo de mudança que vai demolindo as velhas

perspectivas em favor de uma nova estrutura pessoal, referenciada em valores étnico-raciais

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de matrizes africanas. Em virtude da complexidade que envolve o tornar-se

“verdadeiramente” negro (pois antes estava submetido a uma visão de si mesmo determinada

pela cultura branca) é comum a tendência de considerar todos os brancos como maus,

desumanos e inferiores aos negros. Nesse sentido, é necessário que haja, certo cuidado no

intuito de não reproduzir dificuldades na aceitação da alteridade, pois esse estágio pode

priorizar procedimentos de exclusão e vedamento, tendo em vista seu caráter de fechamento

em torno de suas referências raciais, religiosas ou políticas; fortalecendo o preconceito em

relação à população de matrizes branco-européias. Vale ressaltar também as palavras de

Munanga (1986) quando diz que:

A libertação do negro deve efetuar-se pela reconquista de si e de uma dignidade autônoma (...) Aceitando-se o negro, afirma-se cultural, moral, física e psiquicamente. Ele se reivindica com paixão, a mesma paixão que fazia admirar e assimilar o branco. Ele assumirá a cor negada e verá nela traços de beleza e de feiúra como qualquer ser humano “normal” (MUNANGA, 1986, p.32).

Estágio de articulação

Trata-se do estágio mais pertinente à alteridade, pois além de manter relações com

pares negros, permite relacionamentos significativos com não negros. Assim constrói-se uma

identidade afrocentrada que permite ser menos defensiva e conflitiva como no estágio de

militância. O caráter mais expressivo desse estágio é o poder de articulação na referência

multicultural e o desenvolvimento de recursos para atribuir a culpa de circunstâncias adversas

a outros fatores e não mais a si próprio.

Outros estudiosos também retratam em suas obras a importância desses estágios para o

estudo de construção de identidades. Para isso, promovem análises literárias dos personagens

Ariel, Próspero e Calibã da peça “A Tempestade” de Willian Shakespeare (1982), apontando

as experiências de assimilação, nacionalismo e catalismo. Dentre esses estudiosos, merece

destaque a releitura da peça shakespeareana feita por Aimé Césaire (1969), quando coloca

Exu, uma metáfora catalista, que transcende as atitudes assimilacionista de Ariel e

nacionalista de Calibã.

Portanto, é interessante perceber que se transferidas as idéias presentes nesses estágios

e experiências para análise dos personagens negros em algumas obras da Literatura Infanto-

Juvenil, é possível afirmar que se fazem marcantes na construção das identidades móveis ali

presentes. Contudo, uma investigação que se pretenda muito mais de valorização dos

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personagens negros infantis, desconstruindo estereótipos, será aquela voltada para atitudes de

combinação e de trocas, portanto, encontrada na figura metafórica de um Exu literário.

Referências BERND, Zilá. Literatura e identidade nacional. 2. ed. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2003. CADEMARTORI, Lígia. O que é literatura infantil. São Paulo: Brasiliense, 1986. CÉSAIRE, Aimé. Une Tempete. Paris: Editions Du Seuil, 1969. FERREIRA, Ricardo Franklin. Afro-descendente: identidade em construção. São Paulo: EDUC, 2004. HALL, Stuart. A identidade Cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2001. MUNANGA, Kabengele. Negritude: uso e sentidos. São Paulo: Editora Ática, 1986. SHAKESPEARE, Willian. A tempestade. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1982. 2.2 – Perspectiva Interdisciplinar Título: A presença negra nas várias áreas do conhecimento. Texto: Falar sobre a cultura afro nas escolas parece ser função específica da disciplina de

história. Por muito tempo, a criança negra nos livros didáticos foi figura quase ausente em

relação às outras áreas do conhecimento. E não será preciso fazer muitos esforços para se

perceber isso. Basta folhear os livros de Matemática, Português, Geografia, Ciências e outros

para se constatar como são raras as ilustrações com personagens negras. A impressão que se

tem é de que a pessoa negra não faz cálculos, não participa do mundo ficcional, não se situa

num espaço e nem estabelece relações com as ciências naturais. Portanto, ela não se encontra

referenciada aí.

A situação se agrava mais ainda, quando é negada a participação da mão-negra na

formação do país: destaca-se mais a figura do índio como herói selvagem e oculta-se a

imagem do negro. Quando lhe é “concedida” a vez, destacam-se seus estereótipos de

servidores na casa grande ou são comparados a animais no engenho de cana-de-açúcar e nas

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negociações. Também, o conteúdo sobre a África é pouco trabalhado nas aulas sob a alegação

de falta de tempo ou mesmo por julgá-lo desnecessário por parte de certos professores.

Mesmo nas atividades que possibilitam a socialização das crianças, os negros são ainda

marcadamente excluídos. Não são eles as personagens centrais nas peças de teatro encenadas

em festas comemorativas e nem lhes é dada a voz nos discursos importantes proferidos. Sob o

pretexto de “caso complicado”, os educadores evitam tocar em assuntos sobre racismo,

preconceito e discriminação. Com isso, acabam por reforçar ou colaborar para que os

estereótipos continuem existindo dentro e fora das instituições educacionais.

Se todo o exposto até aqui parece mesmo confirmar a origem de um sistema

educacional pautado na visão etnocêntrica dos europeus, por outro lado já é possível

vislumbrar autores e pesquisadores provocando rupturas nos cânones tradicionais. É a

chamada busca da negritude. São educadores que procuram desconstruir a imagem do negro

como objeto para garantir-lhe a função de sujeito nas mais variadas disciplinas que compõem

os currículos da Educação Básica. Dentre eles, vale destacar a colaboração da professora Drª.

Petronilha Beatriz e Silva que na obra “Superando o racismo na escola” (organização de

Kabengele Munanga, 2001), estabelece uma série de sugestões de atividades

interdisciplinares, nesse sentido, transcrevem-se abaixo algumas disciplinas e respectivas

atividades que podem ser consideradas de extrema importância para todo aquele que pretende

abordar o assunto. Antes, porém, é preciso lembrar que são apenas possibilidades e que,

portanto, não se esgotam aí.

Matemática - Ao desenvolver conteúdos da disciplina, se o professor estiver atento às

Africanidades, valer-se á, certamente, de obras ainda raras entre nós que mostram construções

matemáticas africanas de diferentes culturas, pois como pondera Asante (1990), não é

possível compreender o que há de africano na América enquanto fonte e origem, sem voltar

nosso olhar e curiosidade à África. Assim sendo, ao trabalhar geometria, volume e outras

medidas, chamará o professor a atenção, ilustrando com imagens, para o fato de que estes

eram conhecimentos do domínio dos antigos egípcios, o que lhes permitiu construir obras

monumentais como as pirâmides. Buscará mostrar fotografias do antigo reino do Zimbábue,

destacando, por exemplo, as torres cônicas do templo. Mais do que isto, valer-se-á o professor

de expressões da arte africana, como as pinturas que os Ndebele fazem em suas casas. Com

isto, irão aprendendo diferentes caminhos trilhados pela humanidade, através de povos de

diferentes culturas, para a construção dos conhecimentos que vêm acumulando.

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Ciências - Ao estudar o meio ambiente, do ponto de vista das Africanidades

Brasileiras, há que necessariamente abordar o assunto sobre os territórios ocupados por

população remanescente de quilombos ou herdeira de antigos fazendeiros e conhecer as

formas de cultivo e de utilização de recursos naturais que emprega, sem ferir o equilíbrio do

meio ambiente.

Psicologia - Esta disciplina trata de importantes descobertas da ciência do mesmo

nome, a respeito, por exemplo, do desenvolvimento das crianças e adolescentes, do

comportamento das pessoas, das maneiras como elas se relacionam entre si. No Brasil, assim

como em outros países de fortes raízes africanas, em qualquer nível de ensino, se torna

inadmissível desconhecer as obras de Franz Fanon, pelo menos Pele Negra, Máscaras

Brancas (s.d.) e Os Condenados da Terra (1979), que analisa e discute as dificuldades

enfrentadas por descendentes de africanos para terem sua identidade respeitada, num mundo

colonizado por europeus. No nosso caso específico, não há como desconhecer a obra de

Neuza Santos Souza, Tornar-se Negro (1983), tampouco estudos como os de Marilene Paré

sobre a auto-estima de crianças negras (1991), o de, Rachel de Oliveira, o de Ademil Lopes

(1994), e o de Consuelo Silva (1995) sobre socialização da criança negra na escola.

Educação Física - Na medida em que esta disciplina se dedica à educação do corpo,

incluindo a dança em seu currículo, é incompreensível que no Brasil deixe de haver seções de

danças de raízes africanas e na área de jogos, a inclusão da capoeira.

Estudos como os realizados por Reis da Silva (1994) e Ferreira da Silva (1997) trazem

sugestões para professores e outros educadores, além de considerações importantes,

mostrando a importância de tais atividades para a afirmação da identidade de descendentes de

africanos.

Educação Musical - Do ponto de vista das Africanidades Brasileiras, não tem

cabimento a musicalização de crianças, adolescentes e adultos que não inclua os ritmos de

origem africana. E do mesmo ponto de vista, não bastará ouvir textos musicais e reconhecer

instrumentos típicos. Será preciso ouvir e fazer tentativas de tirar som e ritmo de

instrumentos: caixa de fósforos, pandeiro, agogô, chocalho, atabaque, berimbau, etc., com o

auxílio de quem sabe fazê-lo. E não basta saber tocar instrumentos, é importante saber do que

são feitos, como são feitos e, sempre que possível, aprender a construir pelo menos algum

deles. Mais ainda, as músicas de origem africana são feitas para serem cantadas, dançadas.

Portanto, ensinar música afro, na perspectiva das Africanidades, implica ouvir, cantar,

produzir ritmos, construir instrumentos, dançar, conhecer a origem dos ritmos e dos

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instrumentos, e as recriações que têm, sofrido através dos tempos e nos lugares por onde têm

passado, se enraizado.

Artes Plásticas - Como bem pondera a professora Loris, nos trabalhos com argila,

papier-mâché pode-se, por exemplo, aprender sobre e criar máscaras de inspiração africana,

além de comparar os trabalhos africanos com o de pintores europeus, com pinturas de Picasso,

Modigliani, identificando a influência daquelas sobre estas. Em atividades com pintura,

ensina Vera Triumpho, é possível conhecer a origem, significados e técnicas do batique.

Enfim, muitas idéias certamente surgirão do estudo da valiosa obra organizada por Emanoel

Araújo (1988), A Mão Afro-Brasileira - Significado da Contribuição Artística e Histórica.

Literatura - O negro não-somente tem sido tema na literatura brasileira. Sabemos

todos que muitos têm criado, sendo inúmeros nossos escritores descendentes de africanos.

Interessante será estudantes poderem comparar a visão de escritores negros, com a de outras

etnias, sobre as experiências que afligem a população negra, ou que constituem razão de

alegrias ou tristezas para pessoas de qualquer etnia. Será importante compararem obras de

afro-brasileiros com as de africanos. Como exemplos de autores e textos, cito o 1ivro

organizado por Mário de Andrade - Antologia Temática de Poesia Africana - O Canto

Armado; o de Oswaldo de Camargo - O Negro Escrito; as publicações periódicas do

Quilomboje - Cadernos Negros, publicados desde 1978; os trabalhos de Luiz Gama, Cruz e

Souza, Oliveira da Silveira, Esmeralda Ribeiro, Míriam Alves, Celinha, Jônatas da Conceição,

Geni Guimarães, entre tantos outros.

Sociologia - Fonte-chave para estudos que tenham preocupação com as Africanidades

Brasileiras é certamente a obra de Clóvis Moura, salientando-se Sociologia do Negro

Brasileiro (1988), em que aborda a sociedade brasileira, a partir de estudos sobre a

problemática que envolve o povo negro.

Geografia - Os estudos dos espaços físicos e dos espaços humanos que a partir dele

vão-se construindo, requer que se tenham, como referência, trabalhos de Milton Santos, entre

outros, O Espaço do Cidadão (1990), A Natureza do Espaço (1996), pois este autor estuda a

Geografia do ponto de vista dos empobrecidos e marginalizados e, no caso do Brasil, a

maioria dos descendentes de africanos se encontra entre eles.

História - A história do Brasil, enquanto construção de uma nação, inclui todos os

povos que constituem a nação. Assim, ignorar a história dos povos indígenas, do povo negro é

estudar de forma incompleta a história brasileira. O professor que trabalha na perspectiva das

Africanidades Brasileiras não omitirá, por exemplo, ao tratar da fundação de Laguna, em

Santa Catarina, que, conforme registra Cláudio Moreira Bento (O Negro, 1979), a expedição

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que lá se instalou em 1648, era formada em 70% por homens negros escravizados. Ao referir-

se à fundação da Colônia de Sacramento, não esquecerá de fazer saber que, além dos

escravos, a tropa fundadora contava com soldados negros.

Se a história ensinada na escola souber contemplar também a vida vivida no dia-a-dia

dos grupos menosprezados pela sociedade, então, estaremos ensinando e aprendendo a

história brasileira integralmente realizada. Conforme o entendimento de Gigante (1994), a

valorização da história dos grupos populares, registrando o que em suas memórias está

guardado de suas experiências, é tarefa que pode ser realizada por professores e alunos, a

partir da comunidade em que a escola está inserida. Desta forma, pondera o autor, todos os

que constroem o Brasil estarão presentes nos conteúdos escolares.

Tal entendimento, se posto em prática, compreenderá também atividades de

Comunicação e Expressão, de Língua Portuguesa. E poderá envolver pessoas da comunidade

que têm o gosto de colaborar com a escola. As histórias colhidas pelos alunos são

transformadas em textos que poderão ser reunidos num livrinho e, desta forma, serem

divulgadas entre as outras classes e também na comunidade.

Os alunos, juntamente com os professores, decidem o que perguntar, que história pedir

para diferentes pessoas da comunidade contar. Cada contador identifica o grupo étnico a que

pertence e passa a narrar histórias de brincadeiras, de trabalho, de festejos, de celebrações

religiosas, da vida na escola e outras tantas que revelam o jeito de ser e pensar de seu grupo

étnico. No caso das Africanidades a ênfase é dada às histórias que expõem a identidade dos

descendentes de africanos e também àquelas que deixam à mostra o teor das relações entre

brancos e não-brancos no Brasil.

Referências

MUNANGA, Kabengele. Negritude. Usos e sentidos. São Paulo: Ática, 1996.

____________________. Superando o racismo na escola. 3. ed. Brasília: Ministério da

Educação, Secretaria de Educação Fundamental, 2001.

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2.3 – Contextualização

Titulo: Relações racializadas no contexto atual.

Texto:

Muito ou pouco do que se têm hoje nos estudos sobre o negro nas relações sociais teve

início com os movimentos surgidos no contexto da Revolução de Trinta a partir da

“modernização” do país. São lutas travadas contra o racismo que foram ganhando força

(apesar de pouco espaço) para uma desconstrução do que seja verdadeiramente uma

“democracia racial”. Ainda nas suas primeiras etapas (1930 – 37 e 1937 – 45), a voz da

pessoa negra não conquistou o espaço merecido, mas com seus objetivos de integração à

sociedade, os movimentos foram crescendo consideravelmente e atingiram grandes resultados

nos anos 70, apesar de suas dificuldades e incompreensões características de todos os

movimentos sociais.

Deve-se, portanto, a líderes intelectuais (sociólogos, antropólogos e representantes dos

Movimentos Negros) as conquistas que desmascararam a idéia do negro como escravo boçal e

passivo para destacar-lhe seus valores descendentes de povos cultos e civilizados, tornando-os

socialmente importantes. Foram, ainda, esses mesmos intelectuais que abriram caminho para

que se estabelecessem os estudos históricos em busca da compreensão de uma política do

escravismo colonial e revelaram que a história da escravidão foi, na verdade, uma luta contra

a escravidão. Assim, após a Segunda Guerra, instituições como a UNESCO passam a realizar

congressos de militantes anti-racistas vindo se consolidar na Lei Afonso Arinos que, apesar de

inócua, aponta o reforço da luta contra a discriminação racial.

Trazendo a essência de todo o exposto para a realidade atual, parece certo afirmar que

uma nova postura se impõe à sociedade e, sobretudo, aos educadores dos novos tempos. A Lei

10639/03 requer um redirecionamento sobre relações racializadas e exige no mínimo que:

Uma obrigação do professor talvez seja se manter a par das novas idéias em geral,

além, naturalmente, das do seu campo especifico. Quem leu pela ultima vez livros de

Biologia e de Genética há dez anos não pode ensinar Genética, a não ser que seja um

impostor assumido. O mesmo escrúpulo deve ter o professor de Estudos Sociais ou de

qualquer das disciplinas em que eles se repartem. Por exemplo, se já era duvidoso, há

cinqüenta anos, que, no conjunto, o Brasil fosse um país de solo fertilíssimo, não tem

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cabimento [...] ensinar às nossas crianças que aqui ‘em se plantando tudo dá’, ou que

vivemos num ‘país tropical abençoado por Deus’ (SANTOS, 1990, p. 8-9).

A citação acima aponta, portanto, a necessidade de se rever, também, a formação dos

novos educadores que a sociedade passa a exigir. A idéia fixa de que cada um deve se limitar

a reproduzir tão-somente o que aprendeu na sua formação superior reflete o caos do ensino na

sua totalidade. Assim,

Poder-se-ia concluir que o professor - sobretudo, mas não apenas o de Estudos Sociais

- deve estar a par dessa revisão histórica, sociológica e antropológica, empreendida a

partir dos anos cinqüenta, se quer enfrentar com segurança a questão do negro em sala

de aula (SANTOS, 1999, p. 9).

Em última análise, o contexto atual explicita uma exigência que vai além de

simplesmente incluir termos como negritude, afro descendente, construção de identidade e

outros. É mister, antes de tudo, um engajamento em projeto de estudos por parte dos

educadores e sociedade em geral, que superem os discursos de lamentação. Como afirma

Eliane Cavalleiro (2001, p. 7). “Se desejamos uma sociedade com justiça social, é imperativo

transformarmos nossa escolas em um território de equidade e respeito; um espaço adequado à

formação de cidadãos.”

Referências

CAVALLEIRO, Eliane. (ORG.). Racismo e anti-racismo na educação: repensando nossa

escola. São Paulo: Selo Negro, 2001.

SANTOS, Joel Rufino dos. A questão do negro na sala de aula. São Paulo: Ática, 1990.

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3. RECURSOS DIDÁTICOS 3.1 SÍTIOS 1.ª Sugestão de Sítio Título do sítio: Lendas dos Orixás Disponível em: www.lendas.orixas.non.br Acessado em: fevereiro/2008 Comentários:

As lendas dos orixás constituem-se de excelentes recursos para desconstruir preconceitos que foram impingidos às religiões afro-brasileiras. Nesse site, será possível encontrar vários textos que permitirão ao professor desenvolver valiosos trabalhos, sobretudo, nas aulas de literatura. Por exemplo, uma análise comparativa das lendas gregas com as lendas africanas permite mostrar que apesar da distância que as separa, em relação às origens, guardam certa semelhança. Uma comparação entre as imagens de Zeus e Xangô pode apontar características comuns: Zeus, na mitologia greco-romana, é relacionado aos raios e trovões e traz na mão um machadinho duplo. O mesmo se observa em Xangô que também é considerado deus desses mesmos fenômenos naturais. Além de trazer na mão um oxé (machado de lâmina duplo), têm a mesma fúria que o deus grego pode apresentar. Esses estudos podem levar professores e alunos a uma reflexão em especial: Por que os deuses greco-romanos são tão citados na literatura em detrimento do silenciamento dos orixás? 2.º Sugestão de Sítio Título do Sítio: Portal Afro Disponível em www.portalafro.com.br Acessado em: fevereiro/2008 Comentários: Este site pode ser uma interessante fonte de pesquisa para o professor ampliar seus conhecimentos. Assuntos como: artes, religião, entrevistas, história e quilombos são debatidos e disponibilizados como excelente material de consulta sobre esses temas. 3.º Sugestão de Sítio Título do Sítio: Mundo Negro Disponível em www.mundonegro.com.br Acessado em: fevereiro/2008 Comentários: Trata-se de um site que traz sempre as últimas notícias sobre os assuntos referentes às comunidades negras em situações que denunciam a falsa democracia no Brasil. Também consiste em uma interessante agenda que informa aos profissionais da educação os cursos, as palestras, eventos e seminários destinados à sua formação continuada.

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4.º Sugestão de Sítio Título do Sítio: Grupo de Pesquisa Educação e Religião Disponível em: www.gper.com.br Acessado em: fevereiro/2008 Comentários: Excelente fonte para tratar sobre temas ligados ao Ensino Religioso. Apresenta reflexões sobre a diversidade na Educação Básica, além de permitir o acesso a trabalhos acadêmicos, livros, artigos e filmes que podem ampliar os recursos do educador na elaboração de suas aulas. 5.º Sugestão de Sítio Título do Sítio: Casa de Cultura da Mulher Negra Disponível em: www.casademulhernegra.org.br Acessado em: fevereiro/2008 Comentários: Trata-se de uma valiosa fonte para o profissional da educação que se dedica aos estudos sobre o gênero na literatura. Fala sobre temas relacionados à presença feminina negra nos textos literários e no meio social. O professor encontrará textos que poderão auxiliá-lo nos debates promovidos em sala de aula tendo como foco a mulher negra. 6.º Sugestão de Sítio Título do Sítio: Literafro Disponível em: www.letras.ufmg.br Acessado em: fevereiro/2008 Comentários: Neste site encontra-se importante material para a formação continuada do professor. Teóricos como: Abdias do Nascimento, Clóvis Moura, Domício Proença Filho, Mestre Didi e outros discutem com proficiência assuntos sobre a literatura negra. Também o professor terá contado com a produção literária dos brasileiros afro-descendentes, artigos e projetos que são verdadeiras fontes para ampliar seus conhecimentos. 3.2 SONS E VÍDEOS Vídeos 1.º Sugestão de Vídeo Titulo: Um Sonho de Liberdade Direção: Frank Darabont: Duração: 02:22 Local da Publicação: EUA

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Ano: 1994 Sinopse: Após ter assassinado sua esposa e o amante dela, Andy Dufresne foi condenado a uma pena dupla de prisão perpétua. Darabont consegue, num drama de prisão, enfatizar a importância da amizade entre Andy (branco) e Red (negro). Esses dois personagens prisioneiros estabelecem fortes laços de amizade e comprometimento com a esperança de liberdade que se torna o foco de seus objetivos. Comentários:

Trata-se de uma ótima opção para se trabalhar em sala de aula, com temas interétnicos, tendo em vista o encontro das diferentes etnias no filme. O professor poderá focalizar, ainda, o tema “amizade” e promover um excelente debate com a turma.

2.º Sugestão de Vídeo Título: Amistad Direção: Steven Spilberg Duração: 02:32 Local da Publicação: EUA Ano: 1997 Sinopse:

Durante a travessia de um navio negreiro, na costa de Cuba, os tripulantes negros se rebelam e tomam o comando do navio, após matarem os opressores brancos. No intuito de voltarem para a África, deixam vivos apenas dois daqueles homens para que os orientassem no caminho de volta. Enganados, foram levados à emboscada e acabaram capturados por um navio americano. Ao chegarem à costa de Connecticut, os negros são julgados e condenados pelo presidente americano Martin Van Buren que tinha interesses políticos. A partir daí, todo o drama será desenvolvido e marcado por sofrimentos impressionantes.

Comentários: O filme tem grande valor de denúncia. Revela a opressão dos brancos sobre os negros

e serve bem para refletir sobre a supremacia dos políticos americanos e europeus da década de 1830.

ÁUDIO-CD

1.º Sugestão de Áudio Título da Música: Canto de Oxum Autores: Pedro de Amorim e Paulo César Pinheiro Intérprete: Maria Bethânia

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Título do cd: Duas Caras (novela) Número da faixa: 06 Nome da gravadora: Som Livre Ano: 2007 Disponível em: http://vagalume.uol.com.br/duascaras-novela/canto-de-oxum-maria-bethania.html Acesso em: fevereiro/2008 Texto: Duas Caras (novela) - Canto de Oxum - Maria Bethânia Pedro Amorim E Paulo Cesar Pinheiro Nhem-nhem-nhem Nhem-nhem ô xorodô Nhem-nhem-nhem Nhem-nhem ô xorodô É o mar, é o mar Fé-fé xorodô Oxum era rainha, Na mão direita tinha O seu espelho onde vivia A se mirar. Quanto nome tem a Rainha do Mar? Quanto nome tem a Rainha do Mar? Dandalunda, Janaína, Marabô, Princesa de Aiocá, Inaê, Sereia, Mucunã, Maria, Dona Iemanjá. Onde ela vive? Onde ela mora? Nas águas, Na loca de pedra, Num palácio encantado, No fundo do mar. O que ela gosta? O que ela adora? Perfume, Flor, espelho e pente Toda sorte de presente Pra ela se enfeitar. Comentários:

Numa atividade envolvente, será possível, nas aulas de leitura, promover uma análise oral e escrita da canção “Canto de Oxum”. Pode-se, por exemplo, utilizar a lenda sobre Oxum, ressaltando suas características, relação com a natureza e suas identidades (heterônimos). Será possível, também propor aos alunos uma pesquisa sobre o vocabulário afro.

Como se saúda a Rainha do Mar? Como se saúda a Rainha do Mar? Alodê, Odofiaba, Minha-mãe, Mãe-d'água, Odoyá! Qual é seu dia, Nossa Senhora? É dia dois de fevereiro Quando na beira da praia Eu vou me abençoar. O que ela canta? Por que ela chora? Só canta cantiga bonita Chora quando fica aflita Se você chorar. Quem é que já viu a Rainha do Mar? Quem é que já viu a Rainha do Mar? Pescador e marinheiro que escuta a sereia cantar é com o povo que é praiero que dona Iemanjá quer se casar.

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2.º Sugestão de Áudio Título da Música: É D’Oxum Autor: Davi Moraes Intérprete: Dudu Nobre Título do Cd: Maxximum: Dudu Nobre Número da faixa: 07 Nome da Gravadora: Sony&BMG Ano: 2005 Disponível em: http://vagalume.uol.com.br/dudu-nobre/e-doxum.html - Acesso em: fevereiro/2008

Dudu Nobre - É D'oxum

nessa cidade todo mundo é de Oxum homem menino menina mulher Toda essa gente irradia magia presente na água doce presente na água salgada e toda cidade brilha seja tenente ou filho de pescador ou importante desembargador se der presente é tudo uma coisa só a força que mora n'água não faz distinção de cor e toda cidade é de Oxum é de Oxum é de Oxum eu vou navegar eu vou navegar nas ondas do mar eu vou navegar

Comentários: Essa música pode promover um interessante debate sobre como são tratadas as

diferenças. Mostra a relação dos deuses africanos para com os humanos. Também pode ser um bom estímulo para a leitura das lendas dos orixás e despertar o interesse por outras canções que versam sobre diferentes orixás.

3.º Sugestão de Áudio Título da Música: O Canto de Oxum Autores: Vinícius de Moraes e Toquinho Intérpretes: Vinícius de Moraes e Toquinho Título do Cd: Toquinho e Vinícius Número da faixa: 09 Nome da Gravadora: Tonga Editora Musical Ltda Ano: 1971

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Disponível em: http://vagalume.uol.com.br/toquinho-e-vinicius/o-canto-de-oxum.html - Acesso: fevereiro/2008

Toquinho e Vinicius de Moraes - O Canto De Oxum Vinicius De Moraes / Toquinho

Nhem-nhem-nhem Nhem-nhem-nhem-xorodô Nhem-nhem-nhem-xorodô É o mar, é o mar Fé-fé xorodô! Xangô andava em guerra Vencia toda a terra Tinha ao seu lado Iansã pra lhe ajudar Oxum era rainha Na mão direita tinha O seu espelho onde vivia a se mirar Quando Xangô voltou O povo celebrou Teve uma festa que ninguém mais esqueceu Tão linda Oxum entrou Que veio o Rei Xangô E a colocou no trono esquerdo ao lado seu Iansã apaixonada Cravou a sua espada No lugar vago que era o trono da traição Chamou um temporal E no pavor geral Correu dali gritando a sua maldição!

Comentários: É possível uma análise comparativa da canção com contos da mitologia greco-

romana. Assim, a ira dos deuses, traição, paixões e vaidade podem revelar características muito parecidas com as dos humanos. Um amplo trabalho de pesquisa sobre as duas mitologias (greco-romana e africana) poderia embasar toda a análise. Seria interessante sugerir a leitura de textos de Jorge Amado, Mário de Andrade e outros em que esses deuses são retratados. Assim, garantiria um trabalho com a intertextualidade.

3.3 PROPOSTA DE ATIVIDADES

Título: Análise das obras “Nó na Garganta” de Mirna Pinsky (1991) e “A Cor da Ternura” de Geni Guimarães (1998), na perspectiva da construção identitária.

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No contexto das experiências por que passam as personagens negras na literatura

infanto-juvenil brasileira ao construírem a multiplicidade de suas identidades, é possível

encontrar atitudes que expressam o caráter móvel dessas representações ou vivências. Um

estudo que melhor fundamenta a análise de como se dão essas mudanças identitárias pode

partir da releitura da peça “A Tempestade” de Willian Shakespeare (1982) quando alguns

estudiosos conferem sentido metafórico às atitudes das personagens Ariel e Calibã. Há nessa

última tragédia escrita por Shekespeare, o contraste de dois escravos: Calibã, que resiste às

ordens de Próspero (o Duque de Milão) e Ariel, uma figura etérea e espiritual que é sempre

submisso. É Rodó (1990) quem descreve a atitude assimilacionista de Ariel, colocando o

como uma metáfora do sujeito colonizado.

Também Retamar (1971), aponta em seu ensaio “Calibã” a metáfora do sujeito

resistente à colonização. Contudo, nos estudos de Aimé Césaire (1969), destaca-se a figura

literária de Exu (um deus da mitologia africana) que transcende as atitudes assimilacionistas e

nacionalistas de Ariel e Calibã. Essa terceira metáfora proposta por Césaire tende a combinar

as outras duas. Nesse sentido, Exu surge como alternativa conciliadora entre o afro-

descendente pós-colonialista e o europeu, revelando sua função catalista.

A partir dessas considerações teóricas, propõe-se uma análise das personagens Tânia e

Geni nas respectivas obras da literatura infanto-juvenil brasileira: Nó na Garganta (PINSKY,

1991) e a Cor da Ternura (GUIMARÃES, 1998). Considerando que os estágios de

construção de identidades não são estanques, procura-se explicitar, aqui, a transitividade das

personagens em estudo pelos estágios assimilacionistas, nacionalistas e catalistas. Reserva-se,

para este último, uma investigação maior das atitudes exuístas com fundamento nos conceitos

de Trickster ou Lingüista Divino estabelecidos por Henry Louis Gates (1988), bem como a

evolução de uma atitude à outra.

Propõe-se ainda uma análise dos estereótipos e inovações encontrados nas duas obras

em estudo, no sentido de identificar preconceitos tanto nos enredos quanto nas imagens

ilustrativas.

REFERÊNCIAS

CÉSAIRE, Aimé. Une tempete. Paris: Editions du Seiul, 1969. FERREIRA, Ricardo Franklin. O desenvolvimento da identidade, São Paulo: EDUC, 2004. GATES, Henry Louis. The signifying monkey: a Theory of afro-american literary cristicism. New York, Oxford: Oxford University Press, 1988.

20

GUIMARÃES, Geni. A cor da ternura. 12. ed. São Paulo: FTD, 1988. PINSKY, Mirna. Nó na garganta. 24. ed. São Paulo: Atual.1991 RETAMAR, R.F.Caliban. In: Retamar R.F Todo Caliban. San Juan: Ediciones Callejón. 2003. RODÓ, J.E. Ariel. Madrid: Ediciones Cátedra, 2004. SHAKESPEARE, William, A tempestade. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1982.

3.4 IMAGENS

3.5 ANÁLISE DE ALGUMAS ILUSTRAÇÕES DAS OBRAS DE MIRNA PINSKY (1991) E GENI GUIMARÃES (1998)

Há deformidade na face da criança. Os lábios são exagerados As pernas se

misturam ao cenário de fundo provocando distorções. A orelha deformada

causa assombro.

A figura na capa do livro causa estranheza pelo exagero dos lábios da menina.

Mesmo que não se possa negar todo o colorido especial dado à imagem, a expressão

fisionômica é prejudicada.

Foto de Saritah Barboza

Figura 1

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O que deforma a imagem são os lábios exagerados da criança.

Com relação à obra Nó na Garganta (1991) de Mirna Pinsky, 43ª edição da série

Conte Outra Vez, Editora Atual, nas ilustrações elaboradas por Ciça Fittipaldi, o preto

grotesco contrasta com a cor branca, além de reforçar os aspectos de submissão, de feição

idiotizada, pobreza, monstruosidade e inferiorização das personagens negras:

Tem-se, aí, além do negrume, o destaque da personagem branca em

detrimento da diminuição da personagem negra. Há proteção para a menina

branca que dispõe de uma bóia para sua segurança, enquanto a menina

negra aparece exposta ao perigo.

É interessante perceber que em certo ponto da narrativa onde o enredo expressa

colaboração entre as meninas Juliana e Tânia, a ilustração pode não ser tão coerente. Por

exemplo:

Figura 2

Figura 3

Foto de Saritah Barboza

Foto de Ciça Fittipaldi

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A inferiorização aqui está explícita: o branco denotando ser superior ao

negro. Também, chama atenção a expressão idiotizada da personagem

negra. Se for considerado, ainda, que a banana é um elemento mais presente

nas chacotas que associam o negro ao macaco, a ilustração pode reforçar

piadas preconceituosas no imaginário do leitor.

O diálogo que

Tânia mantém com Pedrinho (menino branco), durante um desabafo, é ilustrado com

essa figura 5 que expressa compaixão do garoto para com a menina:

Percebe-se, aí, mais uma vez a expressão idiotizada da menina como

“coitada”, sendo digna da compaixão de Pedrinho.

Durante a procissão, no dia da festa de Santana, a lustração revela o branco como

representante da espécie.

Figura 4

Figura 5

Foto de Ciça Fittipaldi

Foto de Ciça Fittipaldi

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Não há uma personagem negra (pai, mãe ou filha) na procissão, o que

denuncia sua exclusão social.

Tânia e sua mãe são quase antropomorfizadas na ilustração que registra o momento da

viagem (mudança) de São Paulo ao litoral.

A desproporção das personagens com relação aos compartimentos do

automóvel compromete a imagem.

A pobreza é destacada na figura 8 abaixo. Durante o enredo, a narrativa faz referência

ao sonho que os pais de Tânia alimentam de comprar uma mesa e uma televisão:

A televisão não aparece. A mesa e os objetos denunciam pobreza.

Mais uma vez a fruta banana aparece. Agora associada à família.

Figura 6

Figura 7

Figura 8

Foto de Ciça Fittipaldi

Foto de Ciça Fittipaldi

Foto de Ciça Fittipaldi

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A descaracterização de Tânia na figura 9

O negrume da ilustração se mistura ao fundo e a menina ganha

aspectos animalescos (deformação do olho).

A espécie humana mais uma vez é naturalizada pelo grupo de brancos.

A expressão da reforço à idéia de que os grupos sociais são

constituídos de pessoas brancas.

,

Ressalta-se, ainda, que em nenhum momento da obra é possível encontrar expressão

de alegria nas ilustrações onde figuram as personagens negras. Mesmo quando a garota está

feliz, não há esboço de sorriso marcando o momento.

4. RECURSOS DE INFORMAÇÃO

4.1SUGESTÃO DE LEITURA 4.1.1 LIVRO

Figura 9

Figura 10

Foto de Ciça Fittipaldi

Foto de Ciça Fittipaldi

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1.ª Sugestão de Livro Sobrenome do autor: CAVALLEIRO Nome do Autor: Eliane dos Santos Título do livro: Racismo e anti-racismo na educação: repensando nossa escola. Local da Publicação: São Paulo Editora: Selo Negro Ano da Publicação: 2001 Comentários:

Essa obra reúne escritos de pesquisadores renomados sobre discriminação na literatura infanto-juvenil. Pode, também, ser considerado excelente material de estudos para o profissional da educação que se interesse em aprofundar os conhecimentos sobre relações racializadas na sala de aula. 2.ª Sugestão de Livro Sobrenome do Autor: HALL Nome do Autor: Stuart Título do Livro: A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução: Tomaz Tadeu da Silva Edição: 7.ª Local da Publicação: Rio de Janeiro Editora: DP&A Ano da Publicação: 2002 Comentários: Excelente apoio teórico para entender a mobilidade das identidades na pós-modernidade. Hall faz alguns estudos e comprova que as identidades não são estanques, nem únicas. Esses estudos podem servir a um embasamento teórico para a atividade proposta no item 3.3 deste OAC. 3.ª Sugestão de Livro Sobrenome do Autor: MUNANGA Nome do Autor: Kabengele (org) Título do Livro: Superando o racismo na escola. Edição: 3.ª Local da Publicação: Brasília Editora: Ministério da Educação, Secretária da Educação Fundamental. Ano da Publicação: 2001 Comentários: Esse livro reúne quatorze professores que discorrem sobre temas como: A afirmação de identidades na escola, desconstrução da discriminação nos livros didáticos, conceitos

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básicos sobre racismo, a importância das diversidades, análises de personagens negras na literatura infanto-juvenil, auto-estima da criança negra, análise de imagens ilustrativas das obras da literatura infanto-juvenil, etc. Por ser considerado uma boa indicação para desenvolver a atividade proposta no item 3.3. 4.ª Sugestão de Livro Sobrenome do Autor: BROOKSHAW Nome do Autor: David Título do Livro: Raça & Cor na Literatura Brasileira. Tradução: Marta Kirst Editora: Mercado Aberto Local da Publicação: Porto Alegre Ano da Publicação: 1983 Comentários:

Brookshaw divide sua obra em duas partes. Na primeira, elenca escritores brancos que apresentaram personagens negras na literatura brasileira; na segunda, faz referências a escritores negros que retrataram, também, personagens negras na referida literatura. Ambos os estudos podem mostrar a manutenção de estereótipos na representação dos personagens. Revelam, portanto, visões etnocêntricas de quem conta as histórias. 5.ª Sugestão de Livro Sobrenome do Autor: MARTINS Nome do Autor: José Endoença Título do Livro: O olho da cor. Local da Publicação: Blumenau Editora: Editora do Autor Ano da Publicação: 2003 Comentários: Trata-se de uma peça escrita em três atos, de conteúdo extremamente importante para se trabalhar o texto dramático relacionado a questões de relações raciais. Traz, ainda, os conceitos de negritude, negritice e negrice. Aqui os professores terão uma ótima sugestão para trabalhar o teatro negro com alunos de todas as séries do ensino fundamental e médio.

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4.1.2 INTERNET 1.ª Sugestão de Internet Título: Imagens do negro na literatura infantil - GOUVÊA, Maria Cristina Soares de. Disponível em: http://www.educacaoonline.pro.br Comentários: Esse artigo é uma revisão da história do negro na literatura infantil. Faz referência às obras de Monteiro Lobato (1936), Del Picchia (1932), Veiloso (1932), sempre procurando enfatizar o quanto os contadores de histórias, “Negros Velhos”, são estereotipados em narrativas infantis. Aqui a autora registra sua crítica, sobretudo, à obra de Lobato. 2.ª Sugestão de Internet Título: Negros personagens nas narrativas literárias infanto-juvenis brasileiras: 1979-1989. Disponível em: http://www.uneb.br/seara/artigos/Negros%20/Personagens%20nas%20Narrativas%20Literarias%pdf – [email protected] – OLIVEIRA, Maria Anória de J. Comentários: Esse artigo apresenta uma análise de doze obras da literatura infanto-juvenil em que a presença da personagem negra é foco de atenção. A autora aponta quais das obras apresentam estereótipos ou inovações e justifica com argumentos teóricos de escritores como: Munanga (2001), Silva (2001), Abramovich (1990), Lima (2000), Rosenberg (1985), Andrade (2001), dentre outros. O artigo pode ser uma excelente fonte para análise das obras propostas na atividade 3.3 deste OAC. 4.2 PARANÁ Título: O negro escravizado no Paraná A pouca importância que se tem dado aos estudos sobre africanidades no Ensino Básico, tanto na disciplina de história, quanto nas demais áreas de conhecimento, pode levar algumas pessoas à crença de que não houve escravidão no Estado do Paraná. O enfoque dado ao processo de colonização visa enaltecer as contribuições de alemães, poloneses, ucranianos e outros da imigração européia e ocultar a presença negra apagando, assim, a escravidão da história paranaense. No entanto, para compreender a escassez de publicações na literatura infanto-juvenil, é preciso antes investigar o contexto em que se deu a presença negra e reconhecer que a escravidão aqui ocorreu de fato com todos os trâmites de exploração e castigos ocorridos nas demais regiões brasileiras.

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O Paraná, até o dia 19 de dezembro de 1853, era a 5.ª Comarca da Província de São Paulo. Como tal, ficou por um bom tempo subordinado às legislações daquele Estado. As três comarcas em que foi dividida a Província do Paraná (Comarca da Capital, Comarca de Paranaguá e Comarca de Castro) tinham obrigação de divulgar a matrícula de seus escravos ao capitão-mor da Província de São Paulo. Como Paranaguá era alvo de exploração aurífera, concentravam se ali 1274 escravos contribuindo com suas forças na fundição do ouro. Também, foi ali construída, em 1697, a Real Casa de Fundição dos Quintos do Ouro (ver foto abaixo) que, sendo uma obra escrava, não teve o merecido destaque como ponto de visitação pública por muito tempo.

Real casa de Fundição dos Quintos do Ouro de

Paranaguá

Ainda que alguns historiadores forneçam valiosas fontes sobre a escravidão no Paraná, é preciso tomar certo cuidado no sentido de refletir sobre o ponto de vista de quem expõe os dados. Nesse sentido, o discurso deve servir também à reflexão. Por exemplo, em frases do tipo: “Entre esse segmento da população, a grosso modo composto de escravos, libertos e sua descendência, a parcela efetivamente escravizada contínua pequena (PEREIRA, 1996, p.59). Percebe-se aí a reprodução da idéia de eternização da condição escrava posta pelo historiador. Também o seu ponto de vista etnocêntrico é revelado em:

Portanto [...] seria difícil aplicar ao primeiro planalto conceitos como sociedade escravista ou escravocrata. A região nunca se dedicou ao criatório na escala dos Campos Gerais, e sua indústria ervateira parece ter nascido sob a égide da exploração do trabalho livre. (PEREIRA, 1996, p.59).

A conclusão do autor silencia a escravidão ocorrida no Paraná em detrimento da concepção de trabalho livre na indústria ervateira. Uma leitura que merece maior atenção. É preciso, ainda, que alunos e educadores saibam que a escravidão realmente existiu no Paraná sob as maiores barbáries expressivas de castigo e violência contra o povo negro. Os fragmentos abaixo são reveladores dessa tortura:

Capital -Foi morto no rocio da cidade Anastácio de Tal. O réo, de nome Ignácio, escravo de João Silveira de Miranda foi preso, processado, e nesta sessão do jury condenado a 450 açoutes, sendo seu senhor obrigado a trazê-lo com um ferro ao pescoço, por espaço de um ano (FERRARINI, 1971, p.53)

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Castro - Pedro, escravo dos herdeiros Ignácio Moraes d’ Oliveira, julgado a 26 de maio de 1855, n.ºde presos 8, por queixa, idade 21 a 40 anos, solteiro, homicida, condenado à morte pelo jury. -Relatório. D. Zacarias, 1855 –(FERRARINI, 1971, P.53).

O senhor de escravo no intuito de se impor mais e, ainda, não infringir as

regulamentações régias designava um de seus escravos para aplicar o castigo a outro escravo. Por exemplo:

No Districto de Palmas, em dias do mez de Abril, o preto Luíz, escravo e feitor do fazendeiro João Carneiro Marcondes, castigou por tal modo a um seu parceiro de nome Adão, que apenas solto do palanque, a que fôra atado, expirou e immediatamente. O réo foi preso e remettido ao juiz municipal de Castro para a formação da culpa por ter sido o crime commetido em município fronteiro. Ignora se já houve julgamento - Relatório do Dr. José Antônio Vaz Carvalhaes, em 07/01/1857, p.7 – (FERRARINI, 1971, P.54).

Para melhor ilustrar, seguem abaixo algumas figuras de instrumentos de tortura utilizados no período de escravidão no Paraná, sobretudo, nas cenas horrendas nas cidades de Curitiba e Paranaguá.

Têm-se aí dois tipos de algemas:

a) ALGEMAS PARA PERNAS (em cima) Ref. do Museu Paranaense, 468. Pêso ultrapassa 7 quilos.

b) ALGEMAS PARA TORNOZELOS (em baixo) Ref. do Museu Paranaense, 473. Pêso 2 .800 g.

30

ALGEMAS COM BOLA DE FERRO Ref. do Museu Paranaense, n.º 477.

Pêso, 13,400 g. Dado o exposto, restam algumas indagações a todo aquele que se aventure a

perscrutar a situação do negro escravizado no Paraná: Houve ou ainda o há escravidão no Paraná? Quais poderiam ser, metaforicamente, os instrumentos de tortura presentes na

sociedade paranaense?