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O desinvestimento e o abandono no Ensino Superior e a “solução” dos Reitores. por Rodrigo Rivera Desde o início do ano, pelo menos 7 mil estudantes já anularam a sua matrícula e com isso abandonaram, pelo menos temporariamente, a Universidade. Parece-nos que o melhor será analisar a realidade concreta do Ensino Superior nos últimos tempos para compreender as causas destas consequências: - Em Portugal, o Estado apenas financia 66 % do Ensino Superior, um número bastante diferente dos 79% da média da União Europeia. - Temos a 3ª propina de 1º ciclo mais cara da Europa. - Este ano 40 mil estudantes viram o seu processo de bolsa rejeitado. Muitos deles devido às dívidas das famílias à segurança social e às finanças e por não cumprirem o aproveitamento escolar que aumentou para 60 %. - Segundo o investigador Belmiro Cabrita, entre 1995 e 2005, um terço dos estudantes mais pobres já abandonou o Ensino Superior. Nada indica que esta tendência se tenha alterado. - Apenas 24 % dos estudantes têm apoio social, ao contrário de por exemplo o Reino Unido, em que 85 % têm apoio, a Finlândia 71 % e a França 53 %. - Nos 2 últimos anos, cerca de 30 mil estudantes perderam bolsa ou viram a sua bolsa reduzida. - Este orçamento de estado prevê um corte de 148 milhões de euros no Ensino Superior, num total de 864 milhões a menos no Orçamento da Educação. - Hoje, cerca de 16 mil estudantes que não tiveram a bolsa de que precisavam estão endividados em cerca de 200 milhões aos bancos. Apesar destes factos, o Conselho de Reitores propôs o improponível: aumentar as propinas para criar um “fundo de apoio” para alunos com dificuldades. Alunos estes, que também pagarão este aumento de propinas. O problema não está em aumentar a caridade dos estudantes que têm famílias com mais posses para ajudar os estudantes com famílias que têm menos posses. Esse é o papel do Estado. Taxar mais as famílias que têm mais e taxar menos as famílias que têm menos, para depois os filhos dessas famílias terem acesso ao mesmo sistema de Ensino. Quem quer aumentar propinas não quer ter mais jovens nas Universidades, quer pelo contrário que os pobres saiam e que as Universidades sejam um luxo. A crescente desresponsabilização do Estado no financiamento das Instituições de Ensino não é uma consequência da crise. É, como se pode comprovar pelos factos, uma opção política já antiga que traz uma consequência óbvia: menos democracia no acesso ao conhecimento e portanto, menos investimento no futuro do país. Editorial por Daniel Veloso Vivemos hoje num mundo pleno de situações atípicas, de caminhos sinuosos e atribulados. Ou não será legítimo considerar atípica uma altura como a actual? Num momento em que sentimos os direitos regredir e as conquistas sociais extinguirem-se, não será já tempo de reflectirmos sobre o que se passa à nossa volta? No período em que testemunhamos um retrocesso civilizacional sem precedentes, o qual se repercute num progressivo abandono do modelo de democracia, fará sentido permitirmos que essa democracia seja esquecida? Nós pensamos que não. E, como estudantes da FCSH, recusamo-nos a aceitar o desmantelamento do Ensino Superior Público e o subfinanciamento com que asfixiam as faculdades. É por isso que hoje editamos “O Grito”. 50 anos após a crise académica de 1962, em que alunos e professores exigiam liberdade, democracia e acesso à Universidade sem discriminação económica, não podemos manter-nos calados e inactivos. Urge garantir que o Ensino Superior permanece público, urge eliminar o fantasma da sua privatização. Mas urge igualmente actuar, participar, intervir. “O Grito” quer ser uma ferramenta que alargue a democracia na FCSH, quer ser um espaço de debate e troca de ideias. Contrariando a tendência de falta de discussão entre estudantes, propomos-te que partilhes connosco a tua opinião. Junta o teu ao nosso grito! Ajuda-nos a defender a democracia nas faculdades, e a impedir que o ensino se torne um mero negócio! Unidos conseguimos! #1 . Março MMXII Distribuição gratuita

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Uma voz da FCSH

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O desinvestimento e o abandono no Ensino Superior e a “solução” dos Reitores.por Rodrigo Rivera

Desde o início do ano, pelo menos 7 mil estudantes já anularam a sua matrícula e com isso abandonaram, pelo menos temporariamente, a Universidade. Parece-nos que o melhor será analisar a realidade concreta do Ensino Superior nos últimos tempos para compreender as causas destas consequências:

- Em Portugal, o Estado apenas financia 66 % do Ensino Superior, um número bastante diferente dos 79% da média da União Europeia. - Temos a 3ª propina de 1º ciclo mais cara da Europa.- Este ano 40 mil estudantes viram o seu processo de bolsa rejeitado. Muitos deles devido às dívidas das famílias à segurança social e às finanças e por não cumprirem o aproveitamento escolar que aumentou para 60 %. - Segundo o investigador Belmiro Cabrita, entre 1995 e 2005, um terço dos estudantes mais pobres já abandonou o Ensino Superior. Nada indica que esta tendência se tenha alterado.- Apenas 24 % dos estudantes têm apoio social, ao contrário de por exemplo o Reino Unido, em que 85 % têm apoio, a Finlândia 71 % e a França 53 %.- Nos 2 últimos anos, cerca de 30 mil estudantes perderam bolsa ou viram a sua bolsa reduzida.

- Este orçamento de estado prevê um corte de 148 milhões de euros no Ensino Superior, num total de 864 milhões a menos no Orçamento da Educação.- Hoje, cerca de 16 mil estudantes que não tiveram a bolsa de que precisavam estão endividados em cerca de 200 milhões aos bancos.

Apesar destes factos, o Conselho de Reitores propôs o improponível: aumentar as propinas para criar um “fundo de apoio” para alunos com dificuldades. Alunos estes, que também pagarão este aumento de propinas.

O problema não está em aumentar a caridade dos estudantes que têm famílias com mais posses para ajudar os estudantes com famílias que têm menos posses. Esse é o papel do Estado. Taxar mais as famílias que têm mais e taxar menos as famílias que têm menos, para depois os filhos dessas famílias terem acesso ao mesmo sistema de Ensino.

Quem quer aumentar propinas não quer ter mais jovens nas Universidades, quer pelo contrário que os pobres saiam e que as Universidades sejam um luxo. A crescente desresponsabilização do Estado no financiamento das Instituições de Ensino não é uma consequência da crise. É, como se pode comprovar pelos factos, uma opção política já antiga que traz uma consequência óbvia: menos democracia no acesso ao conhecimento e portanto, menos investimento no futuro do país.

Editorialpor Daniel Veloso

Vivemos hoje num mundo pleno de situações atípicas, de caminhos sinuosos e atribulados. Ou não será legítimo considerar atípica uma altura como a actual? Num momento em que sentimos os direitos regredir e as conquistas sociais extinguirem-se, não será já tempo de reflectirmos sobre o que se passa à nossa volta? No período em que testemunhamos um retrocesso civilizacional sem precedentes, o qual se repercute num progressivo abandono do modelo de democracia, fará sentido permitirmos que essa democracia seja esquecida? Nós pensamos que não. E, como estudantes da FCSH, recusamo-nos a aceitar o desmantelamento do Ensino Superior Público e o subfinanciamento com que asfixiam as faculdades. É por isso que hoje editamos “O

Grito”. 50 anos após a crise académica de 1962, em que alunos e professores exigiam liberdade, democracia e acesso à Universidade sem discriminação económica, não podemos manter-nos calados e inactivos. Urge garantir que o Ensino Superior permanece público, urge eliminar o fantasma da sua privatização. Mas urge igualmente actuar, participar, intervir. “O Grito” quer ser uma ferramenta que alargue a democracia na FCSH, quer ser um espaço de debate e troca de ideias. Contrariando a tendência de falta de discussão entre estudantes, propomos-te que partilhes connosco a tua opinião. Junta o teu ao nosso grito! Ajuda-nos a defender a democracia nas faculdades, e a impedir que o ensino se torne um mero negócio! Unidos conseguimos!

#1 . Março MMXIIDistribuição gratuita

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O desenho da arquitetura nas malhas do urbanismoOs caminhos do arquiteto Nuno Portas por entre a questão da habitação social estão expostos em Guimarães 2012 - Capital Europeia da Cultura. por Sofia Marques

Em Guimarães, no seguimento da agenda da Capital Europeia da Cultura 2012, estreou-se no dia 10 deste mês mais uma série de exposições na antiga Fábrica ASA, espaço que surge como uma plataforma criativa que preserva na sua estrutura o peso da arquitetura industrial portuguesa dos anos 60.

Precisamente voltada para a arquitetura (mais precisamente para o urbanismo) é uma das exposições que ocupam um dos espaços da Fábrica. Nuno Portas (n. Vila Viçosa, 1934) protagoniza o caminho do arquitetura urbana portuguesa e partindo da máxima “Ser Urbano” é narrado, entre fotografias, vídeos, slides, maquetes, cartas e publicações, o percurso notável de um dos mais proeminentes arquitetos e urbanistas portugueses. Atualmente professor jubilado da FAUP (Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto) Nuno Portas assumiu-se em Portugal e no mundo como um arquiteto de serviços, sendo tanto a sua vida pessoal como profissional direcionada especialmente para a democratização institucional do país.

Ao longo do percurso o público visita fragmentos das memórias do arquiteto, e em todas elas estão vestígios da preocupação do visado com a habitação social na cidade e a cultura urbana, problemáticas sobre as quais incidem a maioria dos seus projetos nos panoramas nacional e internacional.Substituindo o termo “mal alojados” por “mal urbanizados” Nuno Portas desencadeou, no contexto de efervescência política e social do pós 25

de Abril de 1974, talvez o projeto mais “humanizante” da arquitetura portuguesa: um plano de realojamento urbano integrado no SAAL (Serviço de Apoio Ambulatório Local).

Este plano, criado na vigência do I Governo Provisório pela Secretaria de Estado da Habitação e do Urbanismo, fez nascer novos conceitos como o “direito à cidade”, numa tentativa de ”fazer a cidade” em torno do povo que nela habita, que nela trabalha e que por isso constitui a malha delineadora da sua organização. Esta aproximação entre tecido urbano e os próprios habitantes é estruturada através não só de um ponto de vista arquitetónico, mas sobretudo através de um profundo estudo sociológico, que envolvia arquitetos e população num momento único da história do país.

Pela primeira vez em Portugal a arquitetura unia-se a um processo revolucionário neste projeto cujo objetivo era devolver as casas aos trabalhadores, às populações. Contrariando o mote “construímos casas, vivemos em barracas” os arquitetos elaboravam os planos, o Estado financiava os materiais, e os moradores constituíam a mão-de-obra. O direito à habitação encontrava-se então no centro da agenda política do PREC (Plano Revolucionário Em Curso, 1974-75) e conferia novo sentido à questão da habitação social. Infelizmente este plano nunca chegou a ser plenamente concretizado, dado o clima político instável do país e a constante luta de poderes que impossibilitava a ação efetiva de qualquer programa político.

Nuno Portas permaneceu em contato com o planeamento urbano. Mais tarde integrou equipas de elaboração da legislação relativa ao ordenamento territorial que resultaram no PDM (Plano

Diretor Municipal). Em 1994, nas Jornadas da Sociedade Portuguesa de Urbanistas dedicadas à análise pós-PDM, o arquiteto tece uma crítica ao «Estado autoritário e preguiçoso», culpado de uma má gestão dos fundos comunitários destinados às políticas urbanas.

Atualmente a questão da habitação social volta ao centro das questões sociais dada a conjuntura económica pela qual o país atravessa. No ano de 2011 registou-se um aumento em 77% relativamente ao ano anterior dos pedidos de habitação social à Câmara Municipal de Lisboa. Os requerentes, maioritariamente jovens, são confrontados hoje pelo desemprego, pelos cortes nos salários e nomeadamente pela nova lei do arrendamento, fatores que conduzem a uma inevitável sobrecarga do sistema de habitação social em Portugal.

Que sentido faz, hoje, repensarmos a urgência da democratização habitacional do país? Nuno Portas elaborou linhas de partida para a constituição de um urbanismo moldado pela população. Neste Portugal democrático, em que cada vez mais população urbana não tem acesso a uma habitação digna, estará ainda no centro do debate o “direito à cidade”?

Entre manifestações, greves e petiçõesFCSH contra a elitização do Ensino Superiorpor Margarida Ruela

O abaixo-assinado recolhido durante a semana passada pela Brigada Universitária em Luta (BUL), em nome da suspensão

do pagamento dos exames de melhoria de nota, foi entregue ontem ao Director João Sàágua, em pleno dia de luta dos estudantes do ensino superior. Com esta petição, «os alunos da FCSH pretendem expressar o seu desagrado face às novas medidas tomadas internamente que, mais uma vez, fazem dos estudantes o principal alvo do subfinanciamento do Estado no Ensino Superior».O anunciado aumento do preço das propinas e dos exames de melhoria de nota apenas estrangulam ainda mais os estudantes da FCSH. Ao mesmo tempo, não se verifica qualquer tipo de melhoria nas instalações e serviços da faculdade. Por outro lado, a par destes aumentos, surge também a subida do preço das refeições na cantina e de grande parte dos produtos no bar. Estas subidas reflectem a actual política para o Ensino superior: fazer os alunos pagar mais pelos serviços prestados na faculdade, amplificando os seus encargos com a educação que, afinal de contas, é um direito. O financiamento do Ensino deveria ser garantido pelo Estado; contudo, ao invés, recai fortemente sobre cada uma das nossas famílias. Reza assim a Constituição da República Portuguesa (Artigo 74º): «Todos têm direito ao ensino com garantia do direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar». Actualmente pagamos 10 euros por cada exame de melhoria de nota. Dizemo-nos alunos de uma faculdade pública, enquanto o Ensino Superior caminha crescentemente para a privatização e origina cada vez maiores disparidades entre os que acedem e os que, por dificuldades financeiras, vêem o acesso negado.Ontem, nós, os estudantes, saímos à rua e clamámos por um ensino público digno e abrangente. Amanhã, em dia de Greve Geral, serão muitas vozes a gritar… mas gritarão todas pelo mesmo! Somos hoje estudantes, amanhã precários seremos. A actual juventude estudantil será a futura classe trabalhadora. Esta é também a nossa luta! Elevemos juntos a nossa voz, em uníssono. Gritemos!

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O GRITO: De que forma é que os estudantes devem, se devem, integrar uma manifestação, ou uma greve geral, que é de trabalhadores remunerados e se é efectivamente importante a solidarização dos estudantes com a restante força laboral?

Prof. Dr. João Lisboa: Para já, não é uma greve de trabalhadores remunerados, a greve geral é geral. Segundo, não é sequer dos remunerados, porque os desempregados têm toda a razão para a integrarem, não fazendo parte da greve, mas do movimento social e político e tudo aquilo que tem a ver com a política recessiva, a diminuição de bolsas, de condições afecta os estudantes, não há nenhuma razão para que os estudantes se ponham à margem de um movimento que é geral e tem razões gerais. Além de que também têm razões próprias para se unir. Os estudantes têm de ter um rosto.

G: Acha importante iniciativas veiculadas pelos estudantes, como o piquete de greve ou a distribuição de panfletos relativos à greve?

JL: Os estudantes é que devem saber se é importante ou não. Cada pessoa, cada corpo, cada grupo, cada camada, tem que se sentir responsabilizada. Sendo uma greve geral cada um tem que levantar a sua bandeira e lutar pelas suas reivindicações.

G: Fez parte de algum movimento estudantil no seu tempo de estudante? Em que altura?

JL: Sim. Também andei no secundário, mas na faculdade foi entre 1977 e 1981.

G: E comparativamente, sendo que já não está envolvido neste movimento, acha que há muitas diferenças entre o movimento estudantil de 1977/1981 e o do novo século?

JL: Sim. Para já em 1977/1981 ainda se estava no rescaldo do movimento revolucionário e o tipo de relacionamento dos estudantes com a participação activa era diferente. Depois a forma como se sentia a responsabilidade de cada um na vida da universidade também era outra. Os estudantes participavam no Conselho Directivo. Eu fiz parte do Conselho Directivo da Faculdade de Letras durante vários anos. Hoje em dia não se assiste a isso. O movimento estudantil é minoritário, recuaram. Isso não é só efeito das leis, o movimento estudantil tem as suas próprias características, no entanto o movimento estudantil de hoje reflecte o recuo dessa posição, o que não significa que seja uma mudança para pior. Neste momento, os estudantes não sentem como sendo uma coisa sua, vêem mais como uma maçada, que as pessoas são utentes, são consumidores e vêem a sua vida na faculdade como tal, defender os seus

direitos como direitos do consumidor é totalmente diferente de os defender como cidadania.

G: Sente que as lutas que venceu enquanto estudante estão agora a sofrer um retrocesso?

JL: Parece-me evidente, só a questão das propinas é o exemplo maior. Existe uma diferença muito grande que é a da massificação do ensino superior, nada comparável ao de antigamente. O objectivo que havia, que foi consagrado constitucionalmente, da gratuitidade tendencial foi manifestamente abandonado pelos partidos que têm estado no poder e as universidades conformam-se com isso, e se acham que é preciso co-financiamento, é aos estudantes que têm de o ir buscar.

«O objectivo que havia, que foi consagrado constitucionalmente, da gratuitidade tendencial foi manifestamente abandonado pelos partidos que têm estado no poder»

G: Que perspectivas de futuro podem ter os alunos que se formam e pretendem uma carreira académica na actual conjunctura?

JL: Há de facto um decréscimo do número de pessoas envolvidas na investigação. O desinvestimento tem consequências a nível da qualidade de ensino. É evidente que se não há renovação, se têm de cortar despesas e não há gorduras evidentes, tem que se cortar naquilo que é necessário. As instituições tentam adaptar-se, mas é practicamente impossível. Já de há uns anos a esta parte que as contratacções estão muito bloqueadas e a renovação não se dá. As pessoas mais novas, nas instituições, são muito velhas. Desta forma, as perspectivas dos melhores alunos de licenciatura ou mestrado entrarem nas faculdades onde estudaram como professores são baixíssimas. Não há

renovação e se é necessário cortar mais, só se corta no imprescindível.

«Cada pessoa, cada corpo, cada grupo, cada camada, tem que se sentir responsabilizada.»

G: Qual é a sua posição em relação ao aumento das propinas em 30€, beneficiando os alunos mais carenciados?

JL: (Risos) O que eu acho, não pensando numa perspectiva de gestão, é que o resto das propinas já era para isso. Quando se diz que se vai aumentar as propinas para ajudar os estudantes com dificuldades, então e o resto das propinas, não era para isso? O resto é para financiar o sistema, não é para fazer justiça social. Isto leva-nos a pensar que desde o início há uma fraude, um logro.

G: Acha que é mais uma medida governamental de desresponsabilização social, ou é mesmo necessário?

JL: Acho que o Estado já se demitiu completamente desse papel. É uma tentativa desesperada das universidades de acudir e colmatar o facto de as pessoas estarem a deixar de estudar porque não podem.

G: Na investigação, tem-se sentido muito as medidas de austeridade?

JL: Há aqui várias fases. Os investigadores que têm bolsa agora não foram imediatamente afectados. O problema dos investigadores é que há uma precariedade sem fim à vista e é realidade é agravada pelo facto de possibilidade de haver novos concursos ser diminuta, portanto, há muitas pessoas que agora têm bolsa e não sabem se a vão manter.

G: Quer dirigir alguma mensagem aos estudantes?

JL: Cada um, individualmente, e como parte dos movimentos que integra deve assumir a sua responsabilidade, no momento que atravessamos, dizer aquilo que achamos das coisas.

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«Os estudantes têm de ter um rosto»Docente da UNL-FCSH desde 1989, João Luís Lisboa, professor, sindicalizado, dono de um currículo invejável entre Florença e este pedaço de terra à beira mar plantado, é a primeira voz a fazer-se ouvir nesta primeira edição d’O GRITO. Para a conversa, divagámos sobre greves, movimentos associativos e o futuro do ensino superior.por Diogo Machado Ferreira e Tomás Quitériofotografia de Bárbara Sequeira

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La Primavera Valencianapor Manuel Dios, estudante espanhol de

Erasmus na FCSH

Assim como vem acontecendo em Portugal, em Espanha os cortes na educação, desde a chegada ao Governo da direita presidida por Mariano Rajoy, estão a tornar-se insuportáveis para o ensino público (secundário e superior). Esta situação torna-se mais dramática no caso da Comunidade Valenciana, onde, desde o verão, o Governo Regional cortou mais de 250 milhões de euros na escola pública ao mesmo tempo que os seus responsáveis se encontram envolvidos em escândalos de corrupção. Os estudantes do ensino secundário tiveram que passar todo o inverno sem aquecimento nas salas de aulas e muitos dos centros de ensino encontram-se em risco de fechar as suas portas perante a falta de financiamento por parte do Governo Valenciano. Foi esta situação inadmissível que levou milhares de estudantes do ensino secundário a sair à rua para reivindicar o seu direito a uma educação pública e de qualidade.

Neste contexto de descontentamento, os estudantes da escola secundária Luis Vivés foram o foco mais activo da luta, e a partir do dia 15 de fevereiro começaram a bloquear as estradas próximas ao liceu como forma de tornar visível as suas reivindicações. Os estudantes gritavam em defesa de um ensino público, de forma pacífica, sentados na estrada. A repressão policial não se demorou: imagens de polícias do Corpo de intervenção puxando e agredindo estudantes percorreram o país todo. A primeira manifestação terminou com mais de 10 detidos (a maioria menores de idade) e vários feridos.

fonte: barcelona.indymedia.org

A indignação perante a brutalidade policial e a violência desatada pelos Agentes do Corpo de intervenção provocou uma vaga de solidariedade com mobilizações diárias em Valencia, Madrid ou Barcelona entre outras cidades, chegando a superar as 200 mil pessoas na manifestação de Valencia.A indignação cresceu com

as declarações do Chefe Superior da Polícia que, à pergunta de uma jornalista sobre as forças do Corpo de intervenção insurgidas contra os estudantes, afirmou: “Não é prudente de um ponto de vista táctico e policial eu dizer ao inimigo quais são as minhas forças e debilidades.”

Com esquemas mentais próprios do McCarthismo nos Estados Unidos no período da Guerra Fria, o Chefe Superior da Polícia assinala os estudantes conscientes e combativos como uma ameaça ao que é realmente preciso combater: como “o inimigo”. Um inimigo que teve que se defender com os livros da escola contra os bastões dos Agentes que queriam silenciar pela força a sua luta e o seu espírito. Mas por muitos agentes que sejam enviados, por muitas armas que disparem contra as nossas novas gerações, não conseguirão calar a voz de todos aqueles que no seu dia a dia lutam por condições materiais dignas para todos os cidadãos.

A primavera valenciana tornou-se num símbolo de resistência e oposição contra um Governo que quere terminar com um dos elementos que mais dignificam o Ser Humano: a Educação.

Colaboradores . André Abreu - Luís Baptista - Vasco Dias - Manuel Dios - Sérgio Dundão - Francisco Morgado Gomes - Teresa Ferraz - Diogo Machado Ferreira - Marta Fraga - Marta Luz - Sofia Marques - Bárbara Pereira - Isabel Pires - Tomás Quitério - Rodrigo Rivera - Margarida Ruela - Bárbara Sequeira - Daniel Veloso

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Artigo de OpiniãoCotação das Vidaspor Sérgio Dundão

Na edificação das ilusões, gerações atrás de gerações vivem as suas venturas desafortunadas numa tentativa desesperada e exasperada de adiar o inadiável.

Iludindo-se na sua própria consciência da inconsciência, procuram esquecer o inesquecível, dias sucedendo, dias sonham, tornam-se negros pesadelos transportados nos barcos negreiros, caminham nos seus longos sofrimentos até abarcar no cais da desgraça.

Descem para os seus abismos, como se fosse uma espiral que o bom é o menos mau.

A infância envelheceu e o tempo, na sua confluência, deu-lhes o privilégio de viverem o passado e o presente, mas o futuro não é para todos. As recordações tornam-se opressões e procuram liberdades efémeras para esquecerem o passado.

Tornam-se especialistas do adiamento constantes, vislumbram nas pequenas abertas dos canudos, mas nada conseguem obter, assim só os vossos nomes estão empregues nos canudos.

Assim, sozinhos caminham para todas as portas que se abrem, empregando uma dialéctica que tudo é uma porta para entrar no mercado, neste mercado que não tem racionalidade nem humanismo.

Tomados pelos exasperados, oferecem-se para uma espécie de trabalho que garanta uma espécie de remuneração.

Assim, bolsas sobem e vidas descem numa constante cotação de vidas, gerando mais-valias de vidas desgraçadas.

Esta greve também é tua!

Concentração Quinta-feira, 22 de Março, pelas 15 horas no portão da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas.

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