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    Os da Minha Rua

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    OndjakiOs da Minha Rua

    Estrias

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    para os da minha casa.

    para a tia rosa. para o tio chico. para o av anbal. para a av jlia.

    para os camaradas professores ngel e mara.

    para o av mbinha. para a av agnette. para os da minha infncia.

    para a ray.

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    no se esqueam que vocs, as crianas,so as flores da humanidade

    (palavras do camarada professor ngel)

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    ndice

    O voo do Jika 11 A televiso mais bonita do mundo 15

    O Kazukuta 21 Jerri Quan e os beijinhos na boca 25

    Os culos da Charlita 29

    A professora Genoveva esteve c 33 A ida ao Namibe 37

    O homem mais magro de Luanda 41O ltimo Carnaval da Vitria 45

    A piscina do tio Victor 51Os quedes vermelhos da Tchi 55 Manga verde e o sal tambm 61

    Bilhete com fogueto 65 As primas do Bruno Viola 69

    O porto da casa da tia Rosa 73Os cales verdes do Bruno 77

    O bigode do professor de Geografia 81No galinheiro, no devagar do tempo 85

    O Nit que tambm era Sankarah 93Um pingo de chuva 97

    Ns chormos pelo Co Tinhoso 101Palavras para o velho abacateiro 107

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    Para tingir a escrita de brilhos lentose silenciosos (troca de cartas) 115

    Glossrio 123

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    O voo do Jika

    O Jika era o mais novo da minha rua. Assim: o Tibasera o mais velho, depois havia o Bruno Ferraz, eu e o Ji-ka. Ns at s vezes lhe protegamos doutros mais--velhos que vinham fazer confuso na nossa rua.

    O almoo na minha casa era perto do meio-dia. s

    vezes quase uma. Ao meio-dia e quinze, o Jika tocava campainha. O Ndalu t? perguntava minha irm ou ao ca-

    marada Antnio. Sim, t. Chama s, faz favor.Eu interrompia o que estivesse a fazer, descia.

    M Jika, com? Ndalu, vinha te perguntar uma coisa. Diz. Hoje num queres me convidar pra almoar na tua

    casa? Deixinda ir perguntar minha me.Entrei. O Jika ficou ansioso na porta, aguardando a

    resposta. Quase sempre a minha me dizia sim. S sefosse mesmo maka de pouca comida, ou muita genteque j estava combinada para o almoo. Se a av Chicaviesse, ia trazer tambm a Helda, e assim j no ia dar.

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    Mas normalmente a minha me dizia mesmo sim.E ficava a rir.

    A minha me disse que podes. Ah ? ele pareceu surpreendido. E a que horas

    que vocs vo almoar? Ao meio-dia e meia, Jika. Ento vou pedir na minha me.Deixei a porta aberta. O Jika devia voltar sem demo-

    ra quase nenhuma. Gritou contente, c de baixo, na di-reco da janela do quarto da me dele:

    Maaaae, a tia Sita me convidou pra almoar na ca-sa dela. Posso? Podes. Mas vem mudar essa camisa suada.

    O Jika deu uma esquindiva, fingiu que j tinha mu-dado, veio a correr numa transpirao respirada. Con-tente. Olhos do mido que ele era. Fosse o melhor pro-grama da semana dele. E eu, mesmo mido candengue,fiquei a pensar nas razes do Jika no gostar nada de al-moar na prpria casa dele.

    O Jika estava habituado a muita gasosa. Nesse tem-po, se houvesse gasosa na minha casa era para dividir.Como ns ramos trs, eu e duas irms, quando o Jikavinha almoar, at a diviso corria melhor. Ele por vezesqueria fugir desse ritual:

    Tia Sita, posso beber uma gasosa sozinho? Sozinho, bebes na tua casa a minha me respon-

    deu. Aqui divide-se.Depois do almoo, o Jika disse que ia casa dele

    buscar uma coisa. Eu fiquei espera, no porto aber-to. Prometeu no demorar. Voltou com a tal coisa es-condida debaixo do brao, e entrmos rapidamente naminha casa. Subimos ao primeiro andar, fomos at aoquarto da minha irm Tchi, e saltmos da varanda parauma espcie de telhado. Aproximmo-nos da berma. Lem baixo estava a relva verde do jardim. O Jika abriuum muito, muito pequenino guarda-chuva azul.

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    Pe a mo aqui ensinou-me. Agora podemossaltar.

    Tens a certeza? olhei para baixo. Vamos s.Saltmos.A infncia uma coisa assim bonita: camos juntos

    na relva, magoamo-nos um bocadinho, mas sobretudorimos. O Jika teve outra ideia.

    Calma s, m Ndalu. Vou na minha casa buscarum maior.

    No, Jika, desculpa l. Vais saltar sozinho, eu jnum vou saltar mais de guarda-chuva.

    Nem num bem grande que tenho, daqueles dapraia, anti-sol e tudo, colorido tipo arco-ris?

    Nem esse!O Jika ficou desanimado. Sem outras propostas para

    brincadeiras perigosas, decidiu ir para casa. Ao cruzar

    o porto, falou ainda: Posso te perguntar uma coisa? Diz, Jika. Amanh num queres me convidar pra almoar na

    tua casa?

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    A televiso mais bonita do mundo

    Sempre que era para ir a algum lugar de demorar,o tio Chico dizia que amos casa andeia. Nunca per-cebi aquilo. Era uma dica dos mais-velhos. Nem mesmoa tia Rosa fazia s o favor de me explicar. Nada. Todosriam e eu apanhava do ar. Nessa noite o tio Chico falou:

    Dalinho, vamos casa andeia.Deviam ser umas sete da noite e fazia frio de cacim-bo fresco.

    Isso da casa andeia muitas vezes era ento ficar-mos sentados num bar com os mais-velhos a beber ummonte de cerveja e a comer quase nada. Se havia outrascrianas eu ainda ia brincar mas normalmente nem j is-

    so. Os homens conversavam, a tia Rosa tambm bebiamas ficava muito tempo calada. Eu brincava um poucose houvesse jardim ou mesmo rua. Depois sentava-meno colo da tia Rosa e comeava a encher o saco, comodizia o tio Chico. Comeava a perguntar se j amos embora, dizia que tinha sono e fome, mas s me respon-diam que estava quase a chegar a hora de irmos. E vi-nham mais cervejas. Muitas mais.A cerveja era a bebida preferida do tio Chico. A cer-veja em muita quantidade, para dizer bem as coisas.O tio Chico era uma pessoa que podia beber muita

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    cerveja e no ficava bbado, podia mesmo conduziro carro dele nas calmas. S no podia misturar. Umdia o tio Chico misturou vinho e whisky e depois man-dou parar o carro que o filho dele ia a conduzir, come-ou a me abraar e a falar toa. Eu fiquei com vonta-de de chorar mas a tia Rosa veio me dizer que aquiloera normal. Mas se fosse s cerveja, acho que ningumaguentava o tio Chico. Um dia, num desses lanches defim de tarde, enquanto eu comia, ele, o amigo dele e atia Rosa varreram assim uns trinta e nove copos decerveja.

    Desta vez o tio Chico disse que amos casa an-deia mas era s a brincar. No caminho eu ouvi ele di-zer tia Rosa que amos casa do Lima buscar umascadeiras para o quintal. O Lima era um senhor muitomagrinho que tambm bebia bem, tinha os olhos sem-pre a brilhar e a boca sempre a rir. Era simptico o Li-

    ma, e devia ser amigo do tio Chico porque o tio Chicogostava de lhe chamar o sacana do Lima. Chegmos casa do sacana do Lima numa rua bem escura que erapreciso cuidado quando andvamos para no pisar naspoas de gua nem na dibinga dos ces. Eu ainda aviseia tia Rosa, cuidado com as minas, ela no sabia queminas era o cdigo para o coc quando estava assim

    na rua pronto a ser pisado.O Lima veio abrir a porta, os olhos dele brilhavammuito e trazia j na mo uma nocal bem gelada. Passoua garrafa para a mo esquerda e apertou a mo de todoo mundo, mesmo da tia Rosa, e a mo dele estava muitogelada. Isso era bom na casa do Lima, as bebidas esta-vam sempre a estalar, eu assim me imaginei j a sabo-rear uma fanta bem gelada. E me deram mesmo.Ainda estvamos no quintal, o Lima mostrou ao tioChico as tais cadeiras encomendadas. O Lima vendiamoblias muito feias, com um aspecto assim de cadeiras

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    que os mais-velhos adormecem quando esto na casa dealgum com um funeral e o morto tambm. Eu no gos-tava dos mveis que o Lima vendia, mas aquelas cadeiras at que eram fixes, pintadas de uma cor clara comfitas assim de um plstico verde. Da cor da cadeiracomprida, verde tambm, que estava sempre no quintalda minha casa. Mas o tio Chico no gostou muito, disseque estavam mal soldadas e que aquilo era perigoso.O Lima riu, mas o tio Chico no estava a brincar.

    meu sacana, j viste se eu sento a a minha sograe ela cai no cho, como que tu vais ficar quando eu teder essa notcia?

    O Lima transpirava. Passou a mo na testa, olhoua cadeira.

    A malta d um jeito nisso depois, no te preocu-pes. Entra, Chico.

    Entrmos todos, mas at tenho que dizer aqui uma

    coisa. Nessa altura, em Luanda, no apareciam muitosbrinquedos nem coisas assim novas. Ento ns, ascrianas, tnhamos sempre o radar ligado para qual-quer coisa nova. Mal entrmos no quintal, vi uma cai-xa de papelo bem grande e restos de esferovite nocho. Isso s podia significar uma coisa: havia materianovo naquela casa, podia ser fogo, geleira ou outra

    coisa qualquer, e mesmo acho que era essa a razo deestar toda gente com bebidas na mo. Eu tinha pensa-do isso tudo, mas calado e, quando entrmos, entendi:na estante, havia uma televiso nova tipo um beb da-queles acabados de nascer. Os olhos do Lima brilha-ram mais ainda:

    Olha l esta maravilha, Chico.Foi buscar com a mo ainda fresca da cerveja ummanual de instrues dentro de um plstico que cheira-

    va a novo. Eu j nem liguei mais gasosa, fiquei a olhaa estante com bu de fotos da famlia do Lima.

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    Mandaram-nos sentar. O Lima carregou no botoe nada. Ele transpirava. Ficou triste de repente. Mexeuna tomada, acendeu e apagou a luz da sala. O tio Chicocom a cerveja dele. A tia Rosa de braos cruzados. Eu espera da imagem a qualquer momento. Olhei o cin-zento da televiso e umas trs luzes apareceram de re-pente como se fossem um semforo maluco e tive a cer-teza que aquela era mesmo a televiso mais bonita domundo. Fez um rudo tipo um animal a respirar e acen-deu devagarinho. No consegui ficar calado e disse bemalto: cheeeeee, essa televiso bem escul!, e todosriram do meu espanto assim sincero: era a primeira tele-viso a cores que eu via na minha vida.

    A imagem apareceu bem ntida e cheia de cores. Eralindo e eu nunca tinha reparado que um apresentadorde televiso podia vestir uma roupa com tantas cores.Lembro-me ainda hoje: estava a dar o noticirio em ln-

    gua nacional tchokwe. Ningum entendia nada, baixa-ram o som. A tia Rosa disse-me fecha a boca, vai entrarmosca, e todos riram outra vez. No me importei.

    Falaram de novo das cadeiras. O Lima dizia tudoque sim, que podia ser resolvido. Mexeu nos botes dateleviso e a cor ficou ainda mais viva. Na imagem tudo j estava misturado, parecia um quadro molhado com

    aguarelas bem exageradas. Pensei nos meus primos,a essa hora l na casa da Praia do Bispo, com a televisoda av Agnette a preto-e-branco, e aquele plstico azulque at hoje no sei para que servia. Quando eu contas-se da televiso a cores exageradas na casa do Lima, osprimos iam me acreditar, ou ser que todos iam rir e mechamar de mentiroso com fora?

    Fiquei com inveja dos filhos do Lima que todos diasiam ver cores naquela televiso a cores: a telenovela Bem--Amado com o Odorico e o Zeca Diabo, o Vero Azul com o Tito e o Piranha, os bonecos animados do Mitchi,

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    o Gustavo com trs fios de cabelo e at a Pantera Cor--de-Rosa com o cigarro bem comprido. Tudo a cores,como uma aguarela bem bonita, pensei, enquanto a tiaRosa me fazia festinhas na cabea.