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Parte VIII Ecología, Cultura y Religión

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Parte VIII Ecología, Cultura y Religión

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O capital eclesiástico dos evangélicos brasileiros

Eduardo Guilherme de Moura PAEGLE

Doutorando no Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas

Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) – Brasil [email protected]

Resumo A presente comunicação pretende abordar de que forma os evangélicos brasileiros tem obtido um empoderamento na sociedade brasileira através da participação política e da formação de uma indústria cultural gospel que permitem com que o referido grupo religioso adquira um maior capital eclesiástico nas duas ultimas décadas. Considerando o conceito de campo religioso proposto por Pierre Bourdieu, evidenciado no caso brasileiro com a Proclamação da República, que marcou o fim do monopólio do catolicismo. O presente artigo historiciza a relação dos evangélicos com a política em três momentos distintos: 1) antes da Proclamação da República; 2) de 1889 até 1986; 3) no período da redemocratização, de 1986 até os dias atuais. Além disso, nas duas últimas décadas, a formação de um mercado gospel devido ao aumento da demanda dos produtos evangélicos principalmente para Cd´s e livros, como exemplificado pela Expocristã (feira de produtos e serviços gospel) são analisados dentro da concepção da mercantilização do sagrado, o que evidencia o pertencimento religioso do fiel. Palavras-chave: evangélicos, capital eclesiástico, indústria cultural.

Abstract

This communication is intended to address how the Brazilian evangelicals has obtained a Brazilian society empowerment through political participation and the formation of a Gospel that allow cultural industry with the religious group that acquires a higher ecclesiastical capital in the last two decades. Whereas the concept of religious field proposed by Pierre Bourdieu, as evidenced in the Brazilian case with the proclamation of republic, which marked the end of the monopoly of Catholicism. This article historicizes the relationship of evangelicals to the policy in three distinct stages: 1) before the Proclamation of the Republic; 2) from 1889 until 1986; 3) the period of democratization, from 1986 until today. Moreover, the last two decades, the formation of a Gospel market due that increased demand for gospel market of CDs and books mainly evangelicals, as exemplified by Expocristã (gospel fair of products and services) are analyzed within the concept of commodification of the sacred , which shows the true religious belonging. Keywords: evangelical, ecclesiastical capital, the cultural industry.

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Introdução

fato mais marcante no cenário religioso brasileiro nas últimas décadas foi o expressivo crescimento numérico dos evangélicos que adquiriram como conseqüência desse processo mais visibilidade acadêmica e política dentro desse

processo. Além disso, os evangélicos começaram a serem percebidos com um mercado consumidor significativo, constituindo assim uma indústria cultural dentro de uma perspectiva religiosa. Deriva daí que a atuação mais facilmente percebida dos evangélicos dentro da sociedade brasileira seja intitulada de capital eclesiástico.

Portanto, a aquisição de um maior capital eclesiástico foram mais notados em dois aspectos. O primeiro na formação de uma indústria cultural evangélica e o segundo na atuação política. Ambos são fenômenos recentes.

A idéia de um campo religioso

Somente podemos falar na existência de um capital eclesiástico dos evangélicos brasileiros quando reconhecemos um pluralismo religioso no país derivado do fim do monopólio religioso que juridicamente foi obtido na passagem do Império para a República em 1889, quando o Estado brasileiro passou á ser oficialmente leigo e não um monopólio católico como era até então. Ou ainda considerarmos outro marco, a primeira constituição republicana brasileira que assegurou a laicidade como um compromisso do Estado brasileiro em 1891.

Dessa forma, é somente á partir desse momento que podemos falar num pluralismo religioso que surge na medida em que o monopólio religioso deixa de existir. Como conseqüência desse processo histórico, diversos outros grupos religiosos que eram vistos pelo Estado como ilegais e que não eram reconhecidos como igrejas ou instituições eclesiásticas passam á disputar uma maior quantidade de fiéis possíveis, derivados da liberdade religiosa.

Essa nova situação entre a religião e o Estado cria a questão do voluntarismo, pois agora o indivíduo não está mais obrigado a aceitar acriticamente a tradição religiosa que era imposta, mas a opção religiosa passa á ser colocada no mercado para uma clientela que pode não comprar. A situação pluralista torna-se uma situação de mercado (Berger. 1985, p.149).

Cria-se também a noção de campo, compreendido aqui como um espaço abstrato onde os agentes em estado de competição possuem o objetivo de conquistar a hegemonia para determinar quais são as práticas legítimas. (Martino. 2003. p.33). Neste sentido, entendemos que na medida em que os evangélicos se tornam um agente importante das disputas do campo religioso brasileiro, reconhece-se que o referido grupo obteve um capital eclesiástico significativo.

Cabe-nos ressaltar três características que definem a noção de campo. A primeira característica refere-se à existência e o reconhecimento entre os atores de um objetivo em comum. No campo religioso, por exemplo, os católicos, os evangélicos, os umbandistas, os

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espíritas, os candomblecistas, os budistas, entre outros grupos, buscam atrair o maior número de fiéis para suas fileiras. Quanto maior o número de fiéis obtidos maior o capital eclesiástico obtido. A segunda característica está relacionada com o reconhecimento por parte dos atores das regras do jogo. Dessa forma, num dado momento as relações das forças dos atores do campo dependem da situação relacional em que se encontram, ou, em outras palavras, as estratégias dos atores dependem das relações de forças dentro do campo. A terceira característica do campo é derivada das reações que um ator sofre nas disputas do campo religioso, na redefinição de que os espaços busca legitimar o seu projeto religioso e deslegitimar os seus adversários (Martino. 2003. p.33). Consideramos assim, que tanto a atuação política dos grupos evangélicos no Brasil quanto à formação de uma indústria cultural evangélica são instrumentos importantes para analisarmos a obtenção de um maior capital eclesiástico dentro do campo religioso. A atuação política dos evangélicos no Brasil Podemos dizer que ao longo da história brasileira ocorreram três fases distintas em relação à participação dos evangélicos na política.

1) Até a Proclamação da República os grupos evangélicos, entre eles, os luteranos, os batistas, os presbiterianos, os congregacionais não tinham a sua identidade religiosa reconhecida em face ao catolicismo como religião oficial, não sendo considerados cidadãos, pois ritos como nascimentos, casamentos e enterros não eram oficial, já que não havia cerimônias civis, mas apenas as reconhecidas pelo catolicismo. Os grupos evangélicos existentes serviam para o branqueamento da raça, a eliminação das nações indígenas, a segurança nacional, a valorização fundiária, a mão-de-obra barata, para a construção e conservação de estradas, bem como para a criação de uma classe média. (Alencar. 2005, p.38-39).

2) Da proclamação da República até a eleição de 1986 temos um pequeno capital eclesiástico dos evangélicos na política. Não existe ainda um movimento organizado para defender os interesses dos evangélicos enquanto grupo social, nem uma representatividade significativa com densidade eleitoral como, por exemplo, no número de parlamentares. As raras lideranças políticas que eram evangélicas foram derivadas ou de um capital econômico, como com os profissionais liberais (médicos, advogados e engenheiros) oriundos da passagem da migração da zona rural para a zona urbana. (Campos in Burity et al. 2006, p. 37). O número dos deputados federais e senadores que assumiram a legislatura passaram de 1 entre 1946-1951 para 17 entre 1983-1987, enquanto neste mesmo período, os políticos evangélicos passam de representantes de 1 Estado para 7 Estados (Freston. 1993, p.167-168). Podemos citar como importantes lideranças políticas evangélicas nesse período: Francisco Augusto Pereira (cafeicultor paulista, presbiteriano, prefeito de Lençóis Paulista, em 1902), Ernesto Luiz de Oliveira (engenheiro e pastor da Igreja Presbiteriana Independente de Curitiba e que foi Secretário de Agricultura do Paraná), Luiz Alexandre de Oliveira (batista e deputado federal por Mato Grosso), Antônio Teixeira Gueiros (pastor da Igreja Presbiteriana e que foi vice-governador no Pará), Ephigênio de Sales (ex-pastor batista e presbiteriano e que foi governador do Amazonas e senador), João Café Filho (vice-

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presidente da República, era filho de presbiterianos independentes), Guaracy Silveira (pastor metodista e jornalista, que foi o primeiro deputado evangélico entre 1933-1935), Levy Tavares (pastor da Brasil para Cristo e que foi o primeiro pentecostal eleito a nível federal), Geremias Fontes (pastor presbiteriano e advogado, nomeado gobernador do Rio de Janeiro em 1966). (Campos in Burity et al. 2006, p. 37; Freston. 1993, p.163-164). 3) Da redemocratização até os dias atuais temos um período caracterizado pela maior participação dos grupos evangélicos. O período recente é caracterizado com a utilização dos recursos das igrejas evangélicas (principalmente as neopentecostais, como a Igreja Universal do Reino de Deus) da instrumentalização da fé evangélica com objetivos político-eleitorais. O início desse processo se iniciou com a redemocratização brasileira, quando se estimulou a criação de uma bancada evangélica que seria importante para lutar contra o boato de que o catolicismo se tornaria a religião oficial na constituição pós-ditadura militar, alcançando 36 parlamentares evangélicos na legislatura 1987-1991 (Freston. 1993, p.169). Na atual legislatura existem 71 parlamentares evangélicos federais eleitos (3 senadores mais 68 deputados), um grande aumento, pois a bancada anterior havia “apenas” 43 parlamentares (legislação 2007-2010), possivelmente enfraquecida em virtude do envolvimento do escândalo do mensalão em 2005 envolvendo um elevado número de parlamentares evangélicos o que dificultou a eleição deles. O uso da política para conseguir concessões de canais de TVs e rádios estimulou uma maior participação política dos grupos neopentecostais, criando em algumas instituições verdadeiros impérios midiáticos que precisam da política para aumentar o seu capital político e transformá-lo em capital eclesiástico. Agora que analisamos a atuação política entre os evangélicos brasileiros, cabe-nos analisar a formação de uma indústria cultural evangélica. A formação de uma indústria cultural evangélica

Cabe-nos agora enxergar em Pierre Bourdieu a formação de uma indústria cultural. Por isso, o referido intelectual listou três características que considerou fundamental para a constituição de uma indústria cultural, que são, a saber: 1) A constituição de bens simbólicos com fluxos cada vez mais intensos; 2) A formação de um corpo burocrático com a especialização do trabalho proporcionado pelos produtores e empresários simbólicos; 3) A existência de inúmeros atores que competem entre si na busca pela legitimidade cultural, num modelo concorrencial. (Bourdieu. 2005, p. 99-181).

Analisemos inicialmente as características apontadas por Pierre Bourdieu referentes à indústria cultural, considerando os evangélicos brasileiros como elementos da pesquisa. A primeira característica aponta justamente para intensificação do consumo, sejam de bens e/ou de produtos que são adquiridos e assimilados. A sociedade capitalista colocou a cultura do consumo como o seu pilar básico, aonde a aquisição de bens e serviços deve originar uma vasta acumulação de capitais, de forma mais rápida possível. (Featherstone. 1995, p.31).

Considerando que as mercadorias criam vínculos e sinais de pertencimento, claro que os evangélicos também buscam consumir bens simbólicos que exemplificam a sua pertença à comunidade de fé que congregam. (Featherstone. 1995, p.31).

O fato dos evangélicos consumirem cada vez mais bens simbólicos reflete também o seu crescimento numérico tanto percentual como em números absolutos, já que no Brasil, os

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evangélicos passaram de 4.833.106 (5,2%) em 1970 para 26.452.174 (15,6%) em 2000. (Cunha. 2007, p.50). Ou seja, em apenas três décadas, os evangélicos brasileiros triplicaram percentualmente e quase multiplicaram por seis em números absolutos o seu crescimento. Isso significa dizer que neste intervalo de tempo, criou-se um expressivo contingente populacional que representou em grande medida uma primeira geração de evangélicos que convertidos à um novo segmento religioso que tendem à romper os antigos laços religiosos e buscam a constituição de um novo pertencimento evangélico, que passa também pelo consumo de bens simbólicos identificados com essa expressão religiosa.

Na medida em que os evangélicos cresceram, eles também foram cada vez mais segmentados. Gedeon Alencar lembra-nos de citar os Atletas de Cristo para os esportistas evangélicos; a Adhonep, para os empresários; os Peões de Cristo, para os boiadeiros; os Médicos de Cristo; a Associação de militares evangélicos e a Associação de Funcionários Públicos evangélicos. (Alencar, 2005. p.31) Poderíamos citar inúmeros outros. O importante foi que de fato, o crescimento e a segmentação, permitiu a constituição dos novos nichos do mercado gospel brasileiro.

Magali Cunha lembra-nos que para os evangélicos “o mercado, portanto, funciona como pano de fundo para algo que é considerado maior: o cultivo da fé.” (Cunha, 2007. p. 140). Neste sentido, as empresas que trabalham com um público evangélico precisam adotar estratégias que asseguram a reprodução dos capitais para os clientes evangélicos. Para se ter uma idéia da dimensão deste mercado, a indústria e os serviços para o público cristão movimentam mais de R$ 1 bilhão por ano no Brasil.

Fizemos uma pesquisa numa feira evangélica chamada “Expocristã”, que ocorre anualmente. No ano de 2010, a “Expocristã” aconteceu entre os dias 07-12 de setembro, na Expo Center Norte, na cidade de São Paulo, sendo que nos três primeiros dias, o evento foi exclusivo para líderes e lojistas e os outros três, foram abertos para o público. Ao se referir ao evento, à pesquisadora Magali Cunha afirmara que:

Visitar a Expocristã é respirar cultura gospel. Stands com uma variedade de oferta de produtos (livros, revistas, outros impressos, CDs, vídeos, CD-ROM, roupas e objetos de uso pessoal, cosméticos, objetos rituais, produtos alimentícios, brinquedos, material escolar e de papelaria, instrumentos musicais, equipamentos eletrônicos) e serviços (seguradoras,bancos, cartões de crédito,gráficas, empresas de turismo, buffets para festa e outros), tudo leva a marca “gospel”,”cristão”,”evangélico”,”Jesus” ou alguma outra expressão religiosa no hebraico ou grego. Eventos paralelos tais como cultos, palestras sobre temas relacionados a marketing pessoal e institucional, espetáculos musicais também acontecem. (Cunha, 2007.p. 140).

A referida feira, sem dúvida, tronou-se um importante atrativo e elemento estratégico para alavancar e intensificar os fluxos comerciais, tendo como público-alvo, os evangélicos. Nas palavras de Eduardo Berzin, organizador da feira, “a EXPOCRISTÃ é a celebração da fé. Ela une pastores, distribuidores, lojistas e públicos final num único espaço. Promove ferramentas para pastores e líderes. Treina, aprimora e movimenta todo um segmento.” (Berzin, 2010. p.4). A própria organização do Guia oficial da Expocristã estava segmentados em vários itens, incluindo as áreas de serviço (utilidade pública do evento que incluíam guarda-volumes, seção de achados e perdidos, informações de transporte para chegar ao evento, identificação de crianças e atendimento médico no evento), teologia (livros da área), Bíblias, devocionais, biografias, tecnologia (serviços como, por exemplo, de informatização da igreja na Internet),

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arte e cultura (escolas de artes e produtoras de filmes), turismo (locais de acampamentos e excursões), música e sonorização (gravadoras), agenda e pocket show e a lista dos expositores.

Nessa altura, já deve estar claro que a intensificação dos fluxos comerciais, no caso analisado dos evangélicos, se relaciona com a formação dos produtores de bens simbólicos. O capital religioso opera entre a demanda religiosa (os interesses dos leigos) e a oferta. (Bourdieu, 2005. p.57). O fato dos evangélicos brasileiros terem crescido e se segmentado exigem uma oferta que supra essas necessidades.

No sentido econômico, os diferentes produtos ofertados, na Expocristã, por exemplo, visam atender a demanda religiosa existente. Neste sentido, os produtores simbólicos não seriam “apenas” os pastores, os bispos e as lideranças hierarquicamente constituídas, mas podem ser também um autor de um livro, o lojista, o dono de uma gravadora e/ou editora, mesmo um cantor (a) gospel. Existe toda uma especialização de trabalho para atender uma demanda específica. O fiel/consumidor pode fechar um pacote turístico para a Terra Santa com um agente de turismo, pode comprar um Cd do seu cantor preferido, assistir a um DVD do testemunho de um pregador ou mesmo consumir um boné que contenha versículos bíblicos, atingindo diferentes demanda criadas pelos consumidores e pela segmentação destes. O consumo a um produto e/ou serviço específico pode ser visto como sinal de pertencimento e de identificação com uma determinada fé. Ocorre também uma disputa comercial entre diferentes empresas nos diversos setores para atender essa demanda.

Na Expocristã, percebemos a existências de stands com gravadoras que não eram necessariamente evangélicas, como a Sony e a Som Livre, ao lado de gravadoras evangélicas, como a Patmos Music, Novo Tempo,Mk Publicitá, Graça Music e Comunhão Music, entre outras, dentro de um mercado concorrencial, caracterizando a terceira característica apontado por Pierre Bourdieu, no início do artigo. Isso aponta para algumas tendências. A concepção de que para grandes gravadoras não ligadas aos evangélicos, como a Sony e a Som Livre, que existe um grande mercado evangélico a ser explorado e que vale à pena, investir, adaptar e pesquisar esse mercado para atender uma demanda com perfil evangélico, além de indicar uma tendência da busca dos cantores gospel de maior vendagem para fazer parte do seu casting, fechando contratos milionários com cantores (as) e bandas gospel e retirando das grandes gravadoras evangélicas os seus principais carros-chefes.

Robson de Paula, num artigo aonde analisa as trajetórias de cantores gospel, em relação à distribuição dos CDs, distingue de um lado, as produções independentes/ pequenas gravadoras da produção das grandes gravadoras. As produções independentes e pequenas gravadoras apresentam como características principais: a distribuição dos CDs em redes informais; a participação do cantor em pequenas festividades; alcance a um público restrito e o uso da igreja para divulgação dos álbuns. Por sua vez, as grandes gravadoras possuem uma distribuição sistemática dos álbuns; o uso contínuo da mídia; a participação freqüente nos grandes shows e o uso da igreja para a divulgação dos álbuns. (Paula,2007.p.77) A existência somente nas últimas décadas de grandes gravadoras evangélicas e agora mais recentemente, a cooptação dos cantores de maior vendagem para gravadoras não-evangélicas, mas que enxergam nos cantores gospel, a possibilidade de maiores lucros são exemplos claro dentro da indústria fonográfica da formação de uma indústria cultural evangélica, que inclusive, transborda o campo religioso, como a inserção da Sony e da Som Livre neste mercado de bens simbólicos evangélicos deixa claro.

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Renato Ortiz ao se referir a Escola de Frankfurt (Adorno e Horkheimer) compreende que a indústria cultural apresentou quatro características básicas, que são: 1) a transformação do produto cultural em mercadoria; 2) a estandardização da mercadoria a ser consumida; 3) relaciona a distribuição e a reprodução mecânica do produto e 4) carrega uma ideologia de conformismo da ordem do status quo. (Ortiz, 1980. p.54).

Em relação à primeira característica citada por Renato Ortiz, a mercantilização do sagrado, com a transformação de CDs, DVDs, roupas e livros sob o rótulo gospel é uma clara alusão de que um produto cultural que atende a um demanda especificamente religiosa, como no caso, dos evangélico possui uma cultura que pode ser facilmente comercializada.

No segundo ponto, os padrões e os gostos tendem a serem padronizados fazendo com que, por exemplo, cantores de maior vendagem no setor gospel, sejam vistos “canais” ou porta-vozes entre Deus e o público. (Paula, 2007.p.62).

O terceiro aspecto citado por Renato Ortiz, permite-nos relacionar que um maior público consumidor, uma maior profissionalização dos cantores gospel, incluindo os de maiores vendas, contam consigo com uma grande estrutura de distribuição dos CDs, DVDs e dos shows, através das estratégias de marketing e publicidade, fazendo à ponte entre o produtor de um bem simbólico até chegar ao consumidor final.

O último ponto, leva-nos a pensar que o próprio ato de consumir dentro da sociedade neoliberal que presenciamos está marcada por uma acomodação inclusive dos elementos religiosos na sociedade de consumo contemporânea, embora sem dúvida, também existam resistências no campo religioso. Enxerga-se a sacralização do consumo dentro da cultura gospel, que mantém a essência, mas muda a aparência, sendo, na expressão bíblica, “o vinho novo em odres velhos.” (Cunha, 2007. p.204-206).

Na realidade não existe “apenas” uma concorrência entre as diversas organizações religiosas, mas também de outros produtos e serviços, considerados de cunho religioso que são oferecidos. Por exemplo, durante a Expocristã, recebemos um cartão de uma empresa que oferecia consultoria para as igrejas, oferecendo serviços na área da Internet para que as igrejas possuíssem um site e que ele fosse constantemente atualizado, mediante a um pagamento. A referida empresa concorria com outras empresas do setor, mas adentravam o mercado religioso com os serviços prestados, no caso, assessoria para a Internet, que poderia ser uma ferramenta útil para dar visibilidade à igreja, atrair mais fiéis com a divulgação das programações semanais, do endereço e daquilo que crêem.

Através dos dados coletados, percebemos que os stands na Expocristã buscavam divulgar o seu produto ou serviço variavam entre clínicas de recuperação, agências missionárias, editoras, divulgação de cantor (a) /banda, organizadores de eventos gospel, sites da internet, constituindo uma multiplicidade e uma gigantesca concorrência entre diferentes ramos do universo e dos interesses do público evangélico. Entre o público os objetivos da referida feira era múltiplos desde encontrar amigos, evangelização, objetivos financeiros, compreensão do mundo evangélico, entretenimento, consumir produtos gospel e assistir os shows dos cantores e bandas gospel. Neste sentido, a “Expocristã” estava organizada para ser um ponto de encontro entre as tribos evangélicas, um local que buscava agradar diferentes nichos de mercado dentro de uma cultura gospel.

Parece-nos que a intensificação da mercantilização dos bens simbólicos religiosos tem

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atuado com apoio da mídia e do marketing para alcançar cada vez mais consumidores ávidos em consumir produtos e serviços que respondam as demandas da sua fé. Nas palavras de Karla Regina:

O pluralismo religioso e a variedade de concorrentes no mercado criaram um ambiente propício, e ao mesmo tempo, necessário para o aparecimento das técnicas de marketing, visando conquistar e manter os fiéis, ampliando a diversificação de produtos e serviços religiosos com o firme propósito de atender a demanda do mercado religioso. (Patriota in Mello et al, 2007. p.94)

Na análise da referida autora, a mídia constrói discursos, sobrepondo e moldando valores que se apresentam descartáveis, alterando as noções do indivíduo em relação às identidades de classe, gênero, sexualidade, raça, etnia e nacionalidade, fragmentando as identidades do sujeito num mundo pós-moderno, caracterizado pelo individualismo narcisista , consumismo materialista e bem-estar. Assim, mesmo a mídia religiosa consegue uma metamorfose para se adaptar e articular-se ás novas exigências mercadológicas num cenário pós-moderno. (Patriota in Mello et al, 2007. p.95-96) O desencaixe identitário do indivíduo ocorre e precisa ser respondido, sendo que essa resposta passa pelo aspecto religioso.

George Barna, presidente do grupo Barna de pesquisa, que estuda tendências das igrejas e presta serviços de consultoria na área de marketing nos Estados Unidos, entende que cabe as próprias igrejas terem um plano de marketing com estratégias bem definidas. Para o pesquisador estadunidense a igreja também é um negócio, só que diferente das empresas não-religiosas, o seu negócio é o ministério que envolve conversões e crescimento espiritual dos fiéis. Para ele, a estagnação das igrejas evangélicas estadunidenses desde a década de 1980, decorrem de que 90% delas não adotaram um marketing eficaz. (Barna, 1994.p.26-27). Um marketing eficaz deveria contar na visão deste estudioso com sete passos, que são:

1) Designar um líder ou membro da igreja como o seu coordenador ou gerente de marketing; 2) Fazer com que a liderança da igreja “assuma” o plano; 3) Identificar as condições necessárias para a execução do plano; 4) Identificar os recursos específicos a serem empregados na execução; 5) Treinar líderes em princípios básicos de marketing, para aproveitar o máximo sua contribuição e talento; 6) Levar as pessoas a assumirem o compromisso de cumprir as tarefas que lhe forem designadas; 7) Executar todo o plano. (Barna, 1994.p.114-115).

Conseguimos exemplificar assim que as igrejas enquanto organizações religiosas podem desenvolver elementos da moderna burocracia capitalista e mercadológica para maximizar o seu sucesso e minimizar os prejuízos, ainda que não necessariamente seja o lucro como nos empreendimentos não-religiosos. Pode-se criar também uma burocracia aos moldes weberianos para responder as demandas religiosas criadas. Faltou dizer que grande parte do marketing e da inserção na mídia religiosa é oriunda no Brasil, do capital político proporcionado pelo chamado “voto evangélico”, dentro da lógica “que irmão vota em irmão” e que como os canais de TV e rádio são concessões públicas, o capital político pode se

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transformar em capital eclesiástico, seja para aumentar e dar publicidade para um cantor gospel, divulgar a localização de uma igreja, promover livros de uma editora ou autor evangélico, divulgar um espetáculo religioso ou uma campanha de fé.

Desenvolvemos até aqui elementos que propiciam a valorização da mídia e do marketing, enquanto elementos estruturantes de uma dita indústria cultural evangélica. Contudo, existem vozes de resistência dentro do campo evangélico a esse modelo. Ricardo Gondim, pastor da Assembléia de Deus do bairro do Bom Retiro, na capital paulista, criticava a escravização mercadológica do Evangelho, pois para ele:

Esse modelo induz as pessoas a adorarem a Deus por aquilo que Ele dá e não por quem Ele é. Não se anuncia o senhorio de Cristo, apenas os benefícios da fé. Os crentes acabam tratando a Bíblia como um amuleto e, supersticiosos, continuam presos ao medo. Vivem um religião de consumo. (Gondim, 2006. p.48).

Outra citação afirmara que:

Vários autores de diversos campos do saber têm proposto o tema de reencantamento como um ponto importante na superação do atual modelo de civilização e da sociedade nos quais vivemos. (...) Em outras palavras, encontrar valores nas coisas, nas atividades e nas pessoas que transcendem o valor econômico e revelam um sentido de vida que seja muito mais humano e profundo que simplesmente acumular riquezas e ostentar bens de consumo. (Transferreti et al in Melo et al, 2007.p.47).

Existe uma resistência a mercantilização dos bens religiosos, na medida, que esses pensamentos refletem a busca de uma transcendência por ela mesma, sem um significado econômico por trás disso. Um teólogo critica a teologia da prosperidade por compreender o sucesso financeiro ligado a presença de Deus, dividindo ricos e excluídos dessa concepção, criando um mundo de vencedores que desfrutam das benesses da riqueza e um mundo de perdedores, que são os excluídos socialmente. (Rossi, 2008, p.15-16). Outro teólogo coloca o nome do sugestivo livro “Cristãos ricos em tempos de fome”. (Sider, 1984). Existe inclusive um movimento de blogueiros evangélicos que tem participado da Marcha para Jesus e criticado o seu aspecto mercadológico, com o slogan “Voltemos ao evangelho puro e simples. O show tem que parar.” (Alexandre, 2010. p. 92).

Considerações finais

Buscamos traçar as considerações finais, apontando os principais pontos deste breve artigo, que são:

1)Entendemos a constituição de uma indústria cultural evangélica brasileira, bastante perceptível nas últimas décadas, que foram motivadas pelo crescimento numérico dos evangélicos no país, pelas estruturas midiáticas e de marketing, que desenvolvem estratégias cada vez mais profissionais para mercantilização dos bens simbólicos religiosos;

2)A formação dos conglomerados empresarias, notadamente nas indústrias fonográficas e editoriais, e nos serviços, que buscam atender diferentes nichos de mercado dos evangélicos, gerando uma concorrência no mercado religioso, além da própria concorrência entre as

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diferentes denominações eclesiásticas para obterem mais fiéis com uma maior eficácia simbólica. Alguns dos conglomerados empresariais (como, a empresas fonográficas da Sony e Som Livre presentes na Expocristã) não são religiosas, mas enxergam no filão gospel, uma ótima possibilidade de lucros;

3)A formação de identidades religiosas formadas a partir dos hábitos de consumo que identificam sinais de pertencimento religioso à determinada denominação e/ou estilo de vida;

4)A diversificação de produtos e serviços religiosos para todos os grupos evangélicos sejam contemplados, considerando que a ampliação numérica gera também uma maior segmentação e gostos musicais, teológicos, estéticos que precisam serem supridos pelas demandas religiosas;

5)Conformismo à sociedade de consumo por grande parte dos evangélicos brasileiros;

6)Resistências de setores à mercantilização dos bens religiosos através das críticas a teologia da prosperidade e busca do significado da transcendência por ela mesmo, sem passar por sentidos econômicos;

7)Uso do capital político evangélico para ampliar o capital eclesiástico, como através das estruturas montadas por alguns grupos evangélicos para eleições de representantes políticos para conseguir concessões de rádios e TVs com objetivo de criarem impérios midiáticos;

8)Ampliação do capital eclesiástico dos evangélicos baseados na indústria cultural evangélica e na atuação política.

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