03 Locais MemoráVeis

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03/2008-LOCAIS MEMORÁVEIS Cada localidade da topografia formiguense tem sua própria memória, ou seja, guarda uma lembrança específica. Não existe ninguém neste mundo que não possua uma recordação – feliz ou infeliz – de um determinado local. E, para não fugir ao hábito, é claro que guardo em minha memória situações diversas e marcantes de muitos lugares da nossa Formiga. Começo pela praça São Vicente de Férrer, local de tantas bagunças da molecada do meu tempo (quiçá perdura até hoje). Ali, joguei animados “rachas”, travei homéricas batalhas de chic-chic (uma espécie de conchinha dura como pedra com sementes dentro) que, quando batia na cabeça daquilo doía pacas..., disputei barulhentos jogo do bafo (também conhecido como “tapão”), tentando ganhar dos adversários as suas figurinhas (principalmente as carimbadas), joguei queimada, voleibal, esconde-esconde, bete (espécie de bocha) e outros do gênero. Naquele memorável local corri de outros moleques mais valentes do que eu, dispostos a brigar. Corri também do Zico Babão, quando o chamava por esse apelido (diziam que ele tinha um facão amolado pronto para capar o primeiro que lhe insultasse). A parte lírica da pracinha era, sem dúvida, a bela fonte luminosa (existe ainda?, afinal se o coreto foi destruído, tudo pode acontecer) com suas águas coloridas. Logo abaixo da pracinha, ao lado da casa do Prof. Hélio Vaz (pai dos meus amigos João Vaz e Paulinho), tinha o Armazém Pieroni, onde, de posse da caderneta, podíamos comprar muita bolacha e até

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Cada localidade da topografia formiguense tem sua própria memória, ou seja, guarda uma lembrança específica. Não existe ninguém neste mundo que não possua uma recordação – feliz ou infeliz – de um determinado local. E, para não fugir ao hábito, é claro que guardo em minha memória situações diversas e marcantes de muitos lugares da nossa Formiga.

Começo pela praça São Vicente de Férrer, local de

tantas bagunças da molecada do meu tempo (quiçá perdura até hoje). Ali, joguei animados “rachas”, travei homéricas batalhas de chic-chic (uma espécie de conchinha dura como pedra com sementes dentro) que, quando batia na cabeça daquilo doía pacas..., disputei barulhentos jogo do bafo (também conhecido como “tapão”), tentando ganhar dos adversários as suas figurinhas (principalmente as carimbadas), joguei queimada, voleibal, esconde-esconde, bete (espécie de bocha) e outros do gênero. Naquele memorável local corri de outros moleques mais valentes do que eu, dispostos a brigar. Corri também do Zico Babão, quando o chamava por esse apelido (diziam que ele tinha um facão amolado pronto para capar o primeiro que lhe insultasse). A parte lírica da pracinha era, sem dúvida, a bela fonte luminosa (existe ainda?, afinal se o coreto foi destruído, tudo pode acontecer) com suas águas coloridas.

Logo abaixo da pracinha, ao lado da casa do Prof. Hélio Vaz (pai dos meus amigos João Vaz e Paulinho), tinha o Armazém Pieroni, onde, de posse da caderneta, podíamos comprar muita bolacha e até sapado (da marca “Boliche” para ser mais exato). Por sinal, eu e Rony, o americano que morou na minha casa, quando jogávamos “krapeaux” (versão francesa do jogo de baralho paciência), não iniciávamos as contendas se antes, eu não ligasse para o armazém pedindo para

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levar em casa “duas cocas e duzentas – com ‘a’ mesmo - gramas de bolachas de chocolate”. Bem ao lado do referido comércio dos Pieronis (do avô do colega Alessandro), tinha o consultório do dentista Dr. Oswander Rabello (pai do Léo Miller e do Lourenço) e ao seu lado, uma padaria (quem se lembra do nome?), onde me especializei em comprar guloseimas das mais diversas (maria-mole, pé-de-moleque, quebra-queixo, cocada, quindim, chocolates Lacta ou Diamante Negro, etc.). Eu ia na padaria também para comprar cigarro para o Seu Manelito, avô da Fatinha, esposa do Cláudio Senna (apesar do nojo que eu tinha por segurar as notas molhadas que ele me dava porque, antes, ele as contava e para isso, dava uma cuspidela nos dedos polegar e indicador).

E o que dizer do famoso Beco Protestante? Rua íngreme, estreita que cabia um carro somente por vez. Sua característica era o agradável aroma de café sendo torrado (Café Câmara). E quando tinha que subir o beco de bicicleta? Um esforço tremendo. Haja pedalada. O alívio era grande quando conseguia atingir o começo da rua Silviano Brandão. Lembro-me que nessa rua, também conhecida como “rua do Fórum”, por pouco não me esborrachei contra uma carroça. Certa feita, andando de bicicleta, dei carona ao Paulo Márcio de Senna que foi para a minha garupa.

A fim de mostrar ao amigo o “ás” que eu era, resolvi descer a rua no embalo. De repente, deparei com uma lenta carroça logo à frente! Tentei o freio e levei um baita susto ao verificar que o mesmo não funcionava! E a carroça se aproximava! Paulinho, já desesperado deu um grito e me implorou para parar senão “íamos beijar a traseira daquela carroça!” O medo também tomava conta de nós dois. Estávamos sem muita opção, se nos jogássemos ao chão, certamente iríamos nos machucar bem. E eis que surge

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o João Batista de Souza, eminente Oficial de Justiça do Fórum!

Sem pestanejar e em pânico, dei um grito desesperado: “Ô João! Ajuda a gente aí, porque a bicicleta está sem freio!” . Também, sem titubear, o bom amigo desceu correndo a rua e pegou-nos pela garupa, no momento exato em que íamos nos esborrachar contra a vagarosa, cujo condutor sequer notou a nossa próxima presença. Depois de agradecer ao nosso salvador, ainda ouvi sua oportuna espinafração: “Da próxima vez, vê se desce mais devagar esta rua e cuida mais da sua bicicleta!”. Envergonhado, dispensei o carona – com certeza, arrependido pela má idéia - e desde aquele incidente, que poderia ter se tornado acidente, passei a cuidar mais do meu “carango”, afinal, o meu meio de transporte principal.

Uma das mais “faladas” (bem ou mal) ruas da cidade, sem dúvida, foi a Santo Antônio, que de santo nada tinha. Passar naquela rua juntamente com os pais, era um entreolhar suspeito e uma mal disfarçada vergonha que nos fazia corar o rosto. Não era à toa, pois ali “funcionava” o baixo meretrício da cidade. Inicialmente a “sede” da suspeita região se chamava “Rancho”. A luz vermelha que podíamos ver do lado de fora denotava a qualidade do ambiente. Lembro-me que a porta era daquelas iguais às dos “saloons” do “faroeste” americano. Um chamarisco ideal aos insaciáveis... Portanto, “rua “santotonho” era a famosissíma “rua da zona”.

Por outro lado a “rua da cadeia” era – e ainda o é – a rua Carmela Dutra. Como éramos pequenos, tínhamos um certo medo de transitar naquelas bandas, apesar de termos amigos que ali moravam (como o Dempsey Freitas Pereira e o Gil Rocha, filho do agente

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funerário Sílvio Rocha, o estimado “papa-defunto” da nossa época).

A rua do cinema era um dos “points” da cidade, ou seja, era naquela rua o local de maior movimento de carros, portanto, o local da paquera. E isso acontecia principalmente aos domingos, quando havia longas filas para entrar no Cine Glória. Havia um pequeno declive logo em frente ao mencionado cinema que os motoristas mais afoitos adoravam passar em alta velocidade. Os mais atrevidos e também aparecidos, batiam o pára-choque de seus carros no chão e, por isso, levavam uma estrepitosa vaia de quem estava na fila. Sempre sumiam de vista após o vexame. Além do mais, ainda havia o “incentivo” do “friozinho na barriga” que dava ao passar à toda naquele “tobogã formiguense” !

Na praça Ferreira Pires, acontecia o famoso “jogging”, ao som da Banda Musical. Isso, bem nos primórdios, quando mudamos para Formiga. Até hoje o movimento da gurizada da paquera é intenso. Coisa boa não acaba. Na rua principal do Engenho de Serra, cujo nome não me recordo, houve também aquela memorável passagem da minha irmã Marta (já comentado em “causos” passados), quando fugiu de casa (tinha só dois anos de idade), sendo achada por uma pessoa e identificada porque disse sem qualquer constrangimento: “Sou filha do Dr. Walter”.

Finalmente, a lembrança mais marcante da rua

Bernardes Faria, onde passa a ponte é, sem dúvida, dos desfiles de carnaval e das paradas de 6 de junho e 7 de setembro, tantas vezes comentados neste espaço.

Não dá para esquecer de qualquer lugar dessa Terra. Cada metro quadrado reserva um acontecimento do passado. Os “causos” que estão eternamente impregnados naquelas ruas, avenidas, becos, vielas ou

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praças, jamais devem se perder no vácuo do tempo! Se recordar é viver, basta andar por ali...