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CARACTERIZAÇÃO DO DÉFICIT COGNITIVO Professora conteudista/pesquisadora: ANDRÉA TONINI
Acadêmico: FELIPE FERNANDES DE CASTRO
Carga Horária: 30h/2 créd.
Resumo O objetivo desta disciplina é analisar como o déficit cognitivo vem sendo
compreendido através do tempo e como, hoje, pode-se identificá-lo e diagnosticá-lo.
Assim, na Unidade A, será descrito como o conhecimento sobre a deficiência foi
produzido ao longo da história, desde a Antigüidade até o momento atual,
relacionando os mais importantes pesquisadores e suas principais idéias em relação
ao assunto. Em seguida, serão apresentados os paradigmas da deficiência, que
apresentam relevância pedagógica, sendo eles: o paradigma pessoal, o paradigma
interacionista, o paradigma sistêmico e o paradigma político-econômico. Na
seqüência, serão feitas interfaces entre esses paradigmas e os da Educação Especial,
os quais separamos em três grupos principais de teorias que acumulam conceitos
historicamente centrais, com suporte em diferentes formulações conceituais da
deficiência. Assim, os paradigmas da Educação Especial são: a pedagogia terapêutica
como paradigma médico, com um conceito individualmente orientado da deficiência; a
pedagogia especial como paradigma sistêmico-sociológico (diferenciação das
instituições) e a pedagogia dos deficientes como paradigma sócio-interacionista. Na
Unidade B, serão definidos e analisados aspectos importantes do déficit cognitivo
como: características diagnósticas, características do déficit, fatores predisponentes
para o déficit, curso do déficit cognitivo e os graus do déficit cognitivo.
Palavras-chave: evolução histórica, paradigmas, educação especial, deficiência,
déficit cognitivo.
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Unidade A – ASPECTOS CONCEITUAIS, TERMINOLÓGICOS E CONCEPÇÕES SOBRE O DÉFICIT COGNITIVO
Há, na literatura, diversas terminologias referentes à categoria da deficiência
mental, as quais são utilizadas como sinônimos e que serão apresentadas no decorrer
desta disciplina, sendo elas: deficiência mental, déficit cognitivo, déficit intelectual,
deficiência intelectual e retardo mental. Essa última é criticada por ser considerada
obsoleta por alguns autores brasileiros atrelados à área da Educação Especial
(Sassaki, 2003), mas utilizado pela literatura americana atual, caso este do DSM-IV -
Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, organizado pela Associação
Psiquiátrica Americana (1994), que é uma referência mundial para os profissionais da
área da saúde em termos de diagnóstico. O uso de terminologias corretas, ou seja,
adequadas ao momento atual, não é uma mera questão semântica, e sim uma
preocupação quanto ao uso de termos antigos que, carregados de preconceitos e
estigmas, acabam influenciando negativamente nas práticas atuais de inclusão social
e educacional.
A.1 – Um Breve Histórico sobre o Déficit Cognitivo Iniciaremos com as concepções que foram construídas ao longo da história em
relação à pessoa com deficiência, partindo da Antiguidade até o século XX,
pontuando-se os elementos mais importantes em cada época no tocante a este
assunto. A descrição cronológica da construção científica do conhecimento sobre a
deficiência mental ora apresentada terá como fonte principal a obra intitulada
Deficiência mental: da superstição à ciência, de Isaías Pessotti (1984).
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Figura 1: Linha do Tempo: Antiguidade, Idade Média, Séc. XIX e Séc. XXI
Antigüidade – Antes do Século V d.C. Em Esparta, o deficiente mental ou físico era considerado subumano, ou seja,
era “coisa” e não ser humano. A eliminação e o abandono eram práticas correntes
com os indivíduos que apresentavam “anormalidades” físicas, mentais, entre outras.
Os ideais atléticos, estéticos e guerreiros eram os valorizados e respeitados pela
sociedade.
Idade Média Neste período, o indivíduo com deficiência mental “ganha alma” e passa a ser
considerado filho de Deus. Passa, portanto, de “coisa” a pessoa.
Essas pessoas não são mais eliminadas, abandonadas, e sim entregues às
igrejas e aos conventos, sendo, a partir de então, dotadas de um significado teológico
e religioso. São consideradas eleitas de Deus, expiadoras de culpas alheias, portanto,
como alvos do castigo divino. Também são consideradas possuídas pelo demônio,
sendo necessária a prática do exorcismo.
Na Idade Média, portanto, a pessoa com deficiência mental era tratada a partir
de uma relação ambígua de proteção-segregação, diferenciando-se da prática da
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Antigüidade, que reservava ao deficiente apenas o abandono ou a eliminação. A
segregação dava-se com o confinamento do deficiente em ambientes que não lhe
davam condições adequadas de sobrevivência. Contudo, esse ato de segregação era
encarado como sendo de caridade, pois o asilo garantia-lhe um teto e alimentação. Na
verdade, o que se fazia era esconder e isolar aqueles que eram considerados
incômodos ou inúteis à sociedade.
O castigo também era visto como um ato de caridade, pois era o meio de salvar
a alma do cristão das garras do demônio e de livrar a sociedade das condutas
indecorosas ou anti-sociais do deficiente. Conta-nos Pessotti (1984) que, no século
XIII, surgiu a primeira instituição para abrigar pessoas com deficiência mental, uma
colônia agrícola na Bélgica.
Século XV – a Inquisição Católica1 A Inquisição Católica sacrificou milhares de pessoas, mandando-as para a
fogueira. Essas pessoas eram os hereges2, considerados como possuídos pelo
demônio, que eram os loucos, os adivinhos, os deficientes mentais ou amentes, entre
outros. As pessoas com deficiência mental eram consideradas amentes ou dementes.
A marca da superstição caracteriza toda a teoria e a prática medievais em
relação ao deficiente mental de qualquer tipo ou nível, pois a explicação de
fenômenos sobrenaturais era corrente e levava as pessoas a serem queimadas em
fogueiras por estarem possuídas pelo demônio.
Século XVI
• Paracelsus (1493-1541) e Cardano (1501-1576):
São dois médicos reconhecidos na área de filosofia e matemática que rejeitam a
idéia de que a deficiência mental teria uma origem diabólica e passam a considerá-la
como uma condição digna de tratamento, sendo causa de traumatismos e de
doenças. Também consideravam a possibilidade de a deficiência mental ser
1 (GLOSSÁRIO) Inquisição Católica: também conhecida como Santo Ofício, foi instituída pelo Papa Paulo III, em 1542, devido ao grande aumento do protestantismo. Para mais informações, visite o site: http://pt.wikipedia.org/wiki/Inquisição. 2 (GLOSSÁRIO) – Herege é quem professa heresia (FERREIRA, 2002, p. 362). Entende-se por heresia qualquer desvio de uma religião ou credo.
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conseqüência de forças sobre-humanas, cósmicas ou não, mas, mesmo assim, sendo
digna de tratamento e complacência.
• Jurisprudência Inglesa - 1534:
Define a deficiência mental e a loucura como doenças ou como o resultado de
infortúnios naturais. Elaborou critérios para identificar as pessoas deficientes ou
doentes mentais: o bobo ou idiota de nascimento era a pessoa que não podia contar
até 20 moedas nem dizer quem eram seu pai ou sua mãe, sua idade, ou que não
poderia conhecer e compreender letras mediante ensino.
Século XVII E XVIII Os pesquisadores abaixo relacionados apresentam concepções que foram
marcantes para a educação das pessoas com deficiência mental, pois a deficiência
passou de uma condição irreversível para uma condição de modificabilidade,
atribuindo à experiência sensorial do sujeito com o meio físico uma condição para o
seu desenvolvimento.
• Thomas Willis (1621 - 1675):
A deficiência mental passa a ter uma explicação organicista, sendo considerada
causa de lesão ou de disfunção no sistema nervoso central.
• Francesco Torti (1658 - 1741):
A deficiência mental passa a ser explicada como resultante de fatores
ambientais. A malária, ou “mau ar dos pântanos”, era uma das explicações, e disso
decorria a sugestão de mudar de clima, ou de ares, como recurso de recuperação do
idiota ou do imbecil, terminologia utilizada na época para designar o deficiente mental.
• John Locke (1632 - 1704):
Elaborou a teoria da “Tábula Rasa3”. Segundo Locke, a experiência é o
fundamento de todo o nosso saber. Assim não há idéias e nem operações da mente
que não resultem da experiência sensorial individual. Em relação à deficiência mental,
3 (GLOSSÁRIO) Tábula Rasa: é a expressão que dá sentido à corrente filosófica chamada de empirismo. Para mais informações, visite o site http://pt.wikipedia.org/wiki/Tabula_Rasa.
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ele considera não ser uma lesão irreversível, e sim um estado de carência de idéias e
de operações intelectuais semelhante ao do recém-nascido. Cabe à experiência e,
portanto, ao ensino suprir essas carências, pois a mente é entendida como uma
página em branco, sem qualquer letra, sem qualquer idéia.
Implicações decisivas ocorreram na educação da pessoa com deficiência mental
com os estudos de Locke, pois a visão naturalística do educando evita o emprego de
preconceitos morais ou religiosos e dá ênfase à ordenação da experiência sensorial
como fundamento da didática. Assim, decorrem de suas idéias a afirmação da
individualidade no processo de aprender, a insistência sobre a experiência sensorial
como condição preliminar dos processos complexos de pensamento e a importância
dos objetos concretos na aquisição de noções.
Século XIX
• Jean Itard (1779-1839):
Itard foi um médico francês que se destacou pelas descobertas no campo da fala
e da audição. Foi chefe, aos 25 anos, do Instituto Imperial dos surdos-mudos de Paris,
tendo ficado reconhecido pelo trabalho que realizou com Victor, o Selvagem de
Aveyron4, menino que havia sido capturado na floresta e que vivia há 12 anos como
selvagem. Itard acreditava na educabilidade do deficiente mental, atitude esta
impossível antes da doutrina lockeana da “tábula rasa”, alicerçada na análise do
processo de conhecimento e não em preconceitos.
4 (ASSUNTO): O Selvagem de Aveyron: para saber mais sobre o assunto, leia A Educação de um selvagem: as experiências pedagógicas de Jean Itard, obra organizada por Banks-Leite e Galvão. Consulte a referência completa dessa obra nas referências dessa unidade.
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Figura 2: Jean Itard
Para Itard, a concepção da deficiência é resultado de um processo de interação
adequada ou inadequada com o ambiente, quer no nível da sensação, quer no da
reflexão sobre as idéias geradas pela percepção sensorial. Com Itard, a deficiência
passou a ser entendida como carência de experiências sensoriais e/ou de reflexões
sobre as idéias geradas pela sensação.
Depois da aceitação dessas idéias, não havia mais lugar para a
irresponsabilidade social e política diante da deficiência mental, mas, ao mesmo
tempo, não havia vantagens para o poder político e para as famílias dos deficientes,
os quais deveriam deixar de lado o seu comodismo e assumir a tarefa ingrata e
dispendiosa de educá-los. A opção passou a ser a segregação: não se punia nem se
abandonava o deficiente, mas também não se sobrecarregavam o governo e a família
com sua incômoda presença.
Todas as crianças com diagnóstico de deficiência mental tinham como destino a
internação em hospícios, onde eram abandonadas e completamente isoladas de
oportunidades de ensino e de educação.
Itard acreditava que a causa do retardo de Victor fosse a carência de
experiências de exercício intelectual devido ao seu isolamento, e não uma doença
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incurável chamada de idiotismo. Seria na escassez da experiência e na inércia
intelectual dela resultante que residiria a origem, a causa da deficiência e, em
conseqüência disso, seria na estimulação e na ordenação da experiência que seria
possível encontrar a “curabilidade” do retardo.
A deficiência mental, desde Paracelsus e Cardano, era entendida como uma
patologia cerebral, orgânica, vista, portanto, sob o enfoque patológico e não
pedagógico. Desse modo, não havia nenhuma possibilidade de uma educação
especial fora das proposições médicas no campo neurossensorial ou moral. Em 1800,
a deficiência mental começa a ser do interesse da medicina moral, que é a
antecessora da psiquiatria e da psicologia clínica. A medicina moral tinha como
objetivo o tratamento mediante intervenção comportamental por meio de condições
ambientais para a ocorrência de comportamentos desejáveis.
Como afirma Pessotti (1984), com as proposições médicas no campo
neurossensorial, a pessoa com deficiência mental passa das mãos do inquisidor às
mãos do médico. Os determinantes da deficiência mental deixam de ser os demônios
e os fenômenos sobrenaturais e passam a ser as disfunções ou displasias corticais.
Houve, entre o final do século XVIII e o início do século XIX, uma mudança na
concepção da deficiência mental através do trabalho de Itard, pois os seus
determinantes começam a ser procurados também na história de vida, de experiência
da pessoa com deficiência. Como nos relata Pessotti (1984), nesse momento, a
história se bifurca: de um lado estava o organicismo de Willis e Pinel, seguido por
Esquirol e outros, que marcam o fim do dogma na teoria da deficiência mental, mas a
capturam pela psiquiatrização, e, de outro lado, estava a educação especial, iniciada
por Itard.
Século XIX
• Jean-Étienne Esquirol (1772 - 1840):
Esquirol, no início do século XIX, de acordo com Mendes (1996), distingue e
define a condição dos chamados “alienados da razão”, denominados por ele como
idiotas, subdividindo então a idiotia em subcategorias: a idiotia e imbecilidade, tendo
como parâmetro a dicotomia entre a idiotia e a normalidade, sendo os deficientes
chamados também de cretinos e imbecis, trazendo a marca do irreversível e do
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incurável. As características comportamentais eram predominantemente compostas
por atributos negativos e ameaçadores.
Para ele, o louco é aquele que conserva ainda a perfeição do humano, enquanto
o deficiente mental tem uma organização primitiva. A loucura é uma doença com
prejuízo da razão; a deficiência mental é um estado em que a razão nunca se
manifestou ou manifestar-se-á. Nesse sentido, a deficiência mental não é uma
doença, mas a privação das faculdades intelectuais e de seu desenvolvimento
suficiente para adquirir educação sem ser especial. Se não é doença, começa a
enfraquecer a hegemonia médica e entra em questão a relação desenvolvimento-
educação, passando o rendimento educacional a ser critério de avaliação.
• Édouard Séguin (1812 - 1880):
Médico e estudioso da didática, denuncia, segundo Pessotti (1984), a
hegemonia doutrinária da medicina sobre a deficiência mental, que marca todos os
diferentes comportamentos com uma mesma matriz, não procurando relações causais
e uma teoria do desenvolvimento. Seu interesse pela educação das pessoas com
deficiência mental levou-o a desenvolver e implantar a educação especial dentro do
Bicêtre5, lançando as bases da compreensão da psicogenia6 da aprendizagem na
deficiência mental, terminando por desenvolver uma “fúria antimédica”, pois a
medicina tradicional não concordava com outros argumentos que não fossem
patológicos/orgânicos.
• Benedict Augustin Morel (1809 - 1873)
Com Morel, retorna a teoria unitária da deficiência mental através do Tratado das Degenerescências. O conceito de degenerescência e degradação vem
normalizar a sociedade com a sanção médica, uma medicina das reações patológicas
em que a degenerescência é a processualidade da degradação da natureza, ou seja,
a perda da perfeição. A deficiência mental regride ao status de ameaça à segurança
5 (GLOSSÁRIO) Bicêtre: unidade do “Hôpital General” localizada na França, destinada ao asilo de doentes mentais homens, que eram mantidos ali acorrentados, fossem perigosos ou não. 6 (GLOSSÁRIO) Psicogenia: estudo da origem e da evolução das funções psíquicas (FERREIRA, 2004).
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pública e à saúde das famílias e povoações, “não porque alguém pudesse ser
individualmente contagiado, mas o sangue, a genealogia, a raça, ficavam expostas ao
contágio fatal” (PESSOTTI, 1984, p. 145). A pessoa com deficiência mental
representava então um repulsivo papel social.
A causa da deficiência mental se fundava em fatalidades genéticas, congênitas
ou neonatais, todas, portanto, relativas à área médica. Sendo vista como tendo
causas hereditárias, a deficiência mental não tinha cura, por isso utilizou-se como
prevenção a reclusão, a eliminação física, a proibição de casamento e de reprodução
dos deficientes mentais.
Século XX No início do século XX, o confinamento dos cretinos em asilos-leprosoários, dos
idiotas nos asilos-escolas e a prisão domiciliar dos imbecis representavam a
prescrição médica típica da época, dada conforme a gravidade de cada caso:
confinamento ou educação especial. Esta última teve o objetivo de proteger a
sociedade e reduzir os custos da manutenção pública ou familiar.
• Alfred Binnet7
As considerações etiológicas8 da deficiência mental, com base nos estudos de
Binnet, ganham um novo cenário histórico-científico a partir do diagnóstico psicológico
proposto por esse pesquisador. As considerações etiológicas são menos importantes,
como prova sua contribuição psicométrica, e sua influência teórica implica uma
definição psicológica da deficiência mental que escapa do fatalismo9
anatomopatológico ou fisiopatológico.
7 (AUTOR) Alfred Binnet (1857-1911): pedagogo e psicólogo francês. Ficou conhecido por sua contribuição à psicometria, tendo sido o inventor do primeiro teste de inteligência, base dos atuais testes de quociente de inteligência (QI). Para saber mais, visite o site: http://pt.wikipedia.org/wiki/Alfred_Binet. 8 (GLOSSÁRIO) Etiologia: “Parte da medicina que trata das causas das doenças” (FERREIRA, 2002, p. 300). 9 (GLOSSÁRIO) Fatalismo: é a atitude ou doutrina que admite que o curso da vida humana está, em graus e sentidos diversos, primeiramente fixado, sendo a vontade ou a inteligência impotentes para dirigi-lo ou alterá-lo (FERREIRA, 2004).
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Com Binnet, a deficiência mental, enquanto questão teórica, deixa de ser
exclusividade da medicina e passa à atribuição da psicologia, o que significa tirar as
pessoas com deficiência de asilos e hospícios e encaminhá-las à escola, especial ou
comum.
No âmbito educacional, as idéias de Binnet acarretam uma proliferação de
instituições residenciais, de escolas especiais e de classes especiais em escolas
públicas.
Figura 3: Alfred Binnet
• Maria Montessori
Em 1898, Montessori propõe a educação moral como abordagem da deficiência
mental, pois esta, para ela, era vista mais como um problema pedagógico do que
médico. A cura pedagógica da medicina moral é substituída pela educação moral, que
não se confunde com a prescrição da educação especial dos médicos ortofrenistas. A
diferença entre educação moral e tratamento moral, segundo Montessori (apud
PESSOTTI, 1984), estava no fato de que o método não iria se limitar à eficácia
didática, mas iria procurar estar ao alcance da pessoa do educando, de seus valores,
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de sua auto-afirmação, de seus níveis de aspiração, de sua auto-estima e de sua
autoconsciência.
Com os avanços da ciência, essas teorias eugenistas e fatalistas, raciais ou
genealógicas, perderam espaço para novos estudos em diversas áreas como a
Bioquímica, a Genética, a Obstetrícia, a Psicologia do desenvolvimento, a Educação,
entre outras, o que representou um marco na compreensão da deficiência mental,
pois esses estudos introduziram modificações nesse assunto.
Atividade da Subunidade A.1: Faça a leitura do capítulo “O des(encontro) entre Itard e Victor: os fundamentos
de uma educação especial”, da obra A educação de um selvagem: as experiências
pedagógicas de Jean Itard, disponível no acervo bibliográfico dos pólos. Após a
leitura, faça uma análise do texto e registre suas impressões na Biblioteca Virtual.
A.2 – Concepções da deficiência e da educação especial As concepções de deficiência e de educação especial, ao longo dos séculos,
sofreram profundas mudanças, o que influenciou a educação das pessoas que
apresentam alguma deficiência. A concepção que se tem de deficiência constitui um
reflexo de paradigmas historicamente construídos. Vejamos alguns:
Em relação aos paradigmas da deficiência, que apresentam relevância
pedagógica, Bleidick (apud BEYER10, 1998) define-os em quatro:
• o paradigma pessoal: entende-se que a deficiência é uma categoria individual,
abrangida como categoria médica ou clínica;
• o paradigma interacionista: a deficiência é entendida como um processo de
atribuição ou de discriminação social;
• o paradigma sistêmico: a deficiência é o resultado da diferenciação e do
destensionamento no sistema escolar;
10 (AUTOR) Beyer: as referências citadas estão em textos do seminário não publicado A educação especial: paradigmas, textos e contextos, tendo como principal referencial a obra Einfuhrung in die Behinderten Padagogik: Allgemeine Theorie und Bibliographie, de U. Bleidick e U. Hagemeister, de 1986.
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• o paradigma político-econômico: a deficiência é um produto da sociedade de
classes.
A respeito dos paradigmas da educação especial, Bleidick (apud BEYER, 1998)
separa-os em três grupos principais de teorias que, segundo este autor, acumulam
conceitos historicamente centrais, com suporte em diferentes formulações conceituais
da deficiência. São eles:
• a pedagogia terapêutica como paradigma médico, com um conceito individualmente
orientado da deficiência;
• a pedagogia especial como paradigma sistêmico-sociológico (diferenciação das
instituições);
• a pedagogia dos deficientes como paradigma sócio-interacionista.
As bases teórica e metodológica que formam um paradigma têm raízes
históricas e culturais em uma determinada época, que as influencia. Os
conhecimentos produzidos por um paradigma não são imutáveis, e sim se modificam,
passando a ser entendidos e explicados de formas diferentes, evoluindo em cada
momento histórico e cultural. Observa-se isso nos diferentes paradigmas em torno da
deficiência e da educação especial que serão aqui expostos.
O Paradigma Pessoal e a Pedagogia Terapêutica
Esse paradigma foi construído durante a primeira metade do século XX (1900-
1950) e está arraigado no modelo médico da deficiência, que é vista como uma
doença, incluindo as características de inatismo ao longo do tempo. De acordo com
Beyer (1998), a deficiência é vista como um defeito absoluto, como destino pessoal e
permanente, sendo que as causas são procuradas na própria pessoa, pois são
fundamentalmente orgânicas, produzidas no início do desenvolvimento e dificilmente
modificadas. Ou seja, o estudo dos fatores etiológicos encontra-se no indivíduo.
Em relação ao conceito tradicional da deficiência ou atraso mental, Fierro (1995,
p.233) comenta:
A deficiência mental surgiu, na perspectiva médica, como um conjunto de
sintomas que se fazem presentes em um grupo bastante amplo e
heterogêneo de anomalias, que procedem de etiologia orgânica diferente,
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têm, no entanto, em comum, o fato de estarem relacionadas a déficits
irreversíveis na atividade mental superior.
Esta concepção clínica da deficiência trouxe conseqüências negativas para a
educação das pessoas que apresentam alguma deficiência, a qual é reconhecida
como um distúrbio, sendo este visto como um problema inerente à criança, ou seja, as
possibilidades de intervenção, além da prevenção, não provocam mudanças em seu
desenvolvimento, pois a deficiência por si só determina esta condição.
Marchesi e Martín (1995) comentam que esta visão fez surgir a necessidade de
uma detecção precisa do distúrbio, a qual se deu através dos testes de inteligência
(avaliação psicométrica), que delimitavam os diferentes níveis do atraso mental. O
modelo clássico da deficiência mental tem sido o psicométrico, tendo sua origem no
início do século XX, vinculada à educação e à deficiência mental.
Figura 4: Avaliação Psicométrica De acordo com Schiff (1994), o Ministério da Educação francês tinha solicitado a
Binnet (psicólogo francês), no começo do século XX, que criasse um teste para
detectar os alunos incapazes de acompanhar o ensino primário. Essas crianças, uma
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vez identificadas, poderiam ser colocadas em classes especiais. Portanto, desde sua
origem, os testes de inteligência estão ligados diretamente ao fracasso escolar, à
detecção e à segregação dos alunos.
Segundo Jimenez (1997), o século XX caracteriza-se pelo início da
obrigatoriedade e da expansão da escolaridade básica, detectando-se que um número
elevado de alunos, incluindo os que apresentam certas deficiências, demonstram
dificuldade em acompanhar o ritmo normal da classe e também em conseguir um
rendimento igual, ou semelhante, ao das crianças com a mesma idade. Nessa fase,
os testes de inteligência desempenharam um papel significativo, pois eram o
instrumento utilizado para identificar e selecionar apenas as crianças com potencial
acadêmico.
Esses testes são procedimentos padronizados e “estáticos” que buscam avaliar
o desenvolvimento de uma criança ou adulto pela referência de uma norma ou grupo
“médio” e, geralmente, pela atribuição de “pontos” de QI11. Esses “pontos”, por sua
vez, derivam do desempenho da criança em uma série de tarefas realizadas em
situações padronizadas, baseando-se assim em uma concepção puramente
quantitativa do desenvolvimento infantil, dos graus de insuficiência do intelecto.
As justificativas das diferenças intelectuais, nesse paradigma, têm um caráter
extremamente biológico, não se levando em conta outros atributos (sociais,
econômicos ou culturais) envolvidos. Portanto, a abordagem psicométrica tradicional
considera que o rendimento num teste de QI justifica-se por fatores genéticos,
biológicos, sendo que o que é genético, para o paradigma clínico, é imutável. Assim,
as variáveis explicativas do déficit cognitivo desconsideram as possíveis relações
existentes entre o deficiente e os âmbitos familiar, escolar e social, como também
desconsideram as capacidades e habilidades das pessoas com deficiência.
Nessa época, no início do século XX, acreditava-se que a abordagem biológica e
a avaliação quantitativa do desenvolvimento eram os únicos meios científicos para
explicar a deficiência mental. Na União Soviética, usava-se o termo defectologia12
para encerrar a idéia de que todos os problemas se criavam e resolviam como
11 (ASSUNTO) – Quociente de Inteligência: Saiba mais sobre esse teste visitando o site: http://www.vademecum.com.br/sapiens/QI.htm. 12 (GLOSSÁRIO) Defectologia: termo que era utilizado na Rússia, no início do século XX, para se referir ao trabalho desenvolvido com pessoas deficientes (VYGOTSKI, 1997).
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problemas quantitativos e biológicos. No entanto, o psicológo soviético Lev Vygotski13
(1929) rejeitaria esse posicionamento.
Avaliando os problemas fundamentais da defectologia contemporânea (1924 a
1934), Vygotski , em 1929, apoiando-se na teoria materialista dialética sobre o
desenvolvimento, define a defectologia como:
O ramo do saber acerca da variedade qualitativa do desenvolvimento das
crianças anormais, da diversidade de tipos deste desenvolvimento e sobre
essa base, esboça os principais objetivos teóricos e práticos que
enfrentam a defectologia na escola especial soviética (VYGOTSKI, 1997,
p.37, tradução do autor texto).
Para Vygotski (1997), a concepção meramente aritmética do defeito é típica da
defectologia “antiga e caduca”, que tem como noção da deficiência a limitação
puramente quantitativa do desenvolvimento. O autor russo argumenta que o
desenvolvimento da criança “anormal” segue as mesmas leis do desenvolvimento de
todas as crianças, não existindo um desenvolvimento diferente, particular para as
crianças deficientes.
O reconhecimento existente na área de defectologia da existência de leis
comuns para o desenvolvimento da criança com ou sem deficiência levou Vygotski à
idéia de que devemos primeiramente partir das leis comuns do desenvolvimento
infantil e depois estudar as peculiaridades apresentadas pela criança com deficiência,
“anormal”, como a defectologia denominava os deficientes naquela época.
Segundo Evans (1994), Vygotski destacou os aspectos sociais da
aprendizagem, preparando terreno para uma abordagem educacional que enfatizasse
não apenas a pedagogia, mas também o meio para desenvolver e aperfeiçoar as
habilidades pedagógicas. Vygotski apresentava uma abordagem compensatória, que
não levava em conta a gravidade da dificuldade, mas sim estratégias pedagógicas
utilizadas para ajudar a superar o problema.
13 (ASSUNTO) Lev Vygotski: para um maior conhecimento sobre os estudos de Vygotski relacionados à educação especial, ler Obras Escogidas: fundamentos de defectología. Verifique a referência completa dessa obra no final deste capítulo.
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Vale mencionar que, para a educação especial tradicional, essa abordagem
compensatória e social diante do paradigma da pedagogia terapêutica tornou-se um
grande desafio, pois esta, segundo Vygotski (1997, p.150), seguia a “linha de menor
resistência, acomodando-se e adaptando-se ao atraso da criança”. A escola tinha
como objetivo adaptar-se ao “defeito” da criança, e não superá-lo através de uma
educação social baseada em métodos de compensação social de sua deficiência.
De acordo com Bleidick (apud BEYER, 1998, p.48), esse paradigma acredita
que “as medidas pedagógicas não podem modificar nada basicamente; elas têm a
tarefa da correção, da compensação, da utilização das funções que permanecem e da
suavização da área prejudicada através do procedimento curativo, educativo e
terapêutico”.
Os centros de reabilitação surgiram neste paradigma, ou seja, a pessoa com
deficiência deveria receber, após o diagnóstico médico, o tratamento e a “cura”
necessários para que conseguisse se adequar à sociedade, de acordo com os
padrões de “normalidade” estabelecidos pelo contexto sócio-cultural. Assim, ser
portador de deficiência torna-se um grande pesar para a pessoa deficiente e para a
sociedade, que não admite limitações no indivíduo, sejam elas motoras, intelectuais,
visuais, auditivas, entre outras.
A educação especial caracterizou-se, no final do século XIX e no início do século
XX, pela fase de separação, segregação ou, como também é conhecida,
institucionalização, pois as pessoas começaram a receber atendimentos dentro de
grandes instituições, constituindo-se assim as escolas especiais para surdos, cegos e
deficientes mentais.
A partir das décadas de 40 e 50, o paradigma médico/clínico começou a ser
questionado, pois a origem e a incurabilidade do distúrbio, como era denominado,
passaram a ser analisadas também pelas influências sociais e culturais, fortalecendo-
se no campo da deficiência as posições ambientalistas e condutivistas até então com
pouca expressividade diante do paradigma pessoal.
Segundo Marchesi e Martín (1995, p. 9), esses novos conhecimentos suscitaram
outras concepções extremamente significativas para a educação:
- a deficiência podia ser motivada pela ausência de estimulação adequada
ou por processos de aprendizagem incorretos. Ao mesmo tempo,
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incluíam-se os conceitos de adaptação social e aprendizagem nas
definições sobre o atraso intelectual, reforçando as possibilidades de
intervenção;
- a distinção entre causas “endógenas e exógenas” para explicar os
atrasos detectados;
- revisão definitiva da “incurabilidade” como critério básico de todo o tipo
de deficiência.
Mesmo com esses avanços em relação ao desenvolvimento e à educação das
pessoas com deficiência mental, as classes especiais continuaram a se expandir por
se considerar, dentre inúmeros fatores, que através destas últimas, as pessoas com
deficiência mental poderiam receber uma atenção mais individualizada, devido ao
menor número de alunos por sala de aula.
O modelo médico da deficiência e da pedagogia terapêutica são paradigmas que
hoje se encontram enfraquecidos, mas que ainda são responsáveis pela rejeição e
pela resistência da sociedade em relação ao deficiente. Inclusive no meio escolar,
encontramos vários preconceitos em diferentes graus, mitos e contradições
conceituais, os quais revelam a idéia da deficiência como uma doença incurável que
impossibilita o indivíduo com alguma deficiência de conviver em meio às pessoas
consideradas não-deficientes.
O Paradigma Interacionista e o Político Econômico da Deficiência e a Pedagogia
dos Deficientes como Paradigma Sócio-interacionista
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19
Figura 5: Paradigma Interacionista
A deficiência, no paradigma interacionista, segundo Beyer (1998), é entendida
como um processo de atribuição ou de discriminação social. Não é um estado
previamente existente, porém um processo de atribuição das expectativas da
sociedade. Portanto, é no contexto das interações sociais, econômicas e culturais que
se caracteriza o “desvio” da pessoa com deficiência. É no imaginário social/coletivo
que se cria e se perpetua a percepção da diferença das pessoas com deficiências
como um atributo negativo que o sujeito “porta consigo”.
Quando falamos em deficiência, deparamo-nos com representações que as
pessoas têm a esse respeito. Ou seja, alguns estereótipos já estabelecidos pela
sociedade fortalecem o pensamento preconceituoso, sendo o preconceito uma reação
individual e o estereótipo uma reação cultural.
A psicologia social denomina de fenômenos psicossociais as atitudes, os
preconceitos, os estereótipos e o estigma para explicar as barreiras atitudinais, ou
seja, as barreiras criadas pelas pessoas frente à deficiência, pois a nossa sociedade
está impregnada de juízos, valores e concepções sobre as coisas que nos
influenciam, principalmente quando os desconhecemos e, mesmo assim, julgamo-os.
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Amaral (1992), explicando os fenômenos psicossociais, menciona que esses são
um conjunto de reações, caracterizando quatro conceitos: emoção, sentimentos,
atitudes e desconhecimento. Desses quatro, surgem outros componentes do
processo: preconceito, estereótipo e estigma.
O preconceito, de acordo com Amaral (1992), é uma atitude favorável ou
desfavorável, positiva ou negativa; estereótipo é um julgamento qualitativo baseado
no preconceito e, portanto, anterior a uma experiência pessoal. Quando este
julgamento é negativo, cria-se o estigma. Esses fenômenos, ainda segundo a mesma
autora, são de ordem psicológica e cultural. São psicológicos porque residem na
esfera das emoções e culturais porque as reproduções culturais tendem a perpetuá-
los nas representações sociais.
As representações que a sociedade construiu das pessoas com deficiência,
especificamente com deficiência mental, influenciaram significativamente a forma
como estas pessoas tiveram e têm acesso à educação. Nesse sentido, ainda se
encontra presente o preconceito de que aquele que tem deficiência jamais conseguirá
aprender, de que jamais poderá ser atendido na mesma escola que as pessoas não-
deficientes freqüentam, com os mesmos professores, o que se percebe através das
barreiras atitudinais da sociedade em relação ao deficiente.
Para o paradigma político-econômico, a deficiência, segundo Beyer (1998), é um
produto da sociedade de classes, resultado da exploração capitalista, sendo
amparada por pressupostos marxistas da economia do ensino e da teoria da
sociedade. A escola especial tem a tarefa de preparar pessoas deficientes para
funções inferiores, como um “exército industrial de reserva”.
Nessa concepção, quem produz a deficiência é a sociedade que, através da
divisão de classes, fortalece vários ideais, como o da competitividade entre os seres
humanos nos aspectos educacionais, sociais, econômicos e profissionais. Para tal
“competitividade”, vence sempre quem tem mais oportunidade e capacidade para
competir, e, no caso de uma criança que nasce com uma deficiência, desde cedo
começa para ela e sua família um longo caminho, uma longa história de dificuldades.
Esta vai carregar consigo um estigma, um rótulo que a impede de ter acesso igual ao
que todas as pessoas não-deficientes têm, na mesma sociedade, uma vez que o
indivíduo deficiente desvia-se dos padrões cultuados por uma sociedade que não
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aceita quem é diferente, tornando-o indesejável. A esse respeito, Carvalho (1998,
p.102) comenta:
Imagina-se, erroneamente, que pessoas portadoras de deficiência são
incapazes e pouco produtivas, usuárias eternas de serviços assistenciais.
Engendram-se, assim, os estigmas e os estereótipos que discriminam e
marginalizam, colocando os deficientes como pessoas atípicas, numa
dimensão de alteridade comprometida pela capacidade representacional
de um determinado sujeito psicológico, dito normal, inserido numa
determinada cultura que privilegia a “norma”.
A pedagogia dos deficientes como paradigma sócio-interacionista, de acordo
com Beyer (1998), define a deficiência como um ato social, portanto, dando-se no
espaço social, ganhando o estigma um espaço considerável por ser um produto da
sociedade.
As pessoas com deficiência “vivem e sentem” suas diferenças muito mais pelas
representações sociais a respeito de suas limitações do que pelas limitações que
sofrem em decorrência de suas deficiências. De acordo com Vygotski (1997), a
criança não sente diretamente sua deficiência, a conseqüência direta do defeito é a
redução da posição social, que influi no seu desenvolvimento.
Para Bleidick (apud BEYER, 1998, p.52):
Das teorias correntes da educação dos deficientes, o ponto de vista
interacionista é resultado de uma mudança radical na forma de encarar
esta educação: a deficiência não é um determinado estado médico e
também não é um produto obrigatório das instituições, mas muito mais,
um processo de atribuição das expectativas sociais. Ela está ligada às
normas, preconceitos e valores presentes na interação entre os que
definem e os que são definidos, e é lingüística e simbolicamente mediada.
Não podemos explicar as diferenças e as desigualdades entre as pessoas
somente através das características individuais, pois as condições sociais, culturais,
políticas e econômicas influenciam na vida de qualquer ser humano. Como diz
Carvalho (1998), torna-se tendencioso pensar nas diferenças interpessoais em si
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mesmas sem compreendê-las e contextualizá-las do ponto de vista psicossocial, seja
sob o ângulo de análise político ou econômico. Beyer (1998) comenta que há dois tipos de estigmas presentes neste
paradigma, assim diferenciando-os:
- O estigma defectivo, que é o estigma visível, o que pode ser atribuído a uma
pessoa deficiente física, ao cego ou ao surdo;
- O estigma culposo, que trata do estigma que não é visível, mas que aparece de
acordo com os níveis de desempenho socialmente exigidos, incluindo as exigências
do meio escolar.
Assim, no caso de deficiência mental, é muitas vezes na escola que a pessoa
revela suas limitações intelectuais, que são avaliadas através de procedimentos nem
um pouco favorecedores de um profundo conhecimento qualitativo do processo real
do desenvolvimento deste aluno.
A ênfase da causa das dificuldades recai no aluno, excluindo outras possíveis
variáveis (sociais, afetivas, escolares). Assim, as explicações e mudanças voltam-se
somente para ele. Por exemplo, o aluno que não consegue aprender, que apresenta
deficiência mental, ou distúrbio de aprendizagem, é encaminhado para a classe
especial, para a escola especial ou ele mesmo acaba evadindo-se da escola por
sentir-se excluído.
Portanto, o fracasso escolar é explicado pela limitação do estigmatizado, ou
seja, da pessoa que apresenta deficiência, e jamais pela limitação da própria escola
em trabalhar com a diversidade, com a heterogeneidade e com a perspectiva de
mudanças de posturas tradicionalmente impostas, que revelam o fracasso dos
sistemas de ensino.
O Paradigma Sistêmico e a Pedagogia Especial como Paradigma de
Diferenciação Sistêmico-sociológico
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Figura 6: Paradigma Sistêmico
Para o paradigma sistêmico, a deficiência, segundo Beyer (1998), é o resultado
da diferenciação e do destensionamento no sistema escolar. Os alunos deficientes
são aqueles que não podem ser ensinados com os meios e os recursos providos
pelas escolas regulares. As escolas especiais têm uma função de alívio ou de válvula
de escape para o sistema regular de ensino. A partir da década de 50 e, mais fortemente, nos anos 60, com a eclosão dos
movimentos dos pais de crianças às quais era negado ingresso nas escolas
comuns/regulares, surgiram as classes especiais dentro de escolas comuns,
passando o sistema educacional a ficar com dois subsistemas funcionando
paralelamente e sem ligação um com o outro: a educação especial e a educação
comum. Para Bleidick (apud BEYER, 1998, p.50): O sistema escolar produz a redução da complexidade da deficiência,
quando separa os saudáveis dos doentes (...) Para deficientes, há escolas
especiais, uma criança deficiente “pertence” a um setor especial da
escola. A superestrutura teórica deste sistema chama-se “educação
especial”. Assim, a educação especial de forma muito mais acentuada do
que se observa nos sistemas conceituais da pedagogia terapêutica ou da
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pedagogia dos deficientes constitui-se em geral como a educação da
escola especial.
A educação especial, para “descomplexificar” o sistema educacional, assume
toda a responsabilidade na educação das pessoas deficientes, isentando,
desobrigando as escolas comuns da responsabilidade para com o processo de
ensino-aprendizagem das pessoas com deficiência. Como afirma Beyer (1998, p.50),
esta explanação de Bleidick ilustra o princípio sistêmico-funcional, ou seja, “como que,
em um processo de regulação organizacional, os sistemas vão se ajustando,
adequando-se ‘homogeneizando-se’, sendo que as diferenças vão sendo ‘sublimadas’
pela constituição de grupos homogêneos”. Assim, os atendimentos
especiais/especializados, separados dos regulares, com seus programas próprios,
técnicas e especialistas, constituíram um subsistema de educação especial,
diferenciando-se do sistema educativo geral.
No final da década de 60 e, especialmente, na década de 70, profundas
modificações passaram a ocorrer no âmbito da educação especial e da concepção de
deficiência, tornando-se fatores propulsores e determinantes nas mudanças atuais.
Marchesi e Martín (1995, p. 9) enumeram dez fatores, que serão apresentados a
seguir, mesmo que de forma resumida, devido a sua expressividade nas discussões
atuais em educação. São eles:
1- Uma concepção diferenciada dos distúrbios de desenvolvimento e da
deficiência. (...) não se estuda a deficiência como um fenômeno autônomo
próprio de um aluno, passando a considerá-la em relação aos fatores
ambientais e à resposta educacional mais adequada. (...) A deficiência não
é uma categoria com perfis clínicos estáveis, sendo estabelecida em
função da resposta educacional.
2- Uma nova perspectiva que dá maior importância aos processos de
aprendizagem e às dificuldades encontradas pelos alunos para o seu
progresso. (...) concepção mais interativa, em que a aprendizagem abre
também caminhos que favorecem o desenvolvimento.
3- O desenvolvimento de métodos de avaliação, mais centrados nos
processos de aprendizagem e nos auxílios necessários do que em
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encontrar os traços próprios de uma das categorias da deficiência. A
reavaliação dos testes quantitativos.
4- A existência de um maior número de professores e profissionais
especializados, tanto na escola regular, como na escola especial, que
questionaram as funções de cada um destes sistemas isolados,
apontando as limitações de cada um deles.
5- As mudanças produzidas nas escolas normais, que se viram diante da
tarefa de ter que ensinar a todos os alunos que a ela chegavam, apesar de
suas diferenças em capacidade e interesse (...) reavaliação das funções e
uma escola que devia ser “abrangente”, ou seja, integradora e não
segregadora.
6- A constatação de que um número significativo de alunos abandonavam
a escola antes de finalizar a educação obrigatória ou não terminavam com
êxito os estudos iniciais. O conceito de “fracasso escolar”, cujas causas,
embora pouco precisas, situavam-se prioritariamente em fatores sociais,
culturais e educacionais, revelou os limites entre a normalidade, o fracasso
e a deficiência.
7- Os resultados limitados obtidos por grande parte das escolas regulares
com um número significativo de alunos. A heterogeneidade de alunos que
recebiam obrigou a uma definição mais precisa de seus objetivos, de suas
funções e de suas relações com o sistema educacional regular.
8- O aumento de experiências positivas de integração contribuiu também
para que a avaliação de novas possibilidades educacionais fosse feita a
partir de dados concretos.
9- A existência de uma corrente normalizadora em todos os serviços
sociais dos países desenvolvidos.
10- A maior sensibilidade social ao direito de todos a uma educação
fundamentada sobre pressupostos integradores e não segregadores.
Todos esses fatores foram influenciados por contextos sociais, culturais e
econômicos e são o alicerce, a base, do paradigma da integração defendido a partir
do final dos anos 60 e do início dos anos 70 em muitos países e praticado até hoje.
Do mesmo modo, são também o alicerce do paradigma que emergiu na década de 90
em alguns países como o Brasil, que é o Paradigma da Inclusão.
Portanto, ao final dos anos 60 e durante a década de 70, na maioria dos países
da Europa Ocidental, a educação especial substitui o modelo médico-diagnóstico do
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tratamento da deficiência pelo modelo pedagógico, ou seja, passa-se a tratar do
deficiente não por meio dos serviços de saúde e de assistência social, mas a partir do
atendimento educacional.
Para a educação, essas mudanças foram de suma importância, pois transferiram
a ênfase da deficiência para a escola, para a resposta educacional. Começou-se
então a pensar nos recursos educacionais necessários para atender essas
necessidades e evitar as dificuldades apresentadas por qualquer aluno, apresentasse
uma deficiência primária ou real, ou mesmo secundária ou circunstancial.
Essas discussões decorrem do princípio adotado por muitos países (como Itália,
Alemanha, Estados Unidos, etc.) de que toda a criança é educável, inclusive as
crianças com deficiências profundas.
Para explicar os conceitos da deficiência primária ou real e secundária ou
circunstancial, usaremos os conceitos de deficiência, incapacidade e desvantagem
propostos pela XXIII Conferência Sanitária Pan-Americana, ocorrida em Washington,
em 1990:
Deficiência: é qualquer perda de função psicológica, fisiológica ou anatômica.
Tem como características: anormalidades temporárias ou permanentes em membros,
órgãos, ou em outra estrutura do corpo, inclusive nos sistemas próprios da função
mental. São exemplos: a perda das funções biológicas visuais, auditivas, motoras
decorrentes das mais variadas causas;
Incapacidade: é qualquer restrição, devida a uma deficiência, da capacidade de
realizar uma atividade. A incapacidade se caracteriza pelo desempenho insatisfatório
de ações pelo indivíduo (temporárias ou permanentes; reversíveis ou irreversíveis),
nos aspectos psicológicos, físicos ou sensoriais. Servem como exemplos as
incapacidades de ver, ouvir, andar, decorrentes de deficiências visuais, auditivas e
motoras;
Desvantagem: é uma situação de prejuízo para um indivíduo determinado,
como conseqüência de uma deficiência ou incapacidade que o limita ou o impede de
desempenhar um papel. Caracteriza-se pela diferença entre o rendimento do indivíduo
e suas próprias expectativas, ou as do grupo a que pertence.
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Assim, além da deficiência primária, ou real, que tem como causa o fator
biológico identificável, ou seja, anomalias, modificações fisiológicas, anatômicas ou
histológicas14, há que se considerar as deficiências secundárias “(...) frutos dos
preconceitos e estereótipos sociais. São deficiências circunstanciais que agravam as
deficiências reais existentes ou são deficiências que se produzem, mesmo na
inexistência de uma deficiência primária (real)” (CARVALHO, 1997, p. 9).
O termo handicap15 surgiu para explicar e mostrar a importância que o meio
social/cultural tem para a pessoa que apresenta deficiência, seja ela “real ou
circunstancial”. Maselli & Di Pasquale (1997) afirmam que o termo entrou na
linguagem educacional para indicar as dificuldades derivantes de uma deficiência. As
pessoas com handicap são aquelas que, tendo uma deficiência, podem vivenciar
dificuldades não apenas derivadas da própria deficiência como também do encontro
com o ambiente físico e social no qual interagem.
As autoras citadas acima ainda fazem uma distinção entre deficiência e
handicap. O handicap é a deficiência que se acrescenta à situação, que pode agravar
ou aliviar a condição do indivíduo. ”A dimensão social é posta em evidência, pois é
nela que é necessário intervir para reduzir as condições e os obstáculos que
provocam, revelam ou ampliam as situações de handicap” (MASELLI & DI
PASQUALE, 1997, p. 284).
Esses conceitos permitem-nos afirmar que as escolas podem gerar, muitas
vezes, o handicap, na medida em que não procuram se adaptar às necessidades
individuais de cada pessoa, tenham elas alguma deficiência ou não. Portanto, é o
aluno que acaba tendo de se adaptar ao sistema, o que, sem dúvida, põe em
evidência a limitação deste último, gerando com isso mais e mais dificuldades para o
próprio aluno, já que a sua deficiência é maximizada e não o seu potencial.
O paradigma integracionista, ou, como também é conhecido, o paradigma
sistêmico, por caracterizar-se pelo atendimento aos alunos com deficiência somente
em escolas e classes especiais, foi ganhando uma inovação filosófica em direção a
14 (GLOSSÁRIO) Histológicas: “Ramo da biologia que estuda a estrutura microscópica normal de tecidos e órgãos.” (FERREIRA, 2002, p. 366). 15 (GLOSSÁRIO) Handicap: Essa expressão se refere a alguém que “sofre de incapacidade física ou mental” (HOUAISS, 2005, p. 353).
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uma nova idéia de educação integrada, ou seja, escolas comuns aceitando crianças
ou adolescentes deficientes nas classes ou, pelo menos, em ambientes os menos
restritivos possíveis. Considerava-se integrados apenas aqueles estudantes com
deficiência que conseguissem adaptar-se à classe comum como esta se apresentava;
portanto, sem modificação no sistema.
A partir da década de 80, a prática da integração social começou a ser revista.
Inspirados no Ano Internacional das Pessoas Deficientes (1981), cujo lema era
“Participação plena e igualdade”, vários países começaram a tomar algum
conhecimento da necessidade de mudar o enfoque da integração para que as
pessoas com deficiência pudessem realmente ter participação plena e igualdades de
oportunidades. Para tanto, fez-se necessário não se pensar tanto em adaptar as
pessoas à sociedade, e sim em adaptar a sociedade às pessoas. Dessa forma, surgiu
o conceito de inclusão no final da década de 80.
No Brasil, a necessidade de reformulação do sistema educacional é antiga. A
exclusão escolar de milhões de alunos já é um fato que acompanha a história da
educação brasileira, assim como os altos índices de evasão e repetência, os baixos
salários dos professores, que se sentem desmotivados em função disto para
trabalhar, as condições precárias de trabalho, a falta de recursos financeiros, entre
outros.
Não se pode ignorar, é claro, a prática da exclusão e da segregação, porque
ainda são existentes tanto no Brasil, como em outros países. Mas, segundo Sassaki
(1998), também vemos a tradicional integração dando lugar, gradativamente, à
inclusão.
Atividade da Subunidade A.2:
Para uma melhor compreensão dos Paradigmas da Educação Especial e da
Deficiência apresentados nesta unidade, será agendado um fórum de discussão para
que possamos analisar e interagir por meio dos diversos posicionamentos do grupo.
Serão disponibilizadas, no momento oportuno, algumas questões pontuais, que
nortearão a atividade.
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29
Referências da Unidade A: AMARAL, Ligia Assumpção. Conhecendo a deficiência: em companhia de Hércules.
São Paulo: Robe, 1992.
ASSUMPÇÃO Jr. Francisco B. Deficiência Mental. In: BASSOLS, Ana M. S. et. al.
(Orgs.). Saúde Mental na Escola: uma abordagem multidisciplinar. Porto Alegre:
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BANKS-LEITE Luci; GALVÃO, Izabel. A Educação de um Selvagem: as
experiências pedagógicas de Jean Itard. São Paulo: Cortez, 2000.
BAUTISTA, Rafael (Coord.). Necessidades Educativas Especiais. Lisboa, Portugal:
Dinalivro, 1997.
BEYER, Hugo Otto. A Educação Especial: paradigmas, textos e contextos. Texto
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CARVALHO, Rosita Edler. Temas em Educação Especial. Rio de Janeiro: WVA,
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COLL, Cézar; PALACIOS, Jesus; MARCHESI, Álvaro (Orgs.). Desenvolvimento Psicológico e Educação: necessidades Educativas Especiais e Aprendizado
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FERREIRA, A. B. H. Miniaurélio do século XXI. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
2002.
FERREIRA, A. B. H. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. Curitiba:
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FIERRO, Alfredo. As crianças com atraso mental. In: COLL, César; PALACIOS,
Jesus; MARCHESI, Álvaro (Orgs.). Desenvolvimento Psicológico e Educação: necessidades educativas especiais e aprendizado escolar. Porto Alegre: Artes
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HOUAISS, Antônio & CARDIN, Ismael. Webster’s: dicionário Inglês-Português. Rio
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MARCHESI, Álvaro; MARTÍN, Elena. Da terminologia do distúrbio às necessidades
educacionais especiais. In: COLL, César; PALACIOS, Jesus; MARCHESI, Álvaro
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especiais e aprendizado escolar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995, p. 7-23.
MASELLI, Marina; DI PASQUALE, Giovana. Integração escolar dos alunos portadores
de deficiência na Itália. In: SILVA, L. Azevedo Santos (Org.). Identidade Social e a Construção do Conhecimento. Porto Alegre: SMED/POÁ, 1997.
PESSOTTI, Isaías. Deficiência Mental: da superstição à ciência. São Paulo: T. A
Queiroz/EDUSP, 1984.
SAPIENS. SAPIENS: Informação e Conhecimento sobre Superdotação Intelectual.
Disponível em: < http://www.vademecum.com.br/sapiens/QI.htm>. Acesso em: 10 jun.
2006.
SASSAKI, Romeu Kazumi. Mídia e Deficiência. Agência de Notícias dos Direitos da
Infância e da Fundação Banco do Brasil Brasília, 2003.
SKLIAR, Carlos (Org.). Educação & Exclusão: abordagens sócio-antropológicas em
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA. MDT: Estrutura e Apresentação de
Monografias, Dissertações e Teses. 5.ed. Santa Maria: UFSM, 2000.
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VYGOTSKY, L. S. Obras Escogidas: fundamentos de defectología. Madrid: Vísor,
1997. t. 5.
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Acesso em: 10 jun. 2006.
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32
Unidade B – O PROCESSO DE IDENTIFICAÇÃO E DIAGNÓSTICO DO DÉFICIT COGNITIVO
Objetivamos, nesta unidade, definir e analisar aspectos importantes do déficit
cognitivo como: características diagnósticas, características do déficit, fatores
predisponentes para o déficit, curso do déficit cognitivo e os graus do déficit cognitivo.
Para esta unidade, teremos como referência principal o DSM-IV - Manual
Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. Esse manual foi organizado pela
Associação Psiquiátrica Americana e concluído em 1994, sendo publicado em
português no ano de 1995. O DSM-IV começou a ser revisado em 1997 e foi
concluído em 2002, sendo publicado no Brasil em 2003, passando a ser identificado
pela sigla DSM-IV-TR™16. É usado por médicos, psiquiatras, psicólogos, assistentes
sociais, enfermeiros, terapeutas ocupacionais, advogados e outros profissionais da
saúde em geral, especialmente da saúde mental. No caso dos profissionais da
Educação Especial, é um manual que deve ser conhecido e estudado, mas que não
deve ser utilizado para outros fins que não o pedagógico, pois esta é uma área
pedagógica, que não tem formação para prescrever diagnósticos clínicos.
B.1 – Características diagnósticas
Apresentaremos a seguir algumas informações contidas na introdução do DSM-
IV-TR™ (2003). Este manual tem como foco finalidades clínicas, de pesquisa e de
ensino, é apoiado por uma ampla base empírica, que pode ser utilizada por clínicos e
pesquisadores de diferentes orientações (biológica, psicodinâmica, cognitiva,
comportamental, interpessoal, familiar, sistêmica, entre outras). A meta adicional
desse manual é facilitar as pesquisas e melhorar a comunicação entre clínicos e
pesquisadores; aperfeiçoar a coleta de informações clínicas e ser um instrumento
didático para o ensino da psicopatologia.
O DSM-IV-TR™ teve a colaboração de mais de 60 organizações e associações
de diversas partes do mundo. É resultado de 13 grupos de trabalho compostos de
cinco ou mais membros, cujos textos receberam críticas de 50 a 100 consultores,
16 (ASSUNTO) DSM-IV-TR™: Para saber mais sobre o assunto, visite o site: http://www.dsmivtr.org/ (textos disponíveis em inglês).
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33
tendo envolvimento de múltiplos especialistas de diversos países para que tivesse o
mais amplo conjunto de informações e pudesse ser aplicável a diferentes culturas.
Para a revisão dos manuais, foram consultados os idealizadores do DSM-IV e
os do CID-10, com a finalidade de aumentar a compatibilidade entre os dois sistemas.
O CID-10 - Classificação de transtornos mentais e de comportamento da CID-10:
descrições clínicas e diretrizes diagnósticas - é outro manual muito utilizado no Brasil,
mas que ora não será tomado como referência principal.
No DSM-IV-TR™, consta que ainda não foi encontrada uma substituição
apropriada para o termo “transtorno mental”, o qual acaba sugerindo haver uma
distinção entre transtornos “mentais” e “físicos”. No entanto, já foi comprovado, por
meio de uma pesquisa bibliográfica rigorosa, que há vários aspectos físicos no
transtorno mental, como há vários aspectos mentais nos transtornos físicos, sendo
que ambos devem ser levados em consideração. Sabemos que, pela complexidade
do ser humano, muitos conceitos científicos não apresentam uma definição
operacional consistente que cubra todas as situações.
Os Transtornos Mentais são concebidos no DSM-IV-TR™ (2003, p. 7) como:
Síndromes ou padrões comportamentais ou psicológicos clinicamente
importantes que ocorrem num indivíduo e estão associados com
sofrimento (p.ex. sintoma doloroso) ou incapacitação (p.ex. prejuízo em
uma ou mais áreas importantes do funcionamento) ou com um risco
significativamente aumentado de sofrimento, morte, dor, deficiência ou
perda importante da liberdade.
A síndrome deve ser considerada como uma manifestação de uma disfunção
comportamental, psicológica ou biológica no indivíduo. Os comportamentos
desviantes de cada indivíduo, como suas orientações políticas, religiosas ou sexuais,
do mesmo modo que os conflitos entre o indivíduo e a sociedade, não são transtornos
mentais, a menos que sejam sintomas de uma disfunção no indivíduo.
As classificações descritas no DSM-IV-TR™ não objetivam classificar pessoas, e
sim classificar os transtornos que as pessoas apresentam. Por ser uma classificação
americana, o termo utilizado para definir o déficit cognitivo é retardo mental, termo
esse pouco utilizado no Brasil pelos profissionais da Educação. Assim, substituiremos,
no decorrer dessa unidade, o termo retardo mental por déficit cognitivo.
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34
O manual em questão é dividido em uma lista de categorias, as quais são
identificadas por um código com número, estando o déficit cognitivo na seção dos
“Transtornos Geralmente Diagnosticados pela Primeira Vez na Infância ou na
Adolescência”. O déficit cognitivo é classificado em cinco tipos, que serão
apresentados posteriormente, identificados para fins de diagnóstico com os números:
317, 318.0, 318.1, 318.1, 318.2 e 319.
Para introduzir a discussão acerca da caracterização do déficit cognitivo, serão
apresentados alguns conceitos de inteligência, já que, para definir-se o déficit
cognitivo, é preciso recorrer-se ao quociente de inteligência. Assumpção Jr & Sprovieri
(2000, p. 12) apresentam os inúmeros conceitos atribuídos à inteligência:
a) capacidade do organismo para se adaptar convenientemente a
situações novas (Stern, 1914);
b) conjunto de processos de pensamento que constituem a adaptação
mental (Binet, 1916);
c) propriedade de combinar de outro modo as normas de conduta para
poder atuar melhor em situações novas (Wells, 1917);
d) faculdade de produzir reações satisfatórias sob o ponto de vista da
verdade ou da realidade (Thorndike, 1921);
e) capacidade de realizar atividades caracterizadas por serem 1)difíceis; 2)
complexas; 3) abstratas; 4) econômicas; 5) adaptáveis a um certo objetivo;
6) de valor social; 7) carentes de modelos, e, para mantê-las nas
circunstâncias que requeiram concentração de energias e resistências às
forças afetivas (Stoddar, 1943);
f) o grau de eficácia que tem nossa experiência para solucionar nossos
problemas presentes e prevenir os futuros (Goddard, 1945);
g) o total de todos os dons mentais, talentos e perícias úteis nas
adaptações às tarefas da vida (Jaspers, 1945);
h) a capacidade agregada ou global (...) para agir intencionalmente, para
pensar racionalmente e para lidar de modo eficaz com o meio ambiente
(Weschler, 1958);
i) acumulação de fatos e habilidades aprendidos. (...) o potencial
intelectual inato consiste na tendência para engajar-se em atividades que
conduzem à aprendizagem, mais do que as capacidades hereditárias
como tais (Hayes, 1962).
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Outra definição de inteligência é a apresentada por Gardner (1994), por meio da
Teoria das Inteligências Múltiplas17, que compreende que o indivíduo tem
inteligências diversificadas e interdependentes, nomeando-as de: lingüística, musical,
lógico-matemática, espacial, cinestésico-corporal, pessoal, naturalista e espacial.
Figura 7: Inteligências múltiplas
O desenvolvimento das inteligências múltiplas depende de três fatores, ou
percursos, que, de acordo com Antunes (2003), são:
- evolução biológica (hereditariedade, genética, lesões cerebrais);
- evolução histórica e cultural (época e local em que o indivíduo nasceu e foi
criado);
- desenvolvimento individual de uma personalidade específica (experiências e
estímulos que estimulam ou impedem as inteligências de se desenvolverem).
17 (GLOSSÁRIO) Teoria das Inteligências Múltiplas: teoria desenvolvida a partir dos anos 80 por uma equipe de pesquisadores liderados pelo psicólogo Howard Gardner. Foram identificados, naquela época, sete tipos de inteligências.
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36
Como vimos, o conceito de inteligência é muito complexo, bem como a sua
avaliação. O DSM-IV-TR™ (2003, p.73) define três critérios para fins de diagnósticos,
sendo eles:
Critério A
- A característica essencial consiste em um funcionamento intelectual
significativamente inferior à média.
Critério B
- O funcionamento intelectual descrito acima deve vir acompanhado de
limitações significativas no funcionamento adaptativo do indivíduo em pelo menos
duas das seguintes áreas de habilidades: comunicação, autocuidados, vida
doméstica, habilidades sociais/interpessoais, uso de recursos comunitários, auto-
suficiência, habilidades acadêmicas, trabalho, lazer, saúde e segurança.
Critério C
- O indivíduo deve começar a manifestar os sintomas descritos nos critérios A e B
antes dos 18 anos.
A forma de definir o funcionamento intelectual dá-se por meio do quociente de
inteligência (QI ou equivalente) obtido mediante avaliação com um ou mais testes
padronizados de inteligência, de administração individual (por exemplo: Escalas Wechsler18 de Inteligência para crianças – Revisada, Stanford-Binet ou Bateria
Kaufman de Avaliação para crianças).
O funcionamento intelectual significativamente abaixo da média é definido como
um QI por volta de 70 ou menos. É possível diagnosticar o déficit cognitivo em
indivíduos com QI entre 70 e 75, desde que apresentem déficits significativos no
comportamento adaptativo. Contudo, o déficit cognitivo não deve ser diagnosticado
em um indivíduo com um QI inferior a 70, se não houver déficit ou comprometimento
importante no funcionamento adaptativo.
18 (GLOSSÁRIO) Escala de Inteligência Wechsler para crianças: desenvolvida em 1949 e revisada em 2003, a WISC-IV é um dos testes mais aplicados em crianças.
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O comprometimento no funcionamento adaptativo é o sintoma visível no
indivíduo com déficit cognitivo, além do baixo QI. De acordo com o DSM-IV-TR™
(2003, p.73), o funcionamento adaptativo “refere-se ao modo como o indivíduo
enfrenta eficientemente as exigências comuns da vida e o grau em que satisfaz os
critérios de independência pessoal esperado de alguém de sua faixa etária, bagagem
sociocultural e contexto comunitário”.
Existem fatores que podem limitar o desempenho nos testes. Portanto, a escolha
dos instrumentos de testagem e a interpretação dos achados devem levar em conta a
bagagem sociocultural do indivíduo, a língua materna e as deficiências comunicativas,
motoras e sensoriais associadas.
Outros fatores podem influenciar no diagnóstico: grau de instrução, motivação,
características de personalidade, oportunidades sociais e profissionais e transtornos
mentais e condições médicas que podem coexistir com o déficit cognitivo.
O manual indica algumas fontes independentes e confiáveis para evidenciar os
déficits no funcionamento adaptativo de um aluno: a avaliação do professor, o
histórico educacional, o histórico médico e o histórico evolutivo.
Pacheco e Valencia (1997) apresentam cinco correntes que definem o déficit
cognitivo, sendo elas:
Corrente Psicológica ou Psicométrica:
Segundo esta corrente, “é deficiente mental todo o indivíduo que apresenta um
déficit ou diminuição de suas capacidades intelectuais, medida através de testes e
expressa em termos de QI” (Ibid, p.210).
Corrente Sociológica ou Social: Esta corrente defende que “o deficiente mental é aquele que apresenta, em
maior ou menor medida, dificuldade para se adaptar ao meio social em que vive e
para levar a cabo uma vida autônoma” (Ibid, p.210).
Corrente Médica ou Biológica De acordo com esta corrente, “a deficiência mental teria um substrato biológico,
anatômico ou fisiológico e manifestar-se-ia durante o desenvolvimento (até aos 18
anos de idade)” (Ibid, p.210).
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Corrente Pedagógica Considera que:
- O deficiente mental será o indivíduo que tem uma maior ou menor
dificuldade em seguir o processo regular de aprendizagem e que por isso
tem necessidades educativas especiais, ou seja, necessita de apoios e
adaptações curriculares que lhe permitam seguir o processo regular de
ensino (Ibid, p. 211).
A Associação Americana para a Deficiência Mental (AAMD, 1992) e a
Organização Mundial de Saúde19 (OMS, 1985) reuniram as três primeiras correntes
e apresentaram as seguintes definições: “A Deficiência Mental refere-se a um
funcionamento intelectual geral significativamente inferior à média, surgido durante o
período de desenvolvimento e associado a um déficit no comportamento adaptativo”
(AAMD, 1992). A diferença da definição da OMS é em relação ao grau de
comprometimento que se refere como sensivelmente inferior à média.
A classificação do déficit cognitivo, baseada no conceito publicado em 1992 pela
AAMD, considera-o não mais como um traço absoluto da pessoa que o tem, e sim
como um atributo que interage com o seu meio ambiente físico e social. Este
ambiente, por sua vez, deve adaptar-se às necessidades especiais dessa pessoa,
provendo-lhe apoios necessários ao seu desenvolvimento em áreas de funções
adaptativas (Sassaki, 2003).
Diferentes correntes foram apresentadas, mas a que mais se impõe para definir
o grau da deficiência é a psicométrica20, valendo-se do QI para diferenciar as
características de cada grupo. No entanto, como já havíamos mencionado, essa
avaliação não faz parte da formação dos profissionais da Educação.
19 (ASSUNTO) No Brasil, a Organização Mundial de Saúde atua através da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS). Visite o site da OPAS através do link: http://www.opas.org.br/. 20 (GLOSSÁRIO) Psicométrica: exame que permite obter a medida de variáveis psicológicas.
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B.2 – Características De acordo com o DSM-IV-TR™ (2003), não existem características específicas
de personalidade e de comportamentos associados unicamente com o déficit
cognitivo. Alguns indivíduos são passivos e dependentes, enquanto outros podem ser
agressivos e impulsivos. A ausência de habilidades de comunicação pode predispor o
deficiente a comportamentos agressivos, que substituem a linguagem comunicativa.
Não há características físicas explícitas em relação ao déficit cognitivo, exceto
quando fazem parte de uma síndrome específica, como no caso da síndrome de
Down. Quanto mais grave for o déficit cognitivo, maior será a probabilidade de
doenças neurológicas, neuromusculares, visuais, auditivas, cardiovasculares, dentre
outras.
Emmel (2002) apresenta algumas características em relação às habilidades
sociais e aos traços de comportamento de um indivíduo com déficit cognitivo, sendo
elas:
Habilidades Sociais
a) sensibilidade social - dificuldade para,
- reconhecer expressões faciais;
- não responder a um “olhar” do professor;
b) insight social - dificuldade para,
- antecipar futuros comportamentos de outras pessoas;
- julgamento moral;
c) comunicação social,
-falta de habilidade para comunicar pensamentos e sentimentos.
Traços de comportamento - falta de perseverança;
- rígido apego a determinadas respostas, resistência a mudanças;
- persistência em escolher comportamentos inadequados;
- falta de autoconceito;
- poucas inspirações e metas;
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- estranhamento de locais não-familiares;
- suscetibilidade à depressão;
- maiores níveis de ansiedade;
- humor instável.
B.3 – Fatores predisponentes
Figura 8: Fatores pré, peri e pós-natais
Segundo o DSM-IV-TR™ (2003. p. 77), as causas de ordem primária podem ser
biológicas e/ou psicossociais. A etiologia de aproximadamente 30 a 40% dos
indivíduos avaliados em contextos clínicos não é identificada. Os principais fatores
predisponentes são:
a) hereditariedade: inclui erros inatos do metabolismo, herdados, em sua maior parte,
por meio de mecanismos autossômicos recessivos, outras anormalidades em um
só gene com herança mendeliana e expressão variável (por exemplo: esclerose
tuberosa) e aberrações cromossômicas (por exemplo: síndrome de Down por
translocação, síndrome do x frágil);
b) alterações precoces do desenvolvimento embrionário: incluem alterações
cromossômicas (por exemplo: síndrome de Down devido à trissomia 21) ou dano
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pré-natal causado por toxinas (por exemplo: consumo materno de álcool,
infecções);
c) problemas da gravidez e perinatais (aproximadamente 10%): incluem desnutrição
fetal, prematuridade, hipóxia21, infecções e traumatismos);
d) transtornos mentais: incluem Transtorno Autista e outros Transtornos Globais do
Desenvolvimento;
e) condições médicas gerais contraídas no início da infância (aproximadamente 5%):
incluem infecções, traumas e envenenamento (por exemplo: chumbo);
f) influências ambientais e outros transtornos mentais: incluem privação de afeto e
cuidados, bem como de estimulação social, lingüística e outras, e transtornos
mentais graves (por exemplo: Transtorno Autista).
De acordo com o DSM-IV-TR™ (op. cit.), a prevalência devido a fatores
biológicos conhecidos é similar entre crianças de classes socioeconômicas superiores
e inferiores, exceto pelo fato de determinados fatores etiológicos estarem ligados à
situação socioeconômica mais baixa. Em casos nos quais é possível identificar
qualquer causa biológica específica, as classes socioeconômicas inferiores são bem
representadas e o déficit cognitivo geralmente é mais leve, embora todos os níveis de
gravidade estejam representados.
A incidência do déficit cognitivo é maior no sexo masculino, numa proporção de
aproximadamente 1,5:1, segundo o DSM-IV-TR™ (2003).
B.4 – Curso Para o diagnóstico, exige-se que o início do transtorno ocorra antes dos 18 anos,
e a idade e o modo de início dependem da etiologia e da gravidade do déficit
cognitivo. Quanto mais grave for o déficit, mais precocemente será identificado;
portanto, se este for mais leve e de origem desconhecida em geral, será percebido
mais tarde.
Em casos em que o déficit cognitivo é resultante de causa adquirida, o
comprometimento desenvolve-se mais abruptamente.
21 (GLOSSÁRIO) Hipóxia: é a deficiência de oxigênio nos tecidos orgânicos (http://pt.wikipedia.org/wiki/Hipoxia).
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42
As condições médicas gerais subjacentes e os fatores ambientais como
oportunidades educacionais, estimulação e adequação ambientais e manejo
influenciam o curso do déficit cognitivo.
Indivíduos que tiveram déficit cognitivo leve em um momento de suas vidas,
manifestado por fracasso em tarefas de aprendizagem na escola, desenvolvem, com
estimulação e oportunidades apropriadas, boas habilidades adaptativas em outros
domínios, podendo não mais apresentar o nível de comprometimento necessário para
um diagnóstico de déficit cognitivo. Com isso, considera-se que esse não é um
transtorno vitalício (DSM-IV-TR™, 2003).
Em relação aos problemas educacionais dos indivíduos com déficit cognitivo,
Emmel (2002) identifica alguns comportamentos em sala de aula como:
Figura 9: Indivíduo com Déficit Cognitivo: algumas características
Problemas no processamento da informação O indivíduo com déficit cognitivo apresenta:
- dificuldade em completar na lousa trabalhos cujas informações estão
relacionadas às do trabalho do caderno;
- dificuldade em completar espaços em branco;
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43
- inabilidade para perceber regras ortográficas.
Problemas de atenção O indivíduo com déficit cognitivo:
- não completa tarefas;
- não responde prontamente ao ser chamado;
- presta atenção em detalhes incorretos;
- apresenta menor tempo de atenção que as crianças sem déficit cognitivo;
- facilmente distrai-se;
- difere-se dos demais na maneira como direciona a atenção à tarefa;
- apresenta dificuldade em discriminar o estímulo relevante (atenção seletiva).
Problemas de memória O indivíduo com déficit cognitivo:
- apresenta dificuldade em lembrar uma seqüência de direções ou tarefas;
- apresenta dificuldade em gravar fatos ocorridos em curto espaço de tempo:
compreende a tarefa no dia, porém é incapaz de repeti-la no dia seguinte;
- retém melhor figuras do que palavras;
- tem a memorização auxiliada por meio da manipulação de material concreto
(conjunção de sistemas atuantes: visual, tátil e cognitivo).
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Figura 10: Indivíduo com Déficit Cognitivo: auxílio de outros recursos para
aprendizagem
Problemas de linguagem
O indivíduo com déficit cognitivo apresenta: - padrões imaturos de linguagem;
- dificuldade em compreender termos/conceitos abstratos;
- inabilidade para adaptar os comportamentos aos pedidos/ordens verbais;
- dificuldade em responder a questões abertas e de múltipla escolha;
- tendência a respostas “sim/não”;
- necessidade de dicas para respostas verbais.
Problemas de transferência e generalização da aprendizagem
- O indivíduo com déficit cognitivo desempenha uma tarefa específica em uma
situação, mas não é capaz de realizá-la em outra.
B.5 – Níveis/graus do déficit cognitivo e características
Apresentaremos a descrição de cada nível de déficit cognitivo para
conhecimento e análise.
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45
Déficit cognitivo leve: QI 50-55 até aproximadamente 70 (cerca de 85%) Os indivíduos com este nível desenvolvem habilidades sociais e de comunicação
durante os anos pré-escolares (de zero a cinco anos de idade), têm um
comprometimento mínimo nas áreas sensório-motoras e com freqüência não são
facilmente diferenciados de crianças sem o déficit até uma idade mais tardia. Ao final
da adolescência, podem atingir habilidades acadêmicas equivalentes
aproximadamente à sexta série. Durante a idade adulta, geralmente adquirem
habilidades sociais e profissionais adequadas para um custeio mínimo das próprias
despesas, mas podem precisar de supervisão, orientação e assistência,
especialmente se estiverem sob estresse social ou econômico incomuns. Com
suporte apropriado, habitualmente podem viver sem problemas na comunidade de
forma auto-suficiente ou em contextos supervisionados (DSM-IV-TR™, 2003).
Déficit cognitivo moderado: QI 35-40 a 50-55 (cerca de 10%) A maioria dos indivíduos adquire habilidades de comunicação durante os
primeiros anos de infância. Beneficiam-se de treinamento profissional e, com
moderada supervisão, podem tomar conta de si mesmos. Também podem beneficiar-
se do treinamento de habilidades sociais e ocupacionais, mas provavelmente não
progredirão além do nível da segunda série. Esses indivíduos podem aprender a viajar
sozinhos por locais que lhes sejam familiares. Durante a adolescência, suas
dificuldades no reconhecimento das convenções socais podem interferir no
relacionamento com seus pares. Na idade adulta, a maioria é capaz de executar
trabalhos não-qualificados ou semiqualificados sob supervisão, em oficinas protegidas
ou no mercado de trabalho, adaptando-se bem à vida na comunidade, geralmente em
contextos supervisionados (DSM-IV-TR™, 2003).
Déficit cognitivo grave: QI 20-25 a 35-40 (3 a 4%) Durante os primeiros anos de infância, adquirem pouca ou nenhuma fala
comunicativa. Durante o período escolar, podem aprender a falar e ser treinados em
habilidades elementares de higiene, mas se beneficiam apenas em um grau limitado
de instrução em matérias pré-escolares, tais como familiaridade com o alfabeto e
contagem simples, embora possam dominar habilidades tais como a identificação
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visual de algumas palavras fundamentais à “sobrevivência”. Na idade adulta, podem
ser capazes de executar tarefas simples sob estrita supervisão. A maioria adapta-se
bem à vida na comunidade, em pensões ou com suas famílias, a menos que tenham
uma deficiência associada que exija cuidado especializado de enfermagem ou outra
espécie de atenção (DSM-IV-TR™, 2003).
Déficit cognitivo profundo: QI abaixo de 20 ou 25 (1-2%) A maioria dos indivíduos com este diagnóstico tem uma doença neurológica
identificada como responsável pelo déficit. Durante os primeiros anos de infância,
apresentam comprometimento considerável do funcionamento sensório-motor. Um
desenvolvimento mais favorável pode ocorrer em um ambiente altamente estruturado,
com constante auxílio e supervisão, e no relacionamento individualizado com alguém
responsável por seus cuidados. O desenvolvimento motor e as habilidades de higiene
e comunicação podem melhorar com treinamento apropriado. Alguns conseguem
executar tarefas simples, em contextos abrigados e estritamente supervisionados
(DSM-IV-TR™, 2003).
É inegável que existe, no grupo de indivíduos com déficit cognitivo, níveis de
comprometimento que os diferem entre si. Mas o que não podemos fazer é, com base
em seu QI, incluir determinado indivíduo na categoria correspondente ao nível atingido
no teste, subestimando assim as capacidades, as habilidades, as possibilidades de
aprendizagem e de desenvolvimento desse individuo em constante interação social.
Sabemos que as características de cada nível apresentado pelo DSM-IV-TR™
(2003) fazem parte de um estudo mundial envolvendo indivíduos que apresentavam
os déficits de inteligência correspondentes aos QIs estipulados, sendo que, a partir
desses dados, foram identificados comportamentos apresentados em comum pela
maioria deles. Portanto, essa caracterização de cada nível corresponde a uma
generalização dos grupos estudados, a qual, entretanto, não deve ser considerada por
nós educadores como uma predeterminação das aprendizagens e dos
desenvolvimentos dos alunos com déficit cognitivo.
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Atividade da Unidade B: Ao finalizar os conteúdos, é o momento de elaborar uma resenha (individual ou
em dupla) sobre os conhecimentos adquiridos ao longo da disciplina. Vocês
escolherão um assunto para aprofundar as leituras que darão suporte ao trabalho
solicitado, o qual deverá ser disponibilizado na biblioteca virtual conforme orientações
contidas na agenda da disciplina.
Referências da Unidade B: ANTUNES, Celso. Jogos para a Estimulação das Múltiplas Inteligências. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003.
ASSUMPÇÃO Jr, Francisco B.; SPROVIERI, Maria Helena. Introdução ao Estudo da Deficiência Mental. São Paulo: Memnon, 2000.
Cid-10. Classificação de transtornos mentais e de comportamento da CID-10: descrições clínicas e diretrizes diagnósticas. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993.
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<http://www.dsmivtr.org>. Acesso em: 10 jun. 2006.
DSM-IV-TR™. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. Tradução
de Cláudia Dornelles. 4.ed. rev. Porto Alegre: Artmed, 2003.
EMMEL, Maria Luísa Guillaumon. Deficiência Mental. In: PALHARES, Marina Silveira;
MARINS, Simone Cristina. Escola Inclusiva. São Carlos: EDUFSCar, 2002.
GARDNER, Howard. Estruturas da mente: a teoria das inteligências múltiplas. Porto
Alegre: Artes Médicas, 1995.
______. Inteligências Múltiplas: a teoria na prática. Porto Alegre: Artes Médicas,
1995.
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MANTOAN, Maria T.E. Ser ou estar, eis a questão: explicando o déficit intelectual.
Ripo de Janeiro: WVA, 1997.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA. MDT: Estrutura e Apresentação de
Monografias, Dissertações e Teses. 5.ed. Santa Maria: UFSM, 2000.
OPAS. Organização Pan-Americana da Saúde – Representação Brasil. Disponível
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PACHECO, D. B.; VALENCIA, R. P. A Deficiência Mental. In: BAUTISTA, Rafael
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SASSAKI, Romeu Kazumi. Mídia e Deficiência. Agência de Notícias dos Direitos da
Infância e da Fundação Banco do Brasil Brasília, 2003.
WIKIPÉDIA. Wikipédia: a enciclopédia livre. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org>.
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