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1 Sociedade e Cultura Inglesas Apontamentos de: Alda Delicado E-mail: [email protected] Data: 23/10/2007 Livro: Nota:

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Sociedade e Cultura Inglesas Apontamentos de: Alda Delicado E-mail: [email protected] Data: 23/10/2007 Livro: Nota:

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Sociedade e Cultura Inglesas I – Do Pré-Moderno à Modernidade A formação da nação inglesa foi um processo longo para o qual contribuíram diversas circunstâncias: 1) A fixação nas Ilhas Britânicas de diferentes tribos e formações sociais no período romano e posteriormente, que deram origem aos reinos feudais 2) A constituição de um sistema de coesão social baseado na hierarquia e no kinship 3) A difusão do cristianismo 4) A formação de uma língua comum tanto para a comunicação quotidiana como para a expressão poética e literária 1 – Do Império Romano ao Feudalismo 1.1 A desintegração do império romano → No princípio do século V dC, o império romano estendia-se desde a Península Ibérica à

Pérsia e desde a Escócia ao Norte de África → As ilhas Britânicas foram alvo de duas invasões chefiadas por Júlio César em 55 e 54 aC

mas que não resultaram na conquista do território → Em 43 aC o imperador Cláudio empreendeu a conquista das ilhas e no final do século I a

totalidade da Inglaterra e Gales estavam incorporadas no império → O império romano dependia essencialmente da organização dos seus exércitos e da

capacidade bélica para a sua manutenção já que a grande maioria do território não era governado directamente por Roma

→ Em Inglaterra a dominação romana assumiu duas formas principais: � Concelhos locais regulares chefiados por notáveis locais � Governantes britânicos sob supervisão romana – reinos clientes ou estados satélite

nativos → Um dos resultados desta política diversificada foi uma ampla divergência entre os vários

territórios nomeadamente na adopção de costumes romanos → Após na conquista, Cláudio investiu em obras arquitectónicas que demonstrassem a

superioridade romana, como aconteceu em Colchester → Para a pacificação do território foi ainda necessário conquistar as tribos bretãs

nomeadamente a rainha Boudicca e os Trinovantes → Os reinos clientes foram-se desmembrando e no século II a sociedade britânica foi-se

desenvolvendo e seguindo os modelos romanos → Este foi um período de paz no qual a principal actividade era a agricultura, articulando-se a

vida nas zonas rurais com a vida nas cidades → A presença do imperador Adriano na região em 122 levou a um novo surto de construções

visíveis por exemplo na célebre muralha que defendia as regiões do Norte → Nos finais do século começaram a surgir surtos de revoltas nas zonas fronteiriças

nomeadamente durante o reinado de Septimio Severo (193-211) que se instalou em Londres para seguir as campanhas de preservação das fronteiras

→ No final do século III dá-se uma revitalização dó império com os imperadores Dioclesiano e mais tarde Constantino, que com o édito de Milão de 313 acaba com a perseguição aos cristãos e algumas anos mais tarde proclama o cristianismo a religião oficial do império

→ No princípio do século IV o Sul de Inglaterra é palco de uma grande prosperidade de que são testemunho grandes casas de campo e propriedades rurais onde se verifica, no entanto, uma recuperação dos cultos religiosos tradicionais

→ A prosperidade terminou em 353 devido a conflitos políticos relacionados com a sucessão e devido a incursões bárbaras

→ Os acontecimentos da primeira metade do século V são pouco conhecidos, mas dois fenómenos levaram a uma mudança profunda nas Ilhas Britânicas: � A divulgação do cristianismo e a sua aceitação pela aristocracia � Reforço do poder das forças bárbaras mercenárias contratadas por Roma

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→ Uma das formas mais devastadoras de heresia neste século deveu-se a um britânico, Pelágio, que teria até levado à intervenção de bispos gauleses como Germanus de Auxerre e Lúpus de Troyes

→ A principal fonte deste período é a Ecclesiastical History of the English People de Beda de cerca de 731 embora não seja muito claro o processo de desagregação do império romano nas Ilhas britânicas

1.1.1 Factores genéricos de caracterização do impér io → O Império romano assentava nas estruturas militares e na capacidade de fazer a guerra,

coexistindo formas de organização social muito diversas → Dos elementos que caracterizam a sociedade durante o império romano, destacam-se

dois: � A importância da família abrangia todos os dependentes e pessoal doméstico e não

apenas os laços de sangue; incluía ainda os clientes com os quais eram estabelecidas relações de protecção e prestígio

� O reconhecimento público do mérito individual – materializada em obras de escultura e arquitectónicas destinadas a celebrar vitórias e que se mantiveram durante séculos como forma de celebração da excelência

→ Para além destes factores, outros se apontam como tendo sido fundamentais para a unidade cultural da Europa: a utilização de uma língua comum, o latim e a prática de uma única religião, o cristianismo

1.2 A Inglaterra anglo-saxónica → Trevelyan refere que a presença romana deixou 3 coisas de valor em Inglaterra: o

cristianismo galês, as estradas romanas e a importância tradicional de algumas cidades como Londres

→ O período anglo-saxónico baliza-se entre os meados do século V e s morte em 1087 de Guilherme o Conquistador

→ Neste período surgiram alguns padrões de organização social que perduraram durante muitos séculos: � Os county shires ou unidades territoriais de poder local � A rede de dioceses e paróquias � As aldeias e cidades inglesas que adoptaram neste período nomes que ainda

perduram � O surgimento de uma forma ancestral do inglês moderno

→ O ritmo das mudanças neste longo período foi lento mas produziram alterações nas organizações do poder, na economia, no desenvolvimento populacional e nas artes e mecenato

→ Existiram no entanto aspectos da sociedade anglo-saxónica que apresentaram continuidade: � As mulheres parecem ter tido grande importância surgindo como fundadoras de casas

monásticas, proprietárias e gestoras de bens próprios � A organização das famílias � Os laços que ligam os senhores e os deus dependentes

1.2.1 Aspectos da organização social → A lealdade é a forma mais importante de relação entre um senhor e os seus companheiros

– comités ou gesithas → Esta relação não era tribal mas sim pessoal tal como a descreveu Tácito no século I: um

chefe de reconhecido valor atraía a si membros de várias tribos que lhe dedicavam total lealdade, que seria recompensada por armas, cavalos, terras e um lugar de destaque na comemoração das vitórias

→ A estabilidade do período anglo-saxónico deveu muito às relações de família, o kinship e ao comitatus

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→ A relação entre o senhor e o seu companheiro envolvia o dever da vingança ou a exigência de uma compensação em caso de um deles ser morto

→ A compensação era chamada wergild e era um preço estabelecido que variava com a importância da pessoa assassinada – estes valores permitem-nos hoje em dia ter uma noção da hierarquia

→ Existiam três tipos de homens livres, três tipos de semilivres e ainda três tipos de escravos, embora a terminologia seja variada consoante as regiões

→ Em Kent os nobres eram chamados earl enquanto noutras regiões o termo não é usado → A palavra geshitas é mais tarde substituída por thane, que passou a designar os servidores

do rei e que com as suas famílias formam a nobreza → O homem livre comum é chamado churl, sendo que podia ser um proprietário substancial

de terras → Abaixo do churl ainda se distinguiam os laet e os camponeses → Por fim na hierarquia vinham os escravos que embora tivessem um preço, não era

designado por wergild e eram considerados simplesmente com um produto; podiam ter origens diferenciadas: � Descendentes da população bretã (o termo briton significava escravo) � Prisioneiros de guerra � Condenados por determinados delitos ou pelo não pagamento de dívidas

1.2.2 Composição étnica → Beda refere que no período entre os séculos V e XI existiam nas Ilhas Britânicas 4 povos

que falavam 5 línguas: os Ingleses, os Bretões, os Irlandeses e os Pictos que falavam os seus dialectos próprios e tinham uma língua comum, o latim

→ Os bretões foram os primeiros habitantes que povoaram o Sul de Inglaterra vindos do Norte de França

→ Os Pictos vieram da Escandinávia pás as costas norte da Irlanda, onde encontraram os Irlandeses que os aconselharam a fixar-se na Escócia, para onde os Irlandeses teriam imigrado também mais tarde

→ Entre 449 e 456 os Anglos ou Saxões teriam vindo para a Bretanha a convite do rei Vortingern para protegerem as terras das incursões dos povos do Norte mas no fim das lutas chamaram mais conterrâneos seus e dominaram a região – estes povos germânicos seriam representantes das raças dos Saxões, Anglos e dos Jutas

→ A pesquisa arqueológica não confirma totalmente a versão de Beda mas leva antes a pensar que a fixação dos povos germânicos foi um processo longo continuando até às primeiras décadas do século VI

→ O estabelecimento dos povos germânicos nas Ilhas Britânicas levou a uma descontinuidade com o período romano especialmente em duas áreas, a língua e a religião

1.2.3 A língua e a religião → Na língua, regista-se uma ruptura com o latim e com o celta e a consequente imposição da

sua própria língua → Nas restantes regiões europeias tinha-se registado o oposto continuando o latim a dominar → A toponímia de Inglaterra é uma das evidências desta supremacia da língua anglo-

saxónica sendo raros os nomes que preservaram a sua raiz latina → O cristianismo romano era muito importante no século V em especial entre os proprietários

romano-bretões → Em meados do século V S. Patrício que era de origem romano-britânica cristianizou a

Irlanda, o oeste da Escócia e a região de Northumbria → O isolamento da Irlanda face a Roma levou a que se desenvolvesse uma igreja e uma

civilização próprias de raiz celta e que ao expandir-se em Inglaterra entraria em conflito com o cristianismo romano

→ No século VI para reforçar o cristianismo entre os anglo-saxões, o papa Gregório o grande enviou Santo Agostinho numa missão de cristianização

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→ O paganismo nas ilhas continuava no entanto a existir e os conflitos entre casas reais mais ou menos favoráveis ao cristianismo levou a flutuações na estabilidade dos cristãos

→ Em meados do século VII é evidente a diversidade de práticas litúrgicas e da organização da igreja

→ Em 644 a igreja de Northumbria convoca o sínodo de Whitby que se decide pela conformidade com as práticas litúrgicas de Roma

→ Esta decisão levou a um incremento das relações com as regiões mediterrânicas nomeadamente através das viagens de monges e eruditos como benedict Biscop ou Wilfrid

→ A ocupação de cargos eclesiásticos em Inglaterra por homens com as mais diversas origens era por isso uma prática comum nos primeiros tempos da igreja católica

1.2.4 A cultura cristã → A conversão ao cristianismo trouxe importantes mudanças,

� A nível da atitude face à transcendência, à visão do mundo e ao relacionamento do homem com os seus semelhantes

� A construção de igrejas introduziu novos materiais e técnicas como o uso da pedra e de novos elementos decorativos

� O latim voltou a ser utilizado nos rituais religiosos e na escrita � Desenvolveu-se ainda a música e o canto praticados nas liturgias � A preservação das relíquias dos santos gerou ainda novas necessidades de bordados,

ourivesaria, trabalho dos metais e pintura � A instrução e a técnica de fazer livros também se expandiram e embora raramente

saíssem dos limites dos mosteiros desenvolveram-se → Algumas das obras e autores mais lidos deste período foram:

� Santo Agostinho de Hipona � Santo Ambrósio � São Gregório � Isidoro de Sevilha � Poetas cristãos como Arator, Sedulio, Juvenco, Fortunato, Próspero, Lactâncio e

Prudêncio � Historiadores Eusébio, Orósioo, Josephus, Cassiodoro e Gregório de Tours � Autores clássicos como Plínio, Ovídio e Virgílio � Lindisfarne Gospels escritos e iluminados pelo bispo Eadfrith � Book of Durrow � Durham Gospels � Echternach Gospels � Lichfield Gospels � Book of Kells

→ A criação de mosteiros envolvia a concessão de propriedades à igreja que muitas vezes se tornavam negócios familiares sendo passadas de geração em geração sempre dentro da mesma família

→ A posse das terras era fundamental para a execução de tarefas religiosas como a produção de manuscritos que exigiam abundantes recursos

→ Ambas as linhas de divulgação do cristianismo garantiam a sua continuidade através do ensino de matérias necessárias ao sacerdócio: o latim, as Escrituras, o computo das estações do ano e a música

→ Os mosteiros irlandeses no século VII continuavam a ensinar gramática e retórica → A partir do século VII há uma mudança no estudo da filosofia que é substituída pelo

cristianismo como modelo de pensamento e de vida → No século V Santo Agostinho com a sua beata vita e Boécio com A Consolação da

Filosofia ainda defendiam um sistema filosófico como base da vida, no século VIII já nenhum estudioso defendia essa noção

→ Existia no entanto uma visão prática do cristianismo sendo a actividade dos mosteiros orientada para a produção de textos úteis ou edificantes

1.2.5 As invasões viking e as reformas do rei Alfre do

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→ A partir de finais do século VIII a costa leste de Inglaterra passou a ser alvo de raids de vikings que provocaram a destruição de mosteiros e a conquista de centros urbanos importantes como York, Lincoln, Nottingham, Derby, Leicester e Stamford

→ A invasão só foi travada no último quartel do século IX pelo rei anglo-saxónico Alfredo (871-899) que conseguiu consolidar a sua área de influência no Sul

→ A presença viking só desapareceu já no século X mas deixou marcas duradouras → No norte foi visível o declínio dos mosteiros e da cultura monástica → O rei Alfredo respondeu a este declínio com uma reforma educativa que pretendia

aumentar a competência de leitura e escrita em vernáculo e o fornecimento de livros em inglês

→ Algumas das obras mais importantes deste período recomendados pelo rei Alfredo: � The Pastoral Care de Gregório o Grande � Dialogues de Gregório o Grande � Universal History Against the Pagans de Orósio � Ecclesiastical History of the English Nation de Beda � On the Consolation of Philosophy de Boécio � Solilóquios de Santo Agostinho

→ Alfredo foi o grande impulsionador do old English na sua forma escrita → Na poesia vernácula destacam-se duas composições: Caedmon’s Hymn e Bede’s death

Song → Podem distinguir-se 3 fases na literatura anglo-saxónica:

� O período de Beda, anglo-latino no qual aparecem os primeiros versos em old english � O período de Alfredo no qual surge a prosa vernácula � O período da reforma beneditina em que o old english se desenvolve e aplica a várias

finalidades civis e religiosas → A poesia vernácula do período de Beda pertence ainda a uma cultura oral e os poemas

são anónimos, compostos ao longo de várias gerações antes de serem colocados por escrito: � Dream of the Rood – poema de temática religiosa � Beowulf – poema épico que se desenrola no sul da Escandinávia no século VI � Brunanburgh e Maldon

→ O rei Alfredo entendia que a sabedoria era indispensável aos cristãos e que seria adquirida através da aprendizagem

→ O seu reinado viu ainda nascer a Crónica Anglo-Saxónica que continuou a ser compilada até ao século XII

1.2.6 A reforma beneditina → No século X assiste-se a um movimento de reforma da vida monástica inspirado por

movimentos análogos na Europa nomeadamente em Cluny e Fleury em França e em Ghent e St Omer na Flandres

→ O rei Edgar garantiu a doação e conservação das terras que asseguravam o pagamento dos tithes fundamentais à sobrevivência das casas monásticas

→ Em Inglaterra a reforma beneditina tinha 2 aspectos importantes: � A reforma da vida monástica em termos da liturgia e do celibato � A uniformização das práticas das diferentes casas monásticas promovido pelo rei e

expresso no documento Regularis Concórdia → Apesar destes esforços a reforma beneditina não atingiu toda a Inglaterra mas apenas as

regiões do Sul onde a influência do monarca era maior – no Norte as perturbações provocadas pelas invasões vikings ainda se faziam sentir

→ As principais inovações introduzidas por esta reforma foram: � Alterações na arquitectura das igrejas para permitir procissões, coros e canto em

antifonia � Iluminação e ornamentação ganharam novo relevo � Alfaias litúrgicas com materiais cada vez mais ricos e com desenhos mais elaborados

→ A arte deste período ficou conhecida como Winchester art devido à preponderância dessa catedral no processo de reforma – nela reuniu o conclave que redigiu a Regularis

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Concórdia e nela se desenvolveu a forma mais conhecida de old english usada como norma durante mais de um século

→ Existiam três variantes orais do old english: Canterbury no Sul, Worcester a ocidente e York a norte

→ Uma segunda vaga de invasões viking começou em princípios do século X e inícios do século XI e que obrigou ao pagamento de pesados tributos

→ Surgiu mesmo uma dinastia dinamarquesa de curta duração com o rei Canuto, que chegou a construir mosteiros e a proteger as artes, prova de que o cristianismo não esmoreceu em Inglaterra

→ Eduardo o confessor (1042-1066) foi o último rei anglo-saxão e foi ele que começou o processo de adopção de influências normandas, já que antes de subir ao trono inglês tinha estado exilado na Normandia

→ Um dos exemplos mais marcantes da influência trazida por Eduardo é a catedral de Westminster começada em 1050

→ Guilherme o Conquistador que sucedeu a Eduardo promoveu uma sangria de bens e riquezas para a Europa mas também a construção de castelos e igrejas que fizeram desaparecer a herança anglo-saxónica

2 – A Inglaterra Medieval: séculos XI a XIII 2.1 Contexto político → No ano de 1066 começou a última das invasões nas Ilhas Britânicas que completou o

padrão étnico e cultural da sociedade medieval inglesa → Guilherme encontrou uma sociedade rica e culta com tradições e um complexo sistema

jurídico, enquanto ele provinha de uma região com fronteiras mal definidas, povoada por vikings e dinamarqueses cujo espírito de conquista estava bem vivo

→ Foi uma conquista aristocrática e não uma invasão nacional já que Guilherme depois da vitória distribuiu as terras dos aristocratas anglo-saxões pelos seus seguidores

→ No período entre a batalha de Hastings em 1066 e a morte de Eduardo I em 1307, várias foram as transformações da sociedade: � Formação dos organismos de consulta e decisão no âmbito do poder real � Formação embrionária do parlamento

→ A casa real no tempo de Guilherme I governava ainda directamente o país e contava com: o exchequer, a capela, o hall e a câmara (chamber)

→ O Exchequer era o organismo central que reunia duas vezes por ano com a presença de todos os ministros do rei e cujos procedimentos ficavam registados por escrito nos chamados Pipe rolls dos quais o mais antigo sobrevivente data de 1130 do reinado de Henrique I

→ A direcção da capela cabia ao Chancellor ao qual cabia a função de guardar o selo real e superintender as tarefas da administração do reino

→ O Hall era mais complexo envolvendo a administração das comidas e bebidas e organizada numa hierarquia perfeitamente delineada

→ A Câmara real era responsável pelo bem estar do rei mas também pelo Tesouro, sendo os seus funcionários mais importantes o master chamberlaine e o tesoureiro

→ Outros funcionários da casa real eram: � Constable com a função de zelar pela segurança dos membros da casa real e controlar

as forças reais em tempo de guerra � Marshal que zelava pela pessoa do rei, pela sua vida diária e rotinas

→ No século XII os membros do Exchequer ainda faziam parte da casa real assim como o tesoureiro e o chancellor, mas no princípio do século XIII o Exchequer era um departamento do estado que reunia em Westminster e o tesouro era um departamento subordinado estando ambos separados da casa real

→ O Justiciar substituía o rei nas suas ausências e juntamente com o chancellor e com o treasurer constituíam o conselho alargado que participava nas decisões reais

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→ Nos 35 anos do reinado de Henrique II foram consolidadas práticas de governo e administração da justiça que dotaram o reino de uma maior segurança e de um conjunto de homens aptos a governar

→ O reinado de João foi marcado pela assinatura da Magna Carta em Runnymede em Junho de 1215 – o rei fez concessões a todos os homens livres reconfirmadas pelos seus sucessores até Henrique VII

→ Tem sido considerada o documento fundador da democracia parlamentar britânica e embora possa ser um exagero de interpretação, abre uma nova época em que o poder real foi controlado não pelo receio das revoltas mas sim pela aceitação das contingências da lei

→ De destacar ainda a actuação de Simon de Monfort que em 1265 quando se revoltou contra Henrique III convocou os representantes dos shires e boroughs para uma assembleia

→ No final do século XIII Eduardo I passou a convocar assembleias de cavaleiros, habitantes dos burgos e membros do clero para debater os seus projectos e para aprovar o levantamento de mais impostos

→ O Great Council, formado pelos grandes barões reunia com pouca frequência e era geralmente substituído por uma reunião dos conselheiros mais próximos do rei

→ As reuniões do Grande Conselho passaram a ser chamadas Parlamento que vinha da palavra francesa parlement ou debate

→ O supremo corpo governante do país no século XIII era o The King in Council in Parliament que desempenhava as seguintes funções � Supremo tribunal � Lugar onde o rei testava a opinião pública sobre as suas medidas � Lugar onde requeria o apoio financeiro para as suas medidas � Local de promulgação de legislação � Revisão dos usos e das práticas da administração

2.2 Os laços sociais → Os servidores do rei na casa real eram recompensados não apenas em dinheiro, géneros

ou roupas mas também em terras → Com o avançar do século XII as terras disponíveis para doação foram-se reduzindo e as

doações reais passaram a ser feitas através de uma renda anual extraída da quinta de um shire e paga pelo sheriff ou pelo exchequer

→ No século XI todos os nobres foram chamados a prestar um juramento de fidelidade a Guilherme I chamado Salisbury Oath (1086)

→ Guilherme I também promoveu o levantamento de todas as propriedades do reino em terras e animais de todos os arcebispos, bispos, abades, condes e outros

→ Esse levantamento teve alguma resistência por parte dos proprietários tendo que ser repetido e tendo alguns dos proprietários sido condenados por perjúrio

→ O resultado desse levantamento completado apenas no século XII foi Domesday Book → A partir desse documento podemos ter uma ideia dos barões e cavaleiros do reino sendo

que os primeiros não chegavam a 200 e os segundos seriam cerca de 4 mil → As recompensas na distribuição de terras por Guilherme I parecem ter seguido 2 critérios:

� A segurança de pontos-chave das fronteiras com a Escócia e o País de Gales � A dispersão de terras a diferentes senhores para garantir que nenhum teria recursos

concentrados que colocassem em perigo a supremacia real → Os laços entre os senhores e o rei funcionavam por gradações sucessivas que se foram

estruturando à medida que o princípio da hereditariedade garantia a transmissão da propriedade de geração em geração

→ Os senhores feudais podiam doar terras criando um laço de liege homage que vinculava o cavaleiro ao seu senhor

→ Quando um cavaleiro recebia terras de mais do que um senhor, devia allegiance àquele que lhe tinha doado a residência principal, executando vários deveres: nunca julgar o senhor, segui-lo na guerra, guardar o seu castelo e escolta-lo e à sua família

→ Os cavaleiros podiam comutar os serviços em dinheiro – uma prática chamada scutage e que já era comum no século XII

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→ A evolução na sociedade era possível, quer pela ruína de alguns proprietários sujeitos a rendas e taxas elevadas, quer pela recompensa da lealdade e bravura

→ O poder não estava centralizado mas sim disperso em partes autónomas – não existia também uma escala hierárquica linear composta por senhores, vassalos e camponeses

2.3 Enquadramento sócio-económico → A população de Inglaterra vivia essencialmente da agricultura → Uma grande parte do território estava coberto por florestas protegidas por legislação que

as reservava para coutadas reais → As terras aráveis eram cultivadas em campos abertos que se podiam estender por

dezenas ou centenas de hectares → Este sistema de cultivo era conhecido como common field system tendo levado alguns

historiadores a interpretar a comunidade medieval como um modelo de sociedade comunitária e igualitária, porém a posse da terra não era dos camponeses

→ O sistema de cultivo em open field manteve-se inalterado até à revolução agrária do século XVIII mas nem todas as regiões o adoptaram já que é impraticável em regiões montanhosas ou de maior densidade florestal

→ A aldeia medieval dispunha ainda de prados para alimentar o gado e em algumas regiões as ovelhas e carneiros dominavam os interesses económicos em algumas regiões

→ Das ovelhas e carneiros aproveitava-se os excrementos para adubo, o leite, as peles mas especialmente as lãs

→ A maioria dos habitantes da Inglaterra medieval não eram livres e muitos eram ainda classificados no Doomesday Book como escravos, sabendo-se muito pouco sobre eles, e que terão desaparecido com o aumento do poder do rei e da lei

→ Vilão é uma designação que abrange a maioria dos camponeses da Idade Média, que viviam na dependência do seu senhor

→ A maior parte dos homens livres habitava nas cidades (boroughs) onde se realizavam os mercados, onde se cunhava moeda e servia de refúgio durante a guerra

→ Comércio e defesa eram os principais critérios de formação das cidades → Entre 1086 e 1286 a economia britânica não sofreu alterações significativas embora se

registe um importante aumento populacional → O comércio externo estava nas mãos de estrangeiros, gascões, flamengos e italianos → A produção de tecidos, a construção, a actividade mineira e o tratamento dos metais

continuam a ser actividades seguidas em processos tradicionais → Na agricultura a única inovação foi a introdução da utilização dos terrenos em três folhas

em vez de apenas duas → As atitudes começaram no entanto a mudar: o aumento dos preços no século XIII obrigou

os senhores que viviam das rendas a administrar directamente as suas terras → Surgiram tratados sobre administração e gestão de propriedades, dos quais o mais famoso

é o Husbandry de Walter of Henley 3 – A cultura medieval 3.1 As artes e os costumes → A figura do rei polarizava todos os assuntos do país incluindo o patronato das artes → As artes que eram desenvolvidas nos mosteiros como a iluminura e as tapeçarias não

sofreram alterações com a conquista normanda → Noutros aspectos como na língua a conquista normanda influenciou a cultura – nobreza

falava o franco-normando, mais tarde chamado anglo-normando enquanto o povo falava o inglês comum

→ A nova aristocracia devolveu a preponderância ao latim tendo até ao século XIV o inglês um papel meramente subalterno embora tenham sobrevivido alguns poemas do período como: “Dispute of the Owl and the Nightingale” de 1190

→ A literatura anglo-normanda reflecte os costumes e as instituições da corte e demonstra as relações estreitas entre a Inglaterra e a França

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→ Os eruditos, os poetas, os artistas, os guerreiros e senhores feudais viajavam frequentemente para a Europa e até para a Terra Santa

→ A influência do Oriente e de Bizâncio é notória em alguns manuscritos e nas pinturas murais de Cantuária

→ Da literatura deste período é de destacar um conjunto de romances que sugerem a intenção de glorificação da monarquia e dos seus valores sociais e surgiram muitas vezes com o apoio dos reis e outros nobres

→ Os romances com conteúdo histórico associavam uma tradição britânica com o passado celta e bretão e com os mitos arturianos

→ Historiae Regum Britanniae – Geoffrey Monmouth – referência à heráldica que se começava a estabelecer em Inglaterra e aos torneios e outros ritos de cavalaria como a cerimónia para armar cavaleiros

→ Os rituais de cavalaria materializavam um ideal de monarquia e vida social que se fundamentava no século VI e no reino de Camelot – Henrique II adoptou claramente o mito arturiano como símbolo do seu reino

→ O patronato real de Henrique II e de Eleanor da Aquitânia promoveu obras como: � Roman de Rou de Geoffrey de Monmouth � Dialogus Scaccarii ou Dialogue on the Exchequer de Ranulph Glanville � Tristan do poeta Thomas � Lais escrito por Marie de France, irmã de Henrique II � Histórias do Graal escritas por Chrétien de Troyes e Robert de Borron � História Brutonum ou Brut de Layamon – paralelismo entre a história de Artur e a

invasão normanda mas o romance arturiano era diferente da chanson de geste francesa que procurava glorificar o passado heróico das famílias dos grandes magnates

→ Os torneios no século XIII eram chamados Távolas Redondas em honra desta associação com o mito arturiano

3.2 A cultura popular → As festas populares estão muito menos documentadas do que os torneios e outras

ocupações sociais da nobreza → Supõe-se que as festas religiosas estivessem directamente relacionadas com o calendário

religioso → No tempo do rei Alfredo eram dias de feriado:

� Os doze dias de Natal � 14 dias da Páscoa � Uma semana na Assunção da Virgem � Dia de Todos os Santos

→ Eduardo I acrescentou ainda: � Oito dias do Pentecostes (Whitsun)

→ Nestes períodos para além das celebrações religiosas como as procissões havia ainda outras manifestações como danças e outros entretenimentos

→ Pouco se sabe destas festas devido ao posterior zelo reformista que acabou com a maioria destas celebrações mas eram ocasiões de desordem que convidavam ao excesso e ao pecado e que eram condenados em missas e decretos episcopais

→ Podem distinguir-se dois ciclos no calendário medieval: � Do Advento ao Pentecostes, a metade sagrada do ano, um período de ansiedade, de

consumo de alimentos e de sementeira � Do Pentecostes ao Advento era a metade secular quando a vida era mais fácil, era o

tempo da colheita e do armazenamento → Existiam 7 celebrações principais ao longo do ano:

� O Natal era uma festa de interior com troca de presentes e consumo de comidas e bebidas especiais, mas também existiam outras tradições como as representações feitas por crianças vestidas de adulto; existia ainda uma faceta pagã associada a rituais de expulsão do Inverno

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� O Shrovetide corresponde ao Carnaval e as suas celebrações passavam por rituais de desafio à autoridade eclesiástica e a outros entretenimentos

� A Semana Santa incluía além das celebrações religiosas as festas da renovação e da primavera com uma forte componente sexual e com liberdades que não se permitiam normalmente como jogos amorosos, escolha de parceiros

� No May Day era celebrado o início do Verão com concursos de beleza e ornamentação das raparigas com festões e coroas de flores

� O Midsummer estendia-se desde o Roagation Tide (segunda, terça e quarta antes da Ascensão) até 24 de Junho, a véspera de Midsummer – as rogações traduzidas em procissões destinavam-se a pedir protecção para as colheitas; o Pentecostes ou Whitsun dentro deste ciclo era usualmente o dia marcado para a coroação dos reis e para outras festas ao ar livre

� As Colheita s eram um período liturgicamente mais calmo com a festa maior a 15 de Agosto com a Assunção de Nossa Senhora; o ciclo começava com o Lammas a 1 de Agosto com uma missa com a hóstia feita com a farinha nova e terminava a 29 de Setembro, o Michaelmas; período de renovação dos contratos e de fazer as contas aos arrendamentos

� No Invern o celebrava-se o culto dos mortos com as festas de Todos os Santos e os Fiéis Defuntos a 1 e 2 de Novembro com uma mistura de rituais católicos e celtas; a 11 de Novembro celebrava-se ainda o Martinmas

3.3 A religião e as disciplinas do saber 3.3.1 A religião como enquadramento da vida → Os ritmos da vida estavam muito associados ao calendário religioso – sobreviveram mais

testemunhos religiosos do que civis de todo este período → A Igreja em Inglaterra era uma força muito poderosa com grandes riquezas materiais:

existiam cerca de 60 mil clérigos que administravam um terço de todas as terras aráveis → A capacidade de organização da Igreja ficou a dever-se em grande parte à

profissionalização do clero promovida pelo arcebispo Lanfranc nomeado por Guilherme I em 1070, à transformação das dioceses e abadias maiores em baronias feudais e às doações que provinham dos cavaleiros normandos em maior número do que os thanes anglo-saxónicos

→ Estas circunstâncias permitiram a construção de grandes abadias e catedrais como Durham, Winchester, Norwich, Canterbury, Ely, Gloucester, Lincoln e York

→ A Igreja em Inglaterra vai-se adaptando às regras de Roma em especial graças à influência normanda:

� O celibato, comum no século XI começa a ser reforçado � O interdito papal no reinado de João que determina o encerramento das igrejas e

suspensão de todos os sacramentos é cumprido sem que tenha havido um resvalar para as religiões alternativas ou heresias

→ No século XI todos os mosteiros eram beneditino mas no início do século XIV já existiam 900 casas monásticas das mais variadas ordens: Cistercienses, Gilbertina, Templária, Hospitalária, Cartucha, Dominicana, Franciscana, Carmelita ou Agostinha

→ Esta forma das ordens religiosas determina um aumento da alfabetização e da produção de obras literárias

→ A quase totalidade dos textos escritos em inglês antes de Chaucer é de natureza religiosa → Na música também se assistia a uma forte resistência à introdução de motivos seculares –

o moteto polifónico desenvolvido em França só chegou a Inglaterra no século XV → A forma de expressão musical mais comum na Idade Média era o cantochão que inclui

toda a música monofónica cantada na Igreja → A população em geral tinha uma mobilidade muito limitada e tinha uma vida muito

condicionada pelas dificuldades – a religião surge como uma promessa de uma vida melhor num outro mundo

→ O quadro da Idade Média caracterizava-se por uma esperança de vida reduzida devido às epidemias de doenças como a gripe, a febre tifóide, a desinteria ou a peste bubónica que

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fazia com que se procurassem respostas na religião dado o pouco desenvolvimento da medicina

→ A acompanhar os ritos religiosos surgiam outros de raízes pagãs havendo por isso uma linha muito ténue entre religião e magia

→ Na Idade Média o cristianismo desenvolveu-se não como uma religião centrada no indivíduo mas sim articulado com a Igreja que era a estrutura visível de Deus na Terra

→ Existia ainda uma noção de hierarquia que colocava a Terra no centro do universo e que só veio a ser contestada por Galileu

→ No homem também existe uma hierarquia entre a cabeça, o tronco e os membros que replica a estrutura do macrocosmo do universo ao nível microcósmico do homem

→ O recurso à razão para explicar a existência de Deus é desaconselhado, sendo o desejo de saber uma manifestação de orgulho e soberba

3.3.2 A organização dos saberes e o legado clássico → A filosofia continuou durante a Idade Média a ocupar um lugar entre os saberes mas como

auxiliar da teologia → A teologia é suprema sobre todas as artes:

� Artes liberais – gramática, retórica, direito, medicina e geometria � Artes mecânicas – tecelagem, fabrico de armas, navegação, caça, agricultura e

teatro � Artes mágicas – adivinhação, augúrios, obras maleficientes, sortes para o futuro e

ilusões → A combinação entre o legado clássico e a doutrina cristã constituiu o cerne das disciplinas

transmitidas na Idade Média → A herança do saber clássico foi transmitida quer pelos textos originais quer pelos vários

comentários → O maior obstáculo à transmissão destes saberes foi a queda no conhecimento do grego → Aristóteles influenciou muito o pensar medieval enquanto as ideias platonistas chegaram

mais por autores como Plotino e Porfírio → Os princípios platónicos compatíveis com o cristianismo eram:

� A ideia de que existe uma verdade para além da percepção sensorial � O princípio de que o pecado e o mal criam escuridão na mente � A apreensão de um Deus omnipresente e imutável � A ênfase no espiritual que leva à subjugação da carne como via para atingir o saber

→ O conhecimento de Aristóteles era muito mais completo sendo a lógica ensinada pelos 6 livros conhecidos como Organon

→ O ressurgimento do interesse em Aristóteles no século XII ficou a dever-se em grande parte aos comentadores árabes da Península Ibérica como Avincena e Averroes

→ Outros autores clássicos como Séneca e Cícero foram estudados e comentados na Idade Média

→ Existiam ainda a circular textos de Hermes Trismegistos postos a circular entre os séculos I e III e que combinavam elementos platónicos, neo-pitagóricos e estóicos com ideias vindas de cultos orientais

4 – A Inglaterra Medieval – séculos XIV e XV 4.1 O contexto político-social → O período entre 1290 e 1490 é marcado por uma série de guerras e conflitos, internos e

externos: � Domínio territorial sobre o país de Gales, Escócia e Irlanda com os consequentes

conflitos sucessórios � Conservação dos territórios em França ameaçados pelo reforço do poder dos

monarcas franceses – assiste-se a um reforço da identidade nacional → A nível social também surgem alterações:

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� Alargamento da classe dos mercadores, profissionais liberais e novos proprietários de terras

� Redistribuição da riqueza e da sua produção → No plano religioso também surgem alterações:

� O aparecimento de heresias � Maior sentido de individualismo expresso em misticismo e em novas representações

estéticas testemunhadas pela humanização das figuras do culto → O rei e a corte continuavam a ser o fulcro da política e as relações de kinship continuam a

ser estruturantes na sociedade → A sociedade era relativamente estável mas foi perturbada por conflitos internos e externos

que levaram ao desenvolvimento constitucional e político que sem esses conflitos seria mais lento

→ Eduardo I procurou reafirmar a soberania inglesa sobre o País de Gales e depois sobre a Escócia, embora os conflitos na Escócia se tivessem prolongado até ao século XIV

→ Em França o conflito desenvolveu-se na Gasconha mas a Guerra dos Cem Anos só começaria em 1337

→ As guerras levaram a uma mudança nos exércitos que passaram a ser compostos por forças pagas, recrutadas por capitães indentured que tornaram o novo exército inglês mais disciplinado e flexível do que as tropas francesas

→ O custo da guerra foi bastante alto pois levou a perturbações nas actividades produtivas e no comércio da lã inglesa e do vinho da Gasconha

→ Apesar da longa duração da guerra, a estabilidade política e social não foi colocada em questão devido à liderança de Eduardo III e do seu filho o Príncipe Negro que personificavam as virtudes da cavalaria e que voltaram a trazer as comparações com o mítico rei Artur

→ Ao longo deste período os nobres tentaram reforçar o seu poder sobre o rei chegando a invocar a Magna Carta

→ No Good Parliament de 1376 alguns ministros foram acusados e julgados pelos Comuns diante dos Lords num processo que abriu o precedente da responsabilização dos detentores de posições de privilégio sobre as suas acções – o impeachment

→ Ricardo II ascendeu ao trono com apenas 10 anos em 1377 e defrontou-se com problemas graves como a Revolta dos Camponeses em 1381 provocados por:

� Poll tax destinado a financiar a guerra com a França � Descontentamento em relação à Igreja � Ressentimento contra os proprietários de terras depois da Peste Negra

→ Alguns historiadores interpretam a Revolução dos Camponeses como a percursora de movimentos reivindicativos posteriores mas outros referem-na como uma manifestação do reforço do poder dos proprietários que levou ao adiamento da libertação dos servos

→ Em 1388 realizou-se o Merciless Parliament em que o rei se submeteu a uma facção dos Lords

→ O rei desenvolveu esforços para resolver a situação em França tendo-se casado com Isabella, filha de Carlos VI e tendo-se aliado ao papa, Bonifácio IX

→ Internamente mantinham-se as rivalidades e em 1399 o filho de John of Gaunt, Henry Bolingbroke tomou o poder iniciando a guerras das rosas

4.2 A Guerra das Rosas → As casas de Lancaster e York iriam disputar a coroa inglesa ao mesmo tempo que

enfrentavam conflitos em França, em Gales, na Escócia e na Irlanda → A consolidação de Bolingbroke no poder foi feita à custa do esmagamento das revoltas

internas nomeadamente no País de Gales onde se mobilizavam os nobres favoráveis a Ricardo II e aos seus herdeiros

→ Os barões, viscondes, condes, marqueses e duques constituíam um grupo social hereditário e definido que coincidia com o grupo de Lords com assento na Câmara

→ Os interesses do rei estavam associados ao dos nobres e estes estavam relacionados com os da gentry, que davam apoio, ajuda militar e conselho aos nobres

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→ Henrique IV legou ao seu sucessor Henrique V um reino pacificado e um trono reconhecido internacionalmente, o que facilitou o retomar das acções bélicas na França lideradas pelo rei entre 1415 e 1420 e que se pautou pela vitória de Agincourt e pela conquista da Normandia

→ Em 1420 o Tratado de Troyes firmado com Charles VI fez dele regente de França e herdeiro do trono sendo que foi Henrique VI quem herdou a monarquia dupla devido à morte do pai em 1422

→ Mas Charles VII seria coroado em Rheims em 1429 e os exércitos franceses ganharam um novo ímpeto com Joana d’Arc

→ Do império construído por Henrique V sobrou apenas Calais que também seria perdido no reinado de Mary Tudor

→ Em Inglaterra registaram-se várias manifestações contra o rei e o colapso mental e físico do rei voltou a abrir a porta à casa de York que conquistaria a coroa em 1461 por Eduardo IV

→ Como o rei Henrique VI continuava vivo, polarizava descontentamentos e apoios voltando a ascender ao trono mas em 1471 foi novamente destronado por Eduardo IV morrendo na Torre e morrendo o seu filho em batalha, o que terminou a linha principal da casa de Lancaster

→ Com a morte de Eduardo IV, ascendeu ao trono o seu filho Eduardo V que acabou por ser deposto pelo seu tio, o Duque de Gloucester que ascendeu ao trono como Ricardo III

→ O fim da Guerra das Rosas surgiu com a vitória de Henrique Tudor na batalha de Bosworth em 1485 levando Henrique VII ao trono

4.3 As relações sociais e a religião → As mudanças políticas foram acompanhadas por alterações nos planos económico, social,

religioso e cultural que indicam a progressiva tendência para a individualização e para a degradação das relações de kinship

→ O governo foi também assumindo uma maior complexificação com o levantamento regular de impostos, com a cobrança de taxas alfandegárias e a manutenção da lei e ordem

→ O Parlamento chegou a reunir-se com regularidade, a ter funções próprias, procedimentos regulamentados e representação permanente dos comuns

→ Nos planos económico e feudal assistiu-se ao gradual desaparecimento da manor feudal com os serviços a serem comutados em dinheiro

→ A peste negra permitiu ainda uma alteração das relações sociais – a escassez de mão-de-obra levou ao recurso ao trabalho pago e ao estabelecimento de uma classe intermédia de pequenos proprietários e trabalhadores livres – o yeoman

→ Também na religião se sentiu cada vez mais o individualismo que procura formas de devoção mais pessoais e de regresso a uma pureza espiritual que já tinha sido a aspiração de ordens como a de Cister no século XII ou a dos Franciscanos no século XIII

→ O misticismo é outro indicador desta tendência para uma vivência religiosa mais pessoal que tem uma expressão escrita nas obras de Richard Rolle, Walter Hilton ou Juliana de Norwich ou no Book of Margery Kempe

→ O século XIV assistiria ao nascimento de um movimento mais radical, os Lollards inspirados por Wycliffe e que questionavam a autoridade da Igreja e preconizaram a cisão com ela

→ Wycliffe apelava ao espírito anticlerical do período criticando a riqueza da Igreja e a mediocridade de alguns dos seus membros

→ Os Lollards transformaram-se num movimento de revolta, ameaçador da ordem pública que em breve foi alvo de perseguições

→ A extinção do movimento deixou algumas sementes que voltariam a germinar no período da Reforma: os aspectos anti-clericais, a devoção nas Sagradas Escrituras e a confiança na Bíblia em inglês

→ No século XIV os monarcas tomaram medidas que limitavam a jurisdição da Santa Sé em alguns assuntos eclesiásticos

� A partir do reinado de Eduardo I o Papa deixou de poder levantar impostos � Limitações no poder de nomear bispos ou outros dignatários do clero

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4.4 Indícios da formação da nacionalidade → A nacionalização dos hábitos, costumes e práticas sociais foi sendo reforçada neste

período com várias mudanças → A afirmação do uso do inglês como língua de debate no Parlamento e como língua dos

registos oficiais e da corte → Observa-se me paralelo a expansão da instrução básica – e, 1499 o benefit of clergy

deixou de ser definido como todos os que sabiam ler ou escrever para se aplicar apenas ao clero o que indica a importância desta competência entre membros de outros grupos

→ Chaucer escreveu The Canterbury Tales entre 1386 e 1400 mostrando já as potencialidades da literatura em língua inglesa

→ Outras obras relevantes apareceram também nestes anos: � Piers Ploughman de Langland � Poemas de Gower � Sir Gawain and the Green Knight � Miracle Plays

→ Os poetas deste período gozaram do patronato do rei ou dos nobres, o que se por um lado levava a uma grande flutuação nas obras que dependiam do favor também permitiu o desenvolvimento de obras que se tornaram a base da tradição literária inglesa

→ Na arquitectura desenvolveram-se dois estilos, o decorado e o perpendicular → O estilo decorado não trouxe alterações de fundo mas antes constituía o fundo ornamental

que realçava as pinturas e esculturas – ornamentação curvilínea e elaborada baseada no ogee ou curva invertida – um bom exemplo é a torre lanterna octogonal da Catedral de Ely

→ O estilo perpendicular caracteriza-se por uma decoração mais rectilínea, com janelas maiores e abóbadas desenhadas em padrões mais rectos e quadrangulares – Capela do King’s College em Cambridge e a ala este da Catedral de Peterbourough

→ Desenvolvem-se ainda as artes de pedreiros e carpinteiros, ourives e vidraceiros, tecelões e bordadores

→ O artista na Idade Média é ainda desconhecido até porque a autoria suprema das obras pertence a Deus e porque muitas obras são produzidas por conjuntos de artesãos

→ A produção estética deste período iria inspirar os autores do século XIX preocupados com a descaracterização trazida pela industrialização

5 – Do Pré-Moderno ao Moderno – Sistematização e te orização → O sociólogo britânico Anthony Giddens identificou dois tipos de elementos sociológicos e

culturais que permitem traçar a evolução do pré-moderno para o moderno: a confiança e o risco

→ Dentro da confiança identifica-se: � Kinship system – sistema de relações estabelecido na casa senhorial que envolve

relações de responsabilidade e dependência; Lawrence Stone identificava ainda o good lordship e a honra (associada ao código da cavalaria) como outros factores de unificação da sociedade – no período moderno a kinship é substituída por relações pessoais de amizade ou de intimidade sexual como meios estabilizadores dos laços sociais

� Comunidade local – espaço de relações localizadas organizadas em termos de lugar não transformado por relações distanciadas de tempo e espaço; a fraca mobilidade do período pré-moderno dá origem a uma mobilidade promovida pela Revolução Industrial; a comunidade local fornece uma sensação de segurança e a partir do mundo moderno começa a surgir o conceito de globalização;

� Cosmologia religiosa – funcionam como interpretações morais e práticas da vida pessoal e social que representava um ambiente de segurança para o crente; com o período moderno assiste-se ao declínio da concepção unificadora e estruturante oferecida pela religião aparecendo um processo de secularização do pensamento e dos comportamentos mantendo-se a religião como esquema orientador

� Tradição – refere-se à forma como as crenças e práticas se organizam especialmente em relação ao tempo; s culturas pré-modernas tinham uma

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orientação para o passado enquanto as culturas modernas tinham uma orientação para futuro; a tradição suporta a continuidade no passado, presente e futuro; a mobilidade que se acentua no século XIX levou a uma dissolução da cultura tradicional e levou ao surgimento da cultura nacional e mais tarde internacional.

→ A nível dos riscos identificam-se: � Os acidentes do mundo físico – afectavam a vida e eram geralmente interpretados

através da religião; com o período moderno começa a desenvolver-se uma relação diferente entre o homem e a natureza e as causas dos acidentes começam a ser explicadas e começam a surgir formas de os evitar ou minorar

� A violência humana – as sociedades pré-modernas nunca estavam totalmente pacificadas e os guerreiros eram componentes da sociedade; no período moderno esta situação altera-se embora continue a existir esta violência registou-se uma pacificação interna nas nações que foi substituída pela violência entre povos e países

� A religião – era também um risco para além de fonte de confiança por gerar conflitos entre o pecado e a salvação

→ Uma condição da modernidade é que os riscos passam a ser definidos como perigos potenciais e não em termos de sorte ou fortuna embora as crenças no destino não desapareçam

II – A formação da modernidade – O período Early Mo dern 1 – A identidade nacional → Stuart Hall identifica a nação como não apenas uma entidade política mas também como

um sistema de representação cultural → A nação é uma comunidade simbólica que tem poder para gerar um sentido de identidade

e de allegiance → Apenas no período moderno se começa a falar de culturas nacionais e do estado-nação → Stuart Hall identifica 5 elementos que sintetizam as estratégias de reprodução da ideia de

identidade da cultura britânica: � A história, a literatura, os meios de comunicação e a cultura popular � A ênfase nas ideias de origem, continuidade, tradição e intemporalidade que valoriza

a ideia de carácter nacional uniforme e imutável � A invenção da tradição nomeadamente de muitos rituais que tiveram apenas a sua

origem no século XIX � O mito da fundação da nacionalidade no período anglo-saxónico � Ideia de um povo puro e original

→ A identidade nacional é no entanto um mito porque nenhuma nação é composta por um só povo, uma só cultura ou uma só etnia

2 – Os Tudors, o Humanismo e a Reforma 2.1 O mito Tudor → Já em meados do século XV os ingleses se consideravam superiores aos outros povos e

desprezavam mesmo os galeses, os irlandeses e flamengos → O período Tudor foi marcado por personalidades como Henrique VIII, Isabel I, Francis

Bacon, Sir Thomas More ou Shakespeare que marcaram a herança cultural inglesa → O mito Tudor forma-se com a vitória de Henrique VII sobre Ricardo III em Bosworth → O casamento do vencedor com Elizabeth de York, filha de Eduardo IV garantiu a

pacificação entre as Duas Casas reforçada pelo nascimento de 4 filhos: Artur, Henrique, Margaret e Mary

→ Henrique VII passou o seu reinado a consolidar e estabilizar a coroa e o reino, chamando a si conselheiros recrutados não pelas suas ligações familiares mas sim pela sua competência

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→ Os conselheiros juntavam-se num conselho alargado, o Great Council que juntava pares do reino, dignitários da Igreja, juízes e funcionários reais

→ Com maior frequência reunia um conselho reduzido conhecido como Council → O Conselho Pessoal do rei incluía pessoas da total confiança do rei e a quem prestavam

fidelidade absoluta → Henrique VII sabia no entanto que a segurança do reino dependia do apoio dos grandes

mas também necessitava de os controlar com medidas como o attainder e o forfeiture – estatuto parlamentar que proclamava uma condenação por traição e declarava que as propriedades do condenado seriam confiscadas pela coroa

2.2 Humanismo e fundamentos da reforma → Henrique VIII subiu ao trono em 1509 levando a cabo uma política de conquista e de

reforma interna com conotações imperialistas → No primeiro aspecto, a política de conquista pautou-se pela recuperação dos ideais de

cavalaria e concretizou-se em várias campanhas extensas em França → Nas medidas políticas, a reforma henriquina deixou marcas profundas que foi mais do que

uma forma de um monarca resolver um problema conjugal → A reforma enquadra-se no clima de opinião europeu e inglês que debatia as questões

religiosas e políticas da união ou separação dos poderes espiritual e temporal → A reforma teve o seu início na década de trinta do século XVI com a ruptura de Henrique

VIII com Roma; no reinado de Eduardo VI a reforma tomou aspectos mais doutrinais e calvinistas; com a morte de Mary que procurou o regresso ao catolicismo, Isabel I terminou a reforma com a implantação da Igreja Anglicana

→ As teorias de Lutero estavam na raiz da Reforma e baseavam-se na devotio moderna, uma relação entre cada pessoa e Deus através da qual todos devem encontrar a salvação através da redescoberta da fé pessoal

→ As teorias reformistas foram desenvolvidas por eruditos como Duns Scotus e William of Ockam

→ Lutero tinha ainda focado as suas críticas nos excessos do Papado defendendo uma Igreja Apostólica menos mundana – Sebastian Brant lamentara a decadência da fé de Cristo na sua obra Nave dos Loucos

→ John Skelton tipificou o pensamento anti-clerical num conjunto de sátiras em verso e foi o tutor de Henrique VIII sendo que algumas das suas críticas se dirigiam ao Cardeal Wolsey

→ O Elogio da Loucura de Erasmo de Roterdão foi publicado em 1509 e demonstra a influência de Brant – trata-se de uma obra que procura satirizar e atacar a loucura dos homens em geral e da Igreja em particular

2.2.1 O Humanismo → A obra de Erasmo pode ser considerada representativa do Renascimento Nórdico → O estudo das humanidades, do grego e do latim teve o seu início no século XV em

universidades italianas e na Universidade de Paris → No final do século alguns estudiosos italianos começaram a ensinar em Oxford e em

Cambridge onde difundiram a cultura do Renascimento Italiano → Alguns estudiosos ingleses começaram a envolver-se:

� Thomas Linacre viajou para Itália onde foi seduzido pelo estudo do grego � William Grocyn � William Latimer � John Colet

→ Apesar dos seus estudos em Itália, o processo de assimilação dos conhecimentos foi adaptado á realidade inglesa

→ No centro da cultura humanista estava a tentativa de aplicar técnicas de crítica histórica e filológica aos textos do mundo antigo

→ Em França, na Alemanha e em Inglaterra começaram a surgir edições e traduções de textos clássicos

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→ Mas as maiores inovações surgiram nos novos estudos sobre os códigos jurídicos e sobre a Bíblia

→ O trabalho de vários autores fez-se sentir: � Lorenzo Valla em Itália � Guilherme Budé em França

→ O código justiniano no qual assentava a teoria da supremacia do papa sobre os reis foi desacreditado por Valla com base numa análise histórica e filológica

→ O direito romano vai sofrer um descrédito que leva à valorização das legislações autónomas tradicionais de cada Estado

→ No caso inglês assiste-se a poderosos factores de integração e consciência nacional de confiança no King’s law ou common law que viria m 1688 a ser identificada com a constituição

→ No estudo da Bíblia os humanistas procuravam recuperar o contexto histórico preciso de cada doutrina ou argumento – método usado por John Colet em 1496 em “An Exposition of St. Paul’s Epistle to the Romans”

→ Apareceram novas traduções do grego e do hebraico assim como novos comentários dos textos clássicos

→ A imprensa iria ter um papel decisivo na divulgação das novas ideias → Os humanistas vão desempenhar uma importante actividade pedagógica:

� The Education of a Christian Prince – Erasmus � The Book Named the Governor – Sir Thomas Elyot � Utopia – Thomas More � Dialogue between Reginald Pole and Thomas Lupset – Thomas Starkey

→ As afinidades de Lutero com os humanistas farão com que eles se sintam atraídos pelas teses mas depois de uma entusiástica adesão, seguiu-se uma certa hesitação – William Tyndale é o mais famoso exemplo deste comportamento – “The Obedience of a Christian Man”

→ Na Universidade de Cambridge desenvolveu-se o estudo dos humanistas: � Miles Coverdale – tradução da Bíblia � Sir John Cheke

→ William of Ockham contestou o poder absoluto do Papa e defendeu na separação dos poderes – “The Power of Emperors and Popes”

→ As teses de Ockham foram posteriormente desenvolvidas por Jean Gerson, por John Bale e por John Foxe com a sua obra Acts and Monuments mais conhecida como Book of Martyrs

→ Entre os juristas desenvolveu-se também uma forte corrente de pensamento nacionalista que buscava fundamentos para contestar as interferências da Igreja e do Papado na legislação – “Praise of the Laws of England” de Sir John Fortescue

→ Os próprios governos tentaram limitar o poder da Igreja – Henrique VII reduziu o número de conventos isentos de impostos ao estado e limitou o benefit of clergy que garantia a imunidade dos membros do clero face aos tribunais civis

2.3 Thomas More e a Utopia: ilustração da situação da Inglaterra e crítica ao humanismo → Na opinião de Anthony Kenny, as ideias de Thomas More são importantes por 3 aspectos:

� Pela sua obra escrita em latim, Utopia, ainda amplamente lida � Por ter estabelecido um padrão de santidade e serviço público na sua vida e que

contribuiu para a formação do English character � Os seus textos em inglês ocupam um lugar significativo na história da língua inglesa

e da sua literatura → A Utopia permite um conjunto de interpretações sobre o período em que o escritor viveu

mas também sobre as tendências do pensamento sobre a filosofia, teologia, a constituição da sociedade, a economia, fundamentos políticos do estado, o conceito de ciência e de razão, de felicidade e pragmatismo

2.3.1 Alguns aspectos da vida de Thomas More

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→ Thomas More nasceu em 1478 ou 1479 no reinado de Eduardo IV e os seus primeiros anos de vida são marcados pelo fim da Guerra das Rosas

→ Na sua juventude irá para a casa do Arcebispo de Canterbury, John Morton, que muito o influencia

→ Estuda dois anos em Oxford mas acaba por entrar para os Inns of Court obtendo o seu diploma em advocacia em 1502

→ Neste período começou a estudar o latim clássico e em 1501 grego, o que iniciou a sua aprendizagem como humanista

→ Em 1499 conheceu Erasmo de Roterdão que muito influenciou o seu pensamento → Para além destas ideologias inovadoras, More tinha ainda alguns traços de ascetismo

como o seu catolicismo convicto → More foi ainda um marido e pai atento à educação dos seus filhos e mesmo das suas filhas

que receberam ensinamentos em latim, grego, lógica, filosofia, teologia, matemática e astronomia

→ O primeiro livro de aritmética inglês escrito por Tunstall foi dedicado a More → More ingressou ainda no Parlamento mas caiu no desagrado do rei, então Henrique VII por

ter dificultado uma medida do rei para seu financiamento → Em 1511 já no reinado de Henrique VIII foi nomeado under-sheriff de Londres, fornecendo

apoio legal aos sheriffs → Foi ainda nomeado High Steward da Universidade de Oxford na qual se envolveu em

polémicas por ter defendido um plano de estudos mais humanista → Em 1515 foi enviado à Flandres para negociar a interpretação de alguns tratados sobre o

comércio de lã, tendo conhecido Peter Gilles e tendo começado a escrever a Utopia → Em 1517 aceita o convite para fazer parte do Conselho do Rei e trabalha directamente sob

as ordens de Wolsey → A partir de 1525 começa a envolver-se com a problemática das teses luteranas e em 1529

o divórcio do rei que ele não aceita leva-o a ser afastado e acusado de vários crimes → Thomas Crowmwell tenta levá-lo a aceitar publicamente as medidas tomadas para anular o

casamento do rei com Catarina de Aragão → Mas a recusa de More em aceitar essa anulação leva-o à Torre e à sua execução em 1535

apesar de todas as pressões que sofreu para aceitar as novas medidas 2.4 O significado e o impacto da Utopia → A vida de More foi muito influenciada pelas circunstâncias da sociedade que o rodeava:

� O carácter individual formado pela educação humanista � As convicções religiosas como orientadoras da conduta � As funções públicas desempenhadas

→ A Utopia divide-se em 2 livros: um diálogo sobre assuntos de política e da sociedade contemporânea entre Thomas More, Peter Gilles e Rafael Hitlodeu; e um relato de Hitlodeu da organização da sociedade na ilha da Utopia

→ A influência da cultura humanista de More é mostrada pela presença de várias expressões gregas como o próprio nome da ilha, que significa nenhum lugar ou o nome da capital Amaurota ou do rio Anidro

→ Uma das dificuldades na análise da obra de More é a ambiguidade da obra que está impregnada de ironia levando a várias leituras sobre o seu sentido: para alguns a sociedade da Utopia deve ser levada totalmente a sério enquanto que para outros More estaria a tentar expor os limites do racionalismo com a ideia de que as nações cristãs poderiam melhorar muito mas também sem chegar aos extremos da Utopia

→ O diálogo da primeira parte versa vários temas como as leis injustas, que castigam sem eliminar as causas da criminalidade, a guerra e os exércitos permanentes, a função de conselheiro dos príncipes e a crítica ao mau funcionamento de algumas nações

→ Na Utopia encontramos uma organização política e democrática em que os postos públicos são preenchidos rotativamente e por eleição e a organização social e económica é comunitária fundada na ausência de propriedade privada e na actividade produtiva de todos os seus membros

→ More afasta-se em dois pontos principais dos humanistas italianos:

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� A atitude de More em relação à guerra é de condenação enquanto que o humanismo considerava a guerra uma nobre ocupação

� More rejeita ainda a razão de estado condenando os comportamentos moralmente repreensíveis que podem trazer benefícios para a sociedade

→ A proposta de More para a sociedade utópica inspira-se nas comunidades monásticas medievais e nos ideais platónicos, mas o autor leva ainda mais longe a sua concepção ao propor uma sociedade sem classes mas cuidadosamente estruturada

→ Ao rejeitar as hierarquias More dá dois argumentos � Numa sociedade com hierarquias os piores ganham o poder e usam-no em benefício

próprio � A existência de hierarquias encoraja o orgulho que impede que as sociedades

tenham justiça ou equidade → Enquanto o primeiro livro da obra diagnostica os males das sociedades do período, o

segundo descreve a sociedade perfeita → Uma das críticas de More é contra as enclosures, a vedação de terras destinadas à

agricultura e que passam a ser reservadas para a pecuária, nomeadamente para a produção de lã, que retirava as propriedades dos pequenos camponeses e que contribuía para uma alta de preços que acabava por piorar ainda mais as condições dos mais pobres

→ A criminalidade é apontada por isso como uma consequência da ganância dos ricos que forçam os desprotegidos para situações de pobreza que os leva a recorrer à criminalidade

→ A virtude e a felicidade dos utopianos provêm de viverem consoante a sua natureza → A religião utopiana não é apenas uma já que os utopianos são livres de seguirem as

religiões que entenderem mas a maior parte dos habitantes segue uma ideologia próxima do cristianismo

→ A obra termina com um comentário de More que coloca em questão alguns aspectos da sociedade da Utopia nomeadamente a economia que não se baseava em dinheiro o que leva alguns historiadores a considerarem-na uma obra aberta em que nenhuma ideia é imposta mas todas são discutidas

2.4.1 A literatura utópica em Inglaterra → Depois da Utopia surgiram outras obras influenciadas por ela como:

� New Atlantis por Francis Bacon � Oceana de James Harrington � Gulliver’s Travels de Swift � Robinson Crusoe de Defoe � The idea of Perfect Commonwealth de David Hume

→ No século XIX surgiram ainda outras obras importantes como: � News from Nowhere – William Morris � Erewhon de Samuel Butler

→ No século XX outros autores dedicaram-se a esta temática como H: G. Wells, Aldous Huxley e George Orwell

2.5 A Reforma henriquina → Por volta de 1535 Henrique VIII tinha perdido a esperança de ter um herdeiro masculino

com Catarina de Aragão, tendo apenas uma filha, Mary → Em 1527 o rei queria casar com Ana Bolena mas para tal necessitava de obter um divórcio

solicitado ao papa Clemente VII → O papa não permitiu o divórcio, o que levou o rei a convocar o Parlamento encorajando-os

a medidas anti-clericais → Entre 1529 e 1532 o Reformation Parliament reuniu em 4 sessões com 3 objectivos:

� Reunir os leigos em apoio do rei � Intimidar o clero e levá-lo a ceder às exigências do Parlamento � Conseguir a anuência do Papa para o divórcio do rei

→ Destes 3 objectivos os primeiros dois foram conseguidos mas o terceiro não

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→ Em 1533 Henrique VIII casou secretamente com Ana Bolena para legitimar o filho que ela esperava e nesse ano o Parlamento emitiu o Act in Restraint of Appeals que passava para o Arcebispo da Cantuária o poder de decisão sobre assuntos do foro espiritual

→ As jogadas decisivas da reforma foram protagonizadas por Thomas Cromwell com várias leis que pretendiam subjugar o clero como o Acto of Submission of the Clergy em 1534

→ A legitimação destas medidas residia em alguns escritos de Lutero e Melanchton que defendiam que como o poder dos reis provinha de Deus então a obediência a ele era um dever e um exercício da consciência, o que significa que todos devem obediência ao rei

→ Henrique VIII foi muito influenciado pela obra de Tyndale “The Obedience of a Christian Man” que terá lido em 1529 influenciado por Ana Bolena

→ Em 1534 o Act of Sucession confirmou a sucessão de Elizabeth, a filha de Ana Bolena ao trono – este acto anulava efectivamente a legitimidade do primeiro casamento do rei

→ No ano seguinte saiu o Act of Supremacy que confirmava o rei como chefe supremo da Igreja de Inglaterra

→ A análise dos historiadores sobre esta reforma divide-se: � Alguns pensam que se trata de um movimento ainda medieval e que as medidas

prolongavam tendências de pensamento vindas de trás � Outros consideram a Reforma uma revolução entendida conscientemente pelos seus

protagonistas e que levou á criação da Igreja de Inglaterra 2.6 Resultados sociais da Reforma → A reforma não teve apenas consequências religiosas mas também sociais como a extinção

dos conventos e ordens religiosas que teve consequências ao nível da transmissão das propriedades para outras mãos

→ Cromwell promoveu primeiro um inquérito à situação dos mosteiros começando por extinguir os mais pequenos e passando em seguida aos maiores

→ O processo de expropriações seria perturbado por uma revolta no Norte de Inglaterra que ficou conhecida como Pilgrimage of Grace mas a agitação limitou-se ao Norte e foi rapidamente controlada

→ Em 1538 procedeu-se à destruição de imagens religiosas e a supressão de relíquias seguidas pela dissolução das grandes abadias como Glastonbury, Colchester e Reading

→ A dissolução trouxe para a Coroa 100 mil libras por ano e levou à passagem para mãos leigas de grandes propriedades católicas

→ A nível cultural as consequências foram ao nível da destruição de edifícios, bibliotecas e obras de arte

→ Apesar deste processo, existiram sempre indemnizações e bem tudo foi destruído → A nível da assistência pública as consequências foram pequenas já que ela já

praticamente não era assegurada pelas ordens religiosas → A nível humano também os monges e frades aceitaram na sua maioria a Reforma e

acomodaram-se à nova hierarquia → Outros autores como Hannah Arendt e Max Weber referem as importantes consequências

económicas como a desagregação do modelo feudal 2.7 Oposição à Reforma → A reforma teve também os seus opositores sendo os de maior destaque Thomas More e o

bispo de Rochester, John Fisher que pagaram com a morte a sua resistência → Outros como Reginald Pole, fugiram para Itália tendo voltado para Inglaterra apenas no

reinado de Mary → A atitude de consistência e fidelidade de More aos seus princípios ficou na memória de

todos os ingleses → More estaria preparado para reconhecer a supremacia real nas questões temporais mas

não poderia aceitar a submissão do clero ao rei ou o pressuposto de que o rei poderia agir sem autorização do Papa

2.8 A divulgação da Reforma

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→ A oposição à Reforma foi neutralizada pela eliminação dos opositores → A divulgação da Reforma foi objecto de uma campanha de divulgação sem precedentes

em Inglaterra apoiada pela imprensa e com a concepção de Cromwell → Para conseguir atingir uma maior eficácia, adoptou duas estratégias:

� Promoção da tradução da Bíblia para inglês – obra de Coverdale � Mecenato às obras de teatro com fins de propaganda política – obras de John Bale

→ Também se começou a desenvolver uma justificação histórica para a reforma que indica que desde a missão de Santo Agostinho se iniciara o processo de corrupção que seria corrigido com a Reforma

→ Em 1536 Paulo III convoca um concílio que faz oscilar a opinião pública a favor da religião de Roma e que leva a uma segunda onda de literatura propagandística como as obras de Thomas Starkey

→ Começam a aparecer traços da via media anglicana que procura um compromisso entre o radicalismo luterano e o tradicionalismo católico

2.9 A continuação da Reforma → Com a morte de Henrique VIII sucedeu-lhe o filho, Eduardo VI, fruto do casamento com

Jane Seymour mas ainda menor → A tutela do rei foi dada aos seus tios de convicções protestantes, nomeadamente Somerset → Na primeira sessão do Parlamento do seu reinado, foram abolidas as leis sobre heresia e

traição mas algumas questões iriam abalar o seu reino como a questão das relíquias e imagens religiosas

→ A diversidade de práticas religiosas levou a uma tentativa de uniformização com o Prayer Book proposto por Cranmer e que juntava 3 livros, o Missal, o Breviário e o Ritual

→ Com a queda de Somerset, Warwick agudizou o conflito com 3 novas leis: � A abolição de qualquer outro livro para além do Prayer Book � A destruição de todas as imagens e pinturas religiosas � Alteração na hierarquia religiosa com a passagem de 8 para apenas 3 ordens, os

bispos, sacerdotes e diáconos → A reforma eduardiana culminou com a revisão do Prayer Book e com a aprovação dos 42

Artigos de Religião → Com a subida de Mary ao trono em 1553 iniciou-se uma inflexão súbita e devastadora no

processo da Reforma → O clero protestante foi afastado e preso e substituído pelo clero católico e Stephen

Gardiner como Chanceler autorizou as perseguições religiosas que iriam levar à sua designação como Bloody Mary

→ Mary morreu em 1558 e com ela terminou a possibilidade de reverter o reino para o catolicismo

→ Os reinados de Mary e Eduardo foram um retrocesso face às melhorias introduzidas por Cromwell que tinham promovido um estado mais burocratizado e menos dependente do rei ou do chanceler que protagonizava uma separação entre a casa real e o governo da nação

→ O modelo de Cromwell voltaria a ser utilizado por Elizabeth I 2.10 O compromisso isabelino → Em 1558 o governo de Inglaterra baseava-se em 3 instituições: o Parlamento, o Privy

Council e a corte → O Privy Council era o mais importante sendo os seus membros escolhidos pela rainha e

funcionando como um Conselho de Ministros enquanto o Parlamento tinha sobretudo como função a votação sobre legislação fiscal; a corte tornou-se um centro de mecenato e de protecção das artes

→ Em 1559, o primeiro-ministro William Cecil apresentou um pacote legislativo que pretendia restabelecer a supremacia real e do culto protestante baseado no Prayer Book de 1552

→ A reforma isabelina ficou conhecida como Elizabethan Settlement e terminou em 1536 com a aprovação dos 39 Artigos da doutrina da Igreja Anglicana

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→ O compromisso isabelino defendia ainda o puritanismo que considerava a reforma como um imperativo do foro íntimo que devia assentar a sua conduta nas Escrituras Sagradas

→ O compromisso isabelino defendia ainda o conceito de um Deus providencial que interferia no destino das pessoas

→ Neste período assiste-se a uma progressiva aproximação entre a religião e o estado secular

→ O êxito da reforma dependeu da expansão da leitura que foi facilitada pela invenção e divulgação da imprensa

→ O ritual e o cerimonial religioso foram perdendo importância sendo substituídos por formas de religião e devoção individuais

→ Apesar disto outros rituais permaneceram como o baptismo, o casamento, o enterro, e festas associadas às colheitas

3 – Enquadramento ideológico e organização social n o período early modern → A política de Isabel I pautou-se frequentemente pela necessidade de gerar consensos

numa nação dividida e instável devido a vários factores: � As condições de vida que levavam a uma baixa esperança de vida � Circunstâncias políticas internas � Ameaças de conflitos externos

→ A evolução da população em Inglaterra pautou-se por um aumento nos finais do século XVI e inícios do século XVII a que se seguiu a estabilização até à década de 30 do século XVIII que por sua vez deu origem a uma nova tendência de crescimento relacionada com a Revolução Industrial

→ Dois factores influenciaram esta evolução: � Os meios de subsistência que evoluíram neste período � A estrutura familiar

3.1 A actividade agrícola → A agricultura estava muito influenciada pelos ritmos do tempo e pela sua imprevisibilidade

que trazia períodos de escassez e de abundância → No mundo rural a magia e as actividades propiciatórias das colheitas eram ainda muito

importantes tendo permanecido algumas manifestações religiosas mesmo com a Reforma → Os costumes tradicionais contribuíam para a coesão destas comunidades que desejavam

a estabilidade e a abundância → A maior parte do território estava organizada em open fields, ou seja, terra não vedada

que pertencia a vários proprietários e que era cultivada em comunidade → Em algumas regiões do ocidente, sudeste e norte predominava a enclosure ou campo

fechado que era cultivado por uma só família → As principais mudanças que se fazem sentir no século XVI devem-se à reforma e à

distribuição das terras das ordens religiosas → Outras mudanças mais lentas levaram ao surgimento do husbandman que surgiu com

uma forma de agricultura capitalista → A produção agrícola em Inglaterra no período Early Modern entrou em expansão devido a

técnicas mais rentáveis e à introdução de novas culturas como a beterraba ou o trevo → Pouco a pouco a sociedade rural inglesa caminhava para a divisão tripartida de

proprietário (landlord), rendeiro próspero (tenant farmer) e trabalhador rural. 3.2 A actividade comercial → A actividade comercial desenvolveu-se em especial a partir de 1660 com o comércio com

as colónias → A Inglaterra no século XVII tornou-se relevante no panorama do comércio mundial → A principal actividade era a exportação de produtos ingleses nomeadamente a lã e a re-

exportação de produtos coloniais como o açúcar, o algodão e o tabaco

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→ Formou-se assim uma rota triangular: a Inglaterra exportava os seus produtos para a África Ocidental em troca de escravos que seriam levados para as Índias Ocidentais onde eram trocados por produtos coloniais levados para Inglaterra

→ O comércio interno também se começa a intensificar com a melhoria das estradas devido aos turnpike trusts que recebem as portagens e as utilizam para a conservação e melhoria das vias, mas também com a melhoria das vias marítima e fluvial

→ O comércio interno processava-se ainda nos mercados e feiras mas já começam a aparecer as pequenas lojas que vendiam vários tipos de produtos e os promoviam

→ A Inglaterra era um país com um nível de produtividade relativamente elevado organizado no domestic system que complementava a actividade agrícola com uma actividade manufactureira artesanal

→ As finanças inglesas dependiam neste período ainda de casas bancárias de Antuérpia mas o lançamento das bases do sistema financeiro começou com a fundação do Banco de Portugal assim como a dívida nacional e o aparecimento de sociedades por quotas e de lotarias

3.3 A composição social da Inglaterra early modern → Os comerciantes representavam uma espécie de estrato superior das classes intermédias

entre a aristocracia fundiária e os rendeiros e pequenos proprietários rurais → Outros sectores da sociedade desempenhavam importantes papéis embora não

directamente ligados às actividades produtivas como o clero ou as profissões liberais → O clero secular antes da reforma dividia-se entre o clero educado e o clero das paróquias

sem estudos e sem rendimentos; depois da reforma desenvolveu-se uma hierarquia que esbatia essa dicotomia: párocos locais, vigários e priores

→ No topo da hierarquia eclesiástica estavam os bispos com rendimentos equiparados à gentry ou aos pares do reino

→ Embora o clero tradicionalmente fosse aberto a qualquer estrato social, a partir do século XVIII acentua-se a tendência para preencher os lugares mais elevados da hierarquia com filhos da gentry ou da aristocracia

→ As profissões liberais mais importantes deste período são: advocacia e a medicina → Os advogados dividiam-se em várias categorias sendo os barristers aqueles que

argumentavam os casos nos tribunais e os attorneys eram consultores legais e tinha um papel menos conceituado

→ Até ao final do século XVII os conhecimentos de Hipócrates e Galeno dominavam a medicina e existiam vários tipos de médicos: cirurgião, farmacêutico e físico

→ A afirmação da profissão médica vai surgindo com a observação e a experimentação que permitem uma evolução nas práticas médicas mas também com a secularização da sociedade que Sá um papel cada vez mais importante ao médico no processo de cura

→ Outras profissões exigiam também formação específica como os mestres-escola e os arquitectos

→ Também o exército e a marinha tiveram um grande desenvolvimento atingindo um profissionalismo sem precedentes

→ A maioria da população inglesa era no entanto constituída por trabalhadores indiscriminados, alguns com condições de vida muito baixas e que podiam mesmo resultar em situações de mendicidade e vagabundagem

→ O Statute of Artificers adoptado em 1563 definia um processo de aprendizagem de sete anos obrigatório para todas as actividades e que passava numa escala de aprendiz a mestre

→ A mendicidade e a criminalidade obrigaram a medidas globais que ficaram conhecidas como Poor Law e que incluíam:

� O auxílio aos pobres como iniciativa local dependendo de uma taxa cobrada às famílias mais abastadas

� Criação de um sistema nacional de assistência financiado pelas poor rates → Os conceitos sociais por detrás destas leis definiam 3 grupos de pobres:

� Os pobres merecedores de auxílio que não se podiam sustentar

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� Os pobres aceitáveis por terem uma família demasiado grande ou porque não encontravam ocupação

� Os undeserving que podiam trabalhar mas escolhiam não o fazer e eram identificados com os mendigos, vagabundos, salteadores e criminosos

→ O Act of Settlement de 1662 veio dificultar a mobilidade das populações em busca de emprego pois estabeleceu que a assistência paroquial só podia ser prestada aos originários da região – esta lei veio a ter alguns efeitos de restrição durante a Revolução Industrial o que levou a que fosse abolida no século XVIII

4 – Os Stuart e o pensamento político no século XVI I 4.1 Enquadramento político e religioso → A sucessão de Jaime I ao trono fez-se após a morte de Isabel I sem sobressaltos em 1603 → Em 1625 com a morte de Jaime I sucedeu-lhe o seu filho Carlos I e começaram a surgir

alguns desenvolvimentos que geraram apreensão na população: � O poder do favorito real, o Duque de Buckingham � Inclinação real para o arminianismo, uma forma de religião mais próxima do

catolicismo → O envolvimento na guerra dos 30 anos trouxe algum descontentamento interno devido ao

levantamento de impostos para financiar o exército → O descontentamento começa a ser declarado por homens como John Pym, Sir Edward

Coke, Sir Thomas Wentworth, Sir John Eliot e Dudley Digges → Entre 1629 e 1640 Carlos I decidiu governar sem o parlamento num período que ficou

conhecido como Personal Rule → Problemas com o arminianismo como as medidas tomadas pelo arcebispo de Cantuária,

William Laud e com o levantamento de impostos (nomeadamente o Ship Money destinado a financiar a marinha) sem autorização parlamentar vieram causar dificuldades ao rei

→ Em 1640 o rei foi forçado a convocar o Parlamento, que ficou conhecido como Short Parliament e foi um fracasso

→ Em Novembro do mesmo ano foi convocado o Long Parliament que protagonizaram uma reversão nas medidas tomadas pelo rei e no afastamento dos seus conselheiros mais polémicos

→ A oposição ao rei era polarizada pelo conde de Bereford, pelos condes de Warwick, Essex e Manchester, pelos Lordes Brooke, Sayle e Sele e nos comuns por John Pym e Oliver St John

→ Em 1641 a estabilidade foi colocada em causa por uma revolta na Irlanda que levou á apresentação por Pym da Grand Remonstrance na qual acusava o rei de governar com o auxílio dos católicos

→ O rei decide invadir o Parlamento e prender os rebeldes, mas estes tinham fugido → O aumento da tensão entre o rei e o Parlamento prossegue em 1642 e em Agosto desse

ano o rei declara formalmente guerra contra o Parlamento → A guerra arrasta-se sem uma batalha decisiva e o Parlamento opta por uma remodelação

no exército nomeado New Model Army e comandado por Sir Thomas Fairfaix e por Oliver Cromwell

→ Em 1645 surgem os clubmen que reagiam contra a presença de tropas e contra o pagamento de impostos para financiar a guerra

→ No Parlamento discutia-se qual a melhor forma de terminar o conflito existindo duas correntes principais:

� Os presbiterianos que representavam a corrente mais conservadora e que pretendiam um acordo com o rei

� Os independentes mais radicais sobre as questões sociais e religiosas e que pretendiam um conjunto de garantias por parte do rei

→ Começaram a surgir grupos que questionavam a legitimidade do parlamento como os Levellers e que vieram agudizar um problema que tendia a não se resolver

→ Surgiu então a Segunda Guerra Civil em 1648 em sequência da impossibilidade de firmar um acordo com Carlos I que satisfizesse todas as partes

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→ O exército que discordava com as posições moderadas prendeu Carlos I e expulsou os membros do parlamento que desejavam continuar as negociações com o rei num processo que ficou conhecido como Pride’s Purge devido ao nome do seu incentivador, Thomas Pride

→ Em 1649 o rei Carlos I é executado e a câmara dos pares e a monarquia foi abolida começando o período da República

→ O Parlamento dos primeiros anos ficou conhecido por Rump por ser composto pelos membros do parlamento que restaram da purga mas as medidas tomadas não foram suficientemente radicais e o exército comandado por Oliver Cromwell expulsou o Rump em 1653

→ Foi estabelecida então uma Assembleia Nomeada conhecida como Barebone’s Parliament cujos membros tinham sido escolhidos pelo exército para executar as reformas exigidas

→ Ao fim de 5 meses esta assembleia falhou e o poder foi entregue pelos moderados a Cromwell

→ Foi elaborado o Instrumento do Governo que constituiu um compromisso com moldes semelhantes ao da monarquia constitucional: o Protector governava com um Conselho de Estado e a Câmara dos Comuns recuperava as suas funções tradicionais

→ O Protectorado assegurou a estabilidade na governação e da opinião pública → Em 1657 foi elaborada uma nova constituição – Cromwell aceitou a criação da Câmara

Alta consignada no Humble Petition and Advice mas não aceitou a coroa → A morte de Cromwell em 1658 precipitou uma série de mudanças rápidas no plano político

– o seu filho Richard sucedeu-lhe como Protector mas o atrito com o Parlamento acentuou-se e o Parlamento foi dissolvido seguindo-se eleições nas quais os monárquicos puderam votar

→ Em 1660 foi lida ao Convention Parliament a Declaração de Breda de Carlos Stuart e por acordo de todas as partes Carlos II foi declarado rei

→ Apesar dessa unanimidade os anos seguintes foram conturbados em especial no tema da religião

→ Na Declaração de Breda Carlos II deixou ao parlamento as decisões de religião, que influenciado pelos seus membros conservadores optou pela reposição da Igreja de Inglaterra nomeadamente nos 39 Artigos e no Book of Commom Prayer, contra a posição mais moderada do rei

→ Internamente a politica era conservadora com Edward Hyde, conde de Clarendon a ser substituído em 1667 pelos 5 ministros Cabal – Clifford, Arlington, Buckingham, Ashley e Lauderdale

→ Em 1675 sucedeu o governo de Danby dificultado pela política externa e pelos problemas internos

→ Nas relações externas, a política de Carlos II era ambígua – embora pessoalmente tivesse simpatia por Luís XIV, a sua politica oficial era de aliança com os outros países protestantes, Holanda e Suécia

→ As tensões entre católicos e protestantes agudizaram-se com o catolicismo assumido pelo Duque de York, irmão do rei e herdeiro do trono casado com Maria de Modena

→ Titus Oates denunciou em 1678 uma conspiração católica para assassinar o rei que ficou conhecida como Popish Plot e que levou ao surgimento do primeiro partido político moderno: os Whig reunidos em torno de Anthony Asley Cooper, conde de Shaftesbury e que defendiam a exclusão do Duque de York da sucessão

→ Carlos II nos últimos anos do seu reinado não voltou a convocar o parlamento mas ao criar condições de prosperidade garantiu a satisfação de muitos e o controlo dos protestos

→ A morte de Carlos II em 1685 colocou no trono Jaime II que tentou uma política de conciliação da gentry tradicional e da igreja anglicana ajudado por um parlamento maioritariamente Tory

→ Em 1688 o descontentamento pela preferência católica era notório, agravado pelo nascimento de um filho varão que garantia uma sucessão católica

→ Os descontentes decidiram recorrer a Guilherme de Orange, casado com Mary, filha de Jaime II e protestante – a fuga de Jaime II para França deu o trono a Guillherme III

→ O Bill of Rights consagrou os princípios do governo confirmando a religião protestante e as liberdades dos súbditos, limitando os poderes do rei

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→ Este processo constitucional e pacífico ficou conhecido como Glorious Revolution → O reinado de Guilherme III também teve os seus opositores em especial pela sua escolha

de holandeses como conselheiros → A tendência para a formação de partidos políticos acentuou-se com as formações whig e

tory mas também de facções da corte e das regiões, sendo que os Tories começaram a identificar-se com as atitudes country e os whigs se afirmavam a favor das liberdades e do protestantismo

→ O descontentamento contra a política de Guilherme III ficou claro em 1698 com a eleição de membros desfavoráveis ao rei e em 1701 com o Act of Settlement que garantia a sucessão à Casa de Hannover, mas garantia o protestantismo, afastava os estrangeiros do Privy Council

→ Quando Guilherme III morreu, a coroa passou para Anne, filha de Jaime II, cujo reinado foi influenciado pela Guerra da Secessão Espanhola que envolveu o Duque de Marlborough

→ A Guerra garantiu o Asiento, o monopólio do fornecimento de escravos ao Império Hispano-Americano, com a Inglaterra substituindo a Holanda como o maior traficante de escravos

→ O reinado de Anne foi ainda marcado pela vitalidade dos partidos políticos e de oradores como Addison, Swift, Steele e Defoe

→ Em relação à religião, o período de Anne foi de aceso debate entre as tendências anglicanas tradicionais e reacções mais radicais que visavam excluir todos os dissidentes

→ O Tratado de Utrecht em 1713 veio por termo à guerra com a França mas a rainha morreu em 1714 e com a nova dinastia Hannover assistir-se-ia à ascensão do partido Whig

→ O período early modern teve várias fases: � Uma monarquia centralizada com Henrique VIII e Isabel I � Breves modelos de quase absolutismo com Carlos I e Carlos II � Guerras civis, um regicídio, uma república e uma revolução pacífica

→ Assistiu-se ainda à tomada de medidas para a limitação do poder dos reis e para garantir o aumento do poder do parlamento e a formação de exércitos permanentes e de partidos políticos

4.2 O pensamento político e social do século XVII: Hobbes e Locke → Dois filósofos desenvolveram teorias inovadoras sobre as temáticas da formação das

sociedades, os estados sociais de paz e de guerra e sobre a natureza do poder → Os debates político-filosóficos do século XVII levaram a uma nova atitude face à natureza

do conhecimento e à possibilidade de verificação experimental 4.3 Thomas Hobbes → A ideologia de Hobbes baseava-se na melhor forma de evitar a guerra, uma consequência

do período conturbado das Guerras Civis → O objectivo era formular uma teoria do poder baseada no método científico – formulação

de uma hipótese verificada através de uma metodologia dedutiva ou indutiva até chegar a proposições que explicassem os fenómenos em análise

→ A formação de Hobbes em Oxford levou-o a crer na importância da educação tradicional aristotélica

→ Outro importante elemento formativo é a ligação entre Bacon e Hobbes quando o filósofo serviu de amanuense a Bacon

→ Hobbes também tinha uma atracção pela geometria euclidiana que contribuiria para a clarificação de uma metodologia orientada pelo rigor, pela precisão aritmética e pela decomposição do complexo em unidades mais simples

→ Hobbes formulou uma hipótese inovadora de que tudo incluindo as sensações humanas é causado pelo movimento, baseado nas ideias de Galileu

→ Partindo dessa hipótese, Hobbes definiu uma filosofia sistemática em 3 partes: o Corpo que explicaria os princípios do movimento, o Homem, que seria um corpo em movimento e o Cidadão que mostraria a direcção em que os movimentos conduziriam

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→ As teorias de Hobbes apoiavam o rei, o que o levou a Paris onde publicou a sua obra mais conhecida em 1651: Leviathan – modernidade dos seus temas como a paz, a análise sistemática do poder e o tratamento científico dessas matérias

→ O objectivo de Hobbes era a construção de uma ciência política que mostrasse aos homens a forma de atingir a paz civil e a prosperidade

→ Hobbes procurou desmontar a sociedade para tentar identificar os movimentos das suas partes através da formulação de hipóteses - mecanicismo

→ A principal causa que faz os homens moverem-se são os desejos e as aversões, que agrupa em diversas categorias

→ Os homens procuram o poder que pode ser natural ou instrumental e esse desejo só termina com a morte

→ A solução para evitar a guerra latente que este desejo de poder trazia era a existência de uma autoridade reconhecida por todos e que estabelecia um contrato com a sociedade

→ As teorias de Hobbes tinham no seu centro o conceito de igualdade mas ao mesmo tempo seria uma sociedade competitiva onde prevaleciam as relações de mercado

→ Sociedade de ricos e pobres mas em que todos têm direito a justiça igual e que seria governada por uma autoridade que se devia auto-perpetuar

4.4 John Locke → A autoridade é também o motivo central do pensamento político de John Locke → Locke também frequentou a Universidade de Oxford e ao estudo dos clássicos veio juntar-

se um interesse pelas ciências nomeadamente pela botânica e pela filosofia natural tendo trabalhado no laboratório de Boyle

→ Nos primeiros anos, o pensamento de Locke revela uma visão constitucional da autoridade defendendo uma autoridade baseada em leis de cuja preservação dependeria de um corpo de leis

→ Mais tarde Locke iria reorientar o seu pensamento para a tolerância e liberalismo, traços que ainda hoje o distinguem

→ Em 1684 Jaime II expulsou-o da universidade abrindo novas avenidas para o desenvolvimento do seu pensamento político e filosófico

→ Algumas das suas obras mais famosas são o Essay on Human Understanding e o Essay on Toleration e mais tarde Two Treatises on Government

→ A obra de Locke revela numa época de extremos atitudes moderadas e de senso comum → Era um pensador empírico já que para ele o conhecimento decorre das percepções

sensoriais e de introspecção mas também era racionalista rejeitando as emoções e sentimentos

→ Segundo Locke a mente vai-se mobilando: num primeiro plano através das sensações, num segundo grau através das demonstrações e no plano mais elevado pela intuição

→ Para Locke a simples observação do funcionamento da natureza era uma prova da existência de Deus – Deísmo

→ Os trabalhos de Locke sobre a liberdade política e a tolerância religiosa foram fundamentais para a formação da mentalidade whig e para o desenvolvimento da tradição liberal

→ Locke acreditava numa lei natural e em direitos naturais sendo que prestou mais atenção ao direito à propriedade

→ Para Locke o governo pela maioria provém da noção do consentimento já que num primeiro momento a sociedade faz um contrato em que as pessoas se obrigam a acatar as decisões da maioria sendo que o governo é formado num segundo momento segundo os desejos da maioria

→ No commonwealth delineado por Locke existiria uma nítida separação de poderes entre o legislativo, o executivo e o federativo (que teria o poder de fazer a guerra e estabelecer as alianças externas)

→ O pensamento de Locke sobre o conhecimento é já um pensamento iluminista que teria importantes desenvolvimentos no século XVIII

→ Tal como Milton, Locke dedicou uma importância especial à educação que seria uma formação para a vida e não a simples aprendizagem de conhecimentos

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→ Locke tinha em vista a educação de um gentleman com a aprendizagem de conhecimentos importantes como os de filosofia natural de acordo com a razão, a religião e as boas maneiras

→ Representou nos seus textos o espírito de liberdade na pesquisa científica, racionalidade e independência face à autoridade

→ O pensamento de Locke levou a desenvolvimentos por exemplo no liberalismo económico desenvolvido por Adam Smith em “The Wealth of Nations” e nas obras de Berkley, David Hume, David Hartley e Joseph Priestley

5 – A Revolução Científica 5.1 Uma nova epistemologia → A ideia de modernidade está associada a uma mudança epistemológica que se começou a

definir no século XVI num processo designado Revolução Científica porque veio substituir a física aristotélica e a filosofia escolástica por novos conceitos

→ A rejeição da obscuridade da Idade Média é uma atitude com raízes no Renascimento e que se impôs nos séculos seguintes

→ Ernst Cassierer definiu duas tendências na especulação científica: � Uma radicada na filosofia da natureza, da magia e da alquimia com Pico de la

Mirandola, Paracelso, Giordano Bruno e Campanella � Uma corrente mais positiva e experimental cujos representantes seriam Kepler,

Leonardo da Vinci, Galileu e Tycho Brahe → Inicia-se uma tarefa de recuperação dos textos dos autores clássicos como Lorenzo Valla,

Marsilio Ficino, Pico de la Mirandola, Erasmo, Johanes Reuchlin e Guillaume Budé → É dado também um interesse maior às línguas modernas que se desenvolvem onde o

latim fora antigamente a forma de comunicação → Em Inglaterra a tradução da bíblia feita por William Tyndale e Coverdale demonstra essa

tendência da importância das línguas vernáculas → A descoberta de novos espaços geográficos permitiu também uma expansão no saber e

uma construção de novas atitudes; desenvolviam-se novas ciências como a etnografia, a geografia e a cartografia

→ O conhecimento do corpo humano também avança com a anatomia e com a obra de André Vesalius, um atlas do corpo humano e em Inglaterra William Harvey publica uma obra na qual é clara a concepção mecanicista do funcionamento do corpo humano através da circulação do sangue

→ A história começa também a desenvolver-se como disciplina que procura entender relações e desenvolver explicações objectivas para os fenómenos humanos

→ Outras obras iriam colocar em questão a organização dos estados e a autoridade política e religiosa em obras como O Príncipe de Maquiavel

→ Richard Hooker escreveu “The Laws of Ecclesiastical Polity” na qual defende dois fundamentos para a constituição das sociedades: a inclinação natural do homem para viver em sociedade, e a lei do bem comum

→ As novas descobertas no campo da astronomia e das ciências naturais levam à construção de laboratórios e observatórios promovidos pelos monarcas

→ Surgem também academias também sob o patronato dos reis das quais se destaca a Royal Society fundada na década de 60 do século XVII

5.2 Francis Bacon e o método indutivo → Alguns autores consideram que Bacon foi mais um divulgador de novas teorias do que um

pensador original mas outros pensadores valorizam a sua sistematização do saber nomeadamente pelo desenvolvimento do método indutivo

→ Estudou apenas dois anos em Cambridge tendo-se dedicado essencialmente à carreira política produziu em simultâneo uma extensa colecção de obras

→ Ele rejeitou três tipos de vaidades nos estudos: � Rejeita o saber que se preocupa mais com as palavras do que com a substância

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� Rejeita a degenerescência da escolástica e da tradição aristotélica � Rejeita ainda a magia natural, a alquimia e a astrologia

→ Nas ciências Bacon identifica uma forma de aprendizagem que valoriza a experiência, cumulativo ao contrário da abordagem dos filósofos que se dedicam apenas a discursos sobre os clássicos sem evolução

→ A descoberta da verdade depende assim do uso da razão aplicada nas faculdades de observação, testada na experimentação e sistematizada na formulação de princípios gerais

→ No Novum Organum enumera 4 tipos de ídolos ou falsas noções: � Confiar apenas nos sentidos � Erros devido aos temperamentos individuais � Erros decorrentes da influência da linguagem � Erros decorrentes de sistemas filosóficos do passado

→ O representante mais importante da filosofia do ocultismo foi Paracelso que associava ao experimentalismo uma convicção no esotérico

→ Os principais contributos de Bacon para a modernidade são: � A divisão e classificação das ciências � O método indutivo

→ Bacon produziu ainda uma obra de ficção sobre uma sociedade orientada para o conhecimento útil na sua obra New Atlantis na qual se destacava a Society of Salomon’s House e embora a obra tenha ficado inacabada dá uma imagem da ciência aplicada e da constituição de uma sociedade científica

→ O método indutivo assenta em duas formas de procedimento que partem dos sentidos e da percepção das coisas particulares para a formulação de conclusões gerais

→ Bacon deu grande importância à qualidade da observação e à planificação da experimentação bem como ao processo de transformação que deve ser descoberto

→ O mérito de Bacon está na separação da ciência da religião e da metafísica e atribuiu ao cientista da natureza um estatuto digno que o distinguia dos charlatães e dos mágicos

→ As principais críticas que lhe têm sido feitas relacionam-se com a negligencia dada ao papel da criatividade na pesquisa científica e à deficiente apreciação do papel da matemática

5.3 Hermetismo e magia → O pensamento da época estava polarizado pelo neoplatonismo com elementos de

hermetismo e da cabala judaica → A figura-chave do neoplatonismo era o mago que buscava a verdade numa pesquisa

ascética e solitária, sendo um exemplo da Inglaterra isabelina o Doutor John Dee → A relação entre a ciência e a magia era muito próxima como o demonstra a alquimia que

procura a transmutação de metais pobres em ouro → A astrologia procurava encontrar a relação entre os movimentos das estrelas e dos

planetas nas vidas humanas – era praticada com benefícios financeiros por astrólogos como William Lilly através de consultas e da elaboração de almanaques

→ A crença e a prática da astrologia eram áreas em que a cultura popular se cruzava com a cultura erudita

→ Nos séculos XVI e XVII o mundo ainda era visto como envolvido em mistério e magia mas a legislação contra as práticas de bruxaria foi sendo posta em causa e foi abolida definitivamente em Inglaterra em 1736

5.4 Newton e a ciência positiva → Os estudos de filosofia natural nas principais universidades britânicas continuaram apesar

das guerras civis sendo que em Cambridge assumiu um teor neo-platónico enquanto em Oxford assumiu uma tónica mais científica

→ Robert Boyle em Cambridge criou o Colégio Invisível, uma associação de tipo colegial com intelectuais anglo-irlandeses

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→ Em Oxford também foi criada a Sociedade Filosófica de Oxford sob a égide de John Wilkins numa antecipação da Royal Society

→ Boyle preocupava-se mais com a observação e experimentação do que com a formulação de hipóteses demonstrando afinidades com Bacon

→ Em 1662 formulou a Lei de Boyle que define que a pressão e o volume de um gás são inversamente proporcionais

→ Boyle reconhecia, ao contrário de Bacon, o lugar das matemáticas na física concordando com Galileu e Descartes

→ Para Boyle a actividade experimental era considerada um serviço a Deus e insistiu que o sistema do cosmo que ele analisava era uma prova irrefutável da existência de Deus

5.5 Isaac Newton → Newton completou a nova cosmovisão iniciada por Copérnico, Galileu e Kepler e a física

newtoniana dominou o panorama da física até recentemente → Frequentou a universidade de Cambridge onde se graduou em 1665 tornando-se

professor na instituição → Em 1687 publicou o seu Philosophiae Naturalis Principia Mathematica geralmente

conhecida como Principia → A Lei da Atracção Universal determina que a atracção mútua das massas envolve numa

só fórmula matemática os fenómenos cósmicos dos movimentos dos planetas, dos cometas, da lua e do mar

→ Newton demonstrou que os corpos terrestres se regem pelas mesmas leis dos corpos celestes destruindo a teoria aristotélica que afirmava o contrário

→ A matemática era para Newton apenas um instrumento usado pela mente como verificação experimental

→ O método científico de Newton envolve 2 componentes: a descoberta indutiva de leis mecânicas através do estudo dos fenómenos dos movimentos e a explicação dedutiva doas fenómenos à luz dessas leis – análise primeiro e síntese depois

→ Newton debruçou-se sobre várias áreas mas dedicou-se também à produção de tratados teológicos

5.6 A difusão do pensamento newtoniano → A física experimental exerce um fascínio sobre o público desde cedo → A filosofia natural de Newton rompe com os princípios aristotélicos e estabelece uma nova

interpretação do universo → A difusão do pensamento de Newton iria focar-se na componente mecanicista das suas

posições com uma leitura positivista que não corresponde à totalidade das suas propostas → David Hume irá utilizar o seu conceito de atracção como modelo explicativo para a

associação das ideias tornando clara a ligação entre as ciências da natureza e as ciências humanas

→ As críticas e desconfiança surgiram em vários quadrantes quer dos segmentos mais conservadores da igreja anglicana quer de pensadores neo-platónicos como Henry More

→ Apesar das críticas, as novas atitudes tiveram expressão noutras áreas como na aritmética política defendida por William Petty ou Gregory King que foram pioneiros dos estudos estatísticos

→ É difícil determinar as ligações entre a Revolução Científica e a Revolução Industrial dado os inventos que revolucionaram as actividades produtivas foram feitos por homens práticos sem grandes conhecimentos científicos

→ No entanto, a difusão da nova ciência em especial dos textos de Newton através da imprensa permitiu uma abertura mental e uma nova atitude menos céptica em relação aos novos desenvolvimentos e à sua aplicabilidade ao quotidiano

→ O pensamento de Locke e Newton permitiu a emergência de uma nova mentalidade que passava de um mundo instável e desordenado para um mundo de estabilidade e ordem

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6 – A cultura popular 6.1 Problematização → O termo cultura popular assume uma homogeneidade que na realidade não existe já que

seria mais correcto falar em culturas ou sub-culturas → Por outro lado também as relações entre a cultura popular e erudita são muito estreitas;

por exemplo os autores Ben Johnson, Milton ou Marvell defendem os festivais populares → A análise da cultura popular não deverá ter apenas como objecto as manifestações

folclóricas nem tudo o que não cabe no erudito → Recentemente têm sido estudados os sistemas culturais, ou seja, o conjunto de regras e

princípios que estão subjacentes à vida quotidiana em diferentes tempos e lugares → A análise da cultura popular no período early modern é dificultada por ser essencialmente

oral e por isso de difícil reconstituição 6.2 Festas e rituais → As festas populares mais importantes eram as das paróquias conhecidas como revels, ales

e wakes, e estavam associadas ao santo padroeiro ou a eventos especiais do calendário → As festas litúrgicas eram também polarizadoras das comunidades: o Natal, a noite de Ano

Novo, a Páscoa, o Shrove Tuesday, o May Day, o Whitsun, o Midsummer’s eve → Outras datas também começaram a ser celebradas como o dia de Guy Fawkes em

Novembro depois de 1605 → O primeiro de Novembro era considerado o dia em que os espíritos dos mortos vagueavam

entre os vivos, uma tradição que vinha já do calendário celta, tendo o Abade Odilo de Cluny instituído em 998 a festa de Todos-os-Santos; mantiveram-se no entanto os elementos da festa pagã como as fogueiras e fogos de artifício

→ Num plano mais privado, da família, existiam ainda rituais específicos como o baptismo, o casamento ou a morte

→ A estrutura da família foi evoluindo: no período medieval era alargada incluindo todos os que viviam sob o mesmo tecto; surge posteriormente a família patriarcal no período moderno que se caracterizou por uma fixação dos laços de consanguinidade mas associando pessoas de várias gerações; no período industrial surge a família nuclear

→ Desde cedo em Inglaterra o casamento era consensual sendo a única barreira o parentesco; havia geralmente um longo período de noivado seguido do ritual específico do casamento

→ Os enterros podiam ser acompanhados de sin-eatings em que um pobre da paróquia assumia os pecados do morto em troca de comida e dinheiro

→ O enterro dentro das igrejas era mais caro e era uma das fontes de receita paroquial → Outros dos aspectos da cultura popular eram os jogos e passatempos praticados em

comum por toda a aldeia e alguns são hoje em dia praticados como o football, o cricket, o boxing, a luta livre, o jogo do pau e o tiro com arco

→ Outros passatempos incluíam crueldade para os animais tendo sido mais tarde proibidos como foi o caso do baiting de cães sobre ursos, touros ou badgers ou as lutas de galos

→ As festividades do Carnaval eram também importantes com o uso de máscaras que se contrapunha às tradições regradas da Quaresma

→ O Carnaval era uma válvula de escape para as insatisfações do dia-a-dia mas funcionava também como elemento de coesão dos grupos para evitar as discordas e disputas

→ Existiam ainda as manifestações políticas associadas por exemplo às eleições que eram celebradas com festas e rituais triunfais dedicadas aos vencedores

→ As execuções públicas eram também uma forma de entretenimento destinada a mostrar ao povo que o crime não compensava; quando a pena não era capital eram executas as penas corporais sendo que algumas suscitavam a participação do público por exemplo através de insultos

→ Eram ainda executadas algumas formas de justiça popular como o charivari que era uma difamação pública sob a forma de balada cantada por debaixo da janela do culpado

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6.3 Efeitos da Reforma e do Puritanismo sobre a cul tura popular → Os excessos de comportamento e os traços de paganismo característicos deste tipo de

divertimentos foram severamente condenados pela Igreja → A Reforma trouxe dois elementos que contribuíram para o desaparecimento das

manifestações populares: � O recurso a uma nova autoridade, a Bíblia largamente difundida � Aumento da literacia

→ A existência de um texto comum levou a uma normalização de comportamentos → Também o estabelecimento de tribunais da igreja em cada diocese levou a um maior

controlo e intervenção do clero no quotidiano embora a única pena que pudessem aplicar era a penitência

→ Com a Restauração em 1660 regressa uma maior liberdade de expressão a nível ritual nas mascaradas praticadas por todas as classes sociais no século XVIII

→ As práticas ligadas à bruxaria e à magia iriam sofrer o duplo assalto do fundamentalismo reformador e da emergência de uma nova filosofia orientada para a observação da natureza, a experimentação e o uso da razão

7 – A cultura erudita 7.1 A educação → Com a complexidade crescente da sociedade, aumentaram os níveis de alfabetização → Um dos indicadores para demonstrar esta evolução é a publicação de livros que

aumentaram exponencialmente → No princípio da guerra civil em 1643 dois terços dos homens e nove décimos das mulheres

não sabiam escrever os nomes mas essa informação podia não ser a mais realista já que outros indicadores apontam um grau de literacia mais elevado

→ A educação no século XVI devia inculcar perspectivas religiosas correctas já que era dominada pela Igreja: Oxford e Cambridge estavam sob controlo da Igreja e os mestres-escola dependiam da autorização episcopal

→ Outro objectivo da educação que se começa a definir era o acesso a conhecimentos para desempenhar transacções comerciais e da administração pública

→ A educação proporcionava ainda o acesso a um conjunto de actividades úteis e agradáveis verificando-se o aumento do número de almanaques, panfletos, baladas e livros humorísticos dirigidos a um público menos exigente e mais numeroso

→ As alterações na educação que se registaram nos 80 anos anteriores a 1640 constituíram praticamente uma revolução

7.2 O ensino superior: as Universidades → O número de admissões em Oxford em 1550 ainda era relativamente baixo, mas a partir

dessa data começou a aumentar rapidamente registando-se um decréscimo a partir da década de 90 e uma recuperação do crescimento no início do século XVII

→ A origem social dos estudantes também é conhecida: mais de metade dos estudantes de Oxford em finais do século XVI e princípios do século XVII eram plebeus sendo que a maioria eram filhos de husbandman e de pequenos artesãos; pouco a pouco foi aumentando o peso dos filhos da gentry de acordo com o conceito do gentleman que valorizava a educação em especial os conhecimentos clássicos

→ Os filhos dos plebeus destinavam-se à carreira eclesiástica enquanto os filhos da gentry pretendiam apenas um polimento cultural

→ Nos finais do século XVIII a presença das classes mais favorecidas nas universidades reduz-se

→ O colégio de Magdalen em Oxford foi o primeiro a introduzir modificações com a introdução do ensino tutorial bem como do sistema de residência dentro do colégio e a provisão de lugares para undergraduate commoners, filhos da gentry que pagavam as suas despesas de residência e educação

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→ Os novos colégios tornaram-se centros de inovação e excelência com o declínio da importância dos Halls

→ Os mais importantes nomes do governo britânico do século XVI estão associados aos colégios

→ O Bispo Foxe introduziu em Oxford o estudo das humanidades, latim, grego, e a teologia positiva

→ O Cardeal Wolsey pretendia inovar ainda mais tendo planeado o Cardinal’s College em Oxford que pretendia apoiar o estudo das humanidades dentro de uma estrutura tradicional – com a queda em desfavor do cardeal o plano perdeu força mas Henrique VIII voltou a recuperá-lo nos colégios Christ Church em Oxford e Trinity em Cambridge

→ Apesar destas aberturas à inovação, a maior parte dos currículos continuavam bastante conservadores com o estudo do trivium (gramática, retórica e dialética) e do quadrivium (aritmética, geometria, astronomia e música)

→ Os estatutos de 1570 fixavam um prazo de sete anos para o grau em Artes, quatro para o grau de Bachelor e mais três para o de Master

→ O aumento de alunos da gentry levou ao aparecimento de outras matérias como química, física, anatomia, botânica, matemática, francês, espanhol, italiano, música, dança e equitação

→ O regime tutorial implantou-se ao mesmo tempo que os colégios se desenvolveram e em 1550 a prática de os alunos se alojarem na cidade tinha caído em desuso

→ A arquitectura dos colégios mantém as características medievais com um plano constituído por um pátio quadrangular guardado pela casa do warden e rodeado pela capela, hall, biblioteca e alojamento

→ A revolução científica foi feita à margem das universidades que eram consideradas ferozes opositores à mudança

→ Apesar disso as universidades tinham um carácter cosmopolita dada a mobilidade da comunidade científica

→ A relação entre as universidades e as academias era de complementaridade, tendo a universidade a função pedagógica e as academias a de investigação científica

7.2.1 O ensino superior: os Inns of Court → Eram em princípio estabelecimentos vocacionados para a formação em direito mas

funcionavam também como escolas de eleição para os estratos sociais mais favorecidos → O sistema de ensino e alojamento era livre sem tutoriais nem internato → A frequência dos inns começou a decair na segunda metade do século XVII e os filhos da

gentry começaram a ser substituídos por filhos de comerciantes e profissionais mais orientados para a profissionalização

→ Na segunda metade do século XVIII os aristocratas e gentry patrocinavam uma visita pelas principais cidades da Europa na companhia de um tutor – o grand tour

→ Os métodos de ensino tradicionais eram: � Bolting – estudante argumentava com um Bencher e dois Barristers � Moot – debate público entre um Reader e dois Benchers � Readings – forma mais avançada de instrução ministrada em francês jurídico

7.3 O ensino não superior: as Grammar Schools e out ras instituições → As mesmas circunstâncias que levaram ao desenvolvimento do ensino superior levaram ao

desenvolvimento das escolas secundárias: � Valorização de alguma instrução na condução dos negócios públicos � Preferências por novos atributos sociais � Novo prestígio do saber clássico

→ As grammar schools eram as principais escolas secundárias mas existiam ainda outras escolas e muitos alunos recorriam também a tutores privados

→ As grammar schools eram normalmente financiadas por fundadores privados que pretendiam contribuir para a formação moral e cívica dos jovens e reforçar os ideais da religião protestante

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→ Algumas escolas começaram a praticar algum grau de exclusividade como Eton e Westminster o que revelava o interesse da gentry por este tipo de escolas

→ Os conteúdos ensinados nas grammar schools eram clássicos e não utilitários → As grammar schools recebiam crianças entre os sete e oito e os catorze e quinze com a

duração dos estudos de seis ou sete anos; o ensino era feito em grupos mas o horário era extenso e a disciplina incluía castigos corporais

→ Um conjunto de praxes procurava facilitar as relações entre professores e alunos como barring out, shutting out ou penning out em que os alunos se fechavam na sala de aula, e combinavam um conjunto de reivindicações

→ Apenas em meados do século XIX os objectivos da educação eram utilitaristas 7.4 A corte e a cultura das elites → A corte e os cortesães desempenhavam um papel importante já que era um mundo onde a

representação e o ritual marcavam os comportamentos individuais e a produção literária e estética

→ Começa a registar-se a presença de gentleman commoners educados nas universidades e que procuravam posições de aconselhamento do rei ou do príncipe

→ É construído um modelo de conduta virtuosa própria do nobre, seguindo as ideias humanistas

→ Surgem obras específicas sobre educação: � The Education and Training of a King – Jerónimo Osório � The Education of the Prince – Guillaume Budé � The Epitome of a Good Prince – Jacob Wimpfeling � The Dial of Princes – Antonio de Guevara � The Book Named the Governor – Thomas Elyot

→ Na corte Tudor a conduta individual era muito ritualizada e os passatempos, música e desportos eram entendidas como virtudes dos nobres

→ O gentleman tinha que ter vários atributos: � Tinha de saber combater � Devia saber discursar em latim � Conhecer a forma do soneto � Entender teologia � Dançar com graciosidade � Ter boas maneiras à mesa

→ No reinado de Henrique VIII assistiu-se a uma revitalização do torneio medieval mas com funções simbólicas e de representação

→ As cerimónias de atribuição de ordens de cavalaria como a ordem da Jarreteira também tinham um significado simbólico

→ As representações tinham um carácter efémero, mas foi registado em peças de tapeçaria ou pinturas

→ O retrato foi a forma de arte que recebeu mais protecção na corte Tudor sendo alguns dos principais artistas Hans Holbein, Nicholas Hilliard e Isaac Oliver

→ Os retratos de Isabel I quer de Hilliard quer de Sir William Segar estão recheados de referências ao poder, autoridade, castidade, e justiça

→ Na música a criatividade é maior com vários compositores em destaque: � Thomas Tallis � William Byrd � Orlando Gibbons

→ Na música secular, nomeadamente no madrigal registam-se os principais desenvolvimentos musicais, sendo um formato de origem italiana praticado por autores como Nicholas Yonge, Thomas Watson, Thomas Morley e John Dowland

→ Na literatura os desenvolvimentos também são assinaláveis como na poesia de Sir Philip Sidney (A Defence of Poetry) e de Spencer (Faerie Queene)

→ O drama teve também alguns representantes de destaque como Shakespeare, Christopher Marlowe, Bem Johnson, Cyril Tourneur, John Webster e Thomas Middleton

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→ No período Stuart desenvolvem-se outros poetas: John Donne, Robert Herrick, Thomas Carew, Sir John Suckling ou Richard Lovelace

→ Na época das guerras civis e de Cromwell surgiram outros nomes como Andrew Marvell, John Dryden e John Milton (Paradise Lost)

→ A corte de Carlos I voltou a ser um importante centro de mecenato, destacando-se Anthony Van Dyck embora os Stuart tivessem apoiado também a arquitectura com os seus maiores representantes Inigo Jones e (sala de banquetes de Whitehall) Christopher Wren (Catedral de São Paulo)

→ As artes efémeras deixaram poucas marcas mas foram bastante importantes em especial duas formas:

� O Pageantry era um espectáculo público que consistia num quadro, numa representação ou num dispositivo alegórico montado num palco ou num carro

� O Masque era uma forma de espectáculo amador popular na corte e entre a nobreza → As guerras civis vieram interromper a popularidade destes espectáculos tendo apenas

sobrevivido o Lord Mayor Show → As artes efémeras foram perdendo importância no século XVII embora fossem ainda feitos

desfiles e espectáculos para comemorar as coroações ou visitas dos monarcas a cidades 8 – Do pré-industrial à industrialização – sistemat ização e teorização → Max Weber – “The Protestant Ethic and the Spirit of Capitalism” – influência da religião e

diferenças entre as religiões ocidentais e orientais → A teoria de Weber procura explicar o carácter específico do capitalismo ocidental e

distinguindo-o da simples actividade que procura o enriquecimento → Weber distingue a noção de vocação do espírito puritano como a forma de obrigação

individual mais elevada que consiste em cumprir os seus deveres no plano das actividades do mundo

→ O protestante distingue-se do católico que cumpre a sua religiosidade num ciclo de pecado, arrependimento e perdão

→ A salvação eterna para os protestantes é um destino a ser cumprido só e antecipadamente decidido para a eternidade

→ Da ideia de predestinação decorrem duas consequências: é obrigatório que cada um se considere escolhido e a segunda é a prática de boas obras porque estas seriam uma demonstração da certeza da salvação

→ A acumulação de riqueza seria sancionada moralmente desde que resultasse de um comportamento sóbrio, austero, trabalhador e condenada se fosse utilizada para sustentar uma vida de ócio, luxo e auto-satisfação

→ Em Inglaterra, Weber interpreta o espírito calvinista como oposto á organização social do período Stuart

→ Os puritanos defendiam os motivos individualistas da aquisição legal e racional em resultado das competências e virtudes privadas

→ O espírito do capitalismo moderno radica numa cultura racional com base na ideia de vocação a partir do ascetismo cristão

→ Outro aspecto que distingue no capitalismo ocidental do de outras regiões é o desenvolvimento das cidades e a presença das leis romanas – em Imglaterra impôs-se desde cedo a common law que marcou um repúdio pela lei canónica e que pode ter sido importante para o afirmar do Estado-nação

→ As circunstâncias favoráveis combinadas com a energia moral do puritanismo teriam levado ao desenvolvimento do capitalismo ocidental

→ Muitas críticas têm sido feitas a Weber nomeadamente a caracterização feita ao calvinismo e ao catolicismo, enquanto outros criticam o âmbito das fontes

→ Outra crítica a Weber seria a omissão em verificar até que ponto a Reforma teria sido uma resposta a necessidades sociais bem como em investigar as causas e consequências da mentalidade religiosa – o puritanismo moldou a ordem social e foi moldado por ela

→ Há um ponto indiscutível nas análises da sociedade inglesa dos século XVI e XVII e que é a centralidade da religião para a compreensão da cultura e sociedade

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→ O protestantismo não floresceu em toda a população já que se desenvolveu essencialmente entre quem sabia ler e tinham uma posição confortável na hierarquia

→ Por outro lado, as seitas religiosas começaram a proliferar entre as classes mais desfavorecidas e que podiam já existir há algum tempo mas que ganham importância neste período

→ A liberdade religiosa só foi atingida com os decretos Test and Corporations Act (1828) e Catholic Emancipation Act (1829)

→ Formam-se ainda sociedades que se destinam a reformar os costumes e melhorar a sociedade que começam uma tradição de solidariedade

→ Começa também a formar-se uma consciência da classe trabalhadora em parte por influência do metodismo

→ Com o correr dos tempos o fanatismo religioso foi-se atenuando à medida que a racionalidade do iluminismo se desenvolve acompanhada por um espírito de tolerância

III – A Modernidade I – A Industrialização 1 – Tradição e revolução 1.1 Enquadramento da Revolução Industrial no século XVIII → Várias circunstâncias contribuíram para as mudanças tecnológicas que caracterizaram a

Revolução Industrial: � A Revolução Científica, embora indirectamente, ajudou a criar um clima de inovação

e promoveu o uso de medições e de rigor que ajudaram ao surgimento dos novos instrumentos de trabalho

� As descobertas marítimas favoreceram o aparecimento de novos mercados - o consumo de chá generalizou-se no século XVIII e o de café também se divulgou embora entre grupos mais abastados; registou-se de forma geral um aumento do bem-estar e do consumo de produtos

� A legislação inglesa protegeu os interesses britânicos ao proibir a importação e exportação de produtos que não fossem transportados em embarcações nacionais

� As matérias-primas necessárias para as industrias vinham das colónia e mesmo as americanas, depois da independência, continuaram a comerciar activamente com a Inglaterra

� A ética protestante terá estado na origem da criação de uma mentalidade industriosa, disciplinada e de poupança

� A política económica interna vigente não limitava a iniciativa privada, o que facilitou o aparecimento dos empreendedores

� A Inglaterra tem também um sistema financeiro desenvolvido que inclui empresas por acções e cotas, um sistema bancário eficiente, hábitos de investimento à distância, instituições de crédito, bancos, notas bancárias e cheques

� A mentalidade de liberdade, conduta moral e orientada para a produtividade e enriquecimento favoreceram também os desenvolvimentos tecnológicos – estas ideias serão desenvolvidas por Adam Smith, David Ricardo ou T R Malthus e estarão na origem do pensamento utilitarista e do self-help do século XIX

� A nível político, a liberdade também se vai afirmando ao nível das classes trabalhadoras que começam a reclamar cada vez mais condições e mais representação, o que levou à primeira Reforma Parlamentar de 1832

→ A produção é feita pelo domestic system, ou seja, a actividade agrícola combinada com alguma manufactura, mas começam já a surgir um processo semi-capitalista de distribuição de tarefas por um empreendedor

→ Os primeiros inventores e capitalistas também tinham por vezes actividades múltiplas: James Hargreaves, o inventor da jenny era tecelão e carpinteiro; Richard Arkwright era barbeiro e fazia perucas, John Kay que o ajudou na construção da frame era relojoeiro e Samuel Crompton, o inventor da mule era tecelão

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1.2 O costume e a cultura das classes populares → No século XVIII assiste-se ao surgimento de uma cultura de características proletárias nos

novos ambientes urbanos e industriais e que se forma na ruptura com os hábitos tradicionais da vida rural

→ A cultura plebeia segundo EP Thomson teria traços que são normalmente atribuídos às culturas tradicionais:

� Forte herança de definições e expectativas herdadas � Resistência à mudança que reforça os costumes tradicionais � A forma de controlo da gentry sobre as classes sociais reside na religião e no

carisma da monarquia → A cultura tradicional do século XVIII é também rebelde porque defende o costume contra a

inovação – os food riots do século XVIII são expressões de conceitos tradicionais de justiça e direito e não apenas manifestações trazidas por uma maior dificuldade financeira

→ Mas a mudança de mentalidades vai acontecendo e começam a surgir reflexões teóricas sobre os problemas sociais – as diversidades locais e regionais vão-se esbatendo cada vez mais quer em movimentos de carácter nacional quer na lei geral que é vista como forma de garantir justiça uniforme

1.3 A ascensão dos Whig no século XVIII → O enquadramento definido pelo Bill of Rights de 1689 e pelo Act of Settlement de 1701

limitava o poder dos monarcas → Ao Parlamento cabiam decisões sobre o governo da nação, a definição das forças

armadas, o lançamento de impostos para a manutenção das forças armadas e era ainda a instância perante a qual os ministros prestavam contas

→ Mas o rei ainda desempenhava um papel importante e quando os tories preparavam o tratado de Utrecht, desfavorável a Hannover, o rei estendeu o seu apoio aos Whigs

→ Os tories defendiam a causa Stuart, tendo mesmo apoiado a revolta jacobita de 1715 – por outro lado, a fraqueza do partido também derivava das divergências entre os dois chefes: o conde de Oxford e Henry St John, visconde de Bolingbroke

→ Algumas das medidas que foram tomadas neste período foram o Riot Act que permitia ao exército intervir em levantamentos populares e o Septennial Act que estabeleceu a legislatura por sete anos em vez de três

→ O partido Whig iria ser influenciado por Robert Walpole que dominou a política britânica até 1742 tendo mantido um clima de estabilidade interno e externo que permitiu a sua longa permanência

→ A legitimidade da dinastia de Hannover não estava ainda consolidada já que existiam 58 pretendentes ao trono com maior legitimidade do que Jorge I, mas apesar disso, a estabilidade política foi mantida

→ O sistema eleitoral estava ainda longe de ser democrático já que havia uma grande diversidade de circunstâncias nos boroughs, tendo alguns uma população muito extensa e outros muito poucos eleitores – estas desproporções, agravadas pelas migrações provocadas pela industrialização levaram às reformas parlamentares, a primeira das quais em 1832

→ A Walpole sucederam outros ministros como Horace Cartert, o duque de Newcastle, Henry Pelham e Wiliam Pitt

→ Quando Jorge III subiu ao trono em 1762 a estabilidade política e social parecia assegurada mas o seu reinado iria ser perturbado pela Revolução Americana, pela Revolução Francesa, pelo nascimento do radicalismo político, pela Revolução Industrial e pela Revolução Agrária

1.4 Radicalismo político e império → Jorge III promoveu a abertura da política aos tories voltando a aumentar a importância de

Oxford, mas apesar disso o reinado ficou marcado pela animosidade entre os dirigentes políticos

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→ A primeira prioridade de Jorge III foi obter a paz na Guerra dos Sete Anos contra a França e Espanha

→ Ao fim da guerra seguiu-se um período de instabilidade causado por maus anos agrícolas e recessão económica nas zonas urbanas

→ Este clima de turbulência levou ao aparecimento de John Wilkes que apresentava propostas de reforma políticas e que conseguiu ter bastante apoio

→ A divulgação das ideias de Wilkes ficou a dever-se ao aumento do público leitor que permitiu a divulgação dos textos que apoiavam as suas reformas mas também porque as suas ideias tinham como objectivos a garantia dos direitos políticos do eleitorado, aumentado o direito ao sufrágio

→ Inglaterra começou a ver-se como a cabeça de um vasto império que incluiria: � O Quebec com as suas peles e peixes e as colónias americanas serviriam como

mercado par aos produtos europeus � As Índias Ocidentais serviam de entreposto do comércio de escravos e de local de

origem de produtos tropicais � A Índia ofereceria acesso a formas exóticas de cultura que tiveram expressão na

literatura da época como a presença do nababo, novo-rico com fortuna feita na Índia → As colónias americanas tinham desenvolvido atitudes de independência embora ainda

existisse uma lealdade à coroa → Os problemas começaram com a imposição de um imposto de selo para custear a defesa

colonial sem que no Parlamento existisse uma representação dos colonos – daí surgiu o protesto, no taxation without representation

→ A guerra eclodiu rapidamente e mobilizou contra Inglaterra a França, a Holanda e a Espanha que viram uma oportunidade para debilitar a sua rival

→ Em 1776, no final da guerra, as colónias americanas estavam perdidas mas a maioria do império britânico permanecia

→ A perda da América foi interpretada como uma lição já que só tinha ocorrido porque os britânicos não tinham sabido adaptar-se a uma sociedade que atingia a maturidade – assim, mudou a perspectiva inglesa face à colónias, já que surgiu a ideia de uma missão moral e civilizacional combinada com factores económicos e condições estratégicas

→ Depois da guerra instalou-se a recessão que levou à formação de movimentos associativos destacando-se o papel de Christopher Wyvill defendendo essas associações a revisão dos círculos eleitorais, a eliminação dos rotten boroughs, a extensão do franchise e o voto secreto

→ Em meados dos anos 80 volta a prosperidade económica em parte pela intervenção de Pitt o Jovem mas os receios das manifestações populares agudizam-se com os Gordon Riots que protestavam contra as medidas liberais tomadas a favor dos católicos

→ Os anos 80 foram ainda turbulentos entre as várias facções políticas como os dois grupos whig dominados por Lord Rockingham que contava com o apoio de Charles James Fox e Lord Shelbourne que contava com o apoio do jovem Pitt

→ Pitt conseguiu chegar a primeiro-ministro em 1784 com a derrota de Foxe e os grandes objectivos dos seus governos foram moderar a corrupção na corte e abrir caminho ao liberalismo económico

→ Na Irlanda, Canadá e Índia as relações melhoraram com soluções de estabilidade e continuidade

→ As preocupações humanistas de melhoria das condições dos mais desfavorecidos começaram a impor-se mesmo no caso dos escravos com a defesa da abolição por William Wilberforce

→ Apolítica conservadora inglesa que defendia a Igreja e o Estado combinava-se com uma poderosa agressividade económica e com uma seriedade moral característica do espírito evangélico e da classe média

→ Roy Porter no English Society in the Eighteen Century refere 3 aspectos sobre a sociedade inglesa � Força e maleabilidade da hierarquia social que foi mantida pelos valores tradicionais � Embora a hierarquia social fosse desigual e existissem ainda privilégios, não era uma

hierarquia rígida � As classes dominantes procuraram encontrar consensos

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→ Estas características teriam tornado a sociedade inglesa imune às perturbações sociais responsáveis pela Revolução Francesa

1.5 Reflexos da Revolução Francesa em Inglaterra → Na segunda metade dos anos 80 as críticas à ordem estabelecida subiram de tom

� O sistema eleitoral acentuava o seu desajustamento com a população � A sociedade polite fechava-se em salões e círculos restritos

→ A Revolução Francesa chegou ao público a partir das obras de Edmund Burke (Reflections on the Revolution in France) e de Thomas Paine (Rights of Man)

→ A execução de Luís XVI em 1792 trouxe reflexos de moderação ao público inglês mas mesmo assim, Pitt tomou algumas medidas repressivas e de controlo acompanhadas de medidas de assistência aos mais desfavorecidos para evitar o mesmo tipo de reacções

→ A guerra com França começou em 1793 e embora gerasse condições de instabilidade também permitiu grandes lucros com o crescimento da indústria têxtil e de construção naval

→ Os exércitos ingleses apenas foram utilizados directamente nas Guerras Peninsulares entre 1811 e 1814

→ Nas possessões coloniais os ganhos foram grandes já que conseguiu a consolidação do seu poder sobre vastas regiões

1.6 De Waterloo ao primeiro Reform Bill → O governo tory subiu ao poder depois de 1815 e confrontou-se com a recessão depois da

guerra, com as perturbações que iam surgindo nos centros industriais e com uma imprensa popular cada vez mais protestante (Political Register e o Edinburgh Whig)

→ Surgiram ainda outros periódicos como o The Times ou o The Observer → A ala mais liberal do governo de Lord Liverpool ganhou mais relevo em 1820 quando

Jorge IV instalou um processo de divórcio contra a rainha Carolina → Em 1822 o ministro Castlereagh que tinha ordenado o massacre de Peterloo suicidou-se → Os anos 20 iriam dar lugar a algumas medidas reformistas pela administração do duque

de Wellington como o Catholic Emancipation Act de 1829 que devolveu os direitos civis aos católicos

→ A morte de Jorge IV em 1830 levou a uma eleição geral na qual os whigs conquistaram o poder e começaram a primeira reforma do Parlamento

1.7 Da Reforma de 1832 à Grande Exposição → O Reform Act de 1832 ficou aquém das expectativas dos liberais já que a Inglaterra com

54% da população do Reino Unido continuava a eleger 71% dos representantes à câmara dos Comuns enquanto antes da reforma elegia 74%

→ Na década de 30 foram levadas a cabo uma série de reformas sociais quase sempre promovidas pelos tories e que levaram a uma diminuição do descontentamento dos mais pobres

→ Na década de 40 surgiram dois poderosos movimentos de contestação: � Os cartistas que visavam recuperarem os princípios do sufrágio universal � Movimento pela abolição das Corn Laws – medidas proteccionistas à produção de

cereais impediam a diminuição do preço do pão e a importação de cereais a preços mais baixos

→ Uma sequência de maus anos agrícolas na Irlanda levaram à emigração de 2 milhões de irlandeses para Inglaterra que reduziram os salários e pioraram as condições de vida dos ingleses mais desfavorecidos acentuando uma clivagem que já existia a nível religioso

→ A situação difícil das classes trabalhadoras começava a ser denunciada por escritores como Mrs. Gaskell ou Charles Dickens mas também por pensadores económicos como Karl Marx e Friedrich Engels

→ A industrialização continuava a avançar agora com a inovação do caminho-de-ferro que revolucionou os transportes

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→ Os anos 50 seriam ainda coroados com a Great Exhibition de 1851 no Palácio de Cristal que culminou o período vitoriano formativo

2 – A Revolução Industrial 2.1 Revolução demográfica → O aumento da população associado à Revolução Industrial é de tal forma importante que

os anos entre 1714 e 1815 são chamados por alguns autores o século vital → O crescimento demográfico começa a fazer-se sentir na segunda metade do século XVIII e

atinge taxas surpreendentes na primeira metade do século XIX → O primeiro censo foi realizado em 1801 e detectou 9 milhões de habitantes em Inglaterra e

País de Gales → Nas primeiras décadas do século XVIII a mortalidade chegou a ultrapassar a natalidade e

apenas na segunda metade do século se regista um aumento irreversível da população → Diversas razões têm sido apontadas para justificar este crescimento:

� Decréscimo da mortalidade em especial a infantil � Progressos feitos na medicina (estudos de anatomia e vacinas) � Melhoramentos nas habitações e na higiene � Série de anos de boas colheitas leva à diminuição do preço dos cereais e ao

aumento da procura de trabalho � Declínio do sistema de aprendizagem que restringia a liberdade dos trabalhadores e

desincentivava os jovens de casarem mais cedo → T R Malthus ao observar o crescimento da população em 1798 definiu uma teoria que

relacionava o crescimento da população com o crescimento dos alimentos, sendo que o primeiro se processava a um ritmo superior, o que levaria a uma situação de miséria e fome

→ Nesse sentido, Malthus propôs uma série de medidas intervencionistas para conter o crescimento da população, medidas essas que incidiam essencialmente nas camadas mais desfavorecidas

→ Por outro lado, a emigração irlandesa para Inglaterra também contribuiu para o acréscimo populacional – essa emigração tinha sido provocada pelos hungry forties, as crises de fome na Irlanda

→ Por outro lado, registou-se ainda um fluxo migratório interno, das zonas rurais para a zona do triangulo industrial formado por Birmingham, Liverpool e Newcastle upon Tyne e esse movimento ficou a dever-se ao nascimento da agricultura em grande escala e à Revolução Industrial

2.2 Revolução Agrícola → A revolução agrícola e a revolução industrial passaram por 3 fases:

� Na primeira regista-se um alargamento de horizontes de produção quer no tempo quer no espaço, ou seja, começa a produzir-se para o futuro

� Na segunda fase começa a praticar-se um regime de especialização de tarefas com a substituição do pequeno proprietário rural pelo trabalhador sem terra

� Por fim regista-se a aplicação de métodos científicos e experimentais e técnicas → No desenvolvimento da agricultura em Inglaterra, as enclosures tiveram um papel

fundamental → Embora fosse um processo com raízes longas, acelerou-se na primeira metade do século

XVIII levando ao desaparecimento do yeoman que é forçado a viver à custa das poor rates ou então a migrar em busca de trabalho

→ A enclosure teve consequências sociais negativas mas em termos económicos permitiu uma maior produtividade que levou à adopção de processos e técnicas experimentais

→ Alguns dos experimentadores mais famosos deste período são: � Lord Lovell – Coke of Norfolk � Visconde de Townshend – Turnip Townshend

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→ Estes proprietários esclarecidos formaram um grupo de gentleman farmer que preferiam viver nas suas propriedades rurais que exploravam directamente em detrimento de uma vida de ócio na corte

→ Os novos processos agrícolas trouxeram consequências ao nível da alimentação e da qualidade dos produtos

→ A agricultura foi adoptando os métodos da produção em massa, espalhando os seus produtos em vários mercados e promovendo a especialização do trabalho

2.3 Transportes e comunicações → A produção em larga escala só foi possibilitada pelo desenvolvimento dos transportes de

mercadorias → No início do século XVIII os transportes ainda eram maioritariamente feitos a cavalo e as

estradas eram mantidas pelas paróquias ou pelos proprietários → Em meados do século XVIII começam a surgir os turnpike trusts, companhias privadas

destinadas à construção de estradas com portagem → Alguns engenheiros iriam contribuir para a melhoria da qualidade das estradas:

� John Metcalf – escoamento das águas e construção de valetas � Thomas Telford – fundações das estradas � John Loud Macadam – construção de superfícies

→ Para as cargas mais pesadas o transporte marítimo era já muito utilizado tirando partido dos recortes geográficos das costas inglesas

→ Surgiu ainda a ideia de alargar a rede hídrica com a construção de canais: � O pioneiro destas obras foi Francis Egerton, Duque de Bridgewater que construiu um

canal das minas de Worsley até Manchester � James Brindley trabalhou também na construção de um canal no rio Mersey � A maior obra foi o Grand Trunk, que ligaria o Mersey, o Trent e o Humber

→ A época dos canais durou de 1760 a 1830 e a partir desenvolveram-se outros meios como o caminho-de-ferro que ganhou terreno devido à sua maior rapidez

→ Adam Smith foi dos primeiros economistas a relacionar o desenvolvimento de novas indústrias com as inovações dos transportes e a explicar a localização de indústrias junto a rios ou nas costas

→ Os transportes marítimos de longo curso eram também fundamentais para o transporte de mercadorias tendo-se desenvolvido a sua segurança e eficácia

2.4 Divisão do trabalho e novos inventos → A revolução industrial foi pautada por uma série de inventos que permitiram um substancial

aumento de produtividade → As inovações começaram por abarcar a indústria têxtil e as minas sendo aplicadas noutras

indústrias como a do ferro, porcelana, estanho, cobre, vidro e chumbo → A especialização de tarefas foi apontada por Adam Smith na sua obra “Na Inquity into the

Nature and Causes of the Wealth of Nations” como uma oportunidade de melhoria da eficiência apontando 3 razões:

� A especialização melhora a habilidade e a competência dos trabalhadores � Princípio da rentabilização do tempo � As máquinas permitem uma maior rentabilidade e exigem menos trabalhadores

→ Em 1708 Newcomen inventa uma máquina para escoar a água dos túneis → Em 1765 James Watt inventa a máquina a vapor, aperfeiçoada por estudos de professores

da Universidade de Glasgow → Entre 1764 e 1767 James Hargreaves inventou a jenny com a qual era possível fiar um

grande número de fios – esta máquina estava ainda adaptada ao trabalho doméstico por ser pequena e fácil de manejar

→ Em 1768 Richard Arkwright e John Kay desenvolvem a frame que já exigia uma fonte de energia não doméstica

→ Crompton iria desenvolver a mule aplicada à indústria têxtil → Em 1790 a máquina a vapor de Watt seria aplicada a estes engenhos

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→ Em 1784 Edmund Cartwright inventa o power loom, um tear accionado por cavalos, pás aquáticas ou pela máquina a vapor – a generalização desta máquina é lenta devido à oposição dos tecelões manuais

→ Nas minas surgiram ainda outros desenvolvimentos como o da ventilação das galerias resolvido por Carlisle, Spedding of Whitehaven e John Buddle e o da iluminação das galerias solucionado por Sir Humphrey Davy e por George Stephenson

→ O esgotamento das florestas devido à necessidade de carvão para as indústrias, leva a desenvolvimentos como a substituição do charcoal por coke, ou carvão mineral (Abraham Darby) que começou a ser utilizado não apenas na fundição mas também no tratamento do ferro devido a um invento de Cort

→ Os progressos na indústria siderúrgica possibilitaram a independência das ilhas britânicas como produtor e exportador de ferro e equipamento pesado

→ As indústrias localizaram-se em 4 regiões perto das maiores jazidas de carvão: Straffordshire, South Yorkshire, Clyde e South Wales

3 – A sociedade industrial → No princípio da época industrial não se pode ainda falar ainda em classes empresariais e

classes operárias → A persistência de laços humanos tradicionais na vida da oficina mantém-se durante

bastante tempo 3.1 O Capital 3.1.1 As doutrinas económicas → A prática do investimento e do trabalho para gerar um aumento de riqueza é apoiada por

uma nova teorização desenvolvida por Adam Smith e David Ricardo → As teorias desenvolvem a livre concorrência com Adam Smith a desenvolver as vantagens

da liberdade natural → Os governantes não deveriam tentar impor leis aos comerciantes já que o funcionamento

automático das leis económicas se encarregaria de repor a ordem e o equilíbrio – teoria da mão invisível

→ Assim surgia a ideia de que os patrões nunca poderiam lesar os seus assalariados, tornando desnecessária qualquer intervenção estatal – Edmund Burke e Robert Owen defendiam que os patrões tinham todo o interesse em dar boas condições aos seus assalariados para garantir a sua eficiência

→ David Ricardo defendia leis mecânicas para a regulação económica que levariam a que os assalariados recebessem o mínimo indispensável à sua sobrevivência

→ Definia ainda que o valor de um produto se baseava no trabalho que dava a sua produção já que o trabalho é a fonte de todo o valor

→ As teorias de Ricardo levam a que se interprete a distribuição da riqueza com uma base científica que torna inúteis quaisquer tentativas de mudar a situação já que era absolutamente natural a existência de ricos e pobres

3.1.2 As associações empresariais → Desde cedo que os proprietários de manufacturas reconheceram que tinham interesses

comuns a defender nomeadamente a descida dos salários → Outros objectivos destas associações eram por exemplo a defesa contra as legislações

lesivas ou contra impostos lançados sobre o ferro, cobre e carvão → As agitações dos trabalhadores que protestavam contra os baixos salários, longas horas

de trabalho e as próprias máquinas que levaram a formas de organização empresarial mais coordenadas e que conseguiram a aprovação da lei de 1799 que proibia associações de trabalhadores – Combination Law

→ Até à revogação das Combination Laws em 1824 as associações de trabalhadores iriam viver na clandestinidade embora com alguns afloramentos de violência

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3.1.3 O uso da religião → Para além da teorização económica e da legislação, uma terceira forma de controlo dos

trabalhadores passava pela religião → Em princípios do século XVIII John Wesley lançou um movimento religioso com

características missionárias orientado para a cristianização das populações mais pobres de Inglaterra

→ Estes princípios serviam os interesses da classe empresarial que explorava o trabalhador mas que receava a revolta e a violência

→ Os metodistas conquistaram a confiança das classes mais favorecidas ao pregarem submissão, docilidade e disciplina defendendo também a lealdade ao rei e o amor pela constituição

→ As formas de transmissão destes valores eram os Sunday Schools nas quais se ensinava apenas a leitura da Bíblia mas não a escrita (Jabez Bunting)

→ O metodismo ganhou rapidamente terrenos nos distritos mineiros e fabris, o que demonstra que esta religião continha elementos que apelavam às classes mais desfavorecidas

→ Os princípios metodistas são defendidos por Wilberforce, o bispo Paley ou a escritora Hannah More

→ Arthur Young leva mais longe os princípios metodistas propondo que pobres e ricos se sentem hierarquicamente nas igrejas

→ Na obra de Andrew Ure de 1835 intitulada Philisophy of Manufacturers, o trabalhador é visto como uma máquina sendo a religião o instrumento que transformará o trabalho num acto de virtude inspirado pelo amor de Cristo

→ Associados aos movimentos religiosos surgem ainda os movimentos humanitários e filantrópicos no século XVIII e que se desenvolvem no século XIX

→ Society for Bettering the Condition of the Poor → Começa ainda a surgir a filosofia que defende a igualdade natural dos homens que

propunha a solidariedade e tolerância 3.2 O trabalho 3.2.1 A disciplina → Se na última década do século XVIII podemos falar de consciência de classe entre

empresários, isso não acontece para a classe dos trabalhadores → O acumular de descontentamentos vai ditar a definição das classes trabalhadoras como

opositoras às classes detentoras de riqueza → Um dos problemas mais complicados para os empresários foi a imposição da disciplina já

que os trabalhadores rurais estavam habituados a um maior grau de liberdade e o sino da fábrica começou a marcar os seus ritmos de vida

→ Por outro lado a relação que existia antes entre patrão e trabalhador é substituída por uma relação impessoal e as relações entre trabalhadores são dificultadas pelo elevado nº de pessoas em cada unidade e pela disciplina imposta durante as horas de trabalho

→ Para os trabalhadores os riscos são ainda vários com as más condições de salubridade das fábricas, os baixos salários e a precariedade do emprego

3.2.2 Salários, pobreza e assistência → Pelas condições de vida dos trabalhadores é possível concluir que os salários que

recebiam eram os mínimos indispensáveis → A situação de dependência característica das economias rurais torna-se mais acentuada

nos contextos industriais → Apesar de os salários terem aumentado na segunda metade do século XVIII, esse

aumento não compensou o aumento do custo de vida → As dificuldades das populações deveram-se ao aumento geral da população e às guerras

napoleónicas que afectaram a economia

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→ A vida dos pobres era ainda agravada pelo Act of Settlement de 1662 que indicava que os pobres apenas podiam ser socorridos nas suas paróquias de origem, o que no contexto da revolução industrial com as migrações tornavam a assistência mais difícil

→ O Speenhamland System caracterizava-se pela fixação do pagamento da diferença entre a remuneração e o custo de vida pelas taxas paroquiais, determinado por um cálculo entre o salário auferido, no tamanho da família e no preço do pão

→ As consequências deste sistema acabaram por ser diferentes das esperadas e muito negativas para o moral dos assalariados já que como existia este subsídio os patrões deixaram de pagar salários e mesmo os trabalhadores acabavam por ter de sobreviver através deste subsídio

3.2.3 Associações de trabalhadores, reforma eleitor al e movimento Cartista → As Combination Laws não eliminaram as tentativas de associação dos trabalhadores → Nas zonas rurais tinham surgido trade clubs dos quais se sabe pouco por a sua

organização ser semelhante em alguns aspectos às sociedades secretas mas que evoluíram nas zonas urbanas para as trade unions

→ Estas eram associações recreativas que tinham no entanto dois objectivos importantes: dar apoio na doença e morte e funcionar como agência de emprego

→ As associações tentavam ainda manter certos costumes das indústrias tradicionais como a limitação dos aprendizes

→ As associações de trabalhadores começaram a surgir como potenciais meios de contestação já que os associados produziam petições e acompanhavam-nas com greves e com a destruição de equipamentos industriais

→ Uma das primeiras associações foi a London Corresponding Society que surge na raiz da tradição democrática

→ O espírito radical que animava as primeiras associações devia-se à tradição de seitas religiosas dissidentes cujos textos fundamentais eram o Pilgrim’s Progress de Bunyan e o Rights of Man de Tom Paine

→ Os Quakers também tiveram um papel importante a 3 níveis: na educação, no estabelecimento de comunidades igualitárias e no anseio de um ideal comunitário

→ A morte de Pitt em 1806 abriu o caminho para a reforma da situação laboral no Parlamento mas de uma forma muito discreta

→ Começam também a surgir acções violentas por parte dos trabalhadores e a força das trade unions leva mesmo à revogação das Combination Laws em 1824

→ Os centros de maior agitação já não são Londres mas sim em Manchester → Em Peter’s Field nos arredores de Manchester em 1819 deu-se uma das acções mais

violentas já que na sequência de uma reunião pacífica os magistrados mandaram a cavalaria dispersar a manifestação, o que resultou em 11 mortos e numa onda de indignação nacional

→ Entre 1821 e 1825 as condições económicas melhoraram muito e o clima social também já que as associações foram permitidas

→ Mas com o aumento dos preços dos géneros alimentares voltaram a ser criadas as condições favoráveis à agitação popular que impulsionaram a Reforma do Parlamento de 1832

→ Começaram a surgir duas correntes diferentes de oposição: � Um anti-capitalismo individualista que defendia a restauração da pequena

propriedade � Um anti-capitalismo cooperativo que ligava as ideias de Owen com as ideias

mutualistas das classes trabalhadoras → A economia inglesa consolida-se como industrial em 1825 perdendo a predominância

agrícola e a partir daí as associações de trabalhadores começam a ganhar âmbito nacional

→ As revoltas populares começam a intensificar-se e a exigir o direito ao voto – os whigs decidem que a melhor estratégia é trazer para o seu lado as classes médias, atribuindo-lhes o direito de voto

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→ A Reforma do Parlamento de 1832 tem assim dois objectivos: alargar a base eleitoral e redimensionar os círculos eleitorais tendo em conta as novas realidades sociais

→ Os proprietários com rendas acima das 10 libras viram assim reconhecido o seu direito ao voto, o que contribuiu para definir precisamente a classe trabalhadora

→ Motivações sociais e económicas vão reflectir-se em movimentos como a Grand National Consolidated Trades Union fundada em 1834

→ Depois da dissolução da Grand National começam a formar-se dois tipos de movimento: � Um de carácter cooperativo iniciado por Rochedale que pretende distribuir os lucros

da sociedade em proporção do investimento feito � Outro de pequenos sindicatos de trabalhadores especializados para entrar em

acordo com as entidades patronais → O movimento cartista teve o seu início em 1836 quando um grupo de trabalhadores

fundou a London Working Man’s Association que apresentou a People’s Charter com seis pontos principais: � Reuniões anuais do parlamento � Sufrágio universal masculino � Círculos eleitorais iguais � Abolição dos requisitos de propriedade para a elegibilidade � Pagamento aos membros do parlamento � Voto secreto

→ O movimento cartista procurava polarizar os movimentos de descontentamento mas os seus objectivos eram a aprovação das propostas pelos órgãos legitimamente constituídos

→ Com a recessão em 1836 e os consequentes despedimentos vieram aumentar os protestos

→ Em 1841 Robert Peel torna-se primeiro-ministro tomou decisões administrativas e adoptou medidas económicas que culminaram na revogação das Corn Laws

→ Os protagonistas do movimento eram William Lovett e Feargus O’Connor → O’Connor fundou a National Charter Association que elaborou uma segunda petição em

1840 recusada dois anos depois → O fracasso do movimento cartista ficou a dever-se a uma deficiente organização interna, à

falta de apoio da classe média e ao uso pelo governo do telégrafo e do caminho-de-ferro → O movimento cartista foi visto na altura como um perigoso instrumento de perturbação da

ordem e como potencial catalizador de uma revolução → A estabilidade da segunda metade do século XIX e o desenvolvimento económico da Grã-

Bretanha permitiram o apaziguar das tensões sociais 3.2.4 O uso da religião → A igreja desde o século XVIII adquiriu características de acomodação e de defesa da

ordem estabelecida → Mas o anglicanismo começava a estar dissociado das realidades sociais → Dai o sucesso dos metodistas que se adaptavam às realidades sociais que era a religião

para os pobres mas não dos pobres → As capelas dissidentes convidavam os pobres a participar na gestão das comunidades

proporcionando um enquadramento religioso em que cada membro se sentia responsável e participante

→ Nos meados do século XVIII as seitas presbiteriana, baptista, congregacionalista, independente, quaker e unitária lutavam pelas liberdades cívicas e religiosas e defendiam princípios liberais

→ Embora tivessem uma abrangência diversificada, em comum tinham o nível social da sua base

→ Nos finais do século XVIII o metodismo tinha tendências democráticas muito diferentes das ideias do seu fundador, e tinham já uma óptica pelo pobre

→ O desenvolvimento do metodismo também acompanhava as oscilações das condições sociais dos seus membros

→ As reuniões de certa forma representavam uma forma de compensação emocional e de libertação de tensões acumuladas

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→ A religião mostrava ainda que a felicidade não dependia da riqueza mas que era um estado de espírito e de uma atitude interior

→ Em muitas regiões a instrução religiosa não existia e confundia-se mesmo com a superstição

3.2.5 A educação e os Sunday Schools → A partir de finais do século XVIII os moralistas e reformadores começam a desenvolver

esforços de missionação através da criação das Sunday Schools que pretendiam inculcar hábitos de devoção e trabalho nas crianças

→ A frequência destas escolas passou de um hábito exigido para um hábito pretendido pelas classes trabalhadoras já que era uma forma de dar alguma educação aos seus filhos

→ É difícil ter uma ideia do impacto destas escolas mas sabemos que terão contribuído para que as crianças interiorizassem um conjunto de hábitos sociais e permitiram que muitas aprendessem a ler, escrever e contar

4 – Economia política, utilitarismo e idealismo → A procura do bem pessoal, do self interest marcará as atitudes oitocentistas e o

pensamento de vários filósofos como Shaftesbury → Optimismo e benevolência eram duas ideias chave dos pensamentos de Hutchenson e de

Davis Hume → As ideias humanitárias e filantrópicas vão encontrar o seu contraposto no frio racionalismo

promovido pela industrialização → A ênfase no indivíduo reforça-se neste período assumindo uma expressão mais secular 4.1 O utilitarismo benthamita → Jeremy Bentham é o pensador que melhor representa a convergência entre a filosofia

tradicional do século XVIII e os novos começos do século XIX → A tradição da benevolência percorre as ideias de Bentham que procura no entanto

concretizar as suas ideias promovendo um conjunto de medidas nos sistemas penal e legal → A sua campanha contra as condições das prisões não surge de ideais humanitários mas

sim da consciência da inutilidade no sistema vigente → Apesar de alguns seus projectos como a prisão ideal de Panopticon não terem sido

concretizados, as suas ideias vieram promover uma reflexão sobre o sistema jurídico britânico

→ Bentham propunha a abolição do poder real e da câmara dos pares e a reunião anual do Parlamento cujos membros seriam eleitos por sufrágio universal e directo, mas não o defendia por razões de democracia, mas sim por razões de eficiência uma vez que existiria uma identidade de interesses entre a autoridade e a comunidade

→ Bentham ainda influenciou a filosofia com dois contributos: o espírito crítico e a metodologia da investigação científica aplicada à moral e à política

→ Bentham definiu o princípio da utilidade ou da maior felicidade do maior número possível de pessoas como o objectivo para o qual se encaminhavam todas as acções das pessoas

→ O espírito racionalista e utilitarista de Bentham impõe-se nas décadas seguintes 4.2 Utilitarismo e idealismo: a síntese de John Stu art Mill → O pensamento de Bentham vai ter raízes profundas na vida social e na política inglesas

em especial em torno dos Whig → Em oposição ao utilitarismo surge uma atitude mais emocional e sentimental → John Stuart Mill analisou as duas correntes de pensamento através dos seus estudos

intitulados Bentham e Coleridge → A educação de Mill foi moldada por Bentham e pelo seu pai e caracterizou-se por uma

precoce educação clássica e personalizada que mais tarde o levaria a uma crise ultrapassada pela valorização do individual

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→ O comentário de Mill a Bentham é uma revisão do utilitarismo na qual alguns aspectos são apreciados mas outros são criticados como o excesso de confiança nos conhecimentos adquiridos pelos indivíduos e a falta de confiança nos conhecimentos desenvolvidos por outros filósofos ao longo do tempo

→ Os princípios egoístas do utilitarismo são também criticados por Mill que os contrapõe aos sentimentos e aos desejos de perfeição espiritual

→ No ensaio sobre Coleridge, Mill analisa o pensamento dos idealistas e românticos que perceberam a importância da educação para controlar os ímpetos individuais em prole do bem da sociedade

→ Mill elaborou ainda outras obras como o The Spirit of the Age em que analisa as circunstâncias da sua época

→ Outra obra relevante foi a On Liberty em que defendia o sufrágio e as liberdades individuais

5 – Socialismo utópico e legislação fabril → A postura idealista que Mill descreve é uma atitude genérica de benevolência, filantropia,

preocupação com o bem-estar geral que se apoia em parte nos princípios da solidariedade do século XVIII

→ O século XIX assiste a um conjunto de reformas que se destinam a melhorar as condições de vida dos trabalhadores rurais e industriais e que resultam de complexas alianças em que o espírito utilitarista convive com motivações generosas

→ Nos filantropos que surgem no século XIX há traços de utilitarismo e de radicalismo apesar de se afirmarem como conservadores

5.1 Robert Owen: a intervenção individual → Robert Owen é uma das figuras mais importantes entre os reformadores sociais, famoso

pela sua fábrica modelo de New Lanark → A interpretação da sua vida e obra tem sido polémica já que para muitos ele é considerado

como o pai do socialismo inglês mas Marx e Engels consideravam-no paternalista e utópico e sem promover a efectiva independência do proletariado

→ Owen era de origem galesa tendo começado a trabalhar na fábrica de New Lanark na qual decidiu instalar um modelo de organização do trabalho e da produção diferente do que era praticado em fábricas análogas

→ Partindo do pressuposto que o meio ambiente forma o carácter Owen criou um modelo viável e lucrativo que visava não só a produção mas também a felicidade dos seus trabalhadores e para tal investiu na salubridade das salas de trabalho, nas casas de habitação, em refeitórios, salas de recreio, campos de jogos mas sobretudo na educação dos trabalhadores e dos seus filhos

→ Aos jovens era proporcionada uma educação físico-militar para preparar toda a nação para a defesa

→ As horas de trabalho eram limitadas para permitir o descanso e tempos de convívio e instrução mesmo para os adultos

→ A aplicação dos princípios de Owen em New Lanark efectivamente levou a que os vícios comuns nas comunidades industriais da época como a embriaguez, a promiscuidade e o roubo não tivessem expressão na sua fábrica

→ Owen utiliza os princípios do utilitarismo para desenvolver um raciocínio que o irá levar à defesa dos princípios associativos e cooperativos

→ A partir de 1813 Owen dedicou-se à divulgação das suas ideias tentando implementá-las nos EUA em New Harmony mas a aldeia comunitária foi um projecto gorado

→ Em 1820 Owen considera a máquina como a origem de todos os males defendendo uma revisão da sociedade pré-industrial

→ Apesar das suas ideias, Owen era um conservador que não pretendia mudar a hierarquia ou a estrutura da sociedade

→ Owen tinha muitos pontos de contacto com outros pensadores vitorianos como Thomas Carlyle e John Ruskin

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→ Enquanto Owen vê um modelo agrário e comunitário pré-industrial, Carlyle valoriza o passado medieval nas comunidades monásticas e Ruskin inspira-se na organização do trabalho das guildas medievais

5.2 A legislação fabril: a intervenção estatal → Os esforços de Owen também estão ligados à legislação laboral → Apesar disso mesmo antes de Owen surgiram outras tentativas de legislação fabril

centradas essencialmente na indústria do algodão → Em 1802 o Factory Act foi promulgado por Robert Peel e destinava-se a preservar a saúde

e moral dos aprendizes e tinha uma cláusula que já previa a educação dos aprendizes e outra que nomeava dois inspectores sem interesses nas fábricas

→ Em 1815 Owen tentar alargar esta legislação à generalidade das crianças empregadas na indústria propondo o limite de dez anos de idade e de dez horas de trabalho

→ Os poderosos empresários fabris vão opor-se a estas leis e apenas em 1819 é aprovada uma lei que proíbe o trabalho de crianças com menos de 9 anos e que limita o dia de trabalho a doze horas para as crianças entre os 9 e os 12 anos

→ Em 1831 é fixada nova legislação que proíbe o trabalho nocturno aos menores de 18 anos e que resultou dos esforços de Hobhouse, de Thomas Sadler e de Richard Oastler

→ Estes reformadores denunciam um sistema que a coberto da legalidade cria condições mais degradantes que a própria escravatura e que premeia a criminalidade

→ Em 1833 é nomeada uma nova comissão para investigar a situação laboral composta por Edwin Chadwick, Soutwood Smith e Thomas Tooke e da qual resulta uma nova lei que procura implementar leis mais rígidas sobre o trabalho infantil

→ Em 1834 o Factory Movement começa a misturar-se com campanhas contra a Poor Law → Surge o Poor Report em 1834 que daria origem à New Poor Law que pretendia acabar

com o outdoor relief e substitui-lo apenas pelo regime das workhouses que teriam que corresponder a 4 critérios:

� Serem bem administrados � Que os salários médios fossem suficientemente altos � Que os desempregados fossem capazes de encontrar emprego alternativo � Que o workhouse tivesse um salutar efeito psicológico induzindo ao trabalho

→ As preocupações nas indústrias de algodão vão depois alargar-se às minas de carvão surgindo um relatório sobre essas actividades e que levantou oposição na Câmara dos Pares

→ Ashley continua a insistir na legislação laboral nomeadamente as 10 horas de trabalho para todos os sectores de actividade e finalmente em 1847 o Tem Hours Act é aprovado

→ A regulamentação do sistema fabril passou pois a ser uma função do governo substituindo a intervenção privada

→ Mas não foi a legislação que provocou a alteração das mentalidades – já começava a surgir no seio da sociedade uma reacção e duras críticas à industrialização

II – O vitorianismo 6 – A Inglaterra Vitoriana: enquadramento político, económico e social 6.1 A Inglaterra vitoriana → A segunda metade do século XIX é vista por muitos historiadores como o triunfo do

liberalismo e da industrialização → Assistiu-se à expansão da indústria, à expansão do Império Britânico e à progressiva

integração político-social da nação em processos mais alargados de democracia → Enquanto que para uns o progresso era positivo, para outros representava a perda dos

valores tradicionais, a desorientação moral e a desagregação dos modelos conhecidos → O censo populacional realizado em 1851 revelou:

� A maior parte da população vivia em cidades � Metade da população não era anglicana e uma boa percentagem não era praticante

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6.2 O triunfo do liberalismo → O liberalismo entendido em sentido positivo designa a atitude favorável ao free-trade ou ao

laissez-faire → A crença na afirmação do mérito individual era confirmada por Self Help de Samuel Smiles

e a convicção de que as leis naturais regiam a evolução da humanidade era confirmada por Charles Darwin em The Origin of Species

→ Os tories perderam seis eleições seguidas de 1847 a 1868 e o poder foi repartido entre várias facções nenhuma das quais defendia o proteccionismo ou o intervencionismo conservador

→ A marca do liberalismo fazia-se sentir no governo de Lord Aberdeen em 1852 que adquire gradualmente a designação de partido liberal

→ Estes governos reconheceram a importância da classe média que desejava liberdade de iniciativa e pouca intervenção estatal

→ A política de William Gladstone iria nesse sentido e nos anos 60 já tinham sido eliminadas quase todas as tarifas proteccionistas

→ Foram também abolidas as taxas sobre o saber em 1855 que eram impostos sobre os jornais e o papel, o que promoveu uma expansão deste sector

→ Os círculos eleitorais começam a reclamar uma nova reforma fundada na extensão do sufrágio e no disestablishment da Igreja Anglicana

→ Os partidários da reforma eram Palmerston, Lord John Russell e Gladstone → Entre as classes trabalhadoras o sentido da reforma orientava-se para a extensão do

sufrágio aos chefes de família → Gladstone e Russell abriram a discussão da reforma em 1865 apresentando uma proposta

moderada que não satisfazia ninguém → O governo minoritário de Derby e Disraeli apresentou em 1867 uma proposta que estendia

o sufrágio aos chefes de família das zonas urbanas → Em 1884-85 o sufrágio seria ainda alargado aos chefes de família nos counties → Entre 1868 e 1874 o governo voltaria à tendência liberal com Gladstone e seriam tomadas

medidas no sentido da valorização do mérito individual mas também relativas à educação → O Forster’s Education Act de 1870 estabeleceu o princípio da educação primária para

todos sob supervisão do estado → Em 1872 a Lei Educacional para a Escócia impôs o inglês como língua obrigatória em vez

do gaélico o que aconteceu também na Irlanda e em Gales 6.3 A expansão da economia → A economia britânica florescia entre as décadas de 50 e 70, o que trouxe melhorias para

as condições de vida da população → Apesar disso as divisões entre pobre e ricos existiam e começaram a ser efectuados

estudos mais sistemáticos sobre essas situações → Os salários reais aumentaram entre 1860 e 1914 e o número de filhos tende a diminuir o

que facilita a poupança → Por outro lado, a popularidade de actividades de lazer como o futebol ou as corridas de

cavalos indicam uma maior disponibilidade de tempo e de recursos → A expansão dos sectores comercial e financeiro permite o aparecimento de novas

profissões e o desenvolvimento de uma alta classe média, que começa a dar aos seus filhos a mesma educação da gentry, esbatendo-se as diferenças de classe

→ As grandes fortunas feitas nos meios industriais adquirem prestígio enquanto os aristocratas se preocupam cada vez mais com a gestão correcta do seu património

6.4 A política interna e externa → A reforma parlamentar de 1867 veio abrir as portas aos conservadores e com Disraeli na

liderança, os tories começam a ganhar eleições a partir de 1874 e em 1881 com Lord Salisbury tornam-se mesmo a maior força política do país

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→ A sua estratégia passou pela união da opinião anglicana conservadora com as aspirações das classes média e média baixa dos centros urbanos

→ O patriotismo e a defesa da propriedade privada tornaram-se os grandes temas do conservadorismo associados a reformas de carácter social para melhorar as condições de vida dos mais desfavorecidos

→ Os liberais por seu lado dependem cada vez mais de um eleitorado situado nas franjas de Inglaterra na Irlanda, Escócia e País de Gales

→ A política britânica em relação a estas regiões era claramente unionista como o demonstra o Act of Union de 1800 mas a situação da Irlanda era particularmente problemática tendo-se formado mesmo um partido, o Home Rule Party que defendia a independência

→ A política do governo em relação à Irlanda era reformista, ou seja, procurava satisfazer as ansiedades da população através de legislação

→ A segunda metade do século XIX pauta-se também por alterações no império britânico → O crescimento tinha-se feito não pela conquista mas sim por um processo informal de

estabelecimento de interesses comerciais → A administração britânica frequentemente representada por Chartered Companies

controlava importantes áreas da China, Nigéria, África Oriental, Rodésia, Índia, Birmânia e Malásia

→ A Austrália e o Canadá tornaram-se mais independentes através de legislação autonómica, o Domínio of Canada Act e o Commonwealth of Austrália Act de 1900

→ Outras regiões teriam uma situação diferente já que na sequência de conflitos internacionais ficariam sob a protecção inglesa como foi o caso do Egipto, do Sudão e da África do Sul

→ Mas no final do século XIX começava a ficar evidente que outros países europeus disputavam a posição predominante inglesa na cena internacional

6.5 O novo liberalismo → No final do século XIX começa a surgir um novo liberalismo que defendia a introdução de

medidas regulamentadoras → Começa a formar-se um partido que associa as ideias liberais às organizações sindicais e

que resultaria na fundação do partido trabalhista → Novas forças começavam a surgir com o movimento das sufragistas que pretendia

conquistar o direito de voto para as mulheres no qual se destacam Mrs. Fawcett e Mrs Pankhurst

→ Os movimentos sindicais apareciam agora com cada vez mais força surgindo em 1914 a primeira greve geral dos caminhos-de-ferro

→ A política caminhava no sentido de um Estado Providência → Os primeiros anos do século XX afirmam a identidade nacional britânica expressa em

novas formas de encenação ritual e simbólica por exemplo expressas no Jubileu da Rainha Vitória em 1897, no funeral da rainha em 1901, e na coroação de Eduardo VII

→ A tradição inventada contribuía para mobilizar a imaginação popular em torno de um modelo imperial e progressivo de estado

7 – A crítica à Industrialização 7.1 Carlyle e Mill nos anos 30 → O ritmo das mudanças culturais é bastante lento e mesmo no século XIX persistiam

vestígios de hábitos e práticas medievais → Com a Revolução Industrial o ritmo de mudança acelera-se, a classe média afirma-se

como um grupo social activo e surge uma nova classe de trabalhadores → A partir da década de 20 começa a surgir uma apreensão perante as mudanças expressa

primeiro por Thomas Carlyle em Signs of the Times definindo a época como uma época mecânica que terá invadido as actividades do espírito

→ As preocupações vão no sentido de se manter o contacto com os valores da cultura tradicional

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→ Em 1831 John Stuart Mill volta a este tema com o seu “The Spirit of the Age” no qual define a existência de um vazio cultural e institucional provocado por uma mudança operada nos homens que não correspondem a uma mudança nas mentalidades

→ Muitos pensadores se apercebiam de que estavam a ocorrer mudanças mas ninguém percebia com clareza o seu sentido e objectivo

7.2 O Movimento de Oxford: a recuperação do espírit o anglicano → O Catholic Emancipation Act e a revogação do Test and Corporation Act garantem o

acesso dos católicos e dissidents à totalidade dos seus direitos civis → Mas essa tolerância religiosa leva ao surgimento do Movimento de Oxford que procura

reafirmar as tradições tipicamente britânicas e rejeita o racionalismo iluminista → A recuperação da tradição tornou-se objecto dos Tracts, documentos de reflexão

difundidos por Dr. Pusey, John Keble e John Henry Newman → O Tractarianism foi essencialmente um movimento de reflexão oriundo da Igreja de

Inglaterra e que pretendia reanimar os princípios fundamentais do anglicanismo → Os membros da Igreja de Inglaterra manifestavam formas de devoção austeras, sérias e o

movimento de Oxford procurou uma nova linguagem aberta à expressão dos sentimentos e aberta à expressão estética

→ O Movimento de Oxford partiu das elites universitárias e eclesiásticas mas nunca chegou às classes populares

→ Mesmo assim o Movimento teve um papel importante no moldar das atitudes de resistência à inovação e que reclamavam a importância da tradição

7.3 A recuperação do passado: o romance histórico e o movimento Young England → O apelo do passado vai expressar-se nas artes e na literatura → Para além da reconstrução de ambientes exóticos começa a surgir a preocupação pelo

enquadramento histórico das obras e esta intenção surge essencialmente com Sir Walter Scott que conseguiu derivar a individualidade das personagens a partir das peculiaridades históricas do seu tempo

→ As histórias de Scott apelam a um vasto público que se identifica com as suas personagens e que criam uma voga do romance histórico

→ A atracção pelo passado também se sente na poesia de Alfred Tennyson em poemas como The Palace of Art e The Lotos-Eaters

→ Surge assim o romance designado por silver fork que explorava a apreciação pelo papel da aristocracia quer no passado quer no presente e que se materializa por exemplo em The Last Days of Pompeii de Bulwer Lytton

→ Disraeli, para além de cultivar este tipo de literatura faz também parte do movimento Young England que era um movimento de juventude, aristocrático que pretendia a recuperação de um sistema feudal que substituísse o benthamismo centralizador e radical

7.4 Carlyle e a revisão da história → A visão do modelo medieval como alternativa a um presente estéril é também desenvolvida

por Carlyle que se começou a preocupar com a possibilidade de justificar e corrigir o presente baseando-se no passado

→ Como historiador começa a desenvolver uma teoria dos heróis, do heroísmo e do culto dos heróis da história num conjunto de conferências publicadas em 1841

→ Em Past and Present Carlyle apresenta o confronto expresso entre o passado medieval e o presente industrial onde recomenda a constituição de uma aristocracia do trabalho, uma nova cavalaria dos capitães da indústria

7.5 Alternativas: o campo e a revisitação do passad o → O passado tem no entanto uma ambiguidade já que possui as virtudes da solidariedade,

generosidade e coragem, mas também um componente de barbárie e rudeza

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→ As cidades eram o meio favorável ao desenvolvimento do comércio e da indústria, mas Robert Blake considerava-as prisões onde os habitantes estão acorrentados por algemas forjadas na mente

→ A cidade era assim considerada a fonte do vício, do falso luxo e das virtudes perdidas → O campo surge assim como alternativa, como repositório de verdades eternas → O mito da ruralidade tem também expressão no retratar de figuras do campo pelos poetas

como os pastores, intérpretes das verdades simples e eternas sobre a natureza humana não contaminada pela sofisticação falsa dos salões e pela desmoralização das ruas

→ A pintura reflecte também este apreço pelo campo patente no landscape painting combinado por vezes com temáticas históricas

→ Alguns dos principais pintores deste período são: Constable, Turner, Sir Thomas Lawrence, John Flaxman, William Blake e Sir Edwin Landseer

→ A arquitectura também iria recuperar modelos da tradição britânica com o gosto pelo gótico e com o pitoresco ou recuperação de modelos de cottages rústicos ou de lodges rurais, sendo John Nash um dos arquitectos mais conhecidos pelas suas obras deste género

→ Os grandes arquitectos do neo-gótico seriam Charles Barry e AWN Pugin que imprimiram a marca do gótico vitoriano a vários edifícios públicos e privados como as Casas do Parlamento

→ O apelo do passado continuaria a orientar as escolhas mesmo de obras públicas e o Príncipe Alberto e Charles Lock Eastlake, influenciados pelos pintores nazarenos iriam escolher uma decoração para as Casas do Parlamento que reflectia estes gostos

→ A influência do Príncipe Alberto teve reflexos contraditórios, já que o seu gosto pelas temáticas históricas vinha ao encontro dos desejos da época mas a sua origem germânica trazia influências que já não eram tão bem aceites

7.6 O Movimento Pré-Rafaelita: uma estética do conf lito religião e natureza → A fraternidade pré-rafaelita foi fundada em 1848 e os seus membros mais destacados

eram Holman Hunt, John Everet Millais e Dante Gabriel Rosseti → O movimento combinava preocupações estéticas, religiosas e científicas e reflecte a

complexidade do pensamento vitoriano → Procuraram uma estética de truth to nature de realismo e objectividade contra os cânones

clássicos de composição → Utilizavam uma técnica de aplicação de cor sobre fundo branco que produzia um efeito de

iluminação semelhante ao natural, da luz do sol e que contrariava a técnica tradicional do chiaroscuro ou luz e sombra artificiais

→ As temáticas mais características da pintura pré-rafaelita são as bíblicas mas através de uma tipologia simbólica

→ A estética pré-rafaelita marca um momento de conflito entre o passado e o presente, entre a religião e a ciência expresso na busca de respostas e alternativas à industrialização

7.7 A ciência e as teorias evolucionistas → A primeira metade do século XIX assiste a um desenvolvimento em várias áreas científicas

mas agora já em ciências aplicadas → As relações entre o homem e o seu passado vão ser analisadas nas obras de Sir Charles

Lyell e de Charles Darwin → Mas a posição face ao desenvolvimento científico é também ambígua como o demonstra o

livro Frankenstein de Mary Shelley que traz a lume as consequências da evolução científica até ao ponto em que o criador já não consegue controlar a sua obra

→ A questão da origem da vida deixa de ser uma questão filosófica e teológica para ser uma questão científica

→ Lyell definiu uma nova teoria sobre a idade da Terra e sobre a sua lenta formação que se opunha à convicção que cataclismos bíblicos teriam dado origem ao mundo

→ Apenas na segunda metade do século XIX a arqueologia viria dar razão a Lyell → Mas foi a publicação de The Origin of Species de Charles Darwin que veio definitivamente

questionar a origem divina do homem e a literalidade dos relatos da bíblia

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→ A teoria da sobrevivência dos mais aptos iria consolidar a legitimidade do princípio do self help embora tivesse levado também a posições de cepticismo sobre a qualidade divina da criação do mundo

→ A conclusão da obra de Darwin deixa claro que a observação do passado nos permite olhar com confiança para um futuro de longa duração

8 – Apogeu e declínio do Período Vitoriano → A grande exposição de 1851 foi uma demonstração da supremacia tecnológica de

Inglaterra → O Palácio de Cristal construído por Joseph Paxton foi a primeira estrutura de ferro e vidro

construída em semelhante escala → Mas a admiração que a construção suscitou não foi suficiente para impor um novo modelo

de construção já que se continuou a dar preferência pelos modelos tradicionais do revivalismo gótico

8.1 O gosto vitoriano e as suas implicações sociais → O revivalismo gótico foi a primeira manifestação das tendências de hostilidade face à

sociedade industrial e capitalista → Um novo gosto desenvolveu-se em modelos Old English, Queen Anne ou revivalismo

vernáculo → O neo-gotico começa a assumir conotações religiosas e desenvolve-se um novo gosto

secular nos modelos das casas simples e cottages como Leys Woods construída por Richard Norman Shaw

→ Começa também a surgir um movimento de defesa do património arquitectónico protagonizado pela Society for the Protection of Ancient Buildings e apoiado por William Morris e John Ruskin

→ Começam no entanto a surgir alguns excessos protagonizados pelos novos-ricos que pretendem imitar os gostos e estilos da aristocracia mas que os levam demasiado longe, sendo severamente criticados por Ruskin e Morris

8.2 O gentleman e o english way of life: a educação e os educadores → O pensamento social dos vitorianos contribuiu para o surgimento de novos valores e de

uma nova tradição cultural protagonizada por John Stuart Mill, Charles Dickens, Matthew Arnold e John Ruskin

→ A obra Hard Times de Dickens é um exemplo da crítica às cidades industriais monótonas e uniformes que sufocam o individualismo e a criatividade em prol do pragmatismo utilitarista

8.3 Cultura, educação e as classes sociais: Matthew Arnold → Arnold era filho de Thomas Arnold, director do colégio de Rugby que sofreu no século XIX

profundas reformas no sentido de formar os adolescentes intelectualmente, moralmente e fisicamente

→ Thomas Arnold foi um dos promotores desta reforma que visava produzir o gentleman cristão que servia o império e trazia honra e glória para a sua escola

→ A nova disciplina consistia na valorização dos estudos clássicos, no conceito de um cristianismo muscular e no ethos dos jogos de competição

→ A frequência das public schools passa a ser uma credencial que garantia a boa formação de carácter e de uma boa origem social

→ As influências educativas de Matthew Arnold foram o seu pai em Rugby e John Henry Newman em Oxford

→ Também o seu trabalho como inspector escolar permitiu que contactasse de perto com a realidade escolar inglesa

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→ As day schools destinadas aos filhos dos trabalhadores eram controladas ou pela Church of England National Society for Promoting the Education of the Poor (1811) e pela British and Foreign School Society (1808)

→ O governo começou a atribuir financiamentos às escolas em 1833 aumentando o seu grau de intervenção e diminuindo a influência privada – Kay-Shuttelworth

→ A educação era entendida como a forma de inculcar o respeito pelas hierarquias e pelas leis que faria destas crianças adultos responsáveis

→ O Revised Code implicava que o financiamento das escolas dependia dos resultados dos seus alunos num teste mecânico em que as crianças seriam analisadas por 3 aptidões: reading, writing e reconing

→ Arnold teve ainda a oportunidade de visitar escolas em França, Holanda e na Suíça que contribuíram para as suas ideias

→ Arnold defendia que os indivíduos procuravam a perfeição individual através da busca de conhecimentos

→ Define ainda duas heranças tradicionais: a judaico-cristã e a greco-romana que estimulam os preceitos morais e a paixão pela razão

→ Arnold reclama para a cultura um papel nivelador da sociedade distinguindo cultura de instrução

→ Para o pensador, o desenvolvimento excessivo da tendência hebraizante levara ao agrilhoamento da inteligência, devendo-se por isso recuperar as potencialidades helenizantes que permitiriam uma cultura completa em reacção a um mundo mecânico

→ Na sua obra Culture and Anarchy a classe média é mais criticada por encarnar os valores do self help, da riqueza, do individualismo e do liberalismo político

8.4 Educação liberal e Universidades: John Henry Ne wman → No século XIX assistiu-se ao relançamento do ensino universitário mas baseado nos

modelos tradicionais que são rapidamente copiados por outras instituições → Fica definitivamente assente a convicção de que os conteúdos do saber são as

humanidades e não as ciências → A obra de Newman, “The Idea of a University” estabelece desde o início que o objective

das universidades é o ensino intelectual e não o ensino moral → Apesar destas ideias, Newman defende que a base do ensino deve ser a ideia de ciência,

o método a ordem, o princípio e as ideias de regra e de excepção e de riqueza e de harmonia

→ As disciplinas a estudar devem ser a Gramática, e Crítica, a seguir a Matemática e depois a História, a Cronologia e a Geografia assim como o estudo da Poesia

→ A universidade é definida como o seat of universal learning, oferecendo o ambiente próprio ao desenvolvimento das faculdades espirituais

→ Newman contrasta claramente o ensino da investigação, que deve ser feito nas academias → Segundo Newman, a universidade deve proporcionar a formação global das aptidões que

serão posteriormente aplicadas a actividades práticas e os curricula não deviam ser definidos com vista à formação profissional nem à investigação científica

8.5 O gentleman e o self help: Samuel Smiles → Samuel Smiles publicou em 1859 a sua obra Self Help que defendia teorias muito

diferentes das de Arnold e Newman → O objectivo da sua obra era evidenciar a virtude da perseverança que ilustrava com

exemplos reais de pessoas comuns → Smiles defendia que as virtudes da prudência, austeridade, frugalidade e boa gestão erma

indispensáveis aos indivíduos mas também à nação → Smiles defende o esforço mais do que a realização, o mérito mais do que o génio → Valoriza o trabalho como a missão do homem na terra numa perspectiva quase religiosa

que Carlyle chamou the Gospel of Work 8.6 A educação dos trabalhadores e as visões social istas; John Ruskin e William Morris

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→ A crítica vitoriana ao sistema industrial assumiu outras formas no final do século XIX – Ruskin inspirado por Carlyle desenvolve um conjunto de teorias sociais através das quais condena as características mercenárias e utilitaristas

→ Ruskin defende na arte o gótico medieval que é uma expressão da criatividade do artesão enquanto os produtos em série do período industrial desvalorizam a individualidade do trabalhador

→ Ruskin exige a revisão de uma situação na qual os trabalhadores são meros instrumentos tornando-os parte do processo de concepção da obra e não apenas da sua concretização

→ Morris foi influenciado por Carlyle, Ruskin e pelo Movimento de Oxford onde estudou e onde bebeu as teorias que rejeitavam o materialismo e a expressão medonha do industrialismo

→ No entanto, considerava ainda que o neo-gótico era apenas uma falsa aparência que deturpava o conceito do gótico genuíno

→ Morris desenvolveu uma actividade artística de recuperação do trabalho artesanal mas também se preocupou com a conservação da natureza e desenvolveu o socialismo de fundamento marxista

→ Em News from Nowhere, Morris recria uma sociedade pós-industrial que seria uma sociedade igualitária, de abundância sustentada pelo trabalho na agricultura, isenta de industrialização e capitalismo

→ As ideias de Morris enquadram-se na cultura vitoriana e anunciam novas tendências que iriam surgir no século XX

→ Morris procurou ainda a uniformização de todas as tendências socialistas num só movimento, o que não conseguiu – no entanto em 1893 surgiu o Independent Labour Party

IV – A Modernidade e a pós-modernidade 1 – Da Primeira à Segunda Gerra 1.1 A Grande Guerra → Nas vésperas da I Guerra Mundial, o primeiro-ministro britânico revelava preocupação pela

situação da sociedade já que as greves e a instabilidade se sucediam em todas as regiões → A explosão da Grande Guerra uniu a sociedade num esforço comum baseado na noção de

que se trataria de uma guerra justa → Embora as perdas humanas tenham sido muitas a sociedade britânica associava à guerra

o patriotismo e o orgulho nacional → As dificuldades dos anos 20 e 30 iria ainda criar uma espécie de nostalgia pelo período da

guerra em que muitas foram as modificações: � A liberdade de iniciativa foi substituída pelo controlo do Estado em áreas de

intervenção nacional � A indústria e a agricultura produziam em função das necessidades da guerra � O estado passou a intervir e a centralizar as políticas de alojamento e saúde � Surgiram acordos entre o estado e os sindicatos que proibiam as greves mas

instituíam negociações salariais � A emancipação feminina também deu passos definitivos devido à necessidade de

mão-de-obra e à sua participação directa na guerra como enfermeiras – as sufragistas conseguiram finalmente o direito do voto para as mulheres

� O mapa político do século XX fica definido com a extinção do partido liberal, com a confirmação do partido conservador e com a formação do partido trabalhista

1.2 Entre as duas guerras mundiais → A Guerra Mundial veio destruir a convicção no desenvolvimento progressivo uma vez que

representou um retrocesso na sociedade → A guerra provocou ainda uma alteração nas sensibilidades que tiveram expressão na

poesia dos War Poets: Wilfred Owen e Siegfried Sassoon

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→ Os valores tradicionais eram questionados e o próprio Ocidente como modelo era entendido como moribundo

→ A literatura também começa a demonstrar essa ruptura com o passado e com os novos horrores como a obra “Goodbye to All That” de 1929 de Robert Graves

→ O modernismo na literatura fica patente nas obras de outros autores como Yeats, Pound, Eliot, Lawrence e Joyce

→ A guerra teria criado maior receptividade por parte do público à inovação e a mensagens apocalípticas de denúncia social

→ Nas artes plásticas surgiu o futurismo, o cubismo e o expressionismo, veículos ideais para a expressão de imagens de mutilação, desagregação e distorção

→ Os nomes de Kipling e Hardy na literatura, de Elgar na música e de Lutyens na arquitectura sugerem uma continuidade com o período vitoriano

→ Surgem outros grupos que expressam a revolta contra os padrões herdados como chamado Grupo de Bloomsbury que incluía Virgínia Wolf, E M Forster, TS Eliot, Roger Fry, Vanessa Bell, Maynard Keynes e Lytton Strachey

→ Em termos políticos o Reino Unido também parecia fragmentado com uma ininterrupta liderança do partido conservador nos anos 20 e 30

→ As grandes indústrias foram reprivatizadas e foram lançados programas de apoio social como a extensão dos serviços de saúde e educação, o aumento das pensões, a universalização do seguro contra o desemprego e uma campanha para o subsídio ao alojamento

→ A sociedade inglesa continuava a evidenciar uma organização hierárquica embora a aristocracia fosse atingida por um aumento dos impostos e a classe média fosse beneficiada com facilidades no consumo

→ As classes trabalhadoras foram as grandes perdedoras tendo apenas conquistado a semana das 48 horas; apesar disso, a conversão das indústrias pesadas que entraram em declínio em novas indústrias como a automóvel, os produtos químicos, eléctricos e plásticos iriam criar novos empregos white collar

→ Nos anos 30 a política foi dominada pelo Governo Nacional que teve à frente Ramsay MacDonald e Stanley Baldwin até que o partido conservador recuperou o poder com Neville Chamberlain

→ A sociedade britânica demonstrava uma grande estabilidade nos anos 30 especialmente numa Europa dominada pelo totalitarismo

→ Maynard Keynes avisava já em 1919 que as consequências da guerra e as sanções impostas à Alemanha iriam conduzir à sua ruína e ao enfraquecimento da economia europeia

→ Nesta sociedade fragmentada começam a surgir elementos de massificação que impõem novas características uniformizadoras

→ As políticas de alojamento dos anos 20 são complementadas com o aparecimento de novos confortos domésticos como a água canalizada, o gás, o aquecimento central e a introdução das casas de banho

1.3 A cultura popular e a cultura de massas → O rádio e o cinema são dois dos mais importantes indicadores da mudança social que se

opera nas primeiras décadas do século XX → O aumento das actividades de lazer indica uma sociedade mais afluente e mais exposta a

influências tendentes a alterar os valores tradicionais → O aumento do tempo de lazer está associado à redução do horário de trabalho, às férias

pagas e ao aumento gradual dos salários → A BBC foi fundada em 1922 no ministério das comunicações e adquiriu desde cedo duas

características fundamentais: � Ser um serviço monopolista livre de pressões comerciais, um serviço de utilidade

pública � Financiamento através de uma taxa de utilização que permitia ao governo uma forte

intervenção

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→ Em 1927 é nomeado o primeiro director, John Reith que entendia que a BBC tinha uma missão cultural e formativa

→ A BBC procurava a imparcialidade mas alguns críticos apontavam o afastamento da cultura das classes trabalhadoras e a aproximação às elites

→ A BBC serviu apesar de tudo como um poderoso instrumento de unidade nacional → A indústria britânica de cinema foi bruscamente interrompida pela guerra tornando-se

impossível competir com Hollywood para onde tinham ido alguns dos melhores artistas britânicos como Charlie Chaplin

→ Generalizou-se assim o hábito de ver cinema americano e surgiram algumas salas de cinema famosas

→ Os modelos dos filmes eram cada vez mais usados como inspiração para os jovens → O cinema era criticado por alguns que o consideravam um novo ópio do povo enquanto

outros o consideravam um instrumento de propaganda do governo 1.4 A cultura popular e a cultura erudita → Registou-se uma americanização da cultura inglesa influenciada por espectáculos de

music hall de Irving Berlin, Cole Porter, Richard Rodgers e George Gershwin → A produção inglesa foi mais escassa mas contou com algumas obras de Noel Coward → A cultura erudita procurava também outros rumos com um distanciamento em relação à

cultura vitoriana → As novas atitudes eram geralmente highbrow ou seja, orientadas para formas de inovação

crítica e de experimentação literária apenas inteligíveis para os grupos restritos de intelectuais

→ O bailado começa a afirmar-se em sequência da popularidade dos bailados russos assim como a ópera e a música sinfónica

→ Os anos 20 e 30 apresentam a convergência de correntes opostas: o modernismo com o tradicionalismo, a cultura erudita com a cultura de massas

2 – O Pós-Guerra 2.1 O impacto da Segunda Guerra Mundial → A segunda guerra mundial chegou ao Reino Unido em 1940 com o risco de uma invasão → Os conservadores elegeram William Churchill para substituir Chamberlain e que formou um

governo de coligação → A defesa do território nacional assentou no desenvolvimento da força aérea com os

Spitfires e Hurricanes → Apesar da ameaça de invasão ter sido debelada ainda em 1940, até ao final do conflito as

zonas de Londres, do Sul e do Centro foram devastadas pelos bombardeamentos nocturnos, o blitz

→ A guerra veio novamente criar um espírito de comunidade e união conduzindo a alterações na sociedade e a novas formas de centralização governamental

→ O primeiro resultado deste espírito igualitário surgiu em 1942 no Beveridge Report que expunha uma política abrangente de segurança social financiada a partir de impostos

→ O Butler Education Act criou o enquadramento para o sistema educativo dividido em secondary modern, grammar e technical

→ Ernest Bevin promoveu ainda reformas laborais → No final da guerra assistiu-se a uma radicalização para a esquerda que colocou o dirigente

trabalhista Clement Attlee no governo 2.2 A Guerra e o Império britânico → O conflito que tinha começado na Europa rapidamente se globalizou com teatros de guerra

no Pacífico e em África → Os domínios britânicos como a Austrália, a Nova Zelândia, o Canadá e a África do Sul

ofereceram apoios quer em termos de matérias-primas e apoio naval

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→ O esforço de guerra britânico centrava-se na preservação das linhas de comunicação no Médio Oriente em torno do Canal do Suez e do Golfo Pérsico e às suas reservas de petróleo

→ Essa estratégia de Churchill foi posta em causa com a queda de Tobruk em 1942 pois muitos consideravam ser mais importante o apoio à França

→ A estratégia no Oriente também ocasionou severas perdas e por isso foi severamente criticada embora a sua posição tivesse sido assegurada no final do conflito

→ O Império tendia a desmembrar-se até porque os americanos se comprometiam a abreviar os processos de descolonização

2.3 O pós-guerra e as políticas de consenso – o wel fare state

→ Nos anos que se seguiram ao fim da guerra levaram à construção de um modelo de sociedade orientado pela filosofia socialista ao qual se tem dado no nome de welfare state ou estado providência

→ Em 1979 arrancou uma nova ideologia protagonizada por Margaret Thatcher e promovida pelo partido conservador

→ Os trabalhistas em 1945 começaram um programa de reformas que suscitou um amplo consenso nacional com o objectivo de garantir um mínimo de segurança e benefícios para todos

→ Os 5 objectivos gerais dos programas reformistas eram: � Garantir a todos em quaisquer circunstâncias um nível de vida decente � Proteger todos os cidadãos das vicissitudes da vida quotidiana � Contribuir para o desenvolvimento das famílias � Tratar a saúde e a educação como serviços públicos � Desenvolver e melhorar todas as instituições públicas

→ O estado providência era uma economia mista, semi-privada e semi-pública com pleno emprego, possuidora de um individualismo temperado pela intervenção estatal

→ Os dois grandes inspiradores deste modelo eram dois liberais: Maynard Keynes e Lord Beveridge

→ Entre 45 e 49 as medidas surgiram essencialmente em duas áreas, as nacionalizações e os serviços sociais (National Insurance Act, National Health Service Act e o National Assistance Act)

→ Surge também o Arts Council com o objectivo de fomentar as actividades culturais → O grande desafio do governo foi o do emprego tendo tomado medidas para a

manutenção da taxa de desemprego nos 3% ao longo das décadas de 50 e 60 promovendo a prosperidade – esta situação só se iria alterar nos anos 70

2.4 Inquietação e rupturas

→ O governo tory entre 1951 e 1964 prosseguiu uma política de paz social, emprego e respeito pelos sindicatos

→ O cinema e o rádio conquistavam novos públicos e nos princípios da década de 50 a televisão começava a dar os primeiros passos

→ Começou também o debate sobre se estes novos meios de comunicação melhoravam ou degradavam a qualidade da cultura e das mentalidades

→ Outros elementos que reflectiam a angústia, mal-estar ou desajustamento começam a tornar-se visíveis na sociedade e na cultura dos anos 50 e 60

→ O processo de descolonização começou a alargar-se desde a Índia até África e no princípio dos anos 60 o império britânico estava limitado a algumas possessões dispersas

→ Em 1956 o primeiro-ministro Éden inicia negociações secretas com os franceses e os israelitas com vista à invasão do Suez que os egípcios tinham declarado nacionalizar virando a opinião da opinião pública contra o Reino Unido

→ A crise do Suez teve efeitos profundos nas consciências com o surgimento dos angry young men, no aparecimento da televisão comercial, no rock ‘n’ roll, na irreverência da juventude e na permissividade dos costumes

→ Três factores de mudança podem ser identificados nos anos 50

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� A entrada do Reino Unido numa era de abundância � A transformação dos padrões morais colectivos num individualismo mais egocêntrico

e limitado aos pequenos grupos ou esferas de mobilidade individual � O orgulho nacional e o sentimento patriótico

2.5 A sociedade de consumo

→ O advento da televisão comercial evidenciou o nascimento da sociedade de consumo → As preocupações consensuais e colectivistas começavam a ser orientadas para a

satisfação das necessidades individuais → A sociedade enriquecida à qual Galbraith chamou The Affluent Society escondia uma

realidade de injustiça social → O aumento do consumo faz-se sentir na alimentação, no vestuário, no alojamento, nos

automóveis, nas actividades de lazer, nos televisores e nos telefones → O romance, o cinema e o teatro dão voz ao descontentamento → Surge também um aumento na crítica satírica mesmo encorajado pela BBC → A cultura da juventude passa por vários movimentos:

� Os teddy-boys entre 1953 e 1957 nos subúrbios de longe, oriundos de famílias pobres e que afirmavam o seu protesto através de roupas pseudo-eduardianas, de uma ética de gang e pela frequência das juke-boxes e dos snack bars

� Os Mods do princípio da década de 60 de origem lower white collar apresentavam uma imagem lavada

� Os Rockers no mesmo período eram oriundos das classes trabalhadoras vestidos com casacos de cabedal e montados em motos

� Os Skinheads, de cabeça rapada e botas da tropa hostilizavam os homossexuais e os hippies e simpatizavam com o fascismo e racismo

� Os Rastafarians e os Rudies eram essencialmente de raça negra e surgiram nos anos 70

� Os Punks apareceram no final dos anos 70 com as caras maquilhadas a branco, os cabelos pintados de cores eléctricas e com penteados em forma de penachos e as roupas seguras por alfinetes-de-ama

� Nos anos 80 voltaram a surgir os skin-heads e os punks → A violência destes grupos de jovens foi retratada em várias obras como A Clockwork

Orange de Anthony Burgess → Os grupos de jovens vinham essencialmente da classe trabalhadora, já que a juventude

da classe média polarizou os seus protestos nos campus universitários → Surge a nova esquerda associada à desilusão com a União Soviética e com a abertura

das universidades a alunos de várias classes sociais → Surgem ainda muitas manifestações de protesto dirigidas a favor do desarmamento

nuclear, da preservação da natureza, da libertação das mulheres, dos direitos humanos → As mentalidades também se alteram em termos da legislação que começa a reconhecer o

papel da mulher na família e no trabalho → Estas manifestações eram vistas como indicadores de uma sociedade permissiva que

eliminou as referências que lhe forneciam coesão 2.6 O fim do consenso

→ Embora se registem várias mudanças na sociedade elas são apenas a continuação inevitável de tendências já anunciadas

→ As culturas de juventude não pretendiam uma revolta mas sim a transformação das relações humanas eliminando as barreiras de comunicação entre gerações

→ As atitudes face ao casamento não mudaram substancialmente e o número de casamentos até aumentou, mas quando as expectativas não eram cumpridas surgiam os divórcios que aumentaram muito neste período

→ Regista-se ainda uma diminuição da natalidade o que poderá dever-se à necessidade de desempenho de uma actividade, a dificuldades económicas, à divulgação dos métodos anti-concepcionais ou à dedicação aos filhos

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→ Registava-se ainda uma crise de religião com as taxas de participação nos ritos católicos e protestantes a descer e que poderá estar relacionado com a difusão de uma tradição humanista de raiz cristã que provocou alterações no código moral

→ As mentalidades vão mudando e vão surgindo reacções à moral tradicional com a publicação da obra de DH Lawrence “Lady Chatterley’s Lover” em 1968

2.7 Da social-democracia ao thatcherismo → Em 1964 tomou posse um governo trabalhista chefiado por Harold Wilson e que baseava o

seu programa numa abordagem mais tecnocrática num esforço para o aumento da produtividade

→ Em 1970 os conservadores recuperaram o poder com Edward Heath e foi seguida uma política diferente mas que também visava a modernização mas que em breve inflectiu para soluções corporativistas e dirigistas

→ O Inverno de 1979 ficou conhecido como the winter of discontent com a crise social e as greves a surgir num clima de insatisfação

→ O governo conservador de Margaret Thatcher tomou o poder em 1979 e tinha em mãos como prioridade a redução da inflação o que levou a um aumento em flecha do desemprego

→ Em 1981 a situação tinha-se tornado explosiva com riots urbanos em Londres, Liverpool, Manchester, Bristol e Leicester

→ A administração Thatcher começa a lançar uma série de medidas destinadas a criar uma sociedade empresarial e um capitalismo popular que rapidamente conquistaram o eleitorado

→ A popularidade de Thatcher devia-se não apenas à sua personalidade mas também à Guerra das Malvinas que levou a uma onda de patriotismo e permitiu um aumento da popularidade do governo

2.8 O Thatcherismo → Podemos distinguir 4 fases no thatcherismo

� A emergência como movimento social entre 1968 e 1979 � O primeiro período de governo orientado pela necessidade de consolidação entre 1979

e 1982 � A fase de consolidação de 1982 a 1986 � O período de tatcherismo radical de 1986 até 1990

→ As políticas do governo de Thatcher seguiram estratégias neoliberais para reforçar as forças do mercado usando quando necessário à intervenção estatal

→ A oposição ao neoliberalismo era protagonizada pelo socialismo que defendia o estado providência

→ A economia do Reino Unido via-se confrontada com a competitividade do fordismo que tinha 4 traços essenciais: � Envolvia um tipo específico de trabalho na linha de montagem e que visava a produção

em massa � Modo de crescimento macroeconómico constante com a produtividade baseada em

economias de escala � Pressupõe determinadas formas de organização privilegiadas, ou seja, grandes

corporações em vez de pequenas empresas � Padrão genérico de organização social baseado no consumo de massas

→ O Reino Unido envolvia-se numa estratégia mundial de esbatimento das barreiras comerciais através do GATT começado em 1947 e da União Europeia

→ A estratégia neoliberal do thatcherismo assentava em: � Liberalização da economia � Desregulação do sector económica � Dissolução das grandes empresas controladas pelo estado � O sector público remanescente foi encorajado a adoptar-se às práticas de uma

economia de mercado

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� Reforço da internacionalização da economia � Reduções de impostos para fornecer incentivos ao sector privado

→ Podemos distinguir 5 características da reestruturação económica dos anos 80: � Diminuição do sector secundário na economia � Processo de desindustrialização de alguns sectores foi compensado por outras

indústrias emergentes � Desenvolvimento do trabalho em part time em especial feminino � Crescimento dos trabalhadores independentes e das pequenas empresas familiares � Tradicional divisão Norte/Sul agravou-se com o declínio dos distritos industriais do

século XIX e do período entre as guerras e com o desenvolvimento das regiões onde se instalaram as empresas tecnológicas de ponta

2.9 A condição da Inglaterra em fim de século → No final do século XX o Reino depara-se com 3 interrogações:

� A organização social em classes e a sua alteração nos últimos anos que favoreceu o surgimento de classes intermédias com os seus próprios valores

� Geografia social alterou-se com a evolução dos processos de industrialização ou então com a construção de uma nova sociedade - a coesão da nação britânica mantém-se apesar dos diferentes valores?

� A permanência dos valores tradicionais ou as novas dinâmicas entre o estado e os cidadãos – os valores do individualismo triunfaram sobre o colectivismo embora os britânicos ainda acreditem na ideia de estado e valorizam a sociedade baseada em valores comunitários.