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ARAÚJO, A., JANSEN, A. M., and FERREIRA, L. F. Antes de Carlos Chagas: paleoparasitologia da infecção por Trypanosoma cruzi. In: CARVALHEIRO, J. R., AZEVEDO, N., ARAÚJO-JORGE, T. C., LANNES-VIEIRA, J., SOEIRO, M. N. C., and KLEIN, L., eds. Clássicos em Doença de Chagas: histórias e perspectivas no centenário da descoberta [online]. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2009, pp. 15-22. ISBN: 978-65-5708-101-3. https://doi.org/10.7476/9786557081013.0003.
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1 – Antes de Carlos Chagas: paleoparasitologia da infecção por Trypanosoma cruzi
Adauto Araújo Ana Maria Jansen
Luiz Fernando Ferreira
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~ n tes de Carlos Chagas: paleoparasi tologia da infecção por Trypanosoma cruzi
A dauto Araújo Depan amcn10 de Endemias Sam uel Pessoa
Escola )iacional de Saúde Pública Sergio Arouca/Fiocruz
A na M aria ] ansen Labora1ório de Biolog ia de Tripa nosoma1ídcos
Ins1i1uw Oswa ldo Cruz/Fiocruz
L uiz Femando Ferreira DepanamenlO de Ciências Biológicas
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca/Fiocruz (pesquisador eméri to)
O povoa mento das Américas é assunto ainda controverso, apesa r do crescente acúmulo
de dados arqueológicos. Em que pesem as datações para os sítios da América do Norte, há
outras tão antigas na América do Sul, o que confunde propostas de migrações e de ro tas
que percorreram os an tigos colonizadores. Dife ren tes ra mos da ciência buscam contri buir
para aumentar o con hecimento sobre os primeiros povos que chegaram ao conti nente e aqui
se es tabeleceram. O fato é que esses grupos pré-históricos, se ja por que cam inho usaram,
encont raram um novo ambien te com constituintes fís icos e biológicos novos, com os quais
passaram a conviver. Ao longo do processo migratório, espécies de paras itos perderam-se por
não se adaptarem às cond ições ambientes, enquanto outras permaneceram no hospedeiro
hum ano (Araúj o, Reinhard & Ferreira, 2008); out ras ainda fora m adquiridas na conquista de
novos espaços e contato com novos hospedeiros (Araújo el al. , 2008).
Ex iste um a longa hi stóri a entre a descoberta da nova doe nça por Ca rl os Chagas e sua
ex istência em popul açõe pré-hi tóricas. A in fecção por Trypanosoma cruzi foi comprovada
na popul ação Chinchorro da cos ta do Pacífico há 9.000 anos (Aufde rheide e/ al., 200-0 e aq ui
no Bras il , em gru pos pré-históri cos de Min as Gerais, há 7.000 anos (Lima e/ al. , 2008): na
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América do orte foi descrito um caso em corpo mumificado, datado de 1. 150 anos. Estes
achados apontam novas perspectivas para o conhecimento sobre a origem e evolução das
relações parasito-hospedeiro-ambiente, no caso da doença de C hagas, além de ass in alar sua
ampla dispersão pelo continente americano.
PEQUENA INTRODUÇÃO HISTÓRICA
Oswaldo Cruz organizou expedições de cienti stas pelas regiões menos conhecidas do
país. Assim foi que pesquisadores de Manguinhos partiram do Rio de Janeiro para o interior
do Brasil descrevendo sua paisagem e o povo que a habitava, bem como as maze las que o
afligiam. A mais conhecida delas é comemorada aqui , quando Carlos C hagas foi enviado
por Oswaldo Cruz para controlar a malári a nos operários da es trada de ferro na região de
Lassance, no estado de Minas Gerais. Foi aí que se deu a descoberta da doença que tomou seu
nome. Entretanto, outras foram concomitantes a ela, menos conhecidas mas tão espe taculares
quanto. Entre elas destaca-se a de Belisá rio Pena e Arthur Neiva ao nordes te do Bras il eiva
& Pena, 1916). Os dois pesquisadores lidera ram um a expedição em 19 12, part indo do Rio
de Janeiro a Salvador por navio, daí seguindo por terra, em caminhões, até Petrolin a, em
Pernambuco. De lá, seguiram em lombo de burro até São Raimundo onato, sudes te do
estado do Piauí, depois para Goiás. O relato é primoroso. Dele partiu nossa hipótese sobre
nova históri a da doença de Chagas na América do Sul, pois desc revem diversas espécies de
triatomíneos em abrigos rochosos e ninhos de pássaros.
Em 1984 visitamos, a convite de N iéde Guidon, a escavação do sítio arqueológico da Toca
do Boqueirão do Sítio da Pedra Furad a, local que se tornaria o conhecido Parque Nacional
Serra da Capivara, no estado do Piauí. N iéde havia reunido notáve l número de pesquisadores
e estudantes interessados na escavação, cerca de cinqüenta pessoas, mormente levando-se
em conta as precárias condições para abrigar visitantes, existentes na então pequena cidade
de São Raimundo Nonato e seus arredores. D e lá seguimos na carroceria de ca minhão, com
víveres e principalmente água, pois fazia cinco anos que não chovia, para o sí tio arqueológico
que se tornaria um dos mais polêmicos das Américas, por suas datações para ocupação
humana nas Américas extraordinariamente antigas (Guidon & Delibri as, 1986; Guidon,
1989; Guidon & Arnaud, 199 1).
As escavações no sítio arqueológico acontec iam durante todo o di a. Ao mesmo tempo que
a maioria dos arqueólogos trabalhava o so lo, outros copiavam, por cima de folhas de plástico,
as pinturas feitas pelos antigos artistas da pré-históri a. Estes eram atacados constantemente
por tri atomíneos, identificados e exa minados no Instituto Oswaldo C ruz. Tratava-se da
espécie 7h.atoma brasiliensis, e alguns estavam infec tados por T cruzi.
Tanto no início da manhã, nas horas mais quentes do dia, quanto à noite, surgiam ninfas
e adultos de T brasiliensis tentando alimentar-se do sangue dos arqueólogos, estudantes e
tra balhadores das escavações. Por isso, levantamos a possibilidade de que os antigos artistas
e moradores do grande abrigo-sob-rocha fossem também picados pelos triatomíneos e
contaminados pelo parasito (Araújo el al., 2003). Mas havia poucos ves tígios orgâ ni cos
preservados no sítio arqueológico e ainda não se contava, à época, com as técnicas de biologia
molecular capazes de recupera r material genético de T cruzi.
ORIGEM DA IN FECÇÃO EM HUMA OS: A TEORIA CLÁSSICA
Segundo a teoria ace ita sobre a origem da doença de C hagas em humanos, há cerca
de 8.000 - 6.000 anos o po,·os and inos deram início à domesticação de pequenos roedores
(Cavia sp.) para a limentação e rituais. Ela apa rece em diver as publicações importa ntes,
como no excelente livro publicado por João Ca rlos Pinto Di as e José Rodrigues Coura
(1997). Os anim ais era m mantidos dentro das ca as e teri am atraído insetos hematófagos,
vetores de T cruzi (Rothh amm er et al. , 1985) . Também o início da estocagem de grãos
e a co nseqüente at ração de pequenos an imais, espec ialmente roedores, tiveram papel
importante nesse processo. Os triatomíneos ve tores de T cruzi, notadamente da espécie
Ti'iatvma infes ta/IS , enco ntraram nas hab itações hum anas, construídas com made ira e barro
socado, ótimas condi ções para colonização e ob tenção de alimento, quer sa ngue humano
quer dos anim ais dom és ticos.
É provável que a espécie T i11fes1a11s tenha se tornado domiciliada entre os povos andinos
nessa época, d ispersa ndo-se em gra nde parte com aj uda de migrações humanas por outras
áreas da América do Sul , inclusiYe para o out ro lado da cordilheira dos Andes, após a
chegada de europeu e afri canos ao con tinen te, com a difusão de construções dos precários
domicíl ios denomin ados "casas de pa u-a-pique". Neles o ve tor encont ro u condições ótimas
de colonização por entre as frestas e reentrâncias nas paredes, típicas deste tipo de morad ia.
Portanto, a doença de C hagas teri a sido originária da região dos Andes, nas popul ações pré
históricas de 8.000- 6.000 anos antes do presente (AP), atingindo outras regiões das Américas
a partir do período coloni al europe u. Pensava-se que, nas terras brasileiras, a infecção por
T cruzi não teri a s ido um problema para as populações indígenas, uma vez que elas eram, em
sua grande maioria, nômades e usavam hab itações em que os triatomíneos não se adaptam
bem (Coimbra J r. , 1988; Di as & Coura , 1997).
Os dados da pa leopa rasitologia mostra ram uma situação contrári a e mudaram a teoria
class ica mente ace ita. Cem anos após sua descoberta, uma outra história da doença de Chagas
começa a se r escrita. O cenário que se desenha sustenta a hipótese de que provavelmente a
doença de Chagas é tão antiga quanto a presença humana nas Américas.
A DOENÇA DE CHAGAS EM POPULAÇÕES SUL-AMERICANAS PRÉ-HISTÓRICAS
Um dos primeiros artigos a tra tar de doe nça de C hagas em múmias sul -americanas foi o
de Rothhammer e colaboradores (1985), em que se descrevem lesões cardíacas compatíveis
com o quadro clínico crônico da doença. As evidências são obtidas em 35 corpos mumificados
do deserto de Atacama, norte do C hile, datados de 470 a. C. e 600 d. C., mas baseiam-se
também em notícias de cronistas e na adaptação de T infestans ao domicí lio em épocas
passadas . Um a múmia inca peruana foi necropsiada por Fornaciari e colaboradores (1992),
mostrando evidências da doença de C hagas nas lesões descritas, inclusive a presença de
ninhos de amastigo tas na muscul atura cardíaca.
Guhl e colaboradores (1997, 1999) iniciam os estudos moleculares em múmi as do deserto
de Ataca m a. Conseguem isolar o DNA de T cruzi de tecidos mumificados datado de até 4.000
anos. Ferreira e colaboradores (2000) publicam artigo sobre múmias ch ilenas, es tas também
do deserto de Ataca ma, mas da região da atual cidade de San Pedro de Atacama, oás is no
deserto e centro de intenso comércio no passado. Este achado, iniciado com as pesquisas
de Bas tos e colaboradores (1996), confirma a ex tensão da in fecção chagás ica em períodos
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de até 2.000 anos. Estes artigos resultaram nas propostas de Guhl e colaboradores (2000)
sobre migrações humanas pré-históricas e doença de Chagas. As técnicas usadas até então
são comentadas por Madden e colaboradores (2001) e, por fim, Aufderheide e colaboradores
(2004) publicam isolamento de DNA de T. cruzi em múmias Chinchorro datadas de 9.000 anos,
conseqüentemente alguns milhares de anos antes da época conhecida para domesticação
de roedores e camelídeos, nos Andes (Rothhammer et ai., 1985) .
Portanto, a doença de Chagas estava presente nas populações pré-colombianas do Chile
e Peru . Provavelmente no continente americano os grupos humanos pré-históricos entraram
em contato com o parasito em diversas ocasiões, dependendo do modo como atua,·am
e interagiam com o ambiente. Até o presente, o manejo do ambiente é um fator de risco
importante (Emperaire & Romana, 2006; Xavier et ai., 2007).
A TRANSMISSÃO DA INFECÇÃO POR TRYPANOSOMA CR UZI EM
POPULAÇÕES PRÉ-HISTÓRICAS NAS TERRAS BRASILEIRAS: A QUEBRA
DO PARADIGMA SOBRE A ORIGEM NAS REGIÕES ANDINAS
Embora ainda não se tenha comprovado a infecção chagásica nas populações pré
históricas do Parque Nacional Serra da Capivara, sudeste do Piauí, nordeste do Brasil,
a infecção por T. cruzi e lesões compatíveis com doença de Chagas foram descritas cm
grupos nômades e semi-sedentários em sítios arqueológicos de Minas Gerais no Brasil e
nos Estados Unidos.
Os primeiros testes foram realizados na Fundação Oswaldo Cruz, antes de aplicá-los
no material arqueológico. Protocolos tentativos foram feitos em camundongos infectados
com carga parasitária conhecida. Após sacrifício dos animais, os órgãos eram colocados em
estufa em temperatura de 40ºC até sua completa dessecação. Depois desta 'mumificação'
experimental, aplicaram-se as técnicas de biologia molecular até atingir um padrão a ser
usado no material arqueológico (Bastos et al., 1996).
Partimos da hipótese de que a doença de Chagas é tão antiga em humanos como a presença
destes no continente americano, sempre que houvesse condições para sua transmissão, isto
é, ambiente propício, presença do parasito circulando em vetores e animais em convivência
com humanos. A doença de Chagas, portanto, dataria de milhares de anos, muito antes dos
pequenos roedores serem domesticados na região andina. Para isso, testaram-se vestígios
orgânicos humanos de diversos sítios arqueológicos norte e sul-americanos, como ossos e
outros tecidos mumificados. As amostras foram estudadas no Instituto Oswaldo Cruz,
primeiramente no Laboratório de Biologia de Tripanosomatídeos - quando a pesquisadora
visitante Katharina Dittmar, atualmente na Sta te University of New York at Buffalo, esteve
no Laboratório de Paleoparasitologia da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca-,
logo depois no Laboratório de Genética Molecular de Microorganismos - com as pesquisas
coordenadas por Ana Carolina Paulo Vicente e Alena Iniguez, e a participação dos estudantes
Valdirene Lima e Alexandre Fernandes. Ossos de animais e outros vestígios também foram
pesquisados, assim como buscou-se identificar fragmentos de artrópodes vetores de T. cruzi
nas camadas arqueológicas. Curiosamente, os coprólitos humanos também precisam ser
cuidadosamente examinados, pois há evidências de que havia consumo de artrópodos
diversos, acidental ou intencionalmente, pelos grupos pré-históricos nas Américas (Reinhard
et al., 1992, 2003; Johnson et ai., 2008).
Os resultados da extração e amplificação do DNA antigo de T. LTuzl podem elucidar
alguns aspectos sobre as linhagens conhecidas do parasito circulando hoje nas Américas
(Stevens & Gibson, 1999; Stevens et ai. , 200 1). Por exemplo, fo ram encontradas diferenças no
quadro cl ínico entre pessoas infec tadas pelo parasito no nordeste brasileiro atual, exa tamente
na região do Parque Nac ional Serra da Capivara (Borges-Pereira et al. , 2002), que podem
ser explicadas por processos adap tativos ao longo do tempo. Com a paleoparasitologia, é
possível traçar a origem e a evolução das doenças infecciosas e, assim, entender melhor sua
emergência e d ispersão (Cockburn, 1967).
Na região do ce rrado do norte do estado de Minas Gerais, no Vale do Peruaçu, Brasil
central, escavada por André Prous, encont rou-se um corpo parcialmente mumificado de um
indivíduo de ce rca de 35 a -lO anos, que estava enterrado em uma cova oval, no interior de um
abrigo-sob-rocha, próxi mo ao rio Peruaçu (Kipnis, 2008). N um primeiro exame de fragmentos
de coprólitos reti rados dessa múmia, encontraram-se ovos de Echinostoma sp., um parasito que
não é comum no hospedeiro humano, e ovos de ancilos tomídeos (Sianto el ai. , 2005).
essa parte do Bras il centra l a preservação de restos orgânicos é muito boa. Embora
ha ja matas de ga leri a ao longo dos rios, a vege tação é característica do cerrado. O corpo
es tava colocado em pos ição fetal , protegido por folh as e coberto por cestos; a cabeça também
es tava envolta em folh as. O corpo encont ra-se parcialmente mumificado, braços, pernas,
pele abdominal e musculatura de algumas partes estão bem preservados. Muitos objetos
pessoa is fo ra m encontrados na cova. Apesa r de fraturas so lidi ficadas terem sido identificadas
nos ossos do pé, não há sinais de violência no esqueleto. D es taca m-se lesões orais, como
desgaste dentário, cáries e abscesso dentário. Uma grande massa na cavidade abdominal foi
diagnos ticada como ac úmulo de fezes, a obstruir o cólon descendente e sigmóide. A forma da
m assa feca l reproduz as ci rcunvoluções do intestino. Fez-se cuidadosa limpeza e a massa foi
exposta, mas antes submeteu-se o corpo à tomografi a computadorizada, obtendo-se imagens
detalh adas do interior da múmia (Fernandes el al. , 2008). Para confirmar a suspeita de se
tra tar de um caso de megacólon chagásico, testou-se por PCR a presença de T cruzi com
resultados positivos . Mais ainda , fo i poss íve l confirmar a presença do parasito em vá rios
tec idos do indivíduo com alta carga parasitári a. O resultado positivo para PCR em tec ido
contíguo à massa feca l confirma a patologia encont rada como megacólon chagás ico.
Em es tudo de outro indivíduo de sítio arqueológico próximo, Lima el al. (2008) diagnos
ti caram a infecção por T cruzi em fragmentos de ossos humanos datados de 7.000 a 4.500 AP
Os fragmentos eram de um indivíduo do sexo fe minino, morto com aproximadamente 35-39
anos, pertencente a uma população de caçadores-coletores. A genotipagem fo i obtida através
da amplificação e seqüenciamento de um fragmento do gene de miniexon (339 bp). A hibri
dação com iniciadores específicos deste fragmento de D NA (seqüências de mini-exon Te! e
TcII e k-D A total) confirmaram a presença de T cruzi no materi al em ques tão. A presença
do genótipo T C I em um tec ido ósseo hum ano, datado de 7.000 - 4. 500 anos AP em Minas
Gerais, um a região onde este genótipo não é registrado infec tando o hospedeiro hum ano
(Fernandes el al., 1999) , mostra que a distribuição dos genótipos de T. cruzi é dinâmica e
va ri a nos diferentes recortes temporai s e espac iais. A possibilidade de genotipar o parasito
encontrado em remanescentes arqueológicos abre a fa scinante possibilidade de reconstruir
a origem e a dispersão de T. cruzi e de suas subpopulações e, quem sabe, resolver a questão
referente ao hospedeiro ancestra l do parasito.
Para completar o quadro da paleoepidemiologia da doença de Chagas fo ra da região
andina em tempos pré-históri cos, há ainda o caso desc rito na fro nteira entre Estados Unidos
e México, com datação de 1.1 50 AP, em que Reinhard , Fink e Skiles (2003) descreveram
enorme massa feca l no indivíduo, em um caso de megacólon chagás ico comprovado por
técnicas de biologia molecular (Dittm ar el ai., 2003; Araúj o et ai. , 2005).
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CONCLUSÕES
Muitos vestígios importantes no genoma de parasitos e hospedeiros permanecem durante
o processo coevolutivo do sistema parasito-hospedeiro-ambiente (Araújo et ai., 2003). Estes
remanescentes são transmitidos pelo genoma e podem revelar importantes e\'entos do
processo evolutivo. A paleoparasitologia, especialmente pelo uso das técnicas de biologia
molecular, oferece novas formas de estudar as relações parasito-hospedeiro, uma \'ez que é
possível recuperar o genoma antigo tanto de parasitos como hospedeiros (Araújo & Ferreira,
2000; Araújo et al., 2003).
Os estudos sobre a paleoparasitologia da doença de Chagas' podem esclarecer a antigui
dade desta doença nas Américas pela extração e amplificação de DNA de T cruzi em vestígios
orgânicos humanos e de outros animais, incluindo-se fragmentos de vetores e hospedeiros
vertebrados encontrados em sítios arqueológicos. É possível comparar o material extraído
em diferentes períodos de ocupação humana, como no período de caçadores-coletores e
agricultores, moradores de grutas ou abrigo-sob-rocha e grupos que viviam em aldeias. Um
quadro paleoepidemiológico começa a ser traçado, com interessantes possibilidades sobre
a emergência da doença nos habitantes, ou ocupantes ocasionais, das grutas e paredões
rochosos, enquanto parece diminuir ou desaparecer por completo nos grupos que viviam
em aldeias e mudavam eventualmente o local de ocupação.
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