04 domingo, 16 de dezembro de 2018 Entrevista 16_12_2018-04-05 entrevista DV_TSF-GERAL... ·...

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domingo, 16 de dezembro de 2018 www.dinheirovivo.pt 05 domingo, 16 de dezembro de 2018 www.dinheirovivo.pt 04 lho precário, dos dois milhões de pobres, da gestão empresarial sem formação e familiar. Há um desfasamento entre a perceção e a realidade? As perceções mudaram muito mais do que a realidade. Há muitos indicadores que vão dizer que a ca- pacidade de o Estado resolver ago- ra é inferior do que era nos piores anos da austeridade. Porquê? Por- que se encontrou maneira de colar a austeridade à cara de um e sorri- sos à cara de outro. Um é Passos Coelho, outro é An- tónio Costa? Pensei que estava claro. Eles não estavam sozinhos, havia mais pes- soas. Há o ministro das Finanças e digo que nunca houve um que ti- vesse tanta força nos governos de- mocráticos, e mesmo antes, como durante a troika. Estávamos debai- xo de um programa de austerida- de, com três organizações que não se entendiam bem. Era preciso uma visão e uma palavra única. Continuamos em austeridade por causa de regras que têm de ser cumpridas, mas com um sor- riso posto, é isso? Certas regras, que antes se chama- vam de austeridade, acabam agora por ser mais apertadas. Falo de muitos serviços públicos, a come- çar pela saúde, o ensino! Várias funções do Estado estão mais ameaçadas do que no período de ajustamento. Mas neste momento sorri-se, está tudo bem e qualquer pessoa compreende que pode fazer a diferença. O ponto é: quanto tempo demora essa diferença? E já vimos uma diferença clara entre o início deste governo, desta solução original, e a solução atual. O que acho curioso com a solução atual é que este ministro [Mário Centeno] parece não ter poder no sentido de ter as organizações consigo, mas a verdade é que ninguém lhe toca porque o primeiro-ministro não deixa. E isto aplica-se não só ao par- tido que está no governo mas tam- bém aos outros, cujos ataques são quase lúdicos. Os dois partidos da esquerda [CDU e BE] que apoiam o governo PS dão as inquietações ha- bituais, mas sem efeito prático. É essa a novidade. Não é bem um sorriso, mas é compatível com sor- riso. Se se fizesse isto com uma cara carrancuda, estaríamos outra vez em austeridade. Mas assim está tudo bem, está tudo a sorrir. O PSD tem hipóteses de vencer as legislativas contra esta nova forma de fazer política? É evidente que há hipóteses por- que as eleições são para isso, mas não há dúvida de que temos uma situação de anestesia relativamen- te às reformas estruturais que per- mitiriam a Portugal ser competiti- vo numa ordem global que está mais instável. Estamos neste mo- mento no mapa, através do turis- mo e dos investimentos. Mas se os serviços públicos se deteriorarem, como tem acontecido nos últimos anos, isto deixa de ser um sucesso. Isto é sol de pouca dura. Falar de outros partidos neste momento até parece quase impossível mas a Jorge Braga de Macedo foi ministro das Finanças no início dos anos 90, na segunda maioria absoluta PSD, do então primeiro-ministro Aníbal Cavaco Silva. Afastado da política ativa, está concentrado no ensino da Economia, nos estudos tropicais e dirige o Centro Globalização e Governação, na Universidade Nova. Tem um novo livro. Menos défice, menos dívida, menos desemprego, mais cresci- mento. É mérito do governo ou da conjuntura? Com franqueza, a situação atual em Portugal é causa de perplexida- de porque toda a gente parece es- tar com uma confiança no futuro que é desmentida, não só por uma indicação mais miudinha do que se está a passar, a ausência de refor- mas estruturais, a singular ausên- cia de más notícias, como pela si- tuação preocupante da Europa e mundial. As políticas terão de me- lhorar senão os países mirram ou desaparecem – estou a ser um bo- cadinho provocativo para respon- der à sua provocação. A situação em Portugal neste momento é “perplexizante”. Temos a cons- ciência de que muitos dos proble- mas de 1992, que têm que ver com Maastricht e a União Europeia, são resolvidos de uma maneira lá fora e depois cá é o contrário. É a solu- ção do governo nestes três anos. O ambiente que se vive no país hoje é diferente do tempo da troika. Está mais leve. Mas con- tinuamos a ser o país do traba- da do resgate, deu uma entrevis- ta à TSF... Na altura, parecia que o movimen- to de reformas nos ia permitir manter a competitividade – por- que o primeiro problema não era o orçamento, era a dívida externa. E de facto aí mudou-se de regime, continuámos a exportar. Mas a dí- vida continua. A dívida pública e a privada. Outros países que têm dí- vidas privadas altíssimas, como a Holanda, fizeram as reformas que fez a Alemanha, que fizeram os países nórdicos. Porque é que nós não fizemos? A Irlanda teve aque- le exagero bancário, mas também fez. Há países pequenos na União Europeia que conseguem dura- douramente convencer. Mas Por- tugal está em muito maior risco de voltar a ter um problema, mesmo depois de tudo o que passámos. Nesse sentido há uma diferença radical entre o período mais tristo- nho e o período sorridente, porque este é mais anestesiante. Vai tudo correr bem... Oxalá! Relativamente ao potencial da economia. O fulgor que existe na inovação e no conhecimento não o convence? Não acha que pode ser por aí? E pelo turismo? Houve aqui uma política de aumen- to do capital humano e do capital so- cial que foi feita ao longo deste pe- ríodo todo, mesmo no período difí- cil de ajustamento, portanto, claro que se está a retirar frutos. Não há dúvida de que o capital humano está melhor, mas a ligação da inves- tigação das universidades às empre- sas está muito atrás face aos padrões europeus. As reformas deram com- petitividade à Alemanha durante dez, vinte anos. Nós temos o turis- mo, que às vezes é de baixa qualida- de. A melhoria do capital humano a que se assistiu ao longo destes anos foi muito importante, mas foi mais académica, no sentido de criar até excesso de doutorados, não houve uma ligação tão íntima como há noutros países. E depois havia esta ideia de que a pessoa que se douto- rava por definição tinha de ter um emprego para a vida. Uma espécie de aristocracia operária. A política do BCE de juros muito baixos é um perigo? Podem es- tar a fermentar bolhas? Todas as grandes zonas monetárias têm vindo a abrandar, umas mais depressa do que outras. O BCE já está a dar sinais nesse sentido. A crise foi há dez anos e foi única. Foi a crise dos países que não po- diam ter crise. E alterou muita coi- sa e estamos ainda longe de ver o fim. A situação mundial está de facto muito complicada. A questão na Europa, que é neste momento mais preocupante, não é a situação da zona euro, é mais a questão do modo como a Europa consegue chegar a decisões, num mundo que deixou de ter a previsibilidade da ordem internacional. A globali- zação, neste momento, está rodea- da de uma insegurança que altera as relações económicas. O Brexit é um desastre ou ainda pode ser gerível? Chamo-lhe embuste. A probabili- Entrevista Braga de Macedo “Vivemos uma situação de anestesia, isto é sol de pouca dura” A VIDA DO DINHEIRO Perfil O especialista em “macro de economia aberta” Jorge Braga de Macedo é profes- sor de Economia da Universida- de Nova, perito em estudos tro- picais, especialista em relações internacionais, com especial in- teresse na relação entre Portu- gal e as nações lusófonas. Nas- ceu em Lisboa, há 72 anos, a 1 de dezembro de 1946. É casado e têm duas filhas e um filho. Ministro das Finanças de 1991 a 1993, último governo de Cavaco Silva. Fez o serviço militar em Angola, viveu e estudou muitos anos nos Estados Unidos, morou em Paris, mas atualmente é en- tre Lisboa e Sintra que se move mais amiúde. Nos anos 1990, foi um dos negociadores do Tratado de Maastricht e dos termos da entrada de Portugal na União Económica e Monetária, a zona euro. “Toda a gente parece estar com uma confiança no futuro que é desmentida pela indicação mais miudinha”, atira Braga de Macedo. FOTO: PAULO SPRANGER/GLOBAL IMAGENS LEIA TODA A ENTREVISTA EM DINHEIROVIVO.PT O professor de Economia e antigo ministro das Finanças de Cavaco Silva diz que Portugal, hoje, lhe causa “perplexidade”, que a austeridade continua, mas sob uma máscara de “sorrisos”. Texto: Luís Reis Ribeiro e Hugo Neutel fonia. Há um novo momento na relação com Angola, por exem- plo. Está mais confiante? Os países estão a mudar muito. Al- guns têm um problema de diversi- ficação sério, outros têm proble- mas de segurança que os levaram a tentar reforçar a autoridade do Es- tado e outros problemas de coesão nacional. A questão para Portugal é muito simples: isto é que é um jogo de longa duração. Quanto mais nós entramos na Europa, mais precisa- mos de levar a sério as relações que culturalmente são diversas mas igualmente importantes para a nossa política externa e população. Disse que gostava de falar do es- tudo da macroeconomia. Este livro. A capa é vermelha, o tí- tulo é longo: Macro de Economia Aberta: Ensino e Prática depois de Abril. É sobre como se ensinou a macroeconomia graças a Alfredo de Sousa, uma publicação da Aca- demia das Ciências de Lisboa, mas com o patrocínio do Banco de Fo- mento de Angola. Foi lançado na Academia, vai ser lançado na Nova, em janeiro. Já fui ao Porto lançá-lo, esteve lá o Cadilhe, autor de um capítulo. E, em Coimbra, es- cola, como sabe, com ideias muito contrárias às ideias da Nova, correu bem, estou vivo. questão é: há aqui um engodo, há uma diferença entre a perceção e a realidade, que é contrário ao que acontecia antes. Também havia uma diferença. Temos de agrade- cer ao Tribunal Constitucional por tornar as coisas muito mais difí- ceis, no sentido de se encarniçar relativamente aos trabalhadores, poupando parte deles, os funcio- nários, e considerando que isso era justo e igual, que não era. Foi dis- criminatório. Neste momento, reparem, não há problemas ne- nhuns, está tudo bem. E o econo- mista que olha para isso duvida. Mas o maior partido da oposição tem força ou não? Como é que avalia a liderança de Rui Rio? Não ia entrar por aqui. Falei de sor- risos, falei de doutorados, em mi- nistros. Tenho falado das coisas com tanta simplicidade e simpatia, para quê agora estar a picar? Tinha de fazer a pergunta... Tinha de ser, pois, mas compreen- derá que eu sorria. O crédito à habitação e ao con- sumo está a aumentar. Depois de uma fase de grande aperto dos bancos no que diz respeito à concessão de crédito, as institui- ções financeiras estão agora, ou- tra vez, a tornar os empréstimos mais facilitados. Estamos a ver a história a repetir-se? Isso é uma pergunta dramática. Aquilo que se esperava do esforço de ajustamento era que não voltas- se a acontecer. Disse-o neste mes- mo palco no dia da saída limpa. A 16 de maio de 2014, dia da saí- “Os dois partidos da esquerda que apoiam o governo PS dão as inquietações habituais, mas sem efeito prático. É essa a novidade.” “Fui lançar um livro à Universidade de Coimbra, escola, como sabe, com ideias muito contrárias às ideias da Universidade Nova de Lisboa, mas correu bem, estou vivo.” dade é de tal maneira horrível que não se consegue resolver o proble- ma. Qualquer previsão neste caso é má. Custa-me muito imaginar uma saída sem acordo. É claro que também não vai ser um desastre fatal, mas dado que a Grã-Bretanha já disse que vai continuar próxima dos seus parceiros na parte da se- gurança e na parte militar, vemos até que ponto só uma pouca sorte eleitoral... O Brexit é um desastre. Para Portugal é mau, mas é sobre- tudo para Inglaterra que, isolada, não vai contribuir da mesma ma- neira. Gostava de voltar à reforma do euro. Há falta de consensos para a completar. A Europa está pre- parada para uma nova crise? É um perigo. É uma coisa parecida com o que estava a dizer de Portu- gal, triste comparação, triste sorte. De facto não se está a fazer as refor- mas. Como a conjuntura está boa, não há problema. O ano de 2017 foi extraordinário na zona euro. A ar- quitetura progrediu na parte orça- mental, tem defeito naturalmente, mas a violação do Pacto não tem nada que ver com a violação do Pac- to anterior. Na altura toda a gente achou naturalíssimo, mas aquela ideia de fazer as reformas da união bancária e da união do mercado de capitais, que eram essenciais para completar a arquitetura... Fez-se muito pouco, muito vagarosamen- te. É porque os alemães não querem nada ou porque os franceses que- rem demais que não se encontram. Em relação aos parceiros da luso- “Este ministro [Mário Centeno] parece não ter poder, no sentido de ter as organizações consigo, mas a verdade é que ninguém lhe toca porque o primeiro- -ministro não deixa.” “Se os serviços públicos se deteriorarem, como tem acontecido nos últimos anos, isto deixa de ser um sucesso. Isto é sol de pouca dura.”

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lho precário, dos dois milhões de pobres, da gestão empresarial sem formação e familiar. Há um desfasamento entre a perceção e a realidade? As perceções mudaram muito mais do que a realidade. Há muitos indicadores que vão dizer que a ca-pacidade de o Estado resolver ago-ra é inferior do que era nos piores anos da austeridade. Porquê? Por-que se encontrou maneira de colar a austeridade à cara de um e sorri-sos à cara de outro. Um é Passos Coelho, outro é An-tónio Costa? Pensei que estava claro. Eles não estavam sozinhos, havia mais pes-soas. Há o ministro das Finanças e digo que nunca houve um que ti-vesse tanta força nos governos de-mocráticos, e mesmo antes, como durante a troika. Estávamos debai-xo de um programa de austerida-de, com três organizações que não se entendiam bem. Era preciso uma visão e uma palavra única. Continuamos em austeridade por causa de regras que têm de ser cumpridas, mas com um sor-riso posto, é isso? Certas regras, que antes se chama-vam de austeridade, acabam agora por ser mais apertadas. Falo de muitos serviços públicos, a come-çar pela saúde, o ensino! Várias funções do Estado estão mais ameaçadas do que no período de ajustamento. Mas neste momento sorri-se, está tudo bem e qualquer pessoa compreende que pode fazer a diferença. O ponto é: quanto

tempo demora essa diferença? E já vimos uma diferença clara entre o início deste governo, desta solução original, e a solução atual. O que acho curioso com a solução atual é que este ministro [Mário Centeno] parece não ter poder no sentido de ter as organizações consigo, mas a verdade é que ninguém lhe toca porque o primeiro-ministro não deixa. E isto aplica-se não só ao par-tido que está no governo mas tam-bém aos outros, cujos ataques são quase lúdicos. Os dois partidos da esquerda [CDU e BE] que apoiam o governo PS dão as inquietações ha-bituais, mas sem efeito prático. É essa a novidade. Não é bem um sorriso, mas é compatível com sor-riso. Se se fizesse isto com uma cara carrancuda, estaríamos outra vez em austeridade. Mas assim está tudo bem, está tudo a sorrir. O PSD tem hipóteses de vencer as legislativas contra esta nova forma de fazer política? É evidente que há hipóteses por-que as eleições são para isso, mas não há dúvida de que temos uma situação de anestesia relativamen-te às reformas estruturais que per-mitiriam a Portugal ser competiti-vo numa ordem global que está mais instável. Estamos neste mo-mento no mapa, através do turis-mo e dos investimentos. Mas se os serviços públicos se deteriorarem, como tem acontecido nos últimos anos, isto deixa de ser um sucesso. Isto é sol de pouca dura. Falar de outros partidos neste momento até parece quase impossível mas a

Jorge Braga de Macedo foi ministro das Finanças no início dos anos 90, na segunda maioria absoluta PSD, do então primeiro-ministro Aníbal Cavaco Silva. Afastado da política ativa, está concentrado no ensino da Economia, nos estudos tropicais e dirige o Centro Globalização e Governação, na Universidade Nova. Tem um novo livro. Menos défice, menos dívida, menos desemprego, mais cresci-mento. É mérito do governo ou da conjuntura? Com franqueza, a situação atual em Portugal é causa de perplexida-de porque toda a gente parece es-tar com uma confiança no futuro que é desmentida, não só por uma indicação mais miudinha do que se está a passar, a ausência de refor-mas estruturais, a singular ausên-cia de más notícias, como pela si-tuação preocupante da Europa e mundial. As políticas terão de me-lhorar senão os países mirram ou desaparecem – estou a ser um bo-cadinho provocativo para respon-der à sua provocação. A situação em Portugal neste momento é “perplexizante”. Temos a cons-ciência de que muitos dos proble-mas de 1992, que têm que ver com Maastricht e a União Europeia, são resolvidos de uma maneira lá fora e depois cá é o contrário. É a solu-ção do governo nestes três anos. O ambiente que se vive no país hoje é diferente do tempo da troika. Está mais leve. Mas con-tinuamos a ser o país do traba-

da do resgate, deu uma entrevis-ta à TSF... Na altura, parecia que o movimen-to de reformas nos ia permitir manter a competitividade – por-que o primeiro problema não era o orçamento, era a dívida externa. E de facto aí mudou-se de regime, continuámos a exportar. Mas a dí-vida continua. A dívida pública e a privada. Outros países que têm dí-vidas privadas altíssimas, como a Holanda, fizeram as reformas que fez a Alemanha, que fizeram os países nórdicos. Porque é que nós não fizemos? A Irlanda teve aque-le exagero bancário, mas também fez. Há países pequenos na União Europeia que conseguem dura-douramente convencer. Mas Por-tugal está em muito maior risco de voltar a ter um problema, mesmo depois de tudo o que passámos. Nesse sentido há uma diferença radical entre o período mais tristo-nho e o período sorridente, porque este é mais anestesiante. Vai tudo correr bem... Oxalá! Relativamente ao potencial da economia. O fulgor que existe na inovação e no conhecimento não o convence? Não acha que pode ser por aí? E pelo turismo? Houve aqui uma política de aumen-to do capital humano e do capital so-cial que foi feita ao longo deste pe-ríodo todo, mesmo no período difí-cil de ajustamento, portanto, claro que se está a retirar frutos. Não há dúvida de que o capital humano está melhor, mas a ligação da inves-tigação das universidades às empre-

sas está muito atrás face aos padrões europeus. As reformas deram com-petitividade à Alemanha durante dez, vinte anos. Nós temos o turis-mo, que às vezes é de baixa qualida-de. A melhoria do capital humano a que se assistiu ao longo destes anos foi muito importante, mas foi mais académica, no sentido de criar até excesso de doutorados, não houve uma ligação tão íntima como há noutros países. E depois havia esta ideia de que a pessoa que se douto-rava por definição tinha de ter um emprego para a vida. Uma espécie de aristocracia operária. A política do BCE de juros muito baixos é um perigo? Podem es-tar a fermentar bolhas? Todas as grandes zonas monetárias têm vindo a abrandar, umas mais depressa do que outras. O BCE já está a dar sinais nesse sentido. A crise foi há dez anos e foi única. Foi a crise dos países que não po-diam ter crise. E alterou muita coi-sa e estamos ainda longe de ver o fim. A situação mundial está de facto muito complicada. A questão na Europa, que é neste momento mais preocupante, não é a situação da zona euro, é mais a questão do modo como a Europa consegue chegar a decisões, num mundo que deixou de ter a previsibilidade da ordem internacional. A globali-zação, neste momento, está rodea-da de uma insegurança que altera as relações económicas. O Brexit é um desastre ou ainda pode ser gerível? Chamo-lhe embuste. A probabili-

Entrevista

Braga de Macedo “Vivemos uma situação de anestesia, isto é sol de pouca dura”

A VIDA DO DINHEIRO

Perfil O especialista em “macro de economia aberta” Jorge Braga de Macedo é profes-sor de Economia da Universida-de Nova, perito em estudos tro-picais, especialista em relações internacionais, com especial in-teresse na relação entre Portu-gal e as nações lusófonas. Nas-ceu em Lisboa, há 72 anos, a 1 de dezembro de 1946. É casado e têm duas filhas e um filho. Ministro das Finanças de 1991 a 1993, último governo de Cavaco Silva. Fez o serviço militar em Angola, viveu e estudou muitos anos nos Estados Unidos, morou em Paris, mas atualmente é en-tre Lisboa e Sintra que se move mais amiúde. Nos anos 1990, foi um dos negociadores do Tratado de Maastricht e dos termos da entrada de Portugal na União Económica e Monetária, a zona euro.

“Toda a gente parece estar com uma confiança no futuro que é desmentida pela indicação mais miudinha”, atira Braga de Macedo. FOTO: PAULO SPRANGER/GLOBAL IMAGENS

LEIA TODA A ENTREVISTA EM DINHEIROVIVO.PT

O professor de Economia e antigo ministro das Finanças de Cavaco Silva diz que Portugal, hoje, lhe causa “perplexidade”, que a austeridade continua, mas sob uma máscara de “sorrisos”. Texto: Luís Reis Ribeiro e Hugo Neutel

fonia. Há um novo momento na relação com Angola, por exem-plo. Está mais confiante? Os países estão a mudar muito. Al-guns têm um problema de diversi-ficação sério, outros têm proble-mas de segurança que os levaram a tentar reforçar a autoridade do Es-tado e outros problemas de coesão nacional. A questão para Portugal é muito simples: isto é que é um jogo de longa duração. Quanto mais nós entramos na Europa, mais precisa-mos de levar a sério as relações que culturalmente são diversas mas igualmente importantes para a nossa política externa e população. Disse que gostava de falar do es-tudo da macroeconomia. Este livro. A capa é vermelha, o tí-tulo é longo: Macro de Economia Aberta: Ensino e Prática depois de Abril. É sobre como se ensinou a macroeconomia graças a Alfredo de Sousa, uma publicação da Aca-demia das Ciências de Lisboa, mas com o patrocínio do Banco de Fo-mento de Angola. Foi lançado na Academia, vai ser lançado na Nova, em janeiro. Já fui ao Porto lançá-lo, esteve lá o Cadilhe, autor de um capítulo. E, em Coimbra, es-cola, como sabe, com ideias muito contrárias às ideias da Nova, correu bem, estou vivo.

questão é: há aqui um engodo, há uma diferença entre a perceção e a realidade, que é contrário ao que acontecia antes. Também havia uma diferença. Temos de agrade-cer ao Tribunal Constitucional por tornar as coisas muito mais difí-ceis, no sentido de se encarniçar relativamente aos trabalhadores, poupando parte deles, os funcio-nários, e considerando que isso era justo e igual, que não era. Foi dis-criminatório. Neste momento, reparem, não há problemas ne -nhuns, está tudo bem. E o econo-mista que olha para isso duvida. Mas o maior partido da oposição tem força ou não? Como é que avalia a liderança de Rui Rio? Não ia entrar por aqui.�Falei de sor-risos, falei de doutorados, em mi-nistros. Tenho falado das coisas com tanta simplicidade e simpatia, para quê agora estar a picar? Tinha de fazer a pergunta... Tinha de ser, pois, mas compreen-derá que eu sorria. O crédito à habitação e ao con-sumo está a aumentar. Depois de uma fase de grande aperto dos bancos no que diz respeito à concessão de crédito, as institui-ções financeiras estão agora, ou-tra vez, a tornar os empréstimos mais facilitados. Estamos a ver a história a repetir-se? Isso é uma pergunta dramática. Aquilo que se esperava do esforço de ajustamento era que não voltas-se a acontecer. Disse-o neste mes-mo palco no dia da saída limpa.� A 16 de maio de 2014, dia da saí-

Há economia em tudo o que há

“Os dois partidos da esquerda que apoiam o governo PS dão as inquietações habituais, mas sem efeito prático. É essa a novidade.” “Fui lançar um livro à Universidade de Coimbra, escola, como sabe, com ideias muito contrárias às ideias da Universidade Nova de Lisboa, mas correu bem, estou vivo.”

dade é de tal maneira horrível que não se consegue resolver o proble-ma. Qualquer previsão neste caso é má. Custa-me muito imaginar uma saída sem acordo. É claro que também não vai ser um desastre fatal, mas dado que a Grã-Bretanha já disse que vai continuar próxima dos seus parceiros na parte da se-gurança e na parte militar, vemos até que ponto só uma pouca sorte eleitoral... O Brexit é um desastre. Para Portugal é mau, mas é sobre-tudo para Inglaterra que, isolada, não vai contribuir da mesma ma-neira. Gostava de voltar à reforma do euro. Há falta de consensos para a completar. A Europa está pre-parada para uma nova crise? É um perigo. É uma coisa parecida com o que estava a dizer de Portu-gal, triste comparação, triste sorte. De facto não se está a fazer as refor-mas. Como a conjuntura está boa, não há problema. O ano de 2017 foi extraordinário na zona euro. A ar-quitetura progrediu na parte orça-mental, tem defeito naturalmente, mas a violação do Pacto não tem nada que ver com a violação do Pac-to anterior. Na altura toda a gente achou naturalíssimo, mas aquela ideia de fazer as reformas da união bancária e da união do mercado de capitais, que eram essenciais para completar a arquitetura... Fez-se muito pouco, muito vagarosamen-te. É porque os alemães não querem nada ou porque os franceses que-rem demais que não se encontram. Em relação aos parceiros da luso-

“Este ministro [Mário Centeno] parece não ter poder, no sentido de ter as organizações consigo, mas a verdade é que ninguém lhe toca porque o primeiro--ministro não deixa.” “Se os serviços públicos se deteriorarem, como tem acontecido nos últimos anos, isto deixa de ser um sucesso. Isto é sol de pouca dura.”