03.4 Cidadãos Do Mundo Teoria Cidadania_cortina_adela_resenha

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223 Conjectura, Gisele Rizzon, v. 14, n. 3, set./dez. 2009 Cidadãos do mundo: para uma teoria da cidadania Gisele Rizzon * 13 * Graduada em Pedagogia pela Universidade de Caxias do Sul e Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Caxias do Sul. E-mail: [email protected]. RESENHA O livro Cidadão do mundo: para uma teoria da cidadania é, basicamente, uma análise que considera, excepcionalmente, os aspectos: sociais, econômicos, civis e interculturais de um princípio que se destacou, substancialmente, nos últimos tempos: a cidadania. A referida obra foi escrita por Adela Cortina, doutora em Filosofia e Professora de Ética e Filosofia Política na Universidade de Valência, Espanha. Seus trabalhos, no âmbito da fundamentação da moral e em ética aplicada, gozam de ampla projeção na Espanha e em outros países, especialmente, na América Latina. A obra está organizada em sete capítulos. O primeiro trata de uma teoria da cidadania. Os capítulos, compreendidos entre o segundo e o sexto, abordam pontos relevantes da cidadania nos âmbitos político, social, econômico, civil e intercultural, sendo que, para cada um desses aspectos, é designado um capítulo em especial. No sétimo capítulo, a temática envolve o processo de educar, sendo esse, segundo a autora, imprescindível para a constituição da cidadania. A obra consta, também, de um capítulo introdutório e um epílogo. “Para uma teoria da cidadania” é o título do primeiro capítulo. Nesse, a autora, de maneira bastante relevante e consciente, afirma que “entende-se que a realidade da cidadania, o fato de se saber e de se sentir cidadão de uma comunidade, pode motivar os indivíduos a trabalhar por ela”. (p. 27). O sentir-se cidadão está diretamente relacionado com o processo de conhecer os princípios relevantes que regem o conceito de cidadania. Cortina expõe como sendo um desses princípios o sentimento

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  • 223Conjectura, Gisele Rizzon, v. 14, n. 3, set./dez. 2009

    Cidados do mundo: para uma

    teoria da cidadania

    Gisele Rizzon*

    13

    * Graduada em Pedagogia pela Universidade de Caxias do Sul e Mestranda no Programa

    de Ps-Graduao em Educao da Universidade de Caxias do Sul. E-mail: [email protected].

    RESENHA

    O livro Cidado do mundo: para uma teoria da cidadania , basicamente,uma anlise que considera, excepcionalmente, os aspectos: sociais,econmicos, civis e interculturais de um princpio que se destacou,substancialmente, nos ltimos tempos: a cidadania. A referida obra foi escritapor Adela Cortina, doutora em Filosofia e Professora de tica e FilosofiaPoltica na Universidade de Valncia, Espanha. Seus trabalhos, no mbitoda fundamentao da moral e em tica aplicada, gozam de ampla projeona Espanha e em outros pases, especialmente, na Amrica Latina.

    A obra est organizada em sete captulos. O primeiro trata de umateoria da cidadania. Os captulos, compreendidos entre o segundo e osexto, abordam pontos relevantes da cidadania nos mbitos poltico, social,econmico, civil e intercultural, sendo que, para cada um desses aspectos, designado um captulo em especial. No stimo captulo, a temtica envolveo processo de educar, sendo esse, segundo a autora, imprescindvel paraa constituio da cidadania. A obra consta, tambm, de um captulointrodutrio e um eplogo.

    Para uma teoria da cidadania o ttulo do primeiro captulo.Nesse, a autora, de maneira bastante relevante e consciente, afirma queentende-se que a realidade da cidadania, o fato de se saber e de se sentircidado de uma comunidade, pode motivar os indivduos a trabalhar porela. (p. 27). O sentir-se cidado est diretamente relacionado com oprocesso de conhecer os princpios relevantes que regem o conceito decidadania. Cortina expe como sendo um desses princpios o sentimento

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    de pertena, por parte dos membros de uma determinada comunidade.Nesse mesmo captulo, ela trabalha uma dimenso histrica do conceitode cidadania, conceito esse excepcionalmente antigo, mas que, no fim nosculo XX, ressurge com vigor deslumbrante, principalmente, em virtudedo aumento de sentido da concepo de justia social.

    No segundo captulo, Cidadania poltica: do homem poltico aohomem legal, a temtica est centrada na origem da noo ocidental decidadania, a essa dupla raiz grega e romana do tempo que o acompanhaao longo de sua histria, criando no poucas confuses. (p. 30). Assim,os conceitos de cidado e de cidadania so buscados nos tempos remotose clssicos de Atenas dos sculos V e IV a.C. e de Roma do sculo III a.C. at o sculo I da Era Crist. Cortina, no decorrer desse captulo, explicitaa influncia que esses conceitos tiveram na percepo e na definio doconceito de cidado, em mbitos tericos e prticos, o que faz com quemelhor se compreenda a conceituao em vigor na contemporaneidade.A autora, nesse captulo, compe o texto por meio de estratgias de escrita,que se utilizam de uma ordem temporal, auxiliando, dessa forma, aconstruo de um pensamento ordenado, em nvel de compreenso, dassucessivas mudanas conceituais ocorridas no decorrer dos diferentestempos histricos.

    O Captulo 3, Cidadania Social: do Estado do Bem-Estar Socialao Estado de Justia, tem como foco de discusso central o nascimentoe o desenvolvimento histrico do Estado do Bem-Estar Social, assim como acrtica solidariedade institucionalizada, por esse Estado instituda. SegundoCortina, o que haveria de se institucionalizar um mnimo de justia e noo bem-estar, pois esse promove um Estado paternalista [que] gerou umcidado dependente, critiqueiro e no crtico, passivo, aptico e medocre.(p. 64). Nesse sentido, uma proposta que prime por uma cidadania,consciente e efetiva, no se constitui de forma plena. O conceito deliberdade tambm est em pauta nesse captulo, e ele colocado em diretacontraposio com a postura paternalista do Estado do Bem-Estar Social,principalmente em mbito poltico, uma vez que nesse Estado so osgovernantes [que] decidem em que consiste o bem do povo sem contarcom ele. (p. 67).

    Cidadania Econmica: a transformao da economia o ttulodo quarto captulo da obra Cidados do mundo. O enunciado da primeiraseo desse captulo: O que significa ser um cidado econmico? trazum questionamento que, de maneira sucinta e direta, pe em pauta doisconceitos dicotmicos, porm convergentes, que se apresentam nas

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    sociedades de cunho capitalista: o conceito de cidadania e o de economia.Tambm, nesse captulo, a autora lembra que as organizaes econmicasprecisam ser vistas como um grupo de pessoas que se unem, tambm,para fins dotados de cultura, no somente tendo em vista bens materiais elucro financeiro. Assim, a empresa no entendida como um tipo demquina, orientada exclusivamente para a obteno do benefcio material,mas como um grupo humano, que se prope a satisfazer necessidadeshumanas com qualidade. (p. 82). Cortina tece uma argumentao quecoloca o recurso humano como elemento de fundamental importnciadentro de um cenrio de ordem econmica. O conceito de tica tambmtransita neste campo de estudo, uma vez que esse um conceito que serelaciona, diretamente, com processos de intercmbio entrerelacionamentos humanos.

    No quinto captulo: Cidadania civil: universalizar a aristocracia, aautora faz uma reflexo a partir do pressuposto de que toda pessoapertence a uma sociedade civil. Afirma, ainda, que somente haver umacidadania civil, se houver a integrao dessas mesmas pessoas a umasociedade. Para elucidar esse pressuposto, Cortina toma, como um dosprincpios essenciais, a qualificao do trabalhador. Para isso levanta a ideiade (Reich/Reino) e afirma que a principal fonte de riqueza dos povos aqualificao dos que neles trabalham, a qualidade dos seus recursoshumanos, (p. 114); assim, a existncia de profisses precisa ser caracterizadapor atividades sociais de carter ocupacional, que zelem por uma posturatica e de cooperao entre os envolvidos. Nesse captulo, um pontobastante delicado colocado em pauta pela autora, que a questo daqualificao dos trabalhadores. Para ela os trabalhadores precisam serconsiderados uma fonte de riqueza e no somente a mais-valia que elesproduzem s organizaes, principalmente as de cunho capitalista.

    O conceito de cultura o ponto-chave do captulo seis, intituladoCidadania intercultural: misria do etnocentrismo. Nesse, a autora explicacomo sendo fundamental o processo de entendimento domulticulturalismo, e que, para respeitar uma posio no preciso estarde acordo com ela, e sim, compreender que ela reflete um ponto de vistamoral com o qual no compartilho, mas respeito em outro. (p. 146). Pormeio dessa concepo, outras situaes so conflitantes, como, porexemplo, a caracterizao de cultura, a identificao de diferentes tipos decultura, assim como a construo da identidade social, uma vez que hessa necessidade, por parte do homem, para se sentir pertencente a

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    determinado grupo. O estudo construdo passa pela percepo daimportncia necessria que deve ser dada ao processo identitrio de cadasujeito, seja ele cultural, poltico, seja ele econmico, geogrfico,principalmente, aqueles que atuam em meios nos quais o processo derespeito ao outro imprescindvel.

    Revelando como sendo fundamental pensar sobre a cidadania porvias histricas, sociais, civis, econmicas e interculturais, como propsCortina nos captulos anteriores, no stimo Educar na cidadania: aprendera construir um mundo juntos, ela disserta sobre a necessidade da presenado educar para a constituio da cidadania. Educao, aqui apresentada,no tem apenas uma conotao formal, mas estendida a todo processoque tenha como propsito o progresso dos modos de percepo docapital axiolgico. (p. 181). Dentre os valores que a autora elenca comosendo os componentes da tica cvica esto presentes: a liberdade, aigualdade, o respeito ativo, a solidariedade e o dilogo. Tais valoresexplicitam que todo cidado precisa ver-se como sujeito participante docontexto social, sendo que, por participante, ela entende aquele que atuaativamente e age ante a situaes sociais apresentadas.

    Para concluir, no eplogo, intitulado O ideal da cidadaniacosmopolita, a autora afirma que h um ideal cosmopolita, que, de algumamaneira, est nas entranhas da natureza humana, que projeta esse humanona criao de uma cidadania, tambm cosmopolita, na qual todos oscidados se sintam como verdadeiros cidados. Para a efetivao dessacidadania cosmopolita, Cortina explicita algumas teorias como sendoinsustentveis para o alcance desse fim, dentre elas, o individualismopossessivo. (p. 205). Em oposio, apresenta algumas situaes quepromovem a cidadania: a lcida e sbia solidariedade (p. 205), apromoo da Aldeia Global (por uma globalizao econmica e tica)(p. 206), e o interculturalismo universal (p. 207). com essa perspectiva,qual seja a de uma construo para a cidadania, que Cortina encerra suaobra. Numa palavra: no s o Estado ou um grupo de cidados que aefetiva, mas o conjunto de toda a sociedade, incluindo cada um dos seuscomponentes.

    A relevncia da obra pode ser representada pela seguinte afirmao:O reconhecimento da cidadania social conditio sine qua non na construode uma cidadania cosmopolita que, por ser justa, faa com que todos oshomens se sintam e se saibam cidados do mundo. (p. 210). Faz-se aproposio ancorada na explicitao que Cortina efetiva no decorrer daobra, e que, de forma substancial, aborda a necessria promoo de uma

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    teoria cidadania, para que todos os cidados realmente se sintam Cidadosdo mundo. Por fim, faz-se uma relao entre um processo de real cidadaniae a promoo de uma cultura para a paz, pois ambos tm por finalidade avalorizao de cada sujeito social, assim como o seu contexto. O sentir-sepresente, atuante e construtor de um espao a pedra fundamental detodo processo que visa efetiva autovalorizao social e, consequentemente,de respeito ao outro.

    Referncia

    CORTINA, Adela. Cidados do mundo: para uma teoria da cidadania. Trad. de Silvana

    Cobucci Leite. So Paulo: Loyola, 2005. p. 210.