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    TECNOLOGIA   ENGENHARIA SANITÁRIAy

         É   

                           

    Estação de Produçãode Água Industrial

    Aquapolo:exclusivamente parafins não potáveis

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    PESQUISA FAPESP 235 z  67 

    Reúso a partir do tratamentode efluentes é alternativa

    para ajudar no combate

    à crise de abastecimento

    Águareciclada A

    Sociedade de Abastecimento de Água e Sa-neamento (Sanasa), órgão responsável pelofornecimento de água e tratamento de esgo-to do 1,1 milhão de moradores de Campinas,no interior paulista, vai iniciar em setembro

    um estudo pioneiro com a finalidade de implantar noBrasil o primeiro sistema de produção de água de reúsopotável, destinada ao abastecimento da população. O pro- jeto será realizado com apoio do Centro Internacional deReferência em Reúso de Água (Cirra), da Universidadede São Paulo (USP), um dos principais órgãos de pesqui-sa na área. Produzido a partir do tratamento avançadode efluentes domésticos, o reúso é apontado como umadas alternativas para a escassez de água, um problemaque surge quando as chuvas são insuficientes, como nosdois últimos anos na região Sudeste.

    No estudo da Sanasa serão estabelecidos parâmetros e

    analisados os melhores processos de tratamento a fim dese projetar um sistema em escala real de reúso potável. Oprojeto em escala-piloto – fase de pesquisas de laborató-rio que antecede os equipamentos definitivos utilizadosna estação de tratamento – terá capacidade para fazer otratamento de 700 litros de esgoto por hora. “Esse pilo-to será alimentado com a água de reúso não potável que já produzimos na Epar [Estação Produtora de Água deReúso] Capivari II”, conta o tecnólogo em saneamen-to Renato Rossetto, gerente de operação de esgoto daSanasa. “Esperamos finalizar o estudo em sete meses.”

    A água de reúso pode ser classificada em dois tipos: nãopotável e potável. Hoje, no Brasil, poucas companhias deabastecimento, entre elas a Sanasa, a Sabesp e a Compa-nhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa), produ-zem água de reúso não potável, que pode ser empregadana lavagem de pisos, descarga de banheiros, irrigação de jardins e culturas agrícolas, caldeiras industriais e siste-mas de resfriamento, entre outras finalidades. Já a águade reúso potável, aquela destinada ao consumo diretopela população (para beber, cozinhar e higiene pessoal),precisa atender a padrões elevados de potabilidade e ain-da não está disponível no país. Esse tipo de reúso podeser classificado como direto, quando o efluente tratado éinjetado diretamente na rede de distribuição, ou indireto,

    quando o líquido é despejado nos mananciais usados pa-ra captação de água pelas companhias de abastecimento,sofrendo, em seguida, um novo sistema de processamentonas estações de tratamento de água.

    “Temos tecnologia para tratar efluentes e transformá--los em água de reúso potável, que a população pode be- ber com segurança, sem risco nenhum. Mas ainda faltano Brasil uma legislação a respeito”, diz o engenheiroIvanildo Hespanhol, diretor do Cirra e um dos maioresespecialistas em reúso de água no Brasil. “Com o proje-to da Sanasa pretendemos mostrar que é viável produzirágua potável a partir de esgoto e, dessa forma, pressio-nar as autoridades a criar uma norma específica sobre o

    Yuri Vasconcelos

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    Estação de água de reúso potável

    assunto”, diz ele. A água de reúso é uma soluçãomoderna, economicamente viável e que contacom tecnologia comprovadamente eficaz, segun-do Hespanhol. Essa prática já existe em diversospaíses, entre eles Estados Unidos, África do Sul,Austrália, Bélgica, Namíbia e Cingapura. “Nuncase detectaram problemas de saúde pública asso-ciados ao reúso nesses países”, diz o especialista.

    Maior companhia de saneamento do país, a Sa-

     besp é a empresa líder na produção desse tipo deágua. Com capacidade instalada de aproximada-mente 830 litros por segundo, o reúso é feito emquatro estações de tratamento de esgoto (ETEs)da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) –Barueri, Jesus Neto, Parque Novo Mundo e SãoMiguel – e na Estação de Produção de Água In-dustrial Aquapolo, um projeto em parceria coma empresa Odebrecht Ambiental. De acordo coma Sabesp, o volume produzido é comercializadopara cerca de 50 clientes, entre eles prefeituras,construtoras e indústrias dos setores têxtil, pe-

    troquímico e de papel e celulose. O fornecimento,exclusivamente para fins não potáveis, é feito viarede adutora, sendo que uma parcela minoritáriados clientes recebe o líquido por caminhões-pipa.A empresa Aquapolo, criada em 2012 pela Sabesp,é, segundo a companhia, o maior projeto do tipona América Latina e um dos 10 maiores do mundo.A estação fornece água para o polo industrial deMauá e indústrias da região do ABC, em São Paulo.

    LIMPEZA DOS RIOS

    Crítico da política de trazer água de lugares dis-tantes para abastecimento dos moradores de SãoPaulo, Hespanhol afirma que uma solução sus-tentável e de longo prazo para a crise hídrica emSão Paulo passa, necessariamente, pela implanta-ção da tecnologia de reúso. No fim de junho, eleapresentou, durante o workshop Subsídios paraSuprimento de Água na Região Metropolitanade São Paulo, realizado na Escola Politécnica daUSP, uma proposta que prevê a implantação dessesistema utilizando membranas de ultrafiltraçãoe tecnologias avançadas.

    Nos primeiros cinco anos do projeto seria im-plantado um sistema indireto, pelo qual o esgoto

    seria convertido em água não potável e armaze-nado em um reservatório, sendo posteriormentetratado para virar água potável e ser distribuídoà população. Na segunda etapa, nos cinco anosseguintes, seria implementado o reúso direto.“Tecnologias como membranas, osmose reversa,processos oxidativos avançados e carvão ativadopossibilitariam converter o esgoto em água potá-vel para ser distribuída diretamente à população”,explica o diretor do Cirra. Nos 10 anos seguintesseria feita a limpeza dos rios Tietê e Pinheiros,que deixariam de receber efluentes, já que elesestariam sendo reutilizados.

    O Brasil já domina a tecnologia de fabricaçãode membranas de ultrafiltração, componentefundamental dos biorreatores com membrana(ou MBR, sigla para Membrane BioReactor), queé o sistema mais empregado para a produção deágua de reúso. “A pesquisa para desenvolvermos

    no Cirra o protótipo de uma membrana de ul-trafiltração começou em 2009, com um projetoPipe [Programa de Pesquisa Inovativa em Peque-nas Empresas] da FAPESP, envolvendo a EscolaPolitécnica e a empresa Ambihidro EngenhariaAmbiental”, conta o engenheiro químico José

    FONTE  CIRRA

    1 2

    No laboratório doCirra, biorreator com

    membranas paraultrafiltraçãofabricado pelaempresa Ambihidro

    TRATAMENTO PRELIMINAR 

    Ao chegar à estação de reúso,

    o esgoto passa por umgradeamento e por uma caixa

    de areia para a retenção de

    resíduos no nível de milímetros

    BIORREATOR COM MEMBRANA 

    É formado por finas membranas

    permeáveis de ultrafiltração. Com porosque variam de 0,01 a 0,1 micrômetro de

    diâmetro, eles retêm partículas em

    suspensão, inclusive vírus e bactérias

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    Modelo proposto pelo Centro Internacional de Referência emReúso de Água (Cirra) a ser implantado em Campinas

    submetido a tratamentos avançados em série, ba-seados no conceito de múltiplas barreiras, paratornar o produto próprio para uso.

    “A configuração do sistema avançado de trata-mento deve ser pensada em função das caracte-rísticas do esgoto a ser tratado”, explica IvanildoHespanhol. “Mas, seja qual for, a tecnologia hojedisponível possibilita a produção de uma água dereúso segura para consumo”, diz o pesquisador.“O uso do efluente doméstico é um caminho natu-ral para termos um processo sustentável na pro-dução de água no país”, afirma o especialista emrecursos hídricos Gesner Oliveira, ex-presidenteda Companhia de Saneamento Básico do Estadode São Paulo (Sabesp) e sócio da consultoria GOAssociados. “Hoje, a água de reúso representamenos de 1% do consumo nacional de água. Seriamuito interessante se houvesse mais incentivo

    para essa prática e o governo estabelecesse metaspara elevar paulatinamente esse percentual.” n

       F    O   T    O 

        E    D    U    A    R    D    O     C

        E    S    A    R

       I   N   F    O    G    R    Á   F   I    C    O 

        A    N    A    P    A    U    L    A

        C    A    M    P    O    S

       I   L   U    S   T    R   A    Ç    Ã    O 

        A    L    E    X    A    N    D    R    E    A    F    F    O    N    S    O

    Carlos Mierzwa, professor do Departamento deEngenharia Hidráulica e Ambiental da Poli-USP.

    Essas membranas, dotadas de poros com 0,01a 0,1 micrômetro de diâmetro, são uma barreiraeficiente, capaz de reter partículas sólidas comdiâmetro mil vezes menor do que um fio de cabelo,inclusive vírus e bactérias. “Existem no mundomenos de 10 fabricantes de grande porte desseproduto. Nossa intenção é disponibilizar a tecno-logia que criamos por meio de uma parceria entreo Cirra e uma companhia interessada ou, mesmo,pela transferência de tecnologia”, diz Mierzwa,que também é o coordenador de projetos do Cirra.

    Um estudo comparativo conduzido pela dou-toranda Izabela Major Barbosa, aluna da Poli eorientanda de Mierzwa, mostrou que as membra-nas sintetizadas no Cirra tiveram melhor desem-penho do que os modelos comerciais. “A adição

    das nanopartículas de argila na composição domaterial levou à redução da adesão de biofilmena membrana, o que elevou a capacidade de fil-tração. Com isso, nossa membrana apresentoumelhor resultado do que as outras”, explica Iza- bela. O biofilme a que ela se refere é formadopor partículas retidas nos poros da membrana.As membranas de ultrafiltração fazem parte daetapa inicial do tratamento do esgoto nas esta-ções de reúso, que podem ter diferentes confi-gurações ( ver no infográfico as etapas básicas deum sistema-padrão ). Em seguida, o efluente, jálivre de boa parte da carga de contaminantes, é

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    Projetos1. Produção de sistemas de membranas de polissulfona e de mem-

    branas de polissulfonas nanocompósitas de micro e ultrafiltração

    para tratamento de água para fins potáveis (nº 2006/51800-3);

    Modalidade Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas

    (Pipe); Pesquisador responsável Ivanildo Hespanhol (Ambihidro);

    Investimento R$ 50.408,54 e US$ 5.770,83.

    2. Avaliação de membranas modificadas de ultrafiltração em biorrea-

    tores de membranas submersas (nº 2013/06821-6); Modalidade Bolsa

    de Doutorado (Izabela Major Barbosa); Pesquisador Responsável José

    Carlos Mierzwa (USP); Investimento R$ 112.085,22.

    OSMOSE REVERSA 

    Aqui o efluente tem baixa carga de

    poluentes, mas ainda carregaimpurezas. A membrana de osmose

    reversa elimina sais, reduz a carga

    microbiana e elimina hormônios

    PROCESSOS OXIDATIVOS AVANÇADOS

    Na etapa final, o efluente recebe água

    oxigenada e é submetido à radiaçãoultravioleta para a formação do radical

    hidroxila (·OH). Esse elemento oxida os

    compostos químicos ainda presentes na água

    RETENÇÃO E CERTIFICAÇÃO

    Antes de ser distribuída para a população,

    a água de reúso potável passa por umbalanceamento químico para correção do

    pH e eventual adição de microelementos

    (ferro, zinco etc.)