02.gravidez de alto risco

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Capítulo Gravidez de Alto Risco Fatores Psicossociais OCUPA˙ˆO Esforço físico Carga horÆria e rotatividade de horÆrio Trabalho domØstico Estresse emocional SITUA˙ˆO CONJUGAL N˝VEL SOCIOECONÔMICO-CULTURAL USO DE DROGAS L˝CITAS E IL˝CITAS COMPONENTES EMOCIONAIS DA GESTA˙ˆO DE ALTO RISCO A gravidez de alto risco como fator estressante Hospitalizaçªo A família A equipe de saœde © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.

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CAPÍTULO 2 27© Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.

Capítulo

Gravidez de Alto Risco� Fatores Psicossociais

OCUPAÇÃO

Esforço físicoCarga horária e rotatividade

de horárioTrabalho domésticoEstresse emocional

SITUAÇÃO CONJUGAL

NÍVEL SOCIOECONÔMICO-CULTURAL

USO DE DROGAS LÍCITAS E ILÍCITAS

COMPONENTES EMOCIONAIS DA GESTAÇÃO

DE ALTO RISCO

A gravidez de alto risco como fatorestressante

HospitalizaçãoA famíliaA equipe de saúde

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28 GRAVIDEZ DE ALTO RISCO � FATORES PSICOSSOCIAIS

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A gravidez considerada como de alto risco exige cuidados especiais para oadequado acompanhamento. Passo anterior é a identificação de fatores derisco gravídico, encontrados entre os antecedentes clínicos e obstétricos, asdoenças atuais específicas e as intercorrentes à gestação.

Pouco valor se dá ao fatores psicossociais, utilizados na maioria dos ca-sos, para completarem-se os dados relativos à identificação da paciente. Relegá-los a plano secundário é esquecer-se da grávida como mulher que participa davida, influi e é influenciada pelas condições do meio em que vive.

Assim, a atividade profissional, o estado conjugal, o nível socioeconômico-cultural e as suas características emocionais não podem ser desprezados, poisatuam como determinantes, ou coadjuvantes, de grande importância na evo-lução da gravidez identificada como de risco.

Neste capítulo, abordam-se esses fatores, e ênfase é dada para o aspectoemocional, este com certeza, ignorado por tantos quantos lidam com a grávidade alto risco.

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2 GRAVIDEZ DE ALTO RISCO

� FATORES PSICOSSOCIAIS

J. Júlio de A. Tedesco

A gravidez traz, em si mesma, risco para a mãe e para o feto. Noentanto, em cerca de 20% delas, este risco está muito aumentado,sendo, então, incluídas entre as chamadas gestações de alto risco, emcontraposição às �normais�, ditas de baixo risco.

Assim, conceitua-se gravidez de alto risco como �aquela na quala vida ou a saúde da mãe e/ou do feto têm maiores chances de serematingidas que as da média da população considerada�2.

Alguns autores preferem considerar principalmente o feto econceituam como a �gravidez em que o feto, por atributo(s) materno(s)de gestação ou de parto, apresenta chance aumentada de dano emrelação a outro feto, gerado em condições sem o(s) referido(s)atributo(s)�6. Por isso, é chamada de �gestação de feto de risco eleva-do�. Justifica tal proposta o fato de toda condição considerada comode risco materno atingir também o feto. O inverso, no entanto, não éverdadeiro, isto é, nem todo fator ovular atinge a mãe. Exemplos cla-ros são a isoimunização pelo fator Rh e malformações fetais.

A presença de condição de risco gravídico sempre despertou aatenção de clínicos, porém foi somente com o avanço científico etecnológico obtido a partir das três últimas décadas e o conseqüenteganho de conhecimentos sobre fisiopatologia, diagnóstico e terapêu-tica, que passou a merecer cuidados especiais.

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Para a generalização de conhecimentos, o primeiro passo foi a iden-tificação populacional daquelas gestantes portadoras de fatores de risco.Para tanto, surgiram inúmeras tabelas e escores prognósticos, espelhando,cada um, as realidades dos países ou regiões em que foram elaborados.Desta forma, a adoção por país, região ou unidade de atendimento detabelas elaboradas em outros locais não encontra justificativa.

No Brasil, por suas grandes dimensões e principalmente pelo desní-vel socioeconômico-cultural entre suas regiões, evidenciam-se fatores derisco diversos, como mostram trabalhos realizados na última década.

Tomando-se em conta esta constatação, e frente a dificuldadespara executarem-se levantamentos nosológicos populacionais, elabo-rou-se tabela na qual relacionam-se os fatores comuns a todas as ou-tras e aqueles mais freqüentemente encontrados no nosso meio14. Essatabela, posteriormente por nós modificada em alguns itens, é apre-sentada a seguir (Tabela 2.1).

Tabela 2.1Fatores geradores de risco na gravidez

1. Características biopsicossocioculturaisIdade < 15 ou > 35 anosAltura < 1,45mPeso < 40.000g ou > 75.000gGanho ponderal < 7.000g até 35a semanaSolteira/união instávelInstabilidade familiarRenda familiar pequenaMenos de três consultas até 35a semanaHábitos e vícios: drogas lícitas e ilícitasComponentes emocionais

2. História reprodutiva anteriorMorte perinatal explicadaMorte perinatal inexplicadaRetardo de crescimento fetalPartos pré-termoRecém-nascido com malformaçõesRecorrência anormal de abortamentosEsterilidade/InfertilidadeIntervalo entre partos < 2 ou > 5 anosMultiparidadeNuliparidadeSíndromes hemorrágicasCirurgia uterina anterior

3. Doenças intercorrentesCardiopatiasPneumopatiasHemopatiasHipertensão arterial sistêmicaEndocrinopatiasEpilepsia/Doenças neurológicasDoenças infecciosas e parasitáriasInfecção urinária/uropatiasColagenosesImunopatiasGinecopatias

4. Doenças obstétricas na gestação atualCrescimento uterino anormal

Alterações do crescimento fetalRetardoMacrossomia

Alterações do sistema amnióticoPolidrâmnioOligodrâmnio

GemelidadeTrabalho de parto prematuroAmniorrexe prematuraPré-eclâmpsiaSangramento de origem uterinaIsoimunizaçãoPós-datismo

(Tedesco,199014).

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Serão abordados, em seguida, os fatores psicossociais: ocupação,situação conjugal, nível socioeconômico-cultural, uso de drogas líci-tas e ilícitas e os componentes emocionais (Grupo 1).

OCUPAÇÃO

No Capítulo 7, são analisadas mais aprofundadamente as rela-ções entre características do trabalho, fatores de exposição e profis-sões e a evolução clínica da gravidez. Cabe abordar no presente tópi-co seu impacto sobre o componente psicossocial da grávida.

A vasta bibliografia sobre a relação trabalho e gravidez éconsensual quando afirma que a grávida saudável pode continuarexercendo suas funções profissionais. No entanto, quando se consi-deram os diversos aspectos do trabalho, há que se repensar essa afir-mativa.

O esforço físico exigido pode não ser compatível com o estadogravídico. Levantar ou carregar pesos, subir e descer escadas, abai-xar-se, ajoelhar-se, trabalhar de pé ou sentada, períodos longos detrabalho, podem ser sobrecarga para a grávida, mesmo saudável. Éevidente que tais situações levarão a dificuldades para a execução dafunção, gerando conflitos para si própria e com colegas, chefias etc.

A carga horária e a rotatividade de horário são outros fatoresque devem ser considerados, pelos possíveis efeitos prejudiciais. Aexigência de jornada de trabalho maior que 40 horas semanais, prin-cipalmente se aliada à rotatividade de horário é atividade considera-da desgastante e, como tal, mal tolerada pelas grávidas. Membros deequipe de saúde (médicos, enfermeiras, auxiliares, técnicos) são to-mados como exemplos típicos deste tipo de trabalho.

Quando se indaga sobre a profissão da grávida há que se comple-mentar com informações sobre exposição a agentes físicos, químicose biológicos que, da mesma forma, podem trazer desequilíbrio físico epsicológico que compromete a adequada evolução da gravidez.

A atividade não-remunerada também deve ser motivo de inda-gações. É falsa a crença de que a mulher que se ocupa somente dostrabalhos domésticos tem menor sobrecarga física e emocional. Amulher que não trabalha fora tem sob sua responsabilidade os afa-zeres domésticos, cuidar dos filhos, marido e até de outros agrega-dos; trabalha em tempo integral, sem direito a descanso semanal e,

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muito menos a férias, além de dispor de pouco tempo para consul-tas médicas e exames rotineiros. Ademais, expõe-se a agentes físi-cos, químicos e biológicos (por vezes em conjunto), existentes emoutras profissões.

O sentir-se mal-adaptada à função, aliado à falta de solidariedadee compreensão de familiares e afins próximos, de colegas e chefias,geram conflitos intensos (�não consegue fazer�, �não pode mudar defunção�, �não pode abandonar o emprego� etc.), que, sem dúvida,repercutem física e emocionalmente.

O estresse emocional no desempenho do trabalho fica na depen-dência de duas variáveis: a demanda da atividade e o controle que sepode exercer sobre ela. Quanto maior a demanda ocupacional e me-nor o controle sobre a função exercida, maior o estresse emocional.Para a grávida, a constatação continua válida. Lembrar, no entanto,que o afastar-se de suas atribuições, a delegação de atividades meno-res e de pouca importância, podem tornar-se tão estressantes quantoo exercício pleno da ocupação.

SITUAÇÃO CONJUGAL

A situação conjugal é referida como fator de risco gravídico porpraticamente todos os estudiosos do assunto, mesmo considerandoterminologias diferentes: união estável ou instável, solteira, casada,não-casada, sozinha etc.

Parece válida, por isso, a tentativa de precisar-se o significadodestes termos. Neste texto, por situação conjugal estável entende-se adaquelas mulheres que vivem de maneira regular e contínua, legal oumaritalmente, com um único parceiro. Entre as situações conjugaisinstáveis situam-se as das mulheres que convivem de modo irregularcom um ou mais parceiros. Por fim, solteira é aquela que, não tendoparceiro fixo, assume sozinha a responsabilidade da gravidez.

As complicações obstétricas relatadas (parto pré-termo, baixopeso ao nascer e aumento da mortalidade perinatal) são, invariavel-mente, associadas à situação conjugal instável e às solteiras4,5,6,8,9,12,13.Explica-se que o nível socioeconômico desfavorável, as condiçõesnutricionais e de higiene deficientes, com conseqüente estado desaúde prejudicado e a promiscuidade encontrada em grande partedesse contingente de mulheres contribuem decisivamente para aevolução desfavorável da gravidez. Quando dentro de elevado pa-

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drão socioeconômico-cultural, estes agravantes podem não existir,mas a ausência de companheiro e do seu significado como suporteafetivo altera o componente emocional, transformando-se em im-portante fator de risco.

No entanto, nem sempre esta é a regra, ou seja, algumas mulheresreferidas como tendo situação conjugal estável apresentam dificulda-des emocionais (pessoais, familiares, sociais etc.) de tal monta queestas se tornam, do mesmo modo, fator de risco para a gravidez.

NÍVEL SOCIOECONÔMICO-CULTURAL

O rótulo genérico de nível socioeconômico-cultural representa asoma de vários fatores, incluindo renda familiar, padrões familiaresde higiene e saúde, tipo de moradia, nível educacional etc. Para agestação, alguns incluem o número de consultas de pré-natal, comoconseqüência das anteriores.

Os efeitos de cada um destes fatores podem ser diretos ou indire-tos, mas na realidade é difícil atribuir-lhes de modo individualizadoefeitos próprios sobre o curso da gravidez. Assim, considera-se que asua inter-relação é mais importante do que considerá-los isoladamentecomo fatores de risco gravídico.

Invariavelmente, os trabalhos mostram relação direta com a evo-lução prejudicada da gravidez, isto é, quanto mais desfavorável for onível socioeconômico-cultural, maiores as chances de complicaçõescomo parto pré-termo, retardo de crescimento, mortalidade perinatale desenvolvimento mental da criança1,4,10,11,12,15.

USO DE DROGAS LÍCITAS E ILÍCITAS

(Ver Capítulo 9)

COMPONENTES EMOCIONAIS DA GESTAÇÃO DE ALTO RISCO

(Ver também Capítulo 15)

A gravidez é considerada como crise psicológica, crise de vida,constituindo-se em tempo de mudanças profundas e inter-relaciona-das, seja no equilíbrio fisiológico e emocional como nas associaçõesinterpessoais.

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Assim, a adaptação psicológica às condições gravídicas podeser conceituada como a aquisição das condições necessárias para com-pletar tarefas ou estágios emocionais específicos.

Em geral, estes conflitos são situacionais e transitórios. No entan-to, decorrentes de condições orgânicas, psicológicas ou sociais sobre-postas, outros componentes emocionais podem se manifestar, dese-quilibrando, às vezes, a frágil estrutura psicológica materna.

É o que acontece na gravidez de alto risco. A grávida na qualidentificou-se fator de risco tem intensificadas as dificuldades paraas adaptações emocionais. O simples e habitual rotular-se �de altorisco� é suficiente para que a grávida se identifique como �diferente�,em contraposição à �normal� (ou de baixo risco).

Surge, como elemento preponderante, o medo, agora real, em re-lação ao que pode acontecer a si própria, ou ao seu filho. Sobrevém aperda de controle em relação à gravidez e a si mesma. Sentimentos deculpa, incompetência e menos-valia afloram e podem perturbar o cursoda gravidez. Como conseqüência, altera-se o nível de satisfação eenvolvimento com os cuidados médicos, surgindo atitudes negativase aumento exagerado do nível de ansiedade. A negação se manifestacomo mecanismo compensatório para identificação com o estresseou contra a ligação afetiva com o feto e se expressa em descrença ouem não acatamento das condutas médicas.

Embora os índices de mortalidade materna e perinatal tenhamdiminuído muito, graças aos novos conhecimentos adquiridos, amorbidade psicológica aumentou muito. As internações sucessivas,o repouso no leito, por vezes prolongado, os exames, invasivos ounão, alteram profundamente o equilíbrio pessoal e as inter-relaçõesfamiliares.

Na análise dos aspectos emocionais envolvidos no atendimento àgestação de alto risco, devem-se considerar: a) a gravidez de alto riscocomo fator estressante; b) hospitalização; c) a família e d) a equipe desaúde.

A Gravidez de Alto Risco como Fator Estressante

Duas situações devem ser consideradas: a condição preexiste àgestação ou surge no decorrer dela. Em cada uma manifestam-se me-canismos emocionais diferentes.

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Quando a condição de risco existe anteriormente, a gravidez poderepresentar nova chance de vida, o recomeçar a viver, a derrota dadoença16. Em tais circunstâncias, a gestação é de grande valor, os con-flitos minimizam-se e as complicações, quando existem, são enfren-tadas com disposição e segurança, tornando-se de menor gravidade emais facilmente contornáveis. Deve-se considerar, entretanto, que aotomar a decisão de engravidar, a mulher admite a possibilidade de terseu tempo de vida encurtado, de quanto a gravidez pode complicarsua saúde, ou ainda, de transmitir ao filho as doenças genéticas oudecorrentes do uso de medicamentos.

Para outras mulheres, contudo, a gravidez significa desestabili-zação das condições clínicas até então mantidas sob controle. Nestaeventualidade, as consultas amiudadas, a aplicação sem critérios demétodos diagnósticos maternos e fetais, aumentam a ansiedade edesencadeiam sentimentos de desconfiança, raiva ou revolta, porconfrontarem-se com o conceito de saúde ao qual foi encorajadaanteriormente.

Identificada como de alto risco, ela passa a se ver como �diferen-te� em relação a outras e põe-se em contato com conflito interno entrea imagem anterior (estável) e a atual (doente), agora sentida por ela.

A conseqüência natural é a perda da auto-estima, elemento psi-cológico essencial para a saúde física e mental, além de manifesta-rem-se sentimentos de incompetência e de censura. Isto dificulta aligação afetiva com o filho, mecanismo importante no processo emo-cional da gestação e dependente da percepção de dois seres integraise independentes e, mais importante, da relação entre ambos3.

Em outro grupo de gestações de alto risco, o fator agravante surgeapós o início da gravidez. Disto resulta o aparecimento de luto, pelamorte da gravidez idealizada, livre de intercorrências, que não espera-va ter. O processo emocional para a reação de luto exibe quatro etapasclassicamente descritas: impacto e descrença; busca e sensibilização;desorganização e desapego e resolução e reorganização.

O impacto e a descrença são mecanismos de defesa utilizadospara enfrentar as informações que recebem. Expressam-se por com-portamentos de negação das complicações, esquecimento de reco-mendações médicas, solicitação de alta a pedido, ou ainda evitar con-versar sobre a doença.

A seguir, a grávida busca razões ou necessita atribuir a algo ou aalguém a causa do seu infortúnio. Manifestam-se sentimentos de in-

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competência (para desempenhar o papel de mãe), de culpa (por acre-ditar que tenha feito algo que originou a complicação), de punição(por algo que tenha praticado em tempos passados) ou de censura (asi própria ou a outros), pelos acontecimentos atuais; Expressam-sepor questionamentos como �por que eu?�, �que eu fiz?�, �pago porerros...�, �não devia ter feito assim� etc.

Na fase de desorganização e desapego surgem insegurança, con-fusão com as informações recebidas e com as decisões a tomar. Sãocomuns os sentimentos de infelicidade e isolamento que originamrevolta e raiva, muitas vezes dirigida à equipe de saúde.

Finalmente, vencidas as dificuldades, consegue-se a resolução einicia-se a reorganização de planos para a gravidez.

Em síntese, é fato aceito que o melhor indicador da adaptaçãopsicológica à gravidez de alto risco é a existência de adaptação préviaao fator de risco.

É de grande importância o conhecimento e a identificação dessesprocessos pelo obstetra (e por toda equipe atendente). O desconheci-mento, ou pior, a insensibilidade do médico para com as dificuldadesda grávida em vivenciar essa experiência de perda da gravidez ideali-zada, tomando muitas vezes como afronta pessoal �às suas determi-nações� abala o relacionamento interpessoal e pode comprometerdefinitivamente o processo terapêutico.

Hospitalização

Considera-se a hospitalização como o principal dos cuidadosobstétricos para a grávida de alto risco. Significa, porém, verdadei-ro desafio adaptativo emocional para ela e sua família, pois repre-senta a conscientização da doença e suas conseqüências, o que geramedo em relação a si mesma e ao feto. Portanto, não devem passardespercebidas à equipe atendente as repercussões da internação paraa grávida.

A perda da autonomia e a dependência impostas pela rigidez doambiente hospitalar manifestam-se em conflitos gerados pela perdado autocontrole. Surgem sentimentos de desamparo e desalento e avulnerabilidade emergente se explicita pela depressão. O tédio, a in-quietação, a irritação e o aborrecimento pela adesão forçada a regrase regulamentos também devem ser considerados neste processo. O

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hospital (ou a equipe de saúde) mostra-se rígido quanto ao uso devestuário próprio, horário e tipo de alimentação, uso de pertencespessoais etc. Além disso, a inadequada distribuição de horáriospara medicação, e a tomada de dados vitais em momentos inopor-tunos interrompem o sono, trazem desconforto e, com certeza, au-mentam a ansiedade. No final da década de 70, Jean Claude Nahoun,conhecido e saudoso tocoginecologista brasileiro, já clamava contratais procedimentos, comparando a mulher internada a �passarinhona gaiola�.

O cessar das atividades diárias, a separação da família, a frag-mentação da auto-imagem por um lado, e o provimento de cuidadosmédicos diários por outro, acentuam o caráter regressivo e aumen-tam a ansiedade, próprios da gravidez. Além disso, sentimentos deaflição ou de infortúnio, levam à falta de adesão aos tratamentos pro-postos e fazem ressurgir a ambivalência, conflito entre o �querer e onão querer�.

Estes desequilíbrios emocionais se intensificam nos casos em quea grávida tem outros filhos. A preocupação de deixá-los sozinhos e asdificuldades da gravidez atual desencadeiam sentimentos de culpa eincapacidade para o desempenho do papel de mãe. Pode, então, de-senvolver sentimento de raiva em relação ao feto, pois a ligação comoutros filhos é ainda mais forte.

A internação em condições clínicas estáveis para controles(diabete, amniorrexe prematura etc.), merece atenção, pois de um ladohá dificuldade de entendimento da paciente quanto à necessidade, epor outro são comuns as dificuldades da equipe em atender essaspacientes em bom estado clínico.

Considere-se, além disso, o conceito ainda existente de ser o hos-pital �um lugar para morrer�. Isto agrava o impacto da internação oucria conotações de gravidade, o que nem sempre é verdadeiro.

O relacionamento com outras pacientes internadas é fator quedeve ser levado em conta. Como necessidade, ou por mecanismo dedefesa, estabelece-se �poderosa subcultura�, através da qual explici-tam-se questionamentos sobre diferenças de tratamento ou sobreresultados diagnósticos. São comuns, nesses casos, relatos de desfe-chos nefastos que assumem proporções míticas, passados de pacientea paciente e que persistem por longo tempo, mesmo que a �pacien-te protagonista� já tenha tido alta hospitalar7.

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O relacionamento com familiares e afins próximos também podedeteriorar-se, principalmente com o companheiro. Estabelecem-sereações de ressentimento e agressividade, em via dupla. O maridoressente-se ou censura a mulher pela separação e pelo aumento desuas responsabilidades domésticas. A mãe ressente-se da falta de su-porte emocional ou por referências desagradáveis (veladas ou explí-citas) a ela ou ao feto.

Por outro lado, a hospitalização oferece aspectos benéficos. Porvezes, funciona como elemento redutor do estresse e da ansieda-de, pois representa segurança e melhores perspectivas de sucessopara a grávida e seu filho. Pode, ainda, representar repouso e refú-gio dos afazeres diários ou dificuldades no relacionamento comseus próximos.

A Família

Com maior ou menor intensidade, os familiares e correlatos im-portantes, mas principalmente o companheiro, mostram os mesmospadrões de reação materna, demonstrando ambivalência, ansiedade,culpa, raiva, luto, ressentimento, censura e preocupação. Sentem-seexcluídos, �deixados de fora� do processo, além de, pelo geral, rece-berem poucas informações e atenção da equipe atendente. Dirigementão esses sentimentos contra a grávida e/ou à equipe. Por isso, exer-cem pressão sobre a paciente para resistir ao tratamento, solicitar altaou procurar outra equipe atendente.

Mas, é o companheiro quem mais evidencia estas reações emocio-nais. Assim, o pai pode mostrar preocupação pela saúde da mãe e/ou dofeto; pela doença e pelo risco que representa para o feto, seu filho,culpando-se por ser participante e, por vezes, o desejoso daquela gra-videz. Igualmente, pode ter raiva por assumir tarefas domésticas, àsquais não está acostumado, e pelas dificuldades financeiras, quandoa mãe também é provedora da casa.

Em sentido contrário, pode demonstrar superproteção, o que otorna �dono da grávida�, interpelando, inquirindo e exigindo expli-cações por parte da equipe, que, à sua vez, se torna refratária, aumen-tando o distanciamento médico-paciente.

Todas estas reações paternas e familiares, associadas ao estadoemocional materno abalado, geram, não poucas vezes, desacertos edesencontros, desestabilizando ou desintegrando o núcleo familiar.

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A Equipe de Saúde

A atuação da equipe de saúde deve ser analisada sob duas verten-tes: a visão da paciente e a visão de si mesma.

Sob a visão da paciente, a equipe médica é inominada. Por dese-jável, a equipe deve ser multidisciplinar e multiprofissional. Porém,não raras vezes, é desprovida de elemento coordenador que possa sertido e sentido como responsável; são muitos membros, que por vezese erradamente, segmentam-se em alguns períodos diários. A pacientenão os identifica a todos e desorienta-se em relação a quem recorrerpara obter informações, ou frente a outras necessidades.

Neste aspecto, cabe importante parcela de responsabilidade àequipe de saúde pelo não se identificar. Frases tão simples quanto�sou o doutor Fulano e faço parte da equipe que vai atendê-la�, porexemplo, alteram por completo e para melhor, a reação emocional dagrávida internada e o relacionamento entre ambos.

Na maioria das vezes, infelizmente, a equipe é sentida comodistante, fria, pouco comunicativa, mal-humorada e de fala difícil.Muitas se queixam do pouco interesse pela sua vida exterior, seudia-a-dia, suas preocupações com os filhos, casa, trabalho etc. Demodo geral, desconhece-se o nome da paciente, que passa a ser �abolsa rota do 22�, ou �a hipertensa do 19�, ou �a diabética quereinternou� etc.

As explicações são sempre escassas. Esquece-se do princípio fun-damental de que a paciente tem direito às informações, e a equipe,obrigação em fornecê-las. Em muitos casos, as pacientes sentem-setratadas com descaso, como desprovidas de qualquer senso de julga-mento, e que devem ser subservientes, acatando as decisões médicastomadas, muitas vezes, sem o seu consentimento. Mas, mesmo quan-do se dão informações, essas são insuficientes, pouco esclarecedorase em linguajar técnico; pior quando, por comodismo ou fuga, encar-regam-se os menos experientes para essa função.

Em contrapartida, a equipe, particularmente o médico, é vista, àsvezes, pela paciente como deidades ou super-homens, capazes desalvá-la e a seu filho, do inimigo ameaçador.

Quando vista por si mesma, a equipe atendente constata que apartir do primeiro contato com a grávida, passa a conviver com a suamais conhecida condição, o estresse.

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Vivencia-se o estresse frente a dificuldades diagnósticas e/outerapêuticas. A dúvida diagnóstica atua em dupla mão: aguardarem-se outros testes para informar à mãe pode ser perda de tempo preci-oso; por outro lado, se se comunica a incerteza, aumenta-se consi-deravelmente o estresse materno. Do mesmo modo, as dificuldadesterapêuticas, seja pelo tempo consumido para adequação de drogasou dosagens, pela espera de resposta clínica, ou ainda pela falta departicipação e colaboração da grávida ou familiares, são estressorescomuns na prática do atendimento à gestação de alto risco. E apesardisso tudo, o médico tem que ser suporte emocional para a grávidae familiares...

Aspecto interessante é o �conflito de onipotência�, vivido freqüen-temente. Atribuem ao médico poderes divinos de plena onipotênciasobre a vida e a morte e cobram a cura e a salvação; por outro lado, aonipotência em que foi formado não aceita as exigências, criando-se,com isso, mal-estar e mesmo desentendimentos entre médico e paci-ente (e/ou familiares), condição sempre desfavorável ao sucesso dotratamento.

Mecanismo estressor muito importante é o do momento de toma-da de decisões. Frente à necessidade de antecipação do parto, o médi-co fica em situação ambivalente entre o evoluir da gestação e o retiraro feto prematuramente, isto é: �se não antecipo, morre no útero; seantecipo, pode morrer no berçário.� Este talvez seja o momento maisdramático da atuação do obstetra. Para a tomada de decisão, numero-sas variáveis hão que ser avaliadas, e cabe a ele, em atitude solitária,e ouvida a mãe, a escolha do caminho.

O desfecho infeliz representa para o obstetra sentimento de per-da, de luto, o que deve ser trabalhado emocionalmente. Apesar dafrieza e impessoalidade patrocinadas por falhas na sua formação,o contato com a dor e sofrimento desenvolve na maioria dos médicos osentimento de ajuda e solidariedade, o que o faz se envolver com a pa-ciente e com sua doença.

Enfim, a equipe de saúde convive rotineiramente com emoçõestipo �montanha-russa�: dias de alegria e esperança alternam-se comdias de apreensão, tristeza e perdas.

Deve o obstetra alertar-se para os aspectos emocionais maternos epara os seus próprios, pois estes, em mecanismo de feed-back, retornamà gravida e familiares, fechando-se círculo que constrange e imobili-za a todos.

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