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1 O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO Contendo a explicação das máximas morais de Jesus de Nazaré, a sua concordância com o Espiritismo e a sua aplicação às diversas situações da vida. Por ALLAN KARDEC AUTOR DE “O LIVRO dos ESPÍRITOS” Fé inabalável é somente aquela que pode encarar a razão, face a face, em todas as épocas da Humanidade. tradução para português de Portugal / 2020 A partir da Terceira Edição José da Costa Brites e Maria da Conceição Brites https://palavraluz.com/

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O EVANGELHO

SEGUNDO O ESPIRITISMO

Contendo a explicação das máximas morais de Jesus de Nazaré, a sua concordância com o Espiritismo e a sua aplicação às diversas situações da vida.

Por ALLAN KARDEC AUTOR DE “O LIVRO dos ESPÍRITOS”

Fé inabalável é somente aquela que pode encarar a razão, face a face, em todas as

épocas da Humanidade.

tradução para português de Portugal / 2020

A partir da Terceira Edição

José da Costa Brites e Maria da Conceição Brites

https://palavraluz.com/

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O EVANGELHO SEGUNDO

O ESPIRITISMO

Tradução para Português de Portugal – 2020 José da Costa Brites e Maria da Conceição Brites

Notas de rodapé

No corpo desta obra são inseridas apenas as notas originais de Allan Kardec, com a respetiva identificação

(AK), de modo a respeitar o formato do texto original francês.

NOTAS FINAIS

São publicadas no fim do livro um conjunto de notas que foram julgadas muito importantes para a contextualização de algumas palavras, expressões ou temas tratados. Vão sendo referenciadas ao longo do texto, com a indicação do tema e respetiva numeração, entre parêntesis retos.

Uso de maiúsculas

As palavras redigidas com letra maiúscula são as que a gramática portuguesa recomenda para esse efeito. A palavra Deus, e as expressões que se lhe referem também são grafadas com maiúscula, bem como as palavras Humanidade e Universo. A palavra Espírito igualmente, nos casos em que Allan Kardec adotou esse critério.

Textos Bíblicos transcritos ao longo desta tradução:

Ao longo desta tradução de o “Evangelho segundo o Espiritismo”, todos os textos Bíblicos, quer do Antigo,

quer do Novo Testamento, não foram traduzidos do original de Allan Kardec, mas sim pesquisados e transcritos

da Bíblia Sagrada, traduzida por João Ferreira de Almeida, versão revista e corrigida.

Apresentamo-los na sua forma original, evitando corrigir até a pontuação, para não lhes retirar, como diz

Kardec, “a ingenuidade primitiva, que lhes dá, ao mesmo tempo, encanto e autenticidade.”

Tomámos essa decisão devido à grande familiaridade que os leitores de língua portuguesa de todas as

latitudes, e de há muitíssimos anos, têm mantido com essa notável e muito apreciada tradução em língua

portuguesa da Bíblia.

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ÍNDICE

ÍNDICE .............................................................................................................................................................................................. 3

PREFÁCIO DOS TRADUTORES ............................................................................................................................................................. 7

PREFÁCIO ....................................................................................................................................................................................... 11

INTRODUÇÃO ................................................................................................................................................................................. 13

I − Objetivo desta obra ........................................................................................................ 13

II − Autoridade da cultura espírita ...................................................................................... 14 Controlo universal do ensino dos Espíritos / CUEE ............................................................. 14

III − Notas históricas ............................................................................................................ 18 IV − Sócrates e Platão, precursores da ideia cristã e do espiritismo .................................. 21

Resumo das ideias de Sócrates e Platão ......................................................................................................................................... 22 CAPÍTULO I ─ NÃO VIM DESTRUIR A LEI ........................................................................................................................................... 29

As três revelações ............................................................................................................... 29 Moisés ................................................................................................................................. 29 Jesus .................................................................................................................................... 30

O espiritismo ....................................................................................................................... 30 Aliança da ciência e da religião ........................................................................................... 31

INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS ............................................................................................................................................................ 32

A nova era ........................................................................................................................... 32 CAPÍTULO II - O MEU REINO NÃO É DESTE MUNDO ........................................................................................................................ 35

A vida futura ........................................................................................................................ 35 A realeza de Jesus ............................................................................................................... 36

O ponto de vista .................................................................................................................. 36 INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS ............................................................................................... 37 Uma realeza terrena ........................................................................................................... 37

CAPITULO III - HÁ MUITAS MORADAS NA CASA DE MEU PAI .......................................................................................................... 39 Diferentes estados da alma no período entre vidas ........................................................... 39

Diversas categorias de mundos habitados .......................................................................... 39 O destino da Terra. Causas das misérias humanas ............................................................. 40 INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS: .............................................................................................. 40

Mundos inferiores e mundos superiores ............................................................................ 40 Mundos de expiações e de provas ...................................................................................... 42 Mundos de regeneração ..................................................................................................... 43

Progressão dos mundos ...................................................................................................... 44 CAPÍTULO IV - Ninguém pode ver o reino de Deus se não nascer de novo..................................................................................... 45

Ressurreição e reencarnação .............................................................................................. 45 INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS: .................................................................................................................................................................. 50

Limites da encarnação......................................................................................................... 50 Necessidade da encarnação ................................................................................................ 51

CAPÍTULO V - BEM-AVENTURADOS OS AFLITOS .............................................................................................................................. 53

Justiça das aflições .............................................................................................................. 53 Causas reais das aflições ..................................................................................................... 53

Causas precedentes das aflições ......................................................................................... 54 Esquecimento do passado .................................................................................................. 56 Motivos de resignação ........................................................................................................ 57

O suicídio e a loucura .......................................................................................................... 57 INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS ............................................................................................................................................................ 59

Bem sofrer e mal sofrer ...................................................................................................... 59 O mal e o remédio ............................................................................................................... 59 A felicidade não é deste mundo.......................................................................................... 61

Perda de entes queridos e mortes prematuras .................................................................. 62 Se fosse pessoa de bem teria morrido ................................................................................ 62 Os tormentos voluntários ................................................................................................... 63

A infelicidade autêntica ....................................................................................................... 63 A melancolia ........................................................................................................................ 64 Provas voluntárias. O verdadeiro cilício .............................................................................. 65

CAPÍTULO VI – JESUS, o CONSOLADOR ............................................................................................................................................ 69 O jugo leve........................................................................................................................... 69

O consolador prometido ..................................................................................................... 69 INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS ............................................................................................... 70 Chegada do Espírito de Verdade ......................................................................................... 70

CAPÍTULO VII - BEM-AVENTURADOS OS POBRES DE ESPÍRITO ........................................................................................................ 73 O que deve entender-se por “pobres de espírito” ............................................................. 73

Quem se eleva será rebaixado ............................................................................................ 73 Mistérios ocultos aos sábios e aos prudentes .................................................................... 75

INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS ............................................................................................................................................................ 76

O orgulho e a humildade ..................................................................................................... 76 Missão dos inteligentes na Terra ........................................................................................ 78

CAPÍTULO VIII - BEM-AVENTURADOS OS PUROS DE CORAÇÃO .................................................................................................... 81

Deixai vir a mim os pequeninos .......................................................................................... 81

Pecado por pensamento. Adultério .................................................................................... 82

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Verdadeira pureza. Mãos não lavadas ................................................................................ 82 Escândalos. Se a vossa mão é motivo de escândalo, cortai-a............................................. 83

INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS ............................................................................................................................................................ 85

Deixai vir a mim os pequeninos .......................................................................................... 85 Bem-aventurados os que têm os olhos fechados ............................................................. 86

CAPÍTULO IX ─ Bem-aventurados os mansos e pacíficos .............................................................................................................. 89

Injúrias e violências ............................................................................................................. 89 INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS ............................................................................................................................................................ 90

A afabilidade e a doçura ...................................................................................................... 90 A paciência .......................................................................................................................... 90 Obediência e resignação ..................................................................................................... 90

A cólera................................................................................................................................ 91

CAPÍTULO X - BEM-AVENTURADOS OS MISERICORDIOSOS .......................................................................................................... 93

Perdoai para que Deus vos perdoe ..................................................................................... 93 Reconciliar-se com os adversários ...................................................................................... 93

O sacrifício mais agradável a Deus ...................................................................................... 94 O argueiro e a trave no olho ............................................................................................... 94 Não julgueis para não serdes julgados. ............................................................................... 95

Aquele que estiver sem pecado que atire a primeira pedra .............................................. 95 INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS: ........................................................................................................................................................... 96

Perdão das ofensas ............................................................................................................. 96 A indulgência ....................................................................................................................... 97

CAPÍTULO XI - Amar o próximo como a si mesmo ......................................................................................................................... 101

O maior mandamento ....................................................................................................... 101 Dai a César o que é de César ............................................................................................. 102

INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS: ......................................................................................................................................................... 102 A lei de amor ..................................................................................................................... 102

O egoísmo ......................................................................................................................... 105 A fé e a caridade ................................................................................................................ 106 Caridade para com os criminosos ..................................................................................... 106

CAPÍTULO XII - Amai os vossos inimigos ........................................................................................................................................ 109 Pagar o mal com o bem ..................................................................................................... 109

Os inimigos desencarnados ............................................................................................... 110 Se alguém te bater na face direita, oferece-lhe também a outra .................................... 111

INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS .......................................................................................................................................................... 112

A vingança ......................................................................................................................... 112 O ódio ................................................................................................................................ 112

O Duelo .............................................................................................................................. 113

CAPÍTULO XIII - Que a mão esquerda não saiba o que dá a direita ............................................................................................ 117

Fazer o bem sem ostentação ............................................................................................ 117 As infelicidades escondidas ............................................................................................... 118

O óbolo da viúva ................................................................................................................ 119 Convidar os pobres e estropiados ..................................................................................... 119

INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS .......................................................................................................................................................... 120

A caridade material e a caridade moral ............................................................................ 120 A beneficência ................................................................................................................... 121

A piedade .......................................................................................................................... 126 Os órfãos ........................................................................................................................... 126

CAPÍTULO XIV - HONRA TEU PAI E TUA MÃE ................................................................................................................................. 129

Piedade filial ...................................................................................................................... 129 Quem é a minha mãe e quem são os meus irmãos? ........................................................ 130

Parentesco corporal e espiritual ....................................................................................... 131 INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS .......................................................................................................................................................... 132

A ingratidão dos filhos e os laços de família ..................................................................... 132 CAPÍTULO XV ─ FORA DA CARIDADE NãO HÁ SALVAÇÃO .............................................................................................................. 135

O que é preciso para ser salvo. Parábola do bom samaritano ......................................... 135 O maior mandamento ....................................................................................................... 136 Necessidade da caridade segundo São Paulo ................................................................... 137

Fora da Igreja não há salvação. Fora da verdade não há salvação ................................... 137 INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS .......................................................................................................................................................... 138

Fora da caridade não há salvação ..................................................................................... 138 CAPÍTULO XVI - SERVIR A DEUS E A MAMON ................................................................................................................................. 139

A salvação dos ricos .......................................................................................................... 139 Não praticar a avareza ...................................................................................................... 139 Jesus em casa de Zaqueu .................................................................................................. 139

Parábola do mau rico ........................................................................................................ 140 Parábola dos talentos ........................................................................................................ 140 Utilidade providencial da riqueza ..................................................................................... 141

Desigualdade das riquezas ................................................................................................ 142 INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS .......................................................................................................................................................... 143

A verdadeira propriedade ................................................................................................. 143 Emprego da riqueza .......................................................................................................... 144 Desprendimento dos bens terrenos ................................................................................. 146

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CAPÍTULO XVII -SEDE PERFEITOS ................................................................................................................................................. 149

Características da perfeição .............................................................................................. 149

A pessoa de bem ............................................................................................................... 149 Os bons espíritas ............................................................................................................... 150 Parábola da semente......................................................................................................... 151

INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS .......................................................................................................................................................... 152 O Dever .............................................................................................................................. 152

A virtude ............................................................................................................................ 153 Os superiores e os inferiores ............................................................................................ 154 Os seres humanos no mundo ............................................................................................ 155

Cuidar do corpo e do Espírito ........................................................................................... 155 CAPÍTULO XVIII ─ MUITOS OS CHAMADOS E POUCOS OS ESCOLHIDOS ........................................................................................ 157

Parábola da festa de núpcias ............................................................................................ 157 A porta estreita ................................................................................................................. 158 Nem todos os que dizem: “Senhor, Senhor!” entrarão no reino dos céus ...................... 159

A quem muito foi dado, muito será pedido ...................................................................... 160 INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS .......................................................................................................................................................... 161

Ao que tem se lhe dará ..................................................................................................... 161 Reconhece-se o cristão pelas suas obras .......................................................................... 162

CAPÍTULO XIX - A FÉ QUE TRANSPORTA MONTANHAS .................................................................................................................. 165

O poder da fé .................................................................................................................... 165 A fé religiosa. Condição da fé inabalável. ......................................................................... 166

Parábola da figueira que secou ......................................................................................... 167 INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS .......................................................................................................................................................... 168

A fé, mãe da esperança e da caridade .............................................................................. 168 A fé divina e a fé humana .................................................................................................. 168

CAPÍTULO XX ─ OS TRABALHADORES DA ÚLTIMA HORA ............................................................................................................... 171 INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS .......................................................................................................................................................... 171

Os últimos serão os primeiros ........................................................................................... 171 Missão dos espíritas .......................................................................................................... 172 Os obreiros do Senhor....................................................................................................... 174

CAPÍTULO XXI ─ FALSOS MESSIAS E FALSOS PROFETAS ................................................................................................................. 175 Conhece-se a árvore pelos frutos ..................................................................................... 175

Missão dos profetas .......................................................................................................... 175 Prodígios dos falsos profetas ............................................................................................ 176 Não acrediteis em todos os Espíritos ................................................................................ 176

INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS .......................................................................................................................................................... 177 Os falsos comunicantes, Espíritos enganadores e pseudossábios .................................... 177

Características dos verdadeiros Espíritos de Deus ........................................................... 178 Os Espíritos enganadores do intervalo entre vidas .......................................................... 179 Jeremias e os falsos profetas ............................................................................................ 180

CAPÍTULO XXII ─ NÃO SEPARAR O QUE DEUS JUNTOU .................................................................................................................. 181 Indissolubilidade do casamento ........................................................................................ 181

O divórcio .............................................................................................................................. 182 CAPÍTULO XXIII ─ MORAL ESTRANHA ............................................................................................................................................. 183

Aborrecer pai e mãe .......................................................................................................... 183 Abandonar pai, mãe e filhos ............................................................................................. 184

Deixai aos mortos o cuidado de enterrar os seus mortos ................................................ 185 Não vim trazer a paz, mas a divisão .................................................................................. 185

CAPÍTULO XXIV ─ NÃO PÔR A CANDEIA DEBAIXO DO ALQUEIRE ................................................................................................. 189

A candeia debaixo do alqueire. Porque fala Jesus por parábolas ..................................... 189 Não se dirijam aos gentios ................................................................................................ 190

Os sãos não precisam de médico ...................................................................................... 191 A coragem da fé ................................................................................................................ 192 Carregar a cruz. Quem quiser salvar a vida, perdê-la-á .................................................... 193

CAPÍTULO XXV ─ BUSCAI E ACHAREIS ............................................................................................................................................ 195 Ajuda-te e o Céu te ajudará .............................................................................................. 195

Olhai as aves do céu .......................................................................................................... 196 Não vos canseis pela posse do ouro ................................................................................. 197

CAPITULO XXVI ─ Dai de graça o que de graça recebestes ............................................................................................................ 199

Dom de curar ..................................................................................................................... 199 Preces pagas ...................................................................................................................... 199

Vendilhões expulsos do templo ........................................................................................ 200 Mediunidade gratuita........................................................................................................ 200

CAPÍTULO XXVII ─ PEDI E OBTEREIS ............................................................................................................................................... 203

Qualidades da prece .......................................................................................................... 203 Eficácia da prece ............................................................................................................... 203

Ação da prece. Transmissão do pensamento ................................................................... 204 Preces inteligíveis .............................................................................................................. 207 Da prece pelos mortos e pelos Espíritos sofredores ........................................................ 207

INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS .......................................................................................................................................................... 209 Modo de orar .................................................................................................................... 209

Felicidade que a prece proporciona.................................................................................. 210 CAPÍTULO XXVIII ─ PRECES ESPÍRITAS ............................................................................................................................................ 211

PREÂMBULO ...................................................................................................................... 211 PRECES GERAIS 212

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Oração dominical .............................................................................................................. 212 Reuniões Espíritas ............................................................................................................. 215 Pelos médiuns ................................................................................................................... 216

II. PRECES PESSOAIS ....................................................................................................................................................................... 218 Aos Anjos da Guarda e aos Espíritos protetores ............................................................... 218

Para afastar os maus Espíritos .......................................................................................... 219 Para corrigir um defeito .................................................................................................... 220 Para resistir a uma tentação ............................................................................................. 220

Graças por uma vitória sobre a tentação .......................................................................... 221 Para pedir um conselho .................................................................................................... 221 Nas aflições da vida ........................................................................................................... 222

Graças por um favor obtido .............................................................................................. 222 Ato de submissão e de resignação .................................................................................... 223 Diante de um perigo iminente .......................................................................................... 224

Ação de graças por ter escapado a um perigo .................................................................. 224 No momento de adormecer.............................................................................................. 224 Prevendo a morte próxima ............................................................................................... 225

III. PRECES PELOS OUTROS ............................................................................................................................................................. 227 Por alguém que esteja em aflição ..................................................................................... 227

Graças por um benefício concedido a outro ..................................................................... 227 Para os nossos inimigos e para os que nos querem mal .................................................. 228 Graças por um bem concedido aos nossos inimigos ........................................................ 228

Pelos inimigos do Espiritismo ............................................................................................ 229 Prece por uma criança que acaba de nascer .................................................................... 230 Por um agonizante ............................................................................................................ 231

IV. PRECES PELOS ESPÍRITOS QUE DEIXARAM A TERRA ................................................................................................................. 232 Para logo após a morte ..................................................................................................... 232

Por aqueles a quem amamos ............................................................................................ 233 Pelos sofredores que pedem preces ................................................................................. 234 Por um Inimigo que morreu .............................................................................................. 235

Por um criminoso .............................................................................................................. 235 Por um suicida ................................................................................................................... 236 Pelos Espíritos arrependidos ............................................................................................. 236

Pelos Espíritos endurecidos .............................................................................................. 237 V. PRECES PELOS DOENTES E OS OBSIDIADOS ............................................................................................................................... 239

Pelos doentes .................................................................................................................... 239 Pelos obsidiados ................................................................................................................ 240

Notas finais243

Na Revista Espírita de Novembro de 1865, página 20, podemos ler:

“NO PRELO, PARA APARECER EM ALGUNS DIAS, O Evangelho segundo o Espiritismo por Allan Kardec,

3ªedição, REVISTA, CORRIGIDA E MODIFICADA ─ Esta edição foi objeto de uma reforma completa. Além de

algumas adições, as principais alterações consistem numa classificação mais metódica, mais clara e mais

cómoda das matérias, o que torna a sua leitura e as buscas mais fáceis.

A 3ª edição francesa (1865) ficou, pois, sendo a definitiva e foi a partir dela que se fez a presente tradução.

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PREFÁCIO DOS TRADUTORES

O QUE É O ESPÍRITISMO? Ideias colhidas em “O que é o Espiritismo” de Allan Kardec, 1859

“…O espiritismo funda-se na existência de um mundo invisível, formado pelos seres incorpóreos que povoam o

espaço e que são as almas daqueles que viveram na terra, ou noutros planetas. São os seres a que chamamos Espíritos, que nos cercam, exercendo sobre nós uma grande influência e

desempenhando papel muito ativo no mundo moral…”

“…o Espiritismo é, ao mesmo tempo, uma ciência de observação e uma doutrina filosófica.

Como ciência prática consiste nas relações que se estabelecem entre nós e os Espíritos; como filosofia, analisa todas as consequências morais que derivam dessas relações.

Podemos defini-lo assim: “…é uma ciência que trata da natureza, da origem e do destino dos Espíritos,

bem como das suas relações com o mundo corporal…” “…o Espiritismo, depois de se tornar conhecido, esclareceu grande número de problemas,

até certa altura insolúveis ou mal compreendidos. O seu verdadeiro caráter é o de uma ciência e não de uma religião…”

“O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO” de Allan Kardec

Conforme está na capa da obra original, trata-se categoricamente de: “O EVANGELHO SEGUNDO O

ESPIRITISMO” e de forma nenhuma “o Espiritismo segundo o Evangelho”.

Convém fixar esta ideia claríssima e conservá-la em mente, porque é fundamental.

Ou seja, em nenhum dos aspetos desta obra nos é apresentada uma versão do Espiritismo paralela ou

diretamente derivada do conteúdo narrativo dos Evangelhos, exceto na parte subjacente que corresponde

a ensinamentos de Jesus de Nazaré, coincidentes com o ensino moral dos Espíritos, esse sim, fonte legítima

e atualizada do Espiritismo.

Portanto, para todos aqueles que têm este livro como uma aproximação tácita a uma conceção

evangélica do ensino dos Espíritos, afirmamos redondamente que não é esse o significado que lhe atribuiu

o seu autor ou as entidades espirituais que comunicaram os seus conteúdos.

A presença na obra de citações escolhidas dos evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e João destinam-

se predominantemente à descodificação de fragmentos desses Evangelhos concebidos com o carácter de

metáforas ou de parábolas, muitas vezes redigidos numa linguagem místico-alegórica, de situações que

nem sequer poderiam ter sido vividas por Jesus de Nazaré.

Citamos apenas um exemplo, entre muitos que poderíamos mostrar: as cenas referíveis a tentações a

que Jesus teria sido sujeito pelo próprio “diabo”, que inconcebivelmente o teria levado para o deserto para

esse efeito.

Sabemos, pelo estudo da escala espírita que está incluída em “O Livro dos Espíritos” que Jesus, sendo

um Espírito puro, estaria definitivamente acima dessa eventualidade, além de que a figura de “o diabo” é

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meramente teórica e que “o Inferno” não existe. Pela sua intensidade imaginária, episódios como este, tão

totalmente fora da possibilidade real, têm sido expressivamente ilustrados, até em cinema e em vídeo,

arrastando a equívocos de carácter lamentável.

Que fique bem claro, portanto, que as explicações dos capítulos que foram acrescentadas pelo autor de

“O Evangelho segundo o Espiritismo” a cada conjunto de citações dos Evangelhos, explicam o verdadeiro

sentido que lhes é associável no âmbito específico do ensino dos Espíritos.

O ENSINO DOS ESPIRITOS É BEM CONHECIDO DESDE A ANTIGUIDADE

O livro que apresentamos, logo no número IV da Introdução, inclui um resumo com algum detalhe de

um fenómeno geralmente desconhecido e muito pouco discutido nas suas razões histórico-culturais:

Sócrates e Platão percursores da ideia cristã e do espiritismo.

Esse interessantíssimo momento desta obra fornece uma detalhada referência que comprova que os

princípios do espiritismo estão no arquivo dos conhecimentos da Humanidade há muito mais de vinte

séculos.

Conhecimentos resultantes de muito numerosas trocas de impressões com os Espíritos, exatamente do

mesmo tipo de comunicações que foram levadas à prática por Allan Kardec e seus colaboradores, já muito

conhecidas nessas recuadas épocas da história da Humanidade.

Esses conhecimentos tiveram condições para se implantarem numa vasta sociedade culta, com grande

projeção civilizacional, informando os estudos de notáveis filósofos, grandes homens de ideias e até

importantes e diferenciados sectores da sociedade.

Qualquer enciclopédia nos dará uma ideia bastante concreta de “pré-socráticos”, como Pitágoras,

fundador da duradoura Escola Pitagórica, com notáveis estudos sobre a alma e a reencarnação e um

numeroso grupo de discípulos que se projetou por séculos, em pleno coração da Antiguidade Clássica.

Chamamos a atenção para um simples detalhe, ainda relativo à obra de Platão. Da sua importantíssima

obra “A República”, faz parte “O Mito de Er”, a narrativa de um fenómeno do mesmo género de

experiências que na atualidade têm atingido notoriedade mundial, com milhões de exemplos registados,

investigados em numerosos países com a designação de “EQM - Experiências de Quase-Morte” ou, em

inglês, as conhecidíssimas “NDE – Near Death Experiences”.

O DESCONHECIMENTO DO FUTURO EVOLUTIVO – MOTIVO DE MEDOS E ANGÚSTIAS

Uma complexa ordem de transformações que colocaram termo à Antiguidade Clássica, fez com que o

ensino dos Espíritos e a vasta zona de influência de que dispunha, tivesse sido irradiado das práticas socio-

culturais e ideológicas de toda a sociedade organizada.

Os vestígios de toda essa imensa cultura, foram sendo implacavelmente combatidos pela que se foi

instalando nas áreas de predominância dogmática.

Não tardaria que as pessoas que praticavam a mediunidade fossem presas e condenadas, como gente

que praticava feitiçarias e “falava com o diabo”. Séculos e séculos duraram em que eram queimadas vivas,

como gente maldita e cúmplices do demónio.

O espiritualismo teórico e prático, o conhecimento da vida depois da morte e a evolução da humanidade

concebida pelo processo das vidas sucessivas, permaneceu largamente ignorado durante cerca de vinte

séculos, que mergulharam no silêncio a consciência fundamental da sequência das vidas e das mortes.

Ao longo desse imenso lapso de tempo as desigualdades e os conflitos sangrentos tiveram a palavra

mais pesada nas atitudes e dores da Humanidade, cujas nefastas sementes continuam a ser plantadas num

mundo ansioso e desigual, agora já com mais de sete mil milhões de almas.

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A ignorância da verdadeira natureza, da origem e do destino dos Espíritos, fez com que se tenham

generalizado culturas dominadas pelo materialismo mais violento, causador de desigualdades e conflitos,

como bem registam os livros de História de vários continentes.

O medo da morte aflige uma grande maioria dos habitantes da Terra, trazendo a inquietação e a

angústia, sobretudo para aqueles cuja morte se aproxima. Outra situação de dor e de incerteza é a perda

de entes queridos, atingindo o falecimento de parentes na idade juvenil uma incompreensão dolorosa,

muito difícil de entender, para além do negrume inexplicável da própria morte.

A VIDA DEPOIS DA MORTE – CONHECIMENTO AO ALCANCE DE TODOS

Na atualidade, o estudo dessas ideias, com elevado nível de aprofundamento e de provas experimentais

muito sólidas está ao pleno alcance de todas as pessoas. Só depende de cada um de nós interessarmo-nos

e desejar abordar esse estudo. Tem sido feito desse há muitos anos, como é de há muitos séculos, nas

reuniões tidas com assistência de pessoas especialmente dotadas com o naturalíssimo sentido da

mediunidade, em reuniões especialmente organizadas para esse efeito.

Desde fins do século XIX, começos do século XX já não foi só em reuniões geralmente confidenciais e

muito recolhidas.

Já de há muito são feitas por médiuns muito conhecidos e prestigiados, sob os auspícios de

investigadores de elevado nível académico, em instituições especializadas.

Estudos devidamente organizados por interessados conhecidos, que já não foram perseguidos pela

medonha inquisição para serem torturados ou queimados vivos por… “falarem com o demónio”.

É fácil conhecer todo esse universo, está ao alcance de todos.

O ESTUDO ESSENCIAL E COMPLETO DA OBRA DE ALLAN KARDEC

Chamamos a atenção de uma ideia que se aplica a todos os escritos de Allan Kardec: não são obras para

ler; as obras de Allan Kardec, são obras para estudar!...

Não é por uma simples leitura que se chega à compreensão adequada dos temas que devem ser

articulados a partir da leitura da obra, relacionando conteúdos entre si, pelo estudo cuidadoso das outras

obras do mesmo autor.

Chamamos a atenção para a importância fundamental da REVISTA ESPÍRITA, tão largamente ignorada.

Há estudos sobre as obras de Allan Kardec que fazem referências concretas a certas passagens da

mesma, sendo possível ter acesso imediato aos trechos citados e respetiva interpretação através da sua

abundante disponibilidade internet.

Sugerimos como base de dados muitíssimo completa, a visita de: https://kardecpedia.com/.

COMO E ONDE EXISTE O ESPIRITISMO

O espiritismo, se existe e merece nome, é construído por nós, na autonomia do nosso pensamento. É

fruto da nossa condição de Espíritos sujeitos ao itinerário já percorrido, ansiosos por avançar honestamente

na parcela da verdade que nos for permitido construir no território amplo e livre da nossa consciência.

Ler, estudar e pesquisar é fundamental, para que o nosso pensamento se encontre com ideias novas,

diferentes, pesquisadas e descobertas por outros seres como nós, empenhados na sua própria evolução,

suficientemente generosos na partilha.

Vivemos a vida material responsáveis por todos os nossos atos e pensamentos, solidários com todos os

nossos semelhantes. Enquanto vivos a categoria de seres dotados de consciência autónoma e livre arbítrio,

permite-nos todo o tipo de diligências de associação cultural.

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Mas no momento do regresso à pátria espiritual, no voo livre pelo túnel palpitante que nos conduz à luz

da paz infinita, vamos sós, levando connosco o que pensámos, dissemos e fizemos durante toda uma curta

vida. São essas aquisições que nos guiam, frente a novos e magníficos desafios que se seguirão.

José da Costa Brites e Maria da Conceição Brites

Notas importantes:

Os autores da tradução desta e de outras obras de Allan Kardec têm seguido com muita atenção todos

estes estudos, individualmente, em clima de total independência cultural e ideológica.

Seguem as suas próprias ideias e não são afetos a nenhum sector com diretrizes pré-definidas.

O nosso trabalho de investigação e estudo do espiritismo encontra-se à disposição de todos em fontes

de consulta residentes na internet, entre elas: “palavraluz.com” e “espiritismocultura.com”.

Pessoalmente estamos totalmente disponíveis para depoimentos, observações e críticas, através do e-

mail: [email protected]

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PREFÁCIO

Os Espíritos do Senhor, que são as virtudes dos Céus, como um imenso exército que se movimenta logo

que recebe a ordem de comando, dispersam-se por toda a superfície da Terra. Como se fossem estrelas

cadentes, vêm iluminar os caminhos e abrir os olhos aos cegos.

Em verdade vos digo, são chegados os tempos em que o verdadeiro sentido das coisas deve ser

restabelecido, para iluminar as trevas, desconcertar os orgulhosos e glorificar os justos.

As grandes vozes do Céu ecoam como o som da trombeta e os coros dos anjos reúnem-se-lhe. Irmãos,

estais convidados para o divino concerto: que as vossas mãos segurem a lira e que as vossas vozes se unam

num hino sagrado e se propaguem e multipliquem de um extremo ao outro do Universo,

Irmãos amados, estamos aqui, junto de vós. Amai-vos também uns aos outros e dizei, do fundo do vosso

coração, fazendo as vontades do Pai que está no Céu: "Senhor! Senhor!” E podereis entrar no Reino dos

Céus.

O ESPÍRITO DE VERDADE

Nota: Esta instrução, transmitida por via mediúnica, resume, ao mesmo tempo, o verdadeiro caráter do

Espiritismo e o objetivo desta obra. Por isso, foi aqui colocada como prefácio.

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INTRODUÇÃO

I − Objetivo desta obra

O conteúdo dos Evangelhos pode dividir-se em cinco partes: Os atos comuns da vida de Jesus, os

milagres, as profecias, as palavras que serviram para o estabelecimento dos dogmas das igrejas e o ensino

moral.

[01 – A palavra dogma]

As quatro primeiras partes têm sido motivo de polémicas; a última tem permanecido inatacável.

De facto, até os incrédulos aceitam este código divino; é constituído por um conjunto de valores em

que todos os cultos se revêem, uma bandeira sob a qual todos podem agrupar-se, quaisquer que sejam as

suas crenças. Nunca foi motivo de disputas religiosas, que foram sempre e por todo o lado causadas por

questões dogmáticas. Se as discutissem, as seitas teriam encontrado nelas a sua própria condenação

porque, na maior parte, se submeteram mais à parte mística do que à parte moral, que exigiria o seu

próprio aperfeiçoamento.

Os Evangelhos são uma regra de conduta que abrange todas as circunstâncias da vida, pública ou

privada, são o princípio básico de todas as relações sociais fundadas na mais rigorosa justiça. São, acima de

tudo, o caminho infalível da felicidade a conquistar, uma ponta do véu que abre para vida futura. É essa

parte que constitui o objetivo exclusivo desta obra.

Toda a gente admira a moral evangélica, todos proclamam a sua perfeição e a sua necessidade. Muitos

confiam naquilo que ouviram dizer ou na fé depositada em certas normas que se tornaram consagradas.

Poucos a conhecem a fundo e ainda menos são os que a compreendem e dela sabem tirar as devidas

conclusões.

A causa deste facto reside nas dificuldades que a leitura do Evangelho apresenta, de compreensão

muito difícil para a maioria das pessoas: a forma alegórica e o misticismo intencional da linguagem fazem

com que muitas o leiam só para tranquilizar a consciência ou por obrigação e, tal como lêem as preces,

sem as compreenderem, ou seja, sem proveito. Os preceitos de moral, dispersos aqui e ali no texto entre

outras narrativas, passam-lhes despercebidos. Assim, é impossível apreender o sentido do conjunto e fazer

deles leitura e meditação separadas.

Fizeram-se tratados de moral evangélica, mas a sua escrita, num estilo literário moderno, tira-lhes a

ingenuidade primitiva, que faz, ao mesmo tempo, o seu encanto e a sua autenticidade. Acontece o mesmo

com certas frases sentenciosas retiradas do contexto; ficam reduzidas à sua expressão mais simples,

aforismos que perdem uma parte do seu valor e do seu interesse, pela ausência dos pormenores e das

circunstâncias que os rodeavam.

Para prevenir estes inconvenientes, reunimos nesta obra os artigos que podem constituir um código de

moral universal, sem distinção de cultos. Nas citações, conservámos tudo o que é útil ao desenvolvimento

das ideias, retirando apenas o que é alheio ao assunto. Além disso, respeitámos escrupulosamente a

tradução original de Sacy, assim como a divisão por versículos. Porém, em vez de nos prendermos a uma

ordem cronológica impossível e sem vantagem real para o caso, agrupamos e distribuímos metodicamente

os princípios segundo a sua natureza, de modo a que decorram uns dos outros, tanto quanto possível. A

indicação dos números de ordem dos capítulos e dos versículos permite recorrer à classificação comum, se

houver necessidade ou interesse.

[ 02 – Transcrição dos textos Bíblicos ]

Esta é uma solução de ordem prática que, por si só, teria apenas uma utilidade secundária. O essencial

era colocá-la ao alcance de todos, pela explicação das passagens menos claras e o desenvolvimento de

todas as suas consequências, para aplicação às situações da vida. Foi o que procurámos fazer, com a ajuda

dos bons Espíritos que nos acompanham.

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Muitas passagens do Evangelho, da Bíblia e dos autores sagrados em geral, são incompreensíveis e

muitas vezes parecem mesmo irracionais, por falta de um código que nos dê acesso ao seu verdadeiro

sentido. Esse código está completo no Espiritismo, como é claro para os que o estudaram seriamente e

como ainda melhor se reconhecerá no futuro.

O Espiritismo surgiu por toda a parte, na Antiguidade e em todas as épocas da Humanidade.

Encontramos os seus vestígios em todo o lado, nos textos, nas crenças e nos monumentos. É por isso que,

ao mesmo tempo que abre novos horizontes para o futuro, projeta também uma viva luz sobre os mistérios

do passado.

Como complemento de cada preceito acrescentámos algumas instruções, escolhidas entre as que foram

ditadas pelos Espíritos em diversos países, por intermédio de numerosos médiuns. Se estas instruções

fossem tiradas de uma única fonte, poderiam ter sofrido influência pessoal ou do meio, enquanto a

existência de origens diversificadas prova que os Espíritos dão os seus ensinamentos por toda parte, e que

ninguém é privilegiado a esse respeito. 1

Esta obra é para o uso de todos, cada um pode retirar dela os meios de modificar a sua conduta,

respeitando a moral de Jesus. Os espíritas encontrarão, além disso, as aplicações que mais especialmente

lhes dizem respeito.

Graças às comunicações estabelecidas entre os seres humanos e o mundo invisível, de agora em diante

e de modo permanente, a lei evangélica, que os próprios Espíritos ensinaram a todas as nações, deixará de

ser letra morta, porque cada um a compreenderá e será incessantemente chamado a pô-la em prática

pelos conselhos dos seus guias espirituais.

As instruções dos Espíritos são verdadeiramente as vozes do Céu que vêm instruir os seres humanos e

convidá-los à prática do Evangelho.

II − Autoridade da cultura espírita

Controlo universal do ensino dos Espíritos / CUEE

Se o espiritismo fosse uma conceção puramente humana, só oferecia como garantia a clarividência

relativa dos que a tivessem concebido. Assim, ninguém neste mundo poderia ter a pretensão de possuir,

sozinho, a verdade absoluta. Se os Espíritos que a revelaram se tivessem manifestado a uma pessoa

apenas, nada lhe garantiria a origem, pois seria necessário acreditar, sem qualquer sombra de dúvida,

naquele que afirmasse ter recebido os seus ensinamentos. Mesmo se se aceitasse que da sua parte havia

total sinceridade, só um pequeno número de pessoas, as mais próximas, seriam convencidas. Poderia

conseguir adeptos, mas nunca conseguiria aceitação geral.

Deus quis que a nova revelação chegasse à Humanidade por uma via mais rápida e incontestável. Por

isso, encarregou os Espíritos de a levarem a toda parte, sem dar a ninguém o privilégio exclusivo de ouvir

a sua palavra.

1 Nota de Allan Kardec: Poderíamos dar, sem dúvida, sobre cada assunto, maior número de comunicações obtidas numa porção

de outras cidades e centros espiritas, além dos que citámos. Mas quisemos, acima de tudo, evitar a monotonia das repetições

inúteis e limitar a nossa escolha às que, pelo seu conteúdo e pela sua forma, se enquadram mais especialmente no plano desta

obra, reservando para publicações posteriores as que não entraram aqui.

Quanto aos médiuns, abstivemo-nos de os nomear. Na maioria dos casos não os designámos a seu pedido e, assim sendo, não

convinha fazer exceções. Aliás, o nome dos médiuns não teria acrescentado nenhum valor à obra dos Espíritos. Teria sido apenas

uma satisfação de amor-próprio a que os médiuns verdadeiramente sérios não dão qualquer importância. Eles compreendem que

o seu papel é meramente passivo e o valor das comunicações em nada realça o seu mérito pessoal. Seria pueril envaidecerem-se

por um trabalho da inteligência ao qual apenas dão um contributo mecânico.

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Um indivíduo pode ser enganado e pode enganar-se a si mesmo, mas isso já não poderá acontecer se

forem milhões de criaturas a verem e ouvirem a mesma coisa. Este facto constitui uma garantia para cada

um e para todos. Pode fazer-se desaparecer uma pessoa, mas não se fazem desaparecer as coletividades.

Podem queimar-se os livros, mas não se podem queimar os Espíritos. Mesmo que se queimassem todos os

livros, a fonte das ideias continuaria inesgotável, porque não se encontra na Terra: surge em todo o lado e

cada um pode recebê-la. Na falta de divulgadores, haverá sempre os Espíritos, que alcançam toda a gente

e que ninguém pode alcançar.

São de facto os Espíritos que fazem a divulgação, com a ajuda de numerosos médiuns, que despertam

por toda parte. Se houvesse um único mensageiro, por mais notável que fosse, o Espiritismo mal seria

conhecido. Um único porta-voz, fosse qual fosse a sua classe, nunca alcançaria o acordo geral, não seria

aceite por todos os povos. Os Espíritos, manifestando-se por toda a parte, a todos os povos e a todas os

grupos e sectores da sociedade, são aceites com mais facilidade. O Espiritismo não tem nacionalidade, é

independente de todos os cultos privados, não é imposto por nenhuma classe social, visto que cada um

pode receber instruções dos seus parentes e amigos de além-túmulo. Era preciso manter-se em terreno

neutro para evitar divergências e atrair todos os seres humanos à fraternidade. Se assim não fosse tê-las ia

mantido em vez de as pacificar.

Esta universalidade dos ensinamentos dos Espíritos faz a força do espiritismo e é também a causa da

sua rápida divulgação. Enquanto uma só voz, mesmo com o auxílio da imprensa, necessitaria de muito

tempo para chegar aos ouvidos de todos, numerosas vozes fizeram-se ouvir simultaneamente em locais do

nosso planeta muito diversos e longínquos, para divulgarem os mesmos princípios e dá-los a conhecer

tanto aos mais ignorantes como aos mais sábios, para que ninguém fosse excluído.

É uma vantagem de que nenhuma das ideologias surgidas até hoje beneficiou. Sendo o espiritismo uma

verdade, não teme a má vontade das pessoas, nem as revoluções morais, nem os abalos físicos do planeta,

porque nada disso pode atingir os Espíritos.

Esta não é a única vantagem, que resulta da sua posição excecional. O espiritismo encontra aí uma

garantia contra os cismas, que a ambição de alguns ou as contradições de certos Espíritos poderiam

provocar. Estas contradições são certamente uma dificuldade, mas trazem em si mesmas o mal e o seu

remédio.

Sabemos que os Espíritos, devido à sua diferença de capacidades, não dominam individualmente toda

a verdade; nem todos podem conhecer certos mistérios e o saber de cada um é proporcional ao seu

progresso espiritual. Sabemos que os Espíritos vulgares não têm mais conhecimentos do que muitos seres

humanos e têm até menos do que alguns. Há entre os Espíritos, como entre as pessoas, os presunçosos e

os pseudossábios, que acreditam saber o que não sabem, e os dogmáticos que tomam as suas ideias pela

verdade. Sabemos, por fim, que só os Espíritos de ordem mais elevada, os que já estão completamente

desmaterializados, só esses estão livres das ideias e dos preconceitos terrenos. Igualmente sabemos que

existem Espíritos enganadores, que não têm escrúpulos em assumirem identidades que não lhes

pertencem, para fazerem aceitar as suas utopias.

Devemos concluir do que acabámos de dizer que, para tudo o que está fora do ensino exclusivamente

moral, as revelações que cada um recebe têm caráter individual, sem veracidade comprovada. Que devem

ser consideradas como opiniões pessoais deste ou daquele Espírito, e que não devem ser aceites e muito

menos divulgadas levianamente como verdades absolutas.

O primeiro exame, ao qual é necessário sujeitar, sem exceção, tudo o que vem dos Espíritos, é o da

razão. Qualquer teoria que esteja em contradição com o bom senso, com uma lógica rigorosa, com os

dados objetivos que já se conhecem, deve ser rejeitada, mesmo que seja assinada por um nome muito

respeitável. Mas este exame é incompleto em muitos casos, por causa da insuficiência de conhecimentos

de certas pessoas e da tendência de muitos para considerarem a sua própria opinião como o juiz único da

verdade. Nestes casos, que devem fazer as pessoas que não têm em si mesmas uma confiança absoluta?

Devem aconselhar-se junto do maior número possível de fontes, tomando como guia a maioria das

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opiniões. Assim deve ser no que respeita ao ensino dos Espíritos, que nos fornecem por si mesmos os meios

de o conseguir.

A concordância dos Espíritos sobre os ensinamentos que comunicam é, portanto, a melhor prova, mas

é ainda necessário que ela aconteça em certas condições. A situação menos garantida de todas é quando

um médium interroga vários Espíritos sobre uma questão polémica. Se ele está sob a influência de uma

obsessão ou se tem relações com um Espírito enganador, esse Espírito pode dizer-lhe a mesma coisa, sob

nomes diferentes. Também não há garantia suficiente na concordância de vários médiuns de um mesmo

centro, porque todos podem estar sob a mesma influência.

A única garantia séria do ensino dos Espíritos está na concordância que existe entre revelações feitas

espontaneamente, por intermédio de numerosos médiuns desconhecidos entre si, e em lugares diferentes.

Não se trata aqui de comunicações que se referem a interesses secundários, mas as que dizem respeito

aos próprios princípios do espiritismo. A experiência prova que, quando um novo princípio deve ser

admitido, é ensinado espontaneamente, em diferentes lugares, na mesma ocasião e de modo idêntico, se

não na forma, pelo menos no conteúdo.

Se um Espírito quiser formular uma teoria extravagante, baseada apenas nas suas próprias ideias e

alheia à verdade, podemos estar certos de que essa teoria ficará isolada e desaparecerá diante da

unanimidade das instruções dadas nos outros sítios, como já mostraram numerosos exemplos. É esta

unanimidade que tem feito cair todas as teorias parciais surgidas na origem do Espiritismo, num tempo em

que cada um explicava os fenómenos a seu modo, antes de serem conhecidas as leis que regem as relações

do mundo visível com o mundo invisível.

Esta é a base em que nos apoiamos quando formulamos um princípio do espiritismo. Não é por ele estar

de acordo com as nossas ideias que o consideramos verdadeiro. Não nos arvoramos no papel de árbitros

supremos da verdade e nunca dizemos: “Acredite nisto porque somos nós a dizê-lo”. A nossa opinião,

mesmo aos nossos olhos, é apenas uma opinião pessoal que pode estar certa ou errada, porque podemos

falhar tanto como qualquer outro. Não é porque um princípio nos foi ensinado que o consideramos

verdadeiro, mas porque recebeu a aprovação da concordância. Estudando as comunicações recebidas de

cerca de mil centros espíritas sérios, espalhados pelos diversos pontos do globo, estamos em condições de

perceber, os princípios sobre os quais esta concordância se estabelece. Foi esta observação que nos guiou

até hoje e que igualmente nos guiará nos novos campos que o espiritismo seja chamado a explorar.

Estudando com muita atenção as comunicações vindas de diversos lugares, tanto da França como do

estrangeiro, reconhecemos, pela natureza especial das revelações, que há uma tendência para entrar num

novo caminho e que chegou o momento de dar um passo adiante. Essas revelações, por vezes apresentadas

de forma velada, muitas vezes passaram despercebidas por muitos que as receberam e muitos outros

acreditaram ser os únicos a obtê-las. Isoladamente, não teriam para nós qualquer valor, somente a

coincidência lhes confere importância. Depois, quando chega o momento de as dar a conhecer

abertamente, cada um então se recorda de ter recebido instruções com o mesmo conteúdo.

É este movimento geral que observamos e estudamos, com a assistência dos nossos guias espirituais,

que nos ajuda a perceber a oportunidade que há de fazermos uma coisa, ou de não a fazer.

Este controle universal é uma garantia para a unidade futura do espiritismo e fará desaparecer todas as

teorias discordantes. É nele que, no futuro, se procurará o critério da verdade. O que fez o sucesso das ideias apresentadas em “O Livro dos Espíritos” e em “O Livro dos Médiuns” foi que, por todo o lado, cada um pôde receber, diretamente dos Espíritos, a validação do que eles afirmavam. Se, de todo o lado, os Espíritos tivessem vindo contestá-los, esses livros teriam, depois de tanto tempo, passado pela sorte de todas as ideias absurdas. Mesmo o apoio da imprensa não os teria salvo do insucesso.

Não o tendo tido, nem por isso deixaram de fazer rapidamente o seu caminho, porque tiveram o apoio dos

Espíritos, cuja boa vontade compensou, de longe, a má vontade dos humanos.

Assim acontecerá com todas as ideias emanadas dos Espíritos ou dos homens que não puderem resistir

à prova desse controle, cujo poder ninguém pode contestar. Suponhamos que agrade a certos Espíritos

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ditar, com um título qualquer, um livro de sentido contrário. Suponhamos mesmo que, com uma intenção

hostil e tendo em vista desacreditar o espiritismo, a maldade suscitasse comunicações falsas. Que

influência poderão ter esses textos, se forem desmentidos de todo o lado pelos Espíritos? É da adesão

destes últimos que seria preciso assegurar-se antes de lançar uma teoria em seu nome. Porque da teoria

de um só à teoria de todos, há a distância da unidade ao infinito. Que podem todos os argumentos dos

discordantes, sobre a opinião do povo, quando milhões de vozes amigas, vindas do além, chegam de todas

as partes do Universo e, no seio de cada família, os negam frontalmente? A este respeito, a teoria já foi

confirmada pela experiência. Que foi feito de todas essas publicações que deviam, dizia-se, acabar com o

espiritismo? Qual delas conseguiu, pelo menos, deter-lhe o avanço? Até hoje não se tinha considerado a

questão deste ponto de vista, um dos mais importantes, sem dúvida. Cada um contou consigo mesmo, sem

contar com os Espíritos.

O princípio da concordância das mensagens espíritas é ainda uma garantia contra as alterações a que

as seitas, em proveito próprio, quisessem introduzir no espiritismo, para o configurar a seu gosto. Quem

tentasse fazê-lo desviar do seu objetivo providencial falharia, pela simples razão de que os Espíritos, pela

universalidade dos seus ensinamentos, farão cair qualquer alteração que se afaste da verdade.

Este facto tem uma consequência indubitável: quem desejasse interferir na corrente das ideias

estabelecidas e aprovadas, poderia provocar pequenas alterações locais e momentâneas, mas nunca

dominar o conjunto, mesmo no presente, quanto mais no futuro. Daí resulta também que as instruções

dadas pelos Espíritos sobre os pontos ainda não elucidados, não podem ter força de lei enquanto se

conservarem isoladas, só devendo ser aceites como simples informação e sob todas as reservas. Daí a

necessidade da maior prudência quanto à sua publicação, e no caso em que se acredite dever dá-las a

conhecer, é muito importante que sejam apresentadas como opiniões individuais, mais ou menos

prováveis, mas tendo sempre necessidade de confirmação. É esta confirmação que se deve aguardar antes

de apresentar um princípio como verdade absoluta, se não se quiser ser acusado de leviandade ou

credulidade ingénua.

Os Espíritos Superiores atuam com grande prudência nas suas revelações. Só abordam as grandes

questões gradualmente, à medida que a inteligência consegue compreender as verdades de ordem mais

elevada, e quando as circunstâncias são favoráveis ao aparecimento de uma ideia nova. É por isso que,

desde o começo, não disseram tudo e nem o disseram até agora, nunca cedendo à impaciência de pessoas

muito apressadas que querem colher os frutos antes de estarem maduros. Querer antecipar o tempo

marcado pela Providência para cada coisa seria em vão, porque então os Espíritos verdadeiramente sérios

recusam-se a ajudar. Os Espíritos superficiais, que se incomodam pouco com a verdade, respondem a tudo.

É por essa razão que há sempre respostas contraditórias quando se trata de questões prematuras.

Os princípios referidos acima não são o resultado de uma opinião pessoal, mas a consequência rigorosa

das condições em que os Espíritos se manifestam. É evidente que, se um Espírito diz uma coisa num lugar,

enquanto muitos outros dizem o contrário noutras comunicações, a verdade não deve estar com aquele

que tem uma opinião única ou quase única. Pretender que um só tenha razão contra todos, seria tão ilógico

da parte de um Espírito como da parte de pessoas como nós. Os Espíritos realmente sábios, quando não

se sentem esclarecidos sobre uma questão, nunca a decidem de modo absoluto. Informam que é apenas

o seu ponto de vista e eles mesmos aconselham que se espere pela confirmação.

Por maior, mais bela e justa que seja uma ideia, nunca reúne, desde o princípio, todas as opiniões. Os

conflitos resultantes são a consequência inevitável do movimento que se cria; são mesmo necessários e

úteis para que a verdade se revele. É importante que surjam logo no início para afastar rapidamente as

ideias falsas. Os espíritas que tiverem qualquer receio devem ficar perfeitamente tranquilos. Todas as

pretensões isoladas cairão pela força das coisas, perante o grande e poderoso critério do controlo universal.

Não será a opinião de uma só pessoa que conseguirá a união de todos, mas sim a voz unânime dos Espíritos.

Não será uma só voz, e a nossa menos que a de qualquer outro, que estabelecerá a verdade espírita. E

também não será um Espírito, individualmente, que quisesse impor-se: é a universalidade dos Espíritos,

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comunicando em toda a Terra, por ordem de Deus. É aí que está o caráter essencial do espiritismo, é aí que

está a sua força e a sua autoridade. Deus quis que a sua lei fosse estabelecida sobre uma base sólida, e por

isso não a deixou ficar apenas assente uma frágil cabeça.

É diante dessa poderosa assembleia, que não conhece compadrios, nem rivalidades, nem o sectarismo,

nem os nacionalismos, que virão inclinar-se todas as oposições, todas as ambições, todas as pretensões de

superioridade individual. Destruir-nos-íamos se quiséssemos substituir decretos soberanos por ideias

nossas. Unicamente essa assembleia poderá julgar todos os conflitos, calar as dissidências e dar razão ou

não a quem de direito. Diante da concordância de todas as vozes do céu, que pode a opinião de uma só

pessoa ou de um só Espírito? Menos que a gota de água que se perde no Oceano, menos que a voz de uma

criança abafada pela tempestade. A opinião universal, o juiz supremo, o que decide em última instância, é

formada por todas as opiniões individuais. Se uma delas é verdadeira, só tem na balança o seu peso relativo.

Se é falsa, não pode sobrepor-se às outras. Nesse imenso coletivo, as individualidades apagam-se, o que é

um novo fracasso para o orgulho humano.

Esse conjunto harmonioso já se configura. Não passará este século sem que resplandeça com todo o

seu brilho, de modo a esclarecer todas as dúvidas; porque daqui em diante vozes poderosas terão recebido

a missão de se fazerem ouvir, para juntarem os seres humanos sob a mesma bandeira, logo que o campo

estiver suficientemente trabalhado.

Enquanto espera, aquele que hesitar entre duas teorias opostas poderá observar em que sentido vai a

opinião geral. É o sinal seguro do sentido em que se pronuncia a maioria dos Espíritos a respeito dos temas

sobre os quais comunicam com a Humanidade. É o sinal não menos certo de qual das duas teorias

prevalecerá!.

III − Notas históricas

Para compreender bem certas passagens dos Evangelhos é preciso conhecer o significado de várias

palavras que nelas são frequentemente utilizadas, e que caracterizam o estado dos costumes e da

sociedade judaica daquela época. Essas palavras, não tendo já para nós o mesmo sentido, foram muitas

vezes mal interpretadas, originando algumas dúvidas. O conhecimento do seu significado explica também

o verdadeiro sentido de certas expressões que parecem estranhas à primeira vista.

SAMARITANOS ─ Depois do cisma das dez tribos, a Samaria tornou-se a capital de um reino dissidente

de Israel. Destruída e reconstruída várias vezes foi, sob o domínio romano, sede administrativa de uma das

quatro divisões da Palestina ─ a Samaria. Herodes, o Grande, enobreceu-a com monumentos magníficos e,

para lisonjear Augusto, deu-lhe o nome de Augusta, Sebaste em grego. Os samaritanos mantiveram

frequentes conflitos com os reis de Judá. Uma profunda inimizade, cujas raízes vinham do tempo da

separação, manteve-se entre os dois povos, de tal modo que recusavam qualquer relacionamento

recíproco. Os samaritanos, para tornarem a separação mais profunda e nem sequer terem de ir a Jerusalém

para a celebração das festas religiosas, construíram um templo próprio e adotaram algumas reformas: só

admitiam o Pentateuco, que contém a lei de Moisés, rejeitando todos os livros que mais tarde lhe foram

acrescentados. Os seus livros sagrados eram escritos em caracteres hebraicos muito antigos. Eram

considerados heréticos pelos judeus ortodoxos e por isso mesmo desprezados, excomungados e

perseguidos. O antagonismo das duas nações tinha, como causa única, a divergência de opiniões religiosas,

embora as suas crenças tivessem a mesma origem ─ eram os protestantes daqueles tempos.

Ainda hoje se encontram samaritanos em algumas regiões do Oriente, especialmente em Nablus e em

Jaffa. Cumprem a lei de Moisés com maior rigor do que os outros judeus e só fazem alianças entre si.

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NAZARENOS ─ Nome dado, na antiga lei, aos judeus que faziam votos perpétuos ou temporários, de

guardarem pureza total: adotavam a castidade, não tomavam bebidas alcoólicas e não cortavam os

cabelos. Sansão, Samuel e João Batista eram nazarenos.

Mais tarde, os judeus deram esse nome aos primeiros cristãos, por alusão a Jesus de Nazaré.

Foi também o nome de uma seita herética dos primeiros séculos da era cristã que, tal como os Ebionitas,

dos quais adotara certos princípios, misturava práticas dos ensinamentos de Moisés aos dogmas cristãos.

Essa seita desapareceu no quarto século.

PUBLICANOS ─ Eram assim chamados, na Roma antiga, os cobradores das taxas públicas, encarregados

da cobrança dos impostos e das rendas de toda a espécie, quer na própria Roma quer noutras partes do

Império. Assemelhavam-se aos cobradores de impostos gerais e aos contratantes do antigo regime em

França, que ainda existem em algumas regiões. Os riscos que corriam faziam com que se fechassem os

olhos ao seu rápido enriquecimento que, para muitos, resultava de corrupção e de lucros escandalosos.

O nome de “publicano” aplicou-se mais tarde a todos os que administravam o dinheiro público e aos

agentes subalternos. Hoje, a palavra tem um sentido pejorativo, para designar os homens da finança e os

agentes de negócios pouco escrupulosos. Às vezes dizemos: "ávido como um publicano”, “rico como um

publicano", referindo-nos a fortunas de procedência duvidosa.

Os impostos foram, de todos os aspetos da dominação romana, aquele que os judeus mais dificilmente

aceitaram e que mais irritação lhes causavam. Deram origem a numerosas revoltas que se transformaram

numa questão religiosa, porque eram vistos como contrários à lei. Formou-se até um partido poderoso,

que tinha por chefe um certo Judas, chamado o Gaulonita, que defendia como princípio a recusa do

imposto.

Os judeus tinham horror a essa cobrança e a todos aqueles que eram encarregados de a efetuar, daí a

sua aversão pelos publicanos de todas as categorias, entre os quais podiam encontrar-se pessoas muito

estimáveis, mas que, devido às suas funções, eram malvistas, assim como aqueles que se relacionavam

com eles, todos considerados merecedores da mesma reprovação. Os judeus distintos acreditavam que se

comprometiam, se tivessem relações de intimidade com eles.

PORTAGEIROS ─ Eram os cobradores de níveis inferiores, encarregados de receber as portagens ou

direitos de entrada nas cidades. As suas funções correspondiam mais ou menos às dos funcionários

aduaneiros e dos cobradores de taxas de alfândega. Também eram alvo da má fama dos publicanos em

geral. Por essa razão, encontramos frequentemente no Evangelho o nome de publicano associado à gente

de má vida. Essa qualificação não se referia aos devassos nem aos vagabundos. Era uma expressão de

desprezo, sinónimo de gente de má companhia, indigna de conviver com pessoas distintas.

FARISEUS ─ (Do hebraico “parasch”, divisão, separação). A tradição fazia parte importante da teologia

judaica ─ consistia numa compilação das interpretações sucessivamente dadas ao sentido dos textos das

escrituras e que se tinham tornado artigos de dogma. Isto era motivo de discussões intermináveis entre os

doutores, na maioria das vezes sobre simples questões de palavras ou de forma, do mesmo género das

disputas teológicas e das subtilezas da escolástica medieval. Daqui eclodiram diferentes seitas, cada uma

reivindicando o monopólio da verdade e, como acontece quase sempre, detestando-se cordialmente umas

às outras.

Entre essas seitas, a mais influente era a dos fariseus, que tinha como chefe HilleI, doutor judeu nascido

na Babilónia, fundador de uma célebre escola onde se ensinava que a fé era dada unicamente pelas

Escrituras.

A sua origem recua aos anos 180 ou 200 AC. Os fariseus foram perseguidos em diversas épocas,

nomeadamente sob o domínio de Hircânio, sumo pontífice e rei dos Judeus, e sob o domínio de Aristóbulo

e Alexandre, reis da Síria. Contudo, este último restituiu-lhes as honras e os bens, com os quais

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readquiriram o poder, que mantiveram até à ruína de Jerusalém no ano 70 da era cristã, época em que o

seu nome desapareceu devido ao facto de os Judeus, derrotados, se terem dispersado.

Os fariseus tomavam parte ativa nas disputas religiosas. Praticavam de forma servil as manifestações

exteriores do culto e das cerimónias, possuíam um zelo ardente em converter pessoas às suas ideias, eram

inimigos de inovações e aparentemente cultivavam uma grande severidade de princípios. Porém, sob as

aparências de uma devoção escrupulosa, escondiam costumes libertinos, muito orgulho e, sobretudo,

excessiva ânsia de poder. A religião, para eles, era mais um meio de atingirem os seus fins do que objeto

de uma fé sincera. Praticavam apenas a exteriorização e ostentação das virtudes, mas com isso exerciam

grande influência sobre o povo, aos olhos do qual passavam por santas criaturas. Daí o serem muito

poderosos em Jerusalém.

Acreditavam, ou pelo menos fingiam acreditar na Providência, na imortalidade da alma, na eternidade

das penas e na ressurreição dos mortos. (Cap. IV, n° 4) Jesus, que acima de tudo prezava a simplicidade e

as qualidades de coração, que na lei preferia o Espírito que vivifica à letra que mata, procurou, durante

toda a sua missão, desmascarar essa hipocrisia, o que os tornou seus ferozes inimigos. Foi essa a razão

porque se associaram aos príncipes dos sacerdotes para amotinar o povo contra ele e eliminá-lo.

ESCRIBAS - Nome dado, a princípio, aos secretários dos reis de Judá e a certos intendentes dos exércitos

judeus. Mais tarde, foi aplicado especialmente aos doutores que ensinavam a Lei de Moisés e a

interpretavam para o povo. Tinham ideias comuns com os fariseus, de cujos princípios partilhavam, assim

como da antipatia contra os inovadores. Por isso, Jesus os envolve na mesma reprovação.

SINAGOGA - (Do grego: “Synagoguê”, assembleia, congregação) - Havia apenas um templo na Judeia ─

o de Salomão, em Jerusalém, onde se celebravam as grandes cerimónias do culto. Os Judeus aí se dirigiam

em peregrinação, todos os anos, para as festas principais como a da Páscoa, a da Dedicação e a dos

Tabernáculos. Foi nessas ocasiões que Jesus aí fez várias viagens.

As outras cidades não possuíam templos, mas apenas sinagogas, edifícios onde os judeus se reuniam

aos Sábados para fazerem as suas preces públicas, sob a orientação dos anciãos, dos escribas e dos

doutores da Lei. Nelas se faziam também leituras tiradas dos livros sagrados, seguidas de comentários e

explicações. Todos podiam participar, e foi por isso que Jesus, sem ser sacerdote, ensinava nas sinagogas

aos sábados.

Depois da ruína de Jerusalém e da dispersão dos judeus, as sinagogas, nas cidades em que habitavam,

serviam-lhes de templo para a celebração do culto.

SADUCEUS - Seita judia que se formou por volta do ano 248 AC, e cujo nome lhe veio do seu fundador,

“Sadoc”. Os saduceus não acreditavam na imortalidade da alma, nem na ressurreição, nem na existência

dos anjos bons ou maus. Apesar disso, acreditavam em Deus e, embora nada esperassem depois da morte,

serviam-no tendo em vista recompensas temporais, ao que, segundo eles, se limitava a Providência. Para

eles, o objetivo principal da vida era a satisfação dos sentidos. Quanto às Escrituras, limitavam-se ao texto

da antiga lei, não admitindo nem a tradição nem qualquer interpretação. Colocavam as boas obras e a

observância pura e simples da lei acima das práticas exteriores do culto. Eram, portanto, os materialistas,

os deístas e os sensualistas da época. Esta seita era pouco numerosa, mas contava no seu seio com

personagens importantes e tornou-se um partido político constantemente oposto aos fariseus.

ESSÉNIOS - Seita judia fundada cerca do ano 150 A.C., no tempo dos macabeus, e cujos membros, que

habitavam em edifícios semelhantes a mosteiros, formavam entre si uma espécie de associação moral e

religiosa. Distinguiam-se pelos hábitos tranquilos e virtudes austeras, ensinavam o amor a Deus, o amor ao

próximo e a imortalidade da alma. Acreditavam na ressurreição. Eram celibatários, condenavam a

escravidão e a guerra, partilhavam os seus bens e dedicavam-se à agricultura. Opunham-se aos sensuais

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saduceus, que negavam a imortalidade da alma, e aos fariseus, rígidos nas suas práticas exteriores, para

quem a virtude era apenas aparência. Contudo, não tomavam qualquer participação nas querelas que

separavam essas duas seitas. O seu modo de vida aproximava-os dos primeiros cristãos, e os princípios de

moral que professavam fizeram com que algumas pessoas pensassem que Jesus fizera parte dessa seita

antes de iniciar a sua missão pública 2. Jesus devia conhecê-la, mas nada prova que fosse seu membro e

tudo quanto se escreveu sobre esse assunto é hipotético.

[ 03 – Jesus foi um Essénio? ]

TERAPEUTAS - (Do grego: “thérapeutaï”, derivado do verbo “therapeueïn”, servir, cuidar; quer dizer: servidores de Deus ou curadores.) – Eram judeus sectários, contemporâneos de Jesus, estabelecidos principalmente em Alexandria, no Egito. Tinham intensas relações com os Essénios, cujos princípios professavam e, como eles, entregavam-se à prática de todas as virtudes. Tinham uma alimentação extremamente frugal, eram celibatários, dedicavam-se à contemplação e à vida solitária; constituíam uma verdadeira ordem religiosa. “Filon”, filósofo judeu platónico de Alexandria, foi o primeiro a falar dos Terapeutas, considerando-os uma seita do judaísmo. Eusébio, São Jerónimo e outros Pais da Igreja pensavam que eles eram cristãos. Fossem judeus ou cristãos é evidente que, do mesmo modo que os Essénios, representavam um traço de união entre o Judaísmo e o Cristianismo.

IV − Sócrates e Platão, precursores da ideia cristã e do espiritismo

Pelo facto de Jesus poder ter conhecido a seita dos Essénios, seria errado concluir que tinha aprendido

com eles as suas ideias e que, se tivesse vivido noutro meio, professaria outros princípios. As grandes ideias

nunca se revelam subitamente. As que têm por base a verdade têm sempre precursores que lhes abrem

parcialmente o caminho. Depois, quando é oportuno que isso aconteça, Deus envia alguém com a missão

de resumir, coordenar e completar os elementos dispersos e de os reunir num conjunto organizado. Desse

modo, não tendo a ideia surgido bruscamente, encontrou, ao aparecer, Espíritos inteiramente preparados

para aceitá-la. Assim aconteceu com as ideias cristãs, que foram pressentidas muitos séculos antes de Jesus

e dos Essénios, tendo como principais precursores Sócrates e Platão.

Sócrates, como Jesus, nada escreveu ou pelo menos nada deixou escrito. Como ele, teve a morte que costumava ser dada aos criminosos, foi vítima do fanatismo, por ter atacado as crenças que encontrou e por ter colocado a verdadeira virtude acima da hipocrisia e da aparência das formas, ou seja, por ter combatido os preconceitos religiosos. Assim como Jesus foi acusado pelos fariseus de corromper o povo com os seus ensinamentos, Sócrates também foi acusado pelos fariseus do seu tempo − visto que eles existiram em todas as épocas − de corromper a juventude ao proclamar o princípio da unidade de Deus, da imortalidade da alma e da existência da vida futura.

Do mesmo modo que hoje só conhecemos o pensamento de Jesus pelos textos dos seus discípulos,

também só conhecemos o pensamento de Sócrates pelos textos do seu discípulo Platão. Pensamos que

será útil resumir aqui os seus aspetos mais importantes para demonstrar a sua concordância com os

princípios do Cristianismo.

Aos que virem neste paralelo uma profanação, julgando impossíveis as semelhanças entre as ideias de

um pagão e as de Jesus, responderemos que a teoria de Sócrates não era pagã, pois o seu objetivo era

exatamente combater o paganismo. Julgamos também que as conceções de Jesus, mais completas e

2 Nota de A. K. :”A Morte de Jesus”, que se diz escrito por um irmão essénio, é um livro completamente apócrifo, escrito com o fim de servir uma opinião e que encerra em si mesmo a prova da sua origem moderna.

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aperfeiçoadas do que as de Sócrates, nada têm a perder com a comparação que possamos fazer, e que a

grandeza da missão de Jesus não poderá ser diminuída, por se tratar de um facto histórico que não pode

ser apagado.

A Humanidade atingiu um ponto em que a luz sai por si mesma debaixo do alqueire; encontra-se

amadurecida para olhá-la de frente e tanto pior para quem não ousa abrir os olhos. Chegou o tempo de

encarar as coisas abertamente, olhando-as de cima e não do ponto de vista mesquinho e estreito dos

interesses de seitas e de castas.

Estas citações provarão, além disso, que se Sócrates e Platão entreviram as ideias cristãs, também predisseram os princípios fundamentais do Espiritismo.

Resumo das ideias de Sócrates e Platão 3

I – “O ser humano é uma alma encarnada. Antes da sua encarnação, existia unida aos primeiros modelos, às ideias do verdadeiro, do bem e do belo. Separou-se deles ao encarnar e, recordando o seu passado, sente-se mais ou menos inquieta pelo desejo de lá voltar.”

Não se pode explicar mais claramente a diferença e a independência do princípio inteligente e do princípio material. É, além disso, a doutrina da preexistência da alma, da vaga intuição que ela conserva da existência de outro mundo ao qual aspira, da sua sobrevivência ao corpo, da sua saída do mundo espiritual para encarnar, e do seu regresso a esse mundo depois da morte. É, enfim, o embrião da teoria dos anjos caídos.

II – “A Alma desorienta-se e perturba-se quando se serve do corpo para resolver certas situações. Tem

vertigens, como se estivesse ébria, porque se liga a coisas que são, pela sua natureza, instáveis; ao passo que, quando contempla a sua própria essência, volta-se para o que é puro, eterno, imortal, e sendo essa também a sua natureza, aí se conserva ligada tanto tempo quanto lhe seja possível. Então as suas perturbações terminam, porque está unida ao que é imutável. Este estado da alma é o que chamamos sabedoria.

Assim, vive iludido quem considera as coisas vistas de baixo, terra à terra, do ponto de vista material. Para as apreciar com clareza é necessário vê-las do alto, ou seja, do ponto de vista espiritual. O verdadeiro sábio deve, por qualquer forma, isolar a alma do corpo, para ver com os olhos do Espírito. É isso o que ensina o espiritismo (Cap. II, n° 5)

III – “Enquanto mantivermos o nosso corpo, e a nossa alma se encontrar imersa na sua corrupção, nunca atingiremos o verdadeiro objetivo da nossa vontade, que é a verdade. De facto, o corpo expõe-nos a mil dificuldades, porque temos de cuidar dele. Além disso, importuna-nos com desejos, apetites, temores, fantasias e disparates, de maneira que, com ele, é impossível sermos sábios, por um momento que seja. Mas, se nada se pode conhecer verdadeiramente enquanto a alma está unida ao corpo, uma destas duas coisas acontece, inevitavelmente: ou que nunca se conhece a verdade, ou que a conheceremos depois da morte. Libertos da influência do corpo, então conversaremos, assim esperamos, com pessoas igualmente livres, e conheceremos por nós mesmos a essência das coisas. É por isso que os verdadeiros filósofos se preparam para morrer e a morte nada os assusta”. (Ver O CÉU E O INFERNO, 1ª parte, cap. II, e 2ª parte, cap. I).

3 Resumo numerado dos conceitos de Sócrates e Platão que elucidam a ideia da origem e do destino do homem:

Depois de cada tema seguem comentários de Allan Kardec. (N.T.)

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Aqui está o princípio das faculdades da alma, diminuídas pela ação dos órgãos do corpo físico, assim

como o princípio do aumento dessas faculdades depois da morte. Trata-se aqui, porém, das almas evoluídas, já purificadas. Não acontece o mesmo com as almas impuras. IV – “A alma impura, nesse estado, está pesada e é atraída de novo para o mundo visível, pela repulsa

ao que é invisível e imaterial. Vagueia, então, diz-se, à volta dos monumentos e dos túmulos, perto dos quais foram vistos, por vezes, fantasmas assustadores.

As imagens das almas, que deixaram o corpo sem estar inteiramente puras, devem ser assim. A vista humana pode percebê-las porque conservam alguma coisa de material. Essas não são as almas dos bons, mas as dos maus, que são forçadas a vaguear nesses lugares, onde arrastam consigo as penas das suas vidas passadas e onde continuam a vaguear até que os desejos inerentes à sua forma material as reconduzam de novo a um corpo. Então, retomam os mesmos costumes que, durante a vida anterior, eram objeto dos seus desejos.

O princípio da reencarnação está aqui bem esclarecido, assim como o estado das almas, que se mantêm

sob o domínio da matéria, é descrito como o espiritismo o mostra nas evocações. Mais ainda: o texto diz que a reencarnação num corpo material é uma consequência da impureza da alma, enquanto as almas purificadas se encontram dispensadas dela. O espiritismo diz isto mesmo, apenas acrescenta que a alma que tomou boas resoluções no intervalo entre vidas, e que adquiriu conhecimentos, trará ao renascer, menos defeitos, mais virtudes e mais ideias intuitivas do que as que possuía na sua existência anterior. Assim, cada existência marca para ela um progresso intelectual e moral. (O Céu e o Inferno, 2ª parte: Exemplos).

V – “Depois da nossa morte, o génio (daïmon, em grego) que nos tinha sido atribuído durante a vida, conduz-nos a um lugar onde se agrupam todos os que devem ser enviados ao Hades, para aí serem julgados. Depois de terem habitado no Hades o tempo suficiente, as almas são encaminhadas de novo para esta vida por numerosos e longos períodos”.

Esta é a doutrina dos Anjos da Guarda ou Espíritos protetores, e das reencarnações sucessivas, depois de intervalos mais ou menos longos no estado de Espíritos livres do corpo, entre existências terrenas.

VI – “Os daïmon ocupam o espaço que separa o Céu da Terra, são o elo que liga o Grande Todo consigo mesmo. A divindade nunca entra em comunicação direta com os seres humanos, é por meio dos “daïmon” que os deuses se relacionam e conversam com eles, quer durante o estado de vigília quer durante o sono”.

A palavra “daïmon”, que deu origem ao termo “demónio”, na Antiguidade não tinha o sentido que

tem hoje, entre nós. Essa palavra não se aplicava exclusivamente aos seres malfazejos, mas a todos os Espíritos em geral, entre os quais se distinguiam os Espíritos superiores chamados deuses e os Espíritos menos elevados ou demónios propriamente ditos, que comunicavam diretamente com as pessoas. O Espiritismo diz-nos também que os Espíritos povoam o espaço, que Deus só comunica com os humanos através dos Espíritos puros, encarregados de nos transmitir a sua vontade, que os Espíritos comunicam connosco durante o estado de vigília e durante o sono.

Substituindo a palavra demónio pela palavra Espírito teremos o espiritismo; usando a palavra Anjo, teremos o cristianismo.

VII – “A preocupação constante do filósofo (tal como o compreendiam Sócrates e Platão) é a de ter o maior cuidado com a alma, não tanto por esta vida, que dura apenas um instante, mas tendo em vista a eternidade. Se a alma é imortal, não é sábio viver para a eternidade?”

O Cristianismo e o Espiritismo ensinam a mesma coisa.

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VIII – “Se a alma é imaterial, tem de passar, depois desta vida, a um mundo igualmente invisível e imaterial, da mesma forma que o corpo, ao decompor-se, volta à matéria. Contudo, é preciso distinguir bem a alma pura, verdadeiramente imaterial, que se alimenta, como Deus, da sabedoria e dos pensamentos, da alma mais ou menos manchada por impurezas materiais, que não lhe permitem elevar-se ao divino, obrigando-a a permanecer nos lugares da sua estadia na Terra”.

Vemos por estas afirmações como Sócrates e Platão compreendiam perfeitamente os diferentes graus de desmaterialização da alma, as diferenças que resultam da sua maior ou menor pureza. O que eles diziam por intuição, o Espiritismo prova-o, pelos numerosos exemplos que nos mostra. (O Céu e o Inferno, 2ª parte).

IX – “Se a morte fosse o desaparecimento total do ser humano, muito ganhariam os maus, que depois da morte ficariam libertos, simultaneamente, dos corpos, das almas e dos vícios. Só aquele que embelezou a sua alma, não com estranhas ornamentações, mas com as que lhe são próprias, só ele poderá aguardar tranquilamente a hora da sua partida para o outro mundo”.

Por outras palavras: o materialismo, que proclama o nada depois da morte, nega todas as responsabilidades morais posteriores e, por conseguinte, pode ser um incentivo ao mal. Os que praticam o mal têm tudo a ganhar com o nada; aqueles que se livraram dos seus vícios e se enriqueceram de virtudes são os únicos que podem esperar tranquilamente o despertar na outra vida. O Espiritismo mostra-nos, pelos exemplos que diariamente nos apresenta, quanto é penosa a passagem desta para a outra vida e a entrada na vida futura, para os que praticam o mal. (O CÉU E O INFERNO, 2ª parte, cap. I).

X – “O corpo conserva bem marcados os vestígios dos cuidados que tivemos com ele e dos acidentes que sofreu. Acontece o mesmo com a alma. Quando se liberta do corpo mantém os traços evidentes do seu caráter, das suas afeições, e as marcas deixadas pelos atos que praticou durante a vida. Assim, a maior desgraça que pode acontecer a uma pessoa é a de ir para o outro mundo com uma alma carregada de culpas. Tu vês, Callicles, que nem tu, nem Polus, nem Górgias, poderíeis provar que se deve levar outra vida, que nos possa ser mais útil no futuro. De tantas opiniões diferentes, a única que permanece firme é a de que vale mais receber do que cometer uma injustiça, e que antes de tudo devemos aplicar-nos, não a parecer, mas a ser uma pessoa de bem”. (Conversas de Sócrates com os discípulos na prisão).

Aqui encontra-se outro ponto importante, confirmado hoje pela experiência, o de que a alma não purificada conserva as ideias, as tendências, o caráter e as paixões que tinha na Terra. Esta afirmação: mais vale receber do que cometer uma injustiça, não é totalmente cristã? O mesmo pensamento exprimiu Jesus, quando disse: “Se alguém te bater numa face, oferece-lhe a outra”. (Cap. XII, nºs 7 e 8).

XI – “De duas, uma: ou a morte é uma destruição absoluta, ou é a passagem da alma para outro lugar. Se tudo deve extinguir- se, a morte será como uma dessas raras noites que passamos sem sonhar e sem nenhuma consciência de nós mesmos. Contudo, se a morte é apenas uma mudança de morada, a passagem para um lugar onde os mortos se devem reunir, que felicidade será a de lá reencontrarmos os nossos conhecidos! O meu maior prazer seria o de examinar de perto os habitantes dessa outra morada e de aí distinguir, como aqui, os que são sábios dos que julgam sê-lo e não o são. Mas já é tempo de nos deixarmos, eu para morrer e vós para viverdes”. (Sócrates aos seus juízes).

Segundo Sócrates, as pessoas que viveram na Terra encontram-se depois da morte e reconhecem-se. O espiritismo no-las mostra, continuando as relações que já existiam entre si, de tal modo que a morte não é o fim da vida, nem uma interrupção, mas sim uma transformação sem solução de continuidade. Se Sócrates e Platão tivessem conhecido os ensinamentos transmitidos por Jesus quinhentos anos mais tarde, e os que nos transmitem hoje os Espíritos, não diriam outra coisa. Nisso, nada há que nos deva surpreender, se considerarmos que as grandes verdades são eternas e que os Espíritos adiantados devem tê-las conhecido antes de virem à Terra, para onde as trouxeram. Sócrates, Platão e os grandes filósofos do seu tempo bem podem ter estado, mais tarde, entre aqueles que seguiram Jesus na sua divina missão,

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sendo escolhidos precisamente por estarem mais aptos do que outros para compreenderem os seus sublimes ensinamentos. E pode acontecer que façam agora parte da infinidade de Espíritos encarregados de virem ensinar aos seres humanos as mesmas verdades.

XII – “Não se deve nunca retribuir a injustiça com a injustiça, nem fazer mal a ninguém, qualquer que seja o mal que nos tenham causado. Poucos serão os que admitem este princípio, e os que não concordam com ele só podem desprezar-se uns aos outros”.

Este é o princípio da caridade, que nos ensina a não retribuir o mal com o mal e a perdoar aos nossos inimigos.

XIII – “É pelos frutos que se reconhece a árvore. É preciso avaliar cada ação por aquilo que ela produz: uma ação é má quando dela resulta o mal, e boa quando dela nasce o bem”.

Esta expressão: “É pelos frutos que se reconhece a árvore”, encontra-se textualmente repetida, muitas vezes, no Evangelho.

XIV – “A riqueza é um grande perigo. Qualquer pessoa que ama a riqueza, não se ama a si próprio nem ama o que é seu, mas ama algo que lhe é mais estranho do que aquilo que lhe pertence”. (Cap. XVI).

XV – “As mais belas preces e os mais belos sacrifícios agradam menos à Divindade do que uma alma virtuosa que se esforce por se lhe assemelhar. Seria grave que os deuses dessem mais atenção às nossas oferendas do que às nossas almas. Se tal acontecesse, os maiores culpados poderiam conquistar os seus favores. Mas não, pois só são verdadeiramente justos e sábios os que, pelas suas palavras e pelos seus atos, cumprem os seus deveres para com os deuses e os homens”. (Cap. X, nºs 7 e 8).

XVI – “Chamo imoral a esse amante comum, que ama mais o corpo do que a alma. O amor está por todo o lado na natureza, que nos convida a desenvolver a nossa inteligência. Encontramo-lo até mesmo no movimento dos astros. É o amor que ornamenta a natureza com os seus admiráveis tapetes. Ele enfeita-se e fixa a sua morada onde encontra flores e perfumes. É ainda o amor que dá a paz à Humanidade, a calma

ao mar, o silêncio aos ventos e o repouso à dor.” O amor, que deve unir os seres humanos por um sentimento de fraternidade, é uma consequência

desta teoria de Platão sobre o amor universal como Lei da Natureza. Sócrates disse que “o amor não é um deus nem um mortal, mas um grande daïmon”, ou seja, um grande Espírito que preside ao amor universal. Foi sobretudo esta afirmação que lhe foi imputada como crime.

XVII – “A virtude não pode ser ensinada, vem por um dom de Deus aos que a possuem”. É quase como a teoria da graça no conceito cristão. Mas se a virtude é um dom de Deus, é um favor,

por que motivo não é dada a todos? Além disso, se é um dom, o que a recebeu não tem qualquer merecimento. O espiritismo é mais claro, explica que aquele a quem foi dada adquiriu-a pelos seus esforços nas existências anteriores, à medida que foi deixando, pouco a pouco, as suas imperfeições. A graça é a força que Deus põe à disposição das pessoas de boa vontade, para se libertarem do mal e fazerem o bem.

XVIII – “Há uma disposição natural em cada um de nós, é a de nos apercebermos muito menos dos nossos defeitos do que dos defeitos alheios”.

O Evangelho diz: “Vedes o argueiro no olho do vosso próximo, e não vedes a trave no vosso.” (Cap. X, nº 9 e 10).

XIX – “Se os médicos não conseguem curar a maior parte das doenças, é porque tratam o corpo sem considerar a alma. Assim, é claro que se o todo não está em bom estado, uma das partes que o constitui também o não pode estar”.

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O Espiritismo esclarece as relações entre a alma e o corpo, e prova que um atua incessantemente sobre o outro. Com este conhecimento abre um novo caminho à ciência. Mostrando-lhe a verdadeira causa de certas doenças, dá-lhe o meio de as combater. Quando a ciência considerar a ação do elemento espiritual no conjunto orgânico, será mais eficaz.

XX – “Todos os homens, a partir da infância, fazem muito mais mal do que bem”.

Estas palavras de Sócrates referem-se à grave questão do predomínio do mal na Terra, questão sem solução se não admitirmos a pluralidade dos mundos e o destino da Terra, onde habita apenas uma pequena parte da Humanidade. Só o espiritismo encontrou a resposta, que é desenvolvida mais adiante, nos capítulos II, III e V.

XXI – “A sabedoria está em não pensares saber aquilo que ignoras”.

Isto é dirigido àqueles que criticam coisas que muitas vezes desconhecem. Platão completa este

pensamento de Sócrates, dizendo: “Tentemos primeiro torná-los, se possível, mais honestos nas palavras. Se não conseguirmos, não nos preocupemos com eles e procuremos unicamente a verdade. Tratemos de nos instruir, mas sem nos incomodarmos“. É assim que devem agir os espíritas, em relação aos seus opositores de boa ou má-fé.

Se Platão vivesse hoje acharia as coisas mais ou menos como no seu tempo e poderia usar a mesma linguagem. Sócrates também encontraria quem fizesse troça da sua crença nos Espíritos e o tratasse como louco, assim como ao seu discípulo Platão.

Foi por ter professado estes princípios que Sócrates foi ridicularizado, primeiro, depois acusado de impiedade e condenado a beber a cicuta. É bem certo que as grandes e novas verdades, levantando contra si os interesses e os preconceitos que elas ferem, não se podem afirmar sem lutas e sem mártires.

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O Evangelho segundo o Espiritismo

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CAPÍTULO I ─ NÃO VIM DESTRUIR A LEI

1. Não penseis que vim abolir a lei e os profetas; não vim para os abolir, mas para dar-lhes

cumprimento. Porque em verdade vos digo que até que o céu e a terra passem, nem um jota ou um til se

omitirá da lei sem que tudo esteja completamente cumprido. (Mateus, 5: 17-18).

As três revelações

Moisés

2. As leis de Moisés tinham duas áreas de intervenção bastante diferentes: a lei de Deus, revelada no Monte Sinai, e a lei civil ou disciplinar, estabelecida por Moisés. A primeira é invariável, e a segunda foi sendo adequada aos hábitos e ao caráter do povo.

A lei de Deus é constituída pelos dez mandamentos seguintes:

I - Eu sou o Senhor teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão. Não terás deuses

estrangeiros diante de mim. Não farás para ti imagens de escultura, nem figura alguma de tudo o que há

em cima no céu e em baixo na terra, nem do que haja nas águas debaixo da terra. Não os adorarás nem

lhes prestarás culto. (Êxodo, 20: 2-4).

II - Não tomarás o nome do Senhor teu Deus em vão. (Êxodo, 20:7)

III - Lembra-te de santificar o dia de sábado (Êxodo, 20:8).

IV - Honrarás o teu pai e a tua mãe para teres uma dilatada vida sobre a terra que o Senhor teu Deus te

dará (Êxodo, 20:12).

V - Não matarás (Êxodo, 20:13).

VI - Não cometerás adultério (Êxodo, 20:14).

VII - Não furtarás (Êxodo, 20:15).

VIII - Não dirás falso testemunho contra o teu próximo (Êxodo, 20:16).

IX - Não desejarás a mulher do próximo (Êxodo, 20:17).

X - Não cobiçarás a casa do teu próximo, nem o seu servo, nem a sua serva, nem o seu boi, nem o seu

jumento, nem outra coisa alguma que lhe pertença (Êxodo, 20:17).

Esta lei é de todos os tempos e de todos os lugares e por isso mesmo tem um caráter divino. As outras são de Moisés e foram concebidas para governar autoritariamente um povo muito turbulento e indisciplinado, com hábitos enraizados e preconceitos adquiridos durante a servidão no Egito. Para conseguir impor esse tipo de leis, Moisés teve de lhes atribuir uma origem divina, como o fizeram todos os legisladores de povos dessas épocas. A autoridade humana tinha de se apoiar na autoridade de Deus, e só a ideia de um Deus terrível podia impressionar gente ignorante, cujo sentido moral e de justiça eram muito rudimentares. É evidente que aquele que tinha estabelecido mandamentos tais como "não matarás", e “não farás mal ao teu próximo, não podia contradizer-se instituindo leis que incluíam a morte. As leis de Moisés tinham, portanto, um caráter essencialmente transitório.

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Jesus

3. Jesus não veio destruir a lei de Deus. Veio cumpri-la, desenvolvê-la, dar-lhe o seu verdadeiro sentido

e adaptá-la ao grau de evolução da Humanidade. Nela encontramos a base da sua ideologia, constituída

pelos nossos deveres para com Deus e para com o próximo. Quanto às leis de Moisés, propriamente ditas,

modificou-as profundamente, na forma e no conteúdo. Combateu constantemente o abuso das práticas

exteriores e as falsas interpretações. Fê-las passar por uma reforma radical, reduzindo-as a estas palavras:

"Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo", acrescentando: "Nisto está toda a lei

e os profetas". Por estas palavras: “até que o céu e a terra passem, nem um jota ou um til se omitirá da lei sem que tudo

esteja completamente cumprido” Jesus quis dizer que era necessário que a lei de Deus fosse cumprida e praticada em toda a Terra, em toda a sua pureza, com todos os seus desenvolvimentos e todas as suas consequências. De facto, de que serviria estabelecer essa lei, se ela ficasse privilégio de alguns ou mesmo de um só povo? Sendo todos os seres humanos filhos de Deus, são, sem distinção, objeto da mesma solicitude.

[ 04 – O nome Jesus ]

4. Mas o papel de Jesus não foi só o de um legislador moralista, apenas com a autoridade da sua

palavra. Veio cumprir as profecias que tinham anunciado a sua vinda, e a sua autoridade excecional

resultava da natureza do seu Espírito e da sua missão divina.

Veio ensinar às pessoas que a verdadeira vida não está na Terra, mas no reino dos céus. Veio ensinar-

lhes o caminho que as conduz até lá e os meios de se reconciliarem com Deus, sensibilizá-las para as coisas

futuras e para o cumprimento dos destinos da Humanidade.

Não disse tudo e, sobre muitos pontos limitou-se a lançar a semente de verdades que, como declarou,

ainda não podiam ser compreendidas. Falou de tudo, mas em termos mais ou menos explícitos, de modo

que para entender o sentido oculto de certas palavras era preciso que novas ideias e novos conhecimentos

viessem revelar o seu significado. Esses conhecimentos não podiam surgir antes de o Espírito humano ter

atingido um certo grau de maturidade. O desenvolvimento da ciência deveria dar um poderoso contributo

para a eclosão e o desenvolvimento de certas ideias. Era preciso, portanto, dar tempo à ciência para

progredir.

O espiritismo

5. O espiritismo é a nova ciência que vem revelar à Humanidade, por meio de provas incontestáveis, a

existência e a natureza do mundo espiritual e as suas relações com o mundo corporal.

Mostra-nos este mundo, já não como algo sobrenatural, mas, pelo contrário, como uma das forças vivas da natureza incessantemente ativas, como a fonte de uma multidão de fenómenos até agora incompreendidos e, por essa razão, atirados para o domínio do fantástico e do maravilhoso. É a essas relações que Jesus se refere em muitas circunstâncias e é por isso que muitas coisas que disse ficaram incompreensíveis ou foram mal interpretadas. O espiritismo é a chave com a ajuda da qual tudo se explica com facilidade.

6. A lei do Antigo Testamento está personificada em Moisés, a do Novo Testamento em Jesus. O

espiritismo é a terceira revelação da lei de Deus, mas não está personificado em nenhum indivíduo, porque

é o produto do ensino dado, não por uma pessoa, mas pelos Espíritos, que são “as vozes do Céu” em todos

os pontos da Terra, e por uma multidão inumerável de intermediários. Trata-se de um ser coletivo,

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incluindo o conjunto dos seres do mundo espiritual, cada qual trazendo à Humanidade o tributo dos seus

conhecimentos, para os fazer conhecer esse mundo e a sorte que nele os espera.

7. Da mesma maneira que Jesus disse: "Eu não venho destruir a lei, mas dar-lhe cumprimento",

também o espiritismo diz: "Não venho destruir a lei cristã, mas dar-lhe cumprimento". Nada ensina que seja

contrário aos ensinamentos de Jesus, mas desenvolve, completa e explica em termos claros para todos, o

que foi dito sob uma forma alegórica. Vem cumprir, na época prevista, o que Jesus anunciou, e preparar a

concretização das coisas futuras. É, portanto, obra presidida por Jesus, por ele anunciada, assim como a

regeneração que está em curso e que prepara o reino de Deus na Terra.

Aliança da ciência e da religião

8. A ciência e a religião são as duas alavancas da inteligência humana. Uma revela as leis do mundo

material e a outra as leis do mundo moral. Tendo umas e outras o mesmo princípio, que é Deus, não podem

contradizer-se, porque Deus não pode querer destruir a sua própria obra. A incompatibilidade, que alguns

julgaram existir entre estas duas ordens de ideias, resulta de um erro de observação e do excesso de

exclusivismo de uma e de outra parte. Daí resultou um conflito que originou a incredulidade e a

intolerância.

Chegámos ao momento em que os ensinamentos de Jesus devem receber o seu complemento, em que

o véu lançado intencionalmente sobre alguns pontos dos seus ensinamentos deve ser levantado; em que

a ciência, deixando de ser exclusivamente materialista, leve em conta o elemento espiritual e em que a

religião passe a conhecer as leis orgânicas e imutáveis da matéria. Essas duas forças, apoiando-se

mutuamente e caminhando juntas, devem servir de apoio uma à outra. Então, a religião, deixando de ser

desmentida pela ciência, adquirirá uma força inabalável, porque estará de acordo com a razão, e a lógica

irresistível dos factos já não se lhe oporá.

A ciência e a religião não puderam entender-se durante séculos, porque, encarando cada uma as coisas

do seu ponto de vista exclusivo, repeliam-se mutuamente. Era necessária alguma coisa para preencher o

vazio que as separava, um traço de união que as aproximasse.

Esse traço de união está no conhecimento das leis que regem o mundo espiritual e as suas relações com

o mundo material, leis tão imutáveis como as que regulam o movimento dos astros e a existência dos seres.

Tendo essas relações sido verificadas pela experiência, abriu-se uma nova luz: a fé dirigiu-se à razão, a razão

nada encontrou de ilógico na fé e o materialismo foi vencido.

Nisto, como em todas as coisas, há os que ficam para trás, até serem arrastados pelo movimento geral

e que os esmagará se quiserem resistir-lhe, em vez de o acompanhar. É toda uma revolução moral que se

realiza neste momento e aperfeiçoa os Espíritos. Depois de ter sido elaborada durante mais de dezoito

séculos, chega ao momento da sua afirmação, o que vai marcar uma nova era na Humanidade.

As consequências desta revolução são fáceis de prever: deve produzir nas relações sociais inevitáveis

modificações, contra as quais ninguém poderá opor-se, porque estão nos desígnios de Deus e são o

resultado da lei do progresso, que é uma lei de Deus.

[ 05 – O espiritismo é uma religião?]

[ 06 − O materialismo foi vencido? ]

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INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS

A nova era

9. Deus é único e Moisés foi o Espírito que Deus enviou com a missão de dá-lo a conhecer, não somente

aos hebreus, mas também aos povos pagãos. O povo hebreu foi o instrumento de que Deus se serviu para

fazer a sua revelação através de Moisés e dos profetas. As dificuldades da vida desse povo aconteceram

para retirar dos olhos da Humanidade a venda que lhes ocultava a divindade.

Os mandamentos de Deus, dados por intermédio de Moisés, foram a origem de toda a moral cristã. Os

comentários da Bíblia restringiram-lhes o sentido e, postos em prática em toda a sua pureza, não seriam

entendidos nessa época. Mas os dez mandamentos de Deus nem por isso deixaram de ser a frontaria

principal, porta de entrada para o esclarecimento de toda a Humanidade na longa estrada que teria de

percorrer. A moral ensinada por Moisés era apropriada ao estado evolutivo em que se encontravam os povos que

ela pretendia regenerar. Esses povos, muito pouco avançados quanto ao aperfeiçoamento da sua alma, não compreendiam a adoração a Deus sem sacrifícios sangrentos, nem entendiam que se deveria conceder o perdão aos inimigos.

A sua capacidade de realização, importante ao nível dos problemas materiais, das artes e das ciências,

não era acompanhada pela evolução nas atitudes de ordem moral, e a sua mentalidade não se teria

convertido sob a influência de uma religião inteiramente espiritual. Faltava-lhes uma representação

semimaterial, como a que então lhes oferecia a religião hebraica. Os sacrifícios sangrentos falavam-lhes

aos sentidos, enquanto a ideia de Deus lhes falava ao Espírito.

Jesus foi o iniciador da mais pura e sublime moral evangélica cristã, que deve renovar o mundo,

aproximar os indivíduos e fazê-los irmãos; que deve fazer jorrar de todos os corações a caridade e o amor

ao próximo e criar entre todos uma solidariedade comum. Uma moral que deve transformar a Terra,

fazendo dela uma morada para Espíritos superiores àqueles que hoje a habitam. É a lei do progresso, a que

a natureza está sujeita, que se cumpre; e o espiritismo é a alavanca de que Deus se serve para fazer avançar

a Humanidade. É chegado a altura em que as ideias morais devem desenvolver-se, para que se cumpram os progressos

que estão nos desígnios de Deus. Devem seguir o mesmo percurso que seguiram as ideias da liberdade, como suas precursoras. Mas não se pense que esse desenvolvimento se fará sem lutas. Essas leis necessitam, para chegarem à maturidade, de agitações e discussões, para atraírem a atenção das massas.

Uma vez desperta a atenção, a beleza e a santidade da moral tocarão os Espíritos, que se ligarão a uma

ciência que lhes traz a chave da vida futura e lhes abre a porta da felicidade eterna. Foi Moisés quem abriu

o caminho, Jesus continuou a obra, o espiritismo conclui-la-á.

Um Espírito Israelita / Mulhouse, 1861

10. Um dia, Deus, na sua infinita caridade, permitiu à Humanidade entrever a verdade através das

trevas. Esse dia foi o da vinda de Jesus. Depois do vivo clarão, porém, as trevas voltaram. O mundo, depois

das alternativas de luz e escuridão, perdeu-se de novo. Então, semelhantes aos profetas do Antigo

Testamento, os Espíritos começaram a falar e a avisar-vos: o mundo foi abalado nas suas bases, o trovão

rugirá, sede firmes!

O espiritismo é de ordem divina, pois assenta nas próprias leis da natureza e acreditai que tudo o que é

de ordem divina tem um objetivo elevado e útil. O vosso mundo perdia-se. A ciência, desenvolvida à custa

do que é de ordem moral, ao mesmo tempo que vos conduzia ao bem-estar material, resultava em proveito

do Espírito das trevas. Vós sabeis, cristãos, que o coração e o amor devem caminhar unidos à ciência. O

Reino de Jesus, “Ai de nós!”, passados dezoito séculos e apesar do sangue de tantos mártires, ainda não

chegou.

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Cristãos, voltai para o Mestre que vos quer salvar. Tudo é fácil para aquele que tem fé e que ama, o amor enche-o de uma alegria indescritível. Sim, meus filhos, o mundo está perturbado. Os bons Espíritos vo-lo dizem bastantes vezes. Curvai-vos à primeira rajada que anuncia a tempestade, para não serdes derrubados. Quero dizer: preparai-vos e não vos assemelheis às virgens loucas, que foram apanhadas desprevenidas à chegada do esposo.

A revolução que se prepara é mais moral do que material. Os grandes Espíritos, mensageiros divinos, insuflam a fé, para que todos vós, trabalhadores esclarecidos e ardorosos, façais ouvir a vossa humilde voz. Porque vós sois o grão de areia, mas sem os grãos de areia não haveria montanhas. Assim, pois, que estas palavras: "Nós somos pequenos", não tenham sentido para vós. A cada um a sua missão, a cada um o seu trabalho. A formiga não constrói o seu formigueiro e os pequeníssimos corais não formam ilhas? Começou a nova cruzada: apóstolos da paz universal e não da guerra, modernos São-Bernardos, olhai e caminhai em frente! A lei dos mundos é a lei do progresso.

Espírito “Fénelon”, 1861

11. O Espírito “Santo Agostinho” é um dos maiores divulgadores do espiritismo. Manifestou-se por

quase toda a parte. A razão deste facto reside na vida do grande filósofo cristão. Pertence ao importante

grupo dos Pais da Igreja, ao qual a cristandade deve as suas mais sólidas bases. Como muitos, foi arrancado

ao paganismo, ou melhor diremos, à mais profunda impiedade, pelo fulgor da verdade.

Quando, no meio dos seus maiores excessos, sentiu na própria alma a estranha vibração que o chamava

para si mesmo e que lhe fez compreender que a felicidade não estava nos prazeres excitantes e fugidios;

quando, enfim, na sua estrada de Damasco, ouviu, também ele, a voz santa gritar-lhe: ─ "Saulo, Saulo,

porque me persegues?"─ exclamou: "Meu Deus! Meu Deus! Perdoai-me, eu creio, sou cristão!” E desde

então tornou-se um dos mais fortes pilares do Evangelho.

Podemos ler, nas notáveis “Confissões” que este eminente Espírito nos deixou, as características e ao

mesmo tempo proféticas palavras que pronunciou quando perdeu Santa Mónica: "Estou certo de que a

minha mãe virá visitar-me e dar-me conselhos, revelando-me o que nos espera na vida futura".

Que ensinamento nestas palavras e que brilhante previsão da futura visão da vida! É por isso que hoje,

vendo chegada a hora da divulgação da verdade, que outrora intuiu, se fez seu ardente divulgador e

multiplica-se, por assim dizer, para atender a todos os que o chamam.

Espírito “Erasto”, discípulo de São Paulo / Paris, 1863)

NOTA – O Espírito “Santo Agostinho” vem, por acaso, demolir o que edificou? Certamente que não. Como tantos

outros, vê com os olhos de Espírito o que não podia ver como homem. A sua alma, liberta, entrevê novas claridades

e compreende o que antes não compreendia.

Novas ideias revelaram-lhe o verdadeiro sentido de certas palavras. Na Terra, avaliava as coisas de acordo com os

conhecimentos que possuía, mas quando uma nova luz o iluminou, pôde avaliá-las com maior lucidez. Foi assim que

reviu a sua crença em relação aos Espíritos íncubos e súcubos, assim como o anátema que lançara contra a teoria dos

antípodas. Agora, que o Cristianismo se lhe mostra em toda a sua pureza, pode, sobre certos pontos, pensar de modo

diferente de quando vivia, sem deixar de ser o apóstolo cristão. Pode, sem renegar a sua fé, fazer-se divulgador do

espiritismo, porque nele vê o cumprimento das coisas anunciadas. Ao proclamá-lo, hoje, conduz-nos simplesmente a

uma interpretação mais sã e mais lógica dos textos. O mesmo acontece também com outros Espíritos, que se

encontram numa posição semelhante. (A.K.)

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CAPÍTULO II - O MEU REINO NÃO É DESTE MUNDO

1. Tornou Pilatos a entrar na audiência, chamou Jesus e disse-lhe: Tu és o rei dos judeus? Respondeu

Jesus: O meu Reino não é deste mundo; se o meu Reino fosse deste mundo, lutariam os meus servos, para

que eu não fosse entregue aos judeus; mas, agora, o meu Reino não é daqui. Disse-lhe Pilatos: Logo, tu és

rei? Jesus respondeu: Tu dizes que eu sou rei. Eu para isso nasci e para isso vim ao mundo, a fim de dar

testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade ouve a minha voz. (João, 18: 33;36-37)

A vida futura

2. Por estas palavras, Jesus refere-se claramente à vida futura, que mostra em todas as circunstâncias

como a meta a que chegará a Humanidade, e como devendo constituir o objeto das principais

preocupações do ser humano na Terra. Todas as suas regras morais se referem a esse grande princípio.

Sem a vida futura, a maior parte dos seus preceitos não teriam razão de ser. É por isso que os que não

acreditam na vida futura, pensando que apenas falava da vida presente, não os compreendem ou acham-

nos infantis.

Esta ideia pode ser considerada como o ponto central dos ensinamentos de Jesus. É por isso que está

colocada entre as primeiras no início desta obra, porque deve ser o ponto de mira de todos os seres

humanos. Só ela pode justificar as anomalias da vida terrena e corresponder à justiça de Deus.

3. Os judeus só tinham ideias muito vagas sobre a vida futura. Acreditavam nos anjos, que

consideravam como seres privilegiados da criação, mas não sabiam que os seres humanos poderiam tornar-

se anjos, no futuro, e partilhar da sua felicidade. Segundo pensavam, o cumprimento das leis de Deus era

recompensado pelos bens terrenos, pela supremacia da sua nação, pelas vitórias que obteriam sobre os

inimigos. As calamidades públicas e as derrotas eram os castigos da sua desobediência. Moisés não podia

dizer mais a um povo de pastores, ignorante, que precisava de ser impressionado, antes de mais, pelas

coisas deste mundo.

Mais tarde, Jesus veio revelar-lhes que existe outro mundo onde a justiça de Deus segue o seu curso. É

esse mundo que ele promete aos que observam os mandamentos de Deus e onde os bons serão

recompensados. Esse mundo é o seu reino, é lá que ele está em toda a sua glória e para onde voltará ao

deixar a Terra.

Jesus, adaptando os seus ensinamentos ao estado dos homens da época, achou melhor não lhes dar o

esclarecimento completo, que os impressionaria sem os iluminar, porque eles não o teriam compreendido.

Limitou-se a colocar a vida futura como um princípio, uma lei da natureza à qual ninguém pode escapar.

Todos os cristãos acreditam necessariamente na vida futura, mas a ideia que muitos fazem dela é vaga,

incompleta e por isso mesmo errada em muitos pontos. Para grande número, é apenas uma crença, sem

nenhuma certeza absoluta. Daí as dúvidas e até mesmo a incredulidade.

O espiritismo veio completar, nesse ponto como em muitos outros, o ensinamento de Jesus, quando os

seres humanos se mostraram maduros para apreender a verdade. Com o espiritismo, a vida futura já não

é simples artigo de fé ou simples hipótese. É uma realidade material demonstrada pelos factos, porque são

as testemunhas oculares que vêm descrevê-la em todas as suas fases e em todas as suas peripécias. Deste

modo a dúvida já não é possível, como a mais vulgar inteligência pode concebê-la nos seus variados

aspetos, do mesmo modo que se imagina um país do qual se lê uma descrição pormenorizada. Esta

descrição da vida futura é de tal maneira circunstanciada, são tão racionais as condições da existência feliz

ou infeliz dos que nela se encontram, que acabamos por concordar que não pode ser de outra maneira e

que ela bem representa a verdadeira justiça de Deus.

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A realeza de Jesus

4. O reino de Jesus não é deste mundo, o que todos entendem. Mas, aqui na Terra, não terá ele

também uma realeza?

O título de rei nem sempre implica o exercício do poder temporal. É dado, por consenso unânime, aos

que pelo seu talento se colocam no primeiro plano de uma certa ordem de ideias, dominando o seu século

e influenciando o progresso da Humanidade. É nesse sentido que se diz: o rei ou o príncipe dos filósofos,

dos artistas, dos poetas, dos escritores, etc.

A realeza que resulta do mérito pessoal, consagrada pela posteridade, tem muitas vezes uma autoridade

bem maior do que a dos reis com coroa. É imperecível, enquanto a outra depende das vicissitudes. É

sempre abençoada pelas gerações futuras, enquanto a outra é, por vezes, amaldiçoada. A realeza terrena

acaba com a vida; a realeza moral mantém-se mesmo depois da morte. Sob este aspeto, Jesus é um rei

mais poderoso do que muitos potentados.

Foi com razão, portanto, que disse a Pilatos: Sou rei, mas o meu reino não é deste mundo.

O ponto de vista

5. A ideia clara e precisa que fazemos da vida futura dá uma fé inabalável no porvir, e essa fé tem

imensas consequências na moralização das pessoas, porque muda completamente o ponto de vista

segundo o qual encaram a vida terrena.

Para quem se coloca, em pensamento, na vida espiritual que não tem fim, a vida corporal é uma breve

passagem, uma breve estadia num país ingrato. As dificuldades da vida são apenas incidentes que se

enfrentam com paciência, porque se sabe que são de curta duração e que serão seguidos por uma situação

mais feliz. A morte deixa de ser assustadora, já não é a porta do nada, mas a da libertação que oferece ao

exilado uma nova vida de felicidade e de paz. Sabendo que se encontra numa situação temporária, encara

as dificuldades com mais indiferença, resultando daí a calma de Espírito que suaviza as amarguras.

Aqueles que duvidam da vida espiritual, concentram todos os seus pensamentos na vida terrena.

Incertos quanto ao futuro, pensam apenas no presente. Não conhecendo bens mais preciosos do que os

da Terra, comportam-se como uma criança que só vê os seus brinquedos e faz tudo para os obter. A perda

do menor dos seus bens causa-lhe enorme desgosto. Uma desilusão, uma esperança frustrada, uma

ambição insatisfeita, uma injustiça de que for vítima, o orgulho ou a vaidade ferida, são tantos outros

tormentos que fazem da vida uma angústia constante, entregando-se voluntariamente a uma tortura

permanente.

Sob o ponto de vista da vida terrena, em cujo centro se coloca, tudo à sua volta toma enormes

proporções. O mal que o atinge, as vantagens que a outros beneficiam, tudo adquire a seus olhos uma

enorme importância. É como alguém que, dentro de uma cidade, vê tudo grande à sua volta. Mas se subir

a uma montanha e olhar à volta, tanto as pessoas como as coisas lhe parecem bem mais pequenas.

É o que acontece com alguém que encara a realidade do ponto de vista da vida futura: a Humanidade,

como as estrelas do Céu, perde-se na imensidão do Universo.

Então apercebe-se de que grandes e pequenos não se distinguem, tal como acontece com as formigas

num monte de terra e que os humildes proletários e os homens de grande fortuna são todos da mesma

estatura. Lamenta todos os que vão morrer e que tanto sofrem por conquistar glórias e ganhos efémeros

que os elevam tão pouco e por tão pouco tempo. É por isso que a importância atribuída aos bens materiais

está sempre na razão inversa da fé na vida futura.

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6. Se todos pensassem assim, se ninguém se ocupasse das coisas terrenas, tudo estaria em perigo?

Não é assim. As pessoas procuram instintivamente o seu bem-estar. Mesmo sabendo que a vida é curta,

ainda assim quererão estar o melhor possível, evitando todo o mal que puderem.

Quem quer que sinta um espinho na mão, tirá-lo-á para não se picar. A procura do bem-estar força as

pessoas a melhorarem todas as coisas, dirigidas pelo instinto do progresso e da sobrevivência, que decorre

das leis da natureza. Trabalham por necessidade, por gosto e por dever, cumprindo os desígnios da

Providência, que as colocou na Terra para esse fim.

Somente aquelas que acreditam no futuro atribuem ao presente uma importância relativa,

conformando-se facilmente com as suas contrariedades, pensando no destino que as espera.

Deus não condena as alegrias terrenas, mas sim o abuso da sua fruição em prejuízo dos interesses da

alma. É contra esse abuso que se previnem os que compreendem as palavras de Jesus: O meu reino não é

deste mundo.

Aquele que se identifica com a vida futura é semelhante a um rico que perde uma pequena soma sem

se perturbar. Aquele que concentra os seus pensamentos na vida material é como o pobre que perde tudo

o que possui e entra em desespero.

7. O espiritismo alarga o pensamento e abre-lhe novos horizontes. Em vez da visão estreita e

mesquinha que o concentra na vida presente, fazendo do tempo vivido na Terra o único e frágil suporte do

futuro eterno, o espiritismo mostra-nos que a vida é apenas um breve instante do vasto conjunto

harmonioso da obra do Criador. Revela ainda a coerência que liga todas as existências de um mesmo ser,

de todos os seres de um mesmo mundo e dos seres de todos os mundos. Mostra-nos claramente a razão

de ser da fraternidade universal, enquanto a ideia da criação da alma no momento do nascimento de cada

corpo faz com que todos os seres sejam estranhos uns aos outros.

Esta solidariedade das partes de um mesmo todo explica o que é inexplicável quando apenas

consideramos uma delas. Os homens do tempo de Jesus não podiam compreender esta visão de conjunto,

e por isso é que a abertura ao seu conhecimento foi reservada para mais tarde.

INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS

Uma realeza terrena

8. Quem melhor do que eu, poderá compreender a verdade destas palavras de Jesus: “o meu reino não

é deste mundo”?

O orgulho perdeu-me na Terra. Quem poderia compreender o vazio dos reinos do mundo, se eu não o

compreendesse? O que é que trouxe comigo do reinado que tive na Terra? Nada, absolutamente nada.

Para tornar a lição mais dura, nem o reinado pude conservar até ao fim dos meus dias!

Rainha fui na Terra e rainha pensei entrar no Reino dos Céus. Mas que desilusão! E que humilhação

quando, em vez de ser ali recebida como soberana, vi acima de mim, mas muito acima, pessoas que

considerava bem pequenas e que desprezava, por não terem nas veias sangue nobre! Só então compreendi

a esterilidade das honras e das grandezas que tão avidamente são disputadas na Terra!

Para preparar um lugar neste reino é necessária a abnegação, a humildade, a caridade em toda a sua

elevação celestial, a benevolência para com todos. Ninguém te perguntará quem foste, que posição

ocupaste. Apenas importa o bem que fizeste e as lágrimas que enxugaste.

Oh, Jesus! Tu o disseste, o teu reino não é deste mundo, porque é necessário sofrer para chegar ao Céu,

e os degraus do trono não nos aproximam dele. O caminho até lá é o dos carreiros mais penosos da vida.

Tereis que avançar entre rudes arbustos de espinhos e não por caminhos de flores!

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Os homens correm atrás dos bens terrenos, como se pudessem desfrutá-los para sempre. Mas aqui as

ilusões terminam e logo verão que guardaram apenas sombras, desprezando os únicos bens sólidos e

duráveis que poderão conservar no céu, a única chave que servirá para entrar nessa morada.

Tende piedade dos que não ganharam o Reino dos Céus. Ajudai-os com as vossas preces, porque a prece

aproxima o ser humano do Altíssimo, é o traço de união entre o Céu e a Terra. Não vos esqueçais disso!

Espírito “uma rainha de França” / Le Havre, 1863

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CAPITULO III - HÁ MUITAS MORADAS NA CASA DE MEU PAI

1.Não se turbe o vosso coração; credes em Deus, crede também em mim. Na casa de meu Pai há muitas

moradas; se não fosse assim, eu vo-lo teria dito, pois vou preparar-vos um lugar. E, depois de eu ir e vos

preparar um lugar, virei outra vez e vos levarei para mim mesmo, para que, onde eu estiver, estejais vós

também. (João, 14: 1-3).

Diferentes estados da alma no período entre vidas

2. A casa do Pai é o Universo. As diferentes moradas são os mundos que circulam no espaço infinito,

oferecendo aos Espíritos que neles encarnam estadias adequadas à sua evolução.

Independentemente da diversidade dos mundos, essas palavras podem também ser interpretadas pelo

estado feliz ou infeliz dos Espíritos no intervalo entre vidas. Conforme o seu grau de purificação ou de

materialização, o meio em que se encontram, o aspeto das coisas, as sensações que experimentam, as

perceções que possuem podem ser muito diferentes. Pelas mesmas razões, enquanto uns não podem

afastar-se da esfera em que viveram, outros elevam-se e percorrem o espaço e os mundos; enquanto

certos Espíritos culpados vagueiam nas trevas, os felizes gozam de uma luz resplandecente e do sublime

espetáculo do infinito; enquanto o Espírito malévolo, cheio de remorsos e pesares, muitas vezes isolado,

sem consolações, separado dos objetos que ama, geme sob a opressão dos sofrimentos morais, o Espírito

justo, acompanhado pelos seus entes queridos, aprecia as doçuras de uma felicidade indescritível. Para todos eles há, portanto, diferentes moradas, embora não se encontrem limitadas nem localizadas.

[07 - As palavras erraticidade e errante]

Diversas categorias de mundos habitados

3. Do ensinamento dado pelos Espíritos, sabemos que os diversos mundos se encontram em condições

muito diferentes uns dos outros, quanto ao grau de evolução dos seus habitantes. Entre estes há os que

são ainda inferiores aos que habitam na Terra, física e moralmente; outros estão na mesma categoria que

o nosso, e outros são-lhe mais ou menos superiores em todos os sentidos.

Nos mundos inferiores a existência é completamente materializada, as paixões dominam inteiramente

e a vida moral quase não existe. À medida que esta se desenvolve, a influência da matéria diminui, de tal

modo que, nos mundos mais adiantados, a vida é, por assim dizer, toda espiritual.

4. Nos mundos intermédios, o bem e o mal misturam-se, predominando um sobre o outro, conforme

o respetivo grau de evolução. Embora não seja possível fazer uma classificação absoluta dos diversos

mundos, contudo, considerando o seu estado e o seu destino e com base nas diferenças mais evidentes,

podemos na generalidade dividi-los assim:

− Mundos primitivos, destinados às primeiras encarnações da alma humana;

− Mundos de expiações e de provas, em que o mal predomina;

− Mundos regeneradores, onde as almas que ainda têm algo a expiar adquirem novas forças,

repousando das fadigas da luta;

− Mundos felizes, onde o bem predomina sobre o mal;

− Mundos celestes ou divinos, morada dos Espíritos purificados, onde reina exclusivamente o bem.

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A Terra pertence à categoria dos mundos de expiações e de provas, e é por isso que os seres que nela

habitam enfrentam tantas dificuldades.

5. Os Espíritos encarnados num mundo não estão ligados a ele para sempre, e não cumprem aí todas

as fases do progresso que devem realizar até chegar à perfeição. Quando atingem num mundo o melhor

nível de evolução que nele existe, passam para outro mais avançado e assim sucessivamente, até chegarem

ao estado de Espíritos puros. Esses mundos são outras tantas estações de passagem, onde encontram

elementos para progredir, proporcionais ao grau de evolução que foram atingindo.

A passagem para um mundo de ordem mais elevada é uma recompensa, como será um castigo ficarem

mais tempo num mundo imperfeito, ou serem relegados para um mundo ainda mais infeliz, quando se

obstinam no mal.

O destino da Terra. Causas das misérias humanas

6. Admiramo-nos de existirem na Terra tantas maldades e tantas paixões inferiores, tantas misérias e

enfermidades de toda a espécie, e concluímos que a espécie humana é algo de muito triste.

Essa avaliação é muito limitada e dá uma falsa ideia do conjunto. É preciso considerar que na Terra não

se encontra toda a Humanidade, mas apenas uma ínfima parte dela, visto que a espécie humana abrange

todos os seres dotados de razão que povoam os inumeráveis mundos do Universo.

O que é a população da Terra em relação à população total desses mundos? Bem menos que a de uma

pequena aldeia em relação à de um grande império. A situação material e moral da Humanidade terrena

nada tem de estranho se tivermos em conta o destino do planeta e a natureza dos que nele residem.

7. Faríamos uma ideia falsa da população de uma grande cidade se a julgássemos pelos moradores dos

bairros mais pobres e problemáticos. Num hospital, só vemos doentes e pessoas lesionadas; numa prisão,

vemos o fruto do crime e dos vícios; nas regiões insalubres os habitantes são fracos e doentes.

Pois bem, se considerarmos a Terra como um arrabalde, um hospital, uma penitenciária ou um lugar

insalubre, porque ela é tudo isso ao mesmo tempo, compreenderemos porque são mais as aflições que as

alegrias. Porque não é para os hospitais que se enviam as pessoas sadias, nem para as casas de correção

as pessoas bem comportadas; e, como outros locais do mesmo género, nem os hospitais nem as casas de

correção são ambientes felizes.

Do mesmo modo que numa cidade a população não se encontra toda nos hospitais ou nas prisões,

também a Humanidade não se encontra toda na Terra. Como se sai do hospital quando é dada alta e da

prisão quando está cumprida a pena, os seres humanos deixam a Terra para mundos mais felizes quando

estão curados das suas enfermidades morais.

INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS:

Mundos inferiores e mundos superiores

8. A classificação evolutiva dos mundos é relativa pois que, naturalmente, um mundo é inferior ou

superior em relação aos que se acham acima ou abaixo dele, na escala progressiva. Tomando a Terra como

ponto de comparação, pode fazer-se uma ideia do estado de um mundo inferior se pensarmos no conjunto

dos seus habitantes mais atrasados, que são restos do seu estado de mundo primitivo.

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Nos mundos mais atrasados, os seres que os habitam são, de certo modo, rudimentares. Têm a forma

humana, mas sem qualquer beleza; os seus instintos não são temperados pela delicadeza, pela bondade

ou pela noção do que é justo ou injusto. A sua lei é feita unicamente à base da força. Sem conhecimentos

ou técnicas, a vida é consagrada à obtenção dos alimentos. Contudo, Deus não abandona nenhuma das

suas criaturas. No fundo das trevas da sua inteligência, encontra-se, latente, a vaga intuição de um Ser

supremo, mais ou menos desenvolvida. Essa intuição é suficiente para que uns se tornem superiores aos

outros, preparando-se o acesso a uma vida mais completa porque não são criaturas degradadas, mas

crianças que crescem.

Considerando a totalidade dos Espíritos, dos graus inferiores aos mais elevados, existe uma quantidade

enorme de níveis evolutivos. Nos Espíritos puros, já desmaterializados e resplandecentes de glória, é difícil

reconhecer os que animaram os seres primitivos no começo da sua evolução, do mesmo modo que, na

pessoa adulta, é difícil reconhecer o embrião a partir do qual a mesma se formou.

9. Nos mundos que atingiram um grau superior de evolução, as condições da vida moral e material são

muito diferentes das que encontramos na Terra.

A forma humana é universal para todos os corpos, mas embelezada, aperfeiçoada e sobretudo

purificada. O corpo nada tem da materialidade terrena e não está sujeito às necessidades, às doenças e às

deteriorações inerentes ao predomínio da matéria. Os sentidos mais apurados têm perceções que no nosso

caso se encontram ainda ausentes. A leveza dos corpos torna a locomoção rápida e fácil. Em vez de se

deslocarem sobre o solo, deslizam, por assim dizer, à superfície, ou planam no ar apenas pelo esforço da

vontade, tal como se vê nas representações dos anjos ou como os antigos imaginavam os manes, nos

Campos Elísios

Os seres humanos conservam, conforme os seus gostos, os traços das migrações passadas, e aparecem

aos amigos tal como estes os conheceram, mas iluminados por uma luz divina, transfigurados pelas

características interiores, que são sempre elevadas. Em vez da face apagada, abatida pelos sofrimentos e

paixões, a inteligência e a vida cintilam com o brilho que os pintores traduziram pela auréola dos santos.

A pouca resistência que a matéria oferece aos Espíritos já bastante adiantados, facilita o

desenvolvimento dos corpos e abrevia ou quase anula o período de infância. A vida, isenta de cuidados e

angústias, é mais longa que na Terra. A longevidade é proporcional ao grau de adiantamento dos mundos.

A morte não tem nada dos horrores da decomposição e longe de ser motivo de medo é considerada

como uma transformação feliz, pois não existem dúvidas quanto ao futuro. Durante a vida, a alma, que já

não está envolvida por uma matéria densa, irradia e goza de uma lucidez que a coloca num estado quase

permanente de emancipação e que lhe permite a livre transmissão do pensamento.

10. Nos mundos felizes, as relações entre os povos, sempre amistosas, nunca são perturbadas pela

ambição de dominar vizinhos nem pelas guerras daí resultantes. Não existem senhores nem escravos, nem

privilégios de nascimento.

Só a superioridade moral e intelectual determina as diferenças e confere a supremacia. A autoridade é

sempre respeitada, porque resulta unicamente do mérito e exerce-se sempre com justiça.

O ser humano não procura ultrapassar o seu semelhante, mas ultrapassar-se a si mesmo, aperfeiçoando-

se. O seu objetivo é atingir a classe dos Espíritos puros, e esse desejo incessante não constitui um tormento,

mas sim uma nobre ambição que o faz estudar com ardor para os igualar.

Todos os sentimentos da natureza humana, ternos e elevados, apresentam-se engrandecidos e

purificados. Os ódios, as invejas mesquinhas, as baixas cobiças do ciúme são desconhecidas. Todas as

pessoas estão unidas por ligações de amor e fraternidade e os mais fortes ajudam os mais fracos.

Possuem bens em maior ou menor quantidade, conforme a capacidade da sua inteligência lhes tenha

permitido adquirir, mas ninguém sofre a falta do necessário, porque ninguém ali se encontra em expiação.

Numa palavra, o mal não existe.

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11. No vosso mundo, tendes necessidades do mal para sentir o bem, da noite para admirar a luz, da

doença para apreciar a saúde. Nesses outros mundos, tais contrastes não são necessários. A eterna luz, a

eterna bondade, a serenidade eterna da alma proporciona uma eterna alegria, que está livre das

perturbações causadas pelas angústias da vida material e dos contactos com criaturas malévolas, que ali

não têm acesso. É isto o que o Espírito humano tem dificuldade em compreender. Foi suficientemente

engenhoso para pintar os tormentos do inferno, mas nunca foi capaz de representar as alegrias do céu. E

isso porquê? Porque, sendo inferior, só tem experimentado penas e misérias e não pode imaginar as

claridades celestes. Só pode falar daquilo que conhece. À medida que se eleva e se purifica, o seu horizonte

ilumina-se e compreende o bem que o espera, como compreende o mal que deixou para trás.

12. Esses mundos afortunados, porém, não são privilegiados, porque Deus é imparcial para com todos

os seus filhos. Dá a todos os mesmos direitos e as mesmas facilidades para atingir a perfeição. Fê-los partir

todos do mesmo ponto, e não dá a uns mais do que a outros. Os níveis mais elevados são acessíveis a todos.

Cabe-lhes conquistá-los pelo trabalho, atingi-los o mais cedo possível ou deixarem-se ficar durante séculos

e séculos nos grupos menos evoluídos da Humanidade.

(Resumo do ensino de todos os Espíritos superiores)

Mundos de expiações e de provas

13. Tudo o que vos disser a respeito dos mundos de expiações já é do vosso conhecimento, uma vez

que o conhecimento do vosso próprio planeta deve ser o bastante para vos elucidar.

A superioridade da inteligência de um grande número dos seus habitantes indica que a Terra não é um

mundo primitivo destinado à encarnação dos Espíritos acabados de sair das mãos do Criador. As qualidades

inatas de que são dotados os habitantes que nascem na Terra são a prova de que já viveram e realizaram

um certo progresso, mas também os vícios que possuem são o indício de uma grande imperfeição moral.

Foi por isso que Deus os colocou num mundo com dificuldades suficientes para expiarem as suas faltas

através de um trabalho árduo e de dificuldades de vida adequadas para alcançarem o merecimento de

passar para mundos mais felizes.

14. Não obstante, nem todos os Espíritos encarnados na Terra foram enviados para expiação.

Os povos a que chamais “primitivos” são constituídos por Espíritos acabados de sair da infância, e que

aí estão, por assim dizer, a educarem-se e a desenvolverem-se em contato com Espíritos mais avançados.

Vêm a seguir os povos parcialmente civilizados, formados por esses mesmos Espíritos em progresso.

São esses os povos indígenas da Terra que se desenvolveram pouco a pouco, através de séculos,

conseguindo alguns atingir a perfeição intelectual dos povos mais esclarecidos.

Quanto aos Espíritos que estão para expiação no planeta Terra podem ser considerados “estranhos” ou

“estrangeiros”. Já viveram noutros mundos de onde foram excluídos por persistirem na maldade, e por

terem sido, nesses mundos, causadores de perturbação entre as pessoas boas. Tiveram por isso que ser

exilados por algum tempo, para um ambiente de Espíritos mais atrasados, com a missão de os ajudarem a

avançar, uma vez que trazem consigo inteligências mais desenvolvidas e o germe dos conhecimentos que

adquiriram.

É por isso que os Espíritos punidos se encontram entre os povos mais inteligentes, que são também

aqueles para quem as desventuras da vida são mais amargas, porque têm mais sensibilidade e são mais

atingidos pelos conflitos do que os menos evoluídos, cujo sentido moral é mais atrasado.

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15. A Terra pode incluir-se, portanto, no grupo dos mundos de expiação em que as variedades são imensas, mas que têm a característica comum de servirem de exílio para os Espíritos rebeldes à lei de Deus. Nesses mundos, os Espíritos exilados têm de lutar, ao mesmo tempo, contra a perversidade dos seus semelhantes e contra a inclemência da natureza, trabalho duplamente penoso que desenvolve simultaneamente as qualidades do coração e as da inteligência. É assim que Deus, na sua bondade, torna o próprio castigo proveitoso para o progresso do Espírito.

Espírito “Santo Agostinho” / Paris, 1862

Mundos de regeneração

16. Entre os astros existentes na abóbada celeste, quantos deles são mundos como o vosso,

designados por Deus para expiação e provas! Mas há também mundos mais infelizes e outros melhores,

como há mundos transitórios que podemos chamar de regeneração.

Cada turbilhão planetário, girando no espaço em torno de um centro comum, arrasta consigo mundos

primitivos, de exílio, de provas, de regeneração e de felicidade.

Já vos falámos acerca desses mundos onde a alma nascente é colocada, ainda ignorante do bem e do

mal, com a possibilidade de caminhar para Deus, senhora de si mesma, na posse do seu livre-arbítrio. Já

vos falámos das importantes faculdades de que a alma foi dotada para praticar o bem. Existem, no entanto,

algumas almas que sucumbem. Deus, não as querendo aniquilar, permite-lhes ir a esses mundos onde, de

encarnação em encarnação, se purificam, se regeneram e voltam dignas da glória que lhes tinha sido

destinada.

17. Os mundos de regeneração servem de transição entre os mundos de expiação e os mundos felizes.

A alma que se arrepende encontra neles a calma e o descanso, acabando por se purificar. Nesses mundos,

a Humanidade ainda está sujeita às leis que regem a matéria; experimenta as vossas sensações e os vossos

desejos, mas está isenta das paixões desordenadas que vos escravizam.

Nesses mundos já não há o orgulho que fecha o coração, a inveja que tortura ou o ódio que asfixia. A

palavra amor está escrita em todas as frontes. Uma perfeita equidade regula as relações sociais. Todos

reconhecem a Deus e procuram caminhar na sua direção, cumprindo as suas leis.

Nesses mundos ainda não existe a felicidade perfeita, mas a aurora da felicidade. As pessoas que neles vivem ainda são carnais e, por isso mesmo, estão sujeitas às dificuldades de que só ficarão libertas quando estiverem completamente desmaterializadas. Ainda têm provas a prestar, mas estas não se revestem das pungentes angústias da expiação.

Comparados com a Terra, esses mundos são muito felizes e muitos de vós gostariam de neles habitar,

porque são como bonança depois da tempestade e a convalescença depois de uma doença cruel. Lá, menos

absorvidos pelas coisas materiais, os seres humanos compreendem melhor o futuro; compreendem que

são outras as alegrias prometidas por Deus aos que se tornam dignos, quando a morte vier para lhes dar a

verdadeira vida.

É então que a alma liberta pairará sobre todos os horizontes. Deixará de haver sentidos materiais, e

haverá sentidos do perispírito puro e celeste, aspirando as emanações de Deus com o amor e a caridade

que se difundem do seu seio.

18. Nesses mundos a pessoa ainda é falível e o Espírito do mal ainda não perdeu completamente o seu

poder sobre ele. Não avançar é recuar, e se não estiver firme no caminho do bem, pode cair novamente

em mundos de expiação, onde novas e mais terríveis provas a aguardam.

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Contemplai, pois, à noite, na hora do repouso e da prece, essa abóbada azulada e entre as inúmeras

esferas que brilham sobre as vossas cabeças perguntai a vós mesmos quais as que conduzem a Deus e pedi-

lhe que um mundo de regeneração vos abra o seu seio, depois da expiação na Terra.

Espírito “Santo Agostinho” / Paris, 1862

Progressão dos mundos

19. O progresso é uma das Leis da Natureza. Todos os seres da Criação, animados e inanimados, lhe

estão submetidos pela bondade de Deus, que quer que tudo se engrandeça e prospere. A própria

destruição, que nos parece o momento final da existência de todas coisas é apenas um meio de se chegar,

pela transformação, a um estado mais perfeito, pois tudo morre para renascer e nada é reduzido ao nada.

Ao mesmo tempo que os seres vivos progridem moralmente, os mundos que eles habitam progridem

materialmente. Quem pudesse acompanhar um mundo nas suas diversas fases, desde o instante em que

se aglomeraram os primeiros átomos da sua constituição, vê-lo-ia percorrer uma escala incessantemente

progressiva, mas de degraus impercetíveis para cada geração, e a oferecer aos seus habitantes uma morada

mais agradável, à medida que eles também avançam no caminho do progresso.

Avançam assim paralelamente o progresso dos seres humanos, dos animais seus auxiliares, dos vegetais

e das formas de habitação, porque nada na natureza permanece estacionário. Como esta ideia é grandiosa

e digna da majestade do Criador! Pelo contrário, é insignificante e indigna do seu poder a ideia que

concentra a sua solicitude e a sua providência no pequenino grão de areia, que é a Terra, restringindo a

Humanidade ao escasso número de criaturas que nela habitam!

A Terra, seguindo a lei do progresso, esteve material e moralmente num estado inferior ao de hoje e

atingirá, sob esses dois aspetos, um grau mais elevado. Chegou a um dos seus períodos de transformação

em que, de mundo de expiação, vai passar a mundo de regeneração.

Então a Humanidade nela será feliz, porque lá reinará a lei de Deus.

Espírito “Santo Agostinho” / Paris, 1862

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CAPÍTULO IV - Ninguém pode ver o reino de Deus se não nascer de novo

1, E, chegando Jesus às partes de Cesareia de Filipe, interrogou os seus discípulos, dizendo: Quem dizem

os homens ser o Filho do Homem? E eles disseram: Uns, João Batista; outros, Elias, e outros, Jeremias ou

um dos profetas. Disse-lhes ele: E vós, quem dizeis que eu sou? E Simão Pedro, respondendo, disse: Tu és o

Messias, o Filho do Deus vivo. E Jesus, respondendo, disse-lhe: Bem-aventurado és tu, Simão Barjonas,

porque não foi a carne nem o sangue quem to revelou, mas meu Pai, que está nos céus. (Mateus, 16: 13-

17; Marcos, 8: 27-30).

2. E o tetrarca Herodes ouvia tudo o que se passava e estava em dúvida, porque diziam alguns que João

ressuscitara dos mortos, e outros que Elias tinha aparecido, e outros que um profeta dos antigos havia

ressuscitado. E disse Herodes: a João mandei eu degolar; quem é, pois, este de quem ouço dizer tais coisas?

E desejava vê-lo. (Lucas, 9: 7-9; Marcos, 6: 14-16).

3, (Após a transfiguração). E os seus discípulos interrogaram-no, dizendo: Porque dizem, então, os

escribas que é mister que Elias venha primeiro? E Jesus, respondendo, disse-lhes: Em verdade Elias virá

primeiro e restaurará todas as coisas. Mas digo-vos que Elias já veio, e não o conheceram, mas fizeram-lhe

tudo o que quiseram. Assim farão eles também padecer o Filho do Homem. Então, entenderam os discípulos

que lhes falava de João Batista. (Mateus 17: 10-13; Marcos, 9:10-13).

Ressurreição e reencarnação

4. A reencarnação fazia parte das verdades aceites pelos judeus sob o nome de ressurreição. Somente

os Saduceus, que pensavam que tudo acabava com a morte, não acreditavam nela.

As ideias dos judeus sobre essa questão, como sobre muitas outras, não estavam bem definidas, porque

só tinham noções vagas e incompletas sobre a alma e a sua ligação com o corpo. Acreditavam que o ser

humano podia reviver, sem saberem exatamente de que modo isso podia acontecer.

Designavam pela palavra ressurreição o que o espiritismo chama, mais corretamente, reencarnação.

Com efeito, a ressurreição supõe o regresso à vida do corpo que está morto, o que a ciência demonstra

ser materialmente impossível, sobretudo quando os elementos desse corpo já estão há muito dispersos e

absorvidos. A reencarnação é o regresso da alma ou Espírito à vida corpórea, mas num outro corpo,

formado novamente e que nada tem a ver com o antigo.

A palavra ressurreição podia, assim, aplicar-se a Lázaro, mas não a Elias, nem aos outros profetas. Assim,

se João Batista era Elias, segundo a sua crença, o corpo de João não podia ser o de Elias, pois que João tinha

sido visto criança e os seus pais eram conhecidos. João podia ser, pois, Elias reencarnado, mas não

ressuscitado.

5. E havia entre os fariseus um homem chamado Nicodemos, senador dos judeus. Foi ter com Jesus, de

noite, e disse-lhe: Rabi, bem sabemos que és mestre vindo de Deus, para nos instruir, porque ninguém

pode fazer os milagres que tu fazes, se Deus não estiver com ele.

Jesus respondeu e disse-lhe: Na verdade, na verdade te digo que aquele que não nascer de novo não

pode ver o Reino de Deus.

Disse-lhe Nicodemos: como pode alguém nascer, sendo velho? Porventura, pode tornar a entrar no

ventre de sua mãe e nascer? Jesus respondeu: Em verdade te digo que aquele que não renascer da água e

do Espírito não pode entrar no Reino de Deus. O que é nascido da carne é carne e o que é nascido do Espírito

é Espírito. Não te maravilhes de te ter dito: necessário vos é nascer de novo. O vento sopra onde quer, e

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ouves a sua voz, mas não sabes donde vem, nem para onde vai; assim é todo aquele que é nascido do

Espírito.

Nicodemos respondeu e disse-lhe: Como pode ser isso? Jesus respondeu e disse-lhe: Tu és mestre de

Israel e não sabes isso? Na verdade, na verdade te digo que nós dizemos o que sabemos e testificamos o

que vimos e não aceitais o nosso testemunho. Se vos falei de coisas terrenas, e não acreditastes, como

acreditareis se vos falar das celestiais?” (João, 3: 1-12)

6. A ideia de que João Batista era Elias, e de que os profetas podiam reviver na Terra, encontra-se em muitas passagens dos Evangelhos, nomeadamente nas reproduzidas acima (nºs 1, 2 e 3). Se essa crença tivesse sido um erro, Jesus não deixaria de a combater, como combateu tantas outras. Longe disso, sancionou-a com toda a sua autoridade e afirmou-a como princípio e como condição necessária, quando disse: Ninguém pode ver o reino dos céus se não nascer de novo; e insistiu, acrescentando: Não vos admireis de vos ter dito que vos é necessário nascer de novo.

7. Estas palavras: “Se alguém não renasce da água e do Espírito”, foram interpretadas no sentido da

regeneração pela água do batismo. Mas o texto primitivo dizia simplesmente: “Não renasce da água e do

Espírito”, enquanto em algumas traduções as palavras “do Espírito” foram substituídas por “do Espírito

Santo”, o que não corresponde ao mesmo pensamento. Este ponto fundamental sobressai dos primeiros

comentários feitos sobre o Evangelho, assim como um dia será constatado sem equívoco possível. 4

[ 08 – completando a nota de rodapé de AK ]

8. Para compreender o verdadeiro sentido destas palavras é necessário referirmo-nos ao significado

da palavra água, que não foi empregado ali no sentido que lhe é próprio.

Os antigos tinham conhecimentos imperfeitos sobre as ciências físicas, acreditavam que a Terra tinha

saído das águas e por isso consideravam a água como o elemento gerador absoluto.

É assim que encontramos no Génesis, capítulo 1: "O Espírito de Deus era levado sobre as águas";

"flutuava à superfície das águas";

"- Que o firmamento seja feito no meio das águas”;

“- Que as águas que estão debaixo do céu se reúnam num só lugar, e que o elemento árido apareça";

"- Que as águas produzam animais vivos, que nadem na água, e que pássaros voem por cima da terra e

debaixo do firmamento".

Segundo esta crença, a água transformara-se no símbolo da natureza material, como o Espírito o era da

natureza inteligente. Estas palavras: "Se o homem não renascer da água e do Espirito” ou "na água e no

Espírito", significam, pois: "Se o homem não renascer com o corpo e a alma". É neste sentido que a princípio

foram compreendidas.

Esta interpretação justifica-se, aliás, por estas outras palavras: "O que é nascido da carne é carne, e o

que é nascido do Espírito é Espírito". Jesus faz aqui uma distinção positiva entre o Espírito e o corpo. "O que

é nascido da carne é carne", indica claramente que o corpo procede apenas do corpo, e que o Espírito é

independente do corpo.

9. “O Espírito sopra onde quer; ouves a sua voz, mas não sabes de onde vem nem para onde vai" pode

entender-se que se trata do Espírito de Deus, que dá a vida a quem quer, ou da alma do homem. Nesta

última aceção: "mas não sabes de onde vem nem para onde vai", significa que não se conhece o que foi

nem o que será o Espírito.

4 Nota de Allan Kardec: A tradução de Osterwald está conforme o texto primitivo. Diz: “Não renasce da água e do Espírito”; a de Sacy diz: do Santo Espírito; a de Lamennais: do Espírito Santo.

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Se o Espírito, ou alma, fosse criado ao mesmo tempo que o corpo, saberíamos de onde vem, pois

conheceríamos o seu começo. Em qualquer caso, esta passagem é a consagração do princípio da

preexistência da alma e por conseguinte da pluralidade das existências.

10. E, desde os dias de João Batista até agora, se faz violência ao Reino dos Céus e pela força se

apoderam dele. Porque todos os profetas e a lei profetizaram até João. E, se quereis dar crédito ao que vos

digo, é ele mesmo o Elias que havia de vir. Que ouça quem tem ouvidos para ouvir. (Mateus, 11, 12-15)

11. Se o princípio da reencarnação, expresso no evangelho de São João, podia realmente ser

interpretado num sentido puramente místico, já não acontece o mesmo nesta passagem de São Mateus,

onde não há equívoco possível: "ELE MESMO é o Elias que havia de vir". Aqui não existe imagem nem

alegoria, trata-se de uma afirmação categórica.

"Desde o tempo de João Batista até agora, o Reino dos Céus é tomado pela força"; que significam estas

palavras, pois João Batista ainda vivia no momento em que foram ditas?

Jesus explica-as, ao dizer: "Se vós quereis compreender o que eu digo, é ele mesmo o Elias que havia de

vir". Ora, como João tinha sido Elias, Jesus alude ao tempo em que João vivia com o nome de Elias. "Até

agora, o Reino dos Céus é tomado pela força”, é outra alusão à violência da lei mosaica, que ordenava o

extermínio dos infiéis, para conquistar a Terra Prometida, Paraíso dos Hebreus, enquanto, segundo a nova

lei, o Céu é ganho pela caridade e pela mansidão.

A seguir, acrescenta: "Que ouça quem tem ouvidos para ouvir". Estas palavras, tantas vezes repetidas

por Jesus, exprimem claramente que nem todos estavam em condições de compreender certas verdades.

12. Os teus mortos viverão, os teus mortos ressuscitarão; despertai e exultai, vós que habitais no pó,

porque o teu orvalho, oh Deus, será como o orvalho das ervas e a terra lançará de si os mortos. (Isaías, 26,

19)

13. Esta passagem de Isaías é igualmente explícita: "Os teus mortos viverão". Se o profeta tivesse a

intenção de falar da vida espiritual, se tivesse querido dizer que os mortos não estavam mortos em Espírito,

teria dito: "ainda vivem", e não: "viverão".

Em sentido espiritual, essas palavras seriam contraditórias, pois implicariam uma interrupção da vida

da alma. No sentido de regeneração moral, seriam a negação das penas eternas, pois estabelecem o

princípio de que todos os mortos reviverão.

14. "Quando o homem morre uma vez, e seu corpo, separado do Espírito, é consumido, em que se torna

ele? Tendo o homem morrido uma vez, poderia reviver de novo? Nesta guerra em que me encontro, todos

os dias de minha vida, espero que chegue a minha mutação". (Job, 14: 10,14, segundo a tradução de Sacy).

"Quando o homem morre, perde toda a sua força e expira: depois, onde está ele? Se o homem morre,

tornará a viver? Esperarei Iodos os dias de meu combate, até que chegue a minha transformação:" (Id.

Tradução protestante de Osterwald).

"Quando o homem está morto, vive sempre; findando-se os dias da minha existência terrena, esperarei,

porque a ela voltarei novamente" (Id. Versão da Igreja Grega).

[09 – Tradução Pe. Ferreira de Almeida]

15. O princípio da pluralidade das existências está claramente expresso nessas três versões. Não se pode

supor que Job quisesse falar da regeneração pela água do batismo, que ele certamente não conhecia.

“Tendo o homem morrido uma vez, poderia reviver de novo?” A ideia de morrer uma vez e reviver implica

a de morrer e reviver várias vezes.

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A versão da Igreja Grega é ainda mais explícita: "Findando-se os dias da minha existência, esperarei,

porque a ela voltarei novamente". Quer dizer: voltarei à minha existência terrena. Isto é tão claro como se

alguém dissesse: "Saio de casa, mas voltarei".

"Nesta guerra em que me encontro, todos os dias da minha vida, espero que chegue a minha mutação".

Job refere-se, evidentemente, à luta que trava contra as misérias da vida. Espera a mudança, ou seja,

resigna-se”.

Na versão grega, a palavra "esperarei" parece aplicar-se à nova existência: "Findando-se os dias da

minha existência terrena, esperarei, porque a ela voltarei de novo". Job parece colocar- se, depois da morte,

no intervalo que separa uma existência da outra, esperado ali o seu regresso.

16. É, portanto, evidente que, sob o nome de ressurreição, o princípio da reencarnação era uma das

crenças fundamentais dos judeus, que foi confirmada formalmente por Jesus e pelos profetas. Daqui se

conclui que, negar a reencarnação é negar as palavras de Jesus. Um dia, a autoridade das suas palavras

será reconhecida, neste ponto como em muitos outros, quando forem interpretadas sem ideias

preconcebidas. As suas palavras, um dia, são claras, com a autoridade que lhes é própria, sobre este ponto,

como sobre muitos outros, quando interpretadas sem ideias preconcebidas.

17. A esta autoridade de natureza religiosa vem juntar-se, no plano filosófico, as provas que resultam da

observação dos factos. Quando queremos chegar às causas a partir das consequências, a reencarnação é

uma conclusão evidente, uma condição inerente à Humanidade, em suma, uma lei da natureza.

Pelos seus resultados, revela-se, por assim dizer, de forma material, tal como o motor oculto se revela

pelo movimento que produz. Só ela pode dizer ao ser humano de onde vem, para onde vai, porque se

encontra na Terra, e justificar todas as anomalias e todas as injustiças aparentes que a vida nos apresenta.

Sem o princípio da pré-existência da alma e da pluralidade das existências, a maior parte dos preceitos

dos Evangelhos são impossíveis de compreender. É por isso que deram lugar a interpretações tão

contraditórias. Este princípio é a chave que deve restituir-lhes o seu verdadeiro sentido.

Os laços de família são fortalecidos pela reencarnação e seriam quebrados pela unicidade da existência

18. Os laços de família não são quebrados pela reencarnação, como pensam certas pessoas. Pelo

contrário, são estreitados e fortalecidos. O princípio oposto é que os destruiria.

Os Espíritos formam no espaço grupos ou famílias unidas pela afeição, pela simpatia e pela semelhança

de inclinações. Esses Espíritos, felizes por estarem juntos, fazem por aproximar-se.

A encarnação só os separa momentaneamente, pois que, uma vez de novo no período entre vidas,

reencontram-se como amigos no regresso de uma viagem. Frequentemente seguem-se nas encarnações,

reunindo-se numa mesma família ou num mesmo círculo, trabalhando em conjunto para o seu progresso

mútuo.

Se uns estão encarnados e outros não, continuam unidos pelo pensamento. Os que estão livres velam

pelos que estão no cativeiro, os mais avançados procuram fazer progredir os mais atrasados. No final de

cada existência, terão dado mais um passo no caminho da perfeição.

Cada vez menos ligados à materialidade, o seu afeto é mais vivo, mais purificado, liberto do egoísmo e

da sombra das paixões. Podem percorrer assim um número ilimitado de existências corporais, sem que

nenhum acidente perturbe o afeto entre todos.

É claro que estamos a falar do verdadeiro afeto real, de alma a alma, o único que sobrevive à destruição

do corpo, pois os seres que se unem na Terra, apenas pelos sentidos, não têm motivo para se

reencontrarem no mundo dos Espíritos. Só são duráveis os afetos espirituais. Os afetos carnais extinguem-

se com a causa que os provocou. Essa causa deixa de existir no mundo dos Espíritos, enquanto a alma existe

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sempre. Quanto às pessoas que se unem somente por interesse, nada são realmente uma à outra ─ a morte

separa-as na Terra e no Céu.

19. A união e o afeto entre parentes indicam a simpatia anterior que os aproximou. Por isso, ao falar de

uma pessoa cujo caráter, gostos e inclinações nada têm de comum com os dos parentes, diz-se que não

pertence à família.

Ao afirmá-lo, enuncia-se uma verdade mais profunda do que se supõe. Deus permite essas encarnações

de Espíritos antipáticos ou estranhos nas famílias, com a dupla finalidade de servirem de prova para uns e

de meio de progresso para os outros.

Os maus melhoram-se pouco a pouco no contato com os bons, pelos cuidados que deles recebem. O

seu caráter abranda, os seus hábitos aperfeiçoam-se, as antipatias desaparecem. É assim que se produz a

fusão entre as diversas categorias de Espíritos, como se faz na Terra entre povos diferentes.

20. O medo do aumento indefinido do número de parentes, em consequência da reencarnação, é um

medo egoísta, que prova que não se possui um amor bastante amplo e profundo para abranger um grande

número de pessoas. Um pai que tem numerosos filhos ama-os menos do que se tivesse apenas um?

Os egoístas podem ficar tranquilos, nada há que recear. Uma pessoa, depois de ter tido dez

encarnações, não vai por isso encontrar no mundo espiritual dez pais, dez mães, dez esposas e um número

proporcional de filhos e de parentes novos. Irá encontrar sempre aqueles a quem amou e lhe estiveram

ligados na Terra por diferentes parentescos, ou talvez pelo mesmo.

21. Vejamos agora quais seriam as consequências da teoria da “não reencarnação”.

Necessariamente, excluiria a preexistência da alma; se as almas fossem criadas ao mesmo tempo que

os corpos, não existiria entre elas nenhuma ligação anterior.

Seriam, pois, completamente estranhas umas às outras. O pai seria estranho ao filho e a união das

famílias ficaria assim reduzida unicamente à filiação corporal, sem nenhum laço espiritual. Não haveria,

portanto, nenhum motivo para se vangloriarem de terem como antepassados algumas personagens

ilustres. Com a reencarnação, ascendentes e descendentes podem já ter-se conhecido, terem vivido juntos,

terem-se amado, e podem reunir-se mais tarde para estreitarem os seus laços de simpatia.

22. Isso quanto ao passado. Quanto ao futuro, segundo os dogmas fundamentais das ideologias que

defendem a não-reencarnação, a sorte das almas seria definitivamente decidida depois de uma única

existência.

Essa decisão definitiva implicaria o fim de todo o progresso, porque seriam impossíveis decisões

definitivas da sorte das almas ao fim de uma única existência.

De acordo com essas teorias, tendo vivido os seres de acordo com o bem ou com o mal, as almas iriam

imediatamente para a morada dos bem-aventurados ou para o inferno, em ambos os casos por toda a

eternidade.

Ficariam assim imediatamente separadas para sempre, sem esperanças de voltarem a reunir-se, de tal

forma que pais, mães, filhos, maridos e esposas, irmãos e amigos, não podem alimentar a esperança de se

reencontrarem: seria a mais absoluta rutura de todos os laços afetivos e sentimentais.

Com a reencarnação e o progresso natural, todos os que se amam, quer se encontrem na Terra ou no

mundo espiritual, caminham juntos para Deus. Se há os que fracassam ou retardam o seu aperfeiçoamento

e a sua felicidade, nem por isso as esperanças estão perdidas. Ajudados, encorajados e amparados pelos

entes queridos, sairão um dia das dificuldades em que caíram.

Com a reencarnação, portanto, existe perpétua solidariedade entre os encarnados e os desencarnados,

de que resulta o estreitamento de toda a espécie de laços de afeto e de consideração.

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23. Em resumo, quatro teorias contrastantes foram sendo configuraradas para o futuro além túmulo

dos seres humanos:

1°- O nada, segundo a ideologia materialista;

2°- A absorção no todo universal, segundo a ideologia panteísta;

3°- A manutenção da individualidade, com fixação definitiva da sorte, céu ou inferno, segundo a

doutrina das Igrejas do cristianismo dogmático;

4°- A manutenção da individualidade, com progresso infinito, segundo a cultura fundamentada no

ensino dos Espíritos.

Nas duas primeiras, os laços de família seriam quebrados pela morte sem nenhuma esperança de

reencontro. Com a terceira, os que fossem para o inferno poderiam tornar a ver os que tivessem igual

sorte, e assim por diante. Uma lógica que dispensa comentários.

Com a pluralidade das existências, e do consequente progresso gradual, existe a certeza da

continuidade das relações entre todos os que se conheceram e amaram, constituindo a verdadeira família.

INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS:

Limites da encarnação

24. Quais são os limites da encarnação?

A encarnação de um Espírito numa sucessão de corpos físicos não tem limites temporais nitidamente

traçados, levando em conta que o veículo material que envolve o Espírito vai diminuindo de densidade à

medida que o Espírito se purifica.

Em certos mundos mais avançados do que a Terra, a sua materialidade já é menos compacta, menos

pesada, ou seja, o corpo é menos denso, e consequentemente menos sujeito a dificuldades. Num grau mais

elevado é diáfano e quase fluídico. Desmaterializa-se gradualmente e a sua densidade aproxima-se da do

perispírito. O corpo é sempre apropriado à natureza do mundo onde o Espírito é chamado a viver.

O próprio perispírito sofre transformações sucessivas. Aperfeiçoa-se cada vez mais até à purificação

completa, que constitui a natureza dos Espíritos puros.

Há mundos especiais destinados, como estações, a acolher Espíritos mais avançados; mas estes não

ficam limitados a esse mundo, como nos mundos inferiores. O estado de desprendimento que já atingiram

permite-lhes viajar para qualquer parte onde sejam chamados para cumprir as missões que lhes são

confiadas.

Se considerarmos a encarnação do ponto de vista material, tal como existe na Terra, podemos dizer que

ela se limita aos mundos inferiores. Depende do Espírito libertar-se mais ou menos rapidamente,

trabalhando para a sua purificação.

Temos ainda a considerar que, no intervalo das existências corporais, a situação do Espírito está em

relação com a natureza do mundo a que o liga o seu grau de aperfeiçoamento. Nesse período de tempo, é

mais ou menos feliz, livre e esclarecido, conforme for mais ou menos desmaterializado.

Espírito “São Luís” / Paris, 1859

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Necessidade da encarnação

25. A encarnação é uma punição, a que só os Espíritos culpados estão sujeitos?

A passagem dos Espíritos pela vida corpórea é necessária, para que eles possam cumprir, com a ajuda

de uma ação material, as determinações que lhe foram dadas por Deus. É necessária para eles mesmos,

porque a atividade que são obrigados a exercer ajuda-os a desenvolver a inteligência. Deus, que é

soberanamente justo, deve dar um quinhão igual a cada um dos seus filhos. É por isso que concede a todos

o mesmo ponto de partida, a mesma capacidade, as mesmas obrigações a cumprir e a mesma liberdade de

agir. Qualquer privilégio seria uma preferência, e qualquer preferência uma injustiça.

Mas a encarnação, para todos os Espíritos é apenas um estado transitório. É uma tarefa que Deus lhes

impõe no princípio da existência, como primeira prova do uso que farão do seu livre-arbítrio.

Os que desempenham essa tarefa com eficácia sobem rapidamente e de modo mais fácil, os primeiros

degraus da iniciação, e beneficiam mais cedo dos frutos do seu trabalho. Os que fazem mau uso da

liberdade que Deus lhes deu, atrasam o seu avanço. Assim, multiplicam a necessidade de reencarnar, o que

se torna num castigo

Espírito “São Luís” / Paris, 1859

26. Observação.

Uma comparação simples ajuda a compreender melhor esta diferença. Um estudante só atinge os graus

superiores do seu curso depois de ter realizado os níveis intermédios. Estes, por mais trabalho que exijam,

são o meio de atingir o fim e não uma punição. Se for aplicado, abrevia a caminhada com menos

dificuldades. Já não será assim se o descuido e a preguiça o obrigam a repetir certos anos. Não é o estudo

que constitui uma punição, mas a obrigação de começar de novo o mesmo trabalho.

É o que se passa com os seres humanos na Terra. Para o Espírito dos primitivos, quase no começo da

vida espiritual, a encarnação é um meio de desenvolverem a inteligência. Para um já esclarecido, com o

senso moral desenvolvido, se é obrigado a repetir vidas muito difíceis, enquanto já podia ter chegado ao

fim, é um castigo, porque tem de prolongar as suas estadias nos mundos inferiores e infelizes. Aquele que

trabalha ativamente para o seu progresso moral, pode não só abreviar a duração das suas encarnações

materiais, como subir de uma só vez os níveis intermédios que o separam dos mundos superiores.

Os Espíritos não poderiam encarnar só uma vez num mesmo planeta, e cumprir as outras existências

em mundos diferentes?

Isso só seria admissível se todos os indivíduos estivessem na Terra exatamente no mesmo nível

intelectual e moral. As diferenças entre eles, desde o primitivo até ao civilizado, mostram os níveis que têm

de subir. A encarnação, aliás, deve ter uma finalidade útil. Qual seria a finalidade das encarnações de curta

duração das crianças que morrem em tenra idade? Teriam sofrido sem qualquer proveito, nem para si nem

para terceiros.

Deus, cujas leis são todas soberanamente sábias, nada faz de inútil. Pela reencarnação no mesmo

mundo quis que os mesmos Espíritos, ao encontrarem-se de novo, tenham a ocasião de reparar as suas

faltas recíprocas, ocorridas nas suas relações anteriores, e além disso reforçar os laços de família espiritual

e apoiar numa lei de natureza os princípios de solidariedade, fraternidade e igualdade.

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CAPÍTULO V - BEM-AVENTURADOS OS AFLITOS 1. Bem-aventurados os que choram, porque eles serão consolados; bem-aventurados os que têm fome

e sede de justiça, porque serão fartos; bem-aventurados os que sofrem perseguição por causa da justiça,

porque deles é o Reino dos Céus (Mateus, 5: 4,6,10).

2. Bem-aventurados vós, os pobres, porque vosso é o Reino de Deus. Bem-aventurados os que agora

tendes fome, porque sereis fartos. Bem-aventurados vós, que agora chorais, porque rireis. (Lucas, 6: 20,21).

Mas ai de vós, ricos, porque tendes no mundo a vossa consolação. Ai de vós, os que estais fartos, porque

tereis fome. Ai de vós, os que agora rides, porque gemereis e chorareis. (Lucas, 6: 24, 25).

Justiça das aflições

3. As compensações que Jesus promete aos aflitos da Terra só podem acontecer na vida futura. Sem a

certeza dessa vida futura, essas regras seriam um contrassenso, ou mais ainda, um logro. Mesmo com essa

certeza, compreende-se dificilmente a utilidade de sofrer para ser feliz. Diz-se que é para haver mais

mérito.

Então pergunta-se: Por que motivo uns sofrem mais do que outros? Por que razão uns nascem na

miséria e outros na abundância, sem nada que o justifique? Por que razão para uns tudo corre mal e para

outros tudo corre bem?

Contudo, o que ainda menos se compreende é ver os bens e os males tão desigualmente distribuídos

entre o vício e a virtude ─ ver homens bons a sofrer ao lado dos maus, que prosperam. A fé no futuro pode

consolar e incutir paciência, mas não explica estas anomalias, que parecem desmentir a justiça de Deus.

No entanto, admitindo a existência de Deus, não é possível concebê-lo sem as perfeições infinitas.

Necessariamente tem todo o poder, toda a justiça, toda a bondade, pois sem isso não seria Deus. E se Deus

é soberanamente justo e bom, não pode agir por capricho nem com parcialidade. As dificuldades da vida

têm uma causa e, como Deus é justo, essa causa deve ser justa.

Há uma coisa de que todos devem compenetrar-se: Deus encaminhou os seres humanos para a

compreensão desta causa pelos ensinamentos de Jesus. Hoje, considerando-os suficientemente

conscientes para compreendê-la, revela-a por completo através do espiritismo, pela voz dos Espíritos.

Causas reais das aflições

4. As dificuldades da vida são de duas espécies ou, se quisermos, têm duas origens bem diferentes:

umas têm a sua causa na vida presente, outras, em vidas anteriores.

Quanto à origem dos males terrenos, reconhece-se que muitos são a consequência natural do caráter

e da conduta daqueles que os sofrem. Quantas pessoas caem por sua própria culpa! Quantas são vítimas

da sua imprevidência, do seu orgulho e da sua ambição! Quantas ficaram arruinadas por falta de método,

de perseverança, por má conduta ou por não terem sabido limitar os seus desejos!

Há uniões infelizes que resultaram de interesses ou de vaidades, nada tendo a ver com os sentimentos!

Há desavenças e disputas que poderiam ter sido evitadas, com mais moderação e menos melindre!

Há doenças e incapacidades que são o efeito de excessos de toda a espécie! Há pais que são infelizes

com os filhos porque não combateram as suas más tendências desde o início. Por fraqueza ou indiferença,

deixaram que se desenvolvessem neles o orgulho, o egoísmo e a tola vaidade que secam o coração. Mais

tarde, colhendo o que semearam, admiram-se e afligem-se com a sua falta de respeito e a sua ingratidão.

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Todos os que têm dificuldades e deceções na vida deviam interrogar a sua consciência, para recuar à

origem dos males que os afligem, podendo dizer, na maioria das vezes: "Se não tivesse feito isto ou aquilo

não estaria nesta situação".

Portanto, todas essas aflições, devem-nas a si mesmos. O ser humano é, num grande número de casos,

o autor das suas próprias infelicidades. Em vez de reconhecer isso, acha mais simples e menos humilhante

para a sua vaidade acusar a falta de sorte, a falta de oportunidades, a sua má estrela, a própria Providência

quando, na verdade, a sua má estrela foi a sua própria negligência.

Os males desta espécie constituem um número considerável das dificuldades da vida. O ser humano

evitá-las-á quando trabalhar por se melhorar moral e intelectualmente.

5. A lei humana reconhece certas faltas e pune-as. O condenado pode dizer que já pagou pelo que fez.

Mas a lei não alcança nem pode alcançar todas as faltas. Castiga especialmente as que causam prejuízos à

sociedade, e não aquelas que são cometidas pela pessoa contra si mesmo.

Deus, que quer o progresso de todas as suas criaturas, não deixa impune nenhum desvio do caminho

reto. Não há falta, por mais leve que seja, que não tenha consequências inevitáveis, mais ou menos

penosas.

Nas pequenas como nas grandes coisas, o ser humano é sempre punido naquilo em que pecou. Os

sofrimentos daí resultantes são uma reprimenda pelo mal que praticou. Dão-lhe experiência e fazem-no

sentir a diferença entre o bem e o mal, bem como a necessidade de se melhorar, para evitar de futuro

coisas que lhe deram desgostos. Sem isso, não teria motivos para se emendar. Confiante na impunidade,

atrasava o seu aperfeiçoamento e, por consequência, a sua felicidade futura.

Contudo, a experiência chega, às vezes, um pouco tarde. Quando a vida já foi dissipada e mal vivida,

quando se desperdiçaram as forças e o mal é irremediável, então a pessoa diz a si mesma: "Se soubesse o

que sei hoje, quantos disparates teria evitado; se tivesse de começar tudo de novo, portava-me de maneira

totalmente diferente, mas já não vou a tempo!" Como o preguiçoso que diz: "Perdi o meu dia", ela também

diz: "Perdi a minha vida".

Contudo, tal como, para o trabalhador, todos os dias o Sol se levanta pela manhã, e um novo dia começa

em que pode recuperar o tempo perdido, também para essa pessoa, depois da descida ao túmulo, uma

nova vida a espera. Poderá começar tudo de novo, tendo aprendido com os erros do passado a tomar mais

cuidado e a melhor aproveitar os seus dias.

Causas precedentes das aflições

6. Se há males nesta vida de que a pessoa é a própria causa, há também outros que são alheios à sua

vontade e parecem atingi-la por fatalidade. É o caso da perda de entes queridos e dos que são o suporte

da família. É também o caso dos acidentes que nenhuma precaução poderia impedir; os reveses da fortuna,

que acontecem apesar de todas as medidas de prudência; os flagelos naturais, as doenças de nascença,

sobretudo as que tiram a possibilidade de ganhar a vida pelo trabalho: as deformidades, as doenças

mentais, etc.

Os que nascem nestas condições nada fizeram nesta vida para merecer uma sorte tão triste, que são

impotentes para modificar e que os põe à mercê da compaixão dos outros. Porque existem esses infelizes,

enquanto ao seu lado, às vezes na mesma casa ou na mesma família, outros são favorecidos em todos os

aspetos? Que dizer das crianças que morrem de tenra idade e que, da vida, só conheceram o sofrimento?

Problemas que nenhuma filosofia explicou até agora, anomalias que nenhuma religião pôde justificar e que

seriam a negação da bondade, da justiça e da providência de Deus, segundo a hipótese da criação da alma

ao mesmo tempo que o corpo, e da fixação definitiva da sua sorte após a permanência de alguns instantes

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na Terra. De acordo com essa hipótese, que fizeram essas almas que teriam acabado de sair das mãos do

Criador, para sofrerem tanto neste mundo e merecer, no futuro, uma recompensa ou uma punição

qualquer, se não puderam fazer nem bem nem mal?

Todavia, em virtude do axioma de que todo o efeito tem uma causa, esses sofrimentos são efeitos que

devem ter a sua causa, e desde que se admita a existência de um Deus justo, essa causa deve ser justa.

Ora, uma vez que a causa precede sempre o efeito, e que ela se não encontra na vida atual, deve pertencer

a uma existência anterior.

Por outro lado, uma vez que Deus não pune pelo bem que se fez, nem pelo mal que se não fez, se somos

punidos é porque fizemos o mal. E se não o fizemos nesta vida, é porque o fizemos noutra. É uma

alternativa a que é impossível escapar e em que a lógica nos diz de que lado está a justiça de Deus.

O ser humano não é sempre punido, ou completamente punido, na sua existência presente, mas nunca

escapa às consequências das suas faltas. A prosperidade do mau é apenas momentânea e, se não expia

hoje, expiará amanhã, enquanto aquele que sofre está a expiar o seu próprio passado. Portanto, a

infelicidade que à primeira vista parece imerecida, tem a sua razão de ser, e aquele que sofre terá sempre

razão para dizer: "Perdoai-me, Senhor, porque pequei".

7. Os sofrimentos por causas anteriores, como os de causas atuais, são a consequência natural de faltas

cometidas. Por uma justiça distributiva rigorosa, o ser humano sofre aquilo que fez sofrer os outros.

Se foi duro e desumano, poderá ser tratado com dureza e desumanidade.

Se foi orgulhoso, poderá nascer numa condição humilhante.

Se foi avarento, egoísta, ou fez mau uso da fortuna, poderá ver-se privado do necessário.

Se foi mau filho, poderá sofrer com os seus próprios filhos, etc.

Assim se explicam, pela pluralidade das existências e pelo destino na Terra como mundo expiatório, as

diferenças na distribuição da felicidade e da infelicidade entre os bons e os maus neste mundo.

Tais diferenças são apenas aparentes, porque só temos em conta a vida presente. Se nos elevarmos

pelo pensamento, de modo a considerarmos uma série de existências, compreenderemos que a cada um

é atribuída a parte que lhe cabe, sem prejuízo da que lhe tocará no mundo dos Espíritos, e que a justiça de

Deus nunca falha.

Os que vivem na Terra não devem esquecer-se que estão num mundo inferior, onde são retidos devido

às suas imperfeições. A cada dificuldade devem lembrar-se que, se estivessem num mundo mais avançado,

não teriam de sofrê-la, e que deles depende não voltarem aqui, desde que se apliquem no seu

aperfeiçoamento.

8. As adversidades podem ser impostas aos Espíritos endurecidos, ou demasiado ignorantes para

fazerem uma escolha consciente, mas são livremente escolhidas e aceites pelos Espíritos arrependidos.

Estes, querem reparar o mal que fizeram e tentar fazer melhor, tal como aquele que, tendo feito mal a sua

tarefa, pede para fazê-la de novo, a fim de não perder os benefícios do seu trabalho.

Essas adversidades são, ao mesmo tempo, expiações que castigam erros do passado e provas que

preparam o futuro. Agradeçamos a Deus que, na sua bondade, concede aos seres humanos a faculdade da

reparação e não os condena irremediavelmente pelo primeiro erro.

9. Nem todos os sofrimentos porque se passa neste mundo são o resultado de uma determinada falta.

Muitas vezes são provas simples escolhidas pelo Espírito, para acabar a sua purificação e acelerar a sua

evolução. Assim, a expiação serve sempre de prova, mas a prova nem sempre é uma expiação. Umas e

outras são sinais de uma inferioridade relativa, pois aquele que é perfeito não precisa de ser sujeito a

provas.

Um Espírito pode ter conquistado um certo grau de elevação e, querendo avançar mais, solicita uma

missão, uma tarefa para cumprir, pela qual será tanto mais recompensado se sair vitorioso, quanto mais

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difícil tiver sido a sua luta. É o caso das pessoas de tendências naturalmente boas, de alma elevada com

sentimentos nobres inatos, que parecem nada trazer de mau da sua vida anterior e que sofrem com

resignação cristã as maiores dores, pedindo forças a Deus para as suportarem sem reclamar. Pelo contrário,

podem considerar-se como expiações os sofrimentos que são acolhidos com queixumes e revolta contra

Deus. O sofrimento que não provoca queixumes pode ser uma expiação, mas indica que foi escolhido

voluntariamente antes da reencarnação e não imposto. É a prova de uma firme resolução, o que constitui

sinal de progresso.

10. Os Espíritos não podem aspirar à perfeita felicidade enquanto não forem “Espíritos puros”. Qualquer

mancha lhes impede a entrada nos mundos felizes. Como os passageiros de um navio contaminado pela

peste, aos quais fica impedida a entrada numa cidade até que estejam livres da doença.

É nas diversas existências corpóreas que os Espíritos se livram, gradualmente, das suas imperfeições. As

provas da vida fazem-nos progredir, se as suportam bem. Como expiações, as provas apagam as faltas e

purificam; são o remédio que limpa a ferida e cura o doente e quanto mais grave for o mal, mais enérgico

deve ser o remédio.

Aquele que muito sofre pode pensar que tinha muito para expiar e alegrar-se por se curar depressa.

Depende de si, pela resignação, tornar o sofrimento proveitoso e não perder os seus resultados por causa

de lamentações. Se assim não for, deverá cumprir de novo a tarefa.

Esquecimento do passado

11. É um erro pensar que o esquecimento impede o aproveitamento da experiência das vidas anteriores.

Se Deus achou conveniente lançar um véu sobre o passado, é porque é útil que assim seja.

A lembrança do passado traria inconvenientes muito graves. Em certos casos poderia humilhar-nos de

forma estranha, noutros exaltar o nosso orgulho, e por isso mesmo dificultar o exercício do nosso livre-

arbítrio. De qualquer modo, causaria perturbações inevitáveis nas relações sociais.

O Espírito renasce normalmente no mesmo meio em que viveu e encontra-se com as mesmas pessoas

a fim de reparar o mal que lhes fez. Se nelas reconhecesse os que odiara, talvez o ódio reaparecesse. De

qualquer modo, ficaria humilhado perante as pessoas que tivesse ofendido.

Deus concedeu-nos, para nos aperfeiçoarmos, exatamente o que nos é necessário e suficiente ─ a voz

da consciência e as tendências instintivas ─ e tirou-nos o que poderia prejudicar-nos.

O ser humano traz à nascença, aquilo que já adquiriu. Nasce exatamente como se foi formando a si

mesmo e cada nova vida é um novo começo. Pouco lhe interessa saber o que foi. Se está a ser castigado, é

porque fez o mal; as suas más tendências atuais são o indicador do que ainda terá de corrigir.

É sobre isso que deve concentrar toda a sua atenção, pois daquilo que já conseguiu corrigir já nada

resta. As boas resoluções que tomou são a voz da consciência, que o avisa do que é certo e do que é errado

e que lhe dá a força para resistir às más tentações.

De resto, esse esquecimento só se mantém durante a vida material. De regresso à vida espiritual, o

Espírito reencontra a lembrança do passado. É só uma interrupção momentânea, como a que acontece na

própria vida terrena durante o sono, e que não nos impede de lembrar, no outro dia, o que fizemos na

véspera e nos dias anteriores.

Não é só depois da morte que o Espírito recupera a lembrança do passado. Pode dizer-se que nunca a

perde, porque a experiência prova que, estando encarnado, durante o sono do corpo, enquanto goza de

certa liberdade, o Espírito tem consciência dos seus atos anteriores. Sabe porque sofre e que isso é justo.

A lembrança só se apaga durante a vida exterior de relação. Na falta de uma lembrança exata, que poderia

ser penosa e prejudicial nas relações sociais, pode ir buscar novas forças nesses momentos de emancipação

da alma, se souber aproveitá-los.

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Motivos de resignação

12. Pelas palavras: “Bem-aventurados os aflitos, porque serão consolados”, Jesus mostra,

simultaneamente, a compensação que espera aqueles que sofrem e a resignação que consagra o

sofrimento como o prelúdio da cura.

Estas palavras também podem ser traduzidas assim: deveis considerar-vos felizes por sofrer, porque as

vossas dores neste mundo são o pagamento da dívida das vossas faltas passadas. Essas dores, sofridas

pacientemente na Terra, poupam-vos séculos de sofrimento na vida futura. Deveis, por isso, estar felizes

por Deus ter reduzido as vossas dívidas, permitindo-vos pagá-las no presente, o que vos garante a

tranquilidade no futuro.

Uma pessoa que sofre é semelhante a quem deve muito dinheiro e a quem o credor diz: "Se me pagares

agora um centésimo da dívida, perdoo-te o resto e ficamos pagos. Se não pagares, vou andar atrás de ti

até ao último centavo". O devedor, naturalmente, vai fazer todos os possíveis para se livrar da dívida

completa, pagando somente a centésima parte dela e, em vez de se queixar do credor, ainda lhe fica muito

agradecido!

É esse o sentido das palavras: "Bem-aventurados os aflitos, porque serão consolados". São felizes

porque pagam as suas dívidas e após o pagamento ficam livres. Mas, se ao pagarem de um lado se

endividam do outro, nunca chegarão a libertar-se. Cada nova falta aumenta a dívida, tornando-se cada vez

maior a punição necessária e inevitável. Se não for hoje, será amanhã. Se não for nesta vida, será na outra.

Entre essas faltas, devemos colocar em primeiro lugar a desobediência à vontade de Deus. Se

reclamamos nas aflições, se não as aceitamos com resignação, como alguma coisa que merecemos, se

acusamos Deus de injustiça, contraímos uma nova dívida, que nos faz perder os benefícios do sofrimento.

É por isso que será necessário recomeçar tudo de novo, como aqueles que fazendo grande esforço para

pagarem as suas dívidas vão sempre fazendo outros empréstimos.

Ao entrar no mundo dos Espíritos, o ser humano é semelhante aos trabalhadores que se apresentam

no dia do pagamento. A uns, dirá o patrão: "Aqui tens o pagamento dos teus dias de trabalho". A outros,

aos felizardos deste mundo, que viveram na preguiça, que puseram a sua felicidade na satisfação do amor-

próprio e das alegrias mundanas, dirá: "Nada tens a receber, porque já recebeste na Terra. Ide, e recomeçai

a vossa tarefa".

13. O ser humano pode aliviar ou agravar a dureza das suas provas pela forma como encara a vida. Sofre

tanto mais quanto mais longo lhe parece o sofrimento. Aquele que assume o ponto de vista da vida

espiritual vê a vida corporal como um ponto no infinito, compreende a sua brevidade e sabe que as

dificuldades irão passar depressa. A certeza de um futuro próximo mais feliz conforta-o e encoraja-o e, em

vez de se lamentar, agradece ao céu as dores que o fazem avançar. Para aquele que, pelo contrário, só vê

a vida terrena, esta parece interminável e a dor pesa sobre ele com todo o seu peso.

Ao encarar a vida diminuindo a importância das coisas deste mundo e moderando os desejos materiais,

o indivíduo contenta-se com a sua posição sem invejar a dos outros, e atenua o efeito moral dos problemas

e das desilusões que sofre. Reforça a calma e a resignação tão úteis à saúde do corpo como à da alma,

enquanto com o desejo, a inveja e a ambição, se tortura a si mesmo, aumentando as dificuldades e

angústias da sua curta existência.

O suicídio e a loucura

14. A calma e a resignação adquiridas pelo modo de encarar a vida e a fé no futuro, dão ao Espírito uma

serenidade que é o melhor preventivo da loucura e do suicídio. A maior parte dos casos de loucura deve-

se às perturbações que a pessoa não tem força para enfrentar. Se, graças ao modo como o espiritismo a

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faz encarar as coisas materiais, recebe com indiferença, e até com alegria, os revezes e as deceções que a

teriam desesperado noutras circunstâncias. Essa força que a coloca acima dos acontecimentos, protege a

sua razão do desespero que poderia desequilibrá-la.

15. O mesmo acontece com o suicídio. Se excetuarmos os que se verificam devido à embriaguez e à

loucura e que podemos chamar inconscientes, a verdade é que, sejam quais forem os motivos, a causa

geral é sempre o descontentamento. Ora, aquele que está infeliz hoje, sabendo que melhor será o dia de

amanhã, facilmente se acomoda. Só se desespera se não vir um fim para os seus sofrimentos. E o que é a

vida humana em relação à eternidade, senão um breve instante? Para quem não crê na eternidade, que

pensa que tudo acaba com a vida, que se deixa abater pelo desgosto e o infortúnio, só vê o fim de tudo na

morte. Nada esperando, acha muito natural e muito lógico até, abreviar o seu sofrimento pelo suicídio.

16. A incredulidade, a descrença no futuro, isto é, as ideias materialistas, são o maior incentivo ao

suicídio: estimulam a cobardia moral.

Quando vemos cientistas, apoiados na autoridade dos seus conhecimentos, esforçarem-se por provar

que nada há para além da morte, as pessoas que por elas se deixam convencer arriscam-se a concluir que,

se são infelizes, o melhor que podem fazer é matar-se.

Que poderiam dizer para desviá-los desse propósito? Que compensação ou que esperanças poderiam

dar-lhes? Se o nada é o único remédio heroico, a única perspetiva, mais vale decidir imediatamente e

acabar de uma vez com o sofrimento. A vitória das ideias materialistas é o veneno que instiga em muitos a

ideia do suicídio e os que se fazem seus apóstolos assumem uma terrível responsabilidade.

Pelo contrário, estando com o espiritismo não existem dúvidas, a visão da vida é completamente

diferente. O crente sabe que a vida se prolonga indefinidamente para além da morte, e em condições

completamente diferentes. Daí a paciência e a resignação, que muito naturalmente afastam a ideia do

suicídio, ajudando em todos o reforço da sua coragem moral.

[ 10 – as ideias materialistas ]

17. O espiritismo tem ainda, a esse respeito, outro resultado igualmente positivo e talvez mais

determinante. Traz-nos o depoimento real dos próprios suicidas, revelando a sua situação infeliz e

provando que ninguém pode violar impunemente a lei de Deus, que proíbe abreviar a nossa própria vida.

Entre os suicidas que fazem comunicações mediúnicas, há muitos cujo sofrimento temporário, em vez

do eterno, nem por isso é menos difícil, dando as mais sérias razões para fazer pensar todos aqueles que

se deixam tentar pela ideia de deixar a vida antes das ordens recebidas de Deus.

O espírita tem, por isso, vários motivos como contrapeso à ideia do suicídio:

- A certeza de uma vida futura na qual ele sabe que será tanto mais feliz, quanto mais resignadamente

tenha encarado as dificuldades e tristezas durante a vida terrena;

- A certeza de que, ao encurtar esta vida, se irão produzir resultados exatamente opostos àqueles que

procura, porque se foge de um mal para cair noutro ainda pior, mais longo e mais difícil;

- Que se engana ao pensar que vai mais depressa para o céu, visto que o suicídio é um obstáculo à

reunião, no outro mundo, com as pessoas da nossa afeição que lá esperamos encontrar.

De tudo isto resulta que o suicídio, oferecendo só deceções, é contrário aos seus próprios interesses.

Devido a estas genuínas e diretas informações, o número de suicídios que o espiritismo impede é

considerável, e podemos concluir que, quando todos forem espíritas, passará a não haver suicídios

conscientes.

Comparando os resultados da ideologia materialista e do espiritismo, sob o ponto de vista do suicídio,

vemos que os erros de uma a ele conduzem, enquanto o conhecimento fundamentado da outra o evita,

como nos confirma a experiência.

[ 11 – O Suicídio – cada caso é um caso ]

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INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS

Bem sofrer e mal sofrer

18. Quando Jesus disse: "Bem-aventurados os aflitos, porque deles é o Reino dos Céus", não se referia

aos sofredores em geral, porque todos os que estão neste mundo sofrem, quer estejam num trono ou na

pobreza. Mas poucos sofrem bem, poucos compreendem que somente as provas bem suportadas podem

conduzir ao Reino de Deus.

A falta de coragem é um erro. Deus recusa-vos consolações pela falta de coragem. A prece é um

sustentáculo da alma, mas não é suficiente. É fundamental que seja apoiada numa fé forte na bondade de

Deus.

Tem-vos sido dito, frequentes vezes, que Deus não coloca fardos excessivamente pesado em ombros

frágeis. O fardo das provações é sempre proporcional às forças, como a recompensa será proporcional à

resignação e à coragem. A recompensa será tanto maior, quanto mais penosa tiver sido a aflição. Mas essa

recompensa tem de ser merecida, e é por isso que a vida está cheia de adversidades.

O militar que não é enviado para a frente de batalha não fica satisfeito, porque o repouso no

acampamento não lhe proporciona a heroicidade vitoriosa. Sede como o militar, e não aspireis a um

repouso que enervaria o vosso corpo de impaciência e entorpeceria a vossa alma.

Ficai satisfeitos quando Deus vos envia à luta. Essa luta não é o fogo das batalhas, mas as amarguras da

vida, nas quais muitas vezes é preciso mais coragem que num combate sangrento, porque aquele que se

mantém firme, frente ao inimigo, fraqueja por vezes sob a pressão do sofrimento moral.

As pessoas, na Terra não recebem prémios por esse tipo de coragem, mas Deus reserva-lhe os seus

louros e um lugar glorioso. Quando vos atingir um motivo de dor ou de contrariedade, tentai elevar-vos, e

quando conseguirdes dominar a impaciência, a cólera ou o desespero, dizei, com justa satisfação: "Fui o

mais forte!"

Bem-aventurados os aflitos, pode, portanto, ser traduzido assim: bem-aventurados os que

demonstraram a sua fé, firmeza, perseverança e submissão à vontade de Deus, porque terão multiplicado

por cem as alegrias que lhes faltam na Terra e depois do trabalho virá o repouso.

Espírito “Lacordaire” / Le Havre, 1863

O mal e o remédio

19.

A vossa Terra é por acaso um lugar de alegrias, um paraíso de delícias?

A voz do profeta já deixou de ecoar aos vossos ouvidos? Bem vos avisou que haveria choro e ranger de

dentes para os que nascessem nesse vale de dores!

Vós que nele viestes habitar, esperai pelas lágrimas ardentes e pelas penas amargas

e quanto mais agudas e profundas forem as vossas dores,

olhai o Céu e bendizei o Senhor por ter querido colocar-vos à prova.

Oh, homens,

Vós que não reconhecereis o poder do vosso mestre até que vos tenha curado do corpo as chagas

e até que tenha coroado os vossos dias de graça e alegrias;

Vós que não reconhecereis o seu amor até que vos tenha ornado o corpo com todas as glórias

e lhe tenha devolvido o esplendor de brancura;

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Imitai aquele que vos foi dado como exemplo.

Chegado ao último degrau do desprezo e da miséria, estendido sobre a imundície, clamou a Deus:

“Senhor,

Conheci todas as alegrias da opulência e vós reduzistes-me à miséria mais profunda;

Graças, graças meu Deus, por terdes querido pôr à prova o vosso servo.”

Até quando os vossos olhos se deterão nos horizontes marcados pela morte?

Quando é que a vossa alma quererá lançar-se, enfim, para além dos limites de um túmulo?

Mas, devêsseis vós chorar e sofrer por toda a vida,

que valeria isso ao lado da eternidade de glória

reservada àquele que terá sofrido a prova com fé, amor e resignação?

Procurai a causa dos vossos males no vosso passado

e a consolação para os vossos males no futuro que Deus vos prepara;

E vós, os que mais sofreis, considerai-vos como os bem-aventurados da Terra.

Quando, como desencarnados, vagueando no espaço, escolhestes a vossa prova,

porque acreditastes ser bastante fortes para suportá-la,

porquê tantos queixumes agora?

Vós que pedistes a fortuna e a glória,

era para sustentar a luta da tentação e vencê-la.

Vós que pedistes para lutar de Espírito e de corpo e alma contra o mal moral e físico,

era porque sabíeis que quanto mais forte fosse a prova mais gloriosa seria a vitória.

Se dela saísseis triunfantes,

mesmo que a vossa carne fosse lançada na terra, na ocasião da morte,

ela deixaria libertar-se uma alma esplendorosa de brancura, purificada pelo batismo da expiação

e das dores.

Qual o remédio a receitar aos que foram atingidos por obsessões cruéis e amargos revezes?

Um só, infalível − é a fé, o olhar lançado para o Céu.

Se no acesso dos vossos mais cruéis sofrimentos a vossa voz cantar ao Senhor,

junto à vossa cabeceira um anjo vos apontará o sinal da salvação

e vos mostrará o lugar que devereis ocupar um dia.

A fé é o remédio certo do sofrimento − mostra sempre os horizontes do infinito

diante dos quais se apagam alguns dias sombrios do presente.

Não nos pergunteis qual é o remédio necessário para curar tal úlcera ou tal chaga,

tal tentação ou tal prova.

Lembrai-vos de que aquele que crê está fortalecido com o remédio da fé,

e aquele que duvida um segundo da certeza da sua cura é punido no mesmo instante,

porque logo ali estarão consigo as angústias pungentes da aflição.

O Senhor pôs o seu selo em todos os que acreditam nele.

Jesus vos disse que a fé move montanhas.

Eu vos digo que aquele que sofre e que tiver a fé como apoio,

será colocado sob o seu amparo e não sofrerá mais.

Os momentos mais dolorosos serão para ele como os primeiros sinais da alegria da eternidade.

A sua alma se desligará de tal modo do corpo que, enquanto este se torcer em convulsões,

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ela pairará nas regiões celestes,

cantando com os anjos os hinos de reconhecimento e de glória ao Senhor.

Felizes os que sofrem e choram.

Que as suas almas se alegrem, porque serão atendidas por Deus.

Espírito “Santo Agostinho” / Paris, 1863

[ 12 – O mal e o remédio – texto poético ]

A felicidade não é deste mundo

20. Não sou feliz! A felicidade não me estava destinada! É o que exclamam geralmente as pessoas, em

todas as posições sociais. Isto, meus queridos filhos, prova melhor que todos os raciocínios possíveis a

verdade desta afirmação do Eclesiastes: "A felicidade não é deste mundo".

Realmente, nem a fortuna, o poder, ou mesmo a juventude florescente são condições indispensáveis

da felicidade. Nem mesmo a reunião dessas três condições tão desejadas, já que ouvimos constantemente

no seio das classes favorecidas, pessoas de todas as idades lamentarem as suas condições de vida.

Perante isso, é inconcebível que as classes trabalhadoras e lutadoras invejem com tanta cobiça a posição

dos favorecidos pela fortuna. Neste mundo, faça-se o que se fizer, todos têm a sua parte de esforço e de

sacrifício, sofrimento e desengano. Pelo que é fácil concluir que a Terra é um lugar de provas e de

expiações.

Os que dizem que a Terra é a única morada da Humanidade, e que só aqui, no decurso de apenas uma

vida, lhes é permitido alcançar o mais elevado grau de felicidade que a sua natureza permite, iludem-se a

si e aqueles que os ouvem. Está provado pela experiência de séculos, que este planeta só por exceção

oferece condições suficientes para a felicidade completa dos que qui vivem, podendo afirmar-se que a

felicidade é uma utopia disputada por gerações sucessivas, sem nunca a conseguirem. Aqui, se as pessoas

sensatas são uma raridade, as pessoas realmente felizes também não abundam.

A felicidade na Terra é tão passageira para os que não são sensatos que, por um ano, um mês ou uma

semana de completa satisfação, todo o tempo restante decorre numa sequência de desgostos e desilusões.

E notai, meus queridos, que falo aqui dos felizes da Terra, dos que são invejados pelas multidões.

Se a morada terrena se destina a provas e expiações, terá de concluir-se que existem outros planetas

mais favoráveis, em que os Espíritos ainda presos num corpo material, possuem plenamente as melhores

alegrias da vida. Foi para isso que Deus semeou no Universo numerosos planetas superiores para os quais

o vosso esforço e as vossas tendências vos levarão um dia, quando suficientemente puros e evoluídos

espiritualmente.

Não se pode concluir daqui que a Terra esteja destinada para sempre a servir de penitenciária. Pelo

progresso já realizado ao longo dos séculos podeis deduzir, por comparação, os progressos futuros e as

melhorias sociais que virão. Essa é a tarefa imensa que deve ser realizada pelo novo ensino que os Espíritos

vos revelaram.

Necessário será, meus filhos, que um santo empenho vos anime, e que cada um se liberte

energicamente do homem velho. Deveis dedicar-vos inteiramente à difusão do espiritismo, que já está a

ajudar-vos a evoluir. É um dever chamar os vossos irmãos à partilha desta luz sagrada. Mãos à obra,

portanto, meus queridos! Que todos os vossos corações ajudem a preparar as futuras gerações para um

mundo em que felicidade não seja apenas uma palavra, mas uma realidade vivida.

Espírito “François-Nicholas-Madeleine”, cardeal Morlot. Paris, 1863

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Perda de entes queridos e mortes prematuras

21. Quando a morte acontece aos que são próximos, levando inesperadamente os jovens antes dos

velhos, há quem diga: "Deus não é justo! Sacrifica os novos que têm pela frente o futuro, mantendo os que

já viveram muito, cheios de deceções. Leva os que são úteis e deixa os que já nada podem. Quebra um

coração de mãe, tirando-lhe o inocentinho que era toda a sua alegria”.

É nesses casos que têm necessidade de se elevarem acima da vulgaridade, para compreenderem que o

bem está muitas vezes onde pensam ver o mal e a sábia previdência onde pensam ver a cega fatalidade do

destino. Porquê julgar a dimensão da justiça divina por comparação com a vossa?

Como podem pensar que o Senhor dos mundos vos vigia por capricho, para vos aplicar castigos cruéis?

Nada acontece sem finalidade inteligente e tudo tem razão de ser. Se virem bem todas as dores que vos

atingem, encontrarão nelas sempre a razão divina, regeneradora, sendo os vossos minúsculos interesses

imediatos rejeitados para o plano secundário.

A morte é preferível, mesmo numa vida que só dure vinte anos, aos comportamentos vergonhosos que

desolam as famílias respeitáveis, partem o coração das mães e fazem branquear os cabelos dos pais, antes

do tempo. A morte cedo é muitas vezes um grande benefício que Deus concede àquele que parte, e que ficará liberto das tristezas da vida ou de seduções que poderiam causar a sua perda. Aquele que morre na flor da idade não é uma vítima da fatalidade, porque Deus bem vê que não lhe valerá de nada viver mais tempo na Terra.

Pensais que é uma grande infelicidade acabar tão cedo uma vida tão cheia de esperanças! Mas de que

esperanças se trata? Das esperanças da Terra onde aquele que partiu poderia brilhar, fazer a sua carreira

e a sua fortuna? Sempre a visão estreita dos factos condicionada pela materialidade!

Sabe-se lá como iria decorrer essa vida tão cheia de esperanças, mas que poderia vir a estar carregada

de amarguras. É melhor levar em conta as esperanças da vida futura, pensando menos no destino terreno,

efémero e cheio de contradições.

Pensais por acaso que é melhor ter uma alta posição na Terra do que viver em companhia dos Espíritos

bem-aventurados? Alegrai-vos em vez de chorar, quando Deus decide retirar um dos seus filhos deste vale

de lágrimas. Não há egoísmo em desejar que ele fique, talvez para sofrer junto de vós?

Essa dor é aceitável para os que não têm fé e que vêem na morte uma separação eterna. Mas vós,

espíritas, sabeis que a alma vive melhor quando está livre do corpo.

As Mães devem ter a certeza absoluta de que os seus filhos queridos continuam sempre na sua

companhia. Os seus corpos fluídicos rodeiam-nas, sobretudo se pensarem neles e se por eles fizerem

preces com verdadeira fé. Os seus pensamentos protegem-nas, a sua lembrança enche-os de alegria. Pelo

contrário, as suas dores causam-lhes tristeza, porque revelam falta de fé e são uma revolta contra a

vontade de Deus.

Quem compreende a vida espiritual, escuta as pulsações do coração a chamar esses entes queridos.

Pedindo para eles a bênção de Deus, sentirão o poderoso consolo que seca as lágrimas e terão a graça de

ver o futuro prometido pelo soberano Mestre.

Espírito “Sansão”, 1863

Se fosse pessoa de bem teria morrido

22. Diz-se frequentemente ao falar de uma pessoa má que escapa a um perigo: “Se fosse uma pessoa de

bem, teria morrido”.

Dizendo isto, estais com a verdade, porque Deus concede muitas vezes a um Espírito ainda jovem, na

via do progresso, uma prova mais longa do que a um Espírito bom, que receberá em recompensa do seu

mérito uma prova tão curta quanto possível. Ao dizer isto, porém, estais a proferir uma blasfémia.

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Se morre uma pessoa de bem, vizinha de uma que é má, apressais-vos a dizer: “Seria bem melhor se

tivesse morrido esta. Cometeis então um grande erro, porque a que partiu já terminou a sua tarefa e a que

ficou talvez nem a tenha começado.

Porque quereis que o mau não tenha tempo de terminar a sua tarefa e que o bom continue prisioneiro

da matéria? Que dizer de um prisioneiro que, tendo concluído a sua pena, tenha de continuar na prisão

enquanto se põe em liberdade outro que não tem esse direito? Sabei, pois, que a verdadeira liberdade está

na libertação dos laços corporais, pois enquanto estiveres na Terra estais em cativeiro.

Habituai-vos a não censurar o que não podeis compreender e acreditai que Deus é justo em todas as

coisas. Muitas vezes, o que vos parece um mal é um bem. As vossas faculdades, contudo, são tão limitadas,

que o conjunto da vida escapa aos vossos sentidos imperfeitos. Esforçai-vos por sair, pelo pensamento, da

vossa esfera estreita e, à medida que vos elevardes, a importância da vida terrena diminuirá aos vossos

olhos, porque será como um simples incidente na infinita duração da vossa existência espiritual, a única

existência verdadeira.

Espírito “Fénelon” / Sens, 1861

Os tormentos voluntários

23. O ser humano está sempre à procura da felicidade completa que lhe foge, porque é algo que não

existe na Terra. Apesar das dificuldades da vida, poderia pelo menos gozar de uma felicidade relativa.

Procura-a, porém, nas coisas perecíveis e nos prazeres materiais, em vez de a buscar nas alegrias da alma,

que são uma antecipação das imperecíveis alegrias celestes. Em vez de buscar a paz do coração, a felicidade

verdadeira neste mundo, procura tudo o que pode agitá-lo e perturbá-lo, criando dificuldades que bem

poderia evitar.

Não há maiores dificuldades do que as que são causadas pela inveja e pelo ciúme. Para o invejoso e para

o ciumento não existe repouso, estão sempre inquietos. Quem cobiça aquilo que outros possuem sofre de

insónias. O sucesso dos rivais dá-lhes vertigens e o seu único interesse está em ultrapassar os vizinhos,

procurando causar-lhes inveja. Pobre gente. Não se lembram de que, talvez já amanhã, tenham de deixar

todas as futilidades cuja cobiça lhes envenena a vida!

Não é a eles que se aplicam as sábias palavras: "Bem-aventurados os aflitos porque serão consolados".

Isto porque todas as suas preocupações insensatas não têm compensação no Céu.

Quantos tormentos consegue evitar aquele que sabe contentar-se com o que tem, que vê sem inveja o

que não tem e que não procura parecer mais do que é! Sente-se sempre rico porque, se olha abaixo de si,

em vez de olhar para cima, vê sempre quem tenha ainda menos do que ele. Está sempre calmo, porque

não inventa necessidades absurdas e a calma no meio das tempestades da vida é sempre condição de

felicidade.

Espírito “Fénelon” / Lyon, 1860

A infelicidade autêntica

24. Todos falam da infelicidade, todos a experimentaram e julgam conhecê-la. Porém, quase todos se

enganam, pois a infelicidade autêntica não é aquilo que os infelizes supõem.

Vêem-na na miséria, na chaminé sem fogo, no credor que ameaça, no berço vazio do anjo que sorria,

na desnudação do orgulho que desejava vestir-se de púrpura e esconde a sua nudez nos farrapos da

vaidade.

Tudo isto e muitas outras coisas podem chamar-se “infelicidades” na linguagem humana. São-no para

aqueles que só vêem o presente. A verdadeira infelicidade, porém, está mais nas consequências de uma

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coisa do que na coisa em si mesma. Dizei-me se o mais feliz acontecimento de um momento, mas que traz

consequências funestas, não é na realidade mais infeliz do que aquele que é inicialmente desagradável,

mas que acaba por produzir o bem? Dizei-me se a tempestade que derruba árvores, mas purifica a

atmosfera, dissipando as emanações insalubres que poderão causar a morte, não é uma desgraça, mas de

facto uma felicidade?

Para julgar uma coisa, portanto, é necessário ver as suas consequências.

Para julgar o que é realmente feliz ou infeliz para alguém, é necessário ver para além desta vida, porque

é lá que as consequências se revelam. Muito do que se chama a infelicidade de acordo com a visão

imediata, cessa com a vida terrena e pode ser compensado na vida futura.

Vou revelar-vos a infelicidade sob uma nova forma, sob a forma bela e florida que acolheis e desejais,

com todas as forças das vossas almas confundidas. Essa infelicidade é a alegria sem sentido, o prazer imoral,

o tumulto, a inquietação fútil, a louca vaidade, que fazem calar a consciência, oprimem o pensamento e

confundem o ser humano quanto ao seu futuro. A infelicidade é o ópio do esquecimento, que procurais

muitas vezes com o mais ardente desejo.

Tende esperança, vós que chorais! Tremei, vós que rides, porque o vosso corpo está satisfeito!

Não se pode enganar a Deus, ninguém escapa ao destino. As provas, credoras mais impiedosas que a

multidão acossada pela miséria, espreitam o vosso repouso ilusório para vos mergulhar, de repente, na

agonia da verdadeira infelicidade, daquele que surpreende a alma adormecida pela indiferença e pelo

egoísmo.

Deixai que o espiritismo vos esclareça e mostre, sob a verdadeira luz, a verdade e o erro desfigurados

pela vossa cegueira. Sereis como bravos soldados, preferindo os confrontos difíceis à paz enganosa que

não dá vitória nem progresso.

Que importa ao combatente perder na luta armas e equipamentos, desde que saia vitorioso? Que

importa, àquele que tem fé no futuro, deixar na luta da vida a fortuna e o corpo, desde que a sua alma

possa entrar radiosa no reino celeste?

Espírito “Delphine de Girardin” / Paris, 1861

A melancolia

25. Sabeis por que motivo uma vaga tristeza se apodera por vezes dos vossos corações e vos faz

considerar a vida tão amarga? É que o vosso Espírito aspira à felicidade e à liberdade mas, ligado ao corpo

que lhe serve de prisão, cansa-se em esforços vãos para dele sair. Reconhecendo que são inúteis esses

esforços, cai no desânimo, fazendo o corpo sofrer a sua influência. A fraqueza, o abatimento e uma espécie

de apatia apoderam-se de vós, tornando-vos infelizes.

Acreditai no que vos digo e resisti com energia a essas impressões que vos enfraquecem a vontade.

Essas aspirações a uma vida melhor são inatas no Espírito de todos, mas não as procureis neste mundo.

Agora, que Deus vos envia os seus Espíritos para vos instruir sobre a felicidade que vos está reservada,

aguardai pacientemente o anjo da libertação, que vos ajudará a romper os laços que mantêm o vosso

Espírito cativo.

Lembrai-vos que durante a vossa prova na Terra tendes de desempenhar uma missão de que não podeis

duvidar, quer seja pelo devotamento à família, quer no cumprimento dos diversos deveres que Deus vos

confiou.

Se no decurso dessa prova, no cumprimento da vossa tarefa, desabarem sobre vós os cuidados, as

inquietações e os desgostos, sede fortes e corajosos para os suportar.

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Enfrentai-os frontalmente, pois são de curta duração e devem conduzir-vos à companhia dos amigos

que chorais, que se alegrarão com a vossa chegada e vos estenderão os braços, para vos conduzirem a um

lugar onde as amarguras terrenas não chegam.

Espírito “François de Genève” / Bordéus

Provas voluntárias. O verdadeiro cilício

26. Perguntais se é permitido suavizar as vossas provas. Essa pergunta equivale a perguntar se é

permitido ao que se afoga procurar salvar-se, se a quem se espetou num espinho, pode retirá-lo ou se a

quem está doente, pode chamar um médico?

As provas têm por fim desenvolver tanto a inteligência como a paciência e a resignação. Uma pessoa

pode nascer numa situação dolorosa e problemática precisamente para a obrigar a procurar os meios de

vencer as dificuldades. O mérito consiste em suportar sem queixumes as consequências dos males que não

se podem evitar, em continuar a luta, em não desanimar quando não tem êxito e nunca deixar andar as

coisas, o que seria mais preguiça que virtude.

Se Jesus disse: "Bem-aventurados os aflitos", haverá mérito em procurar as aflições, agravando as

provas por meio de sofrimentos voluntários? Sim, há grande mérito nisso quando os sofrimentos e as

privações têm por fim o bem do próximo, porque se trata da caridade pelo sacrifício. Não haverá mérito

algum quando só tiverem por finalidade o próprio bem, porque se trata de egoísmo fanático.

Há aqui uma grande distinção a fazer. Quanto a vós, pessoalmente, contentai-vos com as provas que

Deus vos manda, não aumenteis a carga já por vezes tão pesada. Aceitai-as sem queixas e com fé, eis tudo

o que Ele vos pede.

Não prejudiqueis a saúde com privações inúteis e mortificações sem objetivo, porque precisais de todas

as forças para cumprir a missão de trabalhar na Terra. Martirizar voluntariamente o corpo é desrespeitar a

lei de Deus, que vos dá os meios de o sustentar e de o fortalecer. Enfraquecê-lo, sem necessidade, é um

verdadeiro suicídio. Usai, mas não abuseis: essa é a lei. O abuso das melhores coisas tem consequências

inevitáveis, que são um castigo.

Bem diferente é o que acontece quando alguém impõe sofrimentos a si próprio para aliviar os outros.

Suportar o frio e a fome para agasalhar e alimentar aquele que necessita, com sofrimento para o próprio

corpo, é um sacrifício abençoado por Deus.

Os que deixam o seu conforto para levar consolo a uma casa de pobres e doentes, que sujam as mãos

curando feridas, que se privam do sono para velar um enfermo que é apenas vosso irmão em Deus, os que

aplicam a saúde na prática das boas obras, têm nisso um verdadeiro cilício de bênçãos, porque as alegrias

do mundo não secaram o seu coração. Os que fizeram isso não adormeceram no luxo da abundância,

tornaram-se anjos consoladores dos pobres deserdados.

Mas vós que fugis ao mundo para evitar as suas seduções e viver no isolamento, qual é a vossa utilidade

na Terra? Onde está a vossa coragem perante as provas, se fugis à luta e desertais do combate?

Se quereis um cilício, aplicai-o à vossa alma e não ao vosso corpo, mortificai o Espírito e não a carne.

Castigai o vosso orgulho, recebei as humilhações sem queixumes, sacrificai o amor-próprio, crispai-vos

perante a dor das injúrias e das calúnias, mais dolorosa que a dor física.

Esse será o verdadeiro cilício, cujas feridas vos serão contadas, porque dão provas da vossa coragem e

da vossa submissão à vontade de Deus.

Um Anjo da guarda, Paris 1863

27. Deve-se por termo às provas do próximo quando se pode, ou deve-se, por respeito aos desígnios de

Deus, deixá-las seguir o seu curso?

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− Já dissemos e repetimos que estais num planeta de expiação para completar as vossas provas, e que

tudo o que vos acontece é consequência das vossas existências anteriores, os juros das dívidas que tendes

de pagar. Esta ideia, contudo, leva algumas pessoas a tirar certas conclusões que devem ser afastadas,

porque podem ter péssimas consequências.

Pensam algumas que, uma vez que se está na Terra para expiar, é necessário que as provas sigam o seu

curso. Há outras que chegam a concluir que não só devemos evitar atenuá-las, como, pelo contrário,

deveríamos torná-las mais proveitosas, agravando-as. É um grande erro.

Sim, as provas devem seguir o curso que Deus lhes traçou, mas sabeis qual é esse curso?

Sabeis até que ponto devem ir tais provas e se o vosso Pai misericordioso não terá dito, perante o

sofrimento de um ou outro dos vossos semelhantes, que esse sofrimento não deveria ir mais além?

Sabeis se a Providência não vos terá escolhido, não como instrumento de suplício, para agravar o

sofrimento do culpado, mas como bálsamo consolador, que deve cicatrizar as chagas abertas pela sua

justiça? Não digais, portanto, ao ver um irmão atingido: "É a justiça de Deus e é necessário que ela siga o

seu curso". Mas dizei, pelo contrário: "Vejamos que meios o nosso Pai Misericordioso me concedeu, para

aliviar o sofrimento do meu irmão. Vejamos se o meu conforto moral, o meu amparo material, os meus

conselhos, poderão ajudá-lo a transpor esta prova com mais força, paciência e resignação. Vejamos mesmo

se Deus não me colocou nas mãos os meios de fazer cessar este sofrimento, se não me deu, como prova

também, ou talvez como expiação, fazer parar o mal e substituí-lo pela bênção da paz".

Auxiliai-vos sempre mutuamente nas vossas provas e nunca vos encareis como instrumentos de tortura.

Esse pensamento deve revoltar todos os homens de bom coração, sobretudo os espíritas. Porque o espírita,

mais do que qualquer outro, deve compreender a extensão infinita da bondade de Deus. O espírita deve

estar compenetrado de que a sua vida inteira tem de ser um ato de amor e dedicação e que, por mais que

faça para contrariar as decisões do Senhor, a sua justiça seguirá o seu curso. Pode, pois, sem medo, fazer

todos os esforços para aliviar a dor da expiação, porque só Deus pode pará-la ou prolongá-la, segundo o

que julgar conveniente. Não seria excessivo orgulho julgar-se alguém no direito de agravar as dores de

quem sofre, picando a ferida, sob o pretexto de que essa é a sua expiação? Pelo contrário, considerai-vos

sempre como o instrumento escolhido para aliviá-las.

Em resumo: estais todos na Terra para expiar, mas todos, sem exceção, deveis fazer todos os esforços

possíveis para aliviar a expiação dos vossos irmãos, segundo a lei de amor e de caridade.

“Bernardin” / Espírito protetor, Bordéus, 1863

28. Um ser humano agoniza em grande sofrimento. Sabe-se que o seu estado não tem esperança. É

permitido poupar-lhe alguns instantes de agonia, abreviando-lhe o fim?

− Quem vos daria o direito de conhecer previamente os desígnios de Deus?

Deus pode conduzir uma pessoa até a beira da sepultura, para de lá a retirar logo de seguida, com o

intuito de a fazer examinar-se a si mesma e, a partir daí, reconsiderar as suas convicções. Mesmo que nos

pareça que um moribundo já chegou ao extremo, ninguém pode dizer, com certeza, que soou a sua hora

final. A ciência, por acaso, nunca se enganou nas suas previsões?

Há casos, é certo, que se podem considerar como desesperados; mas, se não há qualquer esperança

fundada de um regresso definitivo à vida e à saúde, há muitos exemplos em que, no momento do último

suspiro, o doente se reanima e recupera as suas faculdades por instantes. Essa hora de graça que lhe é

concedida pode ser para ele da maior importância, pois são muitas as reflexões que o seu Espírito pode

fazer nas convulsões da agonia, e um súbito clarão de arrependimento pode poupar-lhe graves tormentos.

O materialista, que só vê o corpo, não levando em conta a existência da alma, não pode compreender

estas coisas. Mas o espírita, que sabe o que se passa além-túmulo, conhece o valor do último pensamento.

Aliviai os últimos sofrimentos o máximo que puderdes, mas recusai abreviar a vida, mesmo que seja apenas

por um minuto, porque esse minuto pode poupar muitas lágrimas no futuro.

Espírito “São Luís” / Paris, 1860

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29. Aquele que está desgostoso com a vida, mas não querendo tirá-la por suas próprias mãos, será

culpado se procurar a morte num campo de batalha, com o pensamento de tornar a sua morte útil?

− Quer o homem se mate ou se faça matar o objetivo é sempre o de abreviar a vida e, por conseguinte,

há o suicídio de intenção mesmo que o não haja de facto. O pensamento de que a sua morte servirá para

alguma coisa é ilusório, simples pretexto para mascarar o seu ato e desculpá-lo aos seus próprios olhos.

Se tivesse seriamente o desejo de servir a pátria procuraria viver para se dedicar à sua defesa, e não

morrer, porque uma vez morto já não lhe servirá para nada. A verdadeira abnegação consiste em não temer

a morte quando se trata de ser útil, enfrentar o perigo e oferecer a vida, antecipadamente e sem lamentar

o sacrifício, se isso for necessário. Mas a intenção premeditada de procurar a morte, expondo-se ao perigo,

mesmo para prestar um serviço, anula o mérito da ação.

Espírito “São Luís” / Paris, 1860

30. Um homem expõe-se a um perigo iminente para salvar a vida de um semelhante, sabendo

antecipadamente que ele mesmo sucumbirá: isso pode ser considerado como suicídio?

− Não havendo a intenção de procurar a morte, não há suicídio, mas empenho e abnegação, mesmo

com a certeza de morrer.

Mas quem pode ter essa certeza? Quem diz que a Providência não reservará um meio inesperado de

salvação, no momento mais crítico? Não pode ela salvar até mesmo aquele que estiver diante da boca de

um canhão? Muitas vezes ela pode querer levar a prova da resignação até ao último limite e então uma

circunstância inesperada desvia o golpe fatal.

Espírito “São Luís” / Paris, 1860

31. Os que aceitam com resignação os seus sofrimentos, por submissão à vontade de Deus e com vista

à sua felicidade futura, não trabalham apenas para si mesmos? Poderão tornar os seus sofrimentos

proveitosos para outros?

− Esses sofrimentos podem ser proveitosos para outros, material e moralmente. Materialmente, se pelo

trabalho, as privações e os sacrifícios que impõem, contribuem para o bem-estar material dos seus

próximos; moralmente, pelo exemplo que dão pela sua submissão à vontade de Deus. Esse exemplo da

força da fé espírita pode levar os infelizes à resignação, salvando-os do desespero e das suas funestas

consequências para o futuro.

Espírito “São Luís” / Paris, 1860

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CAPÍTULO VI – JESUS, O CONSOLADOR

O jugo leve

1.Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo,

e aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração, e encontrareis descanso para a vossa alma.

Porque o meu jugo é suave, e o meu fardo é leve (Mateus, 11: 28-30).

2.Todos os sofrimentos: pobreza, deceções, dores físicas, perdas de entes queridos, encontram consolo

na fé no futuro, na confiança na justiça de Deus, que Jesus veio ensinar aos homens. Quem, pelo contrário,

nada espera depois desta vida, ou que simplesmente duvida, sofre as aflições com todo o seu peso e

nenhuma esperança vem abrandar a sua amargura. Foi isso que levou Jesus a dizer: "Vinde a mim, vós

todos que estais cansados, e eu vos aliviarei". No entanto, Jesus impõe uma condição para o seu apoio e

para a felicidade que promete aos aflitos. Essa condição está na própria lei que ele ensina: o seu jugo é o

cumprimento dessa lei. Mas esse jugo é leve e essa lei é suave, porque impõem como dever o amor e a

caridade.

O consolador prometido

3.Se me amais, respeitai os meus mandamentos. E eu rogarei ao Pai, e Ele vos dará outro consolador,

para que fique eternamente convosco, o Espírito de Verdade, a quem o mundo não pode receber, porque

não o vê, nem o conhece. Mas vós o conheceis, porque habita convosco e estará em vós. Mas o Consolador,

que é o Espírito Santo, a quem o Pai enviará em meu nome, vos ensinará todas as coisas, e vos fará lembrar

de tudo o que vos tenho dito. (João, 14: 15 – 17, 26).

4. Jesus promete outro consolador: é o Espírito de Verdade, que o mundo ainda não conhece, porque

não está suficientemente maduro para o compreender, e que o Pai enviará para ensinar todas as coisas e

fazer lembrar o que Jesus disse.

Se o Espírito de Verdade deve vir mais tarde ensinar todas as coisas, é porque Jesus não pôde ensinar

tudo. Se vem fazer lembrar o que Jesus disse, é porque isso foi esquecido ou mal compreendido.

O espiritismo vem, na altura marcada, cumprir a promessa de Jesus. O Espírito de Verdade preside ao

seu estabelecimento. Chama os seres humanos ao cumprimento da lei e ensina todas as coisas, fazendo

compreender o que Jesus só disse por parábolas. Jesus disse: “Que ouçam os que têm ouvidos para ouvir".

O espiritismo vem abrir os olhos e os ouvidos, porque fala sem sentidos figurados e sem alegorias.

Levanta o véu que foi deixado de propósito sobre certos mistérios e traz um supremo consolo aos

deserdados da Terra e a todos os que sofrem, ao dar uma causa justa e um fim útil a todas as dores.

Jesus disse: Bem-aventurados os aflitos, porque serão consolados. Mas como se pode ser feliz por sofrer,

se não se sabe porque se sofre?

O espiritismo mostra que a causa está nas existências anteriores e no próprio destino da Terra, onde os

seres humanos expiam o seu passado. Mostra também o objetivo dos sofrimentos, apontando-os como

crises salutares que produzem a cura, e como meio de purificação que garante a felicidade nas existências

futuras. As pessoas compreendem que merecem sofrer e acham isso justo. Sabem que esse sofrimento

auxilia a sua evolução, e aceitam-no sem queixas, como os operários aceitam o trabalho que lhes assegura

o salário. O espiritismo dá-lhes uma fé inamovível no futuro e as dúvidas dolorosas desaparecem da sua

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alma. Fazendo-as ver as coisas do alto, a dureza das dificuldades terrenas perde-se no maravilhoso

horizonte de felicidade que as espera e dá-lhes coragem e resignação para irem até ao fim do caminho.

Assim, o espiritismo concretiza o que Jesus disse do consolador prometido: conhecimento das coisas

que fazem com que o ser humano saiba de onde vem, para onde vai e porque está na Terra, chamada para

os verdadeiros princípios da lei de Deus, e consolo pela fé e pela esperança.

INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS

Chegada do Espírito de Verdade

5. Venho, como outrora, entre os filhos perdidos de Israel, trazer a verdade e dissipar as trevas.

Escutem-me. O espiritismo, como outrora a minha palavra, deve lembrar aos incrédulos que acima deles

reina a verdade imutável: o Deus bom, o Deus grande, que faz germinar as plantas e levanta as ondas do

mar. Revelei as palavras de Deus e, como um ceifeiro, liguei em feixes o bem disperso pela Humanidade, e

disse: Venham a mim, todos os que sofrem!

Os ingratos, porém, desviaram-se da estrada larga e reta que conduz ao reino do meu Pai, e perderam-

se nos pedregosos carreiros da heresia. O meu Pai não quer destruir a espécie humana. Quer que,

ajudando-vos uns aos outros, mortos e vivos, quer dizer, mortos segundo a carne, porque a morte não

existe, se ajudem uns aos outros, e que, já não a voz dos profetas e dos apóstolos, mas a voz dos que já

partiram, se faça ouvir para vos gritar: Orem e acreditem! Porque a morte é a ressurreição e a vida é a

prova escolhida, durante a qual as vossas virtudes cultivadas devem crescer e desenvolver-se como as

árvores.

Homens fracos, que compreendem as trevas da vossa inteligência, não afastem a chama que a

clemência divina vos põe nas mãos para iluminar o vosso caminho e vos levar de novo, filhos perdidos, ao

colo do vosso Pai.

Estou demasiado tocado de compaixão pelas vossas desgraças, pela vossa imensa fraqueza. Por isso

estendo uma mão amiga aos infelizes perdidos que, vendo o céu, caem nos abismos do erro. Acreditem,

amem, meditem sobre as coisas que vos são reveladas; não misturem o joio ao bom grão, as utopias com

as verdades.

Espíritas: amem-se, eis o primeiro ensinamento; instruam-se, eis o segundo. Todas as verdades se

encontram no cristianismo e os erros que nele se enraizaram são de origem humana. De além-túmulo, que

julgavam ser “o nada”, há vozes que vos chamam: Irmãos! Nada perece. Jesus é o vencedor do mal, sede

vós os vencedores da falta de fé!

Espírito de Verdade / Paris, 1860

6. Venho ensinar e consolar os pobres deserdados. Venho dizer-lhes que elevem a sua resignação ao

nível das suas provas, que chorem, porque a dor foi consagrada no Jardim das Oliveiras, mas que esperem,

porque os anjos consoladores virão também enxugar as suas lágrimas.

Operários, realizai a vossa tarefa: esforçai-vos dia a dia. O trabalho das vossas mãos fornece o pão

terreno aos vossos corpos, mas as vossas almas não são esquecidas. Eu, o divino jardineiro, cultivo-as no

silêncio dos vossos pensamentos.

Quando chegar a hora do repouso, quando a vida terminar e os vossos olhos se fecharem para a luz,

sentireis nascer e germinar em vós a minha preciosa semente.

Nada se perde no reino de nosso Pai e os vossos suores, as vossas tristezas formam o tesouro que vos

fará ricos nas esferas superiores, onde a luz substitui as trevas e onde o mais pobre de vós será talvez o

mais resplandecente.

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Em verdade vos digo: os que carregam os seus fardos e ajudam os seus irmãos são os meus bem-

amados. Estudai a preciosa cultura que desfaz o erro das revoltas e vos ensina o objetivo sublime das provas

humanas. Como o vento varre a poeira, que o sopro dos Espíritos limpe as vossas invejas dos ricos do

mundo, que são muitas vezes os mais infelizes e porque as suas provas são mais perigosas do que as vossas.

Estou ao vosso lado e o meu apóstolo ensina-vos.

Bebei na fonte viva do amor, e preparai-vos, cativos da vida, para vos lançardes um dia, livres e

radiantes, no seio daquele que vos criou fracos, mas perfectíveis, desejando que modeleis vós mesmos a

vossa argila macia para serdes os artífices da vossa imortalidade.

Espírito de Verdade / Paris, 1861

7. Sou o grande médico das almas e venho trazer-vos o remédio que deve curá-las. Os fracos, os

sofredores e os enfermos são os meus filhos prediletos e venho salvá-los.

Venham a mim, todos os que sofrem e que estão sobrecarregados e serão aliviados e consolados. Não

procurem aí em baixo a força e o consolo porque o mundo é impotente para dá-las.

Deus dirige um apelo supremo aos vossos corações através do espiritismo: escutai-o. Que a impiedade,

a mentira, o erro, a incredulidade, sejam retirados das vossas almas magoadas. São esses os monstros que

matam a sede com o vosso sangue mais puro e que vos vibram golpes quase sempre mortais.

No futuro, humildes e submissos ao Criador, praticai a sua divina lei. Amai e orai.

Sede dóceis aos Espíritos do Senhor. Invocai-o do fundo do coração. Então, Ele vos enviará o seu Filho

bem-amado para vos ensinar e vos dizer estas belas palavras: Aqui estou; venho porque me chamastes!

Espírito de Verdade / Bordéus, 1861

3. Deus consola os humildes e dá força aos aflitos que lha pedem. O seu poder cobre a Terra, e por

toda a parte, ao lado de cada lágrima, coloca um bálsamo que consola.

4. A generosidade e o desinteresse são uma prece contínua e encerram um ensinamento profundo: a

sabedoria humana reside nessas duas palavras.

Possam todos os Espíritos sofredores compreender essa verdade, em vez de protestarem contra as

dores e os sofrimentos morais que são a parte que vos cabe aqui na Terra. Tomai por divisa essas duas

palavras: generosidade e desinteresse, e sereis fortes, porque elas resumem todos os deveres que a

caridade e a humildade vos impõem.

O sentimento do dever cumprido vos dará o repouso de Espírito e a resignação. O coração bate melhor,

a alma tranquiliza-se, porque o corpo de nada mais necessita e sofre tanto mais, quanto mais

profundamente ferido estiver o Espírito.

Espírito de Verdade / Le Havre, 1861

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CAPÍTULO VII - BEM-AVENTURADOS OS POBRES DE ESPÍRITO

O que deve entender-se por “pobres de espírito”

1. Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus (Mateus, 5:3).

[ 13 - O Reino dos Céus]

2. Os incrédulos ironizam a respeito desta afirmação, Bem-aventurados os pobres de espírito, como a

respeito de tantas ideias que não compreendem. Os “pobres de espírito”, para Jesus, não são as pessoas a

quem falta a inteligência, mas os humildes, para os quais, ao contrário dos orgulhosos, está garantido o

reino dos céus.

As individualidades da sociedade que se ocupam da ciência e da cultura, têm tão elevada opinião de si

mesmos e da sua superioridade, que consideram as coisas divinas indignas da sua atenção. Virados para si

mesmos, o seu olhar não pode elevar-se a Deus. Acreditarem-se superiores a tudo leva-os a negar o que,

sendo-lhes superior, pudesse diminui-los, e a negar até a divindade. Se consentem admiti-la, contestam

um dos seus mais belos atributos: o exercício da providência sobre o mundo, convencidos de que bastam

eles para o governar bem. Tomando a sua inteligência como critério universal, e julgando-se aptos a

compreenderem tudo, não admitem aquilo que não compreendem. Quando se pronunciam sobre alguma

coisa, o seu julgamento é sem apelo.

Se não admitem o mundo invisível e um poder extra-humano não é porque isso esteja fora do seu

alcance, mas porque o seu orgulho se revolta com a ideia de algo acima do qual não possam colocar-se, e

que os faria descer do seu pedestal. É por isso que só têm sorrisos de desdém para tudo o que não seja do

mundo visível e tangível. Atribuem-se demasiada inteligência e conhecimentos para acreditarem em coisas

que, segundo pensam, são boas para gente simples, considerando como pobres de espírito os que as levam

a sério.

Entretanto, digam o que disserem, terão de entrar, como os outros, nesse mundo invisível que tanto

ridicularizam. É lá que os seus olhos se abrirão, reconhecendo o seu erro. Mas Deus, que é justo, não pode

receber da mesma maneira quem desconheceu o seu poder e quem humildemente se submeteu às suas

leis, nem dar-lhes um quinhão igual.

Dizendo que o reino dos céus é para os simples, Jesus ensina que ninguém nele será admitido sem a

simplicidade de coração e a humildade de espírito, que o ignorante que possui essas qualidades será

preferido ao sábio que acreditar mais em si do que em Deus.

Em qualquer caso, coloca a humildade no elenco das virtudes que nos aproximam de Deus, e o orgulho

no dos vícios que nos afastam dele, pela mais natural das razões, de ser a humildade uma atitude de

submissão a Deus, enquanto o orgulho é a revolta contra ele.

Portanto, vale mais para a felicidade das pessoas ser pobre de espírito no sentido comum e rico em

qualidades morais.

Ver também [18 – Os incrédulos também são nossos irmãos]

Quem se eleva será rebaixado

3. Naquele mesmo momento chegaram-se a Jesus os seus discípulos dizendo: Quem é o maior no Reino

dos Céus? E Jesus, chamando uma criança, pô-la no meio deles e disse: Na verdade vos digo que se não vos

converterdes e não vos fizerdes como crianças, não entrareis no Reino dos Céus. Todo aquele, pois, que se

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tornar humilde e se fizer pequeno como esta criança esse será o maior no Reino dos Céus. E o que receber

em meu nome uma criança como esta, é a mim que recebe. (Mateus, 18: 1-5).

4. Então, aproximou-se dele a mãe dos filhos de Zebedeu, com os seus filhos, adorando-o e fazendo-lhe

um pedido. E ele diz-lhe: Que queres? Ela respondeu: Diz que estes meus dois filhos se assentem um à tua

direita e outro à tua esquerda, no teu Reino. Jesus, porém, respondendo, disse: Não sabeis o que pedis.

Podeis vós beber o cálice que eu hei de beber e ser batizados com o batismo com que eu sou batizado?

Dizem-lhe eles: Podemos. E diz-lhes ele: Na verdade bebereis o meu cálice, mas o assentar-se à minha direita

ou à minha esquerda não me pertence dá-lo, mas é para aqueles para quem meu Pai o tem preparado. E,

quando os dez ouviram isto, indignaram-se contra os dois irmãos. Então, Jesus, chamando-os para junto de

si, disse: Bem sabeis que estes são dominados pelos príncipes dos gentios e que os grandes exercem

autoridade sobre eles. Não será assim entre vós; mas todo aquele que quiser, entre vós, fazer-se grande,

que seja vosso serviçal; e qualquer que, entre vós, quiser ser o primeiro, que seja vosso servo, bem como o

Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e para dar a sua vida em resgate de muitos.

(Mateus, 20: 20-28)

5. E aconteceu que, num sábado, entrando Jesus em casa de um dos principais dos fariseus, para tomar

a sua refeição, os que estavam lá observavam-no. E disse aos convidados uma parábola, reparando como

escolhiam os primeiros assentos, dizendo-lhes: Quando por alguém fores convidado às bodas, não te

assentes no primeiro lugar, para que não aconteça que esteja convidado outro mais digno do que tu, e,

vindo o que te convidou a ti e a ele, te diga: Dá o lugar a este; e então, com vergonha, tenhas de tomar o

derradeiro lugar. Mas, quando fores convidado, vai e assenta-te no derradeiro lugar, para que, quando vier

o que te convidou, te diga: Amigo, assenta-te mais para cima. Então, terás honra diante dos que estiverem

contigo à mesa. Porquanto, qualquer que a si mesmo se exaltar será humilhado, e aquele que a si mesmo

se humilhar será exaltado. (Lucas, 14: 1, 7-11).

6. Estes preceitos são consequências do princípio da humildade, que Jesus não cessa de colocar como

condição essencial da felicidade prometida aos eleitos do Senhor, nas seguintes palavras:

"Bem-aventurados os pobres de Espírito, porque deles é o Reino dos Céus".

Toma uma criança como exemplo da simplicidade de coração, e diz:

“Todo aquele que se fizer pequeno como esta criança, será o maior no Reino dos Céus”; ou seja, aquele

que não tiver pretensões à superioridade ou à infalibilidade.

O mesmo pensamento fundamental encontra-se neste outro preceito:

"Aquele que quiser ser o maior, que seja vosso servidor", e ainda nesta: "Quem se elevar será rebaixado,

e quem se rebaixar será elevado ".

O espiritismo vem sancionar a teoria pelo exemplo, mostrando-nos no mundo dos Espíritos como

“grandes”, os que eram “pequenos” na Terra e, muitas vezes, bem pequenos os que nela foram grandes e

poderosos. Isto porque os primeiros levaram consigo, ao morrer, aquilo que constitui a verdadeira

grandeza no Céu e que nunca se perde: as virtudes. Enquanto os outros tiveram que deixar aquilo que os

fazia grandes na Terra, e não cabe no céu: a fortuna, os cargos, a posição, a notoriedade.

Não tendo mais nada, chegam ao outro mundo de mãos vazias, como náufragos que tudo perderam,

até as roupas. Conservam apenas o orgulho, o que torna ainda mais humilhante a sua nova posição, porque

vêem acima deles, em glória de luz, aqueles que calcaram aos pés, na Terra.

O espiritismo mostra-nos outro exemplo desta situação nas encarnações sucessivas em que, aqueles

que ocupavam as melhores posições numa existência, durante a qual se deixaram dominar pelo orgulho e

pela ambição, baixaram numa nova existência à situação social do mais humilde que existe.

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Não procureis, portanto, o primeiro lugar na Terra, nem colocar-vos acima dos outros se não quiserdes

ser obrigados a descer. Procurai, pelo contrário, o mais humilde e o mais modesto, porque Deus saberá

dar-vos um lugar mais elevado no Céu, se isso couber no vosso mérito.

Mistérios ocultos aos sábios e aos prudentes

7. Naquele tempo, respondendo, disse Jesus: Graças te dou a ti, Pai, Senhor do Céu e da Terra, porque

escondeste estas coisas aos doutos e aos prudentes, e as revelaste aos simples e aos pequenos. (Mateus,

11:25).

8. Pode parecer estranho que Jesus dê graças a Deus por ter revelado essas coisas aos simples e aos

pequenos, que são os pobres de espírito, e de as ter escondido aos doutos e aos prudentes, mais aptos,

aparentemente, a compreendê-las. É preciso entender pelos primeiros, os humildes, que se baixam perante

Deus, e não se julgam superiores seja a quem for. E pelos segundos, os orgulhosos, inchados com a sua

ciência mundana, que se consideram espertos, porque negam a Deus, tratando-o de igual para igual,

quando não o atacam.

Na antiguidade os letrados eram considerados sábios, porque Deus lhes deixava a pesquisa dos segredos

da Terra, enquanto revelava aos simples e humildes os segredos do Céu, porque se inclinavam perante ele.

9. O mesmo acontece hoje com as grandes verdades reveladas pelo espiritismo. Certos incrédulos

admiram-se de que os Espíritos se esforcem tão pouco para convencê-los. Os Espíritos ocupam-se dos que

procuram a luz com boa-fé e humildade, e não dos que julgam possuir toda a luz e imaginam, talvez, que

Deus deveria dar-se por muito feliz em atraí-los, para lhes provar a sua existência.

O poder de Deus revela-se nas pequenas como nas grandes coisas. Deus não põe a luz debaixo do

alqueire, mas derrama-a por toda a parte; cegos, pois, são os que não a vêem. Deus não quer abrir-lhes os

olhos à força, pois eles gostam de os ter fechados. Chegará a sua vez, mas antes é necessário que sintam a

angústia das trevas, e reconheçam que é Deus, e não o acaso, quem lhes fere o orgulho.

Para vencer a incredulidade, Deus emprega os meios que entende, tal como os indivíduos. Não é o

incrédulo que decide o que Deus deve fazer, dizendo-lhe: “se quiseres convencer-me é necessário que

faças isto ou aquilo, mas mais logo, porque agora não estou disponível”.

Não se espantem os incrédulos, se Deus e os Espíritos, que são os agentes da sua vontade, não se

submeterem às suas exigências. Pensem no que diriam, se o último dos seus inferiores lhes quisesse fazer

exigências. Deus impõe as suas condições, e não aceita as que lhe queiram impor. Ouve com bondade os

que o procuram humildemente e não os que se julgam mais do que Ele.

10. Deus poderia tocar os incrédulos pessoalmente com factos evidentes perante os quais o mais

endurecido teria de se curvar?

Sem dúvida que poderia, mas nesse caso não teriam mérito, e de nada lhes serviria. Vemo-los

diariamente recusar as evidências, e até dizer: mesmo se visse não acreditaria, pois sei que é impossível.

Se se negam, assim, a conhecer a verdade, é porque o seu Espírito ainda não está maduro para

compreendê-la nem o seu coração para a senti-la. O orgulho é a venda que lhes tolda a visão. Que adianta

mostrar a luz a um cego? É preciso, primeiro, curar a causa do mal e é por isso que, como hábil médico,

Deus castiga primeiramente o orgulho. Não abandona os filhos perdidos, pois sabe que, cedo ou tarde, os

seus olhos se abrirão, mas quer que o façam por sua própria vontade. Então, vencidos pelos tormentos da

incredulidade, atirar-se-ão por si mesmos nos seus braços e, como filhos pródigos, irão pedir-lhe perdão.

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INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS

O orgulho e a humildade

11. Que a paz do Senhor esteja convosco, meus queridos amigos! Venho até vós para vos encorajar a

seguir o bom caminho.

Aos pobres Espíritos que outrora habitaram na Terra, Deus dá a missão de vos vir esclarecer.

Abençoado seja pela graça que nos dá de podermos contribuir para a vossa evolução espiritual. Que o

Espírito Santo me ajude a tornar a minha palavra compreensível, e me conceda a graça de a pôr ao alcance

de todos. Que a vontade de Deus venha em minha ajuda para a fazer brilhar aos vossos olhos, a vós que

estais a sofrer e procurais a luz.

A humildade é uma virtude muito esquecida. Os grandes exemplos que vos foram dados são muito

pouco seguidos. Sem humildade podereis ser caridosos para com o vosso próximo? Não, porque esse

sentimento nivela os homens, mostra-lhes que são irmãos, que devem ajudar-se mutuamente e

encaminha-os para o bem. Sem humildade adornais-vos de virtudes que não possuís, como se vestísseis

um fato para ocultar as deformidades do corpo. Lembrai-vos daquele que nos salvou, lembrai-vos da sua

humildade que o fez tão grande e o elevou acima de todos os profetas.

O orgulho é o terrível adversário da humildade. Se Jesus promete o Reino dos Céus aos mais pobres, é

porque os grandes da Terra pensavam que os títulos e as riquezas eram recompensa dos seus méritos, e

que a sua natureza era mais pura que a dos pobres. Os ricos acreditavam que os títulos e as riquezas lhes

eram devidos, e quando Deus lhos tira, acusam-no de injustiça. Que absurdo e que cegueira! Deus não

estabelece diferenças no que se refere ao corpo. O corpo do pobre é como o do rico, porque o criador só

fez uma espécie de seres humanos. Tudo quanto Deus fez é grande e sábio. Não lhe atribuam as ideias

concebidas pelos vossos cérebros orgulhosos.

Oh, rico, enquanto dormes nos teus aposentos luxuosos, não sabes quantos milhares de irmãos, que

valem tanto como tu, dormem na palha. O infeliz que passa fome é teu igual. Sei bem que o teu orgulho se

revolta com estas palavras. Concordarás em dar-lhe uma esmola, mas apertar-lhe fraternalmente a mão,

nunca! Dirás: “Eu, nascido de sangue nobre, um dos grandes da Terra, ser igual a este miserável

esfarrapado? Vã utopia de pretensos filósofos! Se fôssemos iguais, por que motivo Deus o teria colocado

tão baixo e a mim tão alto?” É verdade que as vossas roupas não são nada parecidas, mas, se vos despirdes,

qual a diferença que há entre vós? A nobreza do sangue, direis. Mas a química não encontrou diferenças

entre o sangue do milionário e o do pobre. Quem garante que não foste já igualmente pobre como ele?

Que também pediste esmola? Que não a pedirás um dia a esse mesmo que todos desprezam? A riqueza

material não é eterna, acaba com o corpo, veículo perecível do Espírito. Debruça-te com humildade sobre

ti mesmo! Observa a realidade das coisas do mundo, e pensa no que produz a grandeza e a humilhação no

outro. Pensa que a morte não te poupará mais do que a qualquer outro. Que os teus títulos não a afastarão.

Pode atingir-te amanhã, hoje, daqui a uma hora. E se ainda te afundas no teu orgulho, és de lamentar,

porque serás digno de piedade!

Orgulhosos! Que éreis vós, antes de serdes ricos e poderosos? Talvez mais humildes que o último dos

marginais. Curvai as vossas frontes altivas, que Deus pode rebaixá-las no mesmo instante. Todos os seres

humanos são iguais na balança divina, somente as virtudes os distinguem aos olhos de Deus. Todos os

Espíritos são da mesma essência e todos os corpos foram feitos da mesma massa. Os vossos títulos e os

vossos nomes em nada os modificam, ficarão no túmulo. Não são eles que dão a felicidade prometida aos

eleitos, esses têm os seus títulos de nobreza na caridade e na humildade.

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Pobre criatura! És mãe e os teus filhos sofrem. Estão com frio. Têm fome. Vais, curvada sob o peso da

tua cruz, humilhas-te para conseguires uma esmola. Inclino-me diante de ti! Como és nobre, santa e grande

aos meus olhos! Espera e ora, a felicidade ainda não é deste mundo. Aos pobres oprimidos, que nele

confiam, Deus oferece o reino dos céus.

E tu, que és jovem, pobre criança devotada ao trabalho, às privações, porque tens esses tristes

pensamentos? Porque choras? Dirige a Deus, piedoso e sereno, o teu olhar, a Ele que dá o alimento às aves

do céu. Confia nele, que não te abandonará. O ruído das festas e dos prazeres mundanos faz bater o teu

coração. Querias também enfeitar de flores a fronte e misturar-te com os felizes da Terra. Pensas que

poderias, como as mulheres que vês passar, estouvadas e alegres, ser rica também. Se soubesses quantas

lágrimas e dores sem conta se escondem sob esses vestidos bordados, quantos soluços são abafados sob

o ruído dessa alegre orquestra, preferirias o teu humilde retiro e a tua pobreza. Conserva-te pura aos olhos

de Deus, se não queres que o teu anjo da guarda volte para ele, escondendo o rosto sob as asas brancas,

e te deixe com os teus remorsos, sem guia, sem apoio, neste mundo em que estarias perdida esperando a

punição no outro.

Todos vós que sofreis as injustiças dos homens, sede bondosos para as faltas dos vossos irmãos,

lembrando que vós mesmos não estais sem manchas. Isso é caridade, mas é também humildade. Se

suportais calúnias, curvai a fronte diante desta prova. Que vos importam as calúnias do mundo? Se a vossa

conduta é pura, Deus não pode recompensar-vos? Suportar corajosamente as humilhações dos homens é

ser humilde e reconhecer que só Deus é grande e todo-poderoso.

Meu Deus, será preciso que Jesus volte novamente à Terra para ensinar aos homens as tuas leis, que

eles esqueceram? Terá de novo que expulsar os vendilhões do templo, que conspurcam a tua casa que é

lugar de orações? Quem sabe, se Deus vos concedesse essa graça, se não o renegaríeis de novo, como

outrora, se não o acusaríeis de blasfemo, por vir abater o orgulho dos fariseus modernos. Talvez, mesmo,

se não o faríeis seguir de novo o caminho da cruz.

Quando Moisés subiu ao Monte Sinai, para receber os mandamentos da Lei de Deus, o povo de Israel,

entregue a si mesmo, esqueceu o verdadeiro Deus. Homens e mulheres entregaram o seu ouro e as suas

joias para ser feito um ídolo, que adoraram.

Oh criaturas ditas civilizadas, vós fazeis o mesmo. Jesus deixou-vos a sua mensagem, deu-vos o exemplo

de todas as virtudes, mas abandonastes o seu exemplo e os preceitos que vos entregou.

Cada um de vós, carregando as suas paixões, criou um deus de acordo com a sua vontade: para uns,

terrível e sanguinário, para outros, indiferente aos interesses do mundo. O deus que fizestes é ainda o

bezerro de ouro, que cada um apropria aos seus gostos e às suas ideias.

Despertai, meus irmãos, meus amigos! Que a voz dos Espíritos ecoe nos vossos corações. Sede

generosos e caridosos, sem ostentação, ou seja, fazei o bem com humildade. Que cada um derrube pouco

a pouco, os altares levantados ao orgulho. Sede verdadeiros cristãos e tereis o reino da verdade. Não

duvideis da bondade de Deus, quando ele vos envia tantas provas.

Viemos preparar o caminho para o cumprimento das profecias. Quando o Senhor vos der mais uma

manifestação da sua clemência, que o enviado celeste vos encontre reunidos numa grande família. Que os

vossos corações, mansos e humildes, sejam dignos de receber a palavra divina que ele virá trazer-vos. Que

o eleito só encontre no seu caminho as palmas aí depostas pelo vosso regresso ao bem, à caridade, à

fraternidade e então o vosso mundo se tornará o paraíso terreno

Se permanecerdes insensíveis à voz dos Espíritos enviados para purificar e renovar a vossa sociedade

civilizada, rica em conhecimentos e, contudo, tão pobre de bons sentimentos, nada mais nos restará do

que chorar pela vossa sorte. Mas assim não acontecerá.

Voltai-vos para Deus, vosso Pai, e então nós todos, que trabalhamos para o cumprimento da sua

vontade, entoaremos o cântico de ação de graças ao Senhor, para lhe agradecer a sua inesgotável bondade

e para o glorificar por todos os séculos dos séculos. Assim seja.

Espírito “Lacordaire”/Constantina, 1863 [14 - o “Bezerro de ouro”]

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12. Porque vos lamentais dos vossos azares, que vós mesmos semeastes, por terdes esquecido a divina

moral de Jesus? Não vos espanteis por as consequências dessa atitude, terem transbordado por toda a

parte. O mal-estar torna-se geral. Essas consequências devem-se a vós mesmos, pelos conflitos que travais

uns com os outros. Não podeis ser felizes sem benevolência mútua. E como pode a benevolência coexistir

com o orgulho, que é a fonte permanente dos vossos males? Ponde imediatamente o orgulho de lado se

não quiserdes perpetuar as suas funestas consequências. Há um único meio para isso, mas que é infalível:

tomai a lei de Jesus por regra invariável da vossa conduta, lei cuja interpretação haveis rejeitado ou

falseado.

Porque tendes em tão grande estima aquilo que brilha e encanta os olhos, em vez do que toca o

coração? Por que motivo os vícios do luxo e da vaidade são objeto da vossa admiração enquanto tendes

um olhar de desdém para o verdadeiro mérito que se oculta na humildade? Se um rico libertino, perdido

de corpo e alma se apresentar em qualquer lugar, todas as portas lhe são abertas, todas as atenções lhe

são dispensadas; enquanto a uma pessoa de bem, que vive do seu trabalho, mal se dignam cumprimentá-

la, como quem faz um favor.

Quando a consideração que se dá às pessoas é medida pelo dinheiro que possuem, ou pelo nome que

ostentam, que interesse podem ter em corrigir os seus defeitos? Dar-se-ia o inverso se o vício luxuoso fosse

fustigado pela opinião pública como o é o vício andrajoso.

O orgulho é alimentado por todas as atitudes do elogio fútil. Século de ganância e de dinheiro, dizeis

vós. Sem dúvida, mas porque deixastes que as necessidades materiais se sobrepusessem ao bom senso e

à razão? Por que motivo todos querem passar por cima dos outros? A sociedade sofre as consequências

disso.

Não esqueçais que um tal estado de coisas é sempre o sinal de decadência moral. Quando o orgulho

atinge o seu extremo, é sinal de uma queda próxima, pois Deus pune os soberbos. Se às vezes os deixa

subir, fica à espera que reflitam e que se emendem, sob os golpes que, de tempos a tempos lhes desfere,

para os advertir. Contudo, em vez de se humildarem, eles revoltam-se. Então, quando a medida está cheia,

Deus derruba-os de repente e a queda é tanto mais terrível quanto mais alto tiverem subido.

Pobres seres humanos, cujos caminhos foram corrompidos pelo egoísmo, tende coragem, apesar disso!

Na sua infinita misericórdia Deus envia-te um poderoso remédio para os teus males, um socorro inesperado

para a tua infelicidade. Abre os olhos à luz. As almas dos que já se foram vêm recordar-te os teus

verdadeiros deveres. Elas te explicarão, com a autoridade da experiência, quanto as vaidades e as

grandezas da vossa passageira existência são muito pouco diante da eternidade. Dir-te-ão que, no mundo

dos Espíritos, será maior o que foi o mais humilde entre os pequenos deste mundo. Dir-te-ão que o que

mais amou os seus irmãos será o mais amado no Céu. Dir-te-ão que os poderosos da Terra, se abusaram

da autoridade, serão obrigados a obedecer aos seus mais humildes servidores. Dir-te-ão, enfim, que a

caridade e a humildade, essas duas irmãs que se dão as mãos, são os títulos mais eficazes para se obter a

graça diante do Eterno.

Espírito “Adolfo”/ Marmande, 1862

Missão dos inteligentes na Terra

13. Não sejais vaidosos pelo que sabeis, porque o saber, neste planeta, é sempre modesto. Mesmo

supondo que sejais uma das sumidades, nada tendes de que envaidecer-vos. Se Deus vos fez nascer num

meio social favorável à educação, onde pudestes desenvolver a cultura, foi para que fosse usada por vós

em benefício de todos.

Foi uma missão que vos deu, fornecendo-vos o instrumento com o qual podeis desenvolver, em vosso

redor, as inteligências retardatárias e conduzi-las a Deus.

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A natureza do instrumento indica o uso que se deve fazer dele. A enxada que o jardineiro põe nas mãos

do ajudante serve para cavar. Se ele, em vez de trabalhar, levantasse a enxada para ferir o chefe, seria

péssimo e deveria ser castigado.

É o que se passa com quem se serve da sua inteligência para destruir, entre os amigos e colegas, a ideia

de Deus e da Providência. É como agredir com a enxada que foi dada para cavar o jardim. Terá direito ao

salário, ou merece ser expulso? Não tenham dúvidas que será expulso, e arrastará vidas de sacrifício, até

que se curve diante daquele a quem tudo deve.

A inteligência é rica em méritos para o futuro, mas na condição de ser bem empregada. Se todos os

bem-dotados se servissem dela segundo os desígnios de Deus, seria fácil, para os Espíritos, a tarefa de

fazerem progredir a Humanidade. Muitos, infelizmente, transformaram-na num instrumento de orgulho e

de perdição para si mesmos.

O indivíduo abusa da sua inteligência, como de todas as suas outras faculdades e, no entanto, não lhe

faltam lições advertindo-o de que uma mão poderosa pode retirar-lhe o que ela mesma lhe concedeu.

Ferdinando / Espírito protetor, Bordéus, 1862

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CAPÍTULO VIII - BEM-AVENTURADOS OS PUROS DE CORAÇÃO

Deixai vir a mim os pequeninos

1. Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus. (Mateus, 5: 8).

2. E traziam-lhe crianças para que lhes tocasse, mas os discípulos repreendiam os que lhas traziam.

Jesus, porém, vendo isso, indignou-se e disse-lhes: Deixai vir a mim os pequeninos porque deles é o Reino

dos Céus. Em verdade vos digo que qualquer que não receber o Reino de Deus como uma criança de maneira

nenhuma entrará nele. E, tomando-as nos seus braços e impondo-lhes as mãos, abençoou-as. (Marcos, 10:

13-16).

2. 3. A pureza de coração é inseparável da simplicidade e da humildade, e exclui qualquer pensamento

de egoísmo e de orgulho. Por isso Jesus toma a infância como símbolo dessa pureza, como já a tomara

como símbolo da humildade.

3. Esta comparação poderia parecer menos justa, se considerarmos que o Espírito da criança pode ser

muito antigo e traz ao renascer na vida corporal as imperfeições que não tenha abandonado nas existências

anteriores. Só um Espírito que tivesse chegado à perfeição poderia dar-nos o modelo da verdadeira pureza.

No entanto, ela é exata do ponto de vista da vida presente. Porque a criança, não tendo ainda podido

manifestar nenhuma tendência perversa, oferece-nos a imagem da inocência e da candura.

Aliás, Jesus não diz que o Reino Deus é para elas, mas para aqueles que se lhes assemelham.

4. Se o Espírito da criança já viveu, porque não se mostra, ao nascer, como ele é? Tudo é sábio nas

obras de Deus. A criança precisa de cuidados delicados, que só a ternura materna lhe pode dispensar, e

essa ternura aumenta diante da fragilidade e da ingenuidade da criança.

Para a mãe, o seu filho é sempre um anjo e era necessário que assim fosse, para cativar a sua solicitude.

Não podia tratá-lo com o mesmo encantamento se, em vez da graça ingénua, encontrasse nele, sob os

traços infantis, um caráter viril e as ideias de um adulto, e menos ainda, se conhecesse o seu passado.

É necessário que a atividade do princípio inteligente seja proporcional à fragilidade do corpo, que não

poderia resistir a uma atividade excessiva do Espírito, como verificamos nas crianças precoces.

É por isso que, ao aproximar-se a encarnação, o Espirito começa a perturbar-se e perde pouco a pouco

a consciência de si mesmo. Durante um certo tempo permanece numa espécie de sono durante o qual

todas as suas faculdades estão em estado latente.

Esse estado transitório é necessário, para dar ao Espírito um novo ponto de partida e fazê-lo esquecer,

na nova existência terrena, tudo o que possa servir-lhe de estorvo. O passado, no entanto, reage sobre ele.

É assim que o Espírito renasce melhor, mais forte moral e intelectualmente, sustentado e secundado pela

intuição que conserva da experiência adquirida.

A partir do nascimento, as suas ideias retomam gradualmente a sua expressão, à medida que os órgãos

se desenvolvem. Assim, pode-se dizer que, nos primeiros anos, o Espírito é realmente criança, porque as

ideias que formam o fundo do seu caráter estão ainda adormecidas. Durante o tempo em que os seus

instintos dormem, é mais dócil, e por isso mesmo mais acessível às impressões que podem modificar a sua

natureza e fazê-la progredir, o que torna mais fácil a tarefa que incumbe aos pais.

O Espírito reveste, pois, por algum tempo, a roupagem da inocência, e Jesus está com a verdade,

quando, apesar da anterioridade da alma, toma a criança como símbolo da pureza e da simplicidade.

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Pecado por pensamento. Adultério

5. Ouviste o que foi dito aos antigos: Não cometerás adultério. Eu, porém, vos digo, que todo o que

olhar para uma mulher, cobiçando-a, já no seu coração cometeu adultério com ela. (Mateus, 5: 27-28).

6. A palavra adultério não deve ser aqui entendida no sentido exclusivo da sua aceção própria, mas

com sentido mais geral. Jesus empregou-a frequentemente por extensão, para designar o mal, o pecado e

todos os maus pensamentos, como, por exemplo, nesta passagem:

"Porque, se nesta geração adúltera e pecadora alguém se envergonhar de mim e das minhas palavras,

também o Filho do Homem se envergonhará dele, quando vier na glória de seu Pai, acompanhado dos

santos anjos". (Marcos, 8: 38).

A verdadeira pureza não está apenas nos atos, mas também no pensamento, pois aquele que tem o

coração puro nem sequer pensa no mal. Foi isso que Jesus quis dizer, condenando o pecado, mesmo em

pensamento, porque é um sinal de impureza.

7. Este princípio leva-nos naturalmente a esta questão: sofrem-se as consequências de um mau

pensamento que não se concretizou?

Há aqui uma diferença importante a estabelecer. À medida que a alma, que enveredou por maus

caminhos, avança na vida espiritual, vai-se esclarecendo e libertando das suas imperfeições, conforme o

uso que vai fazendo da sua boa vontade, em consequência do seu livre-arbítrio.

Os maus pensamentos resultam das imperfeições da alma. De acordo com o desejo de se purificar, até

os maus pensamentos se tornam motivo de progresso, pela vontade que coloca em libertar-se deles com

energia. São sombras que se esforça por apagar, ganhando forças para não ceder às oportunidades de

satisfazer maus desejos. O bom êxito dessas atitudes deixá-la-á mais forte e contente com a sua vitória.

As pessoas que não tomarem as boas resoluções e continuam a procurar as oportunidades negativas,

se elas não surgirem, não as concretizam. Mas não será por não quererem, mas apenas porque não

surgiram as ocasiões. Nesse caso são tão culpadas como se as tivesse praticado.

Em resumo: a pessoa que nem sequer concebe o mau pensamento, já realizou o progresso.

Aquela que ainda tem esse pensamento, mas que o repele, está em vias de realizá-lo.

Aquela que tem esse pensamento e procura realizá-lo, ainda está plenamente sujeita à influência do

mal. Numa, o trabalho está feito, nas noutras, está por fazer. Deus, que é justo, leva em conta todas essas

diferenças, na responsabilidade dos atos e dos pensamentos das almas.

Verdadeira pureza. Mãos não lavadas

8. Então chegaram a ele uns escribas e fariseus de Jerusalém, dizendo: Porque violam os teus discípulos

a tradição dos antigos, pois não lavam as mãos quando comem o pão? E ele, respondendo, disse-lhes: E vós

também, porque transgredis o mandamento de Deus, por vossa tradição? Porque Deus disse: Honra teu pai

e tua mãe, quem amaldiçoar o seu pai ou a sua mãe, certamente morrerá. Mas vós dizeis: qualquer que

disser ao pai ou à mãe: É oferta ao Senhor o que poderias aproveitar de mim, esse não precisa honrar nem

a seu pai nem a sua mãe. E assim invalidastes, pela vossa tradição, o mandamento de Deus. Hipócritas,

bem profetizou Isaías a vosso respeito, dizendo: Este povo honra-me com os seus lábios, mas o seu coração

está longe de mim. Mas em vão me adoram, ensinando doutrinas que são preceitos dos homens. E,

chamando a si a multidão, disse-lhes: Ouvi e entendei: o que contamina não é o que entra na boca, mas o

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que sai da boca, isso é o que contamina. Então, acercando-se dele os seus discípulos, disseram-lhe: Sabes

que os fariseus, ouvindo essas palavras, se escandalizaram? Ele, porém, respondendo, disse: Toda a planta

que meu Pai celestial não plantou será arrancada. Deixai-os, são condutores cegos; ora, se um cego guiar

outro cego, ambos cairão na cova.

E Pedro, tomando a palavra, disse-lhe: Explica-nos essa parábola. Jesus, porém, disse: Até vós mesmos

estais ainda sem entender? Não compreendeis que tudo o que entra pela boca desce para o ventre e é

lançado fora? Mas o que sai da boca procede do coração, e isso contamina outros, porque do coração é

que procedem os maus pensamentos, os homicídios, os adultérios, a prostituição, os furtos, os falsos

testemunhos e as blasfémias. São essas coisas que contaminam. Mas comer sem lavar as mãos, isso não

contamina ninguém. (Mateus, 15: 1-20).

9. E ainda Jesus estava falando, pediu-lhe um fariseu que fosse jantar com ele, e entrando, sentou-se à

mesa. E o fariseu admirou-se, vendo que se não lavara antes do jantar. E o Senhor lhe disse: Vós, os fariseus,

limpais o exterior do copo e do prato, mas o vosso interior está cheio de rapina e de maldade. Loucos! O

que fez o exterior não fez também o interior? (Lucas, 11: 37-40).

10. Os Judeus tinham descuidado a prática dos verdadeiros mandamentos de Deus, seguindo as leis

ditadas pela hierarquia religiosa, das quais os rígidos apoiantes faziam casos de consciência. O fundo muito

simples das verdadeiras leis de Deus acabara por desaparecer sob os formalismos oficiais.

Como era mais fácil observar a prática dos atos exteriores do que melhorar a atitude moral, como era

mais fácil lavar as mãos do que limpar o coração, os homens iludiam-se a si mesmos, acreditando-se

cumpridores da lei de Deus, porque se conformavam a essas práticas e continuavam como eram, sem se

modificarem, porque lhes ensinavam que Deus não exigia outra coisa.

Daí, as palavras ditas pelo profeta: "É em vão que esse povo me honra por palavras, ensinando regras e

práticas dos homens".

Assim também aconteceu com a doutrina moral de Jesus, que acabou por ser deixada em segundo

plano, o que faz com que muitos cristãos, à semelhança dos antigos judeus, julguem a sua salvação mais

garantida pelas práticas exteriores do que pelas da moral.

Foi a respeito destas adaptações que os governantes e sacerdotes fizeram à lei de Deus, que Jesus se

referiu ao dizer: "Toda a planta que o meu Pai celeste não plantou, será arrancada".

A finalidade da religião é conduzir as almas a Deus, e isso só acontece quando alcançarem a perfeição.

Portanto, a religião que não contribui para o aperfeiçoamento das almas não atinge a sua finalidade.

As religiões que são usadas para justificar as más atitudes, são falsas ou foram falsificadas nos seus

princípios. Esse é o resultado a que chegam todas as religiões em que a forma supera o conteúdo.

A crença na eficácia dos símbolos exteriores é nula quando não impede de cometer assassínios,

adultérios, espoliações, lançar calúnias e fazer mal ao próximo, qualquer que seja. Faz supersticiosos,

hipócritas ou fanáticos, mas não faz homens de bem.

Não é suficiente ter as aparências da pureza, é necessário antes de tudo ter “pureza de coração”.

Escândalos. Se a vossa mão é motivo de escândalo, cortai-a

11. Mas qualquer que escandalizar um destes pequeninos que creem em mim, melhor lhe fora que se

lhe pendurasse ao pescoço uma mó de azenha, e se submergisse na profundeza do mar. Ai do mundo, por

causa dos escândalos.

Porque é mister que venham escândalos, mas ai daquele por quem o escândalo vem!

Portanto, se a tua mão ou o teu pé te escandalizar, corta-o e atira-o para longe de ti; melhor te é entrar

na vida coxo ou aleijado do que, tendo duas mãos e dois pés, seres lançado no fogo eterno.

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E se o teu olho te escandalizar, arranca-o, e atira-o para longe de ti. Melhor te é entrar na vida com um

só olho do que, tendo dois olhos, seres lançado no fogo do inferno.

Vede, não desprezeis algum destes pequeninos, porque eu vos digo que os seus Anjos nos Céus sempre

vêem a face de meu Pai que está nos Céus. Porque o Filho do Homem veio salvar o que se tinha perdido.

(Mateus, 18: 6-11)

[ 15 - A palavra escândalo]

12. No seu sentido comum, o escândalo é tudo aquilo que choca a moral ou as conveniências, de forma

ostensiva. O escândalo não está na ação em si mesma, mas nas suas consequências. A palavra escândalo

implica sempre uma ideia de efeito notório.

Muitas pessoas procuram evitar o escândalo, porque o seu amor-próprio e a opinião social a seu

respeito sofreriam com isso. Basta-lhes que sejam ignorados os seus casos polémicos e a sua consciência

fica tranquila. Estes são, segundo as palavras de Jesus: "sepulcros caiados por fora, mas cheios de podridão

por dentro; vasos limpos por fora, mas sujos por dentro".

No sentido evangélico, o significado da palavra escândalo, tão frequentemente empregada, é muito

mais amplo, motivo porque não é compreendida em certos casos.

Escândalo não é somente o que choca a consciência alheia, mas tudo o que resulta dos vícios e das

imperfeições humanas, todas as más ações de indivíduo para indivíduo, com ou sem repercussões. O

escândalo, nesse caso, é o resultado efetivo do mal moral.

13. “É necessário que aconteçam escândalos no mundo”, disse Jesus, porque os seres humanos, sendo

ainda imperfeitos, têm inclinação para o mal e porque as más árvores dão maus frutos.

Devemos entender, por essas palavras, que o mal é uma consequência da imperfeição humana, e não

que os homens tenham obrigação de o praticar.

14. “É necessário que o escândalo aconteça” para que os que estão em expiação na Terra se punam a si

mesmos pelo contacto com os seus próprios vícios, dos quais são as primeiras vítimas e cujos

inconvenientes acabam por compreender. Depois de cansados do mal, procurarão o remédio no bem.

A reação a esses vícios serve, ao mesmo tempo, de castigo para uns e de prova para outros. É assim que

Deus faz com que o bem resulte do mal, isto é, que as pessoas aprendam com o que é mau.

15. Se assim é, pode pensar-se que o mal é necessário e durará sempre. Se deixasse de existir o mal

Deus ficaria privado de um poderoso meio de punir os culpados que, deixando de existir, tornariam

desnecessários os castigos.

Suponhamos a Humanidade transformada em pessoas de bem, ninguém procurando fazer mal ao

próximo, sendo todos felizes, por serem todos bons. Esse é o estado dos mundos evoluídos, dos quais o

mal foi afastado. Tal será o estado da Terra, quando tiver progredido o suficiente.

Mas enquanto certos mundos avançam, porém, outros se formam, povoados por Espíritos primitivos,

que irão servir de morada, de exílio e de lugar de expiação para os Espíritos imperfeitos, rebeldes,

transferidos dos mundos que se tornaram felizes.

16. “Ai daquele por quem vem o escândalo”: O mal é sempre o mal, mas a pessoa cujos maus instintos

serviram, mesmo sem conhecimento disso, de instrumento para a justiça divina, nem por isso deixou de

fazer o mal e deve ser punido. É assim, por exemplo, que um filho ingrato é uma punição ou uma prova

para o pai que sofre com o seu comportamento, porque esse pai talvez tenha sido um mau filho, que fez

sofrer o seu pai e agora sofre a pena de talião.

O filho, entretanto, não terá desculpas por isso, e deverá ser castigado por sua vez, através dos seus

próprios filhos ou de outro modo qualquer.

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17. “Se a tua mão é causa de escândalo, corta-a”: figura enérgica, que seria absurdo levar à letra, e que

significa simplesmente a necessidade de destruirmos em nós todas as causas de escândalo, ou seja, do mal. É necessário arrancar do coração todos os sentimentos impuros e todas as tendências perversas. Quer

dizer ainda que é preferível mandar cortar uma das mãos, do que servir-se dela para praticar um crime; ou ser privado da vista, se os olhos forem a causa de maus pensamentos.

Jesus nada disse de absurdo, para quem souber compreender o sentido alegórico e profundo das suas

palavras. Mas há na mensagem evangélica muitas coisas difíceis ou impossíveis de compreender.

Para isso torna-se importante e fundamental a interpretação oferecida pelo ensino dos Espíritos, que

nos é oferecido pelo estudo dedicado e atento de todas as obras fundamentais do espiritismo,

nomeadamente do livro que estais a ler e que se chama “O Evangelho segundo o Espiritismo”.

INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS

Deixai vir a mim os pequeninos

18. Jesus disse: "Deixai vir a mim os pequeninos". Essas palavras, profundas na sua simplicidade, não

transportam consigo apenas o chamamento das crianças, mas também o das almas que gravitam nos

círculos inferiores, onde a infelicidade ignora a esperança.

Jesus chamava a si os que representam a infância intelectual das criaturas: os fracos, os escravos, os

impuros. Jesus nada podia ensinar à infância natural, integrada na matéria, submetida ao jugo dos instintos

e não pertencente ainda à categoria superior da razão e da vontade, que se exercem em torno dela e para

ela.

Jesus queria que essa gente à qual se dirigia se encaminhassem para ele com a mesma confiança desses

pequenos seres de passos vacilantes, cujo chamamento conquista o coração das mulheres, que são todas

mães. Jesus submetia assim as almas à sua terna e misteriosa autoridade.

Jesus foi a chama que ilumina as trevas, o clarim matinal que tocou a alvorada. Foi o iniciador do

espiritismo, que deve chamar a si, não as crianças, mas os homens de boa vontade.

A ação enérgica está mobilizada. Já não se trata de acreditar instintivamente e obedecer

mecanicamente, é necessário que a Humanidade siga a lei inteligente que lhe revela a sua universalidade.

Meus bem-amados, estamos na altura em que a verdade é formada pelos erros esclarecidos; nós vos

ensinaremos o verdadeiro sentido das parábolas e nós vos mostraremos a correlação poderosa que liga o

que foi ao que é.

Digo-vos em verdade: a manifestação espírita ergue-se no horizonte e aqui está o seu enviado, que vai

resplandecer como o sol no cimo das montanhas.

“Espírito” João, Paris, 1863

19. Deixai vir a mim os pequeninos, porque tenho o leite que fortalece os fracos. Deixai vir a mim os que,

amedrontados e débeis, necessitam de amparo e consolo. Deixai vir a mim os ignorantes, para que eu os

ilumine. Deixai vir a mim todos os que sofrem, a multidão dos aflitos e dos infelizes, e dar-lhes-ei o grande

remédio para os males da vida, revelar-lhes-ei o segredo da cura das suas feridas!

Quais são os poderosos remédios que curam todas as penas do coração? São o amor e a caridade!

Quem tiver essa ajuda divina, nada tem que temer, e pode dizer a cada instante:

− Meu Pai, seja feita a vossa vontade e não a minha! Se quiserdes experimentar-me pela dor e pelos

sacrifícios, bendito sejais, porque sei que é para o meu bem que a vossa mão cai sobre mim. Se quiserdes

Senhor, apiedar-vos desta frágil criatura, dar ao seu coração as alegrias permitidas, bendito sejais também!

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Mas fazei com que o amor divino não adormeça na sua alma e que incessantemente suba aos vossos pés

a sua prece de reconhecimento!...

Se tiverdes amor, tendes tudo o que mais se pode desejar na Terra, pois tereis a pérola sublime que

nada nem ninguém pode tirar-nos. Se tiverdes amor, tereis colocado o vosso tesouro onde nem a traça

nem a ferrugem o podem devorar, e vereis apagar-se da vossa alma, suavemente, tudo o que lhe possa

manchar a pureza.

Dia a dia sentireis o peso da matéria tornar-se mais leve. Como um pássaro que voa nos ares e já não

se lembra da Terra, subireis sempre, até que a vossa alma possa alimentar-se da verdadeira vida, no seio

do Senhor!

Um Espírito protetor / Bordéus, 1861.

Bem-aventurados os que têm os olhos fechados 5

20. Meus bons amigos, porque me chamaram? Para impor as mãos sobre esta pobre sofredora que está

aqui e que a cure? Que sofrimento, bom Deus! Perdeu a vista, e ficou a viver nas trevas. Pobre criança!

Que ore e espere; eu não sei fazer milagres sem que Deus o queira.

Todas as curas que obtive, e que conheceis, são apenas devidas àquele que é o Pai de todos nós. Nas

vossas aflições voltai sempre os olhos para o céu, e dizei, do fundo do coração:

"Meu Pai, curai-me, mas fazei que a minha alma doente seja curada antes das enfermidades do corpo;

que a minha carne seja castigada, se necessário, para que a minha alma se eleve para vós com a brancura

que possuía quando a criaste".

Após esta prece, meus bons amigos, que o bom Deus ouvirá sem dúvida, ser-vos-ão dadas a força e a

coragem, e talvez também a cura que timidamente pedistes, como recompensa da vossa generosidade.

Visto que estou aqui numa assembleia cujo trabalho é, sobretudo, estudar, digo-vos que os que estão

privados da vista deviam considerar-se como os bem-aventurados da expiação. Lembrai-vos de que Jesus

disse que arrancásseis o vosso olho, se ele fosse mau, e que mais valeria lançá-lo no fogo do que ser ele a

causa da vossa perdição.

Quantos existem no mundo que um dia maldirão, nas trevas, por terem visto a luz! Como são felizes os

que, na expiação, foram punidos pela vista! Os seus olhos não serão causa de escândalo e de queda, e eles

podem viver inteiramente a vida das almas; podem ver mais do que vós que tendes boa visão.

Quando Deus me permite abrir as pálpebras de algum desses pobres sofredores e restituir-lhes a luz,

digo a mim mesmo: alma querida, porque não conheces todas as delícias do Espírito, que vive de

contemplação e de amor? Então não pediríeis para ver as imagens menos puras e menos suaves do que

aquelas que podes pressentir na tua cegueira.

Bem-aventurado o cego que quer viver com Deus! Mais feliz do que vós que estais aqui, sente a

felicidade, pode tocá-la; vê as almas e pode lançar-se com elas nas esferas espirituais, que nem mesmo os

predestinados da Terra conseguem entrever.

Os olhos abertos estão sempre prontos a fazer a alma cair. Os olhos fechados, pelo contrário, estão

sempre prontos a fazê-la subir até Deus. Acreditai, meus bons e queridos amigos, a cegueira dos olhos é

muitas vezes a verdadeira luz do coração, enquanto a vista é muitas vezes o anjo tenebroso que conduz à

morte.

E agora algumas palavras para ti, minha pobre sofredora: espera e tem coragem!

5 Nota de Kardec: Esta comunicação foi dada a propósito de uma pessoa cega, para a qual se tinha evocado o Espírito de J. B. VIANNEY, cura de Ars.

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Se eu te dissesse: Minha filha, os teus olhos vão abrir-se; como ficarias alegre! E quem sabe se essa

alegria não te perderia? Confia no bom Deus, que fez a felicidade e que permite a tristeza! Farei tudo o que

me for permitido em teu favor, mas ora, e sobretudo pensa em tudo o que acabo de te dizer.

Antes de me afastar, vós todos que estais aqui, recebei a minha bênção.

Espírito “Vianney” / Paris, 1863.

21. NOTA − Quando uma aflição não é a consequência dos atos da vida presente, é necessário procurar

a causa numa vida anterior. Aquilo a que chamam caprichos da sorte são efeitos da justiça de Deus, que

não aplica punições arbitrárias e quer que haja sempre uma relação lógica entre a falta e a respetiva pena.

Se, na sua bondade, lançou um véu sobre os nossos atos passados, aponta-nos o caminho, dizendo:

"Quem matou pela espada, pela espada morrerá". Podemos traduzir assim estas palavras: "Somos sempre

punidos naquilo em que pecamos".

Se alguém é atingido com a perda da visão, é porque a vista foi para ele a causa do mal. Ou pode ter

originado que outro perdesse a vista, ou que alguém tenha ficado cego em consequência do excesso de

trabalho que lhe impôs, ou de maus tratos, ou falta de cuidados, etc.

Nesse caso, sofre agora a pena de talião. Ele mesmo, no seu arrependimento, pode ter escolhido esta

expiação, aplicando a si mesmo estas palavras de Jesus: "Se o vosso olho for motivo de escândalo, arrancai-

o". (A.K.)

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CAPÍTULO IX ─ BEM-AVENTURADOS OS MANSOS E PACÍFICOS

Injúrias e violências

1. Bem-aventurados os mansos, porque eles possuirão a Terra. (Mateus, 5: 4).

2. Bem-aventurados os pacíficos, porque serão chamados filhos de Deus. (Mateus, 5: 9).

3. Ouvistes o que foi dito aos antigos: Não matarás, e quem matar será réu de juízo. Pois eu vos digo

que todo o que, sem motivo, se encolerizar contra o seu irmão, será réu de juízo; e o que disser “racca” a

seu irmão, será réu do Sinédrio; e o que o chamar de louco, será réu do fogo do inferno. (Mateus, 5: 21-22).

4. Por estes preceitos, Jesus estabeleceu como lei a doçura, a moderação, a mansidão, a afabilidade e

a paciência. Por consequência, condenou a violência, a cólera, e mesmo todas as expressões ofensivas para

com os semelhantes. “Racca” era, entre os hebreus, uma palavra desdenhosa que significava “aquele que

não vale nada”, e era pronunciada cuspindo e virando a cabeça para o lado. Jesus vai ainda mais longe, pois

ameaça com o fogo do inferno aquele que disser a seu irmão: “És louco”.

É evidente que nesta, como em qualquer outra circunstância, a intenção agrava ou atenua a falta. Mas

por que motivo uma simples palavra pode ter tamanha gravidade para merecer tão severa reprovação? É

porque toda a palavra ofensiva exprime um sentimento contrário à lei de amor e caridade que deve regular

as relações entre os homens e manter entre eles a união e a concórdia. É um atentado à benevolência

recíproca e à fraternidade, sustenta o ódio e a animosidade. Enfim, porque depois da humildade perante

Deus, a caridade para com o próximo é a primeira lei de todos os cristãos.

5. O que é que Jesus queria dizer por estas palavras: "Bem-aventurados os mansos, porque eles

possuirão a Terra", se pregava a renúncia aos bens terrenos e nos prometia os do Céu?

Enquanto espera os bens do Céu, o ser humano necessita dos bens da Terra para viver. Jesus só

recomendou que não se dê a estes últimos mais importância do que aos primeiros.

Por estas palavras, quis dizer que, até hoje, os bens da Terra foram apropriados pelos violentos em

prejuízo dos mansos e dos pacíficos e que estes passam frequentemente necessidades enquanto os outros

dispõem do supérfluo. Jesus prometeu que lhes será feita justiça assim na Terra como no Céu, porque eles

serão chamados filhos de Deus.

Quando a lei de amor e caridade for a lei da Humanidade deixará de haver egoísmo, o fraco e o pacífico

não serão explorados nem esmagados pelo forte e pelo violento. Será esse o estado da Terra, quando,

segundo a lei do progresso e a promessa de Jesus, ela se tenha tornado num mundo feliz, pela expulsão

dos maus.

[ 16 – o “fogo do Inferno” e a “expulsão dos maus” ]

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INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS

A afabilidade e a doçura

6. A benevolência para com os semelhantes, fruto do amor ao próximo, produz a afabilidade e a doçura,

que são a sua manifestação. No entanto, nem sempre podemos acreditar nas aparências, pois a educação

e a vida do mundo podem dar o verniz dessas qualidades. Quantos há, cuja fingida simpatia é apenas uma

máscara para uso externo, uma roupa cujo corte bem calculado dissimula as deformidades ocultas! O

mundo está cheio dessas pessoas que trazem o sorriso nos lábios e o veneno no coração, que são doces,

desde que ninguém as moleste, mas que mordem à menor contrariedade; cuja língua dourada quando falam

pela frente, se transforma em dardo venenoso quando falam por detrás das costas.

A essa classe pertencem ainda esses homens que são benignos fora de casa, mas tiranos domésticos

que fazem a família e os seus subordinados suportarem o peso do seu orgulho e do seu despotismo. Parece

que querem compensar o constrangimento a que se submetem fora de casa, não ousando impor a sua

autoridade aos estranhos, que os colocariam no seu lugar. Querem pelo menos ser temidos pelos que não

podem resistir-lhes. A sua vaidade satisfaz-se ao poderem dizer: "Aqui quem manda sou eu e obedecem-

me", sem pensar que poderiam acrescentar, com mais razão: "E ninguém gosta de mim".

Não basta que as palavras sejam doces. Se o coração nada tem a ver com isso, é hipocrisia. Aquele cuja

afabilidade e doçura não são fingidas, nunca se desmente. Tem a mesma atitude quer para os estranhos

quer na intimidade. Sabe que, se é possível enganar os homens pelas aparências, não se pode enganar a

Deus.

Espírito “Lázaro” / Paris, 1861

A paciência

7. A dor é uma bênção que Deus envia aos seus eleitos. Não vos aflijais quando sofrerdes, mas, pelo

contrário, bendizei a Deus todo poderoso, que vos marcou com a dor neste mundo, para a glória no céu.

Sede pacientes. A paciência é também caridade e deveis praticar a lei de caridade ensinada por Jesus,

enviado de Deus. A caridade que consiste em dar esmolas aos pobres é a mais fácil de todas. Mas há uma

bem mais penosa, e consequentemente bem mais meritória, que é a de perdoar os que Deus colocou no

nosso caminho para serem os instrumentos dos nossos sofrimentos e pôr à prova a nossa paciência.

A vida é difícil, bem o sei, é formada por mil “nadas” que são como picadas de alfinetes e acabam por

nos ferir. É necessário olhar para os deveres que nos são impostos e para as consolações e compensações

que recebemos, e então veremos que as bênçãos são mais numerosas que as dores. O fardo parece mais

leve quando olhamos para o alto do que quando curvamos a fronte para a terra.

Coragem, amigos, Jesus é o vosso modelo. Sofreu mais do que qualquer um de vós, e nada tinha de que

se penitenciar, enquanto vós tendes que expiar o vosso passado e fortalecer-vos para o futuro. Sede, pois,

pacientes. Sede cristãos: esta palavra resume tudo.

Um Espírito amigo / Le Havre, 1862

Obediência e resignação

8. A doutrina de Jesus ensina sempre a obediência e a resignação, duas virtudes companheiras da

doçura, muito ativas, embora os homens as confundam erradamente com a negação do sentimento e da

vontade.

A obediência é o consentimento da razão, enquanto a resignação é o consentimento do coração.

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Ambas são forças ativas, porque levam o fardo das provas que a revolta insensata deixa cair. O cobarde

não pode ser resignado, assim como o orgulhoso e o egoísta não podem ser obedientes.

Jesus foi a encarnação dessas virtudes desprezadas pelo materialismo do seu tempo. Chegou no

momento em que a sociedade romana perecia nas fraquezas da corrupção e veio fazer brilhar, no seio da

Humanidade deprimida, o triunfo do sacrifício e da renúncia carnal.

Cada época é marcada pelo cunho da virtude ou do vício que a devem salvar ou perder. A virtude da

vossa geração é a atividade intelectual, o seu vício é a indiferença moral.

Digo, unicamente, atividade, porque o génio eleva-se de repente e descobre por si só, os horizontes

que a multidão apenas verá depois dele; enquanto a atividade geral é a reunião dos esforços de todos para

atingir um alvo menos brilhante, mas que prova a elevação intelectual de uma época.

Sigam o impulso que viemos dar aos vossos Espíritos. Obedeçam à grande lei do progresso, que é a

palavra da vossa geração. Infeliz o Espírito preguiçoso que fecha o seu entendimento! Infeliz, porque nós,

os guias da Humanidade em marcha, iremos chicoteá-lo, forçando a sua vontade rebelde no duplo esforço

do freio e da espora. Toda a resistência orgulhosa deverá, mais cedo ou mais tarde, ser vencida. Mas bem-

aventurados os mansos, porque darão ouvidos dóceis aos ensinamentos.

Espírito “Lázaro” / Paris, 1863

A cólera

9. O orgulho leva-vos a acreditar que sois mais do que realmente sois e a não suportar uma comparação

que vos rebaixe perante os vossos irmãos, quer como Espíritos, quer na posição social ou nas vantagens

pessoais. A mínima comparação vos irrita e oprime, e por isso vos encolerizais.

Procurai a origem desses acessos de demência passageira que vos aproximam da animalidade, fazendo-

vos perder o sangue-frio e a razão. Procurai e encontrareis quase sempre o orgulho ferido que vos faz

repelir as observações justas e rejeitar os mais sábios conselhos.

As próprias impaciências, que causam contrariedades muitas vezes pueris, derivam da excessiva

importância pessoal que assumis, julgando que todos devem inclinar-se perante ela.

No seu frenesim, o colérico atira-se contra tudo: à natureza bruta, aos objetos inanimados que

despedaça por não lhe obedecerem. Ah! Se nesses momentos pudesse observar-se a sangue frio teria

medo de si mesmo ou achar-se-ia bem ridículo! Que avalie por isso a impressão que deve causar nos outros.

Ao menos que fosse por respeito por si mesmo, deveria esforçar-se para vencer essa tendência que faz de

si motivo de dó.

Se ao menos pensasse que a cólera nada resolve, faz mal à saúde e pode comprometer até a sua própria

vida, veria que é ele mesmo a sua primeira vítima.

Mas outra consideração deveria sobretudo detê-lo: o pensamento de que torna infelizes todos os que

o rodeiam. Se tem coração, sentirá remorsos por fazer sofrer as pessoas que mais ama. Se, num acesso de

fúria, cometesse um ato de que tivesse de arrepender-se por toda a vida, passaria por um desgosto mortal.

Em suma: a cólera não exclui certas qualidades do coração, mas impede que se faça muito bem e pode

levar a que se faça muito mal. Isso deve ser o suficiente para estimular esforços no sentido de a dominar.

O espírita, além disso, é solicitado por outro motivo: o de ser contrária à caridade e à humildade cristãs.

Um Espírito protetor / Bordéus, 1863

10. Segundo a ideia muito falsa de que lhe é impossível modificar a sua natureza, o ser humano julga-se

dispensado de fazer esforços para corrigir as más tendências que, no fundo, lhe agradam, ou que exigiriam

muita perseverança. É assim que o colérico quase sempre se desculpa com o seu temperamento. Em vez

de se considerar culpado, atribui a culpa ao seu organismo, acusando assim Deus pelos seus próprios

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defeitos. É ainda uma consequência do orgulho, que se encontra misturado com todas as suas

imperfeições.

Sem dúvida que há temperamentos que se prestam, mais do que outros, a atos violentos, como existem

músculos mais elásticos que melhor se prestam a esforços físicos. Porém, não é essa a causa fundamental

da cólera. Um Espírito pacífico, mesmo num corpo bilioso, será sempre pacífico. Por outro lado, um Espírito

violento, num corpo linfático, não seria mais dócil por isso. Somente a violência tomará outra característica:

não dispondo de um organismo apropriado à sua manifestação, a cólera será concentrada, enquanto no

outro caso, será expansiva.

O corpo não dá impulsos de cólera a quem não os tem, com não dá outros vícios. Todas as virtudes e

todos os vícios são inerentes ao Espírito. Se assim não fosse, onde estariam o mérito e a responsabilidade?

A pessoa que é deformada não pode tornar-se escorreita, porque o Espírito nada tem a ver com isso,

mas pode modificar o que se relaciona com o Espírito, quando dispõe de uma vontade firme.

A experiência dá provas aos espíritas de até onde pode ir o poder da vontade pelas transformações

verdadeiramente miraculosas que acontecem a olhos vistos. Portanto, só se mantêm imorais as pessoas

que querem permanecer imorais, mas aquelas que desejam corrigir-se sempre poderão fazê-lo. Se assim

não fosse a lei do progresso não existiria.

Espírito “Hahnemann” / Paris, 1863

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CAPÍTULO X - BEM-AVENTURADOS OS MISERICORDIOSOS

Perdoai para que Deus vos perdoe

1. Bem-aventurados os misericordiosos porque eles alcançarão misericórdia. (Mateus, 5:7).

2. Se perdoardes aos homens as ofensas que vos fazem, também vosso Pai celestial vos perdoará as

vossas ofensas. Mas se não perdoardes aos homens as suas ofensas, tampouco vosso Pai vos perdoará as

vossas (Mateus, 6: 14-15).

3. Se teu irmão pecar contra ti, vai e corrige-o, entre ti e ele somente; se te ouvir, ganhaste o teu irmão.

Então, chegando-se Pedro a ele, perguntou: Senhor, quantas vezes poderá pecar meu irmão contra mim,

para que eu lhe perdoe? Será até sete vezes? Respondeu-lhe Jesus: Não te digo que até sete vezes, mas até

setenta vezes sete. (Mateus, 18: 15, 21- 22).

4. A misericórdia é o complemento da bondade, porque os que não são misericordiosos não podem

ser bondosos nem pacíficos. A misericórdia consiste no esquecimento e no perdão das ofensas. O ódio e o

rancor são próprios de almas sem elevação nem grandeza. O esquecimento das ofensas é próprio das almas

elevadas, que estão acima do mal que lhe quiserem fazer. Umas estão sempre ansiosas e amarguradas; as

outras são calmas e caridosas.

Infeliz de quem diz: nunca perdoarei. Se não for condenado pelos homens, sê-lo-á por Deus. Com que

direito pedirá perdão das suas faltas, se não perdoa as dos outros? Jesus ensina-nos que a misericórdia não

deve ter limites, quando diz que se deve perdoar ao irmão, não sete vezes, mas setenta vezes sete.

Há duas maneiras muito diferentes de perdoar. Uma grande e nobre, generosa e sem segunda intenção,

delicada e sensível para o adversário, mesmo quando a culpa foi toda dele. A outra é quando o ofendido,

ou que julga sê-lo, impõe condições humilhantes, e faz sentir todo o peso de um perdão que irrita em vez

de acalmar. Se estende a mão, não é por benevolência, mas por ostentação, a fim de poder dizer: vejam

como sou generoso.

Nessas circunstâncias, é impossível que a reconciliação seja sincera, de ambos os lados. Não é

generosidade, mas só uma maneira de satisfazer o orgulho. Em todos os conflitos, aquele que se mostra

mais pacífico, mais desinteressado e caridoso, conquistará sempre a simpatia das pessoas imparciais.

Reconciliar-se com os adversários

5. Reconcilia-te sem demora com o teu adversário, enquanto estás no caminho com ele, para que não

suceda que ele te entregue ao juiz e que o juiz te entregue ao oficial e te encerrem na prisão. Em verdade te

digo, que não sairás de lá enquanto não pagares o último ceitil. (Mateus, 5:25-26).

6. Há na prática do perdão e do bem, mais que um efeito moral, há também um efeito material. A

morte não nos livra dos nossos inimigos. Os Espíritos vingativos perseguem, além da sepultura, aqueles

que continuam a ser objeto do seu rancor.

Daí ser falso o provérbio: "Morto o animal, morto o veneno", quando aplicado ao ser humano.

O Espírito mau espera que venham de novo à vida aqueles a quem deseja o mal, para os atormentarem

mais facilmente, atingindo-os nos seus interesses ou naquilo que mais amam. Essa é a causa principal dos

casos de obsessão, sobretudo os mais graves, como a subjugação e a possessão. Os obsidiados e os

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possessos são quase sempre vítimas de uma vingança, cujo motivo se encontra em existências anteriores,

a que provavelmente deram motivo pela sua conduta.

Deus permite essa situação para os punir do mal que fizeram, ou, se não o fizeram, por faltas de

bondade, caridade ou perdão.

Tendo em vista a tranquilidade futura de cada um de nós, devem reparar-se o mais cedo possível os

males que se tenham praticado em relação ao próximo e perdoar aos inimigos, de forma a remediar, antes

da morte, todos os motivos de desavença, evitando as causas graves de obsessões futuras.

Por este meio, pode fazer-se de um inimigo neste mundo, um amigo no outro ou, pelo menos, ficar com

a razão do seu lado. Deus não deixa ao sabor da vingança aquele que souber perdoar.

Se Jesus recomenda a reconciliação o mais cedo possível com os nossos adversários, é para evitar as

discórdias nesta vida mas, também para evitar que elas passem para existências futuras.

“Não sairás da prisão enquanto não pagares o último ceitil”, quer dizer, até que a justiça divina esteja

completamente feita.

O sacrifício mais agradável a Deus

7. Se trouxeres a tua oferta ao altar, e aí te lembrares que o teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa

ali a tua oferta diante do altar e vai reconciliar-te primeiro com o teu irmão, e depois vem e apresenta a tua

oferta. (Mateus, 5: 23-24).

8. Quando Jesus disse: "Vai reconciliar-te primeiro com o teu irmão, e depois vem e apresenta a tua

oferta no altar", ensinou que o sacrifício mais agradável ao Senhor é o que é feito dos seus próprios

rancores. Ensinou que antes de alguém se apresentar diante dele para ser perdoado, é necessário ele

mesmo ter perdoado. Ensinou ainda que, se algum mal tiver sido feito contra um irmão, é necessário

repará-lo primeiro. Somente assim a oferenda será aceite, porque é proveniente de um coração puro de

qualquer mau sentimento.

Jesus materializou este preceito porque os judeus ofereciam sacrifícios materiais, e era necessário

ajustar as suas palavras aos costumes do povo.

O cristão não oferece prendas materiais; espiritualizou o sacrifício, mas o preceito ganha ainda mais

força. Oferece a sua alma a Deus e esta deve estar purificada. Ao entrar no templo do Senhor, deve deixar

lá fora os sentimentos de ódio e de animosidade, e todos os maus pensamentos contra o seu irmão.

Só então a sua prece será levada pelos anjos aos pés do Eterno. É isto que Jesus ensina por estas

palavras: “Deixa ali a tua oferta diante do altar e vai reconciliar-te primeiro com o teu irmão”, se queres ser

agradável a Deus.

O argueiro e a trave no olho

9. Porque vês tu o argueiro no olho do teu irmão, e não vês a trave no teu olho? Ou como dirás ao teu

irmão: Deixa-me tirar o argueiro do teu olho, quando tens no teu uma trave? Hipócrita, tira primeiro a trave

do teu olho, e então cuidarás em tirar o argueiro do olho do teu irmão. (Mateus, 7, 3-5).

10. Um dos defeitos da Humanidade é ver o mal nos outros antes de ver o que está em nós. Para alguém

se julgar a si mesmo, seria necessário considerar-se outra pessoa, perguntando a si próprio: Que pensaria,

se visse alguém fazendo o que eu faço? É sem dúvida o orgulho que leva as pessoas a dissimularem os seus

próprios defeitos, tanto morais como físicos. Esta característica é contrária à caridade, pois a verdadeira

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caridade é modesta, simples e bondosa. A caridade orgulhosa é um absurdo, visto que esses dois

sentimentos se neutralizam um ao outro. Como é que uma pessoa vaidosa, convencida da importância da

sua personalidade e da supremacia das suas qualidades, poderá ser minimamente generosa para

reconhecer o bem que poderia diminui-la, em vez do mal que poderia elevá-la?

Se o orgulho é o pai de muitos vícios, também é a negação de muitas virtudes. Está no fundo e é o móbil

de quase todas as ações. Foi por isso que Jesus se empenhou em combatê-lo como o principal obstáculo

ao progresso.

Não julgueis para não serdes julgados.

Aquele que estiver sem pecado que atire a primeira pedra

11. Não julgueis, para que não sejais julgados, porque com o juízo com que julgardes os outros, sereis

julgados, e com a medida com que tiverdes medido, vos hão de medir a vós. (Mateus, 7: 1-2).

12. Então os escribas e os fariseus trouxeram-lhe uma mulher que fora apanhada em adultério, e pondo-

a no meio, disseram-lhe: Mestre, esta mulher foi agora mesmo apanhada em adultério. Moisés, na Lei,

mandou que, neste caso, fossem apedrejadas. Tu, pois, que dizes? Isto diziam os judeus, tentando-o, para

o poderem acusar. Jesus, porém, inclinando-se, pôs-se a escrever com o dedo na terra. E como eles

insistissem em fazer-lhe perguntas, ergueu-se e disse-lhes: - Aquele de entre vós que estiver sem pecado

que lhe atire a primeira pedra. E tornando a inclinar-se, escrevia na terra. Quando ouviram isto foram saindo

um a um, a começar pelos mais velhos. E ficou só Jesus com a mulher, que estava no meio, em pé. Então,

erguendo-se, Jesus disse-lhe: Mulher, onde estão os que te acusavam? Ninguém te condenou? Respondeu

ela: Ninguém, Senhor. Então Jesus disse-lhe: Nem eu também te condeno; vai, e não peques mais. (João, 8:

3-11).

13. "Aquele que estiver sem pecado que atire a primeira pedra", disse Jesus. Este preceito faz da bondade

um dever, pois todos necessitam dela. Ensina que não devemos julgar os outros mais severamente do que

nos julgamos a nós mesmos, nem condenar nos outros o que desculpamos em nós. Antes de acusar alguém

de uma falta, vejamos se a mesma acusação nos poderá ser feita a nós.

A censura de alguém pode ter dois motivos: reprimir o mal ou desacreditar a pessoa que criticamos.

Este último motivo nunca tem desculpa, pois é maledicência e maldade. O primeiro pode ser louvável e

torna-se mesmo um dever em certos casos, pois dele pode resultar um bem, e porque sem ele o mal nunca

será reprimido na sociedade. Aliás, as pessoas devem ajudar o progresso dos seus semelhantes. Não se

deve, pois, tomar no sentido absoluto este princípio: "Não julgueis para não serdes julgados", porque a

letra mata e o Espírito vivifica.

Jesus não podia proibir que se reprovasse o mal, pois ele mesmo nos deu o exemplo disso e fê-lo em

termos enérgicos. Mas quis dizer que a autoridade da censura deve corresponder exatamente à autoridade

moral daquele que a pronuncia.

Cometer as faltas que se condenam nos outros é perder toda a autoridade e todo o direito de julgar.

A consciência íntima não deve aprovar nem permitir que sejam violadas as leis e os princípios, sobretudo

por aqueles que estão encarregados legalmente de aplicá-los.

A única autoridade legítima, aos olhos de Deus, é a que se apoia no bom exemplo. É o que ressalta

igualmente das palavras de Jesus.

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INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS:

Perdão das ofensas

14. Quantas vezes perdoarei ao meu irmão? Perdoá-lo-eis, não sete vezes, mas setenta vezes sete. Este

é um dos ensinamentos de Jesus que mais devem tocar a vossa inteligência e falar mais alto ao vosso

coração.

Aproximai estas palavras misericordiosas da prece tão simples, tão resumida e ao mesmo tempo tão

grande nas suas aspirações, que Jesus ensinou aos discípulos e encontrareis sempre o mesmo pensamento.

Jesus, a justiça por excelência, responde a Pedro: Perdoarás, mas sem limites.

Perdoarás cada ofensa tantas vezes quantas ela te for feita. Ensinarás aos teus irmãos esse

esquecimento de si próprio, que nos torna invulneráveis aos ataques, aos maus procedimentos e às injúrias.

Serás doce e humilde de coração sem pôr limite à tua bondade. Farás aos outros, enfim, o que desejas que

o Pai celeste faça por ti. Quantas vezes teve que te perdoar? Será que contou o número de vezes que te

perdoou?

Ouvi, pois, essa resposta de Jesus e, como Pedro, aplicai-a a vós mesmos. Perdoai, usai de bondade,

sede caridosos e até mesmo pródigos no vosso amor. Dai, que o Senhor vos dará; perdoai, que o Senhor

vos perdoará; rebaixai-vos, que o Senhor vos elevará; humildai-vos, que o Senhor vos fará sentar à sua

direita.

Ide, meus bem-amados, estudai e comentai estas palavras que vos dirijo, da parte daquele que, dos

altos céus tem sempre os olhos voltados para vós e continua com amor a tarefa generosa que começou há

dezoito séculos. (Refere-se à data em que este livro foi escrito, 1864. N.T.)

Perdoai, pois, aos vossos irmãos, como precisais de ser perdoados. Se os seus atos vos prejudicaram

pessoalmente, mais um motivo para serdes bondosos, porque o mérito do perdão é proporcional à

gravidade do mal e nenhum mérito teríeis em relevar os erros dos vossos irmãos, se estes apenas vos

incomodassem de leve.

Espíritas, não vos esqueçais de que, quer em palavras quer em ações, o perdão das injúrias não deve

ser uma palavra vã. Se vos dizeis espíritas, sede-o de fato: esquecei o mal que vos tenham feito e pensai

apenas numa coisa: no bem que possais fazer. Aquele que entrou neste caminho não deve afastar-se dele,

nem mesmo em pensamento, pois sois responsáveis pelos vossos pensamentos, que Deus conhece.

Fazei, pois, que eles sejam desprovidos de qualquer sentimento de rancor. Deus sabe o que existe no

fundo do coração de cada um. Feliz aquele que pode dizer cada noite, ao adormecer: nada tenho contra o

meu próximo.

Espírito “Simeon” / Bordéus, 1862

15. Perdoar aos inimigos é pedir perdão para si mesmo; perdoar aos amigos é dar-lhes prova de amizade;

perdoar as ofensas é mostrar que se melhora.

Perdoai, meus amigos, para que Deus vos perdoe. Porque se fordes duros, exigentes e inflexíveis,

mesmo por uma ofensa ligeira, como quereis que Deus esqueça que todos os dias tendes a maior

necessidade de bondade?

Infeliz do que disser: “eu nunca perdoarei”, porque declara a sua própria condenação!

Quem sabe se, mergulhando em vós mesmo, não reconhecereis que fostes o agressor?

Quem sabe se, nessa luta que começa por uma questão simples e acaba no desentendimento, não

fostes vós a dar o primeiro golpe? Se não vos terá escapado uma palavra ofensiva? Se usastes a moderação

necessária? Sem dúvida que o vosso adversário está errado mostrando-se tão sensível, mas essa é mais

uma razão para perdoar e para ele não merecer a vossa reprovação.

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Admitamos que fôsseis realmente o ofendido. Quem sabe se não usastes represálias, fazendo

degenerar numa disputa grave aquilo que facilmente poderia cair no esquecimento? Se dependeu de vós

impedir as consequências e não o fizestes, sois realmente culpados.

Admitamos por fim que nada tendes a reprovar na vossa conduta; nesse caso, maior será o vosso mérito

em vos mostrardes clemente.

Mas há duas maneiras bem diferentes de perdoar: há o perdão dos lábios e o perdão do coração.

Muitos dizem do adversário: "Eu perdoo-lhe", enquanto interiormente experimentam um secreto

prazer pelo mal que lhe acontece, dizendo para si mesmos que ele tem o que merece. Outros dizem:

"Perdoo", e acrescentam: "mas nunca me reconciliarei com ele, não quero voltar a vê-lo em toda a minha

vida!" É esse o perdão segundo o Evangelho? Não.

O verdadeiro perdão, o perdão cristão é aquele que lança um véu sobre o passado; é o único que vos

será levado em conta, pois Deus não se contenta com as aparências. Deus sonda o fundo dos corações e

os mais secretos pensamentos, ninguém se lhe impõe por palavras vãs ou fingimentos.

O esquecimento completo e absoluto das ofensas é próprio das grandes almas. O rancor é sempre um

sinal de baixeza e de inferioridade. Não esqueçais que o verdadeiro perdão se reconhece muito mais pelos

atos, do que pelas palavras.

Espírito “Paulo” Lyon, 1861

A indulgência

16. Espíritas, queremos hoje falar-vos da indulgência, esse sentimento tão doce, tão fraternal, que todo

o ser humano deve ter para com os seus irmãos, mas que tão poucos praticam.

A indulgência não se ocupa com os defeitos alheios e, se os vê, evita comentá-los e divulgá-los. Pelo

contrário, oculta-os para que não sejam conhecidos de mais ninguém e, se a maldade os descobre, tem

sempre uma desculpa à mão para os disfarçar, mas uma desculpa plausível, e não daquelas que, fingindo

atenuar a falta, a fazem sobressair com intenção maldosa.

A indulgência nunca se ocupa dos maus atos alheios a não ser para prestar um serviço, mas ainda assim

tem o cuidado de os atenuar tanto quanto possível. Não faz observações chocantes nem traz censuras nos

lábios, mas apenas conselhos quase sempre velados.

Quando criticais, que conclusão se deve tirar das vossas palavras? A de que vós, que censurais, não

fazeis o que condenais, e de que valeis mais do que o culpado.

Quando passareis vós a julgar os vossos próprios corações, pensamentos e atos, sem vos ocupardes do

que fazem os vossos irmãos? Quando abrireis o vosso olhar crítico só sobre vós mesmos?

Sede exigentes convosco e bondosos com os outros. Pensai naquele que julga em última instância, que

vê os secretos pensamentos de cada coração e que, em consequência disso, desculpa muitas vezes as faltas

que condenais, ou condena as que vós desculpais, porque conhece o móbil de todas as ações; e quem

assim tanto acusa, talvez tenha cometido faltas mais graves.

Sede bondosos meus amigos, porque a bondade atrai, acalma, resolve, enquanto a severidade

desencoraja, afasta e irrita.

José / Espírito protetor, Bordéus, 1863

17. Sede indulgente com as faltas alheias, quaisquer que sejam. Julgai com severidade apenas as vossas

próprias ações, e o Senhor usará de indulgência para convosco, como tereis usado para com os outros.

Amparai os fortes, encorajai-os à persistência. Fortificai os fracos, mostrando-lhes a bondade de Deus,

que leva em conta o menor arrependimento. Mostrai a todos o anjo da contrição, estendendo as suas asas

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brancas sobre as faltas humanas e ocultando-as assim aos olhos daqueles que não podem ver o que é

impuro. Compreendei todos a misericórdia infinita do vosso Pai e nunca vos esqueçais de lhe dizer em

pensamento, mas sobretudo pelas vossas ações: "Perdoai as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a

quem nos tem ofendido". Compreendei bem o valor destas sublimes palavras, pois não são admiráveis

apenas pela letra, mas também pelos ensinamentos que contêm.

Que solicitais ao Senhor quando lhe pedis perdão? É somente o esquecimento das vossas faltas?

Esquecimento de que pouco vos serve, pois se Deus se contentasse em esquecer as vossas faltas, não vos

puniria, mas também não vos recompensaria.

A recompensa não pode ser o prémio pelo bem que se não fez, e menos ainda pelo mal que se tenha

feito, mesmo que esse mal fosse esquecido.

Pedindo perdão para as vossas faltas, pedis o favor da sua graça para não cair de novo e a força

necessária para entrar num novo caminho, num caminho de submissão e de amor, no qual podereis juntar

a reparação ao arrependimento.

Quando perdoais aos vossos irmãos, não basta estender o véu do esquecimento sobre as suas faltas ─

porque é muito transparente aos vossos olhos. Acrescentai, ao vosso perdão, o amor; fazei por eles o que

pedis ao vosso Pai Celeste que faça por vós. Substituí a cólera que mancha pelo amor que purifica. Pregai

pelo exemplo essa caridade ativa, infatigável, que Jesus vos ensinou. Pregai-a como ele mesmo o fez todo

o tempo em que viveu na Terra, visível para os olhos do corpo, e como ainda prega, sem cessar, desde que

se fez visível apenas para os olhos do Espírito.

Segui esse divino modelo, caminhai sobre as suas pegadas: elas conduzir-vos-ão a um lugar onde

encontrareis o descanso depois da luta. Como ele, tomai a vossa cruz e subi penosa, mas corajosamente,

ao vosso calvário: no seu cume está a glorificação.

Espírito “João”. 1862

18. Caros amigos, sede severos para vós mesmos e indulgentes para com as fraquezas alheias. Esta é

também uma forma de praticar a santa caridade, que bem poucos seguem. Todos tendes más tendências

a vencer, defeitos a corrigir, hábitos a modificar. Todos tendes de vos desembaraçar de um fardo mais ou

menos pesado para poder subir ao cume da montanha do progresso.

Porquê, pois, serem tão clarividentes quando se trata do próximo e tão cegos quando se trata de vós

mesmos? Quando deixareis de notar, no olho do vosso irmão, um argueiro que o fere, sem perceber a

trave que vos cega e vos faz andar de queda em queda?

Acreditai nos vossos irmãos Espíritos: qualquer indivíduo bastante orgulhoso para se julgar superior aos

seus irmãos, em virtudes e méritos, é insensato e culpado e Deus o castigará no dia da sua justiça.

A verdadeira caraterística da caridade é a modéstia e a humildade, e consiste em se verem apenas

superficialmente os defeitos alheios e em se procurar destacar o que há de bom e virtuoso no próximo.

Porque, mesmo quando o coração humano é um abismo de corrupção, existem sempre, nas suas mais

ocultas dobras, os germes de alguns bons sentimentos, centelhas vivas da essência espiritual.

Espiritismo, doutrina consoladora e bendita, felizes os que te conhecem e empregam proveitosamente

os salutares ensinamentos dos Espíritos do Senhor! Para esses, o caminho está iluminado, e ao longo de

todo o percurso podem ler estas palavras, que lhes indicam o meio de atingir o objetivo: caridade prática,

caridade de coração, caridade para o próximo como para si mesmo.

Numa palavra, caridade para com todos e amor a Deus sobre todas as coisas, porque o amor a Deus

resume todos os deveres, e porque é impossível amar realmente a Deus sem praticar a caridade, da qual

ele faz uma lei para todas as criaturas.

Espírito “Dufêtre”, Bordéus

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19. Como ninguém é perfeito, conclui-se que ninguém tem o direito de criticar o próximo?

Assim é, visto que cada um de vós deve trabalhar para o progresso de todos, e sobretudo daqueles cuja

orientação vos foi confiada. Isso é também uma razão para o fazerdes com moderação, com uma intenção

útil e não como geralmente se faz, pelo prazer de denegrir. Neste último caso, a censura é uma maldade,

no primeiro, é um dever que a caridade manda cumprir com todas as cautelas possíveis e, ainda assim, a

censura que se faz ao outro deve ser dirigida também a nós mesmos, perguntando-nos se também a

merecemos.

Espírito “Luís” / Paris, 1860

20. Será repreensível observar as imperfeições dos outros, mesmo que não as divulguemos, quando

disso não possa resultar nenhum benefício para eles?

Tudo depende da intenção. Certamente que não é proibido ver o mal quando o mal existe. Seria mesmo

inconveniente ver-se por toda a parte somente o bem, essa ilusão prejudicaria o progresso. O erro está em

fazer essa observação em prejuízo do próximo, desacreditando-o junto da opinião geral, sem necessidade.

Seria igualmente repreensível fazê-lo para dar expansão a um sentimento de maldade e de satisfação, por

encontrar os outros em falta. Mas dá-se inteiramente o contrário quando, lançando um véu sobre o mal,

para que o público o não veja, nos limitamos a observá-lo para proveito pessoal, ou seja, para o estudar e

evitar fazer aquilo que censuramos nos outros. Essa observação, aliás, é útil ao moralista. Como descreveria

ele os defeitos humanos, se não estudasse os seus exemplos?

Espírito “Luís” / Paris, 1860

21. Há casos em que seja útil desvendar o mal alheio?

Esta questão é muito delicada e para responder é necessário recorrer ao conceito de caridade bem

compreendido. Se as imperfeições de uma pessoa só a prejudicam a ela, nunca há utilidade em as divulgar.

Mas se elas podem prejudicar outros, é melhor preferir o interesse do maior número ao interesse de um

só. Dependendo das circunstâncias, desmascarar a hipocrisia e a mentira pode ser um dever, pois é melhor

que uma pessoa caia, do que muitas serem enganadas e tornarem-se suas vítimas. Em semelhante caso, é

necessário avaliar a soma das vantagens e dos inconvenientes.

Espírito “Luís” / Paris, 1860

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CAPÍTULO XI - Amar o próximo como a si mesmo

O maior mandamento

1. E os fariseus, ouvindo que ele fizera emudecer os saduceus, reuniram-se no mesmo lugar. E um deles,

doutor da lei, interrogou-o para o experimentar, dizendo: Mestre, qual é o grande mandamento da lei? E

Jesus disse-lhe: Amarás o Senhor teu Deus, de todo o teu coração e de toda a tua alma e de todo o teu

pensamento. Este é o primeiro e grande mandamento. E o segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu

próximo como a ti mesmo. Desses dois mandamentos dependem toda a lei e os profetas. (Mateus, 22: 34-

40).

2. E assim, tudo o que quereis que os homens vos façam, fazei-o também vós a eles. Porque esta é a lei

e os profetas. (Mateus, 7: 12).

E como vós quereis que os homens vos façam, da mesma maneira fazei-lhes vós também. (Lucas, 6: 31).

3. O Reino dos Céus pode comparar-se a um rei que quis fazer contas com os seus servos. E tendo

começado a fazer as contas, foi-lhe apresentado um que lhe devia dez mil talentos. E como não tivesse

com que pagar, mandou o seu senhor que o vendessem a ele, e a sua mulher, e a seus filhos, e tudo o que

tinha, para que a dívida ficasse paga. Porém, o tal servo, lançando-se-lhe aos pés, fazia-lhe esta súplica:

Senhor, tem paciência comigo, que eu tudo te pagarei. Então o senhor, compadecido daquele servo,

deixou-o ir livre e perdoou-lhe a dívida. E tendo saído este servo, encontrou um dos seus companheiros

que lhe devia cem dinheiros; e lançando-lhe a mão à garganta asfixiava-o, dizendo-lhe: paga o que me

deves. E o companheiro, lançando-se-lhe aos pés, rogava, dizendo: tem paciência comigo, que eu te pagarei

tudo. Porém ele não atendeu: retirou-se, e fez com que o metessem na cadeia, até pagar a dívida.

Porém os outros servos, seus companheiros, vendo o que se passava, contristaram-se muito e foram dar

parte ao seu senhor de tudo o que tinha acontecido. Então o seu senhor fê-lo vir à sua presença e disse-lhe:

Servo mau, eu perdoei-te a dívida toda, porque me suplicaste; não devias tu compadecer-te igualmente do

teu companheiro, assim como também eu me compadeci de ti? E indignado, mandou o seu senhor que o

entregassem aos algozes até pagar toda a dívida.

Assim também vos tratará meu Pai celestial se não perdoardes, do íntimo de vossos corações, aquilo que

vos tenha feito o vosso irmão. (Mateus, 18: 23-35).

4. "Amar o próximo como a si mesmo; fazer aos outros o que quereríamos que eles nos fizessem", é a

expressão mais completa da caridade, porque ela resume todos os deveres para com o próximo. Não se

pode ter guia mais seguro, sobre este assunto, do que tomar como medida do que se deve fazer aos outros,

o que se deseja para si mesmo. Com que direito exigiríamos que os nossos semelhantes nos dessem melhor

tratamento, mais bondade, benevolência e dedicação do que nós lhes damos a eles? A prática destes

preceitos leva à destruição do egoísmo. Quando a Humanidade os tomar como normas de conduta e como

base das suas instituições, compreenderá a verdadeira fraternidade, e fará reinar a paz e a justiça. Não

haverá mais ódios nem divisões, mas união, concórdia e bondade.

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Dai a César o que é de César

5. Então, retirando-se os fariseus, decidiram entre si comprometê-lo no que dissesse. E enviaram-lhe os

seus discípulos, juntamente com os adeptos de Herodes que lhe disseram: Mestre, sabemos que és

verdadeiro, e que ensinas o verdadeiro caminho de Deus, segundo a verdade, sem olhar a quem quer que

seja, porque não olhas às aparências dos homens; diz-nos, pois, qual é o teu parecer: é lícito pagar o tributo

a César ou não?

Porém Jesus, conhecendo a sua malícia disse-lhes: Porque me tentais, hipócritas? Mostrai-me cá a

moeda do tributo. E eles apresentaram-lhes um dinheiro. E Jesus disse-lhes: De quem é esta imagem e esta

inscrição? Responderam-lhe eles: De César. Então Jesus disse-lhes: Pois dai a César o que é de César, e a

Deus o que é de Deus.

E eles ouvindo isto, maravilharam-se e, deixando-o, retiraram-se. (Mateus, 22, 15-22). (Marcos, 12, 13-

17).

6. A pergunta feita a Jesus era motivada pelo horror que os judeus tinham aos impostos exigidos pelos

romanos, tendo feito disso uma questão religiosa.

Formou-se um partido numeroso para rejeitar esses impostos, cujo pagamento era uma questão de

grande atualidade. A pergunta que foi feita a Jesus: "É lícito pagar tributo a César ou não?", justificava-se

por esse motivo, e tinha propósitos evidentemente políticos.

Essa pergunta era uma cilada, pois conforme fosse a resposta de Jesus, esperavam virar contra ele quer

as autoridades romanas quer os judeus dissidentes. “Jesus, conhecendo a sua malícia”, venceu a

dificuldade, dando-lhes uma lição de justiça, ao dizer que dessem a cada um o que lhes era devido. (Ver na

Introdução desta obra, grupo III – Notas históricas, o artigo intitulado Publicanos).

7. O preceito "Dai a César o que é de César" não deve ser entendido de maneira limitada ou definitiva.

Como todos os ensinamentos de Jesus, é um princípio geral, pragmaticamente resumido e circunstancial.

É uma consequência daquele que manda agir com os outros como gostaríamos que os outros agissem

connosco. Condena qualquer prejuízo material ou moral causado aos outros e qualquer violação dos seus

interesses. Recomenda o respeito pelos direitos de cada um, como cada um deseja ver os seus respeitados.

Estende-se ao cumprimento dos deveres para com a família, a sociedade, a autoridade, bem como para

com os indivíduos.

INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS:

A lei de amor

8. O amor resume toda a doutrina de Jesus, porque é o sentimento por excelência, e os sentimentos

são os instintos elevados à altura do progresso conseguido.

À partida, o ser humano só tem instintos. Mais adiante e modificado, passa a ter sensações. Mais

instruído e purificado, tem sentimentos.

O nível mais elevado do sentimento é o amor, mas não no sentido vulgar da palavra. O amor como sol

interior que reúne e concentra no seu foco ardente todas as aspirações e todas as revelações sobre-

humanas.

A lei do amor substitui a personalidade pela fusão dos seres e anula as misérias sociais. Feliz aquele que,

ultrapassando a sua humanidade, ama com vasto amor os seus irmãos que sofrem! Feliz aquele que ama,

porque não conhece as aflições da alma e do corpo! Os seus pés são ágeis, e vive encantado, fora de si

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mesmo. Quando Jesus pronunciou a palavra divina, amor, a palavra fez estremecer os povos, e os mártires,

inundados de esperança, entraram em cena.

O espiritismo, por sua vez, veio pronunciar a segunda palavra do alfabeto divino. Fiquem atentos,

porque essa palavra ergue a pedra dos túmulos vazios e a reencarnação, que vence a morte, revela ao ser

humano maravilhado o seu património intelectual. E já não é aos suplícios que ela o conduz, mas à

conquista do seu ser, elevado e transfigurado. O sangue libertou o Espírito e o Espírito deve agora libertar

a pessoa da matéria.

Disse que os seres humanos, no seu início, têm apenas instintos. Aqueles cujos instintos predominam,

estão mais próximos do ponto de partida do que da meta final. Para avançar em direção a essa meta, é

necessário vencer os instintos a favor dos sentimentos, ou seja, aperfeiçoar estes, para vencer a influência

da matéria.

Os instintos são as sementes e a raiz do sentimento. Trazem consigo o progresso, como a pequenina

bolota está na origem dos enormes carvalhos. Os seres menos adiantados são os que, libertando-se

lentamente das suas origens, continuam a ser dominados pelos instintos.

O Espírito deve ser cultivado como um campo. Toda a riqueza futura depende do trabalho presente e,

mais do que os bens terrenos, conduzir-vos-á à gloriosa elevação. Será então que, compreendendo a lei do

amor que une todos os seres, nisso encontrareis as suaves alegrias da alma, que são o prelúdio das alegrias

celestes.

Espírito “Lázaro” / Paris, 1862

9. O amor é de essência divina e, desde o primeiro até ao último dos seres humanos, tendes, no fundo

do coração, a centelha desse fogo sagrado. É um facto verificado em muitas ocasiões: mesmo o ser mais

desprezível, o mais criminoso, tem por um ser ou por um objeto qualquer, uma afeição profunda, à prova

de tudo o que possa diminui-la, atingindo em certos casos proporções sublimes.

Disse por um ser ou um objeto qualquer, porque existem entre vós indivíduos que dedicam tesouros de

amor aos animais, às plantas, e até mesmo a objetos materiais: pessoas pouco sociáveis que se queixam

da Humanidade e que lutam contra a tendência natural da alma de procurar afeição e simpatia, rebaixando

a lei do amor à condição do instinto. Façam, porém, o que fizerem, não conseguem sufocar o germe vivo

que Deus depositou nos seus corações, no ato da criação. Esse germe desenvolve-se e cresce com a

moralidade e a inteligência e, embora apertado pelo egoísmo, é a fonte de santas e doces virtudes, sinceras

e duradouras e que ajudam a transpor a estrada íngreme e da existência humana.

Há pessoas que receiam a prova da reencarnação, para que outros não partilhem as suas mais especiais

simpatias afetivas. Pobres irmãos! É o afeto que os torna egoístas. O seu amor está limitado a um círculo

restrito de parentes ou de amigos e todos os outros lhes são indiferentes. Para praticar a lei do amor como

Deus deseja, é necessário que toda a Humanidade se ame entre si, fraternalmente, sem a mínima

diferença.

Esse objetivo será longo e difícil, mas será alcançado. É a vontade de Deus, porque a lei do amor é o

preceito mais importante da nova cultura espírita, porque vem acabar com todas as formas de egoísmo,

seja pessoal, familiar, racial, social, ou de nacionalidade, etc.

Jesus disse: "Amai o vosso próximo como a vós mesmos". Qual é o limite do próximo? Será a família, o

grupo social ou religioso, a nação? Não, é toda a Humanidade!

Nos mundos superiores, é o amor recíproco que harmoniza e dirige os Espíritos evoluídos que os

habitam. E o vosso planeta, destinado a um progresso que está em marcha, pela sua transformação social

e cultural, verá os seus habitantes praticarem essa lei sublime, reflexo da Divindade, pela evolução dos que

estão menos adiantados.

Os efeitos da lei do amor são o aperfeiçoamento moral da espécie humana e a felicidade durante a vida

terrena. Os mais rebeldes e os mais imperfeitos deverão transformar-se quando presenciarem os

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benefícios produzidos pela prática deste princípio: “Não façam aos outros o que não querem que os outros

vos façam, mas façam, pelo contrário, todo o bem que puderem”.

Não aceitem a esterilidade e o endurecimento do coração humano, que irá aceitando gradualmente o

verdadeiro amor. É um íman a que não pode resistir. O contacto desse amor dá vida e força à virtude que

foi semeada nos vossos corações.

A Terra, morada de exílio e de provas, será purificada por esse fogo sagrado, e nela se praticará a

caridade, humildade, paciência, dedicação, resignação, o sacrifício, todas as virtudes filhas do amor. Não

se cansem de escutar as palavras de João Evangelista. Como sabem, quando a doença e a velhice

interromperam o curso das suas pregações, repetia apenas estas doces palavras: "Meus filhinhos, amai-

vos uns aos outros!"

Amados irmãos, aproveitem estas lições. A prática é difícil, mas a alma retira delas um imenso benefício.

Acreditem em mim e façam o sublime esforço que vos peço: amem-se todos uns aos outros e verão a Terra

transformada num novo Paraíso onde as almas dos justos virão saborear o merecido repouso.

Espírito “Fénelon” / Bordéus, 1861

10. Meus queridos condiscípulos, os Espíritos aqui presentes dizem-vos, pela minha voz: “Amem muito,

para serem amados!” Este pensamento é tão verdadeiro que encontrareis nele tudo quanto consola e

acalma as penas de cada dia. Ou melhor, praticando este sábio conselho, subis acima da matéria,

espiritualizando-vos mesmo antes de deixardes o corpo material.

Os estudos espíritas ampliaram a vossa compreensão do futuro e tendes agora a certeza do progresso

em direção a Deus, com todas as promessas que correspondem às aspirações da alma.

Para julgardes o próximo deveis elevar-vos o suficiente para não usar rigor materialista e não fazer

condenações antes de dirigir o pensamento a Deus.

Amar, no verdadeiro sentido, é ser leal, honesto, consciencioso, para fazer aos outros aquilo que

desejais para vós mesmos. É procurar à vossa volta o sentido íntimo de todas as dores que sobrecarregam

os vossos irmãos, para lhes dar alívio. É olhar a grande família humana como vossa, porque ides reencontrá-

la um dia em mundos mais evoluídos e os Espíritos que a constituem são, como vós, filhos de Deus,

marcados na fronte para se elevarem até ao infinito.

É por isso que não podeis recusar aos vossos irmãos aquilo que Deus vos deu com generosidade, pois,

da vossa parte, sereis muito felizes se os vossos irmãos vos derem aquilo de que necessitais. Dai uma

palavra de ajuda e de esperança a todas as dores, para praticardes inteiramente o amor e a justiça.

Acreditai que estas sábias palavras: "Amem muito, para serem amados", farão o seu caminho. São

revolucionárias e seguem uma rota firme e determinada. Os que me escutam, já ganharam. São muito

melhores do que há cem anos, numa vida anterior; modificaram-se de tal modo em vosso benefício que

aceitam hoje, sem contestar, uma grande quantidade de ideias novas sobre a liberdade e a fraternidade

que teriam rejeitado então. Daqui a cem anos, numa próxima vida, aceitarão também, com a mesma

facilidade, outras que ainda não puderam entender.

Hoje, que o movimento espírita já avançou bastante, vede com que rapidez as ideias de justiça e de

renovação, contidas nos ditados mediúnicos dos Espíritos, são aceites por parte significativa do mundo

inteligente. É porque estas ideias correspondem ao que há de divino em vós. É porque estais preparados

por uma sementeira fecunda, a do último século, que implantou na sociedade as grandes ideias de

progresso. E como tudo se encadeia, sob as ordens do altíssimo, todas as lições recebidas e aceites estarão

contidas nessa mudança universal do amor ao próximo. Graças a ela, os Espíritos encarnados, julgam

melhor, sentem melhor, estendem as mãos até aos confins do vosso planeta. Todos se reunirão para se

entenderem e amarem, para destruírem todas as injustiças, todas as causas de desentendimento entre os

povos.

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Grande conceito de renovação pelo espiritismo, tão bem descrito em “O Livro dos Espíritos”, produzirá

o grande milagre do próximo século, o da reunião de todos os interesses materiais e espirituais dos homens,

pela aplicação desta máxima bem compreendida: “Amai muito, para serdes amados!”

Espírito “Sansão” / Antigo membro da Sociedade Espírita de Paris, 1863

O egoísmo

11. O egoísmo, tormento da Humanidade, tem de desaparecer porque impede o progresso moral. É ao

Espiritismo que cabe a tarefa de fazer com que a Terra se eleve na categoria espiritual dos mundos.

O egoísmo é o alvo em direção ao qual todos s verdadeiros crentes devem apontar as suas armas, as

suas forças e a sua coragem. Falo da coragem porque é mais necessária para vencer o nosso próprio

egoísmo, do que noutros casos.

Que cada um faça os maiores esforços para se livrar do egoísmo, filho do orgulho, devorador de todas

as inteligências e fonte de todas as misérias terrenas. É a negação da caridade e, por isso mesmo, o maior

obstáculo à felicidade de todos.

Jesus foi exemplo de caridade e Pôncio Pilatos, o de egoísmo. Enquanto o justo foi obrigado a percorrer

todas as estações do seu martírio, Pilatos lavava as mãos, dizendo: “Que me importa!”

Perguntou mesmo aos judeus: “Esse homem é bom e justo, porque quereis crucificá-lo?” Entretanto

nada fez para evitar o seu suplício.

Foi pelo antagonismo entre caridade e egoísmo e pela invasão dos corações por essa chaga, que o

Cristianismo ainda não conseguiu cumprir toda a sua missão.

É a todos aqueles a quem os Espíritos superiores já iluminaram com o seu ensino, como novos apóstolos,

que cabe o dever de expulsar este mal, para dar ao cristianismo a força necessária para vencer todos os

obstáculos do seu caminho.

Expulsai o egoísmo da Terra para que ela possa elevar-se na escala dos mundos, porque é tempo que a

Humanidade se afirme no caminho do progresso moral. Para que isso aconteça é fundamental expulsar o

egoísmo do vosso coração.

Espírito “Emanuel” / Paris, 1861

12. Se os seres humanos se amassem mutuamente, a caridade seria melhor praticada. Para isso, seria

necessário abrir completamente os corações à plena compreensão dos sofrimentos do próximo. A rigidez

da insensibilidade mata os bons sentimentos.

Jesus nunca se escusava ao contacto com as pessoas. Quem se dirigia a ele, fosse quem fosse, nunca

era repelido. A mulher adúltera ou os criminosos eram socorridos por ele, que nunca temeu prejudicar a

sua reputação. Quando ousareis tomá-lo por modelo das vossas ações?

Se a caridade reinasse na Terra, as pessoas maldosas deixavam de ter influência. Fugiam

envergonhadas, escondiam-se, porque em toda parte estariam deslocadas. Então o mal desaparecia, podeis

estar certos.

Começai por dar o exemplo. Sede caridosos com todos, indistintamente. Esforçai-vos por não reparar

nos que vos olham com desdém, deixai a Deus cuidar de toda a justiça, pois todos os dias, no seu reino,

separa o trigo do joio.

O egoísmo é a negação da caridade e sem ela não há paz nem segurança na sociedade.

Com o egoísmo e o orgulho de mãos dadas, a vida será sempre uma disputa favorável aos mais

truculentos, uma luta de interesses que pisa aos pés os melhores afetos e põe de lado até os mais legítimos

laços da família.

Espírito “Pascal” / Sens, 1862

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A fé e a caridade

13. Já vos disse, meus queridos, que a caridade sem a fé não é suficiente para manter a ordem social

capaz de vos fazer felizes.

Devia ter dito que a caridade é impossível sem a fé. Podereis encontrar impulsos generosos mesmo

entre pessoas sem religião. Mas a caridade austera que só pode ser exercida pela abnegação, pelo sacrifício

constante de todo o interesse egoísta, só a fé pode inspirá-la, porque só ela nos faz carregar com coragem

e perseverança a cruz desta vida.

Sim, meus queridos, é inútil que alguém ávido de prazeres, queira iludir-se quanto ao seu destino

terreno, julgando que é lícito ocupar-se apenas da sua felicidade. Deus criou-nos para sermos felizes por

toda a eternidade. No entanto, a vida terrena deve servir unicamente para o nosso aperfeiçoamento moral,

que se conquista mediante a vida do corpo, no mundo material. Sem contar as dificuldades normais da

vida, a variedade dos vossos gostos, tendências e necessidades, é também um meio de aperfeiçoamento,

praticando a caridade, porque somente à força de concessões e de sacrifícios mútuos poderá manter-se a

harmonia entre elementos tão diversos.

Será certo pensar que a felicidade está reservada à Humanidade na Terra, se for vivida na prática do

bem e não nos prazeres materiais. A história da cristandade fala-nos de mártires que caminhavam com

alegria para o suplício. Na vossa sociedade, atualmente, para ser cristão já não é necessário enfrentar a

fogueira do martírio ou o sacrifício da vida. Basta o sacrifício do egoísmo, do orgulho e da vaidade.

Triunfareis, se a caridade vos inspirar e a fé vos amparar.

Espírito protetor / Cracóvia, 1861

Caridade para com os criminosos

14. A verdadeira caridade é um dos mais sublimes ensinamentos que Deus deu ao mundo. Entre os

verdadeiros discípulos do ensinamento dos Espíritos deve existir uma fraternidade plena.

Deveis amar os infelizes e os criminosos como criaturas de Deus às quais o perdão e a misericórdia serão

dados logo que se arrependam, tal como acontece convosco, com as faltas que cometeis contra a sua lei.

Pensai que sois mais repreensíveis e mais culpados do que aqueles a quem recusais o perdão e a

compaixão, porque eles podem não conhecer Deus como vós conheceis e, por isso, menos lhes será pedido

do que a vós.

Não fazeis a ideia, meus amigos, que a forma como julgardes vos será aplicado ainda mais severamente,

e das muitas faltas pelas quais tereis de dar a devida conta. Sabeis também que há muitas ações que são

crimes aos olhos do Deus da pureza, mas que o mundo não as considera sequer como faltas leves.

A verdadeira caridade não consiste apenas na esmola dada, nem nas palavras de consolação que foram

ditas. Não é apenas isso que Deus exige de vós! A caridade sublime ensinada por Jesus, consiste também

na benevolência constante para com o vosso próximo e em todas as coisas.

Podeis também praticar esta sublime virtude com muitas criaturas que não necessitam de esmolas e a

quem algumas palavras de amor, de consolação e de encorajamento poderão conduzir ao Senhor.

Aproximam-se os tempos em que a grande fraternidade reinará sobre a Terra. Será a lei de Jesus que

governará os homens, somente ela será freio e esperança e só ela conduzirá as almas à morada dos bem-

aventurados. Amai-vos, pois, como filhos de um mesmo pai, não façais diferença entre vós, porque Deus

deseja que todos sejam iguais.

Não desprezeis ninguém. Deus permite que grandes criminosos estejam entre vós para vos servirem de

ensinamento. Em breve, quando os seres humanos forem levados à prática das verdadeiras leis de Deus,

não haverá necessidade destes ensinamentos e todos os Espíritos impuros e revoltados serão dispersos

pelos mundos inferiores, de acordo com as suas tendências.

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Deveis, a estes de que vos falo, a ajuda das vossas preces: é a verdadeira caridade. Não deveis dizer de

um criminoso: "É um miserável, deve ser expulso da Terra, a morte que se lhe inflige é muito branda para

uma criatura desta espécie". Não, não é assim que deveis falar! Pensai no vosso modelo, que é Jesus. Que

diria ele, se visse esse infeliz a seu lado? Lamentá-lo-ia, considerando-o como um doente muito necessitado

e estender-lhe-ia a mão. Vós não podeis fazer-lhe o mesmo, mas podeis ao menos orar por ele, dar-lhe

assistência espiritual durante o tempo que ainda deve permanecer na Terra. O arrependimento pode tocar-

lhe o coração, se orardes com fé. É vosso próximo, como o melhor dos homens.

A sua alma perdida e revoltada foi criada, como a vossa, para se aperfeiçoar. Ajudai-o, pois, a sair do

pântano e orai por ele!

Espírito “Elisabeth de França” / Le Havre, 1862

15. Um indivíduo está em perigo de morte. Para o salvar é preciso arriscar a própria vida. Mas sabe-se

que é um malfeitor e que, se escapar, poderá cometer novos crimes. Devemos, apesar disso, arriscarmo-

nos para o salvar?

Esta questão é bastante grave e pode ser apreciada em consciência. Responderei segundo o meu nível

moral, pois é bom saber se é recomendável arriscar a própria vida por um criminoso. A abnegação é cega:

mesmo um inimigo, deve socorrer-se. Deverá também socorrer-se um inimigo da sociedade, numa palavra,

um malfeitor?

Pensais que é somente à morte que se vai arrancar esse desgraçado? É talvez a toda a sua vida passada.

Pensai que nesses rápidos instantes, o homem perdido recorda toda a sua vida passada. A morte talvez

esteja a chegar-lhe cedo demais. A reencarnação poderá ser terrível. Lançai-vos, pois!

Vós, a quem a ciência espírita esclareceu, lançai-vos, arrancai-o ao perigo e então, esse ser que teria

morrido injuriando-vos, talvez se atire para os vossos braços.

Não deveis perguntar se o fará ou não, mas deveis ir em seu socorro!

Salvando-o, obedeceis a essa voz do coração que vos diz: "Podes salvá-lo, salva-o".

Espírito “Lamennais” / Paris, 1862

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CAPÍTULO XII - Amai os vossos inimigos

Pagar o mal com o bem

1. Ouvistes que foi dito: Amarás o teu próximo e aborrecerás o teu inimigo. Eu, porém, vos digo: Amai

os vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam e orai pelos que vos

maltratam e vos perseguem, para que sejais filhos do Pai que está nos céus; porque faz que o seu sol se

levante sobre maus e bons e a chuva desça sobre justos e injustos. Pois, se amardes os que vos amam, que

galardão tereis? Não fazem os publicanos também o mesmo? E, se saudardes unicamente os vossos irmãos,

que fazeis de mais? Não fazem os publicanos também assim? Mateus, 5: 43-47

Porque vos digo que, se a vossa justiça não exceder a dos escribas e fariseus, de modo nenhum entrareis

no Reino dos Céus. Mateus, 5: 20

2. E, se amardes os que vos amam, que recompensa tereis? Também os pecadores amam os que os

amam. E, se fizerdes bem aos que vos fazem bem, que recompensa tereis? Também os pecadores fazem o

mesmo. E, se emprestardes àqueles de quem esperais tornar a receber, que recompensa tereis? Também

os pecadores emprestam aos pecadores, para tornarem a receber outro tanto. Amai, pois, os vossos

inimigos, e fazei o bem, e emprestai, sem nada esperardes, e será grande o vosso galardão, e sereis filhos

do Altíssimo; porque ele é benigno até para com os ingratos e maus. Sede, pois, misericordiosos, como

também o vosso Pai é misericordioso. (Lucas, 6: 32-36).

3. Se o amor ao próximo é o princípio da caridade, amar os inimigos é a sua aplicação sublime, porque

essa virtude constitui uma das maiores vitórias sobre o egoísmo e o orgulho. No entanto, acontecem

equívocos importantes quanto ao sentido da palavra amor, usada nesta circunstância.

Jesus não entendia, ao dizer estas palavras, que se deve ter pelo inimigo a mesma ternura que se tem

por um irmão ou por um amigo. A ternura pressupõe confiança e não se pode ter confiança nas pessoas

que nos querem mal, nem se pode usar com elas manifestações espontâneas de amizade, porque se sabe

que pode haver abusos.

Entre pessoas que desconfiam umas das outras não pode haver os mesmos impulsos de simpatia que

há entre pessoas que comungam as mesmas ideias. Encontrar um inimigo ou um amigo são experiências

inteiramente diferentes.

Os sentimentos resultam de uma lei física: a da atração e da repulsão entre diferentes campos

energéticos. O pensamento malévolo dirige uma corrente energética negativa cujo efeito é penoso; o

pensamento bondoso envolve-nos numa sensação agradável. Daí a diferença de sensações que se

experimenta à aproximação de um inimigo ou de um amigo.

A expressão “amar os inimigos” não quer dizer que tenhamos que tratá-los da mesma forma que

tratamos os nossos amigos. Essa atitude parece difícil ou mesmo impossível de praticar, porque supomos,

erradamente, que nos indica que devemos dar a uns e a outros o mesmo lugar no coração. Se as línguas

humanas nos condicionam a usar a mesma palavra para exprimir diferentes qualidades de um sentimento,

a razão ajuda-nos a compreender as diferenças, conforme os casos.

Amar os inimigos não é ter por eles uma afeição que não é natural, visto que o contacto com um inimigo

faz bater o coração de modo totalmente diferente do contacto com um amigo. É não ter para eles ódio,

nem rancor, nem desejo de vingança. É perdoar-lhes, sem segunda intenção e sem condições, o mal que

nos fizeram e não opor qualquer obstáculo à reconciliação. É desejar-lhes o bem em vez do mal. É

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alegrarmo-nos, em vez de nos aborrecermos, com o bem que os atinge. É estender-lhes uma mão amiga

em caso de necessidade. É abstermo-nos, em palavras e ações, de tudo o que possa prejudicá-los.

Enfim, é pagar-lhes em tudo o mal com o bem, sem intenção de os humilhar. Quem assim fizer cumpre

as condições do mandamento: “Amai os vossos inimigos”.

[17 – Pensamentos bons e maus]

4. Amar os inimigos é um absurdo para os incrédulos. Aquele para quem a vida presente é tudo, só vê

no seu inimigo um ser nocivo a perturbar-lhe o repouso, e do qual somente a morte, pensa ele, o pode

livrar. Daí o desejo de vingança.

Não tem nenhum interesse em perdoar, a menos que seja para satisfazer o seu orgulho aos olhos do

mundo. Perdoar mesmo, em certos casos, parece-lhe uma fraqueza indigna de si. Se não se vinga, nem

por isso deixa de guardar rancor e um secreto desejo do mal.

Para o crente, mas sobretudo para o espírita, a maneira de ver é totalmente diferente, porque dirige o

seu pensamento para o passado e para o futuro, entre os quais a vida presente é um momento apenas.

Sabe que, pelo próprio destino da Terra, nela devem existir homens maus e perversos e que o mal que tem

de enfrentar faz parte das provas que deve sofrer. O ponto de vista elevado em que se coloca torna-lhe as

dificuldades menos amargas, quer venham dos homens ou das coisas. Se não se queixa das provas, não

deve queixar-se também dos que lhe servem de instrumento. Se, em lugar de se lamentar, agradece a Deus

por submetê-lo à prova, deve também agradecer a mão que lhe oferece a ocasião de mostrar a sua

paciência e a sua resignação. Este pensamento dispõe-no naturalmente ao perdão. Sente, aliás, que quanto

mais generoso for, mais se engrandece aos seus próprios olhos e mais longe se encontra do alcance dos

dardos do seu inimigo.

O ser humano que ocupa no mundo uma posição elevada não se considera ofendido pelos insultos

daquele que olha como seu inferior. Assim acontece com aquele que se eleva, no mundo moral, acima da

Humanidade material. Compreende que o ódio e o rancor o aviltariam e rebaixariam. Para ser superior ao

seu adversário, deve ter a alma maior, mais nobre e mais generosa.

[18 – Os incrédulos também são nossos irmãos]

Os inimigos desencarnados

5. O espírita tem ainda outros motivos para ser bondoso com os inimigos. Sabe, antes de mais, que a

maldade não é o estado permanente do ser, mas que decorre de uma imperfeição temporária e que, da

mesma maneira que a criança se corrige dos seus defeitos, a pessoa má reconhecerá um dia os seus erros

e tornar-se-á boa. Sabe ainda que a morte só o livra da presença material do seu inimigo, mas que este

pode persegui-lo com o seu ódio, mesmo depois de ter deixado a Terra. Assim, a vingança falha o seu

objetivo e, pelo contrário, tem como consequência produzir uma irritação maior, que pode passar de uma

existência para a outra.

Coube ao espiritismo provar, pela experiência e pela lei que rege as relações do mundo visível com o

mundo invisível, que a expressão: “afogar o ódio no sangue” é radicalmente falsa, pois a verdade é que o

“sangue” conserva o ódio mesmo para além do túmulo. O espiritismo deu, por conseguinte, uma razão de

ser efetiva e uma utilidade prática ao perdão, assim como à máxima de Jesus: “Amai os vossos inimigos”.

Não há coração tão perverso que, mesmo sem saber disso, não se deixe tocar pelas boas ações. Estas, pelo

menos, não dão nenhum pretexto a represálias. Praticando-as, de um inimigo pode fazer-se um amigo,

antes e depois da morte.

Pelo contrário, com as más ações irrita-se o inimigo, e é então que ele próprio serve de instrumento à

justiça de Deus para punir aquele que não perdoou.

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6. Pode haver inimigos tanto entre os encarnados como entre os desencarnados. Os inimigos do mundo

invisível manifestam a sua maldade pelas obsessões e subjugações, a que tantas pessoas estão expostas, e

que representam um género de provações que, como as outras, contribuem para o aperfeiçoamento e

devem ser aceites com resignação, como consequência da natureza inferior do planeta Terra. Se não

existissem pessoas más aqui, não haveria Espíritos maus à sua volta. Se devemos ter bondade e

benevolência para com os inimigos encarnados, igualmente as devemos ter para com os que estão

desencarnados.

Antigamente, ofereciam-se sacrifícios sangrentos para apaziguar os deuses infernais, nome que era

dado aos Espíritos maus, depois chamados demónios, que são a mesma coisa.

O espiritismo esclarece que esses demónios são as almas dos homens maus, que ainda não se

despojaram dos seus instintos materiais, que só conseguem apaziguar expulsando o ódio, ou seja, pela

caridade. A caridade não tem apenas o efeito de os impedir de fazer o mal, mas também de os conduzir ao

caminho do bem e contribuir para a sua salvação. É assim que o preceito: “Amai os vossos inimigos”, não

fica circunscrito ao círculo estreito da Terra e da vida presente, mas integra-se na grande lei da

solidariedade e da fraternidade universais.

Se alguém te bater na face direita, oferece-lhe também a outra

7. Ouvistes o que foi dito: olho por olho e dente por dente. Eu, porém, digo-vos que não resistais ao mal

que vos querem fazer; mas se alguém te bater numa face, oferece-lhe também a outra; e ao que quiser

lutar contigo e tirar-te a túnica, larga-lhe também a capa; e se alguém te obrigar a caminhar uma milha,

vai com ele duas. Dá a quem te pedir e não voltes as costas ao que quiser que lhe emprestes. (Mateus, 5:

38-42).

8. Os preconceitos do mundo, a respeito daquilo que se convencionou chamar “ponto de honra”, dão

esta tendência sombria, nascida do orgulho e do culto da personalidade, que leva as pessoas a retribuir

injúria com injúria, ferida com ferida, o que parece justo quando o sentido moral não se eleva acima das

paixões materiais.

A lei mosaica dizia: “Olho por olho, dente por dente”, de harmonia com o tempo em que Moisés viveu.

Mas veio Jesus e disse: “Retribui o mal com o bem”. E disse mais: "Não combatam o mal que vos querem

fazer; se alguém vos ferir numa face, ofereçam-lhe também a outra".

Para o orgulhoso, este preceito parece uma covardia, porque não compreende que há mais coragem

em suportar um insulto do que em vingar-se, sempre pelo mesmo motivo, porque não vê além do presente.

Deve tomar-se este preceito à letra? Não, tal como não se aceita o que manda arrancar um dos olhos,

se for causa de escândalo. Levado às últimas consequências, condenaria qualquer repressão, mesmo legal,

e deixaria o campo livre aos maus, que nada teriam a temer. Não se pondo freio às suas agressões, em

breve todos os bons seriam suas vítimas. O próprio instinto de sobrevivência, que é uma lei da natureza,

diz-nos que não devemos entregar, voluntariamente, o pescoço ao assassino.

Por estas palavras, Jesus não proibiu a defesa, mas condenou a vingança. Dizendo-nos para oferecer

uma face quando formos agredidos na outra, quis dizer que não devemos retribuir o mal com o mal e que

o ser humano deve aceitar com humildade tudo o que contribua para diminuir o seu orgulho; quis dizer

que é maior glória ser ferido do que de ferir, suportar pacientemente uma injustiça do que cometê-la, que

mais vale ser enganado do que enganar, ser arruinado do que arruinar os outros. Este preceito é, ao mesmo

tempo, a condenação do duelo, que não passa de uma manifestação do orgulho.

A fé na vida futura e na justiça de Deus, que nunca deixa o mal impune, é a única que nos pode dar força

para suportar, pacientemente, os atentados aos nossos interesses e ao nosso amor-próprio. É por isso que

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vos dizemos incessantemente: voltai os olhos para o futuro. Quanto mais vos elevardes, pelo pensamento,

acima da vida material, menos sereis atingidos pelas coisas da Terra.

INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS

A vingança

9. A vingança é um dos últimos vestígios dos costumes bárbaros, que tendem a desaparecer. É, como

o duelo, um dos últimos hábitos retrógrados com que se debatia a Humanidade, no começo da era cristã.

É por isso que a vingança é um indicador seguro do atraso da Humanidade que a tem como hábito, e

dos Espíritos que ainda procuram sugeri-la. Portanto, meus amigos, esse sentimento nunca deve ser

acolhido pelos espíritas. A vingança é o contrário do preceito de Jesus que nos disse para "perdoar aos

nossos inimigos", e que aquele que se recusa a perdoar, não somente não é espírita, como também não é

cristão. A vingança traz consigo a falsidade e a vileza, suas companheiras assíduas. Quem se entrega a essa

paixão, quase nunca o faz às claras. Quando é o mais forte, precipita-se como uma fera sobre o seu inimigo,

pois basta vê-lo para que a sua cólera e o seu ódio se inflamem. Na maioria das vezes, dissimula os maus

sentimentos que o animam. Segue o inimigo na sombra e aguarda o momento propício para o ferir sem

correr riscos. Se não for assim, ataca-o na sua honra e nas suas afeições recorrendo à calúnia e a maldosas

insinuações, que espalha aos quatro ventos.

Quando aquele que persegue aparece nos meios atingidos pelo seu sopro envenenado, admira-se de

encontrar semblantes frios onde outrora encontrava rostos amigos e bondosos, fica estupefacto quando

as mãos que procuravam a sua agora se recusam a apertá-la, enfim, sente-se devastado quando os amigos

mais caros e os parentes se desviam e fogem dele. O covarde que se vinga assim é cem vezes mais culpado

do que aquele que em frente do inimigo, o insulta face a face!

Fora com esses costumes selvagens! Fora com esses hábitos de outros tempos! O espírita que

pretendesse ter, ainda hoje, o direito de se vingar, seria indigno de figurar, por mais tempo, no grupo que

tomou por divisa o lema: “Fora da caridade não há salvação”. Mas não vou sequer pensar que um membro

da grande família espírita possa alguma vez, no futuro, ceder ao impulso da vingança, mas sim ao impulso

do perdão.

Espírito “Jules Olivier” / Paris, 1862

O ódio

10. Amai-vos uns aos outros e sereis felizes. Tomai a peito, sobretudo, amar os que vos inspiram

indiferença, ódio e desprezo. Jesus, que deveis tomar por vosso modelo, deu-vos o exemplo dessa

dedicação: missionário do amor, amou até dar o sangue e a vida.

O sacrifício de amar os que vos difamam e perseguem é penoso, mas é isso, precisamente, o que vos

torna superiores a eles. Se os odiarem como eles vos odeiam, não valem mais do que eles. É a hóstia

imaculada que ofereceis a Deus, no altar dos vossos corações, hóstia cujos perfumes sobem até ele.

Embora a lei do amor nos mande amar igualmente todos os nossos irmãos, não consegue tornar o

coração insensível às más ações. Essa é a prova mais difícil, eu sei, porque durante a minha última existência

terrena experimentei essa dificuldade.

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Mas Deus existe e pune, nesta e na outra vida, os que não cumprem a lei do amor. Não se esqueçam,

meus queridos filhos, de que o amor nos aproxima de Deus e o ódio nos afasta dele.

Espírito “Fénelon” / Bordéus, 1861

O Duelo

11. Só é verdadeiramente grande aquele que, considerando a vida como uma viagem que deve conduzir

a um destino certo, não se incomoda com as dificuldades do caminho, não se deixa desviar nem por um

instante da rota certa. De olhos fixos no seu objetivo, pouco se importa que os obstáculos e a dureza do

caminho o ameacem com acidentes. Apenas alguns sustos não o impedem de avançar.

Perder dias para se vingar de uma ofensa, é recuar diante das provas da vida, é sempre um crime aos

olhos de Deus. E, se não estivésseis tão dependentes como estais dos vossos preconceitos, seria também

uma ridícula loucura aos olhos dos homens.

Há crime no homicídio por duelo, o que a vossa própria legislação reconhece. Ninguém tem o direito,

em caso algum, de atentar contra a vida do seu semelhante. É um crime aos olhos de Deus, que vos traçou

a linha de conduta. Nisto, mais do que em qualquer outra coisa, sois juízes em causa própria. Lembrai-vos

que vos será perdoado conforme tiverdes perdoado.

Pelo perdão aproximais-vos da Divindade, porque a clemência é irmã da virtude. Enquanto uma gota de

sangue humano correr na Terra pelas mãos dos homens, o verdadeiro Reino de Deus ainda não terá

chegado, esse reino de pacificação e de amor que deve banir para sempre do vosso planeta a animosidade,

a discórdia e a guerra.

A palavra duelo deixará de existir, ficando apenas como longínqua e vaga recordação do passado, que

já não existe: o único antagonismo que os homens conhecerão entre si será a nobre rivalidade do bem.

Espírito “Adolfo, bispo de Argel” / Marmande, 1861

12. O duelo pode constituir uma prova de coragem física, de desprezo pela vida, mas é uma prova de

covardia moral, como o suicídio. O suicida não tem coragem de enfrentar as dificuldades da vida: o duelista

não a tem para suportar as ofensas.

Jesus não vos disse que há mais honra e valor em apresentar a face esquerda a quem vos bateu na

direita, do que em vingar uma injúria?

Jesus disse a Pedro, no Jardim das Oliveiras: "Mete a tua espada na bainha, pois quem mata pela espada

morre pela espada". Por essas palavras, Jesus condenou o duelo para sempre.

Que coragem é essa, que nasce de um temperamento violento, sanguíneo e colérico, reagindo à

primeira ofensa? Onde está a grandeza de alma daquele que, à menor injúria, pensa que só com sangue a

poderá lavar?

Mas irá tremer, porque no fundo da sua consciência, uma voz lhe gritará sempre: “Caim! Caim! Que

fizeste do teu irmão?” Responderá que foi necessário o sangue para salvar a sua honra. Mas a voz replicará:

Quiseste salvar a tua honra perante os homens nos breves instantes que te restavam na Terra e não

pensaste em salvá-la perante Deus! Pobre louco, quanto sangue não pediria então Jesus, por todos os

ultrajes que recebeu! Não só o feriste com os espinhos e a lança, não somente o pregaste num madeiro

infame, mas ainda, no meio da sua agonia, ouviu as zombarias que lhe dirigiste.

Que reparações te pediu, depois de tantos insultos? O último gemido do cordeiro foi uma prece pelos

seus algozes. Como ele fez, perdoem e orem pelos que vos ofendem!

Amigos, lembrai-vos deste preceito: “Amai-vos uns os outros”, e então, respondereis à ofensa feita por

ódio com um sorriso, e ao ultraje com o perdão. O mundo, sem dúvida, ficará furioso e chamar-vos-á

covardes: erguei a cabeça bem alto e mostrai, então, que a vossa cabeça também não recearia ser coroada

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de espinhos, a exemplo de Jesus, mas que a vossa mão não quer ser cúmplice de um assassinato autorizado,

quer dizer, por uma falsa aparência de honra, que é unicamente orgulho e amor-próprio.

Ao criar-vos, Deus não vos deu o direito de vida e de morte uns sobre os outros. Só deu esse direito à

Natureza, para se reformar e se reconstruir. Mas a vós, não permite sequer que disponham de vós mesmos.

Como o suicida, o duelista estará marcado de sangue quando comparecer perante Deus, e a um e a outro,

o soberano Juiz reserva longas penas. Se ele ameaçou com a sua justiça aquele que chamar “racca” aos

seus irmãos, muito mais severa será a pena daquele que chegar à sua presença com as mãos sujas do

sangue do seu irmão!

Espírito “Agostinho” / Paris, 1862

13. O duelo, como o que outrora se chamava “Juízo de Deus”, era uma instituição bárbara que vigorou

no passado, em certas classes sociais. Que diríeis, se vísseis dois adversários mergulharem na água fervente

ou sujeitarem-se ao contacto do ferro em brasa, para decidirem a sua disputa, dando razão ao que melhor

se saísse da prova?

Sendo insensatos esses costumes, o duelo ainda é pior. Para o duelista experimentado é um assassinato

cometido a sangue-frio, com toda a premeditação desejada, porque está seguro do golpe que irá desferir.

Para o adversário, quase certo de sucumbir, em virtude da sua fraqueza e da sua inabilidade, é um suicídio

cometido com a mais fria reflexão.

Muitas vezes procuram evitar esta alternativa, recorrendo à sorte. Mas isso é, sob outra forma, voltar

ao Juízo de Deus da Idade Média. Só que naquela época, eram menos culpados. O próprio nome de Juízo

de Deus revela uma fé, ingénua é verdade, mas sempre uma fé na Justiça de Deus, que não poderia deixar

sucumbir um inocente, enquanto no duelo tudo se entrega à força bruta, de tal maneira que é muitas vezes

o ofendido que sucumbe.

O estúpido amor-próprio, a tola vaidade e o louco orgulho, terão que ser substituídos sempre pela

caridade cristã, pelo amor ao próximo e a humildade, de que Jesus nos deu o exemplo e o preceito. Só

então desaparecerão esses preconceitos monstruosos que ainda dominam os seres humanos, e que as leis

são impotentes para reprimir, pois não é suficiente proibir o mal e prescrever o bem, é necessário que o

princípio do bem e o horror do mal estejam no coração do homem.

Um Espírito protetor / Bordéus, 1861

[ 19 - a expressão “Juízo de Deus” ]

14. Que juízo farão de mim se me recuso à reparação que me exigem, ou se não a reclamar perante

quem me ofendeu? Os loucos e os atrasados censurar-vos-ão, mas os esclarecidos pela chama do progresso

intelectual e moral, dirão que procedeis de acordo com a verdadeira sabedoria.

Pensai um pouco: por uma palavra dita por um dos vossos irmãos, muitas vezes inofensiva e sem

intenção, o vosso orgulho sente-se ferido, respondeis com dureza, e aí está a razão para um conflito.

Antes de chegar o momento decisivo, pensai se tal atitude é de um cristão. Que conta prestareis da

morte de um dos seus membros? Pensai nos remorsos por ter roubado a uma mulher o seu marido, a uma

mãe o seu filho, aos filhos o pai e, com ele, o seu amparo!

Certamente que aquele que ofendeu deve uma reparação. Mas é muito mais natural dá-la

espontaneamente, reconhecendo os seus erros, em vez de sacrificar a vida daquele que tem direito de se

queixar. Quanto ao ofendido pode sentir-se por vezes gravemente atingido, pessoal ou familiarmente. Não

é somente o amor-próprio que está em causa, o coração foi magoado e ele sofre. Mas além de ser estúpido

arriscar a vida, a ofensa não se apaga com desgraças sem sentido.

O sangue derramado provocará maior alarde sobre um facto que deve ser esquecido e, se é verdadeiro,

melhor será ocultar-se no silêncio. Só restará, pois, a satisfação da vingança praticada, triste satisfação que,

muitas vezes, já nesta vida deixa amargos remorsos! E se for o ofendido quem sucumbe, onde está a

justiça?

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Quando a caridade regular a conduta social, as pessoas cumprirão com todo o rigor a norma

fundamental: “Não faças aos outros o que não queres que os outros te façam”. Então, sim, desaparecerão

todas as causas de discórdias, e com elas as causas dos duelos e das guerras, que são duelos entre povos.

Espírito “Francisco Xavier” / Bordéus, 1861

15. O homem do mundo, o homem feliz, que por uma palavra ofensiva, um motivo fútil, arrisca a vida

que Deus lhe deu e arrisca a vida do seu semelhante, que só pertence a Deus, é cem vezes mais culpado

do que o miserável que, impelido pela cobiça e às vezes pela necessidade, se introduz numa habitação para

roubar e mata os que tentam impedi-lo. Trata-se quase sempre de um homem sem educação, com noções

imperfeitas do bem e do mal, enquanto o duelista pertence quase sempre à classe mais esclarecida. Um,

mata brutalmente, o outro, mata com método e delicadeza, o que faz com que a sociedade o desculpe.

Acrescento mesmo que o duelista é infinitamente mais culpado do que o infeliz que, cedendo a um

sentimento de vingança, mata num momento de desespero.

O duelista não tem por desculpa o arrastamento da paixão, porque entre o insulto e a reparação há

sempre tempo de refletir. Ele age, pois, de forma fria e premeditada. Tudo é calculado e estudado, para

matar com segurança o seu adversário. É verdade que expõe também a sua vida, e é isso o que justifica o

duelo aos olhos do mundo, que só vê nele um ato de coragem e desapego à vida. Mas haverá realmente

coragem quando se está seguro de si mesmo? O duelo, resíduo dos tempos de barbárie, quando o direito

do mais forte fazia a lei, desaparecerá quando houver uma apreciação mais sã do verdadeiro sentido da

honra e à medida que o homem adquirir uma fé maior na vida futura.

Espírito “Agostinho” / Bordéus, 1861

[ 20 – As guerras são duelos criminosos, com milhões de vítimas ]

16. NOTA - Os duelos são cada vez mais raros, e se ainda vemos, de vez em quando, dolorosos exemplos,

o seu número não é comparável ao de outrora.

Antigamente, uma pessoa não saía de casa sem prever um encontro, tomando sempre as precauções

necessárias. Um sinal característico dos costumes do tempo e dos povos era o uso do porte habitual,

ostensivo ou disfarçado, de armas ofensivas e defensivas. A abolição desse uso revela o abrandamento dos

costumes, e é curioso seguir-se a sua graduação, desde a época em que os cavaleiros só saíam com

armadura de ferro e armados de lança, até ao uso de uma simples espada, que depois se tornou mais num

ornamento, num acessório do brasão do que numa arma agressiva. Outro sinal do abrandamento dos

costumes é que, antigamente, os combates pessoais davam-se em plena rua, diante da multidão, que se

afastava para deixar livre o campo, e hoje se ocultam. Hoje, a morte de alguém é um acontecimento que

provoca comoção: antigamente, não se lhe dava atenção.

O espiritismo extinguirá esses derradeiros vestígios da barbárie, ao inculcar nas almas o sentido da

caridade e da fraternidade. (A.K.)

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CAPÍTULO XIII - QUE A MÃO ESQUERDA NÃO SAIBA O QUE DÁ A DIREITA

Fazer o bem sem ostentação

1. Guarda-te de fazer a tua esmola diante dos homens, para seres visto por eles; aliás, não terás

galardão junto do Pai, que está nos céus. Quando, pois, deres esmola, não faças tocar trombeta diante de

ti, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, para serem glorificados pelos homens. Em verdade

vos digo que já receberam o seu galardão. Mas, quando tu deres esmola, não saiba a tua mão esquerda o

que faz a tua direita, para que a tua esmola seja dada ocultamente, e teu Pai, que vê em secreto, te

recompensará publicamente. (Mateus, 6: 1-4).

2. E descendo Jesus do monte, seguiu-o uma grande multidão. E eis que, veio um leproso e o adorou,

dizendo: Senhor, se quiseres, podes tornar-me limpo. E Jesus, estendendo a mão, tocou-o dizendo: Pois eu

quero; fica limpo. E logo ficou purificado da lepra. Então disse-lhe Jesus: Não o digas a alguém; mas vai,

mostra-te ao sacerdote, e apresenta a oferta que Moisés determinou, para lhes servir de testemunho.

(Mateus, 8: 1-4).

3. Fazer o bem sem ostentação tem grande mérito. Esconder a mão que dá é ainda mais meritório,

sinal incontestável de superioridade moral. Para ver as coisas de mais alto que a maioria das pessoas, é

necessário ignorar a vida presente e alcançar a vida futura. É importante colocar-se acima da Humanidade,

para prescindir do reconhecimento das pessoas e esperar a aprovação de Deus. Quem valoriza mais o

reconhecimento das pessoas do que a avaliação de Deus, prova que tem mais fé nelas do que em Deus, e

que valoriza mais a vida presente do que a vida futura, ou nem acredita na vida futura. Se disser o contrário,

fá-lo como se não acreditasse naquilo que diz.

Quantos há que só fazem promessas, à espera daquilo que vai ser dito por quem recebe, dizendo às

claras que darão muito, para depois darem bem menos!

Foi por isso que Jesus disse: "Os que fazem o bem com ostentação já receberam a sua recompensa".

Aquele que busca a sua glorificação na Terra pelo bem que faz, já se recompensou a si mesmo. Deus

não lhe deve nada, só lhe resta receber a punição do seu orgulho.

“Que a mão esquerda não saiba o que dá a direita” é um preceito que caracteriza bem a beneficência

modesta. Embora exista a modéstia real, também existe a modéstia fingida, a sua imitação, pois há pessoas

que escondem a mão que dá, tendo o cuidado de mostrarem o que fazem, olhando à sua volta para verificar

se alguém o terá visto.

Indigna falsificação dos preceitos de Jesus! Se os benfeitores orgulhosos são desprezados por quem os

conhece, o que não lhes acontecerá perante Deus! Eles também já receberam a sua recompensa na Terra.

Foram vistos, estão satisfeitos com isso, é tudo o que terão.

Qual será a recompensa daquele que faz pesar sobre quem recebe aquilo que dá, que exige testemunho

de gratidão, que lhe faz sentir a sua posição e o preço dos sacrifícios que fez por ele?

Para esse, nem mesmo a recompensa terrena existe, porque está privado da satisfação de ouvir elogios,

que é um primeiro castigo para o seu orgulho. As lágrimas que seca, por vaidade, em lugar de subirem ao

céu, caiem no coração do pobre, e ferem-no. O bem que faz não lhe traz benefícios, porque o condena, e

todo o bem condenado é moeda falsificada sem valor.

O benefício sem ostentação tem duplo mérito: além da caridade material, constitui caridade moral.

Respeita a sensibilidade do beneficiado, fazendo-o aceitar o benefício sem lhe ferir o amor-próprio e

respeitando a sua dignidade humana, pois há quem aceite um serviço mas recuse uma esmola. Converter

um serviço que se presta numa esmola que se dá, pela forma como é prestado, é humilhar quem o recebe,

e há sempre orgulho e maldade em humilhar alguém.

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A verdadeira caridade, pelo contrário, é delicada, dissimulando o benefício e evitando ferir o pudor,

porque todo o atrito moral aumenta o sofrimento provocado pela necessidade. Sabe encontrar palavras

doces e afáveis, que põem o beneficiado à vontade diante do benfeitor, enquanto a caridade orgulhosa o

esmaga.

O melhor da verdadeira generosidade está em saber inverter posições, aparecendo quem dá como

agradecido e a satisfação de quem recebe como prémio de qualidade. É isso o que querem dizer estas

palavras: “Que a mão esquerda não saiba o que dá a direita”.

As infelicidades escondidas

4. Nas grandes calamidades a caridade movimenta-se generosamente para acudir às dificuldades. Mas,

ao lado dessas dificuldades, há imensos casos pessoais que passam despercebidos, como os dos idosos e

doentes amarrados a um leito, sem recursos. São essas as infelicidades ocultas que a verdadeira

generosidade sabe descobrir, sem esperar os pedidos de ajuda.

Quem é aquela senhora serena e cheia de dignidade, acompanhada por uma jovem modesta? Entram

numa casa de aspeto pobre, onde devem ser conhecidas, pois à porta são saudadas com respeito. Sobe até

a água furtada onde vive uma mãe de família, rodeada pelos filhos pequenos. À sua chegada, a alegria

brilha naqueles rostos emagrecidos. Vêm acalmar as suas dores. Trazem o necessário, acompanhado de

boas palavras, que fazem aceitar a ajuda sem constrangimentos, pois aqueles que visitam não são

mendigos profissionais. O pai encontra-se no hospital, e durante esse tempo a mãe não pode suprir as

necessidades.

Graças à ajuda, as pobres crianças não sofrerão nem frio nem fome, irão à escola agasalhadas e para os

mais pequeninos não faltará o leite da mãe. Se alguma delas adoece, não repugnará à boa senhora a ajuda

material necessária. Dali ela seguirá para o hospital, levar ao pai algum consolo e tranquilizá-lo quanto à

sorte da família.

Na esquina, uma carruagem espera-a, verdadeiro depósito de tudo o que vai levar aos protegidos, que

visita sucessivamente. Não lhes pergunta qual a sua crença nem quais as suas opiniões, porque, para ela,

todos os homens são irmãos e filhos de Deus.

Terminada a visita, ela diz para si mesma: comecei bem o meu dia. Qual é o seu nome? Onde mora?

Ninguém o sabe. Para os infelizes tem um nome que nada indica, mas é o anjo da consolação. E, à noite,

um concerto de bênçãos em seu favor eleva-se ao Criador: católicos, judeus, protestantes, todos a

bendizem.

Porque se veste tão simplesmente? Para não ferir a miséria com o seu luxo. Porque se faz acompanhar

da filha adolescente? Para lhe ensinar como se deve praticar a beneficência. A filha também quer fazer

caridade, mas a mãe diz-lhe: "Que podes dar, minha filha, se nada tens de teu? Se te entrego alguma coisa

para dares aos outros, que mérito terás?

Quando vamos visitar os doentes, ajudas-me a cuidar deles, e dar-lhes cuidados é dar alguma coisa. Isso

não te parece suficiente? Nada mais simples: aprende a fazer trabalhos úteis e poderás confecionar

roupinhas para estas crianças, podendo dar-lhes alguma coisa de ti mesma".

É assim que esta mãe verdadeiramente cristã vai formando a sua filha na prática das virtudes ensinadas

por Jesus. É espírita? Que importa?

No meio em que vive é uma mulher do mundo, pois a sua posição o exige, mas ignoram o que ela faz,

até porque só lhe interessa a aprovação de Deus e da sua consciência. Um dia, porém, uma circunstância

imprevista levou à sua casa uma das suas protegidas, para lhe oferecer trabalhos manuais. Esta

reconheceu-a e quis agradecer-lhe. “Psiu! Não contes a ninguém!” Disse ela. Assim falava Jesus.

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O óbolo da viúva

5. E, estando Jesus sentado defronte da arca do tesouro, observava a maneira como a multidão lançava

o dinheiro na arca do tesouro; e muitos ricos depositavam muito. Vindo, porém, uma pobre viúva, depositou

duas pequenas moedas, que valiam cinco réis. E, chamando os seus discípulos, disse-lhes: Em verdade vos

digo que esta pobre viúva depositou mais do que todos os que depositaram na arca do tesouro; porque

todos ali depositaram do que lhes sobejava, mas esta, da sua pobreza, depositou tudo o que tinha, todo o

seu sustento. (Marcos 12, 41 - 44; Lucas 21, 1 - 4).

6. Muita gente lamenta não poderem fazer tanto bem como desejam, por falta de recursos, e se

gostavam de ser ricos, dizem, era para poderem repartir. A intenção é louvável, sem dúvida, e pode ser

muito sincera da parte de alguns.

Mas estarão todos tão completamente desinteressados? Haverá certamente os que, gente com alguma

boa vontade em ajudar os outros, que começarão por si mesmos com mais algumas satisfações supérfluas

que lhe faltam, para dar aos pobres apenas o resto. Este pensamento oculto no fundo do coração, que

dissimulam, mas que de facto se encontra no fundo do seu coração se quisessem procurá-lo, anula o mérito

da intenção, pois a verdadeira caridade pensa nos outros antes de pensar em si.

O sublime da caridade, nesse caso, seria procurar cada um no seu próprio trabalho, pelo emprego das

suas forças, da sua inteligência, e dos seus talentos, os recursos que lhe faltam para realizar as suas

intenções generosas. Nisso estaria o sacrifício mais agradável ao Senhor. Infelizmente, a maioria sonha com

meios fáceis de enriquecer de repente e sem esforço, correndo atrás de quimeras, como descobertas de

tesouros, golpes de sorte favorável ou heranças inesperadas…

Que dizer dos que esperam encontrar, para os ajudar nessas buscas, auxiliares entre os Espíritos?

É evidente que esses nem conhecem nem compreendem o sagrado objetivo do espiritismo, e menos

ainda a missão dos Espíritos, aos quais Deus permite comunicarem com os vivos. Justamente por isso são

punidos com deceções. (O Livro dos Médiuns, 2ª parte, n° 294-295).

Aqueles, cuja intenção é desprovida de qualquer interesse pessoal, devem consolar-se da sua

impossibilidade de fazer o bem que desejariam, lembrando que a esmola do pobre, que dá privando-se do

necessário, pesa mais na balança de Deus que o ouro do rico, que dá sem se privar de nada.

Seria grande a satisfação, sem dúvida, podermos socorrer largamente a pobreza, mas, se isso nos é

impossível, é necessário conformarmo-nos fazendo o que podemos. Aliás, não é somente com o dinheiro

que se podem enxugar as lágrimas, e não devemos ficar inativos por não o termos.

Aquele que deseja sinceramente tornar-se útil aos seus irmãos, encontra mil maneiras de o fazer. Se as

procurar, encontra-as. Se não for de uma maneira, será de outra, pois não há uma só pessoa, no livre gozo

de suas faculdades, que não possa prestar algum serviço, dar um consolo, suavizar um sofrimento físico ou

moral, tratar de qualquer assunto necessário.

Na falta de dinheiro, todos têm o seu esforço, o seu tempo, o seu repouso, para oferecer um pouco aos

outros. lsso também é a esmola do pobre, o óbolo da viúva.

Convidar os pobres e estropiados

7. E dizia também ao que o tinha convidado: Quando deres algum jantar ou alguma ceia, não chames

os teus amigos, nem os teus irmãos, nem os teus parentes, nem vizinhos ricos, para que não aconteça que

também eles te tornem a convidar, e sejas com isso recompensado. Mas quando deres algum banquete,

convida os pobres, os aleijados, os coxos e os cegos, e serás bem-aventurado, porque esses não têm com

que te retribuir; mas ser-te-á isso retribuído na ressurreição dos justos. Tendo ouvido estas coisas, um dos

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que estavam à mesa disse para Jesus: Bem-aventurado o que comer o pão no Reino de Deus. (Lucas 14, 12-

15).

8. "Quando deres um jantar, disse Jesus, não convides os teus amigos, mas os pobres e os estropiados".

Estas palavras, absurdas se as tomarmos à letra, são sublimes se procurarmos entendê-las. Jesus não teria

querido dizer que, em lugar dos amigos, fosse necessário reunir à mesa os mendigos da rua.

A sua linguagem era quase sempre figurada e, para os incapazes de compreenderem as ideias mais

subtis, precisava de usar imagens fortes, muito expressivas. O seu pensamento torna-se claro, ao

acrescentar: "E serás bem-aventurado, porque esses não têm com que te retribuir".

Significa que não se deve fazer o bem tendo em vista a retribuição, mas pelo simples gosto de o fazer.

Para tornar clara a comparação, disse: “Convida os pobres para jantar, porque sabes que eles não podem

retribuir.” Pela ideia do jantar é necessário entender, não propriamente a refeição, mas o ato de repartir a

abundância que se possui.

Essas palavras podem também ser aplicadas em sentido mais literal. Há muita gente que só convida

pessoas que se portam com cerimónia ou que podem retribuir o convite. Outros, pelo contrário, ficam

satisfeitos por receber os parentes ou amigos que são menos felizes.

Será a maneira de ajudá-los disfarçadamente sem irem buscar os cegos e os estropiados, praticando

dessa maneira o conselho de Jesus, usando de benevolência sem ostentação, disfarçando o benefício com

a prática da amizade sincera.

INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS

A caridade material e a caridade moral

9. "Amemo-nos uns aos outros e façamos aos outros o que gostaríamos que nos fizessem a nós". Toda

a religião, toda a moral se encerra nestes dois preceitos.

Se fossem seguidos no mundo todos seríamos felizes. Não haveria ódios nem discórdias. Direi mais

ainda: não haveria pobreza, porque do supérfluo da mesa de cada rico muitos pobres seriam alimentados

e já se não veriam, nos bairros sombrios em que vivi na minha última encarnação, pobres mulheres

arrastando consigo crianças miseráveis, necessitadas de tudo.

Ricos; pensem um pouco nisto. Auxiliem o mais possível os infelizes. Dêem, para que Deus vos retribua,

um dia, o bem que tiverem feito; para encontrarem, ao saír do vosso corpo, um cortejo de Espíritos

agradecidos que vos receberão no limiar de um mundo mais feliz. Se pudessem saber a alegria que vivi ao

encontrar no além aqueles a quem ajudei na minha última vida terrena!

Amem, pois, o vosso próximo. Amem-no como a vós mesmos, pois agora já sabem que o infeliz que

repelem talvez seja um irmão, um pai, um amigo que afastam para longe. E então, qual será o vosso

desespero ao encontrá-lo no mundo dos Espíritos!

Desejo que compreendam o que pode ser a caridade moral, que todos podem praticar, que

materialmente nada custa e que, não obstante, é a mais difícil de pôr em prática.

A caridade moral consiste em se ajudarem uns aos outros, e é o que menos fazem nesse mundo inferior

em que estão encarnados. Há um grande mérito, acreditai, em saber calar-se para que outro mais ignorante

possa falar: isso também é uma forma de caridade. Ou saber fazer-se de surdo, quando uma palavra irónica

escapa de uma boca habituada a troçar dos outros. Não ver o sorriso desdenhoso com que vos recebem

pessoas que, muitas vezes sem razão, se julgam superiores a vós, quando da vida espírita, a única que é

real, estão ainda muito longe de vós. É um merecimento, não de humildade, mas de caridade, pois não

referir as faltas alheias é caridade moral.

Esta caridade, porém, não deve impedir que se pratique a outra; pensem, sobretudo, que não devem

desprezar o vosso semelhante. Lembrem-se de tudo o que tenho dito: é necessário lembrarem-se sempre

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que o pobre que repelem pode ser um Espírito que foi muito vosso amigo e que, por agora, se encontra

numa posição inferior a vós. Reencontrei um pobre, a quem, por felicidade, pude auxiliar algumas vezes na

Terra, e ao qual, agora, tenho tido que pedir auxílio. Jesus disse que somos todos irmãos, e pensem sempre

nisso, antes de repelirem um pobre ou um doente que pede ajuda.

Adeus! Pensem naqueles que sofrem, e não se esqueçam das vossas preces.

Espírito “Irmã Rosália” / Paris, 1860

10. Meus amigos, tenho ouvido muitos de vós dizerem: “Como posso fazer a caridade, se quase sempre

nem sequer tenho o necessário?”

A caridade, meus amigos, faz-se de muitas maneiras. Podeis fazê-la em pensamento, em palavras e em

ações. Em pensamento, orando pelos pobres abandonados que morreram sem terem sequer visto a luz -

uma prece, feita do coração, alivia-os. Por palavras, dando aos vossos companheiros de todos os dias alguns

bons conselhos, dizendo aos que o desespero e as privações azedaram o ânimo, e levaram a blasfemar o

nome do Altíssimo: "Eu era como vós, sofria, sentia-me infeliz, mas acreditei no espiritismo e, vede, agora

sou feliz!"

Aos anciãos que vos disserem: "É inútil, estou no fim da vida, morrerei como vivi”, dizei: "A justiça de

Deus é igual para todos, lembrai-vos dos trabalhadores da última hora!"

Às crianças que, já viciadas pelas más companhias que as cercam, se perdem nos caminhos do mundo,

prestes a sucumbir às más tentações, dizei: "Deus vê-vos, meus amigos!”. E não vos canseis de repetir

frequentemente estas doces palavras, que acabarão por germinar nas suas jovens inteligências, e em lugar

de pequenos vagabundos, fareis deles verdadeiros homens. Também isso é caridade.

Muitos de vós dizem também: "Somos tão numerosos na Terra que Deus não pode ver-nos a todos!"

Escutai bem isto, meus amigos: quando estais no cimo de uma montanha, o vosso olhar consegue ver

de longe a infinidade de grãos de areia que a cobrem. Deus vê-vos exatamente do mesmo modo, deixa-vos

usar o vosso livre arbítrio como vós deixais ir essas partículas de poeira levadas pelo vento.

Mas Deus, não só vos vê perfeitamente a todos, como na sua infinita misericórdia, colocou no vosso

coração uma sentinela vigilante que se chama consciência. Escutai-a, pois só vos dará bons conselhos.

Por vezes conseguis entorpecê-la, opondo-lhe o espírito do mal, e então ela cala-se. Mas ficai certos de

que a pobre abandonada se fará ouvir logo que a deixardes perceber a sombra do remorso. Ouvi-a,

interrogai-a, e frequentemente sereis consolados pelos seus conselhos.

Meus amigos, a cada novo regimento o general entrega uma bandeira. Eu dou-vos este preceito de

Jesus: "Amai-vos uns aos outros". Praticai-o, reuni-vos todos à volta desta bandeira e dela recebereis a

felicidade e o consolo.

Um Espírito Protetor / Lyon, 1860

A beneficência

11. A beneficência, meus amigos, dar-vos-á neste mundo os benefícios mais puros e mais doces, as

alegrias do coração que não são perturbadas pelos remorsos, nem pela indiferença.

Pudésseis compreender tudo o que de grande e nobre encerra a generosidade das belas almas, esse

sentimento que faz que olhemos os outros como nos olhamos a nós mesmos e nos despojemos com

alegria, para poder agasalhar um irmão!

Pudésseis, meus amigos, ter apenas a doce preocupação de fazer os outros felizes! Quais são as

celebrações deste mundo que se podem comparar com essas reuniões de júbilo, quando, como

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representantes da Divindade, levais a alegria a essas pobres famílias que da vida só conhecem as

dificuldades e as amarguras?

Quando vedes esses rostos murchos brilharem subitamente de esperança, porque não tinham pão,

esses infelizes… e os seus filhos, ignorando que viver é sofrer, gritavam, choravam e repetiam estas palavras

que se espetavam como agudos punhais no coração materno: "Tenho fome!”

Compreendei como são deliciosos os sentimentos daquele que vê renascer a alegria onde, momentos

antes, só havia desespero! Compreendei quais são as vossas obrigações para com os vossos irmãos! Ide ao

encontro do infortúnio, em socorro sobretudo das misérias escondidas, porque são as mais dolorosas. Ide,

meus bem-amados, e lembrai-vos destas palavras do Salvador: "Quando vestirdes um destes pequeninos,

pensai que é a mim que o fazeis!"

Caridade! Palavra sublime que resume todas as virtudes, és tu que deves conduzir os povos à felicidade.

Ao praticar-te, criarão para si infinitas alegrias no futuro, e durante o seu exílio na Terra serás para eles

o consolo, a antecipação das alegrias que mais tarde desfrutarão, quando todos reunidos se abraçarem, no

seio do Deus do amor.

Foste tu, virtude divina, que me proporcionaste os únicos momentos de felicidade que experimentei na

Terra. Possam os meus irmãos encarnados acreditar na voz do amigo que lhes diz: é na caridade que deveis

procurar a paz do coração, o contentamento da alma, o remédio para as aflições da vida.

Quando estiverdes a ponto de acusar a Deus, lançai um olhar para baixo, e vereis quantas misérias a

aliviar, quantas pobres crianças sem família, quantos velhos sem uma só mão amiga para os socorrer e lhes

fechar os olhos na hora da morte! Quanto bem a fazer!

Não vos queixeis, agradecei antes a Deus e prodigalizai a mãos cheias a vossa simpatia, o vosso amor, o

vosso dinheiro a todos os que, deserdados dos bens deste mundo, definham no sofrimento e na solidão.

Colhereis aqui alegrias bem doces, e mais tarde... só Deus o sabe!

Espírito “Adolfo, Bispo de Argel” / Bordéus, 1861

12. Sede bons e caridosos, é a chave dos céus que tendes nas mãos. Toda a felicidade eterna se encerra

neste preceito: "Amai-vos uns aos outros".

A alma só pode elevar-se às regiões espirituais pela dedicação ao próximo; só encontra felicidade e

consolo nos impulsos da caridade. Sede bons, amparai os vossos irmãos, ponde de lado a horrível chaga do

egoísmo.

Cumprido esse dever, abrir-se-vos-á o caminho da felicidade eterna. Aliás, quem de entre vós não sentiu

o coração pulsar, crescer a alegria interior ao ouvir o relato de uma bela dedicação, de uma obra

verdadeiramente caridosa? Com a procura do prazer das boas ações, estareis sempre no caminho do

progresso espiritual. Exemplos não vos faltam, o que falta é a boa vontade, sempre rara. Vede a multidão

de homens de bem de que a vossa história evoca piedosas lembranças.

Jesus já vos disse tudo a respeito da caridade e do amor. Porque se deixam de lado os seus divinos

ensinamentos? Porque se fecham os ouvidos às suas divinas palavras, o coração às suas bondosas

recomendações?

Gostaria que houvesse mais interesse, mais fé e gosto pelas leituras evangélicas, mas abandonam este

livro, consideram-no como um conjunto de palavras vazias, uma carta fechada. lançam este código

admirável no esquecimento. Os vossos males provêm do abandono voluntário desse resumo de leis divinas.

Leiam estas páginas repletas da dedicação de Jesus e meditai nelas.

Homens fortes, preparai-vos para a luta. Homens fracos, fazei da vossa doçura e da vossa fé, as vossas

armas. Tende mais persuasão e mais constância na propagação dos vossos novos princípios. Foi apenas um

encorajamento que viemos dar-vos, e é só para estimular o vosso zelo e as vossas virtudes que Deus

permite a nossa manifestação. Se quisésseis, bastaria a ajuda de Deus e a vossa própria vontade, pois as

manifestações espíritas produzem-se unicamente para os que têm os olhos fechados e os corações

rebeldes.

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A caridade é a virtude fundamental das virtudes terrenas ─ sem ela, as outras não existem. Sem a

caridade não há esperança, não há interesse moral que nos guie. Sem a caridade não existe esperança num

futuro melhor, não existe interesse moral que nos guie, sem a caridade não há fé, um raio puro de luz que

faz brilhar um alma caridosa.

A caridade é a âncora eterna da salvação em todos os mundos, é a mais pura emanação do Criador. É a

sua própria virtude que ele dá à criatura. Como ignorar esta suprema bondade? Qual seria o coração

suficientemente perverso para, assim pensando, recalcar em si e depois expulsar este sentimento

inteiramente divino? Qual seria o filho tão mau que se revoltasse contra essa doce carícia: a caridade?

Não ouso falar daquilo que fiz, porque os Espíritos também têm pudor das suas obras, mas considero a

obra que iniciei como uma das que mais devem contribuir para o alívio dos vossos semelhantes. Vejo muitas

vezes os Espíritos pedirem por missão continuar a minha tarefa. Eu vejo-os, minhas doces e queridas irmãs,

no seu piedoso e divino ministério. Vejo-os praticar a virtude que vos recomendo, com toda a alegria que

essa existência de abnegação e sacrifícios proporciona. É uma grande felicidade para mim ver quanto se

enobrece o seu caráter, quanto a sua missão é amada e docemente protegida.

Homens de bem, de boa e forte vontade, uni-vos para continuar amplamente a obra de propagação da

caridade. Encontrareis a recompensa dessa virtude no seu próprio exercício. Não há alegria espiritual que

ela não proporcione, já na vida presente. Permanecei unidos. Amai-vos uns aos outros, segundo os

preceitos de Jesus. Assim seja!

Espírito “São Vicente de Paulo” / Paris, 1858

13. Chamo-me Caridade, sou o caminho principal que conduz a Deus. Segui-me, porque eu sou a meta

que vós todos deveis alcançar.

Fiz esta manhã o meu passeio habitual e com o coração magoado venho dizer-vos: Meus amigos,

quantas misérias, quantas lágrimas, e quanto tendes de fazer para secá-las todas!

Inutilmente procurei consolar as pobres mães, dizendo-lhes ao ouvido: “Coragem! Há corações

bondosos que velam por vós, que não vos abandonarão. Tende paciência! Deus existe e vós sois as suas

amadas, as suas eleitas.”

Pareciam ouvir-me e viravam para mim os seus grandes olhos perdidos. Lia nos seus pobres rostos que

o seu corpo, esse tirano do Espírito, tinha fome, e que, se as minhas palavras lhes serenavam um pouco o

coração, não lhes saciavam o estômago.

Então, repetia: ─ Coragem! Coragem!

Uma pobre mãe, muito jovem, que amamentava uma criancinha, tomou-a nos braços e ergueu-a no

espaço vazio, como para me pedir que protegesse aquele pobre ser pequenino que não encontrava

alimento suficiente no seu seio estéril.

Mais adiante, meus amigos, vi pobres velhos sem trabalho e por isso mesmo sem abrigo, à mercê de

todos os sofrimentos que resultam da penúria, e envergonhados da sua miséria, não se atrevendo, eles

que nunca mendigaram, a ir implorar a piedade dos transeuntes.

Com o coração emocionado de compaixão, eu, que nada tenho, fiz-me mendiga para eles, e vou por

toda parte estimular a beneficência, inspirar bons pensamentos aos corações generosos e compassivos.

É por isso que venho até vós, meus amigos, e vos digo: há por aí infelizes cuja casa está sem pão, a

lareira sem fogo e o leito sem cobertores. Não vos digo o que deveis fazer, deixo a iniciativa aos vossos

bons corações, pois se eu vos ditasse a linha de conduta não teríeis o mérito das vossas boas ações. Digo-

vos somente: sou a caridade e estendo-vos as mãos pelos vossos irmãos sofredores.

Mas se peço, também dou, e muito: convido-vos para um grande banquete e ofereço a árvore onde

todos podereis saciar-vos. Vede como é bela, como está carregada de flores e de frutos! Ide, ide, colhei,

apanhai todos os frutos dessa bela árvore que se chama beneficência. No lugar dos ramos que lhe

arrancardes, porei todas as boas ações que fizerdes, e levarei a árvore a Deus, para que Ele a carregue de

novo, porque a beneficência é inesgotável. Segui-me, pois, meus amigos, para que eu vos possa contar

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entre os que se alistam sob a minha bandeira. Não temeis, eu vos conduzirei pelo caminho da salvação,

porque sou a Caridade!

Espírito “Cárita” / martirizada em Roma, Lyon, 1861

14. Há diversas maneiras de fazer a caridade, que tantos confundem com a esmola, apesar de serem

muito diferentes. A esmola é útil porque alivia os pobres. Mas é quase sempre humilhante, tanto para

quem dá, como para quem recebe.

A caridade, pelo contrário, liga o benfeitor e o beneficiário, havendo muitas maneiras de pô-la em

prática. Entre colegas e amigos, podem ser bondosos uns para com os outros, perdoando-se mutuamente

as fraquezas, cuidando de não ferir o amor-próprio de ninguém.

Para os espíritas, estará na vossa maneira de proceder em relação aos que não pensam como vós,

levando os menos esclarecidos a acreditar, sem afrontar as suas convicções. Conduzindo-os

persuasivamente às vossas reuniões, poderão encontrar a abertura que vos permitirá penetrar nos seus

corações. Este é um dos muitos aspetos da caridade.

Escutai agora o que é a caridade para com os pobres, esses deserdados do mundo, recompensados por

Deus quando sabem aceitar as suas desgraças sem queixumes. Vejamos um exemplo:

Assisto frequentemente a uma reunião de senhoras de todas as idades. Que fazem? Trabalham

depressa, os seus dedos são ágeis. Os seus rostos estão radiantes e os seus corações batem em uníssono!

Qual é o seu objetivo? Vêem aproximar-se o inverno, que será difícil para as famílias pobres.

As pobres mães inquietam-se e choram, pensando nos filhinhos que, no próximo inverno, passarão frio

e fome! Tende paciência, pobres mulheres! Deus inspirou outras, mais afortunadas que vós. Reúnem-se e

confecionam-vos roupinhas.

Num destes dias, quando o chão estiver coberto de neve e murmurardes, dizendo que "Deus não é

justo!" ─ pois é esta a expressão habitual quando sofreis ─ vereis aparecer um dos enviados dessas boas

trabalhadoras que se constituíram em operárias dos pobres.

Sim, era para vós que elas trabalhavam, e as vossas queixas transformar-se-ão em bênçãos, porque no

coração dos infelizes o amor segue de bem perto o ódio.

Como todas essas trabalhadoras necessitam de encorajamento, vejo as comunicações dos bons

Espíritos que lhes chegam de todo o lado. Os homens que fazem parte da sociedade oferecem também o

seu contributo, fazendo uma dessas leituras que tanto agradam. E nós, para recompensar o zelo de todas

e de cada uma, prometemos a essas obreiras laboriosas uma boa clientela, que lhes pagará em bênçãos, a

única moeda que circula no céu, assegurando-lhes ainda, sem medo de nos arriscarmos, que essa moeda

não lhes faltará.

Espírito “Carita” / Lyon, 1861

15. Meus caros amigos, todos os dias ouço dizer entre vós: "Sou pobre, não posso fazer caridade". E

todos os dias vejo a vossa falta de bondade para com os vossos semelhantes. Nada perdoam e falam como

juízes severos, não querendo que fizessem o mesmo convosco.

A bondade também é caridade. Aqueles que não podem fazer mais do que caridade bondosa, podem

fazer, pelo menos essa, sempre que possível.

Acerca da caridade material, quero contar-vos uma história do outro mundo:

Dois homens acabavam de morrer. Deus tinha dito: "Enquanto esses dois homens viverem, as suas boas

ações serão postas num saco, para cada um, e quando morrerem serão pesados os dois sacos".

Quando ambos chegaram à sua última hora, Deus mandou que lhe levassem os dois sacos. Um estava

grosso, volumoso, bem cheio, e o metal retinia dentro dele. O outro era tão pequeno e fino, que se viam

através do pano as poucas moedas que continha.

Cada um dos homens reconheceu o saco que lhe pertencia: "Este é o meu ─ disse o primeiro ─ eu

conheço-o. Fui rico e dei bastante!"

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O outro disse: "Este é o meu. Fui sempre pobre, não tinha quase nada para dar".

Com grande surpresa, postos os sacos na balança, o maior tornou-se leve, e o pequeno fez-se pesado,

tanto que levantou muito o outro prato da balança.

Então Deus disse ao rico: "Deste muito, é verdade, mas fizeste-o com ostentação e para ver o teu nome

figurando em todos os templos do orgulho. Além disso, ao dar não te privaste de nada. Passa à esquerda e

fica satisfeito por te ser contada a esmola como alguma coisa".

Depois, disse ao pobre: "Deste bem pouco, meu amigo, mas cada uma das moedas que estão na balança

representou uma privação para ti. Se não distribuíste a esmola, fizeste a caridade, e o melhor é que a fizeste

naturalmente, sem te preocupares que ta levassem em conta. Foste bondoso, não julgaste o teu

semelhante. Pelo contrário, encontraste desculpa para todas as suas ações. Passa à direita, e vai receber a

tua recompensa”.

Um Espírito protetor / Lyon, 1861

16. A mulher rica, feliz, que não necessita de gastar o seu tempo nos trabalhos da casa, não pode

dedicar algumas horas ao serviço do próximo? Que compre, com as sobras da sua abundância, agasalhos

para os infelizes que passam frio, e que trabalhe para fazer roupas simples, mas quentes, para distribuir

aos necessitados; e ajude as mães sem meios a vestirem os filhos pequeninos.

Ao seu filho nada faltará, e os filhos dos pobres terão menos frio. Trabalhar para os pobres é trabalhar

na Vinha do Senhor.

Tu, operária humilde, a quem nada sobra, mas que desejas, no amor por teus irmãos, dar também um

pouco do que possuis, oferece algumas horas do teu dia que são o teu único tesouro.

Com boa vontade e gosto de ajudar, podes reunir trabalhos teus, bonitos, que agradam aos felizes;

vende esse produto dos teus serões e poderás proporcionar aos teus irmãos um pouco de auxílio. Terás

talvez algumas fitas a menos, mas darás sapatos a quem tem os pés descalços.

E vós, mulheres devotadas a Deus, trabalhai também para as vossas obras piedosas, mas que os vossos

trabalhos delicados e caros não sejam feitos apenas para ornamentar as vossas capelas ou para atrair a

atenção sobre a vossa habilidade e paciência.

Trabalhai, minhas filhas, e que o resultado das vossas obras seja consagrado ao alívio dos vossos irmãos

em Deus. Os pobres são os seus filhos bem-amados. Trabalhar por eles é glorificá-lo.

Sede para eles como a providência, que diz: Às aves do céu Deus dá o alimento. Que o ouro e a prata,

tecidos pelos vossos dedos, se transformem em roupas e provisões para os necessitados. Fazei isso, e o

vosso trabalho será abençoado.

E todos vós, que podeis produzir, dai: dai o vosso génio, dai as vossas inspirações, dai o vosso coração

que Deus vos abençoará.

Poetas, literatos, que sois lidos somente pela gente de sociedade, preenchei os seus lazeres, mas que o

produto de algumas das vossas obras seja destinado ao alívio dos infelizes.

Pintores, escultores, artistas de todos os géneros, que a vossa inteligência venha também ajudar os

vossos irmãos: não tereis menos glória por isso, e eles terão alguns sofrimentos a menos. Todos vós podeis

dar: Seja qual for a vossa condição, tereis sempre alguma coisa que pode ser dividida. Seja o que for que

Deus vos tenha dado, deveis uma parte aos que não têm sequer o necessário, pois, no seu lugar, ficaríeis

contentes se alguém dividisse convosco.

Os vossos tesouros da Terra diminuirão um pouco, mas os vossos tesouros do céu serão mais

abundantes: colhereis cem vezes mais, lá em cima, do que semeardes em benefícios, aqui em baixo.

Espírito “João” / Bordéus, 1861

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A piedade

17. A piedade é a virtude que mais vos aproxima dos anjos. É a irmã da caridade, que vos conduz a

Deus. Deixai o vosso coração enternecer-se diante das misérias e dos sofrimentos dos vossos semelhantes.

As vossas lágrimas são um bálsamo que derramais nas suas feridas. E quando, tocados por uma doce

simpatia, conseguis restituir-lhes a esperança e a resignação, que encantamento vos possuirá!

É verdade que esse encantamento tem uma certa amargura, porque surge ao lado da infelicidade. Mas,

se não tem a intensidade das alegrias mundanas, também não tem as cortantes deceções do vazio que

estas deixam atrás de si. Pelo contrário, tem uma suavidade penetrante que alegra a alma.

A piedade, quando profundamente sentida, é amor.

O amor é dedicação. A dedicação é o esquecimento de si mesmo.

E essa dedicação, essa abnegação em favor dos infelizes é a virtude por excelência, aquela mesma que

o divino Messias praticou em toda a sua vida e ensinou nas suas palavras tão santas e tão sublimes. Quando

a sua mensagem for devolvida à pureza primitiva, quando for admitida por todos os povos, tornará a Terra

feliz, fazendo com que aí reine a concórdia, a paz e o amor.

O sentimento mais apropriado para vos fazer progredir, domando o vosso egoísmo e o vosso orgulho,

aquele que dispõe a vossa alma à humildade, à beneficência e ao amor ao próximo, é a piedade! Piedade

que vos comove até às entranhas diante do sofrimento dos vossos irmãos, que vos leva a estender-lhes

uma mão amiga e vos arranca lágrimas de simpatia.

Não deixeis enfraquecer nos vossos corações essa emoção celeste, nem façais como os egoístas

endurecidos que evitam os aflitos, porque a visão da sua miséria lhes perturba a felicidade. Fugi à

indiferença quando puderdes ser úteis! A tranquilidade conseguida ao preço da indiferença culpada é a

tranquilidade do Mar Morto, que oculta na profundeza das suas águas o lodo e a putrefação.

A Piedade não causa a mínima perturbação que assuste o egoísta. A alma, em contacto com a desgraça

alheia, sente uma comoção natural e profunda, que faz vibrar e causa dor. Mas a compensação é grande

quando conseguis devolver a coragem e a esperança ao irmão infeliz que se comove com aperto da mão

amiga, e cujo olhar húmido de emoção e reconhecimento, se volta com doçura para vós, antes de se elevar

ao céu, para agradecer ter-lhe enviado um consolador, um amparo.

A piedade é a melancólica e celeste precursora da caridade, a primeira das virtudes de que é irmã, e

cujos benefícios prepara e enobrece.

Espírito “Michel” / Bordéus, 1862

Os órfãos

18. Meus irmãos, amai os órfãos! Se soubésseis quanto é triste estar só e abandonado, sobretudo na

infância! Deus permite que existam órfãos, para nos estimular a servirmos-lhes de pais. Que divina

caridade, a de ajudar uma pobre criaturinha abandonada, livrá-la da fome e do frio, orientar a sua alma

para que ela não se perca no vício! Quem estende a mão a uma criança abandonada é agradável a Deus,

porque compreende e pratica a sua lei. Lembrai-vos também de que, frequentemente, a criança que agora

socorreis vos foi querida numa encarnação anterior, e se o pudésseis recordar, o que fazeis já não seria

caridade, mas o cumprimento de um dever. Todos os que sofrem são vossos irmãos e têm direito à vossa

caridade. Não a caridade que magoa o coração ou que queima a mão que a recebe, pois há donativos que

são às vezes muito amargos. Quantas vezes seriam recusados, se não os esperasse a urgência dolorosa da

privação.

Dai, pois, com delicadeza, juntando ao benefício material o mais precioso de todos os auxílios: uma boa

palavra, uma carícia, um sorriso amigo. Evitai esse ar protetor que faz doer o coração de quem recebe, e

pensai que, ao fazer o bem, trabalhais para vós mesmos e para aqueles que vos são queridos.

Um Espírito familiar / Paris, 1860

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19. Que pensar das pessoas que, tendo sofrido ingratidão por benefícios prestados, não querem voltar

a fazer o bem, com medo de encontrar ingratos?

Essas pessoas têm mais egoísmo do que caridade, porque fazer o bem apenas para receber provas de

reconhecimento não é fazê-lo desinteressadamente, e o benefício desinteressado é o único que agrada a

Deus. Também revelam orgulho, visto que lhes agrada a humildade do beneficiado, e os agradecimentos

que recebem. Quem procura recompensa pelo bem que faz, não a receberá no Céu. Deus recompensa

quem não procura a retribuição na Terra.

É sempre necessário ajudar os fracos, mesmo sabendo que não vão agradecer. Se assim acontecer, Deus

poderá apreciar ainda mais o nosso gesto. Deus permite a ingratidão em certos casos, para provar a

perseverança de quem faz o bem.

Um benefício esquecido em certo momento, poderá produzir mais tarde frutos inesperados.

Devemos sempre olhar além do presente. Trabalhar, tendo em vista os outros. Os benefícios amaciam

os corações endurecidos, mesmo dos que ficam aqui na Terra. Quando o seu Espírito se livrar do corpo,

lembrar-se-ão, e essa lembrança será o seu próprio castigo. Lamentarão a sua ingratidão e repararão as

suas faltas noutra existência, aceitando mesmo, se desejável, uma vida de dedicação ao seu benfeitor.

É assim que, sem saber, tereis contribuído para o seu progresso moral, e reconhecereis mais tarde toda

a verdade deste preceito: um benefício nunca se perde. Mas tereis também trabalhado para vós, pois tereis

o mérito de ter feito o bem com desinteresse, sem vos deixar abater pelas deceções.

São numerosos os laços que vos ligam às vossas existências anteriores! Se pudésseis abarcar a

quantidade das relações que aproximam os seres uns dos outros, para o mútuo progresso, admiraríeis bem

mais a sabedoria e a bondade do Criador, que vos permite reviver para chegar a ele!

Guia protetor / Sens, 1862

20. Terá valor a beneficência quando se limita ao círculo de pessoas da mesma opinião, da mesma

crença ou do mesmo partido?

O Espírito de seita e de partido deve ser abolido, porque todos os homens são irmãos. O verdadeiro

cristão vê irmãos em todos os seus semelhantes e, para socorrer um necessitado, não procura saber a sua

crença, a sua opinião, seja a propósito do que for.

Seguir os preceitos de Jesus é amar até os inimigos, acolhendo quem tenha opiniões diferentes da nossa.

Devemos socorrer, sem pedir contas a ninguém. Se for um inimigo da religião, será um bom motivo para

que mude.

São Luís / Paris, 1860

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CAPÍTULO XIV - HONRA TEU PAI E TUA MÃE

1. Sabes os mandamentos: Não cometas adultério; Não mates; Não furtes; Não digas falsos

testemunhos; Não cometas fraudes; Honra teu pai e tua mãe (Marcos 10,19; Lucas 18, 20; Mateus 19, 19).

2. Honrarás teu pai e tua mãe, para teres uma dilatada vida sobre a Terra que o Senhor teu Deus te

dará. (Decálogo, Êxodo 20,12).

Piedade filial

3. O mandamento: "Honrar pai e mãe", é uma consequência da lei geral da caridade e do amor ao

próximo, visto que não se pode amar o próximo sem amar pai e mãe.

O imperativo “ honra” ou “honrai” inclui também o dever da veneração filial. Deus mostra que ao amor

para com os pais é necessário juntar o respeito, os cuidados, a obediência e a condescendência, além de

cumprir da maneira mais rigorosa tudo o que a caridade determina em relação ao próximo.

Esse dever estende-se às pessoas que, sem serem pais naturais, assumiram generosamente essas

funções, cujo mérito é tanto maior, quanto a dedicação é para elas menos obrigatória. Deus pune sempre,

de maneira rigorosa, qualquer violação deste mandamento.

Honrar o pai e a mãe não é somente respeitá-los, mas também assistir-lhes nas suas necessidades,

proporcionar-lhes o repouso na velhice e cercá-los de cuidados, como eles fizeram por nós na infância.

É sobretudo para com os pais sem recursos que se demonstra a verdadeira piedade filial. Não obedecem

a este mandamento aqueles que apenas lhes dão o necessário para que não morram de fome, enquanto

para si mesmos de nada se privam; ou aqueles que mandam os pais para as piores divisões da casa,

reservando para si mesmos as melhores e mais confortáveis.

Pior ainda se tudo o que fazem é feito de má vontade, sendo os pais obrigados a pagar o que lhes resta

de vida com o peso de serviços domésticos! Será justo que pais velhos e fracos tenham de servir filhos

jovens e fortes? A mãe ter-lhes-á vendido o leite quando ainda estavam no berço? Por acaso contou as

noites que passou em claro quando ficavam doentes, ou terá contado os passos que deu, para lhes

proporcionar o cuidado necessário?

Não é só o estritamente necessário que os filhos devem aos pais pobres, mas também, tanto quanto

puderem, as pequenas alegrias do supérfluo, as amabilidades, os cuidados carinhosos, que são apenas os

juros do que receberam, o pagamento de uma dívida sagrada. Essa, unicamente, é a piedade filial aceite

por Deus.

Infeliz, portanto, daquele que se esquece da sua dívida para os que o sustentaram na infância, os que,

com a vida material, lhe deram também a vida moral e que muitas vezes sofreram duras privações para lhe

assegurarem o bem-estar!

Infeliz do ingrato, porque será punido pela ingratidão e pelo abandono; será ferido nas suas mais caras

afeições, às vezes desde a vida presente, mas de certeza noutra existência, em que terá de sofrer o que fez

os outros sofrerem!

É verdade que certos pais ignoram os seus deveres e não são para os filhos o que deviam ser. Mas é a

Deus que compete puni-los e não aos filhos. Não cabe aos filhos censurá-los, porque talvez tenham

merecido que assim fosse.

Se a caridade estabelece como lei pagar o mal de terceiros com o bem, ser compreensivos com as

imperfeições dos outros, não os maldizer, esquecer e perdoar as ofensas, amar até mesmo as atitudes mais

duras , essa obrigação é ainda maior em relação aos pais!

Os filhos devem, por isso mesmo, tomar como regra de conduta para com os pais todos os preceitos de

Jesus em relação ao próximo, e lembrar que todos os atos condenáveis em relação aos estranhos, mais

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condenáveis se tornam para com os pais. Devem lembrar ainda que aquilo que no primeiro caso seria

apenas uma falta, pode tornar-se um crime no segundo, porque neste, à falta de caridade junta-se a

ingratidão.

4. Deus disse: "Honrarás pai e mãe, para teres longa vida sobre a Terra que o Senhor teu Deus te dará."

Mas porque promete Deus como recompensa a vida terrena e não a celeste? A explicação encontra-se

nas palavras: "Que Deus te dará", que foram suprimidas na forma moderna do decálogo, o que lhe

desfigura o sentido. Para compreendermos estas palavras temos que considerar a situação e as ideias dos

hebreus, na época em que foram pronunciadas. Os Judeus não concebiam a vida futura. Os seus

conhecimentos limitavam-se à compreensão da vida física, baseadas naquilo que viam. É por isso que Deus

lhes falou numa linguagem ao seu alcance e, como se faz às crianças, para que a entendessem.

Nesse tempo viviam no deserto. A terra que Deus lhes iria dar seria a “Terra Prometida”, alvo das suas

aspirações. Não desejavam mais nada, e Deus disse-lhes que nela viveriam por longo tempo, o que significa

que a possuiriam por longo tempo, se obedecessem aos seus mandamentos.

Quando se deu a vinda de Jesus, as ideias dos hebreus estavam mais desenvolvidas. Tendo chegado o

momento de lhes ser dado um alimento menos rude, Jesus inicia-os na vida espiritual, ao dizer: "O meu

reino não é deste mundo. É nele, e não na Terra, que recebereis a recompensa das vossas boas ações."

Com estas palavras, a Terra Prometida material transformava-se numa pátria celeste. Assim, quando

lhes recordou a necessidade de cumprirem o mandamento ─ Honra teu pai e tua mãe ─ já não é a Terra

que lhes promete, mas o Céu. (Caps. II e III).

Quem é a minha mãe e quem são os meus irmãos?

5. E foram para uma casa. E afluiu outra vez a multidão, de tal maneira que nem sequer podiam comer

pão. E, quando os seus parentes ouviram isso, saíram para o prender, porque diziam: Está fora de si.

Chegaram, então, seus irmãos e sua mãe; e, estando de fora, mandaram-no chamar. E a multidão estava

assentada ao redor dele, e disseram-lhe: Eis que tua mãe e teus irmãos te procuram e estão lá fora. E ele

respondeu-lhes, dizendo: Quem é minha mãe e quem são meus irmãos? E, olhando em redor para os que

estavam assentados junto dele, disse: Eis aqui minha mãe e meus irmãos. Porquanto qualquer que fizer a

vontade de Deus, esse é meu irmão, e minha irmã, e minha mãe. (Marcos 3, 20-21 e 31-35; Mateus,12, 46-

50).

6. Certas palavras parecem estranhas na boca de Jesus e contrastam com a sua generosidade e a sua

inalterável bondade para todos. Os incrédulos não deixaram de aproveitá-las, para dizer que ele se

contradizia. Um facto irrecusável, porém, é a que a sua doutrina tem por base essencial, por pedra angular,

a lei do amor e da caridade. Não podia, portanto, destruir de um lado o que construía do outro. Daí, é

forçoso concluir que, se certos preceitos estão em contradição com os seus princípios, é porque as palavras

que lhe foram atribuídas foram mal reproduzidas, mal compreendidas, ou não foram ditas por ele.

7. Causa espanto ver Jesus nestas circunstâncias, mostrar tanta indiferença perante a sua família mais

íntima, chegando ao ponto de renegar a própria mãe. No que toca aos seus irmãos, sabe-se que nunca

tinham tido simpatia por ele. Espíritos pouco adiantados, não tinham compreendido a sua missão. A

conduta de Jesus, aos seus olhos, era incompreensível, e os seus ensinamentos não os tinham tocado.

Nenhum deles tinha tido condições de se tornar um dos seus discípulos, parecendo mesmo que

participavam, até certo ponto, da opinião dos seus inimigos. De resto, recebiam-no mais como estranho

do que como um irmão, quando se apresentava em família, e São João diz, muito claramente, “Porque nem

mesmo os seus irmãos acreditavam nele”. (João, 7, 5).

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Quanto à sua mãe, ninguém poderia deixar de reconhecer a sua ternura pelo filho, mas é necessário

reconhecer que ela nunca deve ter tido uma ideia aproximada da verdadeira missão Jesus, ninguém notou

que tivesse seguido os seus ensinamentos, nem lhe manifestou o seu apoio, como o fez João Batista. A

solicitude maternal era o seu sentimento dominante.

No tocante a Jesus, supor que tivesse renegado a sua mãe seria desconhecer a sua maneira de ser, pois

semelhante pensamento não poderia animar aquele que disse: “Honrai pai e mãe”. É, pois, necessário

procurar outro sentido para as suas palavras, quase sempre veladas pela forma alegórica.

Jesus não perdia nenhuma ocasião de dar um ensinamento. Serviu-se, portanto, da que lhe oferecia a

chegada da sua família, para estabelecer a diferença que existe entre o parentesco corporal e o parentesco

espiritual.

Parentesco corporal e espiritual

8. Os laços de sangue não estabelecem necessariamente laços entre os Espíritos. O corpo provém do

corpo, mas o Espírito não provém do Espírito, porque este existia antes da formação do corpo. Não são os

pais que geram o Espírito do filho, fornecem-lhe apenas a sua estrutura corporal, mas devem ajudar o seu

desenvolvimento intelectual e moral, para que evolua espiritualmente.

Os Espíritos que encarnam numa mesma família, sobretudo como parentes próximos são, a maior parte

das vezes, Espíritos simpáticos ligados por relações anteriores, o que origina afetividade durante a vida

terrena. Esses Espíritos, porém, também podem ser estranhos uns aos outros, separados por antipatias

igualmente anteriores que produzem conflitos na Terra, a fim de lhes servir de prova.

Os verdadeiros laços de família não são os da consanguinidade, mas os da simpatia de pensamentos

que unem os Espíritos, antes, durante e após a encarnação. Daí que dois seres nascidos de pais diferentes

podem ser mais irmãos pelo Espírito, do que se o fossem pelo sangue. Podem sentir afinidades e conviver

harmoniosamente, enquanto dois irmãos consanguíneos podem não se dar bem, como é frequente. É um

problema moral, que só o espiritismo pode ser resolver pela pluralidade das existências. (Ver cap. IV, n°

13).

Há, portanto, duas espécies de famílias: as famílias espirituais e as famílias corporais. As primeiras,

duradouras, fortificam-se pela purificação e perpetuam-se no mundo dos Espíritos, através das migrações

da alma. As segundas, frágeis como a matéria, extinguem-se com o tempo, e quase sempre se dissolvem

moralmente já na vida atual.

Foi o que Jesus quis fazer compreender, dizendo aos discípulos: "Eis a minha mãe e os meus irmãos",

ou seja, a minha família pelos laços espirituais, pois "quem quer que faça a vontade de meu Pai que está

nos céus, é meu irmão, minha irmã e minha mãe." (Marcos 3, 33-35)

A hostilidade dos seus irmãos está claramente expressa no relato de São Marcos, quando diz: “E, quando

os seus parentes ouviram isto, saíram para o prender, porque diziam: Está fora de si. (ou seja, perdera o

juízo). (Marcos 3, 21)

Avisado de que tinham chegado e conhecendo o sentimento deles a seu respeito, era natural que

dissesse, referindo-se aos seus discípulos, do ponto de vista espiritual: "Eis os meus verdadeiros irmãos". A

sua mãe acompanhava-os e Jesus falou com naturalidade, o que não significava que a sua mãe nada lhe

fosse como Espírito e só lhe merecesse indiferença. A sua conduta, noutras circunstâncias, provou

suficientemente o contrário.

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INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS

A ingratidão dos filhos e os laços de família

9. A ingratidão é um dos frutos mais imediatos do egoísmo e revolta sempre os corações justos. Porém,

no caso da falta de reconhecimento dos filhos para com os pais a ingratidão tem um sentido ainda mais

detestável.

É deste ponto de vista que vamos analisar as suas causas e os seus efeitos. Neste, como noutros

assuntos, o espiritismo esclarece de forma especial e lança a luz sobre um sério problema humano.

No fim da vida material, o Espírito deixa a Terra, leva consigo as paixões ou as virtudes inerentes à sua

natureza e vai, no intervalo entre vidas, aperfeiçoar-se ou estacionar até ao ponto evolutivo que lhe seja

possível alcançar.

Alguns levam consigo ódios violentos e desejos insatisfeitos de vingança; outros, mais avançados, é-lhes

permitido ter uma visão parcial da verdade.

Reconhecem os efeitos negativos das suas dificuldades e é então que tomam boas resoluções.

Compreendem que o caminho para Deus passa infalivelmente pela prática da caridade, e que ela não

existe sem o perdão das ofensas e enquanto existir ódio no coração.

Então, com um esforço inaudito, olham para os que detestaram durante a vida na Terra e, ao vê-los, a

má vontade desperta. Revoltam-se com a ideia de perdoar, mesmo prejudicando-se a si próprios, e em

nenhum caso amarem aqueles que lhes destruíram talvez a fortuna, a honra ou a família.

O coração destas criaturas ficou, porém, muito abalado. Hesitam, vacilam, agitados por sentimentos

contrários. Se triunfa a boa decisão, pedem a Deus, imploram aos bons Espíritos que lhes dêem forças no

momento mais decisivo da prova.

Depois de alguns anos de meditação e de preces, o Espírito aproveita-se de um corpo que se prepara

para vir à luz na família daquele que detestou, e pede permissão às entidades responsáveis pelas ordens

supremas, para ir cumprir na Terra o destino desse novo ser.

A sua conduta nessa família vai depender da maior ou menor coragem das suas boas resoluções. O

convívio permanente com figuras com quem se deu mal é uma prova muito difícil, perante a qual hesita,

se a vontade fraqueja. Dependendo da energia das suas decisões, será amigo ou inimigo daqueles em cujo

meio foi chamado a viver.

É assim que se explicam certas repulsas instintivas da parte de crianças que nenhum facto exterior

parece justificar. Numa ainda breve existência, nada poderia provocar certas atitudes de rejeição. Para

entender a sua causa, é necessário considerar factos desconhecidos, muito provavelmente sucedidos no

passado.

Compreendam, espíritas, o grande papel da Humanidade! Compreendam que, quando é gerado um

corpo, a alma que encarna vem do mundo espiritual para progredir durante a vida material. Tomem

conhecimento dos vossos deveres, e ponham todo o vosso amor em aproximar essa alma de Deus ─ é essa

a missão que vos está confiada, e da qual receberão a recompensa, se a cumprirem fielmente.

Os vossos cuidados e a educação que lhe for dada auxiliarão o seu aperfeiçoamento e a sua felicidade

futura. Lembrem-se de que a cada pai e a cada mãe, Deus perguntará: "Que fizeste da criança confiada à

tua guarda?”

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Se permaneceu atrasada por vossa culpa o vosso castigo será vê-la entre os Espíritos sofredores, quando

dependia de vós que fosse feliz.

Com sentido de culpa, pedirão então para reparar as vossas faltas numa nova encarnação, para vós e

para ela, na qual lhe darão todos os cuidados mais esclarecidos, e ela, cheia de reconhecimento, envolver-

vos-á no seu amor.

Não levem a mal ao filho que no berço repele a mãe, nem aquele que vos paga com ingratidão: não foi

o acaso que o fez assim e que vo-lo enviou. O que se revela é uma intuição imperfeita do passado; mostra

que um ou outro de vós já odiou muito ou foi muito ofendido, que um ou outro de vós veio para perdoar

ou expiar.

Mães, abraçai o filho que vos causa sofrimentos, e dizei para vós mesmas: "Um de nós dois foi culpado."

Merecei as divinas alegrias que Deus concedeu à maternidade, ensinando à criança que está na Terra para

se aperfeiçoar, para amar e abençoar.

Porém, muitas de vós, em vez de expulsar por meio da educação os maus princípios inatos, provenientes

das existências anteriores, mantêm e desenvolvem esses princípios, por descuido ou por fraqueza. Mais

tarde, o vosso coração ferido pela ingratidão dos filhos, será para vós, ainda nesta vida, o começo da

expiação.

A tarefa não é tão difícil como podem pensar. Não exige o saber do mundo, pois tanto o ignorante como

o sábio a podem cumprir, e o espiritismo facilita-a ao revelar a causa das imperfeições do coração humano.

A criança, desde o berço, manifesta os instintos bons ou maus que traz da sua existência anterior.

É necessário estudá-los com atenção. Os maus têm a sua origem no egoísmo e no orgulho. Observem

os vestígios desses vícios e combatam-nos, para que não ganhem raízes. Façam como o bom jardineiro,

que arranca os rebentos daninhos logo que aparecem na árvore.

Se deixarem que o egoísmo e o orgulho se desenvolvam, podem mais tarde ser vítimas da ingratidão.

Quando os pais fazem tudo para o aperfeiçoamento moral dos filhos, se não conseguirem êxito, não

têm de que se lamentar e a sua consciência pode estar tranquila.

Quanto à amargura muito natural pelo insucesso dos seus esforços, Deus dá-lhes o imenso consolo de

saberem que é apenas um atraso momentâneo e que irão ultrapassar noutra existência a obra então

começada e que um dia o filho ingrato os recompensará com o seu amor. (Ver cap. XIII, n° 19).

Deus não dá aos seres vivos provas superiores às forças daqueles que as pedem e só lhes permite aceitar

aquelas que podem cumprir. Se não tiverem êxito na sua tarefa, não é por falta de possibilidades e sim por

falta de vontade, visto que há muita gente que, em vez de resistir às más inclinações se deixa arrastar por

elas. É para esses que estão reservadas as lágrimas e os queixumes nas suas existências posteriores.

Admirem, contudo, a bondade de Deus que nunca fecha a porta ao arrependimento. Chega um dia em

que o culpado está cansado de sofrer, em que o seu orgulho foi por fim dominado, e é então que Deus

abre os seus braços paternais para o filho pródigo que se lança aos seus pés.

As grandes provas são quase sempre o indício de um fim de sofrimento e de um aperfeiçoamento do

Espírito, quando são aceites com o pensamento em Deus.

São um momento supremo e é nele, sobretudo, que as pessoas não devem deixar-se cair em queixumes,

se não quiserem perder o fruto da prova e ter de repeti-la.

Em vez de queixumes, agradecei a Deus que vos oferece a ocasião de vencer, para vos dar o prémio da

vitória. Então, quando saídos do turbilhão do mundo terreno, entrarem no mundo dos Espíritos, serão ali

como combatentes vitoriosos de regresso a casa.

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As mais penosas de todas as provas são as que afetam o coração. Há quem suporte com coragem a

miséria e as privações materiais, mas que sucumbe às amarguras domésticas, esmagado pela ingratidão

dos seus. Essa é uma dolorosa angústia!

Nessas circunstâncias, só o conhecimento das causas do mal pode reerguer a coragem moral, na certeza

de que, se há dores muito arrastadas, não há desesperos eternos, visto que Deus não quer que as pessoas

sofram para sempre.

O que dá mais consolo e coragem é o pensamento de que depende dos nossos próprios esforços

abreviar o sofrimento, destruindo em nós as causas do mal.

Para isso, é necessário não olhar apenas a Terra e não ver apenas uma existência.

É necessária a elevação, pairar no infinito do passado e do futuro. Então, a grande justiça de Deus revela-

se aos nossos olhos, e esperamos com paciência, porque compreendemos por nós próprios o que pareciam

grandes absurdos na Terra.

As feridas recebidas nesta vida parecem então simples arranhaduras. Olhando para o conjunto, os laços

de família aparecem no seu verdadeiro sentido: já não os laços frágeis da matéria que ligam os seus

membros, mas os laços duráveis do Espírito, que se perpetuam e se consolidam, ao aperfeiçoarem-se, em

vez de se quebrarem com a reencarnação.

Os Espíritos cujos gostos, identidade de progresso moral e de afeição são semelhantes, são levados a

aproximar-se, formando famílias.

Esses mesmos Espíritos, nas suas migrações terrenas, procuram-se para se agruparem, como faziam no

mundo espiritual, dando origem às famílias unidas e homogéneas.

Se nas suas peregrinações, ficam momentaneamente separados, mais tarde reencontram-se, felizes

pelos seus novos progressos.

Como não devem trabalhar somente para si mesmos, Deus permite que Espíritos menos adiantados

venham encarnar entre eles, a fim de receberem conselhos e bons exemplos, no interesse do seu próprio

progresso.

Esses causam, por vezes, perturbações. Contudo, é aí que está a prova, é aí que se encontra a tarefa.

Recebei-os, pois, como irmãos. Ajudai-os e, mais tarde, no mundo dos Espíritos, a família se felicitará

por ter salvo do naufrágio os que, por sua vez, poderão salvar outros.

Espírito “Santo Agostinho” / Paris, 1862

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CAPÍTULO XV ─ FORA DA CARIDADE NÃO HÁ SALVAÇÃO

O que é preciso para ser salvo. Parábola do bom samaritano

1. Quando vier o Filho do Homem na sua glória, e todos os anjos com ele, então se assentará no trono

da sua glória; e todas as nações serão reunidas diante dele, e separará uns dos outros, como o pastor que

aparta dos cabritos as ovelhas; e assim porá as ovelhas à direita, e os cabritos à esquerda.

Então dirá o rei aos que estiverem à sua direita: vinde, benditos de meu Pai, possuí por herança o reino

que vos está preparado desde o princípio do mundo; porque tive fome e destes-me de comer; tive sede e

destes-me de beber; era estrangeiro e hospedastes-me; estava nu e cobristes-me; estava enfermo e

visitastes-me; estava na prisão e viestes ver-me.

Então, os justos lhe responderão, dizendo: Senhor, quando é que nós te vimos com fome e te demos de

comer? Ou com sede e te demos de beber? E quando te vimos estrangeiro e te hospedámos? Ou nu e te

vestimos? Ou quando te vimos enfermo, ou na prisão, e te fomos ver? E, respondendo, o rei lhes dirá: Em

verdade vos digo, que quantas vezes vós fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim o

fizestes.

Então dirá também aos que estiverem à sua esquerda: Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno

que está preparado para o diabo e seus anjos; porque tive fome e não me destes de comer; tive sede e não

me destes de beber; sendo estrangeiro não me recolhestes; estando nu não me vestistes; ou enfermo ou na

prisão e não me visitastes.

Então eles também responderão, dizendo: Senhor, quando é que nós te vimos com fome, com sede, ou

estrangeiro, ou nu, ou enfermo, ou na prisão, e não te assistimos? Então lhes responderá ele, dizendo; Em

verdade vos digo, que quantas vezes o deixastes de fazer a um destes mais pequeninos, a mim o deixastes

de fazer.

E irão estes para o suplício eterno, e os justos para a vida eterna. (Mateus, 25: 31-46).

2. E eis que se levantou um doutor da lei, e lhe disse, para o tentar: Mestre, que hei de eu fazer para

herdar a vida eterna? Disse-lhe então Jesus: O que é que está escrito na lei? Como lês tu? Ele, respondendo,

disse: Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todas as tuas forças, e com

todo o teu entendimento, e ao teu próximo como a ti mesmo. E Jesus disse-lhe: Respondeste bem, faz isso

e viverás.

Mas ele, querendo justificar-se a si mesmo, disse a Jesus: E quem é o meu próximo? Jesus, prosseguindo

no mesmo discurso, disse:

Um homem descia de Jerusalém para Jericó e caiu nas mãos dos salteadores que logo o despojaram do

que levava; e depois de o terem maltratado e deixado com muitas feridas, retiraram se, deixando-o meio

morto. E, ocasionalmente, passava pelo mesmo caminho um sacerdote; e quando o viu passou de largo. E

de igual modo também um levita, chegando perto daquele lugar e vendo-o, passou ao largo. Mas um

samaritano, que ia de viagem, chegou perto dele e quando o viu moveu-se de íntima compaixão. E,

aproximando-se, atou-lhe as feridas, aplicando-lhes azeite e vinho; e, pondo-o sobre a sua cavalgadura,

levou-o para uma estalagem e cuidou dele.

E, partindo ao outro dia, tirou dois denários, deu-os ao estalajadeiro e disse-lhe: cuida dele, e tudo o que

gastares demais, eu to pagarei quando voltar.

Qual destes três te parece que foi o próximo daquele que caiu nas mãos dos salteadores? Respondeu

logo o outro: O que usou de misericórdia para com ele.

Então disse-lhe Jesus: Pois vai, e faz tu o mesmo (Lucas, 10: 25-37).

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3. Toda a moral de Jesus se resume na caridade e na humildade, as duas virtudes contrárias ao egoísmo

e ao orgulho. Em todos os seus ensinamentos nos disse que são estas duas virtudes que conduzem ao

caminho da felicidade eterna:

Bem-aventurados os pobres de Espírito, os humildes, porque deles é o Reino dos Céus; Bem-

aventurados os puros de coração; Bem-aventurados os mansos e pacíficos; Bem-aventurados os

misericordiosos.

Amai o vosso próximo como a vós mesmos; Fazei aos outros o que desejaríeis que vos fizessem; Amai

os vossos inimigos; Perdoai as ofensas, se quereis ser perdoados; Fazei o bem sem ostentação; Julgai-vos

a vós mesmos antes de julgar os outros.

Humildade e caridade é o que sempre recomenda, e de que ele mesmo dá o exemplo. Orgulho e

egoísmo é o que não se cansa de combater. Mas não se limita a recomendar a caridade, põe-na claramente,

em termos explícitos, como condição absoluta da felicidade futura.

No quadro do juízo final, que Jesus apresenta, como em muitas outras coisas, temos de separar o que

pertence à forma e à alegoria.

[ 21 - Juízo final, forma e alegoria ]

Às pessoas como aquelas a quem falava, ainda incapazes de compreenderem as coisas puramente

espirituais, devia apresentar imagens materiais, chocantes e capazes de impressionar.

Para melhor apreenderem o que dizia, não podia mesmo afastar-se muito das ideias em voga, no

tocante à forma, reservando sempre para o futuro a verdadeira interpretação das suas palavras e dos

pontos que ainda não podia explicar claramente. Além da parte acessória ou figurada do quadro, há uma

ideia dominante: a da felicidade que espera o justo e da infelicidade reservada ao mau.

Nesse julgamento supremo, quais são os considerandos da sentença? Sobre que incidem as questões

apresentadas? O juiz pergunta se foram desempenhadas estas ou aquelas formalidades, observadas mais

ou menos estas ou aquelas práticas exteriores?

Não, só pergunta por uma coisa: a prática da caridade, e pronuncia-se dizendo: "Passai à direita, vós

que socorrestes os vossos irmãos; passai à esquerda, vós que fostes duros para com eles."

Informa-se acerca da ortodoxia da fé? Faz distinção entre o que acredita de um modo e o que acredita

de outro?

Não, pois Jesus coloca o samaritano, considerado herético, mas que tem amor ao próximo, acima do

ortodoxo a quem falta caridade.

Portanto, Jesus não faz da caridade uma das condições de salvação, mas a única condição. Se outras

devessem ser preenchidas, mencioná-las-ia.

Se coloca a caridade na primeira linha das virtudes, é porque ela encerra implicitamente todas as outras:

a humildade, a mansidão, a benevolência, a bondade, a justiça, etc.; e porque ela é a negação absoluta do

orgulho e do egoísmo.

O maior mandamento

4. Mas os fariseus, quando viram que Jesus tinha feito calar a boca aos Saduceus, ajuntaram-se em

conselho. E um deles, que era doutor da lei, tentando-o, perguntou-lhe: Mestre, qual é o grande

mandamento da lei? Jesus lhe disse: Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma

e de todo o teu entendimento. Este é o maior e primeiro mandamento. E o segundo, semelhante a este, é:

Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Estes dois mandamentos contêm toda a lei e os profetas. (Mateus,

22: 34-40).

5. A Caridade e a humildade são o único caminho da salvação. O egoísmo e o orgulho são o caminho

da perdição.

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Este princípio é formulado em termos exatos nestas palavras: "Amarás a Deus de toda a tua alma e ao

teu próximo como a ti mesmo; estes dois mandamentos contêm toda a lei e os profetas."

E para que não houvesse qualquer dúvida na interpretação do amor de Deus e do próximo, acrescenta:

"O segundo princípio, semelhante a este, é que não se pode verdadeiramente amar a Deus sem amar o

próximo, nem amar o próximo sem amar a Deus, porque tudo quanto se faz contra o próximo é o mesmo

que fazê-lo contra Deus. Não se podendo amar a Deus sem praticar a caridade para com o próximo, todos

os deveres se encontram resumidos neste preceito: Fora da caridade não há salvação.

Necessidade da caridade segundo São Paulo

6. Ainda que eu falasse todas as línguas dos homens e dos anjos e não tivesse caridade, seria como o

metal que soa ou como o sino que tine. E ainda que tivesse o dom de profecia, e conhecesse todos os

mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse montanhas, e

não tivesse caridade, nada seria. E ainda que distribuísse toda a minha fortuna para sustento dos pobres, e

ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, e não tivesse caridade, nada disso me aproveitaria.

A caridade é sofredora, é benigna; a caridade não é invejosa; a caridade não trata com leviandade, não se

ensoberbece, não se porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita mal;

não folga com a injustiça, mas folga com a verdade; tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.

Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e a caridade, estas três virtudes; porém a maior delas é a

caridade. (Paulo, 1 Coríntios, 13:1-7 e 13).

7. São Paulo compreendeu tão profundamente esta verdade, que diz:

"Se eu falasse as línguas dos anjos; se tivesse o dom de profecia e conhecesse todos os mistérios; se

tivesse toda a fé possível, a ponto de transportar montanhas, mas não tivesse caridade, nada seria. Entre

essas três virtudes: a fé, a esperança e a caridade, a maior delas é a caridade."

Coloca, assim, sem qualquer dúvida, a caridade acima da própria fé. Porque a caridade está ao alcance

de todos, do ignorante e do sábio, do rico e do pobre; e porque é independente de qualquer crença. E faz

mais, define a verdadeira caridade: mostra-a, não somente na beneficência, mas no conjunto de todas as

qualidades do coração, na bondade e na benevolência para com o próximo.

Fora da Igreja não há salvação. Fora da verdade não há salvação

8. Enquanto o preceito “Fora da caridade não há salvação” se baseia num princípio universal, abre a

todos os filhos de Deus o acesso à felicidade suprema, o dogma “Fora da Igreja não há salvação” apoia-se,

não na fé fundamental em Deus e na imortalidade da alma, fé comum a todas as religiões, mas numa fé

específica em determinados dogmas.

O dogma, portanto, é intolerante e autoritário. Em vez de unir os filhos de Deus, divide-os. Em vez de

incitá-los ao amor fraterno, alimenta e aprova a exaltação entre os seguidores de cultos diferentes, que se

consideram reciprocamente malditos na eternidade, mesmo que sejam parentes ou amigos neste mundo.

Virando as costas à grande lei de igualdade perante o túmulo, separa-os até no prado do repouso.

O preceito “Fora da caridade não há salvação” é a consagração do princípio de igualdade perante Deus

e da liberdade de consciência. Tendo-se este preceito como regra, todos os homens são irmãos e seja qual

for a sua maneira de adorar o Criador, dão as mãos e oram uns pelos outros.

Com o dogma “Fora da Igreja não há salvação”, amaldiçoam-se e perseguem-se mutuamente, vivendo

como inimigos: o pai não ora pelo filho, nem o filho pelo pai, nem o amigo pelo amigo, visto que se julgam

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reciprocamente condenados, sem perdão. Este dogma é, portanto, essencialmente contrário aos

ensinamentos de Jesus e dos Evangelhos.

9. “Fora da verdade não há salvação” seria equivalente a “Fora da Igreja não há salvação” e igualmente

intolerante, porque não existe uma única igreja que não pretenda ter o privilégio da verdade.

Quem é que pode gabar-se de conhecer toda a verdade, se o conhecimento se transforma e aumenta

permanentemente e se vão aperfeiçoando as ideias a cada dia que passa?

A verdade absoluta só é acessível aos Espíritos da mais elevada categoria e a Humanidade terrena não

poderia aspirar a ela, pois não lhe é dado saber tudo. A Humanidade só pode aspirar a uma verdade relativa,

proporcional ao seu grau evolutivo. Se Deus tivesse feito da posse da verdade absoluta a condição expressa

da felicidade futura, ninguém a alcançaria. Pelo contrário, a caridade, mesmo na sua aceção mais ampla,

pode ser praticada por todos.

O espiritismo, de acordo com o Evangelho, admitindo que se pode ser salvo seja qual for a crença que

se segue e se pratique a lei de Deus, não diz “Fora do espiritismo não há salvação”. Como não pretende

ensinar toda a verdade, também não diz “Fora da verdade não há salvação”, princípio que dividiria em vez

de unir, e que perpetuaria as incompatibilidades.

INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS

Fora da caridade não há salvação

10. No preceito “Fora da caridade não há salvação”, estão contidos os destinos dos seres humanos na

Terra e no Céu. Na Terra, porque à sombra desta bandeira viverão em paz; e no Céu, porque aqueles que

a tiverem praticado acharão benevolência diante do Senhor.

Esta divisa é a chama celeste, a coluna luminosa que guia os seres humanos no deserto da vida, para os

conduzir à Terra Prometida. Brilha no Céu como auréola santa na fronte dos eleitos, e na Terra está gravada

no coração daqueles a quem Jesus dirá: "Passai à direita, benditos de meu Pai".

Podeis reconhecer os eleitos pelo perfume de caridade que espalham em seu redor. Nada exprime

melhor o pensamento de Jesus, nada resume melhor os deveres dos seres humanos, do que este preceito

de ordem divina. O espiritismo não podia provar melhor a sua origem do que apresentando-a como regra,

porque é o reflexo do mais puro cristianismo. Com esta orientação, os seres humanos nunca se perderão.

Dedicai-vos a compreender o seu sentido profundo e os seus resultados e a procurar por vós mesmos

todas as suas aplicações. Submetei as vossas ações ao controlo da caridade e a vossa consciência vos

responderá. Não somente ela evitará que façais o mal, mas ainda vos levará a fazer o bem. Porque não

basta uma virtude negativa, é preciso uma virtude ativa: para fazer o bem é necessária a ação da vontade,

mas para não fazer o mal bastam, muitas vezes, a inércia e a negligência.

Meus amigos, agradecei a Deus que vos permitiu conhecer a luz do espiritismo. Não porque somente

os que a possuem possam salvar-se, mas porque, ajudando-vos a compreender melhor os ensinamentos

de Jesus, ela torna-vos melhores cristãos. Fazei, pois, que ao ver-vos, se possa dizer que o verdadeiro

espírita e o verdadeiro cristão são uma e a mesma coisa, porque todos os que praticam a caridade são

discípulos de Jesus, seja qual for o culto a que pertençam.

Espírito “Paulo, apóstolo” / Paris, 1860

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CAPÍTULO XVI - SERVIR A DEUS E A MAMON

A salvação dos ricos

1. Nenhum servo pode servir a dois senhores, porque ou há de aborrecer um e amar o outro, ou há de

entregar-se a um e não fazer caso do outro; vós não podeis servir ao mesmo tempo a Deus e a Mamon.

(Lucas, 16:13).

2. E eis que, chegando-se a ele um jovem, lhe disse: Bom Mestre, que boas obras devo eu fazer para

alcançar a vida eterna? Jesus respondeu-lhe: Porque me chamas bom? Bom só Deus o é. Porém, se queres

entrar na vida eterna, guarda os mandamentos.

Ele lhe perguntou: Quais? E Jesus respondeu: Não matarás, não cometerás adultério, não furtarás, não

dirás falso testemunho, honra teu pai e tua mãe e amarás o teu próximo como a ti mesmo.

Disse-lhe o jovem: tenho guardado tudo isso desde a minha mocidade. Que me falta ainda?

Jesus respondeu-lhe: Se queres ser perfeito, vai, vende tudo o que tens e dá-o aos pobres, e terás um

tesouro no céu. Depois vem e segue-me. O jovem, porém, ouvindo esta palavra, retirou-se triste, porque

tinha muitos bens.

E Jesus disse aos seus discípulos: Em verdade vos digo que é difícil um rico entrar no Reino dos Céus.

Ainda vos digo mais: que mais fácil é passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que entrar um rico

no Reino dos Céus 6. (Mateus, 19: 16-24; Lucas, 17: 18-25; Marcos, 10:17-25).

Não praticar a avareza

3. Então disse-lhe um homem da multidão: Mestre, diz a meu irmão que reparta comigo a herança que

recebemos. Porém Jesus respondeu-lhe: Homem, quem me constituiu a mim juiz, ou repartidor entre vós?

Depois disse-lhe: Guardai-vos e acautelai-vos da avareza, porque a vida de cada um não consiste na

abundância das coisas que possui.

E propôs-lhes uma parábola, dizendo: O campo de um homem rico tinha produzido com abundância, e

ele arrazoava dentro de si estes pensamentos: que farei? Não tenho onde recolher os meus frutos. E

concluiu: derrubarei os meus celeiros e edificarei outros maiores e neles recolherei todas as minhas

novidades, e os meus bens. E direi à minha alma: Alma minha, tens muitos bens em depósito para largos

anos. Agora descansa, come, bebe e folga. Mas Deus disse-lhe: Louco, esta noite te pedirão a tua alma, e

as coisas que ajuntaste, para quem serão? Assim é o que entesoura para si, e não é rico para Deus. (Lucas

12, 13-21).

Jesus em casa de Zaqueu

4. E tendo Jesus entrado em Jericó, atravessa a cidade. E vivia nela um homem chamado Zaqueu, e era

ele um dos principais entre os publicanos e pessoa rica. E procurava ver quem era Jesus e não podia por

causa da multidão, pois era de pequena estatura. E correndo adiante, subiu a uma figueira-brava para o

6 Esta figura ousada pode parecer um pouco forçada porque não se entende a relação que existe entre um camelo e uma agulha. Acontece, contudo, que em hebreu a mesma palavra serve para designar um camelo e um cabo ou fio grosso. Na tradução deram-lhe o primeiro destes significados, mas é provável que no pensamento de Jesus estivesse o segundo – é pelo menos mais natural. (A.K.)

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ver, porque havia de passar por ali. E quando Jesus chegou àquele lugar, levantando os olhos viu-o, e disse-

lhe: Zaqueu, desce depressa, porque hoje me convém ficar em tua casa. E ele desceu a toda pressa e

recebeu-o com júbilo. E vendo todos isto, murmuravam, dizendo que tinha ido hospedar-se em casa de um

pecador (Ver introdução, art.º. Publicanos).

Entretanto Zaqueu, posto na presença do Senhor, disse-lhe: Senhor, eu estou para dar aos pobres

metade dos meus bens, e naquilo em que eu tiver defraudado alguém, restituo-o em quadruplicado.

E disse-lhe Jesus: hoje entrou a salvação nesta casa, porque este também é filho de Abraão. Porque o

Filho do Homem veio buscar e salvar o que se tinha perecido. (Lucas 19,1-10).

Parábola do mau rico

5. Havia um homem rico, que se vestia de púrpura e de linho finíssimo, e que vivia todos os dias regalada

e esplendidamente. Havia também um pobre mendigo, chamado Lázaro, que jazia cheio de chagas à porta

daquele. E desejava alimentar-se com as migalhas que caíam da mesa do rico, e os cães vinham lamber-lhe

as chagas.

E aconteceu que o mendigo morreu e foi levado pelos anjos para o seio de Abraão; e morreu também o

rico e foi sepultado. E, no Hades, ergueu os olhos, estando em tormentos, e viu ao longe Abraão e Lázaro,

no seu seio. E, clamando, disse: Abraão, meu pai, tem misericórdia de mim e manda cá Lázaro para que

molhe na água a ponta do seu dedo e me refresque a língua, porque estou atormentado nesta chama.

Disse, porém, Abraão: Filho, lembra-te de que recebeste os teus bens em tua vida, e Lázaro, somente

males; e, agora, este é consolado, e tu, atormentado. E, além disso, está posto um grande abismo entre nós

e vós, de sorte que os que quisessem passar daqui para vós não poderiam, nem tampouco os de lá, passar

para cá. E disse ele: Rogo-te, pois, ó pai, que o mandes à casa de meu pai, pois tenho cinco irmãos, para

que lhes dê testemunho, a fim de que não venham também para este lugar de tormento. Disse-lhe Abraão:

Eles têm lá Moisés e os Profetas, ouçam-nos. E disse ele: Não, Abraão, meu pai; mas, se algum dos mortos

fosse ter com eles, arrepender-se-iam. Porém Abraão lhe disse: Se não ouvem Moisés e os Profetas,

tampouco acreditarão, ainda que algum dos mortos ressuscite. (Lucas, 16: 19-31).

Parábola dos talentos

6. O Senhor age como alguém que, ao ausentar-se para longe, chamou os seus servos e entregou-lhes

os seus bens. E deu a um, cinco talentos e a outro, dois, e a outro deu um, a cada um segundo a sua

capacidade, e partiu logo para longe. E tendo ele partido, o que recebera cinco talentos negociou com eles

e ganhou outros cinco. Da mesma sorte também o que recebera dois ganhou outros dois. Mas o que

recebera um, indo-se com ele, cavou na terra e escondeu ali o dinheiro de seu senhor.

E muito tempo depois veio o senhor daqueles servos e ajustou contas com eles. E, chegando-se a ele o

que recebera os cinco talentos, apresentou-lhes outros cinco talentos, dizendo: Senhor, tu me entregaste

cinco talentos; eis, aqui tens outros cinco mais que lucrei. O seu senhor disse-lhe: muito bem, servo bom e

fiel, sobre o pouco foste fiel, sobre o muito te colocarei. Entra no gozo do teu senhor. Da mesma sorte

apresentou-se também o que recebera dois talentos, e disse: Senhor, tu me entregaste dois talentos, e eis

que com eles ganhei outros dois. O seu senhor disse-lhe: muito bem, servo bom e fiel; sobre o pouco foste

fiel, sobre o muito te colocarei. Entra no gozo do teu senhor.

Mas, chegando também o que recebera um talento disse: Senhor, eu conhecia-te, que és um homem

duro, que ceifas onde não semeaste e ajuntas onde não espalhaste; e, atemorizado, escondi na terra o teu

talento; aqui tens o que é teu. Respondendo, porém, o seu senhor, disse-lhe: mau e negligente servo, sabes

que ceifo onde não semeei e ajunto onde não espalhei; devias, então, ter dado o meu dinheiro aos

banqueiros, e, quando eu viesse, receberia o que é meu com os juros. Tirai-lhe, pois, o talento e dai-o ao que

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tem os dez talentos. Porque a qualquer que tiver será dado, e terá em abundância; mas ao que não tiver,

até o pouco que tiver lhe será tirado. Lançai, pois, o servo inútil nas trevas exteriores; ali, haverá pranto e

ranger de dentes. (Mateus, 25: 14-30).

Utilidade providencial da riqueza

7. Se a riqueza fosse um obstáculo absoluto à salvação dos que a possuem, como é possível deduzir-se

de certas palavras de Jesus, interpretadas segundo a letra e não segundo o Espírito, Deus, que a concede,

teria posto nas mãos de alguns um instrumento fatal de perdição, pensamento esse que repugna à razão.

A riqueza é, sem dúvida, uma prova mais atraente e sugestiva do que a miséria, devido à sedução e às

tentações que oferece e ao fascínio que exerce; é o maior estimulante do orgulho, do egoísmo e da vida

sensual; é a atração que mais poderosamente liga o homem à Terra e desvia os seus pensamentos do Céu.

Produz uma tal vertigem que vemos os que passam da miséria à fortuna esquecerem rapidamente a

sua condição anterior, passarem a ignorar os que eram seus iguais e que os ajudavam nessa altura,

tornando-se insensíveis, egoístas e fúteis.

Tornando-se a riqueza um risco em questões de ordem moral, não se torna por isso um caminho

impossível para chegar à salvação, se for usada com o devido critério de justiça e caridade, tal como certos

venenos que restabelecem a saúde de forem empregados com precaução e conhecimento.

Quando Jesus disse ao jovem que lhe perguntou qual a maneira para alcançar a vida eterna, que teria

que se desfazer de todos os seus bens e segui-lo, não era para afirmar como princípio absoluto que cada

um deva despojar-se do que possui e que a salvação só se consegue por esse preço, mas para mostrar que

o apego aos bens terrenos é um obstáculo à salvação.

O jovem, com efeito, pensava que era um justo por ter cumprido certos mandamentos. No entanto,

não se dispôs a perder tudo quanto tinha. O seu desejo de obter a vida eterna não ia até esse ponto.

A proposta que Jesus lhe fez era uma prova decisiva, para revelar o fundo do seu pensamento. O rapaz

podia, sem dúvida, ser o padrão de uma pessoa honesta segundo o mundo: não prejudicar nem maldizer

o próximo, não ser frívolo nem orgulhoso, honrar o pai e a mãe. Mas não tinha a verdadeira caridade, pois

a sua virtude não chegava ao desinteresse completo. Foi o que Jesus quis demonstrar. Era uma aplicação

do princípio: “Fora da caridade não há salvação”.

A consequência destas palavras, tomadas na sua mais rigorosa aceção, seria a abolição da fortuna, como

prejudicial à felicidade futura e como fonte de incontáveis males terrenos. Seria também a condenação dos

esforços com os quais ela pode adquirir-se, conclusão absurda que levaria o homem à vida primitiva,

estando em contradição com a lei do progresso, que é uma lei de Deus.

Se a riqueza é a causa de muitos males, se estimula más paixões e crimes, é preciso não pensarmos na

matéria em si, mas na pessoa que dela abusa, como poderá abusar de outros dons de Deus. Pelo abuso é

possível tornar prejudicial o que poderia ser útil, devido ao estado de inferioridade moral deste mundo.

Se a riqueza só produzisse o mal, Deus não a teria tornado possível. Cabe aos seres humanos fazê-la

produzir o bem. Se ela não é uma causa imediata do progresso moral, é, sem dúvida, um poderoso

elemento de progresso intelectual.

Os seres humanos têm por missão procurar a melhoria material do planeta. Devem desbravá-lo, saneá-

lo, prepará-lo para um dia receber toda a população que a sua extensão comporta.

Para alimentar toda a população, que continua a crescer, deve aumentar a produção. Se a produção de

uma região for insuficiente, é preciso importá-la. As relações entre as nações tornam-se uma necessidade

e, para facilitá-las, são necessárias a vontade e a inteligência.

Para trabalhos que são obra de séculos, foi preciso extrair materiais das entranhas da terra, usando

recursos técnicos e científicos para poder fazer isso. A necessidade de recursos de toda a ordem obrigou a

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criar riquezas, para instituir a educação e desenvolver a ciência. A atividade exigida por esses trabalhos

aumenta-lhe e desenvolve-lhe a inteligência. Essa inteligência, a princípio concentrada na satisfação das

necessidades materiais, ajudá-lo-á mais tarde a compreender as grandes verdades morais.

Sendo a riqueza a fornecer os meios de execução, sem ela não haveria grandes trabalhos, nem

atividades, nem estímulos, nem pesquisas: é com razão, pois, que é considerada elemento de progresso.

Desigualdade das riquezas

8. A desigualdade económica entre os cidadãos é um problema impossível de esclarecer, se for

considerada apenas a vida atual.

A primeira pergunta é a seguinte: por que motivo não são os níveis de riqueza pessoal mais

equilibrados? Simplesmente porque não são todos igualmente inteligentes, ativos e trabalhadores para

adquirirem recursos, nem moderados e previdentes para conservá-los.

É uma questão matematicamente demonstrada que a fortuna igualmente repartida só daria a cada um

uma parte mínima e insuficiente para viver. Supondo-se feita tal repartição entre as pessoas, o equilíbrio

económico seria desfeito em pouco tempo, devido à diversidade de carácter e de aptidões entre elas.

Supondo a repartição possível e durável, tendo cada um somente o necessário para viver, isso

equivaleria ao aniquilamento de todos os grandes trabalhos que concorrem para o progresso e o bem-estar

da Humanidade.

Supondo-se que a repartição daria a cada um o necessário, desapareceria o estímulo que impulsiona as

grandes descobertas e os empreendimentos úteis.

Se Deus concentra a riqueza em alguns lugares, é para que daí se expanda, em quantidade suficiente,

conforme as necessidades. Admitindo isso, por que motivo Deus concede a riqueza a pessoas incapazes de

a fazerem frutificar para o bem de todos?

Essa é mais uma prova da sabedoria e da bondade de Deus. Ao dar ao homem o livre-arbítrio, quis que

ele conseguisse, com a sua própria experiência, distinguir o bem do mal, e que a prática do bem fosse o

resultado dos seus esforços e da sua própria vontade. O ser humano não deve ser fatalmente levado nem

ao bem nem ao mal, porque então seria um instrumento passivo e irresponsável, como os animais.

A riqueza é um meio de o pôr à prova moralmente; mas como, ao mesmo tempo, é um poderoso meio

de ação para o progresso, Deus não quer que permaneça muito tempo improdutiva e por isso transfere-a

incessantemente.

Cada qual tem de a possuir para se exercitar no seu uso e demonstrar como sabe utilizá-la. Como há a

impossibilidade material de todos a possuírem ao mesmo tempo ─ aliás, se todos a possuíssem ninguém

trabalharia, e o melhoramento do globo sofreria com isso ─ cada um a possui por sua vez. Deste modo, o

que não a tem hoje já a teve no passado ou tê-la-á no futuro, numa outra existência, e o que hoje a possui

poderá não a ter amanhã.

Há ricos e pobres porque, como Deus é justo, cada qual deve trabalhar na sua vez. A pobreza é para uns

a prova da paciência e da resignação, a riqueza é para os outros a prova da caridade e da abnegação.

É triste observar-se a forma lamentável como certa gente usa a sua riqueza, as ignóbeis paixões que a

cobiça desperta, e pergunta-se se Deus é justo ao dar a riqueza a tais pessoas. É claro que, se o homem só

tivesse uma existência, nada justificaria semelhante repartição dos bens terrenos.

Mas, se em lugar de limitar a sua vida ao presente, se considerar o conjunto das existências, vê-se que

tudo se equilibra com justiça.

O pobre não tem, portanto, motivo para acusar a Providência, nem para invejar os ricos, assim como

estes não têm motivo para se vangloriarem do que possuem. Se abusam da fortuna, não será através de

decretos nem de leis sumptuárias que se poderá remediar o mal. As leis podem modificar

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momentaneamente o exterior, mas não podem modificar o coração; por isso só têm um efeito temporário

e provocam sempre uma reação mais desenfreada.

A fonte do mal está no egoísmo e no orgulho. Os abusos de toda a espécie cessarão, por si mesmos,

quando os homens se regerem pela lei da caridade.

INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS

A verdadeira propriedade

9. 0 ser humano só possui, como propriedade plena, aquilo que pode levar deste mundo. O que

encontra ao chegar e o que deixa ao partir, desfruta-o durante a sua permanência na Terra. Quando esta

termina, o que é que possui?

Nada que diga respeito ao corpo, apenas o que se refere ao uso da alma: a inteligência, os

conhecimentos, as qualidades morais. É isso que traz e leva consigo, que ninguém tem o poder de lhe tirar

e que lhe servirá muito mais no outro mundo do que neste.

Dele depende estar espiritual e culturalmente mais rico ao partir do que ao chegar a este mundo,

porque a sua posição futura depende do que tiver adquirido no bem.

Quando uma pessoa vai para um país longínquo, faz a sua bagagem com objetos utilizáveis nesse país,

e não se carrega com coisas que lhe seriam inúteis. Fazei, pois, o mesmo, em relação à vida futura, reunindo

tudo o que nela vos poderá servir.

O viajante que chega a um hotel, consegue um bom alojamento se pode pagar; o que pode menos

consegue um pior e o que nada tem dorme na rua.

Assim acontece aos que regressam ao mundo dos Espíritos: a sua posição depende das suas posses,

com a diferença de que não pode pagar em dinheiro. Não lhe será perguntado quanto tinha em dinheiro,

que posição ocupava, se era patrão ou operário. Mas ser-lhe-á perguntado o que traz consigo de

enriquecimento espiritual.

Não se falará de bens materiais nem de posição social, mas serão contadas as suas virtudes. Nesse

cálculo o operário talvez seja considerado mais rico do que o banqueiro. Em vão alegará este que, antes de

partir, pagou com fortunas a sua entrada no Céu, pois lhe será dito que posições no mundo espiritual não

são compradas, mas ganhas pela prática do bem.

Com a moeda terrena podem comprar-se terras, casas, palácios; mas no mundo espiritual só valem as

qualidades do coração. Quem for rico dessas qualidades, é lugar onde todas as venturas o esperam. Se é

pobre vai para onde será tratado à medida do seu mérito.

Espírito “Pascal” / Genebra, 1860

10. Os bens da Terra pertencem a Deus, que os distribui de acordo com o seu entendimento, e os

indivíduos são apenas os seus usufrutuários e administradores, mais ou menos íntegros e inteligentes.

Os bens da Terra não são propriedade do individuo, visto que Deus, muitas vezes, transtorna todas as

suas previsões, e a fortuna foge daquele que se julgava o seu mais legítimo possuidor.

Julgam talvez que isso se compreende em relação à fortuna hereditária, mas não àquela que foi

adquirida pelo trabalho.

Só é legítima a fortuna que foi adquirida honestamente; porque uma propriedade só é legitima se, para

a conquistar, não se prejudicou ninguém.

Pelo mais pequeno valor que uma pessoa tenha prejudicado alguém, serão pedidas contas.

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Porém, da fortuna que uma pessoa conquistou por si mesmo, quando morrer, levará consigo alguma

vantagem? Os cuidados que toma para transmiti-la aos descendentes não serão supérfluos?

Isto porque, se Deus não quiser que lhes caiba em sorte, nada poderá fazer-se contra a sua vontade.

Poderá essa pessoa usar e abusar da sua fortuna, impunemente, durante a vida, sem ter de prestar

contas? Não, porque ao permitir-lhe adquiri-la, Deus pode ter querido recompensar nesta vida, os seus

esforços, a sua coragem e a sua perseverança.

Mas se os empregou unicamente para satisfação dos seus sentidos e do seu orgulho, se essa fortuna se

tornou uma causa de queda por suas próprias mãos, melhor seria não a ter possuído.

Nesse caso, perde de um lado o que ganhou do outro, anulando o mérito do seu trabalho, e quando

deixar a Terra, Deus lhe dirá que já recebeu a sua recompensa.

Espírito protetor / Bruxelas, 1861

Emprego da riqueza

11. Não podes servir simultaneamente a Deus e a Mamon. Lembrem-se bem disto os que são dominados

pelo amor do dinheiro e que venderiam a alma para enriquecer, para serem superiores aos outros e para

desfrutarem o prazer das paixões.

Não podes servir ao mesmo tempo a Deus e a Mamon! Se sentes a tua alma dominada pelos desejos

materiais, apressa-te a sacudir a cadeia que te esmaga, pois Deus, justo e severo, e perguntará:

─ Que fizeste, administrador infiel dos bens que te confiei? Empregaste essa poderosa fonte de boas

obras unicamente na tua satisfação pessoal?

Qual é o melhor emprego da riqueza? A melhor resposta estaá nestas palavras: "Amem-se uns aos

outros".

No amor ao próximo está a melhor linha de conduta, visto que a aplicação da riqueza na caridade é a

que mais agrada a Deus. Não a caridade fria e egoísta, que consiste em distribuir o supérfluo de uma

existência fácil, mas a caridade plena de amor, que procura a infelicidade e a socorre sem humilhar.

─ Rico, dá do que te sobra.

Faz ainda melhor: dá um pouco do teu necessário, porque o teu necessário ainda inclui boas sobras. Dá

com sabedoria. Não afastes de ti aqueles que se queixam, com medo de seres enganado. Vai à origem do

mal. Ajuda primeiro, informa-te depois e vê se o trabalho, se os conselhos e até o afeto poderão ter mais

interesse do que dar esmola.

─ Espalha à tua volta, com abundância, o amor a Deus, ao trabalho e o amor ao próximo. Coloca a

riqueza numa base segura que não vai faltar-te e te renderá juros valiosos: as boas obras.

─ Deves servir-te da inteligência como te serves do dinheiro: espalha pelos teus irmãos os benefícios da

instrução, distribui pelos teus irmãos os tesouros do amor e eles frutificarão.

Espírito “Cheverus” / Bordéus, 1861

12. Quando considero a brevidade da vida, custa-me muito a vossa incessante preocupação com os

bens materiais, e a tão pouca importância e tempo que dedicam ao aperfeiçoamento moral, que vos será

levado em conta na eternidade.

Ao ver-se a atividade que desenvolvem, o aperfeiçoamento moral poderia ter a mais alta importância

para a Humanidade. Na verdade, tratam quase exclusivamente da satisfação das vossas necessidades

exageradas. Quantas penas, quantos cuidados e tormentos, quantas noites em claro para aumentar uma

fortuna muitas vezes já mais do que suficiente!

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Para cúmulo da cegueira, é frequente verem-se os ávidos pela riqueza sujeitarem-se a um trabalho

penoso, vangloriarem-se de uma vida de sacrifício e mérito, como se trabalhassem para os outros e não

para si mesmos.

Insensatos! Pensam que serão levados em conta os esforços do egoísmo e do orgulho, enquanto

esquecem o vosso futuro e a solidariedade fraterna que se impõe aos que desfrutam de todos os benefícios

da vida social?

Pensam apenas no vosso corpo, no seu bem-estar e nos seus prazeres como objeto exclusivos da vossa

atenção egoísta. Pelo corpo que vai morrer, esquecem o Espírito que viverá para sempre.

Esse amo, tão mimado e acariciado, tornou-se o vosso tirano: comanda o vosso Espírito que se fez seu

escravo. Seria esse o objetivo da existência que Deus vos concedeu?

Um Espírito protetor / Cracóvia, 1861

13. Sendo o ser humano depositário e gestor dos bens que Deus depositou nas suas mãos, ser-lhe-ão

pedidas contas do emprego que lhes tiver dado, usando o seu livre-arbítrio. O seu mau emprego consiste

em utilizá-los apenas para a sua satisfação pessoal. Pelo contrário, o emprego é bom se deles resultarem

alguns benefícios para outras pessoas.

O mérito é proporcional ao valor das iniciativas e aos resultados alcançados pelo próprio. A

generosidade é apenas um dos modos de empregar a riqueza: alivia a miséria, aplaca a fome, preserva do

frio e dá abrigo a quem o não tem.

Um dever igualmente imperioso e meritório, é o de prevenir a miséria criando trabalho e auxiliando o

progresso inteligente. É esta, sobretudo, a missão das grandes fortunas, pela possibilidade de criar tarefas

de várias espécies que podem empregar muitas pessoas.

Mesmo que possam colher benefícios pessoais, o bem existirá sempre, porque o trabalho desenvolve a

inteligência e eleva a dignidade dos que trabalham, sempre satisfeitos por terem ganho o seu pão, nada

comparável à dependência e à falta de dignidade da esmola. A fortuna concentrada numa só mão deve ser

como uma fonte de água viva, que espalha a fecundidade e o bem-estar ao seu redor.

Vós ricos, se empregarem a fortuna segundo a vontade do Senhor, o vosso coração será o primeiro a

beneficiar dessa fonte benfazeja e terão nesta vida as mais dignas alegrias da alma, em vez de prazeres

egoístas da materialidade, que deixam o coração vazio.

O vosso nome será abençoado na Terra e, quando a deixarem, o soberano mestre vos dirá as palavras

da parábola dos talentos: "Bom e fiel servo, entra na alegria do Senhor!"

Nessa parábola, o servo que enterrou o dinheiro que lhe tinha sido confiado é a imagem dos avarentos,

em cujas mãos a riqueza foi improdutiva.

Se Jesus tanto fala de esmolas, é porque no seu tempo, e no país em que vivia, não eram conhecidas as

artes e as indústrias que muito mais tarde iriam começar a surgir, dando origem ao desenvolvimento

económico para benefício geral.

A todos os que podem dar, pouco ou muito, direi: Dai esmolas quando isso for necessário, mas sempre

que possível convertei-as em salário, para que aquele que a recebe não tenha de que se envergonhar.

Espírito “Fénelon” / Argel, 1860

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Desprendimento dos bens terrenos

14. Venho, meus irmãos, meus amigos, dar-vos apoio, para vos ajudar a avançar corajosamente na vida

de aperfeiçoamento em que entraram. Somos devedores uns dos outros e a regeneração só será possível

pela união sincera e fraterna entre os Espíritos e os encarnados.

A vossa fraqueza perante os bens materiais é um dos maiores obstáculos contra a vossa evolução moral

e espiritual. O desejo da posse destrói a vossa capacidade de amar, voltando-a inteiramente para a fortuna.

É a fortuna que vos faz felizes? Se a vossa conta está bem alta, que se passa no vosso coração? No fundo

dessa cesta de flores, não estará uma cobra venenosa?

Compreende-se que um cidadão, que ganhou uma fortuna com trabalho assíduo e honrado, tenha nisso

grande satisfação, muito justa, aliás. Mas, dessa satisfação muito natural, que Deus aprova, a um apego

que absorve todos os sentimentos e paralisa os impulsos do coração, vai uma grande distância!

Tão grande como a que vai da avareza à ostentação e ao luxo, vícios entre os quais Deus colocou a

caridade, santa e salutar virtude, que ensina o rico a dar sem alarde para que o pobre receba sem vergonha.

Quer a riqueza provenha da vossa família, quer tenha sido ganha pelo vosso trabalho, há uma coisa que

nunca deveis esquecer: tudo vem de Deus, e tudo volta para Deus. Nada vos pertence na Terra, nem sequer

o vosso corpo: a morte despoja-vos dele, como de todos os bens materiais.

Sois depositários e não proprietários, não vos iludais! Deus emprestou-vos e tendes de restituir, sob a

condição de que, pelo menos o supérfluo, reverta para aqueles que não possuem o necessário.

Um amigo empresta-vos dinheiro. Mesmo com dificuldade fazeis questão de lhe pagar, ficando

agradecidos. Essa é a situação de qualquer pessoa rica. Deus é o amigo celeste que emprestou valores,

pedindo unicamente amor e reconhecimento, mas exigindo, por sua vez, que o rico dê aos pobres, que são

seus filhos, tanto como ele.

Os bens que Deus vos colocou nas mãos despertam uma enorme cobiça. Já pensaram, quando

entranhadamente ligados a uma riqueza perecível, que um dia terão de prestar contas ao Senhor daquilo

que vos concedeu? Não podeis esquecer que, sendo pessoas de fortuna, estais na sagrada condição de

ministros da caridade na Terra, para serdes seus distribuidores inteligentes.

Se usais o que vos foi confiado somente em vosso proveito sereis, evidentemente, depositários infiéis.

Qual o resultado do esquecimento intencional dos vossos deveres? A morte, inflexível, virá rasgar o véu

sob o qual vos escondíeis e obriga-vos a prestar contas ao amigo que vos confiou responsabilidades e que

nesse momento enverga diante de vós a toga de juiz.

É em vão que procurais iludir-vos durante toda a vida, enfeitando com o nome de virtude o que não

passa de egoísmo. Chamais boa administração e previdência àquilo que não passa de cobiça e avareza, ou

generosidade ao que não passa de mãos largas ao vosso desejo de ostentação.

Um pai de família, por exemplo, deixando de fazer caridade passará a vida a amontoar dinheiro, para

deixar aos filhos o máximo possível, evitando que venham a cair na miséria. É bastante justo e paternal, e

não se pode censurá-lo. Mas será sempre esse o único objetivo que o orienta?

Não será uma desculpa para justificar para si e aos olhos do mundo o seu apego pessoal à fortuna?

Admitamos que o amor paterno seja o seu único móbil: será motivo suficiente para esquecer os seus irmãos

perante Deus?

Quando os pais já têm o supérfluo, ficarão os filhos na miséria, só por lhes deixarem um pouco menos

desse supérfluo? Não estarão a dar-lhes uma lição de egoísmo, que lhes endurecerá o coração? Não

estarão a sufocar no seu coração o amor do próximo?

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Os pais fazem um grande erro se acreditarem que, com essas atitudes, aumentam o afeto dos filhos

para com eles. Ensinando-lhes a serem egoístas para com outros, estão a ensiná-los a serem egoístas,

inclusive com a sua própria família.

Da pessoa que trabalhou bastante e acumulou bens, costuma-se dizer que, quando o dinheiro é ganho,

dá-se-lhe o devido valor. Nada de mais exato. Confessando conhecer o valor do dinheiro, faça então a

caridade segundo as suas posses.

Terá mais mérito do que outro que, nascido na abundância, ignora as rudes fadigas do trabalho. Pelo

contrário, se recorda as suas penas, os seus esforços e, apesar disso, se for egoísta e insensível com os

pobres, será muito mais culpado do que os outros. Quanto melhor conhecermos as dores envergonhadas

da miséria, mais devemos procurar fazer para evitar que outros passem por elas.

Infelizmente, quem tem posses carrega sempre consigo outro sentimento, tão forte como o apego à

fortuna: é o orgulho. Não é raro ver-se o novo-rico atordoar o infeliz que lhe pede ajuda com a história dos

seus trabalhos e, em vez de o ajudar, termina por dizer-lhe: "Tivesses feito como eu fiz!"

Segundo este tipo de ricos, a bondade de Deus em nada influenciou a sua riqueza. O mérito é

exclusivamente deles. O orgulho põe-lhes uma venda nos olhos e tapa-lhes os ouvidos. Não compreendem

que, com toda a sua inteligência e capacidade, Deus pode derrubá-los, numa só palavra.

Esbanjar a fortuna não é desapegar-se dos bens terrenos, é descuido e indiferença. O ser humano, como

depositário dos bens que possui, não tem o direito de os esbanjar nem de os confiscar em seu proveito. A

prodigalidade não é generosidade, é muitas vezes uma forma de egoísmo.

Aquele que atira fora dinheiro, às mãos cheias, para satisfação de uma fantasia, não dará um centavo

para prestar um auxílio. O desapego dos bens terrenos consiste em dar à riqueza o seu justo valor, em

saber servir-se dela para os outros e não apenas para si mesmo, em não sacrificar por ela a vida futura, em

perdê-la sem se queixar, se aprouver a Deus retirar-lha.

Se, por revezes inesperados, vos t0ornardes como Job, dizei como ele: "Senhor, vós ma destes, vós ma

tirastes, seja feita a Vossa vontade." Este é o verdadeiro desprendimento.

Em primeiro lugar sede submissos, tendo fé naquele que, assim como vos deu e tirou, pode devolver-

vos. Resisti corajosamente ao abatimento, ao desespero, que paralisaria as vossas forças.

Nunca vos esqueçais que, quando Deus vos desferir um golpe, ao lado da maior prova coloca sempre

um consolo. Mas pensai, sobretudo, que há bens infinitamente mais preciosos que os da Terra, e este

pensamento vos ajudará a desprender-vos deles.

Quanto menos apreço damos a uma coisa, menos sensíveis somos à sua perda. Quem se apega aos bens

terrenos é como a criança que só vê o momento presente. O que se desprende é como o adulto, que

conhece as coisas mais importantes, porque compreende estas palavras proféticas do Salvador: “O meu

reino não é deste mundo”.

O Senhor não ordena que atiremos fora o que possuímos, para passarmos a ser mendigos voluntários

ou um peso para a sociedade. Agir dessa maneira seria compreender mal o desprendimento dos bens

terrenos. É um egoísmo de outra espécie, porque equivale a fugir às responsabilidades que a fortuna faz

pesar sobre aquele que a possui.

Deus dá a riqueza a quem melhor lhe parece, para a administrar em proveito de todos. O rico tem,

portanto, uma missão, que pode tornar-se bela e proveitosa para si mesmo. Rejeitar a riqueza quando Deus

vo-la dá, é renunciar aos benefícios do bem que se pode fazer, administrando-a com sabedoria.

Saber passar sem ela quando não a temos, saber empregá-la utilmente quando a recebemos, saber

sacrificá-la quando é necessário, é agir segundo os desígnios do Senhor. Que diga, portanto, aquele que

recebe o que o mundo chama uma boa fortuna: "Meu Deus, enviastes-me um novo encargo, dai-me a força

de o desempenhar segundo a vossa vontade!"

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É isto, meus amigos, o que queria ensinar-vos a respeito do desprendimento dos bens terrenos.

Resumirei dizendo:

− Aprendam a contentar-se com pouco;

− Sendo pobres, não invejem os ricos, porque a fortuna não é necessária à felicidade;

− Sendo ricos, não esqueçam de que os vossos bens vos foram confiados, e que devem justificar o seu

uso como se fossem um empréstimo sob condições;

− Sede fiéis depositários, com humildade e pureza;

− Partilhai com generosidade, pois nada vos foi dado, mas emprestado;

− Só pode pedir quem souber dar, e dar aos pobres é pagar a dívida que tendes para com Deus.

Espírito Lacordaire / Constantina, Argélia, 1863

15. O princípio segundo o qual a pessoa é apenas depositária da riqueza da qual Deus lhe permite usufruir

durante a vida, tira-lhe o direito de transmiti-la aos descendentes?

Pode perfeitamente transmitir, ao morrer, os bens que possuiu durante a vida, porque a execução desse

direito está sempre subordinada à vontade de Deus que pode, quando quiser, impedir que os descendentes

venham a usufruir deles. Por isso vemos ruírem fortunas que pareciam solidamente estabelecidas.

A vontade que têm as pessoas de conservar a fortuna na linha da sua descendência é, portanto, ineficaz.

Isso não lhe tira o direito de transmitir a herança, porque Deus retirá-la-á se julgar conveniente.

Espírito “São Luís”, Paris, 1860

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CAPÍTULO XVII -SEDE PERFEITOS

Características da perfeição

1. Eu, porém, vos digo: Amai os vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos

odeiam, e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem. Pois se não amardes senão os que vos amam,

que galardão tereis? Não fazem os publicanos também o mesmo? E se vós saudardes somente os vossos

irmãos, que fazeis de mais? Não fazem também assim os gentios? Sede vós, pois, perfeitos, como também

é perfeito o vosso Pai celestial. (Mateus, 5: 44, 46-48).

2. Visto que Deus possui a perfeição infinita em tudo, a norma: "Sede perfeitos, como o vosso Pai

celestial é perfeito", em sentido literal, faria supor a possibilidade de atingirmos a perfeição absoluta.

Se fosse dado à criatura ser tão perfeita como o seu próprio Criador, tornava-se igual a ele, o que é

inadmissível. Contudo, aqueles a quem Jesus se dirigia não teriam compreendido essa diferença. Limitou-

se, portanto, a apresentar-lhes um modelo e a dizer que se esforçassem por atingi-lo.

Deve entender-se por estas palavras a perfeição relativa de que a Humanidade é capaz, e que mais pode

aproximá-la da Divindade.

Em que consiste essa perfeição? Jesus disse: “Amar os seus inimigos, fazer bem aos que nos odeiam e

orar pelos que nos perseguem”.

Deste modo, mostra que a essência da perfeição é a caridade, na sua mais ampla aceção, porque ela

implica a prática de todas as outras virtudes.

Se observarmos os resultados de todos os vícios e mesmo dos simples defeitos, reconheceremos que

todos alteram mais ou menos o sentimento de caridade, porque todos nascem do egoísmo e do orgulho,

que são a sua negação.

Tudo o que estimula exageradamente o sentimento da personalidade destrói, ou pelo menos

enfraquece, os elementos da verdadeira caridade, que são a bondade, a tolerância, o sacrifício e a

dedicação.

O amor do próximo, levado até ao amor dos inimigos, é favorável a todos os aspetos da caridade e

sempre indício de superioridade moral. Donde resulta que a perfeição é proporcional à extensão desse

amor. Por isso Jesus, depois de ter dado aos seus discípulos as regras da caridade, no que ela tem de mais

sublime, lhes disse: " Sede perfeitos, como também o vosso Pai celestial é perfeito ".

A pessoa de bem

2. A verdadeira pessoa de bem é aquela que pratica a lei da justiça, do amor e da caridade, na sua maior

pureza, e interroga permanentemente a sua consciência sobre os seus atos:

Se sempre respeitou essa lei, se cometeu o mal, se fez todo o bem que podia, se procurou sempre ser

útil, se alguém terá queixas dela, enfim, se fez aos outros tudo aquilo que gostaria que os outros lhe

fizessem a si.

A pessoa de bem:

Tem fé em Deus, na sua bondade, justiça e sabedoria; sabe que nada acontece sem a sua permissão e

submete-se em todas as coisas à sua vontade;

Tem fé no futuro e por isso coloca os bens espirituais acima dos bens temporais;

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Sabe que todas as dificuldades da vida, todas as dores, todas a deceções são provas ou expiações e

aceita-as sem queixumes;

Possuída pelo sentimento da caridade e de amor ao próximo, faz o bem pelo bem, sem esperar

recompensa, paga o mal com o bem, toma a defesa do fraco contra o forte e sacrifica sempre o seu

interesse à justiça;

Encontra a sua satisfação nos benefícios que distribui, nos serviços que presta, na felicidade que

promove, nas lágrimas que seca, no consolo que leva aos aflitos; O seu primeiro impulso é o de pensar nos

outros antes de pensar em si mesma, de tratar dos interesses dos outros antes de tratar dos seus; O egoísta,

ao contrário, calcula os proveitos e as perdas de cada ação generosa;

Pratica a bondade, é humana e benevolente para com todos, sem distinção de cores nem de crenças,

porque vê todos como irmãos;

Respeita nos outros todas as convicções sinceras e não lança a maldição aos que não pensam como ela;

Em todas as circunstâncias a caridade é o seu guia; Considera que aquele que não prejudica os outros

por palavras, que respeita sempre a sensibilidade do próximo e não lhe causa sofrimentos ou

contrariedades, mesmo ligeiras, cumpre voluntariamente o dever do amor ao próximo e merece a

clemência do Senhor;

Não tem ódio, rancor, nem desejos de vingança; Tendo Jesus como exemplo, perdoa e esquece as

ofensas e só se lembra dos benefícios, porque sabe que será perdoada assim como tiver perdoado;

É indulgente com as fraquezas alheias, porque também tem necessidade de bondade e lembra-se

destas palavras de Jesus: "Aquele que está sem pecado que atire a primeira pedra";

Não tem satisfação em procurar os defeitos dos outros nem a pô-los em evidência; se se vê obrigada a

isso, procura sempre o bem que possa atenuar o mal;

Estuda as suas próprias imperfeições e trabalha incessantemente para as combater; todos os seus

esforços permitir-lhe-ão dizer, em cada dia, que é um pouco melhor do que na véspera;

Aproveita todas as ocasiões para fazer ressaltar o que seja proveitoso aos outros, nunca tentando

valorizar o seu Espírito, nem os seus talentos, à custa de outros;

Não se envaidece com a riqueza, nem com vantagens pessoais, porque sabe que tudo quanto lhe foi

dado lhe pode ser retirado;

Usa, mas não abusa, dos bens que lhe são concedidos, porque sabe tratar-se de um depósito, do qual

deverá prestar contas, e que o emprego mais benéfico para si mesmo, que poderá dar-lhes, é pô-los ao

serviço da sua evolução espiritual;

Se a ordem social colocou alguns trabalhadores sob o seu mando, trata-os com bondade e benevolência,

porque são seus iguais perante Deus; usa a sua autoridade para lhes erguer o moral, respeitando a sua

humildade, evitando tudo que torne penosa a sua obediência;

Se estiver na posição de subordinado, compreende os deveres da sua posição e tem o cuidado de

procurar cumpri-los conscienciosamente. (Ver. Cap. XVII, n° 9)

Enfim, a pessoa de bem respeita nos seus semelhantes todos os direitos que lhes são assegurados pelas

leis da natureza, como desejaria que os seus fossem respeitados.

Esta não é a enumeração completa de todas as qualidades que distinguem a pessoa de bem, mas quem

se esforce por cumpri-las estará no caminho que conduz às outras.

Os bons espíritas

4. O espiritismo bem compreendido, mas sobretudo bem sentido, conduz inevitavelmente aos

resultados acima descritos, que caracterizam o verdadeiro espírita e o verdadeiro cristão, que se

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equivalem. O espiritismo não cria uma moral nova. Dá aos seres humanos a compreensão e a prática da

moral de Jesus, que desenvolve uma fé sólida e esclarecida aos que duvidam ou vacilam.

Muitos dos que acreditam na realidade das manifestações, não compreendem as suas consequências

nem o seu alcance moral, ou, se as compreendem, não as aplicam a si mesmos. Será por uma falta de

clareza das ideias? Não, porque as mensagens espíritas não contêm alegorias nem imagens que dêem lugar

a falsas interpretações. A clareza é a sua própria essência e é isso que lhes dá força, porque atingem

diretamente a inteligência. Nada têm de misterioso e os seus iniciados não possuem nenhum segredo que

seja ocultado às outras pessoas.

Seria necessária, então, para compreender a cultura espírita, uma inteligência fora do comum? Não,

pois há pessoas com capacidade notória que não a assimilam, enquanto inteligências comuns, mesmo

jovens mal saídos da adolescência, que alcançam com admirável clareza os seus mais subjetivos

cambiantes.

Isso acontece porque a parte material da ciência só requer olhos para ser observada, enquanto a parte

essencial exige um certo grau de sensibilidade a que podemos chamar “maturidade do sentido moral”,

independente da idade e do grau de instrução porque é inerente ao desenvolvimento do Espírito

encarnado.

Nalgumas pessoas, os laços materiais são ainda demasiado fortes para que o Espírito se desprenda das

coisas terrenas. A incapacidade sensitiva impede-lhes a visão do infinito, não rompem com a sua visão

subjetiva, nem com os seus hábitos, não compreendem que possa haver algo melhor do que aquilo que

pensam.

A crença nos Espíritos é, para elas, um simples facto e não lhes modifica as tendências naturais. Só vêem

um pequeno raio de luz, insuficiente para conduzi-los a uma mudança real, capaz de vencer as suas

inclinações. Prendem-se aos fenómenos mais do que à moral, que lhes parece vulgar e monótona. Pedem

aos Espíritos novidades e mistérios, sem cuidar que são dignas de penetrar nos segredos do Criador.

São espíritas imperfeitos que estacionam no caminho ou se distanciam dos seus irmãos de fé, porque

recuam ante a obrigação de se transformarem, ou porque preferem os que partilham das suas fraquezas e

preconceitos. A aceitação da cultura espírita é um primeiro passo que lhes facilitará o segundo, numa

próxima existência.

O verdadeiro e sincero espírita, encontra-se num grau superior de adiantamento moral. O Espírito, que

domina completamente a matéria, dá-lhe uma perceção mais clara do futuro. Os princípios espíritas fazem

vibrar em si as fibras, que nos outros permanecem inertes.

Numa palavra, foi tocado no coração e por isso a sua fé é inabalável. Um, é como o músico que se

comove com certos acordes, enquanto o outro apenas ouve sons.

Reconhece-se o verdadeiro espírita pela sua transformação moral e pelos esforços que faz para dominar

as suas más inclinações. Enquanto um se compraz no seu horizonte limitado, o outro, que compreende a

existência de algo melhor, esforça-se para se libertar e sempre o consegue, quando dispõe de uma vontade

firme.

Parábola da semente

5. Tendo Jesus saído de casa naquele dia, estava assentado junto ao mar. E ajuntou-se muita gente ao

pé dele, de sorte que, entrando num barco, se assentou; e toda a multidão estava em pé na praia. E falou-

lhe de muitas coisas por parábolas, dizendo: Eis que o semeador saiu a semear. E, quando semeava, uma

parte da semente caiu ao pé do caminho, e vieram as aves do céu e comeram-na; e outra parte caiu em

pedregais, onde não havia terra bastante, e logo nasceu, porque não tinha terra funda. Mas, vindo o sol,

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queimou-se e secou-se, porque não tinha raiz. E outra caiu entre espinhos, e os espinhos cresceram e

sufocaram-na. E outra caiu em boa terra e deu fruto: um, a cem, outro, a sessenta, e outro, a trinta.

Quem tem ouvidos para ouvir, que ouça. (Mateus, 13: 1-9).

Escutai vós, pois, a parábola do semeador. Ouvindo alguém a palavra do Reino e não a entendendo, vem

o maligno e arrebata o que foi semeado no seu coração ─ este é o que foi semeado ao pé do caminho; o

que foi semeado em pedregais é o que ouve a palavra e logo a recebe com alegria, mas não tem raiz em si

mesmo; antes, é de pouca duração, e, chegada a angústia e a perseguição por causa da palavra, logo se

ofende; e o que foi semeado entre espinhos é o que ouve a palavra, mas os cuidados deste mundo e a

sedução das riquezas sufocam a palavra, e fica infrutífera; mas o que foi semeado em boa terra é o que

ouve e compreende a palavra; e dá fruto, e um produz cem, outro, sessenta, e outro, trinta (Mateus, 13: 18-

23).

6. A parábola da semente ilustra as diversas formas de aproveitar os ensinamentos dos Evangelhos.

Há pessoas para as quais não passam de letra morta, e essas são como as sementes caídas nas pedras

que não produzem frutos! Ainda mais exata quanto às diferentes categorias de espíritas, é o retrato

daqueles que só se interessam pelos fenómenos materiais, não tirando deles nenhuma conclusão, porque

só vêem neles um objeto de curiosidade.

Há quem que só procure o brilho das comunicações dos Espíritos, que só se interessam por elas se lhes

satisfazem a imaginação, e que, depois de as ouvir, continuam tão frios e indiferentes como antes.

Também daqueles que acham bons os conselhos que são dados, que os admiram, mas que só os aplicam

a terceiros e nunca a si mesmos.

Finalmente, há pessoas para quem as palavras e os ensinamentos dos Espíritos são como as sementes

que caiem em boa terra e produzem frutos de grande qualidade e de valor universal.

INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS

O Dever

7. O dever é a obrigação moral, para com o próprio e para com os outros. O dever é a lei da vida:

encontra-se nos mais ínfimos gestos como nos atos elevados.

Quero falar apenas do dever moral e não dos deveres de trabalho. Na ordem dos sentimentos, o dever

é muito difícil de cumprir, porque contraria os interesses e o coração. As suas vitórias não têm testemunhas

e as suas derrotas não são reprimidas.

O dever íntimo do indivíduo está entregue ao seu livre-arbítrio. A consciência, guardiã da honestidade

interior, avisa-o e apoia-o, mas mostra-se muitas vezes impotente perante os artifícios da paixão.

O dever do coração, fielmente observado, eleva o indivíduo. Mas como determinar esse dever com

exatidão? Onde começa? Onde acaba? O dever começa precisamente no ponto em que ameaçais a

felicidade ou a tranquilidade do vosso próximo, e termina no limite que não desejaríeis ver transposto em

relação a vós próprios.

Deus criou todas as pessoas iguais perante a dor. Pequenos ou grandes, ignorantes ou instruídos, sofrem

todos pelas mesmas causas, para que cada um julgue a rigor o mal que pode fazer. Não existe o mesmo

critério para o bem, que é infinitamente mais variado nas suas expressões. A igualdade perante a dor é

uma sublime previsão de Deus, que quer que os seus filhos, instruídos pela experiência comum, não

pratiquem o mal desculpando-se com a ignorância dos seus efeitos.

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O dever é o resumo prático de todas as especulações morais. É uma bravura da alma que enfrenta as

angústias da luta. É austero e leve. Pronto a dobrar-se às mais diversas complicações, permanece inflexível

diante das suas tentações. O indivíduo que cumpre o seu dever, ama a Deus mais do que as criaturas e ama

as criaturas mais do que a si mesmo. É, ao mesmo tempo, juiz e escravo em causa própria.

O dever é a mais bela jóia da razão, depende dela como o filho depende da mãe. O homem deve amar

o dever, não porque ele o preserve dos males da vida, aos quais a Humanidade não pode subtrair-se, mas

porque dá à alma o vigor necessário ao seu desenvolvimento.

O dever cresce e irradia sob uma forma mais elevada em cada um dos estágios superiores da

Humanidade. A obrigação moral da criatura para com Deus nunca cessa, porque deve refletir as virtudes

do Eterno, que não aceita um esboço imperfeito, mas deseja que a grandeza da sua obra resplandeça

perante si.

Espírito “Lázaro” / Paris, 1863

A virtude

8. A virtude, no seu mais alto grau, abrange o conjunto de todas as qualidades essenciais dos indivíduos

de bem. Ser bom, caridoso, trabalhador, sóbrio, modesto, são as qualidades do indivíduo virtuoso.

Infelizmente, são por vezes acompanhadas de pequenas falhas morais, que as alteram e enfraquecem.

Aquele que faz alarde da sua virtude não é virtuoso, pois falta-lhe a principal qualidade ─ a modéstia ─

e tem o defeito contrário, o orgulho.

A virtude digna desse nome não gosta de se salientar. Adivinhamo-la, mas esconde-se na sombra e foge

à admiração. São Vicente de Paulo era virtuoso. O digno Cura de Ars era virtuoso, assim como muitos

outros, pouco conhecidos do mundo, mas conhecidos de Deus. Todos eles ignoravam que eram virtuosos.

Deixavam-se levar pela corrente das suas santas inspirações e praticavam o bem com desinteresse

completo esquecimento de si mesmos.

É para essa virtude verdadeiramente cristã e espírita assim compreendida e praticada, que vos convido.

Afastai dos vossos corações o sentimento do orgulho, da vaidade, do amor-próprio, que alteram sempre

as mais belas qualidades. Não imitem aquele que se apresenta como modelo e se gaba das próprias

qualidades para todas as pessoas que lhes convêm. Essa virtude de ostentação esconde, muitas vezes, uma

infinidade de maldades e cobardias.

O homem que se exalta a si mesmo, que eleva estátuas à sua própria virtude, aniquila com isso todos

os méritos que possa ter. E que direi daquele cujo valor se reduz a parecer o que não é?

Compreendo perfeitamente que quem faz o bem experimente uma satisfação íntima no fundo do

coração. Mas, quando essa satisfação se exterioriza, para dessa forma recolher elogios, degenera em amor-

próprio. Vós todos, a quem a fé espírita acalentou com os seus raios e que sabeis quão longe estais da

perfeição, nunca vos entregueis a uma ilusão assim! A virtude é uma graça que desejo a todos os espíritas

sinceros, mas também lhes digo: mais vale menos virtudes com modéstia, do que muitas virtudes com

orgulho.

Foi pelo orgulho que humanidades sucessivas se perderam, e é pela humildade que elas, um dia, terão

que resgatar-se.

Espírito “François-Nicholas-Madeleine” / Paris, 1863

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Os superiores e os inferiores

9. A autoridade e a riqueza são atributos de que terão de prestar contas os respetivos detentores. Não

julguem que lhes tenham sido dadas para terem o prazer de comandar, conforme pensam erradamente os

poderosos da Terra, como um direito ou uma propriedade.

Deus prova-lhes o contrário, privando-os delas quando deseja. Se fossem privilégios pessoais , seriam

inalienáveis. Ninguém pode dizer que determinada coisa lhe pertence, quando pode deixar de tê-la sem

seu consentimento. Deus dá a autoridade a título de missão ou de prova quando isso é conveniente, e

retira-a da mesma forma.

Os detentores da autoridade, seja qual for a sua extensão, desde a do patrão sobre o empregado até

ao de um chefe de estado sobre os cidadãos, não devem ignorar a responsabilidade de serem encarregados

de almas.

Responderão pela boa ou má orientação que derem aos seus subordinados, e a responsabilidade das

faltas que estes cometerem, recairão também sobre eles, pelo efeito dos seus maus exemplos. Da mesma

maneira, recolherão os frutos do seu empenho se os conduzirem ao bem.

Todos as almas que vivem na Terra têm uma missão, pequena ou grande. Qualquer que seja, sempre

lhe é dada para fazerem o bem. Desviá-la do seu sentido é falhar no seu cumprimento.

Se Deus pergunta ao rico o que fez da riqueza que devia ter usado para espalhar o progresso em seu

redor, também perguntará ao que possui autoridade o que fez dela para impedir o mal ou estimular o bem.

− Se te dei subordinados, não foi para torná-los servos da tua vontade, nem instrumentos dos teus

caprichos e da tua ganância. Se te fiz forte e te confiei os fracos, foi para que os amparasses e os ajudasses

a subirem até mim.

O superior que entendeu as palavras de Jesus não despreza nenhum dos seus subordinados, porque

sabe que as distinções sociais nada valem diante de Deus. O espiritismo ensina-lhe que, se eles hoje lhe

obedecem, na verdade já podem tê-lo comandado ou poderão fazê-lo mais tarde, e arrisca-se a ser tratado

da mesma forma que os tratou.

Se o superior tem deveres a cumprir, o inferior também os tem e não são menos sagrados. Se também

é espírita, a sua consciência lhe dirá que não está dispensado de os cumprir, mesmo que o seu chefe não

cumpra os seus. Sabe que não se deve pagar o mal com o mal e que as faltas de uns não autorizam as faltas

dos outros.

Se sofre na sua posição sabe que o mereceu, porque talvez tenha abusado da sua autoridade no

passado, devendo agora sentir os inconvenientes do que fez os outros sofrerem. Se é obrigado a suportar

essa posição, na falta de outra melhor, o espiritismo ensina-o a resignar-se, como uma prova de humildade

necessária à sua evolução.

A sua fé guia-o na sua conduta, age como desejaria que os seus subordinados agissem com ele. Por isso

mesmo, é mais escrupuloso no cumprimento das obrigações, pois compreende que qualquer negligência

no trabalho que lhe foi confiado será um prejuízo para quem o remunera e a quem deve o seu tempo e os

seus cuidados.

Numa palavra, é guiado pelo sentimento do dever que a sua fé lhe dá, e a certeza de que qualquer

desvio do caminho reto será uma dívida que terá de pagar mais cedo ou mais tarde.

Espírito “François, Nicolas, Madeleine” / Paris, 1863

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Os seres humanos no mundo

10. Um sentimento de piedade deve animar o coração daqueles que se reúnem sob o olhar do

Senhor, pedindo a assistência dos bons Espíritos. Purifiquem os vossos corações. Não deixem que

pensamentos fúteis ou mundanos os perturbem.

Elevai o vosso Espírito até às entidades espirituais a quem vos dirigis, a fim de que, encontrando em vós

a melhor disposição, lancem nos vossos corações a semente da caridade e da justiça.

Não julgueis que, ao estimular incessantemente à prece e à evocação mental, queiramos fazer-vos viver

uma vida mística fora das leis da sociedade em que estais condenados a viver. Não. Vivei com as pessoas

do vosso tempo, como devem viver as pessoas. Sacrificai-vos às necessidades e até mesmo às frivolidades

de cada dia, mas fazei-o com um sentimento de pureza que as possa santificar.

Fostes chamados para estar em contato com Espíritos de naturezas diferentes, de características

opostas: não ofendeis nenhum. Sede alegres e felizes, mas com a alegria de uma boa consciência e a

felicidade do herdeiro do Céu que conta os dias que o aproximam da sua herança.

A virtude não é severa e triste, nem foge aos prazeres que a condição humana permite. Basta prestar

contas de todos os vossos atos ao Criador. Basta, ao começar ou acabar uma tarefa, elevar o pensamento

a Deus, pedindo a sua proteção para executá-la e a bênção para a obra terminada.

Façam tudo com o pensamento em Deus, para que vos ilumine e abençoe.

A perfeição completa está, como disse Jesus, na prática da caridade absoluta, mas os deveres da

caridade abrangem todas as posições sociais, desde a mais humilde até à mais elevada. Quem vive isolado

não terá forma de exercer a caridade. Só em contato com os semelhantes e nas lutas mais penosas é que

encontrará ocasião de praticá-la.

Aquele que se isola priva-se voluntariamente do mais poderoso meio de aperfeiçoamento: só tendo de

pensar em si, a sua vida é a de um egoísta. (Ver cap. V, nº 26).

Pensai que para viver em constante comunicação connosco e sob o olhar do Senhor, não é preciso viver

triste, fazendo penitências. Sede felizes no quadro das necessidades humanas, mas que na vossa felicidade

não entre nunca um pensamento ou um ato que possa ofender a Deus ou fazer com que os que vos amam

e vos dirigem escondam a face. Deus é amor e abençoa os que o amam santamente.

Um Espírito Protetor / Bordéus, 1863

Cuidar do corpo e do Espírito

11. A perfeição moral obriga à mortificação do corpo?

Para resolver esta questão começo por falar da necessidade de cuidar do corpo que, saudável ou

enfermo, exerce profunda influência na alma, que é prisioneira da carne.

Para que esta prisioneira possa viver, expandir-se, até mesmo conceber a ilusão da liberdade, o corpo

deve estar saudável, bem-disposto e vigoroso.

Suponhamos que ambos, alma e corpo, se encontram em perfeito estado. Que devem fazer para manter

o equilíbrio entre as suas capacidades e as suas necessidades tão diferentes?

Neste caso dois sistemas se defrontam: o dos ascetas, que desejam mortificar o corpo e o dos

materialistas, que querem abater a alma. Duas atitudes, ambas limitativas.

Ao lado dessas duas grandes correntes agita-se a multidão dos indiferentes, que sem convicções nem

paixão, são moderados no amar e poupados no prazer.

Onde está a sensatez? Onde está a ciência de viver? Em lado nenhum. Esse grande problema ficaria por

resolver se o espiritismo não viesse em auxílio dos pesquisadores, demonstrando-lhes as relações

existentes entre o corpo e a alma, e que, sendo necessários um ao outro, é indispensável cuidar de ambos.

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Amai, pois, a vossa alma, e cuidai também do corpo, instrumento daquela. Desconhecer as necessidades

da natureza, é desconhecer a lei de Deus. Não deve punir-se o corpo pelas faltas a que o vosso livre-arbítrio

o obrigou, com a sua má orientação.

Para serem menos egoístas, menos orgulhosos e mais caridosos, pelo contrário, será mais indicado

martirizar o corpo? Não, a perfeição não está nisso, mas no aperfeiçoamento das atitudes do vosso espírito.

Vencei-o, educai-o, fazei com que siga plenamente o ensino de Jesus de Nazaré e dos Espíritos: é esse o

meio de o tornar mais dócil à vontade de Deus e o único que conduz à perfeição.

Georges / Espírito protetor, Paris, 1863

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CAPÍTULO XVIII ─ MUITOS OS CHAMADOS E POUCOS OS ESCOLHIDOS

Parábola da festa de núpcias

1. Então, Jesus, tomando a palavra, tornou a falar-lhes em parábolas, dizendo: O Reino dos céus é

semelhante a um certo rei que celebrou as bodas de seu filho. E enviou os seus servos a chamar os

convidados para as bodas, e estes não quiseram vir. Depois, enviou outros servos, dizendo: Dizei aos

convidados: Eis que tenho o meu jantar preparado, os meus bois e cevados já mortos, e tudo já pronto;

vinde às bodas. Porém eles, não fazendo caso, foram um para o seu campo e outro para o seu negócio; e,

os outros, apoderando-se dos servos, os ultrajaram e mataram. E o rei, tendo notícias disso, encolerizou-se,

e, enviando os seus exércitos, destruiu aqueles homicidas, e incendiou a sua cidade. Então, disse aos servos:

As bodas, na verdade, estão preparadas, mas os convidados não eram dignos. Ide, pois, às saídas dos

caminhos e convidai para as bodas todos os que encontrardes. E os servos, saindo pelos caminhos,

ajuntaram todos quantos encontraram, tanto maus como bons; e a festa nupcial ficou cheia de convidados.

E o rei, entrando para ver os convidados, viu ali um homem que não estava trajado com veste nupcial. E

disse-lhe: Amigo, como entraste aqui, não tendo veste nupcial? E ele emudeceu. Disse, então, o rei aos

servos: Amarrai-o de pés e mãos, levai-o e lançai-o nas trevas exteriores; ali, haverá pranto e ranger de

dentes. Porque muitos são os chamados, mas poucos os escolhidos. (Mateus, 22: 1-4)

2. O incrédulo ri desta parábola, que lhe parece fantasista, por ser incrível que, para a realização de um

almoço de casamento se chegue ao ponto de matar os enviados do pai do noivo. "As parábolas - dirá - são

histórias inventadas, mas têm que ser plausíveis". O mesmo se pode dizer de todas as fábulas mais

fantasiosas que não fazem o mínimo sentido.

Jesus inspirava-se, nas suas parábolas, nos costumes e características do povo a que se dirigia para

tentar ilustrar de forma aceitável ideias da vida espiritual e os leitores que não entenderem isto não

conseguem compreender o que nos quer dizer.

Nesta parábola, Jesus compara o Reino dos Céus, onde tudo é felicidade e alegria, a uma festa de

casamento.

Os primeiros convidados são os hebreus, que por Deus foram chamados em primeiro lugar para o

conhecimento da sua lei. Os enviados do Mestre foram os profetas, que vieram convocá-los a seguir o

caminho da verdadeira felicidade. As suas chamadas de atenção, contudo, foram pouco escutadas e muitos

deles foram mesmo massacrados como os servos da parábola.

Os convidados que não apareceram no jantar, alegando que tinham de cuidar dos seus campos e dos

seus negócios, representam todos aqueles que, absorvidas pelas coisas terrenas, se mostram indiferentes

às coisas celestes.

Era uma crença dos judeus dessa época que a sua nação iria dominar todas as outras, baseados nas

promessas que teriam sido feitas por Deus a Abraão de que “a sua descendência iria cobrir a Terra inteira”.

Tomando sempre a forma pelo conteúdo, julgavam-se destinados a um domínio efetivo e material.

Antes da vinda de Jesus, com exceção dos hebreus, todos os povos eram idólatras e politeístas. Se

algumas figuras dominantes tinham concebido a ideia da unidade divina, essa ideia permaneceu como

sistema pessoal, pois em nenhuma parte foi aceite como verdade fundamental, a não ser por alguns

iniciados. Estes fizeram segredo dessas ideias perante o povo ocultando os seus conhecimentos, sob um

véu misterioso inacessível às massas.

Os hebreus foram os primeiros que praticaram publicamente o monoteísmo. Foi a eles que Deus

transmitiu a sua lei, primeiro através de Moisés, depois através de Jesus. Desse pequeno recanto partiu a

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luz de novas ideias que haviam de se expandir pelo mundo inteiro, triunfando sobre o paganismo e dando

a Abraão uma posteridade espiritual "tão numerosa como as estrelas do firmamento".

Os judeus, porém, embora repelindo a idolatria, deixaram em segundo plano a lei moral para se dedicar

à prática mais fácil do culto exterior. O mal generalizou-se: a nação, dominada pelos romanos, estava

dividida pelo sectarismo, pelas seitas e pela própria incredulidade, e tinha dominado o próprio santuário.

Foi então que Jesus apareceu, enviado para os chamar ao respeito da lei e para lhes abrir os horizontes

novos da vida futura.

Primeiros convidados para o banquete da fé universal, rejeitaram as palavras do celeste Messias,

crucificaram-no, alienando dessa forma lamentável o fruto que deviam ter colhido pela sua própria

iniciativa. Seria injusto porém, acusar todo o povo por esse estado de coisas. A maior responsabilidade foi

dos fariseus e dos saduceus, que deixaram sucumbir a nação, os primeiros pelo seu orgulho e fanatismo e

os segundos pela sua incredulidade.

São eles, no contexto da parábola, que Jesus representa simbolicamente como os convidados que se

negaram a comparecer ao banquete de núpcias.

Depois acrescentou:

“O Mestre, vendo isto, mandou convidar todos os que fossem encontrados nos caminhos, bons e maus”.

Querendo dizer que a palavra seria pregada a todos os outros povos, pagãos e idólatras, e que estes,

aceitando-a, seriam admitidos à festa de núpcias em lugar dos primeiros convidados.

Mas não basta ser convidado, não basta dizer-se cristão, nem tão pouco sentar-se à mesa para participar

do banquete celeste. É necessário, antes de tudo e como condição expressa, estar vestido com a túnica

nupcial, ou seja, ter o coração puro e praticar a lei segundo o Espírito. Ora, toda a lei está contida nestas

palavras: Fora da caridade não há salvação.

Entre todos os que ouvem a palavra divina, quantos há que a guardam e aplicam proveitosamente!

Porém poucos há que se tornam dignos de entrar no Reino Céus!

Foi por isso que Jesus disse: Muitos serão os chamados e poucos os escolhidos.

A porta estreita

3. Entrai pela porta estreita, porque larga é a porta e espaçoso o caminho que leva à perdição; e muitos

são os que entram por ela. E porque estreita é a porta e apertado o caminho que leva à vida; quão poucos

são os que acertam com ela! (Mateus, 7:13- 14).

4. E perguntou-lhe alguém: Senhor, são poucos, então, os que se salvam? E ele disse-lhes: Porfiai por

entrar pela porta estreita porque vos digo que muitos procurarão entrar e não poderão. Quando o pai de

família se levantar e cerrar a porta e começardes a estar de fora e a bater à porta, dizendo: Senhor, Senhor,

abre-nos. E, respondendo ele, vos disser: não sei de onde vós sois. Então começareis a dizer: Nós somos

aqueles que, em tua presença, comemos e bebemos, a quem ensinaste nas nossas praças. E ele vos

responderá: Não sei de onde sois; apartai-vos de mim, vós todos os que praticais a iniquidade. Ali haverá

choro e ranger de dentes quando virdes que Abraão, Isaac, Jacob e todos os profetas estão no Reino de

Deus e que vós ficais fora dele, excluídos. E virão do oriente e do ocidente e do setentrião e do meio-dia,

muitos que se assentarão à mesa do Reino de Deus. E, então, há últimos que serão os primeiros e primeiros

há que serão os últimos. (Lucas, 13: 23-30).

5. A porta da perdição é larga porque as más paixões são numerosas e o caminho do mal é o mais

concorrido. A da salvação é estreita porque quem deseja transpô-la deve fazer grandes esforços para

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vencer as suas más tendências, e poucos se sujeitam a isso. É o complemento da máxima: “são muitos os

chamados e poucos os escolhidos”.

Este é o estado atual da Humanidade terrena porque, sendo a Terra um mundo de expiações, nela

predomina o mal. Quando se transformar, o caminho do bem será o mais percorrido. Estas palavras devem

ser entendidas no sentido relativo e não no sentido absoluto. Se esse fosse o estado normal da

Humanidade, Deus teria voluntariamente condenado à perdição a imensa maioria das criaturas, suposição

inadmissível, porque reconhecemos que Deus é toda a justiça e toda a bondade.

Mas quais as faltas de que esta Humanidade poderia ser acusada, para merecer uma sorte tão triste, no

presente e no futuro, se tivesse uma única existência na Terra e se a alma não passasse por outras

existências? Porquê tantos escolhos no seu caminho? Porquê essa porta tão estreita, que apenas um

pequeno número consegue transpor, se a sorte da alma estivesse para sempre fixada depois da morte?

Vemos assim que, se fosse exata a teoria de uma só existência para cada ser humano, estaríamos em

contradição connosco mesmos e com a justiça de Deus.

Com a anterioridade da alma e a pluralidade dos mundos, o horizonte alarga-se, iluminam-se os pontos

mais obscuros da fé, o presente e o futuro estão solidários com o passado e somente assim podemos

compreender toda a profundidade, toda a verdade e toda a sabedoria das máximas de Jesus.

Nem todos os que dizem: “Senhor, Senhor!” entrarão no reino dos céus

6. Nem todo o que me diz: “Senhor, Senhor!”, entrará no Reino dos Céus, mas sim o que faz a vontade

de meu Pai, que está nos céus. Muitos me dirão, naquele dia: “Senhor, Senhor, não profetizámos em teu

nome, e em teu nome não expulsámos os demónios, e em teu nome não fizemos muitas maravilhas?” E

então lhes direi, abertamente: nunca vos conheci; apartai-vos de mim, vós que praticais a iniquidade.

(Mateus,7:21-23).

7. Todo aquele, pois, que ouve estas minhas palavras e as põe em prática, assemelhá-lo-ei ao homem

prudente, que edificou a sua casa sobre a rocha. E veio a chuva e transbordaram os rios e assopraram os

ventos com força contra aquela casa e ela não caiu, porque estava edificada sobre a rocha. E aquele que

ouve estas minhas palavras e não as cumpre, compará-lo-ei ao homem insensato, que edificou a sua casa

sobre a areia. E veio a chuva e transbordaram os rios e assopraram os ventos com força contra aquela casa

e ela caiu e foi grande a sua ruína. (Mateus, 7: 24¬27 e semelhante em Lucas, 6: 46-49).

8. Qualquer, pois, que violar um destes menores mandamentos e assim ensinar aos homens, será

chamado o menor no Reino dos Céus; aquele, porém, que os cumprir e ensinar a cumpri-los, será chamado

grande no Reino dos Céus. (Mateus, 5:19).

9. Todos os que reconhecem a missão de Jesus dizem: “Senhor, Senhor!”; Mas de que vale chamá-lo

mestre ou senhor, se não se seguem os seus princípios? São cristãos os que o honram através de atos

exteriores de devoção, e ao mesmo tempo prestam culto ao egoísmo, ao orgulho, à cupidez e a todas as

paixões? São seus discípulos os que passam os dias a orar e não se tornam melhores, nem mais caridosos

para com os seus semelhantes?

Não, porque, como os fariseus, têm a prece nos lábios e não no coração. Com a atitude aparente podem

impressionar os homens, mas não a Deus. É em vão que dirão a Jesus: "Senhor, nós profetizámos, quer

dizer, ensinámos em vosso nome, expulsámos os demónios em vosso nome, comemos e bebemos

convosco!" E Jesus responderá:

"Não sei quem sois. Afastai-vos de mim, vós que praticais iniquidades, que desmentis as vossas palavras

pelas ações, que caluniais o próximo, que explorais as viúvas e cometeis adultério! Afastai-vos de mim vós,

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cujo coração destila ódio e fel, que derramais o sangue dos vossos irmãos em meu nome, que fazeis correr

as lágrimas em vez de as secar!

Por vós, haverá choro e ranger de dentes, pois o Reino de Deus é para os que são mansos, humildes e

caridosos. Não espereis dobrar a justiça do Senhor com palavras vazias e genuflexões. A única porta aberta

para alcançar a graça de Deus, é a prática sincera da lei do amor e da caridade."

As palavras de Jesus são eternas, porque são a verdade. Não são apenas a garantia da vida celeste, mas

também da paz, da tranquilidade e da estabilidade das coisas da vida terrena. Todas as instituições

humanas, políticas, sociais e religiosas, que se apoiarem nas suas palavras, serão estáveis como a casa

construída sobre a pedra. Os homens conservá-las-ão porque nelas encontrarão a felicidade. Mas, aquelas

que tentarem transgredi-las, serão como as casas construídas sobre a areia: o vento das revoluções e o rio

do progresso arrastá-las-ão.

A quem muito foi dado, muito será pedido

10. Aquele servo que soube a vontade do seu Senhor e não se aprontou, e não fez conforme a sua

vontade, será castigado com muitos açoites. Mas aquele que não a soube, e fez coisas dignas de açoites,

com poucos açoites será castigado. Porque a qualquer que muito for dado, muito lhe será pedido, e ao que

muito se lhe confiou, muito mais se lhe pedirá. (Lucas, 12: 47-48).

11. E Jesus disse-lhe: Eu vim a este mundo para fazer juízos, a fim de que os que não vêem, vejam, e os

que vêem, sejam cegos.

E ouviram alguns dos fariseus que estavam com ele e disseram-lhe: Também nós somos cegos?

Respondeu-lhes Jesus: Se vós fosseis cegos, não teríeis pecado; mas como agora mesmo dizeis, “nós

vemos”, por isso o vosso pecado permanece. (João, 9:39-41).

12. Estas regras aplicam-se ao ensinamento dos Espíritos. Quem quer que conheça os princípios de

Jesus tem o dever de os praticar. Porém, além do Evangelho que os contém não ser suficientemente

difundido, senão entre grupos cristãos, mesmo entre eles há muitas pessoas que não o lêem e, entre esses,

há muitos que não o compreendem! Daí resulta que as palavras de Jesus são desconhecidas para a maioria.

O ensinamento dos Espíritos, que reproduz essas regras sob diferentes formas, que as desenvolve e

comenta pondo-as ao alcance de todos, não é limitado e todos podem recebê-lo, pois os Espíritos

comunicam com os habitantes da Terra por toda a parte.

Aqueles que têm o conhecimento desses ensinamentos, que os receberam diretamente ou por

intermédio de outros, não podem desculpar-se com a sua falta de conhecimento, ou com a dificuldade de

compreenderem as alegorias dos Evangelhos.

Portanto, quem não põe em prática o conhecimento para se melhorar, quem não o admira sem que o

seu coração seja tocado, quem não corrige a sua vaidade, o seu orgulho, o egoísmo ou a cobiça dos bens

materiais, nem é melhor para o seu próximo − é mais responsável por isso, considerando que teve meios

para conhecer a verdade.

Os médiuns que obtêm boas comunicações são ainda mais repreensíveis se persistirem no mal, pois

escrevem frequentemente a sua própria condenação, e se não estivessem cegos pelo orgulho,

reconheceriam que é a eles mesmos que os Espíritos se dirigem. Mas, em vez de tomarem para si as lições

que escrevem, ou que vêem os outros escrever, a sua única preocupação é a de as aplicar a outras pessoas,

confirmando assim estas palavras de Jesus: "Vedes um argueiro no olho do próximo, e não vedes a trave

que está no vosso." (Ver cap. X. nº 9).

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Por estas palavras: "Se fosseis cegos, não teríeis culpa", Jesus confirma que a responsabilidade está na

razão do conhecimento que se possui. Ora, os fariseus, que tinham pretensão de ser, e que realmente

eram, a parte mais esclarecida da nação, tornavam-se mais repreensíveis aos olhos de Deus que o povo

ignorante. O mesmo acontece hoje.

Aos espíritas, portanto, muito será pedido, porque muito receberam, mas, também, aos que souberam

aproveitar os seus ensinamentos, muito lhes será dado.

O primeiro pensamento de qualquer espírita sincero deve ser o de procurar, nos conselhos dados pelos

Espíritos, alguma coisa que lhe diga respeito.

O espiritismo vem multiplicar o número dos chamados e, pela fé que proporciona, multiplicará também

o número dos escolhidos.

INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS

Ao que tem se lhe dará

13. E acercando-se dele os discípulos, disseram-lhe: Porque lhes falas por parábolas? Respondendo,

disse-lhes: Porque a vós é dado conhecer os mistérios do Reino dos Céus, mas a eles não lhes é dado. Porque

àquele que tem, se dará e terá em abundância, mas àquele que não tem, até aquilo que tem lhe será tirado.

Por isso lhes falo por parábolas: porque eles, vendo, não vêem, e ouvindo não ouvem, nem entendem. De

sorte que neles se cumpre a profecia de Isaías, que diz: Ouvindo, ouvireis mas não entendereis; e vendo,

vereis mas não percebereis. (Mateus, 13:10-14).

14. E disse-lhes: Atendei ao que ides ouvir. Com a medida com que medirdes, vos medirão a vós e ser-

vos-á ainda acrescentada. Porque ao que já tem, ser-lhe-á dado, e ao que não tem, até o que tem lhe será

tirado. (Marcos, 4:24-25).

15. "Dá-se ao que já tem e retira-se ao que não tem". Meditai sobre estes grandes ensinamentos, que

muitas vezes vos pareceram paradoxais.

Aquele que recebeu é o que possui o sentido da palavra divina. Recebeu-a porque se esforçou para se

tornar digno dela e porque o Senhor, no seu amor misericordioso, encoraja os esforços que tendem para

o bem.

Esses esforços contínuos e perseverantes atraem as graças do Senhor. São um íman, que atrai a si, as

graças abundantes que vos tornam fortes para a subida da montanha sagrada, no cimo da qual encontrareis

o repouso depois do trabalho.

"Tira-se àquele que nada tem, ou que tem pouco". É preciso entender isto como um contraste figurado.

Deus não tira às suas criaturas o bem que se dignou conceder-lhes. Homens cegos e surdos! Abri as

vossas inteligências e os vossos corações, procurai ver pelo Espírito, compreendei com a alma e não

interpreteis de maneira errada e injusta as palavras daquele que fez resplandecer aos vossos olhos a Justiça

do Senhor!

Não é Deus quem tira daquele que pouco havia recebido. É o próprio Espírito que, pródigo e descuidado,

não sabe conservar o que tem, aumentando e melhorando a dádiva que lhe caiu no coração.

O filho que não cultiva o campo que o pai ganhou com o seu trabalho, e lhe deixou de herança, vê esse

campo cobrir-se de ervas daninhas.

Será o seu pai quem lhe tira as colheitas que ele não preparou?

Se ele deixou a sementeira morrer, por falta de cuidado, deve acusar o seu pai pela falta de produção?

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Não, não! Em vez de acusar aquele que tudo lhe deu, de lhe tirar os bens, deve acusar-se a si mesmo,

que é o verdadeiro responsável pela sua desgraça, e então, arrependido e com energia, entregar-se

corajosamente ao trabalho.

Que cultive o solo difícil com o esforço da sua própria vontade; que o lavre fundo, com a ajuda do

arrependimento e da esperança; que lance nele, com confiança, a semente que escolheu como boa entre

as más; que o regue com o seu amor e a sua caridade; e Deus, o Deus do Amor e da Caridade, dará àquele

que já recebeu.

Então verá os seus esforços coroados de sucesso, e um grão a produzir cem e outro a produzir mil.

Coragem, trabalhadores! Tomai as vossas grades e as vossas charruas, lavrai os vossos corações,

arrancai deles o joio, semeai a boa semente que o Senhor vos confia e o orvalho do amor os fará produzir

os frutos da caridade.

Um Espírito amigo / Bordéus, 1862

Reconhece-se o cristão pelas suas obras

16. "Nem todos os que me dizem “Senhor, Senhor”, entrarão no Reino dos Céus, mas somente o que faz

a vontade de meu Pai, que está nos Céus." (Mateus, 7, 21)

Escutai estas palavras do Mestre, todos vós que repelis a doutrina espírita como obra do demónio! Abri

os ouvidos, pois chegou o momento de ouvir! Será suficiente envergar o uniforme do Senhor, para ser um

fiel servidor? Chegará dizer: "Sou cristão", para seguir Jesus? Procurai os verdadeiros cristãos e conhecê-

los-eis pelas suas obras.

"Uma árvore boa não pode dar maus frutos, nem uma árvore má pode dar bons frutos." (Mateus 7, 17)

"Toda a árvore que não der bons frutos será cortada e lançada no fogo." (Mateus, 7, 19)

São estas as palavras do Mestre. Discípulos de Jesus, compreendei-as bem! Quais são os frutos que a

árvore do Cristianismo deve dar, árvore poderosa, cujos ramos frondosos cobrem com a sua sombra uma

parte do mundo, mas ainda não abrigam todos os que devem reunir-se à sua volta?

Os frutos da árvore da vida são frutos de vida, de esperança e de fé. O Cristianismo, tal como o vem

fazendo há muitos séculos, prega sempre essas virtudes divinas procurando distribuir os seus frutos. Mas

quão poucos os colhem!

A árvore é sempre boa, mas os jardineiros são maus. Quiseram moldá-la conforme as suas ideias,

modelá-la de acordo com as suas necessidades. Cortaram-na, diminuíram-na, mutilaram-na. Os seus ramos

estéreis já não produzem maus frutos, porque já nada produzem. O viajante sedento que se acolhe à sua

sombra, procurando o fruto da esperança, que lhe possa dar força e coragem, encontra apenas os ramos

áridos, pressagiando a tempestade.

Em vão procura o fruto da vida na árvore da vida: caem-lhe aos pés as folhas secas. As mãos do homem

tanto as manipularam, que acabaram por secá-las!

Abri, pois, os ouvidos e os corações, meus bem-amados!

Cultivai esta árvore da vida, cujos frutos dão a vida eterna. Aquele que a plantou convida-vos a cuidá-la

com amor, e ainda a vereis dar com abundância os seus frutos divinos. Deixai-a tal como Jesus vo-la deu.

Não a mutileis.

A sua sombra imensa quer estender-se por todo o Universo, não lhe corteis os ramos. Os seus frutos

benéficos caem em abundância, para dar alento ao viajante necessitado, que deseja chegar ao seu destino.

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Não os apanheis para os armazenar deixando-os apodrecer, sem servirem a ninguém.

"São muitos os chamados e poucos os escolhidos.” É que há os açambarcadores do pão da vida, como

os há do pão material. Não vos junteis a esse número: a árvore que dá bons frutos deve distribuí-los por

todos.

Ide, pois, procurar os necessitados: conduzi-os sob os ramos da árvore e partilhai com eles o abrigo que

ela vos oferece. "Não se colhem uvas dos espinheiros."

Meus irmãos, afastai-vos, pois, dos que vos chamam para vos oferecerem os silvados do caminho, e

segui os que vos conduzem à sombra da árvore da vida.

O divino Salvador, o justo por excelência, disse-o, e as suas palavras não passarão: "Nem todos os que

me dizem: “Senhor, Senhor”, entrarão no Reino dos Céus, mas somente aqueles que fazem a vontade de

meu Pai, que está nos Céus."

Que o Senhor das bênçãos vos abençoe, que o Deus da luz vos ilumine. Que a árvore da vida vos ofereça,

com abundância, os seus frutos! Crede e orai!

Espírito “Simeão” / Bordéus, 1863

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CAPÍTULO XIX - A FÉ QUE TRANSPORTA MONTANHAS

O poder da fé

1. E, quando chegaram à multidão, aproximou-se-lhe um homem, pondo-se de joelhos diante dele e

dizendo: Senhor, tem misericórdia de meu filho, que é lunático e sofre muito, pois muitas vezes cai no fogo

e, muitas vezes, na água; e trouxe-o aos teus discípulos e não puderam curá-lo. E Jesus, respondendo, disse:

Oh! Geração incrédula e perversa, até quando estarei eu convosco e até quando vos sofrerei? Trazei-mo

aqui. E repreendeu Jesus o demónio, que saiu dele, e, desde aquela hora, o menino sarou. Então, os

discípulos, aproximando-se de Jesus em particular, disseram: Porque não pudemos nós expulsá-lo? E Jesus

lhes disse: Por causa da vossa pequena fé; porque em verdade vos digo que, se tiverdes fé como um grão

de mostarda, direis a este monte: passa daqui para acolá - e há de passar; e nada vos será impossível.

(Mateus, 17:14-19).

2. A confiança do ser humano nas suas próprias forças torna-o capaz de realizar coisas materiais que

não consegue fazer quando duvida de si mesmo. Aqui, porém, é no sentido moral que devemos entender

estas palavras.

As montanhas que a fé transporta são as dificuldades, as contrariedades e a má vontade que

encontramos entre os homens, mesmo quando se trata das melhores coisas.

Os preconceitos da rotina, os interesses materiais, o egoísmo, a cegueira do fanatismo e as paixões do

orgulho são outras tantas montanhas que atravancam o caminho dos que trabalham para o progresso da

Humanidade.

A fé robusta dá recursos necessários para vencer os obstáculos, tanto nas pequenas como nas grandes

coisas. A fé vacilante produz a incerteza e a hesitação de que se aproveitam aqueles que queremos

combater. nem sequer procura os meios de vencer, porque não acredita na possibilidade de vitória.

3. Noutro sentido, a fé é a confiança que temos na realização de determinada coisa, a certeza de atingir

um objetivo; dá uma espécie de lucidez, que faz antever, no pensamento, os fins para os quais se caminha

e os meios de os atingir, de forma que aquele que a possui avança, por assim dizer, com a certeza de

sucesso. Num e noutro caso, pode fazer com que se realizem grandes coisas.

A fé sincera e verdadeira é sempre calma. Dá a paciência que sabe esperar, porque estando apoiada na

inteligência e na compreensão das coisas, tem a certeza de chegar. A fé insegura sente a sua própria

fraqueza, e quando é estimulada pelo interesse torna-se furiosa, e julga poder compensar com a violência,

a força que lhe falta.

A calma na luta é sempre um sinal de força e de confiança, enquanto a violência, pelo contrário, é prova

de fraqueza e de falta de confiança em si mesmo.

4. É preciso não confundir a fé com a presunção. A verdadeira fé alia-se à humildade. Aquele que a

possui deposita a confiança em Deus, mais do que em si mesmo, pois sabe que, simples instrumento da

vontade de Deus, nada pode sem ele. É por isso que os bons Espíritos vêm em seu auxílio. A presunção é

mais orgulho do que fé, e o orgulho é sempre castigado, mais cedo ou mais tarde, pela deceção e pelos

insucessos que lhe são infligidos.

5. O poder da fé demonstra-se de forma direta e especial na ação magnética. Por seu intermédio o

homem age sobre o fluido, agente universal, modifica-lhe as qualidades e dá-lhe um impulso, por assim

dizer, irresistível. É por isso que aquele que, a um grande poder fluídico puder juntar uma fé ardente, pode,

só pela vontade dirigida para o bem, realizar esses fenómenos estranhos de curas e outros que

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antigamente eram considerados prodígios, e que não passam de consequências de uma lei natural. Essa é

a razão pela qual Jesus disse aos seus apóstolos que se não tinham conseguido fazer curas, foi porque não

tinham fé.

A fé religiosa. Condição da fé inabalável.

6. Do ponto de vista religioso, a fé é a crença nos dogmas específicos que constituem as diferentes

religiões. Todas as religiões têm os seus artigos de fé. Sob este aspeto, a fé pode ser raciocinada ou cega.

A fé cega nada examina, aceita sem controlo o falso e o verdadeiro e choca a cada passo com a evidência

da razão. Levada ao excesso produz o fanatismo.

Quando a fé se baseia no erro, desmorona-se mais cedo ou mais tarde. A que tem por base a verdade

é a única que tem o futuro assegurado, porque nada tem a temer do progresso do conhecimento,

atendendo a que o que é verdadeiro na sombra também o é em plena luz.

Cada religião julga estar na posse exclusiva da verdade; aconselhar a fé cega sobre uma questão de

crença é confessar a impotência para demonstrar que se tem razão.

7. Vulgarmente se diz que a fé não se ordena, o que leva muitas pessoas a dizer que não são culpadas

de não terem fé. Sem dúvida que a fé não se prescreve, ou o que é ainda mais exato, a fé não se impõe.

A fé, de facto, não se ordena, mas adquire-se, e não há ninguém que esteja impedido de a alcançar,

mesmo entre os mais refratários.

Falamos das verdades espirituais fundamentais e não desta ou daquela crença específica. Não é a fé

que deve ir até às pessoas, mas estas que devem procurá-la, e se o fizerem com sinceridade, encontrá-la-

ão.

Podeis estar certos de que aqueles que dizem: "Não pediríamos nada melhor do que acreditar, mas não

o conseguimos", apenas o dizem com os lábios, e não com o coração, pois ao mesmo tempo que o dizem,

fecham os ouvidos. As provas abundam à sua volta. Porque se recusam a vê-las? Nuns, é a indiferença,

noutros, o medo de serem forçados a mudar de hábitos, e na maior parte, o orgulho que se recusa a

reconhecer um poder superior, porque teria de inclinar-se diante dele.

Nalgumas pessoas a fé parece inata, e basta uma faísca para desenvolvê-la. Essa facilidade para assimilar

as verdades espirituais é sinal evidente de progresso anterior. Noutras, pelo contrário, é com dificuldade

que são assimiladas, sinal também evidente de natureza em atraso.

As primeiras já acreditaram e compreenderam; trazem ao regressar à vida a intuição do que sabiam. A

sua educação está feita.

As segundas ainda têm tudo para aprender. A sua educação está por fazer, mas far-se-á, e se não ficar

concluída nesta existência, ficará numa outra.

A resistência do incrédulo quase sempre se deve menos a ele do que à maneira como lhe apresentam

as coisas. A fé necessita de uma base, e essa base é a perfeita compreensão daquilo em que se deve

acreditar. Para acreditar não basta ver, é necessário sobretudo compreender. A fé cega já não é deste

século.

É precisamente o dogma da fé cega que produz o maior número de incrédulos atualmente, porque ela

quer impor-se, exigindo a abdicação de uma das mais preciosas prerrogativas do homem: o raciocínio e o

livre-arbítrio.

[ Ver Nota final nº 1 – A palavra “dogma” ]

É sobretudo contra a fé dogmática que se levanta o incrédulo, o que mostra a verdade de que a fé não

se impõe. Não admitindo provas, deixa no Espírito um vazio de que nasce a dúvida.

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A fé raciocinada, que se apoia nos factos e na lógica, não deixa nenhuma sombra: acredita-se porque se

tem a certeza, e só se está certo quando se compreendeu. É por isso que ela não se dobra: porque só é

inabalável a fé que pode enfrentar a razão face a face, em todas as épocas da Humanidade.

É a esse resultado que o espiritismo conduz, triunfando assim da incredulidade todas as vezes em que

não encontrar a oposição preconcebida e tendenciosa.

Parábola da figueira que secou

8. No dia seguinte, quando saíram de Betânia, teve fome. Vendo de longe uma figueira que tinha folhas,

foi ver se nela acharia alguma coisa; e, chegando a ela, não achou senão folhas, porque não era tempo de

figos. E Jesus, falando, disse à figueira: Nunca mais coma alguém fruto de ti. E os seus discípulos ouviram

isso.

E eles, passando pela manhã, viram que a figueira se tinha secado desde as raízes. E Pedro, lembrando-

se, disse-lhe: Mestre, a figueira que tu amaldiçoaste secou. E Jesus, respondendo, disse-lhes: Tende fé em

Deus, porque em verdade vos digo que qualquer que disser a este monte: ergue-te e lança-te no mar, e não

duvidar em seu coração, mas crer que se fará aquilo que diz, tudo o que disser lhe será feito. (Marcos, 11:

12-14 e 20-23).

9. A figueira seca é o símbolo das pessoas que só têm a aparência do bem, mas na realidade não

produzem nada de bom. Como os oradores cujas palavras têm mais brilho do que conteúdo, fazem

discursos que agradam aos ouvidos mas, se analisados, nada encontramos de substancial para o coração.

É o caso de todas as utopias, de todas as teorias vazias, de todas as doutrinas sem bases sólidas e das

pessoas que têm meios para serem úteis e não o são. Falta-lhes a verdadeira fé, a fé fecunda, a fé que abala

as fibras do coração. Numa palavra, a fé que transporta montanhas.

São como árvores frondosas, mas que não dão frutos, condenadas à esterilidade. Um dia virá em que

ficarão secas até às raízes. Isto quer dizer que todas as teorias, todas as doutrinas que não produziram bem

para a Humanidade serão reduzidas a nada, e que todos aqueles que são voluntariamente inúteis, que não

utilizam os recursos de que estão dotados, serão tratados como a figueira seca.

10. Os médiuns são os intérpretes dos Espíritos ─ fornecem os órgãos materiais que lhes faltam para

nos transmitirem as suas instruções, porque são dotados de faculdades para esse efeito.

Nestes tempos de renovação social, os médiuns desempenham uma missão muito especial: são como

árvores que dão frutos que servem de alimento espiritual aos seus irmãos.

Multiplicam-se, para que o alimento seja abundante. Espalham-se por toda parte, em todos os países,

em todas as classes sociais, entre os ricos e entre os pobres, os grandes e os pequenos, para que em parte

alguma haja deserdados e para provar aos seres humanos que todos são chamados.

Porém, se desviam do fim providencial a faculdade preciosa que lhes foi concedida;

− Se a colocam ao serviço de coisas fúteis ou nocivas ou dos interesses mundanos;

− Se, em vez de frutos saudáveis, dão maus frutos;

− Se se recusam a torná-la proveitosa para os outros;

− Se nem mesmo para si tiram os proveitos do aperfeiçoamento espiritual, são como a figueira estéril.

Deus tirar-lhes-á um dom que se tornou inútil nas suas mãos: a semente que não souberam fazer

frutificar e que os fará tornarem-se vítimas dos maus Espíritos.

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INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS

A fé, mãe da esperança e da caridade

11. A fé, para ser proveitosa, deve ser ativa, não pode adormecer. Mãe de todas as virtudes que

conduzem a Deus, deve vigiar atentamente do desenvolvimento das suas filhas.

A esperança e a caridade são uma consequência da fé. Estas três virtudes formam uma trindade

inseparável.

A fé sustenta a esperança de ver cumpridas as promessas do Senhor: se não tivermos fé, que

esperaremos?

A fé dá-nos o amor: se não tivermos fé, que gratidão e que amor teremos?

A fé, divina inspiração de Deus, desperta todos os nobres sentimentos que conduzem as pessoas ao

bem: é a base da regeneração. É necessário que essa base seja forte e durável, pois se a menor dúvida vier

abalá-la, que alicerces poderá oferecer ao edifício espiritual?

Erguei esse edifício sobre alicerces inabaláveis. Que a vossa fé seja mais forte que os sofismas e a troça

dos incrédulos, pois a fé que não desafia o ridículo dos homens, não é a verdadeira fé.

A fé sincera é empolgante e contagiosa. Comunica-se aos que não a têm, ou mesmo aos que não querem

tê-la; encontra palavras persuasivas, que penetram na alma, enquanto a fé aparente só tem palavras

sonantes, que produzem o frio e a indiferença.

Pregai pelo exemplo da vossa fé, para transmiti-la aos vossos semelhantes;

pregai pelo exemplo das vossas obras, para que vejam o mérito da fé;

pregai pela vossa esperança inabalável, para lhes fazer ver a confiança que fortifica e leva a enfrentar

todas as dificuldades da vida.

Tende, portanto, a verdadeira fé, em tudo o que ela tem de belo e de bom, na sua pureza e na sua

racionalidade. Não aceiteis fé sem provas, filha da cegueira.

Amai a Deus, mas sabei porque o amais. Acreditai nas suas promessas, mas sabei porque o fazeis.

Segui os nossos conselhos, mas conscientes dos fins que vos indicamos e dos meios que vos trazemos

para os atingir. Acreditai e esperai, sem fraquejar: os milagres são obras da fé.

José / Espírito protetor, Bordéus, 1862

A fé divina e a fé humana

12. A fé é o sentimento inato, nas pessoas, dos seus destinos futuros. É a consciência que têm das

prodigiosas faculdades, depositadas em gérmen no seu íntimo, primeiro em estado latente, mas que ele

deve fazer germinar e crescer, através da sua vontade ativa.

Até ao presente a fé só foi compreendida no seu sentido religioso, porque Jesus a revelou como

poderosa alavanca, e porque nele só viram o chefe de uma religião.

Mas Jesus, que realizou verdadeiros “milagres” materiais, mostrou, por esses mesmos “milagres”,

quanto pode o ser humano quando tem fé, ou seja, quando tem a vontade de querer e a certeza de que

essa vontade pode realizar-se.

Os apóstolos, com o seu exemplo, também fizeram “milagres”. Que eram esses “milagres” senão efeitos

naturais cuja causa era desconhecida das pessoas desse tempo, mas que hoje já se explica em grande parte,

e que será completamente compreendida pelo estudo do espiritismo e do magnetismo.

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A fé é humana ou divina, conforme o ser humano aplica as suas faculdades às necessidades terrenas ou

às suas aspirações celestes e futuras.

A pessoa de génio, que se lança à realização de uma grande empresa, triunfa se tem fé, porque sente

em si mesma que isso pode e deve acontecer, e essa certeza dá-lhe uma força imensa.

A pessoa de bem que, acreditando no seu futuro celeste, quer preencher a vida com nobres e belas

ações, vai buscar à sua fé a certeza da felicidade que a espera, a força necessária, e nisso se realizam os

“milagres” da caridade, do sacrifício e da abnegação. Com fé, todas as más inclinações podem ser vencidas.

O magnetismo é uma das maiores provas do poder da fé posto em ação. É pela fé que ele cura e produz

esses fenómenos estranhos que, no passado, foram qualificados de “milagres”. Repito-o: a fé é humana e

divina.

Se todas as criaturas encarnadas estivessem suficientemente persuadidas da força que trazem consigo,

e se quisessem pôr a sua vontade ao serviço dessa força, seriam capazes de realizar o que até hoje chamais

de prodígios, e que são simplesmente um desenvolvimento das faculdades humanas.

Um Espírito protetor / Paris, 1863

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CAPÍTULO XX ─ OS TRABALHADORES DA ÚLTIMA HORA

1. O Reino dos céus é semelhante a um pai de família, que saiu de madrugada a assalariar trabalhadores

para a sua vinha.

E, ajustando com os trabalhadores a um dinheiro por dia, mandou-os para a sua vinha.

Saindo de novo perto da hora terceira, viu outros que estavam ociosos na praça e disse-lhes: Ide vós

também para a vinha e dar-vos-ei o que for justo. E eles foram.

Saindo outra vez, perto da hora sexta e nona, fez o mesmo.

E, saindo perto da hora undécima, encontrou outros que estavam ociosos e perguntou-lhes: Porque

estais ociosos todo o dia? Disseram-lhe eles: Porque ninguém nos assalariou. Diz-lhes ele: Ide vós também

para a vinha e recebereis o que for justo.

E, aproximando-se a noite, diz o senhor da vinha ao seu mordomo: Chama os trabalhadores, e paga-lhes

o salário, começando pelos últimos até aos primeiros.

E, chegando os que tinham ido perto da hora undécima, receberam um dinheiro cada um.

Vindo, porém, os primeiros, cuidaram que haviam de receber mais, mas, do mesmo modo, receberam

um dinheiro cada um. E, recebendo-o, murmuravam contra o pai de família, dizendo: estes últimos

trabalharam só uma hora e tu os igualaste connosco, que suportamos a fadiga e a calma do dia.

Mas ele, respondendo, disse a um deles: amigo, não te faço injustiça, não ajustaste tu comigo um

dinheiro?

Toma o que é teu e retira-te; eu quero dar a este último tanto como a ti. Ou não me é lícito fazer o que

quiser do que é meu? Ou é mau o teu olho porque eu sou bom?

Assim, os últimos serão os primeiros, e os primeiros serão os últimos, porque muitos são os chamados,

mas poucos os escolhidos. (Mateus, 20: 1-16.) - Ver também cap. XVIII, "Parábola da Festa de Núpcias".

INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS

Os últimos serão os primeiros

2. O trabalhador da última hora tem direito ao salário mas, para isso, é necessário que a sua boa

vontade o tenha mantido à disposição do patrão que o devia empregar, e que o atraso não seja fruto da

sua preguiça ou da sua má vontade. Tem direito ao salário porque, desde o nascer do dia, esperava

impacientemente ser chamado. Era trabalhador e apenas lhe faltava trabalho.

Se tivesse recusado o trabalho a qualquer hora do dia, se tivesse dito: "Paciência, gosto de descansar!

Ao fim do dia pensarei no salário. Não tenho que me incomodar com um patrão que não conheço e de quem

não gosto. Quanto mais tarde, melhor!”.

Esse, meus amigos, não teria recebido o salário do trabalho, mas o da preguiça.

E que será daquele que, em vez de ficar simplesmente parado, tivesse passado o dia a cometer más

ações? Que tivesse blasfemado contra Deus, vertido o sangue dos seus semelhantes, perturbado as

famílias, arruinado pessoas de boa-fé, abusado da inocência? Que tivesse, enfim, mergulhado em toda a

infâmia. O que seria dele?

A esse, bastava-lhe dizer: "Senhor, usei mal o meu tempo, empregai-me até ao fim do dia para que faça

um pouco, um resto apenas da minha tarefa, e pagai-me o salário do trabalhador de boa vontade".

E o patrão responder-lhe-ia: "Agora não tenho nenhum trabalho para ti. Desperdiçaste o tempo,

esqueceste o que sabias, já não sabes trabalhar na minha vinha. Aprende de novo e, quando estiveres mais

bem-disposto procura-me que te darei que fazer a qualquer hora do dia".

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Bons espíritas, meus bem-amados, todos vós sois trabalhadores da última hora. Muito orgulhoso será

o que disser: "Comecei a trabalhar de madrugada e só terminarei ao escurecer".

Todos vieram para a pesada vida na carne quando chamados, uns mais cedo, outros mais tarde. Mas há

quantos e quantos séculos o Senhor vos chamava, sem que tivessem querido entrar?

Agora é o momento de receberem o salário. Empregai bem a hora que vos resta. Não se esqueçam de

que a vossa existência, por mais longa que vos pareça, é um momento muito breve na imensa extensão da

eternidade.

Constantino / Espírito protetor, Bordéus, 1863

3. Jesus amava a simplicidade dos símbolos. Na sua expressão rigorosa, os trabalhadores da primeira

hora são os profetas, Moisés e todos os iniciadores que marcaram as etapas do progresso continuadas

através dos séculos pelos apóstolos, os mártires, os pais da Igreja, os sábios, os filósofos e, por fim, os

espíritas.

Estes, os últimos a chegar, foram anunciados desde o aparecimento do messias. Receberão, pois, a

mesma recompensa. Ou melhor dito, receberão uma recompensa maior.

Últimos a chegar, os Espíritas beneficiam do trabalho intelectual dos seus antecessores, porque os seres

humanos devem aprender uns com os outros, e porque os trabalhos e os seus resultados são coletivos:

Deus abençoa a solidariedade.

Muitos dos antigos já viveram antes na Terra e reviverão nela de novo, para acabar a obra que

começaram no passado. Muitos dos que foram patriarcas, profetas, discípulos de Jesus, divulgadores da fé

cristã se contam entre eles, vivendo na Terra, mas mais esclarecidos, mais adiantados, e já não trabalham

na base, mas na cúpula do edifício. O seu salário será, portanto, proporcional ao mérito da obra.

O belo princípio da reencarnação caracteriza e eterniza a filiação espiritual.

O Espírito, chamado a prestar contas da sua missão na Terra, compreende a continuidade da tarefa

interrompida, mas sempre retomada. Vê e sente que apanhou no ar o pensamento dos que o antecederam.

Amadurecido pela experiência, reinicia a luta para avançar mais. E todos, trabalhadores da primeira e

da última hora, de olhos bem abertos sobre a profunda Justiça de Deus, já não repetem queixumes:

adoram.

Este é um dos verdadeiros sentidos desta parábola, que encerra, como todas as que Jesus dirigiu ao

povo, a semente do futuro, e também através das suas formas e imagens a revelação dessa magnífica

unidade que harmoniza todas as coisas no Universo, dessa solidariedade que liga todos os seres atuais ao

passado e ao futuro.

Espírito “Henri Heine” / Paris, 1863

Missão dos espíritas

4. Não ouvis já o ruído da tempestade que deve assolar o Velho Mundo, e reduzir a nada todas as

iniquidades terrenas?

Bendizei o Senhor, vós que tendes fé na sua soberana justiça e que, novos apóstolos da crença revelada

pelas vozes proféticas superiores, ides pregar o princípio da reencarnação e da elevação dos Espíritos,

segundo o bom ou mau desempenho das suas missões e o modo como suportaram as suas provas terrenas.

Não tenhais medo! As línguas de fogo estão sobre as vossas cabeças. Verdadeiros adeptos do

espiritismo, vós sois os eleitos de Deus! Ide e pregai a palavra divina.

É chegada a hora em que deveis sacrificar os vossos hábitos, os vossos trabalhos e as vossas ocupações

fúteis, à sua propagação. Ide e pregai, os Espíritos elevados estão convosco. Ireis certamente encontrar

pessoas que não quererão escutar a palavra de Deus, porque essa palavra os convida incessantemente ao

sacrifício. Pregareis o desinteresse aos avarentos, a abstinência aos dissolutos, a mansidão aos tiranos

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domésticos e aos déspotas. Palavras perdidas, bem sei, mas que importa! É necessário regar com o vosso

suor o terreno em que deveis semear, porque ele só frutificará e só produzirá sob os esforços incessantes

da enxada e da charrua evangélicas. Ide e pregai!

Sim, vós todos, homens de boa-fé, que tendes consciência da vossa inferioridade, ao contemplar os

mundos dispersos pelo infinito, parti em cruzada contra a injustiça e a iniquidade. Ide e aniquilai o culto do

bezerro de ouro que dia a dia mais se expande.

Ide, que Deus vos conduz! Homens simples e ignorantes, as vossas línguas soltar-se-ão e falareis como

nenhum orador sabe falar. Ide e pregai, e as populações atentas receberão com alegria as vossas palavras

de consolo, de fraternidade, de esperança e de paz.

Que importam as ciladas que armarem no vosso caminho? Somente os lobos caem nas armadilhas para

lobos, porque o pastor saberá defender as suas ovelhas contra os carrascos imoladores.

Ide, homens grandes perante Deus. Mais felizes do que Tomé, acreditais sem pedir para ver, e aceitais

os factos da mediunidade mesmo quando nada conseguistes obter por vós mesmos. Ide, o Espírito de Deus

vos conduz!

Caminha, pois, para a frente, falange imponente pela tua fé! E os grandes batalhões dos incrédulos

desvanecer-se-ão diante de ti, como as névoas da manhã aos primeiros raios do Sol nascente.

A fé é a virtude que transporta montanhas, disse Jesus. Mas, mais pesadas que as mais pesadas

montanhas, a impureza e todos os vícios da impureza jazem no coração humano. Parti, pois, cheios de

coragem, para remover essas montanhas de iniquidades que as gerações futuras só devem conhecer sob

a forma de lendas, do mesmo modo que vós só muito imperfeitamente conheceis os períodos anteriores

à civilização pagã.

Sim, as revoluções morais e filosóficas vão eclodir em todos os pontos do globo. Aproxima-se a hora em

que a luz divina brilhará sobre os dois mundos.

Ide, pois, levando a palavra divina: aos grandes, que a desdenharão, aos sábios, que pedirão provas e

aos simples e pequeninos, que a aceitarão, pois é principalmente entre os mártires do trabalho, nesta

expiação terrena, que encontrareis o fervor da fé. Ide, que estes receberão, com cânticos de ação de graças

e louvores a Deus, o consolo divino que lhes levareis, e, inclinando-se, renderão graças pelas misérias

terrenas que lhes couberam.

Que a vossa falange se arme de decisão e coragem! Mãos à obra! O arado está pronto, a terra

preparada. Está na hora do trabalho.

Ide e agradecei a Deus a gloriosa tarefa que vos concedeu. Mas, cuidado, que entre os chamados para

o espiritismo, muitos se desviaram! Reparai, pois, no vosso caminho, e buscai a verdade.

Perguntareis: se muitos chamados para o espiritismo se transviaram, como reconhecer os que se acham

no bom caminho?

Responderemos: podeis reconhecê-los pelos princípios da verdadeira caridade que professarem e

praticarem. Podeis reconhecê-los pelo número de aflitos a que levarem consolo, pelo amor que dedicarem

ao próximo, pela sua abnegação e o seu desinteresse pessoal. Podeis reconhecê-los, finalmente, pela

vitória dos seus princípios, porque Deus quer o triunfo da Sua lei. Os que a seguem são os escolhidos, a

quem ele dará a vitória, mas esmagará os que falseiam o espírito dessa lei e fazem disso um degrau para

satisfazer a sua vaidade e a sua ambição.

Espírito “Erasto”, Anjo da guarda do médium / Paris, 1863

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Os obreiros do Senhor

5. Chegou o tempo de serem realidade as profecias sobre a transformação da Humanidade. Felizes

serão os que tiverem trabalhado no campo do Senhor com desinteresse e apenas movidos pela caridade!

Os seus dias de trabalho serão pagos pelo cêntuplo do que esperavam. Felizes serão os que disseram aos

seus irmãos: "Trabalhemos juntos e unamos os nossos esforços, para que o Senhor, quando chegar,

encontre a obra acabada".

E o Senhor lhes dirá: “Vinde a mim bons servidores que souberam calar invejas e discórdias para que a

obra não fosse prejudicada!"

Infelizes os que, pelas suas divisões, tiverem retardado a hora da colheita, porque chegará a tempestade

e serão arrastados pela enxurrada! E gritarão: "Perdão! Perdão!"

E o Senhor lhes dirá: "Porque pedem perdão os que não tiveram piedade dos seus irmãos e recusaram

estender-lhes a mão, e esmagaram o fraco em vez de o socorrer? Porque pedem perdão, os que procuram

recompensa nos prazeres terrenos e na satisfação do vosso orgulho?

Já receberam a sua recompensa, de acordo com a sua vontade. Não peçam mais nada. As recompensas

celestes são para aqueles que não pedem recompensas na Terra".

Deus faz, neste momento, a enumeração dos servidores fiéis. E já conhece os que só têm a aparência

da dedicação, para não usurparem o salário dos servidores corajosos. Porque a esses, que não recuarão

perante a tarefa, vai confiar os postos mais difíceis na grande obra da regeneração pelo espiritismo.

E então se cumprirão as palavras: "Os primeiros serão os últimos, e os últimos serão os primeiros no

Reino dos Céus!"

Espírito de Verdade / Paris, 1862

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CAPÍTULO XXI ─ FALSOS MESSIAS E FALSOS PROFETAS

Conhece-se a árvore pelos frutos

1. Porque não há boa árvore que dê mau fruto, nem má árvore que dê bom fruto. Porque cada árvore se

conhece pelo seu próprio fruto; pois não se colhem figos dos espinheiros, nem se vindimam uvas dos

abrolhos. O homem bom, do bom tesouro do seu coração, tira o bem, e o homem mau, do mau tesouro do

seu coração, tira o mal, porque da abundância do seu coração fala a boca. (Lucas, 6: 43-45).

2. Acautelai-vos, porém, dos falsos profetas, que vêm até vós vestidos como ovelhas, mas

interiormente são lobos devoradores. Por seus frutos os conhecereis. Porventura, colhem-se uvas dos

espinheiros ou figos dos abrolhos? Assim, toda árvore boa produz bons frutos, e toda árvore má produz

frutos maus. Não pode a árvore boa dar maus frutos, nem a árvore má dar frutos bons. Toda árvore que

não dá bom fruto corta-se e lança-se no fogo. Portanto, pelos seus frutos os conhecereis. (Mateus, 7:15-

20).

3. Acautelai-vos, que ninguém vos engane, porque muitos virão em meu nome, dizendo: Eu sou o

Messias; e enganarão a muitos.

E surgirão muitos falsos profetas e enganarão a muitos. E, por se multiplicar a iniquidade, o amor de

muitos se esfriará. Mas aquele que perseverar até ao fim será salvo.

Então, se alguém vos disser: Eis que o Messias está aqui ou ali, não lhe deis crédito, porque surgirão

falsos Messias e falsos profetas e farão tão grandes sinais e prodígios, que, se possível fora, enganariam

até os escolhidos. (Mateus, 24: 4-5,11¬13,23-24 e semelhante em Marcos, 13:5-6,21-22).

Missão dos profetas

4. Atribuiu-se aos profetas o dom de revelar o futuro, de tal modo que as palavras profecia e predição

se tornaram sinónimas.

No sentido evangélico, a palavra profeta tinha um significado mais vasto, que se aplicava aos enviados

de Deus com a missão de revelarem informações ocultas e mistérios da vida espiritual.

Um indivíduo podia ser profeta e não fazer predições. Essa era a ideia dos judeus, no tempo de Jesus.

Por isso, quando Jesus foi levado perante o sumo-sacerdote Caifás, os Escribas e os Anciãos que ali estavam,

cuspiram-lhe no rosto e deram-lhe socos e bofetadas, dizendo: "profetisa Jesus, diz lá quem foi que te

bateu."

No entanto, houve profetas que tiveram a visão antecipada do futuro, por revelação providencial, a fim

de transmitirem conselhos. Com base nesses casos, o dom de predizer o futuro foi também considerado

uma das qualidades dos profetas.

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Prodígios dos falsos profetas

5. "Surgirão falsos messias e falsos profetas, que farão prodígios e coisas espantosas, para enganarem

até mesmo os escolhidos." Essas palavras dão o verdadeiro sentido da palavra prodígio. Na aceção

teológica, os prodígios e os milagres são fenómenos excecionais, que escapam às leis da natureza.

Sendo as leis da natureza obra exclusiva de Deus, só por ele poderão ser anuladas. O bom senso diz-nos

que Deus não pode ter dado a seres inferiores e mal formados um poder igual ao seu, e menos ainda o

direito de desfazerem o que ele fez.

Jesus não podia ter consagrado um tal princípio.

Se, conforme o sentido que se atribui àquelas palavras, que o Espírito do mal tem o poder de fazer tais

prodígios, que até mesmo os escolhidos seriam enganados, disso resultaria que, podendo fazer o mesmo

que Deus faz, os prodígios e os milagres não são privilégio exclusivo dos enviados de Deus, e por isso nada

provam, visto que nada distingue os milagres dos santos dos milagres dos maus Espíritos. É, pois, necessário

buscarmos um sentido mais racional para aquelas palavras.

Aos olhos do ignorante, todos os fenómenos cuja causa é desconhecida passam por sobrenaturais,

maravilhosos e miraculosos. Uma vez conhecida a causa, reconhece-se que o fenómeno, por mais

extraordinário que pareça, é unicamente a aplicação de uma lei da natureza. É assim que o âmbito dos

factos sobrenaturais se vem estreitando à medida que se alarga o das leis científicas.

Desde sempre houve certas pessoas que exploraram, em proveito da sua ambição, dos seus interesses

e do seu poder pessoal, certos conhecimentos que possuíam, para conseguirem o prestígio de um poder

supostamente sobre-humano ou de uma pretensa missão divina. São os falsos messias ou falsos profetas.

A difusão dos conhecimentos vem desacreditá-los, de modo que o seu número diminuiu à medida que

os homens se esclareceram. O facto de fazerem aquilo que, aos olhos de algumas pessoas, pareciam

prodígios, não é, portanto, nenhum sinal de missão divina, mas sim o resultado de certos conhecimentos

que qualquer pessoa pode adquirir, ou de faculdades orgânicas especiais, que podem estar ao alcance de

qualquer pessoa mais ou menos dotada.

O verdadeiro profeta tem um carácter muito mais sério, de teor exclusivamente moral.

Não acrediteis em todos os Espíritos

6. Meus bem-amados, não acrediteis em todos os Espíritos, mas verificai se os Espíritos são de Deus,

porque já muitos falsos profetas se têm levantado no mundo. (João, Epístola l, cap. 4: 1).

7. Os fenómenos espíritas, longe de confirmarem os falsos messias e os falsos profetas, como algumas

pessoas gostam de dizer, vêm, pelo contrário, dar-lhes o último golpe. Não peçam milagres nem prodígios ao Espiritismo, porque declara formalmente que não os faz.

Tal como a Física, a Química, a Astronomia e a Geologia revelaram as leis do mundo material, o Espiritismo revela outras leis desconhecidas, as que regem as relações do mundo corpóreo com o mundo espiritual que, como as suas irmãs mais velhas da ciência, também são leis da natureza.

Dando a explicação de uma ordem de fenómenos até agora desconhecidos, o Espiritismo destrói o que ainda restava do domínio do maravilhoso.

Os que tentassem explorar esses fenómenos a seu favor, fazendo-se passar por enviados de Deus, não poderiam abusar por muito tempo da credulidade alheia e rapidamente seriam desmascarados. Aliás, como já ficou dito, esses fenómenos nada provam por si mesmos: a missão prova-se pelos efeitos morais que nem toda e qualquer pessoa pode produzir.

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Esse é um dos resultados do desenvolvimento da ciência espírita que, pesquisando a causa de certos fenómenos, levanta o véu de muitos mistérios. Os que preferem a obscuridade à luz são os únicos interessados em combatê-la. Mas a verdade é como o Sol: dissipa os mais densos nevoeiros.

O Espiritismo vem revelar outra categoria de falsos comunicantes, bastante perigosa, e que se encontra,

não entre os homens, mas entre os desencarnados. É a dos Espíritos enganadores, hipócritas, orgulhosos e pseudossábios. Passaram da vida terrena para o intervalo entre vidas e disfarçam-se com nomes veneráveis, para procurarem, atrás da máscara com que se escondem, fazer acreditar nas suas ideias, muitas vezes bizarras e absurdas.

Antes das comunicações mediúnicas serem devidamente conhecidas, eles falsos comunicantes

exerciam a sua ação de uma maneira menos ostensiva, pela inspiração, pela mediunidade inconsciente, audiente ou falante.

O número dos espíritos comunicantes que, em diversas épocas do trabalho mediúnico em centros espíritas ou noutras situações, sobretudo nos últimos tempos, se apresentaram como antigos profetas, como Jesus, como Maria, sua mãe, e até mesmo como Deus, é considerável.

O Espírito “São João” põe-nos em guarda contra eles: “Não acrediteis em todos os Espíritos, mas verificai se os Espíritos são de Deus; porque muitos falsos profetas se têm levantado no mundo.”

O espiritismo oferece-nos os meios de os reconhecer, indicando as características dos bons Espíritos,

características sempre morais e nunca materiais. (Ver O Livro dos Médiuns, Capítulos 24 e seguintes.). É sobretudo no discernimento dos bons e dos maus Espíritos que podemos aplicar as palavras de Jesus:

“Reconhece-se a árvore pelos seus frutos: uma boa árvore não pode dar maus frutos, e uma árvore má não pode dar bons frutos.”

Julgam-se os Espíritos pela qualidade das suas comunicações, como a árvore pela qualidade dos seus frutos.

INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS

Os falsos comunicantes, Espíritos enganadores e pseudossábios

8. Se alguém disser: "Jesus está aqui", não o procureis, mas ficai atentos, porque os falsos

comunicantes são numerosos.

Quando as folhas da figueira começam a perder a cor, numerosos rebentos esperam a época da

floração, e Jesus disse: "A árvore conhece-se pelos seus frutos. Se os frutos são amargos, a árvore é má. Se

são doces e saudáveis, pode dizer-se que de uma boa árvore não podem nascer frutos amargos".

É assim, irmãos, que deveis julgar, as obras é que contam. Se os que se dizem cobertos pelo poder de

Deus possuem as melhores virtudes cristãs ─ a caridade, o amor, a indulgência, a bondade que concilia

todos os corações ─ e se às palavras associam os atos, então podemos dizer: esses são realmente os

enviados de Deus.

Desconfiem das palavras adocicadas, dos que, como os antigos escribas e fariseus, pregavam nas praças

públicas, vestidos com longas vestes. Desconfiem dos que querem ter a posse exclusiva e única da verdade!

Não, Jesus não está lá, porque os que ele nos envia para propagar a sua santa doutrina e regenerar o

seu povo serão, a exemplo do mestre, os mansos e os humildes de coração.

Os que, pelos seus exemplos e conselhos, vêm salvar a Humanidade arriscando andar por caminhos

difíceis, serão os modestos e os humildes. Fujam dos orgulhosos, como da lepra contagiosa. Lembrem-se

que cada criatura traz na fronte, mas sobretudo nos atos, a marca da sua grandeza ou da sua decadência.

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Avancem, meus queridos filhos, sem hesitações e sem preconceitos na bendita caminhada que

começaram. Avancem sem medo. Afastem tudo o que pode dificultar a vossa marcha para o objetivo

eterno. Ao caminhar, já estarão bem pouco tempo nas trevas e dores da prova. Se os vossos corações

seguirem a doce doutrina das leis eternas, satisfazem as aspirações da vossa alma em direção ao

desconhecido!

A partir de agora, já podem dar um corpo a esses silfos leves que vedes passar nos vossos sonhos e que,

efémeros, só podem encantar o vosso Espírito, mas nada dizem ao vosso coração.

A morte desapareceu, para dar lugar ao anjo radioso que conhecem, o anjo do reencontro e da reunião.

Depois de cumprirem bem a tarefa imposta pelo Criador, não há nada a temer da sua justiça, porque é pai

e perdoa sempre aos filhos extraviados, que pedem misericórdia.

Continuem sem parar! Que o vosso lema seja o progresso contínuo em todas as coisas, até chegarem

ao fim da viagem, onde vos esperam todos aqueles que vos precederam.

Espírito Luís / Bordéus, 1861

Características dos verdadeiros Espíritos de Deus

9. Desconfiem dos falsos enviados de Deus! Esta recomendação é sempre útil, mas, sobretudo nos

momentos em que, como neste, a Humanidade se transforma. Nestes momentos, muitos ambiciosos se

fingem reformadores espirituais. É preciso cuidado e é dever de todas as pessoas honestas desmascará-

los. Vejamos , pois, como se podem reconhecer os falsos enviados de Deus:

Só se confia o comando de um exército a um general experimentado. Deus só confia missões

importantes aos que são capazes de as cumprir. Para fazer avançar a Humanidade, moral e

intelectualmente, são necessários homens superiores em inteligência e moralidade!

São sempre Espíritos já bastante avançados, que fizeram as suas provas noutras existências, os que

encarnam para este fim, pois se não forem superiores ao meio em que devem agir, nada poderão fazer.

Um Espírito de Deus deve justificar a sua missão pela sua superioridade, pelas suas virtudes, pelos

resultados e a influência moralizadora das suas obras.

Se estiver, pelo seu caráter, abaixo do papel que se lhe atribui, não passa de um comediante de baixo

nível, incapaz de imitar o seu modelo.

Além disso, a maior parte dos verdadeiros missionários de Deus ignoram que o sejam. Realizam aquilo

para que foram chamados, graças ao poder de seu próprio génio, secundado pelo poder oculto que os

inspira e os dirige, sem o seu conhecimento e sem que o tivessem premeditado.

Numa palavra: os verdadeiros reveladores conhecem-se pelos seus atos e são reconhecidos pelas

pessoas, enquanto os falsos profetas apresentam-se a si próprios como enviados de Deus. Os primeiros são

humildes e modestos, os outros, orgulhosos e cheios de si, falam com arrogância, e como todos os

mentirosos, parecem sempre receosos de não serem credíveis.

Já se viram impostores desses apresentarem-se como apóstolos de Jesus, outros como o próprio Jesus,

e, para vergonha da Humanidade, encontraram pessoas bastante crédulas para aceitarem as suas

imposturas.

Se Jesus reencarnasse na Terra, fá-lo-ia com todo o seu poder e todas as suas virtudes, a menos que se

admitisse, o que seria absurdo, que tivesse degenerado. Ora, da mesma maneira que se tirarmos a Deus

um dos seus atributos, já não teremos Deus, se tirarmos uma só das virtudes de Jesus, já não teremos

Jesus.

Os que se apresentam como Jesus revelam todas as suas virtudes?

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Observai-os, sondai-lhes os pensamentos e os atos e verificareis que lhes faltam sobretudo as

qualidades distintivas de Jesus ─ a humildade e a caridade, enquanto lhes sobram as que ele não tinha ─ a

cupidez e o orgulho.

Notai, aliás, que neste momento existem, em diversos países, muitos falsos Jesus, como há também

numerosos e falsos Elias, falsos São João ou São Pedro, nenhum deles verdadeiro. Podeis estar certos de

que são exploradores da credulidade que acham cómodo viver à custa daqueles que lhe dão ouvidos.

Desconfiai, portanto, dos falsos profetas, sobretudo numa época de renovação, porque muitos

impostores se dirão enviados de Deus. São os que buscam uma vaidosa satisfação na Terra, mas podeis

estar certos de que uma terrível justiça os espera!

Espírito “Erasto” / Paris, 1862

Os Espíritos enganadores do intervalo entre vidas

10. Os falsos reveladores não existem apenas durante a vida material, entre os encarnados, mas

também sob a forma de numerosos Espíritos orgulhosos que comunicam com os vivos.

Sob o disfarce do amor e da caridade, semeiam a desunião e atrasam a evolução da Humanidade,

impingindo teorias absurdas, depois de terem conseguido que os seus médiuns os aceitassem.

Para melhor enganar e afirmar as suas teorias, apresentam-se sob nomes de entidades muito

respeitadas. São eles que semeiam a discórdia entre os grupos espíritas, que os levam a isolar-se uns dos

outros e a verem-se com maus olhos. Bastaria isso para os desmascarar.

Agindo assim, oferecem o mais completo desmentido do que pretendem ser. Cegos são os que se

deixam enganar de forma tão primária.

Há ainda outros meios de os reconhecer. Os Espíritos da ordem à qual dizem pertencer, são muito bons

e racionais. Passai as suas teorias pelo crivo da razão e do bom senso e vereis que nada resta. Concordareis

então que, sempre que um Espírito indicar, como remédio para grandes males, ou meios de realizar a sua

transformação, coisas irrealistas e inconsequentes, ou teorias sem qualquer base científica, só pode ser um

Espírito ignorante e mentiroso.

Se nem sempre os indivíduos apreciam a verdade, esta é sempre apreciada pelo bom senso, e isso

também constitui um critério. Se dois princípios se contradizem, tereis a medida do valor intrínseco de

ambos, observando qual deles encontra mais aceitação pelos critérios racionais.

Deus, querendo que a verdade chegue a todos, não a confina num círculo restrito, mas fá-la surgir em

diferentes lugares, a fim de que, por toda parte, a luz se apresente ao lado das trevas.

Rejeitai todos esses Espíritos que se manifestam como conselheiros insubstituíveis, pregando a divisão

e o isolamento. São quase sempre Espíritos vaidosos e medíocres, que tentam impor-se a pessoas fracas e

crédulas, prodigalizando-lhes louvores exagerados, a fim de as fascinar e dominar.

São, geralmente, Espíritos sedentos de poder, que tendo sido déspotas na vida pública ou na privada,

quando vivos, ainda querem vítimas para tiranizar, depois da morte.

Portanto, desconfiai das comunicações que se caracterizam pelo misticismo e a extravagância, ou que

prescrevem cerimónias e práticas estranhas. Há sempre, nesses casos, um motivo legítimo de desconfiança.

Lembrai-vos, ainda, de que, quando uma verdade deve ser revelada publicamente, é comunicada quase

instantaneamente a todos os grupos sérios que possuem médiuns sérios, e não a este ou àquele, com

exclusão dos outros.

Ninguém é médium perfeito se estiver obsidiado, e há obsessão evidente quando um médium só recebe

comunicações de um determinado Espírito, por mais elevado que este pretenda ser. Em consequência,

qualquer médium e qualquer grupo que se julguem privilegiados, em virtude de comunicações que só eles

podem receber, e que, além disso, se sujeitam a práticas supersticiosas, encontram-se indubitavelmente

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sob o efeito de uma obsessão bem caracterizada. Sobretudo quando o Espírito dominante se vangloria de

um nome que todos, Espíritos e encarnados, devemos honrar e respeitar, não deixando que seja

comprometido sob qualquer propósito.

É incontestável que, submetendo todas as observações e todas as comunicações dos Espíritos, ao filtro

da razão e da lógica, será fácil rejeitar coisas absurdas e erros. Um médium pode ser fascinado e um grupo

enganado, mas, o controle severo dos outros grupos, com o auxílio do conhecimento adquirido, e a elevada

autoridade moral dos dirigentes dos grupos, não o permitirão. As comunicações dos principais médiuns,

marcadas pelo cunho da lógica e da autenticidade dos Espíritos mais sérios, rapidamente farão justiça a

essas afirmações mentirosas e astuciosas, procedentes de uma turba de Espíritos mistificadores ou

malfeitores.

Espírito “Erasto, discípulo de São Paulo” / Paris, 1862

(Ver, na Introdução, o parágrafo II: Controle universal do ensino dos Espíritos. Ver também, em “O Livro

dos Médiuns”, o capítulo XXIII, “Da obsessão”).

Jeremias e os falsos profetas

11. Diz o Senhor dos exércitos: Não deis ouvidos às palavras dos profetas que entre vós profetizam;

ensinam-vos vaidades e visões do seu coração, não da boca do Senhor. Dizem continuamente aos que me

insultam: O Senhor disse: Tereis a paz; e a todos os que andam na corrução do seu coração, dizem: Não virá

mal sobre vós. Porque dentre os que assistiram ao conselho do Senhor; quem viu e esteve atento à sua

palavra? Não enviei estes profetas, todavia, eles foram correndo; não falei a estes profetas, todavia, eles

profetizaram por sua vontade. Ouvi o que têm dito esses profetas, que profetizam mentiras em meu nome,

dizendo: Sonhei! Sonhei! Até quando tais ideias estarão no coração dos profetas que profetizam mentiras e

cujas profecias não passam de fascinações no seu coração? Quando, pois, te perguntar este povo, ou

qualquer profeta, ou sacerdote, dizendo: Qual é o fardo do Senhor? Então lhe dirás: Sois vós mesmos que

sois o fardo, eu vos atirarei para longe, diz o Senhor. (Jeremias, 23: 16-18; 21; 25;26; 33).

É sobre esta passagem do profeta Jeremias que vou conversar convosco, meus amigos. Deus disse: "É

a visão do seu coração que os faz falar".

Tais palavras indicam que, já naquela época, os charlatães e os exaltados abusavam do dom da profecia.

Abusavam da fé simples e quase cega do povo, predizendo por dinheiro coisas boas e agradáveis.

Essa burla estava bastante generalizada entre os judeus, e o pobre povo, na sua ignorância, estava

impossibilitado de distinguir os bons dos maus, acabando enganado pelos impostores ou fanáticos que se

diziam profetas.

São significativas estas palavras: “Não mandei os profetas, mas eles foram correndo; não lhes disse nada,

mas profetizaram”. Mais adiante: " Tenho-os ouvido profetizando mentiras em meu nome, dizendo: Sonhei!

Sonhei!”. Indicava, assim, um dos meios então empregados para explorar a confiança que tinham neles. A

multidão crédula, não contestava os sonhos ou visões deles, porque achava tudo muito natural e convidava

sempre os profetas a falarem.

Depois das palavras do profeta Jeremias, ouvi os sábios conselhos do apóstolo São João, quando diz:

"Não creditem em todos os Espíritos, mas verifiquem se são Espíritos de Deus". Porque entre os invisíveis,

há também os que gostam de enganar, se têm ocasião.

Os enganados são os médiuns que não tomam as necessárias precauções. Este é, sem dúvida, um dos

maiores escolhos contra o qual muitos se chocam, sobretudo quando são novos no espiritismo.

É uma prova de que não podem triunfar senão com muita prudência. Aprendei, pois, antes de tudo, a

distinguir os bons dos maus Espíritos, para não se tornarem, vós mesmos, falsos profetas.

Luoz, espírito protetor, Karlsruhe, 1861

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CAPÍTULO XXII ─ NÃO SEPARAR O QUE DEUS JUNTOU

Indissolubilidade do casamento

1. E chegaram-se a ele os fariseus, tentando-o e dizendo: É porventura lícito a um homem repudiar a

sua mulher, por qualquer motivo? Ele, respondendo, disse-lhes: Não tendes lido que, no princípio, o Criador

os fez macho e fêmea? E disse: Portanto, deixará o homem pai e mãe e ajuntar-se-á com sua mulher, e

serão dois numa só carne. Assim que, já não são dois, mas uma só carne. Logo, não separe o homem o que

Deus ajuntou. Replicaram-lhe eles: Então, porque mandou Moisés dar o homem à sua mulher carta de

divórcio, e repudiá-la? Respondeu-lhes: Porque Moisés, pela dureza dos vossos corações, vos permitiu

repudiar vossas mulheres, mas ao princípio não foi assim. Eu, pois, vos declaro, que todo aquele que

repudiar sua mulher, se não for por causa de prostituição, e casar com outra, comete adultério, e o que se

casar com a repudiada, também comete adultério. (Mateus,19: 3-9).

2. Nada é imutável a não ser o que vem de Deus. Tudo o que é obra do ser humano está sujeito a

mudanças. As leis da natureza são as mesmas em todos os tempos e em todos os lugares. As leis humanas

modificam-se conforme os tempos, os lugares, e o progresso intelectual.

No casamento, o que é de origem divina é a união dos sexos, para que se opere a renovação dos seres

que morrem. As condições que regulam essa união são de uma ordem tão humana que não há em todo o

mundo, e mesmo na cristandade, dois países em que elas sejam absolutamente iguais, e não há um só em

que não tenham sofrido modificações através dos tempos.

Resulta desse facto que, perante a lei civil, o que é legítimo num país e numa certa época, torna-se

adultério noutro país e noutro tempo. Isto porque a lei civil tem por fim regular os interesses das famílias,

e esses interesses variam segundo os costumes e as necessidades locais. É assim, por exemplo, que em

certos países o casamento religioso é o único legítimo, enquanto noutros o casamento civil é suficiente.

3. Na união dos sexos, ao lado da lei divina material, comum a todos os seres vivos, existe outra lei

divina, imutável como todas as leis de Deus, exclusivamente moral, que é a lei do amor.

Deus quis que os seres se unissem, não somente pelos laços carnais, mas também pelos da alma, para

que a mútua afeição dos esposos se estenda aos filhos, e para que sejam dois, em vez de um, a amá-los, a

cuidá-los e a fazê-los progredir.

Nas condições habituais do casamento, é levada em conta a lei do amor?

Não! O que se consulta não é o sentimento mútuo de dois seres, que se unem reciprocamente, pois na

maioria das vezes esse sentimento é quebrado. O que se procura não é a satisfação do coração, mas a do

orgulho, da vaidade, da cupidez, numa palavra, de todos os interesses materiais. Quando tudo está bem

segundo estes interesses, diz-se que o casamento é conveniente, e quando as bolsas estão a condizer, diz-

se que os esposos também o estão e devem ser muito felizes.

Nem a lei civil, porém, nem os compromissos que ela determina, podem suprir a lei do amor, se esta

não presidir à união. Daí resulta, muitas vezes, que aquilo que se uniu à força se separa por si mesmo, e

que o juramento pronunciado ao pé do altar, se foi dito como uma fórmula banal, se torna um perjúrio.

Daí também as uniões infelizes, que acabam por se tornar criminosas, dupla desgraça que se evitaria se,

nas condições do matrimónio, não se esquecesse a única que o sanciona aos olhos de Deus: a lei do amor.

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Quando Deus disse: "Serão dois numa só carne", e quando Jesus advertiu: "Não separe o homem o que

Deus juntou", isso deve entender-se da união segundo a lei imutável de Deus, e não segundo a lei mutável

dos homens.

4. Se a lei civil é supérflua, deveríamos voltar aos casamentos segundo a natureza?

Não, porque a lei civil tem por fim regular as relações sociais e os interesses das famílias, segundo as

exigências da civilização. É útil, necessária, mas variável. Deve ser previdente, porque o ser humano

civilizado não pode viver como os selvagens.

Nada impede que a lei civil seja um corolário da lei de Deus. Os obstáculos ao cumprimento da lei divina

resultam dos preconceitos sociais e não dessa lei. Tais preconceitos, embora ainda vivos, já perderam o seu

predomínio entre os povos esclarecidos e desaparecerão com o progresso moral. Este abrirá finalmente os

olhos das pessoas para os males incontáveis, as faltas e até mesmo os crimes que resultam das uniões

contraídas tendo em vista apenas os interesses materiais. Um dia se perguntará se é mais humano, mais

caridoso, mais moral, amarrar dois seres que não podem viver juntos ou restituir-lhes a liberdade; e ver-

se-á que a perspetiva da união indissolúvel aumenta o número das uniões irregulares.

O divórcio

5. O divórcio é uma lei humana, cuja finalidade é separar legalmente o que já estava separado de facto.

Não é contrário à lei de Deus, pois só corrige o que os homens fizeram, e só tem aplicação nos casos em

que a lei divina não foi considerada. Se fosse contrário a essa lei, a própria Igreja seria forçada a considerar

como prevaricadores os seus chefes que, por autoridade própria e em nome da religião, impuseram o

divórcio em várias circunstâncias. Dupla prevaricação, porque foi praticada tendo em vista unicamente os

interesses materiais e não para cumprir a lei do amor.

Mas nem mesmo Jesus consagrou a indissolubilidade absoluta do casamento: "Foi por causa da dureza

dos vossos corações que Moisés vos permitiu repudiar as vossas mulheres." Isto significa que, desde os

tempos de Moisés, não sendo a mútua afeição o motivo único do casamento, a separação podia tornar- se

necessária. Disse ainda: "no princípio não foi assim"; quando os homens ainda não estavam pervertidos

pelo egoísmo e pelo orgulho, e viviam segundo a lei de Deus, as uniões, fundadas na simpatia recíproca e

não na vaidade ou na ambição, não davam motivo ao repúdio.

Também referiu o caso em que o repúdio pode verificar-se: o do adultério. Ora, o adultério não existe

onde reina uma afeição recíproca sincera. É verdade que proíbe o homem de desposar a mulher repudiada,

mas é necessário considerar os costumes e o caráter dos homens do seu tempo. A lei mosaica prescrevia

a lapidação para esses casos. Querendo abolir um costume bárbaro, precisava, pelo menos, de estabelecer

uma penalização que o substituísse, e encontrou-a no estado de “desonra”, que implicava a proibição de

um segundo casamento.

Foi uma lei civil substituída por outra lei civil, que, por sua vez, como todas as leis desta natureza, mudou

com o tempo.

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CAPÍTULO XXIII ─ MORAL ESTRANHA

Aborrecer pai e mãe

1. Ia com ele uma grande multidão; e, voltando-se, disse-lhes: Se alguém vier a mim e não aborrecer

(odiar) o seu pai, e mãe, e mulher, e filhos, e irmãos, e irmãs, e ainda também a sua própria vida, não pode

ser meu discípulo. E qualquer que não levar a sua cruz, e não vier após mim, não pode ser meu discípulo.

Assim, pois, qualquer de vós, que não renuncia a tudo quanto tem, não pode ser meu discípulo. (Lucas,14:

25-27, 33).

2. O que ama o pai ou a mãe, mais do que a mim, não é digno de mim; e o que ama o filho, ou a filha,

mais do que a mim, não é digno de mim. (Mateus,10: 37).

3. Certas palavras muito raras contrastam de maneira tão estranha com a linguagem de Jesus, que

instintivamente repelimos o seu sentido literal e a sublimidade da sua doutrina nada sofre com isso.

As palavras que estão registadas como tendo sido ditas por Jesus, foram escritas muito tempo depois

da sua morte.

Visto que nenhum evangelho foi escrito durante a sua vida, podemos supor que o fundo do seu

pensamento não foi bem traduzido, ou ainda, o que é muito provável, que o sentido primitivo tenha sofrido

alterações ao passar de uma língua para outra.

Basta que um erro tenha sido cometido uma vez, para que os copistas o reproduzissem, como

aconteceu muitas vezes com os factos históricos.

A palavra odiar, nesta frase de Lucas: "Se alguém vem a mim, e não odeia o seu pai e a sua mãe", está

neste caso. Ninguém teria a ideia de a atribuir a Jesus.

Seria, pois, inútil discuti-la ou, ainda menos, tentar justificá-la. Primeiro, seria necessário saber se ele a

pronunciou e, em caso afirmativo, se na língua em que ele se exprimia essa palavra tinha o mesmo sentido

que na nossa. Nesta passagem de João: "Aquele que odeia a sua vida neste mundo conserva-a para a

eternidade", é evidente que ela não exprime a ideia que lhe atribuímos 7.

[ 22 – a palavra “odiar” ]

A língua hebraica não era rica e muitas das suas palavras tinham diversos significados. É o que acontece,

por exemplo, aquela que, no Génesis, designa as fases da criação, e servia ao mesmo tempo para exprimir

um período de tempo qualquer e o período diurno.

Disso resultou, mais tarde, a sua tradução pela palavra dia, e a crença de que o mundo fora feito em

seis vezes vinte e quatro horas.

O mesmo acontece com a palavra que designa um camelo e um cabo, porque os cabos eram feitos de

pelos de camelo, e que foi traduzida por camelo, na alegoria do buraco da agulha. (Ver cap. XVI, n 2).

É necessário ainda considerar os costumes e as características dos povos, que exercem influência na

natureza das suas línguas. Sem este conhecimento, o sentido verdadeiro de certas palavras escapa-nos. De

7 No original francês Allan Kardec coloca esta nota que atribui ao Sr. Pezzani: Non odit, em latim, Kaï ou miseï, em grego, não quer dizer odiar, mas amar menos. O que o verbo grego miseïn exprime, o verbo hebreu, que Jesus deve ter empregado, exprime-o ainda melhor, pois não significa apenas odiar, mas também amar menos, não amar tanto quanto, não amar igual a outro. No dialeto siríaco, que dizem ter sido o mais usado por Jesus, essa significação é ainda mais acentuada. É nesse sentido que ele é empregado no Génesis (29: 30-31): "E Jacob amou também Raquel, mais do que Lia, e Jeová, vendo que Lia era odiada..." É evidente que o verdadeiro sentido neste caso é “menos amada”, e é assim que se deve traduzir. Em muitas outras passagens hebraicas, e sobretudo siríacas, o mesmo verbo é empregado no sentido de “não amar tanto quanto a outro”, e seria um contrassenso traduzi-lo por odiar, que tem outra aceção bem determinada. O texto de São Mateus resolve, aliás, toda a dificuldade (Mt., 10:37).

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uma língua para outra, a mesma palavra tem um sentido mais ou menos enérgico: pode ser, numa língua,

uma injúria ou uma blasfémia, e nada significar noutra.

Até na mesma língua algumas palavras perdem o seu significado com o passar dos séculos. É por isso

que uma tradução rigorosamente literal nem sempre exprime perfeitamente o pensamento e, que, para

ser exata, é necessário empregar, não as palavras correspondentes, mas outras equivalentes ou mesmo

perífrases.

Estas observações aplicam-se à interpretação das Escrituras, e especialmente dos Evangelhos. Se não

levarmos em conta o meio em que Jesus vivia, ficamos sujeitos a enganos sobre o sentido de certas

expressões e de certos factos, em virtude de os interpretarmos de acordo com os nossos próprios hábitos.

Assim, pois, é necessário não dar à palavra odiar a aceção moderna, que é contrária ao espírito dos

ensinamentos de Jesus. (Ver também o cap. XIV, n° 5 e seguintes).

Abandonar pai, mãe e filhos

4. E todo aquele que tiver deixado casas, ou irmãos, ou irmãs, ou pai, ou mãe, ou mulher, ou filhos, ou

terras, por amor do meu nome, receberá cem vezes mais e herdará a vida eterna. (Mateus, 19:29).

5. E disse Pedro: Eis que nós deixamos tudo e te seguimos. E ele lhes disse: Na verdade vos digo que

ninguém há que tenha deixado casa, ou pais, ou irmãos, ou mulher, ou filhos pelo Reino de Deus e não haja

de receber muito mais neste mundo e, na idade vindoura, a vida eterna. (Lucas,18: 28-30).

6. Disse também outro: Senhor, eu te seguirei, mas deixa-me primeiro dispor dos bens que estão em

minha casa. E Jesus disse-lhe: Ninguém que lança mão do arado e olha para trás é apto para o Reino de

Deus. (Lucas, 9: 61-62).

Sem discutir as palavras, devemos procurar compreender o pensamento, que era evidentemente este:

“os interesses da vida futura estão acima de todos os interesses e de todas as considerações de ordem

humana”.

A importância da aplicação desses preceitos, seria comparável ao sacrifício dos interesses e das afeições

da família, pelo dever de combater pela pátria.

Não se condena um filho que deixa o pai, a mãe, os irmãos, a mulher e os próprios filhos, para ir em

defesa do seu país. Pelo contrário, é-lhe reconhecido o mérito de deixar as doçuras do lar e o calor dos

amigos para cumprir um dever.

Há, pois, deveres que se sobrepõem a outros deveres. A lei sanciona a obrigação que tem uma filha de

deixar os pais para seguir o marido. O mundo está cheio de casos em que as mais dolorosas separações são

necessárias. Mas nem por isso as afeições se rompem. O afastamento não diminui o respeito nem os

cuidados que se devem aos pais, nem a ternura que deve ser dada aos filhos.

Vê-se que essas expressões não seriam a negação do mandamento que prescreve honrar pai e mãe,

nem do sentimento de ternura paterna. Tinham sim por finalidade mostrar, por uma figura de estilo, que

é imperioso o dever de cuidar da vida futura.

Esses laços de família fortificam-se com o desenvolvimento da sensibilidade e do sentido moral. A

própria separação é necessária ao progresso, tanto nas famílias como nos povos. Umas e outras degeneram

se não houver cruzamentos, se não se misturarem entre si. É uma lei da natureza, tanto no interesse do

progresso moral como do progresso material.

Na Terra encaramos as coisas apenas do ponto de vista terreno. O espiritismo no-las apresenta de mais

alto, mostrando-nos que os verdadeiros laços de afeição são os do Espírito e não os do corpo.

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Esses laços não se rompem pela separação, nem mesmo pela morte do corpo e fortificam-se na vida

espiritual, pela depuração do Espírito: consoladora verdade, que nos dá uma grande força para suportar as

dificuldades da vida. (Ver cap. IV, n° 18, e cap. XIV, nº 8).

Deixai aos mortos o cuidado de enterrar os seus mortos

7. E disse a outro: Segue-me. Mas ele respondeu: Senhor, deixa que primeiro eu vá enterrar o meu pai.

Mas Jesus observou-lhe: Deixa os mortos enterrar os seus mortos; quanto a ti, vai e anuncia o Reino de

Deus. (Lucas, 9: 59-60).

8. O que significa: "Deixar os mortos enterrar os seus mortos"? As considerações precedentes já nos

mostraram que, na circunstância em que foram pronunciadas, não podiam exprimir uma censura àquele

que considerava um dever de piedade filial ir sepultar o pai. Encerram um sentido mais profundo, que só

um conhecimento completo da vida espiritual pode fazer compreender.

A vida espiritual é a verdadeira vida, a vida normal do Espírito. A existência terrena é transitória e

passageira, uma espécie de morte, se a compararmos com o esplendor da vida espiritual.

O corpo é como um fato pesado que envolve temporariamente o Espírito, verdadeira corrente que o

prende à terra e da qual se liberta feliz.

O respeito que temos pelos mortos não contempla a matéria mas, pela lembrança, o Espírito ausente.

É semelhante ao que temos pelos objetos que lhes pertenceram, que eles tocaram em vida, e que as

pessoas que os amam guardam como relíquias.

Era isso que aquele homem não podia compreender por si mesmo. Jesus ensinou-lhe isso, dizendo: Não

te inquietes com o corpo. Pensa antes no Espírito; vai pregar o Reino de Deus, vai dizer aos homens que a

vossa pátria não é na Terra, mas no Céu, porque é lá que vivem a verdadeira vida.

Não vim trazer a paz, mas a divisão

9. Não cuideis que vim trazer a paz à Terra; não vim trazer a paz, mas a espada; porque eu vim pôr em

discórdia o homem contra o seu pai, e a filha contra a sua mãe, e a nora contra a sua sogra. E, assim, os

inimigos do homem serão os seus familiares. (Mateus, 10: 34-36).

10. Vim lançar fogo na Terra, e que mais quero, se já está aceso? Importa, porém, que eu seja batizado

com um certo batismo, e como me angustio até que venha a cumprir-se! Cuidais vós que vim trazer a paz à

Terra? Não, vos digo, mas a discórdia. Porque, daqui em diante, estarão cinco divididos numa casa: três

contra dois e dois contra três. O pai estará dividido contra o filho, e o filho contra o pai, a mãe contra a filha,

e a filha contra a mãe, a sogra contra a sua nora, e a nora contra a sua sogra. (Lucas, 12: 49-53).

11. Nos textos evangélicos acima encontram-se estas chocantes declarações: “Não vim trazer a paz,

mas a espada, vim separar o filho do pai, o marido da mulher; vim lançar fogo à Terra, e que mais quero,

se já está aceso?”.

Terá sido Jesus, a personificação da doçura e da bondade, que não cessava de pregar o amor do

próximo, que disse estas palavras?

Estando em flagrante contradição com os seus ensinamentos, será uma autêntica blasfémia atribuir-lhe

tal linguagem de um semeador de violências.

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Só a forma equívoca e insensível como foram traduzidas tais frases pode causar equívocos quanto ao

sentido daquilo que realmente terá dito. Tomadas à letra, dariam uma ideia completamente errada da sua

missão inteiramente pacificadora, transformando-a em agitada e problemática.

O bom senso afasta-nos dessa conclusão absurda, porque Jesus não poderia desmentir as suas genuínas

intenções, que bem conhecemos. (Ver cap. XIV, n° 6).

12. Todas as ideias novas encontram oposição, e só se afirmam mediante confrontos. A resistência que

defrontam é sempre proporcional à importância dos resultados previsíveis pois, quanto maiores forem,

maior é o número de interesses que põem em causa.

Se for uma ideia falsa, sem consequências, ninguém se perturba com ela, e deixam-na passar, confiantes

na sua falta de vitalidade. Mas se é verdadeira, se tem bases sólidas e futuro, os seus antagonistas vêem

nela um perigo grave para os seus interesses. E é por isso que se lançam contra ela e contra os seus adeptos.

A importância de uma ideia nova é-nos dada pela emoção que o seu aparecimento provoca, pela

violência da oposição que desperta, e pela intensidade e a persistência da reação dos seus adversários.

13. Jesus vinha proclamar uma doutrina que minava pela base os abusos em que viviam os fariseus, os

escribas e os sacerdotes do seu tempo. Por isso o mataram, julgando com isso fazer desaparecer o seu

pensamento, que sobreviveu devido ao seu valor e porque estava nos desígnios de Deus.

Saído de um pequeno povoado da Judeia, foi hastear bandeira na própria capital do mundo pagão, em

face dos inimigos mais radicais, daqueles que tinham o maior interesse em combatê-lo, porque abatia

crenças seculares, a que muitos se apegavam, mais por interesse do que por convicção.

Era aí que as lutas mais terríveis esperavam os seus apóstolos. As vítimas foram inumeráveis, mas a ideia

cresceu sempre e saiu triunfante, porque superava, como verdade, as suas antecessoras.

14. O Cristianismo apareceu quando o Paganismo declinava, debatendo-se contra as luzes da razão.

Ainda era praticado formalmente, mas a crença já tinha desaparecido, conservada apenas por interesses

pessoais.

Os interesses são persistentes, nunca cedem à evidência. Irritam-se tanto mais quanto mais firmes e

rigorosos são os raciocínios que se lhes opõem e melhor demonstram os seus erros.

Sabem que estão errados, mas não cedem, por não residir nas almas a sua verdadeira fé. O que mais

temem é a luz que abre os olhos aos cegos. Esse erro é-lhe proveitoso, e por isso o defendem com afinco.

Sócrates tinha assumido uma teoria semelhante à de Jesus, que não se afirmou nesse tempo no seio de

um dos povos mais inteligentes da Terra, porque ainda não tinha chegado a altura própria.

Sócrates semeou em terreno não preparado; o paganismo ainda conservava suficiente solidez. Jesus

recebeu a sua missão providencial no tempo próprio. As pessoas do seu tempo ainda não estavam

preparadas para acatar as ideias cristãs, embora se registasse um clima geral de aptidão para as assimilar,

porque já se começava a fazia sentir o vazio que as crenças comuns deixavam na alma.

Sócrates e Platão tinham aberto o caminho e criado a predisposição nos Espíritos. (Ver na Introdução,

parágrafo IV: Sócrates e Platão, precursores da ideia cristã e do espiritismo).

15. Os adeptos da nova religião, infelizmente, não se entenderam sobre a interpretação das palavras

do Mestre, na maioria veladas por alegorias e expressões figuradas. Daí terem surgido, ao longo dos

séculos, várias ideologias dogmáticas, cada uma afirmando ter a posse exclusiva da verdade, e que se

implantaram como poderosíssimas religiões pluricontinentais.

Esquecendo o mais importante preceito divino, a pedra angular do edifício feito por Jesus, condição

expressa da salvação: a caridade, a fraternidade e o amor ao próximo, as religiões dogmáticas

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amaldiçoaram-se permanentemente entre si, as mais fortes esmagando as mais fracas, afogando-se em

sangue, nas torturas e nas chamas das fogueiras. Os cristãos, que haviam eliminado a cultura clássica,

passaram a grandes perseguidores.

Foi a ferro e fogo que plantaram no mundo, a cruz do cordeiro sem mácula.

É um facto comprovado que as guerras religiosas foram as mais cruéis e fizeram maior número de

vítimas que as guerras políticas, e que em nenhuma outra se cometeram tantos atos de atrocidade e de

barbárie.

Seria a culpa da doutrina de Jesus? Não, certamente, pois ela condena formalmente toda a violência.

Disse Jesus, alguma vez, aos seus discípulos: ide, matai, massacrai, queimai os que não pensam como

vós?

Não, disse exatamente o contrário: “Todos os homens são irmãos e Deus é soberanamente

misericordioso; amai o vosso próximo, amai os vossos inimigos, fazei bem aos que vos perseguem”. E disse-

lhes ainda: “Quem matar com a espada perecerá pela espada”.

A responsabilidade, portanto, não é dos ensinamentos de Jesus, mas daqueles que a interpretaram

falsamente, transformando-a num instrumento para servir as suas paixões. Daqueles que ignoraram

completamente aquilo que Jesus disse: “O meu Reino não é deste mundo”.

Jesus, na sua profunda sabedoria, previu o que devia acontecer. Porém, essas coisas eram inevitáveis,

porque resultavam da própria inferioridade da natureza humana, que não podia transformar-se de

repente.

Foi uma grande desgraça que o Cristianismo tivesse passado por essa longa e cruel prova de dezoito

séculos, para mostrar toda a sua força ─ porque, apesar de todo o mal cometido em seu nome, saiu dela

puro e nunca esteve em causa. A censura sempre caiu sobre os que dele abusaram, pois a cada ato de

intolerância sempre se disse: Se o Cristianismo fosse melhor compreendido e melhor praticado, isto não

teria acontecido.

16. Quando Jesus disse: “Não penseis que vim trazer a paz, mas a divisão”, o seu pensamento era o

seguinte:

"Não penseis que a minha doutrina se vai estabelecer pacificamente; trará lutas sangrentas, para as

quais o meu nome servirá de pretexto, porque os homens não me terão compreendido, ou não terão

querido compreender-me; os irmãos, separados pelas suas crenças, lançarão a espada um contra o outro

e a divisão far-se-á entre os membros de uma mesma família que não tiverem a mesma fé.

Vim lançar o fogo na Terra, para limpar os erros e os preconceitos, como se põe fogo num campo para

destruir as ervas daninhas, e tenho pressa de que se acenda, para que a limpeza seja mais rápida, porque

deste conflito a verdade sairá triunfante; à guerra sucederá a paz; ao ódio dos partidos sucederá a

fraternidade universal e às trevas do fanatismo sucederá a luz da fé esclarecida.

Então, quando o campo estiver preparado, eu vos enviarei o Consolador, o Espírito de Verdade, que virá restabelecer todas as coisas, isto é, dando a conhecer o verdadeiro sentido das minhas palavras que os homens mais esclarecidos poderão enfim compreender, ele porá fim à luta fratricida que divide os filhos de um mesmo Deus.

Cansados, enfim, de um combate sem solução, que só acarreta desolação e leva a perturbação até ao

seio das famílias, os homens reconhecerão onde estão os seus verdadeiros interesses, neste mundo e no

outro; e verão de que lado se acham os amigos e os inimigos do seu repouso. Então, todos virão abrigar-se

sob a mesma bandeira, a da caridade, e as coisas serão restabelecidas na Terra, segundo a verdade e os

princípios que vos ensinei".

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17. O espiritismo vem realizar, no tempo determinado, as promessas de Jesus. No entanto, não o pode

fazer sem destruir os abusos; como Jesus, encontra nos seu caminho o orgulho, o egoísmo, a ambição, a

avidez, o fanatismo cego que, perseguidos nos seus últimos redutos, tentam detê-lo e levantam contra ele

entraves e perseguições; é por isso que também é forçado a combater, mas a época das lutas e

perseguições sangrentas já passou e as que ele tem de enfrentar são todas morais e o fim delas aproxima-

se; as primeiras duraram séculos, estas durarão apenas alguns anos, porque a luz, em vez de partir de um

só clarão, alastra de todos os pontos do globo e abrirá mais depressa os olhos aos cegos.

18. Aquelas palavras de Jesus revelam o que pensava a respeito das reações que iria suscitar a sua

mensagem, os conflitos momentâneos que surgiriam como consequência dela e as lutas que teria de

sustentar antes de se estabelecer, como aconteceu com os hebreus antes de sua entrada na Terra

Prometida, e não como um desígnio premeditado da sua parte, de semear qualquer desordem ou

confusão.

O mal viria dos homens, e não dele, que era como o médico que vem curar, mas cujos remédios

provocam uma crise salutar, removendo os humores malignos do enfermo.

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CAPÍTULO XXIV ─ NÃO PÔR A CANDEIA DEBAIXO DO ALQUEIRE

A candeia debaixo do alqueire. Porque fala Jesus por parábolas

1. Não se acende a candeia e se coloca debaixo do alqueire, mas no candeeiro, e dá luz a todos os que

estão na casa. (Mateus, 5: 15).

2. E ninguém, acendendo uma candeia, a cobre com algum vaso ou a põe debaixo da cama; mas põe-

na no candeeiro, para que os que entram vejam a luz. Porque não há coisa oculta que não haja de

manifestar-se, nem escondida que não haja de ser descoberta e vir à luz. (Lucas, 8: 16-17).

3. E, acercando-se dele os discípulos, disseram-lhe: Porque lhes falas por parábolas? Ele, respondendo,

disse-lhes: Porque a vós é dado conhecer os mistérios do Reino dos Céus, mas a eles não lhes é dado; porque

àquele que tem se dará, e terá em abundância, mas àquele que não tem, até aquilo que tem lhe será tirado.

Por isso, lhes falo por parábolas, porque eles, vendo, não vêem, e, ouvindo, não ouvem, nem compreendem.

E neles se cumpre a profecia de Isaías, que diz: Ouvindo, ouvireis, mas não compreendereis e, vendo, vereis,

mas não percebereis. Porque o coração deste povo tornou-se insensível, são duros de ouvido e fecharam os

olhos, para não ver com os olhos e não ouvir com os ouvidos, não compreender com o coração, e não se

converter. Assim não podem ser curados. (Mateus, 13: 10-15).

4. Causou espanto ouvir Jesus dizer que não se deve pôr a luz debaixo do alqueire, tendo escondido

continuamente o sentido das suas palavras sob o manto da alegoria, que nem todos podem compreender.

Explicou-se, dizendo aos seus apóstolos:

“Falo ao povo por parábolas porque não está em condições de compreender certas coisas. Vêem,

olham, ouvem e não compreendem. Dizer-lhes tudo, seria inútil neste momento. Mas a vós digo tudo,

porque já compreendeis estes mistérios.”

Procedia para com o povo como se faz com as crianças, cujas ideias ainda não estão desenvolvidas.

Desta forma indica-nos o verdadeiro sentido do preceito: "Não se deve pôr a luz debaixo do alqueire, mas

num apoio alto, para que todos os que entram possam vê-la".

Não é preciso revelar descuidadamente tudo, porque os ensinamentos devem ser proporcionais à

inteligência de quem os recebe, e porque há pessoas a quem uma luz muito viva pode deslumbrar, sem

esclarecer.

Acontece com as sociedades o mesmo que com os indivíduos; as gerações passam também pela

infância, pela juventude e pela maturidade. Cada coisa deve vir a seu tempo, pois o grão, semeado fora de

tempo, não germina.

Aquilo que a prudência manda calar momentaneamente, cedo ou tarde será descoberto porque,

chegando a um certo grau de desenvolvimento, o povo procura por si mesmo a luz viva ─ a obscuridade

incomoda-o.

Deus deu às pessoas a inteligência para compreenderem e para se guiarem entre as coisas da Terra e

do Céu, querem racionalizar a sua fé: é nessa altura que é preciso revelar claramente a verdade, pois sem

a luz da razão, a fé enfraquece. (Ver cap. XIX, n° 7).

5. Se na sua prudente sabedoria a Providência só revela as verdades gradualmente, vai-as descobrindo

à medida que a Humanidade está madura para as receber. A Providência mantém-nas guardadas e não

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debaixo do alqueire. Aqueles que as possuem ocultam-nas com a intenção de dominar o povo. São esses

que mantêm a luz debaixo do alqueire. É assim que todas as religiões sempre tiveram mistérios, cujo

esclarecimento proíbem. Enquanto essas religiões se atrasavam, a ciência e a inteligência avançaram e

romperam o véu misterioso. O povo que se tornou adulto quis penetrar o fundo das coisas e eliminou da

sua fé o que se mostrava contrário à observação. Aí não pode haver mistérios absolutos e Jesus fala verdade

ao afirmar que tudo deve ser conhecido.

Tudo o que está oculto será descoberto um dia e o que o homem ainda não pode compreender na

Terra, ser-lhe-á revelado nos mundos mais adiantados, à medida que se purifique. Na Terra, continua no

nevoeiro.

6. Perguntamos que proveito podia tirar o povo desse grande número de parábolas de sentido oculto?

Jesus só usou parábolas sobre as questões abstratas da sua doutrina. Tendo feito da caridade para com o

próximo, e da humildade, a condição expressa da salvação, tudo o que disse a este respeito é perfeitamente

claro, explícito e sem nenhuma ambiguidade.

Assim devia ser porque se tratava da regra de conduta que todos deviam compreender, para poderem

pôr em prática. Isso era o essencial para a multidão ignorante, à qual se limitava a dizer: “Aqui está o que

é necessário para se ganhar o Reino dos Céus”.

Sobre as outras questões mais abstratas, Jesus só desenvolvia os seus pensamentos para os seus

discípulos, que estavam mais adiantados moral e intelectualmente. Foi por isso que disse: “Ao que já tem,

ainda mais se dará, e terá em abundância”. (Ver cap. XVIII, n° 15).

Não obstante, mesmo com os apóstolos, tratou de modo vago muitos pontos, cujo conhecimento

completo estava reservado para tempos futuros. Foram esses os pontos que deram lugar a diferentes

interpretações, até que a Ciência por um lado e o espiritismo por outro, vieram revelar as novas leis da

natureza, que tornaram compreensível o seu verdadeiro sentido.

7. O espiritismo atualmente esclarece grande número de dúvidas, mas não faz isso sem tomar

precauções. Os Espíritos fazem as suas comunicações com admirável prudência. Só abordam as diferentes

áreas conhecidas da doutrina sucessiva e gradualmente, e é assim que outras serão reveladas no futuro, à

medida que chegue o momento de as dar a conhecer.

Se tivessem apresentado a doutrina completa logo de início, só teria sido acessível a uma minoria e teria

assustado os menos conhecedores, o que seria prejudicial à sua propagação.

Se os Espíritos ainda não dizem tudo, não é porque a doutrina possua mistérios reservados aos

privilegiados, nem porque eles ponham a candeia debaixo do alqueire, mas porque cada coisa deve vir na

altura própria. Dão a cada ideia o tempo de amadurecer e de se propagar, antes de apresentarem outra, e

dão aos acontecimentos o tempo de preparar a sua aceitação.

Não se dirijam aos gentios

8. Jesus enviou os doze apóstolos e ordenou-lhes, dizendo: Não ireis aos gentios, nem entrareis em

cidade de samaritanos; mas ide, antes, às ovelhas perdidas da casa de Israel; e, indo, pregai, dizendo: É

chegado o Reino dos Céus. (Mateus, 10: 5-7).

9. Jesus mostrou que a sua visão não estava circunscrita ao povo judeu, e abrangia toda a Humanidade.

Se disse aos seus apóstolos que não se dirigissem aos pagãos, não foi por desprezar a sua conversão, o que

teria sido pouco caridoso, mas porque os Judeus, que acreditavam num Deus uno e esperavam o Messias,

estavam preparados, pela lei de Moisés e pelos profetas, para receberem a sua palavra.

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Entre os pagãos faltava essa base, tudo ainda estava por fazer, e os apóstolos ainda não estavam

suficientemente esclarecidos para uma tarefa tão pesada. Foi por isso que lhes disse: procurai os devotos

de Israel, ou seja, ide semear em terreno já preparado, que a conversão dos gentios virá a seu tempo. Mais

tarde, com efeito, os apóstolos foram plantar a cruz no próprio centro do paganismo.

10. Os adeptos e os divulgadores do espiritismo também podem ser considerados como os apóstolos.

Os incrédulos teóricos, os obstinados provocadores, os adversários com ideias feitas, são para eles o que

eram os gentios para os apóstolos.

A exemplo destes, devem procurar interessados, primeiramente, entre as pessoas de boa vontade, que

desejam a luz, nas quais se encontra um germe fecundo, e cujo número é grande, sem perderem tempo

com os que se recusam a ver e entender, e que tanto mais se radicalizam no seu orgulho, quanto mais se

der a impressão de se valorizar a sua conversão.

Mais vale abrir os olhos a cem cegos que desejam ver, do que a um só que prefere a cegueira. Assim

fazendo, mais se aumentará o número dos que sustentam a causa. Deixar os outros em paz não quer dizer

indiferença, mas apenas boa política.

A sua vez chegará, quando se renderem à opinião geral, de tanto ouvirem falar das mesmas ideias à sua

volta, pois julgarão aceitar a ideia por si mesmos e não sob a pressão de outra pessoa. As ideias são como

as sementes: não podem germinar antes da estação própria nem em terreno que não tenha sido

preparado. É melhor esperar a altura própria, com as ideias suficientemente amadurecidas.

No tempo de Jesus e em consequência das ideias restritas e materiais da época, tudo era circunscrito e

localizado: os judeus era um pequeno povo e os gentios eram pequenos povos circunvizinhos.

Hoje, as ideias universalizam-se e espiritualizam-se. A nova luz não é privilégio desta ou daquela nação,

pois as barreiras começam a desaparecer.

O seu foco distribui-se por toda a parte e todos os homens são irmãos. Os gentios também já não são

um povo determinado, são uma opinião que se encontra por toda parte, e da qual a verdade triunfa pouco

a pouco, como o cristianismo triunfou do paganismo. E já não é com armas de guerra que se podem

combater, mas com o poder das ideias.

Os sãos não precisam de médico

11. E aconteceu que, estando Jesus em casa sentado à mesa, chegaram muitos publicanos e pecadores

e sentaram-se juntamente com ele e seus discípulos. E os fariseus, vendo isso, disseram aos seus discípulos:

Porque come o vosso Mestre com os publicanos e pecadores? Jesus, porém, ouvindo, disse-lhes: Não são os

sãos os que necessitam de médico, mas sim os doentes. (Mateus, 9:10-12)

12. Jesus dirigia-se sobretudo aos pobres e aos deserdados, porque são eles os que mais necessitam de

consolo e aos cegos dóceis e de boa-fé, porque pedem para ver, e não aos orgulhosos que acreditam

possuir toda a luz e não precisar de nada. (Ver Introdução: Publicanos, Portageiros).

Estas palavras, como tantas outras, encontram a sua aplicação no espiritismo. Surpreende que a

mediunidade seja concedida a pessoas indignas e capazes de fazer mau uso dela, parecendo que uma

faculdade tão preciosa só deveria ser concedida a pessoas com mérito.

A mediunidade é inerente a uma disposição orgânica de que todos podem ser dotados, como a de ver,

ouvir e falar. O ser humano, porém, em virtude do seu livre-arbítrio, pode fazer mau uso dela. Se Deus só

tivesse concedido a palavra aos que são incapazes de dizer coisas más, haveria mais mudos do que falantes.

Deus deu as faculdades à Humanidade, dando-lhe a liberdade de as usar como quiser, mas pune sempre

aqueles que delas abusam.

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Se o poder de comunicar com os Espíritos só fosse dado aos mais dignos, quem ousaria querê-lo? E

onde estaria o limite entre a dignidade e a indignidade? A mediunidade é dada sem distinção, para que os

Espíritos possam levar a luz a todas camadas, a todas as classes da sociedade, tanto aos pobres como aos

ricos, aos virtuosos para os fortalecer no bem e aos maus para os corrigir, sendo estes últimos os que

precisam de ser tratados.

Por que motivo Deus, que não quer a morte do pecador, o privaria do socorro que pode tirá-lo do erro?

Os bons Espíritos vêm assim em seu auxílio, e os seus conselhos, que ele recebe diretamente, são de

natureza a impressioná-lo mais vivamente do que se os recebesse de maneira indireta.

Deus, na sua bondade, para lhe evitar o sacrifício de ir procurar a luz à distância, coloca-lha nas mãos.

Não será ele bem mais culpado, se não a quiser ver? Poderá desculpar-se com a sua ignorância, quando

ele mesmo escreveu, viu com os próprios olhos, ouviu com os seus ouvidos e pronunciou com sua própria

boca a sua condenação?

Se não aproveitar, é então que é punido com a perda ou a perversão da sua faculdade, de que os maus

Espíritos se apoderarão, para o obsidiar e enganar, sem prejuízo das aflições reais com que Deus castiga os

servos indignos e os corações endurecidos pelo orgulho e pelo egoísmo.

A mediunidade não implica necessariamente relações habituais com os Espíritos superiores.

É simplesmente uma aptidão, para servir de instrumento, mais ou menos suave, aos Espíritos em geral.

O bom médium não é, portanto, aquele que tem facilidade de comunicação, mas o que é simpático aos

bons Espíritos e só é assistido por eles. É neste sentido, unicamente, que a excelência das qualidades morais

é de importância absoluta para a mediunidade.

A coragem da fé

13. Qualquer que der testemunho de mim diante dos homens, eu dele darei testemunho diante de meu

Pai, que está nos céus. Mas qualquer que me negar diante dos homens, eu o negarei também diante de

meu Pai, que está nos céus. (Mateus, 10: 32-33)

14. Porque qualquer que de mim e das minhas palavras se envergonhar, dele se envergonhará o Filho

do Homem, quando vier na sua glória e na do Pai e dos santos anjos. (Lucas, 9:26)

15. A coragem da opinião sempre foi admirada entre os as pessoas, porque há mérito em enfrentar os

perigos, as perseguições, as discussões e até mesmo os simples sarcasmos, aos quais se expõe aquele que

não teme confessar abertamente as suas ideias perante quem as não aceita.

Nisto, como em tudo, o mérito está na medida das circunstâncias e na importância dos resultados. Há

sempre fraqueza em recuar perante as consequências de manter uma opinião, e há casos em que isso pode

ser uma covardia tão grande como a de fugir no momento do combate.

Jesus condena essa covardia, no que se refere à sua doutrina, ao dizer que, se alguém se envergonhar

das suas palavras, ele também se envergonhará dele, que renegará quem o tiver renegado, que

reconhecerá, perante o Pai que está nos Céus, quem o reconhecer diante dos homens.

Noutros termos: Aqueles que temerem confessar-se discípulos da verdade não são dignos de ser

admitidos no Reino da Verdade. Perderão os benefícios da sua fé, porque se trata de uma fé egoísta, que

eles guardam para si mesmos, ocultando-a, com medo dos prejuízos que ela lhes possa acarretar neste

mundo. Enquanto os que colocam a verdade acima dos seus interesses materiais, proclamando-a

abertamente, trabalham ao mesmo tempo pelo seu futuro e pelo futuro dos outros.

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16. Assim será com os adeptos do espiritismo, pois sendo os seus ensinamentos o desenvolvimento e a

aplicação dos ensinamentos do Evangelho, a eles também se dirigem estas palavras de Jesus. Semeiam na

Terra o que colherão na vida espiritual: lá colherão os frutos da sua coragem ou da sua fraqueza.

Carregar a cruz. Quem quiser salvar a vida, perdê-la-á

17. Bem-aventurados sereis quando os homens vos aborrecerem, e quando vos separarem, e vos

injuriarem, e rejeitarem o vosso nome como mau, por causa do Filho do Homem. Folgai nesse dia, exultai,

porque é grande o vosso galardão no céu, pois assim faziam seus pais aos profetas. (Lucas, 6: 22-23)

18. E, chamando a si a multidão, com os seus discípulos, disse-lhes: Se alguém me quer seguir, renuncie

a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me. Porque qualquer que quiser salvar a sua vida perdê-la-á, mas

qualquer que perder a sua vida por amor de mim e do evangelho, esse a salvará. Pois que aproveitaria ao

homem ganhar todo o mundo e perder a sua alma? (Marcos, 8: 34-36, e semelhante em Lucas, 9:23-25,

Mateus, 10:39, e João, 12: 24-25).

19. Regozijai-vos, disse Jesus, quando os homens vos odiarem e vos perseguirem por minha causa,

porque sereis recompensados no céu. Assim se poderão traduzir essas palavras: Ficai felizes quando os

homens, por má vontade a vosso respeito, vos derem oportunidade de provar a sinceridade da vossa fé,

porque o mal que vos fazem, será a vosso favor. Lamentai a sua cegueira, mas não os amaldiçoeis.

E acrescentou: "Que aquele que me quiser seguir carregue a sua cruz", isto é, que suporte

corajosamente as dificuldades que a sua fé lhe levantar.

Aquele que quiser salvar a sua vida e os seus bens, renunciando a mim, perderá os benefícios do Reino

dos Céus, enquanto os que perderem tudo aqui na Terra, até mesmo a vida, para o triunfo da verdade,

receberão na vida futura o prémio da sua coragem, da sua perseverança e da sua generosidade.

Aos que sacrificam os bens do céu aos prazeres da Terra, Deus dirá: já recebestes a vossa recompensa.

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CAPÍTULO XXV ─ BUSCAI E ACHAREIS

Ajuda-te e o Céu te ajudará

5. Pedi e dar-se-vos-á, buscai e encontrareis, batei e abrir-se-vos-á. Porque aquele que pede, recebe, o

que busca, encontra e, ao que bate, se abre. E qual dentre vós é o homem que, pedindo-lhe pão o seu filho,

lhe dará uma pedra? E, pedindo-lhe peixe, lhe dará uma serpente? Se vós, pois, sendo maus, sabeis dar boas

coisas aos vossos filhos, quanto mais vosso Pai, que está nos Céus, dará bens aos que lhe pedirem? (Mateus,

7: 7-11)

2. Segundo a linguagem comum, o preceito: “Buscai e achareis”, é semelhante a este outro: “Ajuda-te

e o Céu te ajudará”. É o princípio da lei do trabalho e, por conseguinte, da lei do progresso, porque o

progresso é resultado do trabalho e é o trabalho que põe em ação as forças da inteligência.

Na infância da Humanidade, os seres humanos só aplicam a inteligência na procura de alimentos, na

forma de se defenderem das intempéries e dos inimigos.

Entretanto, Deus deu-lhe a mais do que deu aos animais, o desejo constante de melhorar. É o

melhoramento da sua situação que o conduz às descobertas, às invenções, ao aperfeiçoamento da ciência,

porque é a ciência que consegue alcançar o que lhe falta. Graças às investigações a inteligência desenvolve-

se e a moral purifica-se; às necessidades do corpo sucedem as necessidades do Espírito: depois do alimento

material é necessário o alimento espiritual. É assim que o ser humano passa da vida selvagem à civilização.

Todavia, o progresso que cada pessoa realiza individualmente, durante a vida terrena, é coisa

insignificante, até mesmo impercetível a nível coletivo. Como poderia então a Humanidade progredir sem

as vidas já vividas e as novas existências da alma?

Se as almas deixassem a Terra para não voltar, aqueles que fossem entrando na vida seriam novas

entidades rudimentares, que teriam de recomeçar tudo de novo, pela falta de conhecimentos adquiridos.

Não seria possível que o homem de hoje fosse mais adiantado que nos primeiros tempos do mundo,

visto que o trabalho intelectual teria que recomeçar do nada após cada nascimento.

Pelo contrário, voltando a alma com o seu progresso realizado, e adquirindo sempre novos

conhecimentos, é assim que passa gradualmente da barbárie à civilização material e desta à civilização

moral. (Ver cap. IV, n° 17).

3. Se Deus tivesse dispensado o ser humano do trabalho físico, os seus membros ter-se-iam atrofiado.

Se o tivesse libertado do uso da inteligência, o seu Espírito teria ficado na infância, ao nível instintivo do

animal. Por isso é que Deus fez do trabalho uma necessidade e lhe disse: Busca e acharás, trabalha e

produzirás. Deste modo serás filho das tuas obras, terás o mérito da sua realização e serás recompensado

por aquilo que tiveres feito.

4. É pela aplicação deste princípio que os Espíritos não poupam ao homem o trabalho de investigar,

trazendo-lhe descobertas e invenções já feitas e prontas a utilizar, de modo a só ter que agarrar o que se

lhe põe nas mãos, sem sequer ter o incómodo de um pequeno esforço, nem mesmo o de pensar.

Se assim fosse, o mais preguiçoso poderia enriquecer e o mais ignorante tornar-se sábio sem qualquer

custo, gabando-se do mérito de tudo o que não tinha feito.

Não, os Espíritos não vêm dispensar os seres humanos da lei do trabalho, mas mostrar-lhes o fim que

devem atingir e a estrada que a ele conduz, dizendo: caminha e lá chegarás. Encontrarás obstáculos no

caminho. Mantém-te vigilante e vence as dificuldades por ti mesmo! Nós te daremos a força necessária, se

quiseres empregá-la (Ver O Livro dos Médiuns, cap. XXVI, n° 291 e seguintes.).

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5. Do ponto de vista moral, estas palavras de Jesus significam: Pedi a luz que deve iluminar o vosso

caminho e ela vos será dada; pedi a força de resistir ao mal e tê-la-eis; pedi a assistência dos bons Espíritos

e eles virão acompanhar-vos e, como o anjo de Tobias, vos servirão de guias; pedi bons conselhos e eles

nunca vos serão recusados; batei à nossa porta e ela abrir-se-vos-á. Mas pedi sinceramente, com fé, fervor

e confiança, apresentai-vos com humildade e não com arrogância, sem o que sereis abandonados às vossas

próprias forças, e as quedas que sofrerdes punirão o vosso orgulho.

É esse o sentido destas palavras: Buscai e achareis, batei e abrir-se-vos-á.

Olhai as aves do céu

6. Não ajunteis tesouros na Terra, onde a traça e a ferrugem tudo consomem e onde os ladrões minam

e roubam. Mas ajuntai tesouros no céu, onde nem a traça nem a ferrugem consomem e onde os ladrões

não minam, nem roubam. Porque onde estiver o vosso tesouro aí estará também o vosso coração.

Por isso, vos digo: não andeis cuidadosos quanto à vossa vida, pelo que haveis de comer ou pelo que

haveis de beber; nem quanto ao vosso corpo, pelo que haveis de vestir. Não é a vida mais do que o

mantimento, e o corpo, mais do que as vestes?

Olhai para as aves do céu, que não semeiam, nem segam, nem ajuntam em celeiros, e vosso Pai celestial

alimenta-as. Não tendes vós muito mais valor do que elas? E qual de vós poderá, com todos os seus

cuidados, acrescentar um côvado à sua estatura?

E, quanto ao vestuário, porque andais inquietos? Olhai para os lírios do campo, como eles crescem. Não

trabalham nem fiam e eu vos digo que nem mesmo Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como qualquer

deles. Pois, se Deus assim veste a erva do campo, que hoje existe e amanhã é lançada no forno, não vos

vestirá muito mais a vós, homens de pouca fé?

Não andeis, pois, inquietos, dizendo: Que comeremos ou que beberemos ou com que nos vestiremos?

(Porque todas essas coisas os gentios procuram.) Decerto, vosso Pai celestial bem sabe que necessitais de

todas essas coisas.

Buscai primeiro o Reino de Deu e a sua justiça, e todas essas coisas vos serão acrescentadas. Não vos

inquieteis, pois, pelo dia de amanhã, porque o dia de amanhã cuidará de si mesmo. Basta a cada dia o seu

mal. (Mateus, 6: 19-21,25-34).

7. Interpretadas literalmente estas palavras, seriam a negação de qualquer previdência, de qualquer

trabalho e, por isso, de todo o progresso. Seguindo esta teoria, o ser humano seria um espetador passivo,

inativo física e intelectualmente e, se assim tivesse permanecido a Terra, nunca teria saído do estado

primitivo.

Não poderia ter sido esse o pensamento de Jesus, porque estaria em contradição com o que sempre

disse, mesmo sobre as leis da natureza. Deus criou o ser sem roupas e sem abrigo, mas deu-lhe a

inteligência para os fazer (Ver cap. XIV, n° 6 e cap. XXV, n° 2).

Estas palavras são uma alegoria poética da Providência, que nunca abandona quem nela confia, mas

que também quer que trabalhem. Se nem sempre dá a ajuda material, sugere as ideias para que resolvam

pelos seus próprios meios as dificuldades que lhes aparecem. (Ver cap. XXVII, n° 8).

Deus conhece as nossas necessidades e satisfá-las com o que é preciso. Mas h pessoas, insatisfeitas,

nem sempre se contentam com o que têm. O necessário não lhes basta, querem também o supérfluo. É

então que a Providência lho entrega diretamente. Por vezes passam dificuldades por sua culpa e por não

terem escutado a voz da consciência. Deus deixa-as sofrer as consequências para que isso lhes sirva de

lição no futuro. (Ver cap. V, n° 4).

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8. A Terra produz o bastante para alimentar todos os que nela vivem, se estes souberem administrar os

frutos da natureza segundo as leis da justiça, da caridade e do amor ao próximo. Quando a fraternidade

reinar entre os povos, o supérfluo de uns será o bastante para a insuficiência de outros, e todos terão o

necessário.

Um agricultor que tiver grandes depósitos de sementes considerar-se-á rico: se as distribuir pelos seus

vizinhos, produzirão o suficiente para ele e muitos outros. Se consumir o que possui e deixar perder o que

lhe sobra, não haverá sementes para produzir mais, e o cereal fará falta a todos.

Se houver sobras das sementes fechadas nos celeiros, acabarão por ser comidas pelos bichos.

É por isso que Jesus disse: não amontoeis tesouros na Terra, que se tornam inúteis; guardai-os no Céu,

onde são eternos. Por outras palavras: não se deve dar mais importância aos bens materiais do que aos

valores espirituais e sacrificar estes em favor dos primeiros. (Ver Cap. XVI, nº 7 e seguintes). Não é por

decreto que a caridade e a fraternidade passam à prática da vida. Se elas não estiverem no coração, o

egoísmo asfixiá-las-á sempre. É tarefa do espiritismo fazê-las penetrar no coração, para que sejam vividas

de facto.

Não vos canseis pela posse do ouro

9. Não guardem ouro, nem prata, nem cobre, em vossos cintos; nem alforjes para o caminho, nem duas

túnicas, nem sandálias, nem bordão, porque o trabalhador é digno do seu alimento. (Mateus, 10: 9 -10)

10. E em qualquer cidade ou aldeia em que entrardes, procurai saber quem nela seja digno e hospedai-

vos aí até que vos retireis. E quando entrardes nalguma casa, saudai-a dizendo: paz seja nesta casa. E se a

casa for digna, desça sobre ela a vossa paz, mas se não for digna, torne para vós a vossa paz. E se ninguém

vos receber, nem escutar as vossas palavras, saindo daquela casa ou cidade, sacudi o pó dos vossos pés. Em

verdade vos digo que, no Dia do Juízo, haverá menos rigor para o país de Sodoma e Gomorra do que para

aquela cidade. (Mateus, 10: 10 -15).

11. Estas palavras, que Jesus dirigia aos seus apóstolos, ao enviá-los a anunciar a boa nova pela primeira

vez, nada tinham de estranho naquela época. Estavam conforme os costumes patriarcais do Oriente, onde

o viajante era sempre recebido na tenda, numa época em que os viajantes eram raros.

O aumento da circulação criou novos costumes. Agora, só encontramos os dos tempos antigos nas

regiões distantes, onde o tráfico intenso ainda não penetrou. Se Jesus voltasse hoje à Terra já não poderia

dizer aos seus apóstolos para se porem ao caminho sem provisões.

Além do sentido imediato, estas palavras têm um sentido moral profundo. Jesus ensinava aos seus

discípulos, a confiarem na Providência. Nada levando consigo, não tentavam a cobiça dos que os recebiam.

Era uma forma de distinguir os caridosos dos egoístas, e por isso lhes dizia: "Informai-vos de quem é digno

de vos receber", isto é, quem é suficientemente humano para receber um viajante que não pode pagar,

porque esses são dignos de ouvir as vossas palavras e é pela caridade que os reconhecereis.

Aos que não quisessem recebê-los nem ouvi-los, Jesus não recomendou que dissessem mal, que

teimassem ou usassem da violência para os obrigarem a converter-se.

Disse-lhes apenas para retomarem o seu caminho, procurando pessoas de boa vontade.

É isso que diz atualmente o espiritismo aos seus adeptos: não forcem as consciências nem queiram

convencer ninguém a deixar a sua crença para adotar a vossa; não digam mal de ninguém por não pensar

como vós. Recebei os que vos procuram e deixai descansados os que vos afastam.

Lembrai-vos das palavras de Jesus: no passado, o céu era conquistado pela violência, hoje é conquistado

pela serenidade. (Ver cap. IV, nºs 10 e 11).

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CAPITULO XXVI ─ DAI DE GRAÇA O QUE DE GRAÇA RECEBESTES

Dom de curar

1. Curai os enfermos, ressuscitai os mortos, limpai os leprosos, expulsai os demónios; dai de graça o

que de graça recebestes. (Mateus, 10: 8).

2. "Dai de graça o que de graça recebestes", disse Jesus aos seus discípulos, e por esse preceito

estabelece que ninguém se faça pagar por aquilo que nada pagou.

Ora, o que eles tinham recebido de graça era a faculdade de curar os doentes e de expulsar os demónios,

ou seja, os maus Espíritos. Esse dom fora-lhes dado gratuitamente por Deus, para alívio dos que sofrem e

para ajudar a propagação da fé. Disse-lhes para não o usarem como coisa de compra e venda ou forma de

fazer fortuna.

Preces pagas

3. E, ouvindo-o todo o povo, disse Jesus aos seus discípulos: Guardai-vos dos escribas, que querem

andar com vestes compridas e amam as saudações nas praças, e as principais cadeiras nas sinagogas, e os

primeiros lugares nos banquetes; que devoram as casas das viúvas, fazendo, por pretexto, largas orações.

Estes receberão maior condenação. (Lucas, 20: 45¬47, e semelhantes em Marcos, 12: 38-40; Mateus, 23:

14).

4. Jesus disse: Não se façam pagar pelas vossas preces; não façam como os escribas, que "a pretexto

de longas preces”, tomam posse do que é das viúvas. A prece é um ato de caridade, um impulso do coração.

Cobrar pelas preces que dirigimos a Deus pelos outros, é transformarmo-nos em comerciantes.

A prece torna-se uma mercadoria cujo preço depende do tamanho ou da forma. Das duas uma: medirá

Deus as graças que concede pelo número das palavras que lhe dirigimos? Se forem precisas muitas, porque

dizer apenas algumas, ou nenhuma, àquele que não as pode pagar? É uma falta de caridade. Se uma palavra

chega, não vale a pena dizer muitas. Muito pior, seria um abuso cobrar por elas.

Deus não vende os benefícios que concede. Muito menos terão esse direito aqueles que nem têm a

categoria de seus distribuidores, nem podem garantir os seus efeitos.

Deus não pode condicionar um ato de clemência, de bondade ou de justiça que é pedido à sua

misericórdia, a um pagamento em dinheiro. Se este não fosse feito, ou se fosse insuficiente, a justiça, a

bondade e a clemência de Deus nunca se tornariam uma realidade.

A razão, o bom senso e a lógica dizem-nos que Deus, a perfeição absoluta, não pode delegar em

criaturas imperfeitas o direito de fixar preços para a sua Justiça. A Justiça de Deus é como o Sol, que é para

todos, tanto para os pobres como para os ricos. Se consideramos imoral traficar as graças de um soberano

deste mundo, seria lícito vender as graças do soberano do Universo?

As preces pagas têm outro inconveniente: aquele que as compra julga-se dispensado de orar por si

mesmo, pois considera-se livre dessa obrigação por ter pago por ela. Sabemos que os Espíritos são tocados

pelo fervor do pensamento dos que se interessam por eles. Qual será a devoção daquele que paga preces

feitas por terceiros em seu benefício? Qual o fervor desse terceiro quando delega o mandato noutro, e

este noutro, e assim por diante? Isso seria reduzir a eficácia da prece ao valor de uma qualquer moeda

corrente.

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Vendilhões expulsos do templo

5. E vieram a Jerusalém; e Jesus, entrando no templo, começou a expulsar os que vendiam e

compravam no templo; e derribou as mesas dos cambistas e as cadeias dos que vendiam pombas. E não

consentia que ninguém levasse algum vaso pelo templo. E ensinava-os, dizendo: Não está escrito: A minha

casa será chamada por todas as nações casa de oração? Mas vós a tendes feito covil de ladrões.

E os escribas e príncipes dos sacerdotes, tendo ouvido isso, buscavam ocasião para o matar; pois eles

temiam-no porque toda a multidão estava admirada acerca da sua doutrina. (Marcos, 11: 15-18; e

semelhante em Mateus, 21: 12-13).

6. Jesus expulsou os vendilhões do templo, e assim condenou o comércio das coisas santas, seja de

que maneira for. Deus não vende a sua bênção, nem o seu perdão, nem a entrada no Reino dos Céus. O

homem não tem, portanto, o direito de receber dinheiro por eles.

Mediunidade gratuita

7. Os médiuns modernos – porque os apóstolos também tinham mediunidade – receberam igualmente

de Deus um dom gratuito, o de serem intérpretes dos Espíritos para instrução dos seres humanos, para

lhes mostrarem o caminho do bem e conduzi-los à fé, e não para lhes venderem palavras que não lhes

pertencem, pois que não são produto da sua conceção, nem das suas pesquisas, nem do seu trabalho

pessoal.

Deus quer que a luz chegue a todos; não quer que o mais pobre seja deserdado e possa dizer: Não tenho

fé porque não pude pagá-la, não tive a consolação de receber o estímulo e os testemunhos de afeição

daqueles por quem choro, porque sou pobre. Por isso a mediunidade não é um privilégio e encontra-se por

toda parte. Fazer pagar por ela seria, portanto, desviá-la da sua finalidade providencial.

8. Quem quer que conheça as condições nas quais os bons Espíritos comunicam, a sua repulsa por

todas as formas de interesse egoísta; e que saiba o tão pouco que basta para os afastar; tal pessoa nunca

poderá admitir que Espíritos superiores estejam disponíveis para serem pagos a tanto por sessão. O simples

bom senso repele semelhante coisa. Seria também uma profanação evocar por dinheiro os seres que

respeitamos ou que nos são queridos.

Sem dúvida que podemos obter manifestações dessa maneira, mas quem poderia garantir a sua

sinceridade?

Os Espíritos superficiais, mentirosos, trocistas, e toda a multidão de Espíritos inferiores, muito pouco

escrupulosos, atendem sempre a esses pedidos e estão sempre prontos a responder ao que lhes

perguntam, sem se preocuparem com a verdade. Aquele, pois, que deseja comunicações sérias, deve

primeiro procurá-las com seriedade, esclarecendo-se depois quanto à simpatia das ligações do médium

com os seres do mundo espiritual. A primeira condição para se conseguir a boa vontade dos bons Espíritos

é a humildade, a dedicação, a abnegação e o mais absoluto desinteresse moral e material.

9. À parte da questão moral, apresenta-se uma consideração de ordem prática, não menos

importante, que se refere à própria natureza da faculdade. A mediunidade séria não pode ser e não será

nunca uma profissão, não somente porque isso a desacreditaria no plano moral, colocando os médiuns na

mesma posição dos que “lêem a sina”, mas porque existe ainda uma dificuldade material para isso: é que

se trata de uma faculdade essencialmente instável, fugidia, variável, por cuja permanência não se pode

contar.

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Seria, portanto, um recurso incerto para o seu utilizador, que poderia faltar-lhe no momento mais

necessário. Bem diferente é uma capacidade adquirida pelo estudo e pelo trabalho e que, por isso mesmo,

se torna uma propriedade da qual é lícito tirar partido.

A mediunidade não é nem uma arte nem um talento, e por isso não pode tornar-se numa profissão. Só

existe graças à colaboração dos Espíritos. Se estes faltarem não há mediunidade. A aptidão pode subsistir,

mas o exercício torna-se impossível. Também não há médium no mundo que possa garantir a obtenção de

um fenómeno espírita em determinado momento.

Explorar a mediunidade é dispor de uma coisa de que não se é dono. Afirmar o contrário é enganar os

que pagam.

Além disso, não é de si mesmo que se dispõe, e sim dos Espíritos, das almas dos mortos, cuja

colaboração é posto a prémio, pensamento que repugna instintivamente. É o comércio, degenerado em

abuso, explorado pelo charlatanismo, pela ignorância, pela credulidade e pela superstição, que originou a

proibição de Moisés.

O espiritismo moderno, compreendendo o aspeto sério do assunto, lançou o descrédito sobre essa

exploração e elevou a mediunidade à categoria de missão. (Ver O Livro dos Médiuns, cap. XXVIII, e O Céu e

o Inferno, 1ª Parte, cap. XI).

10. A mediunidade é uma coisa santa, que deve ser praticada santamente, religiosamente. Se há um

género de mediunidade que requer esta condição de maneira ainda mais absoluta, é a mediunidade de

cura.

A medicina oferece o resultado dos seus estudos, conseguidos com sacrifícios penosos. O magnetizador

dá o seu próprio fluido e, frequentemente, a sua própria saúde. Pode estipular um preço.

O médium curador transmite o fluido salutar dos bons Espíritos ─ não tem o direito de o vender. Jesus

e os apóstolos, embora pobres, não recebiam pelas curas que faziam.

Os que não têm meios de vida, procurem outros recursos para além da mediunidade. Se for necessário,

que lhe consagre só o tempo de que materialmente pode dispor. Os Espíritos levarão em conta a sua

dedicação e os seus sacrifícios, enquanto se afastarão dos que pretendem fazer da mediunidade um meio

rendoso.

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CAPÍTULO XXVII ─ PEDI E OBTEREIS

Qualidades da prece

1. E, quando orardes, não sejais como os hipócritas, pois se comprazem em orar em pé nas sinagogas

e às esquinas das ruas, para serem vistos pelos homens. Em verdade vos digo que já receberam o seu

galardão. Mas vós, quando orardes, entrai no vosso quarto e, fechando a porta, orai a vosso Pai, que vê o

que está oculto; e vosso Pai, que vê o que está oculto, vos recompensará. E, orando, não useis de vãs

repetições, como os gentios, que pensam que, por muito falarem, serão ouvidos. Não vos assemelheis, pois,

a eles, porque vosso Pai sabe o que vos é necessário antes de vós lho pedirdes. (Mateus, 6: 5-8).

2. E, quando estiverdes orando, perdoai, se tendes alguma coisa contra alguém, para que vosso Pai,

que está nos céus, vos perdoe as vossas ofensas. Mas, se vós não perdoardes, também vosso Pai, que está

nos céus, vos não perdoará as vossas ofensas. (Marcos, 11:25-26).

3. E disse também esta parábola a uns que confiavam em si mesmos, crendo que eram justos, e

desprezavam os outros: Dois homens subiram ao templo, a orar; um fariseu e o outro publicano. O fariseu,

estando em pé, orava consigo desta maneira: Ó Deus, graças te dou, porque não sou como os demais

homens, roubadores, injustos e adúlteros; nem ainda como este publicano. Jejuo duas vezes na semana e

dou os dízimos de tudo quanto possuo. O publicano, porém, estando em pé, de longe, nem ainda queria

levantar os olhos ao céu, mas batia no peito, dizendo: Ó Deus, tem misericórdia de mim, que sou pecador!

Digo-vos que este desceu justificado para sua casa, e não aquele; porque qualquer que a si mesmo se exalta

será humilhado, e qualquer que a si mesmo se humilha será exaltado. (Lucas, 18:9-14).

4. Jesus definiu claramente as qualidades da prece: quando orarem não se coloquem em evidência.

Orem de modo discreto. Não se preocupem em orar muito, porque não é pelo número de palavras que

serão atendidos, mas pela sinceridade.

Antes de orar, se tiverem qualquer coisa contra alguém, perdoem-lhe, porque a prece não poderá ser

agradável a Deus se não partir de um coração purificado de qualquer sentimento contrário à caridade. Orem com humildade e sem orgulho. Estudem os vossos defeitos e não as vossas qualidades, e se se

compararem com alguém, procurem o que há de mau em vós. (Ver cap. X, n°7 e 8).

Eficácia da prece

5. Por isso vos digo que tudo o que pedirdes, orando, crede que o recebereis e tê-lo-eis. (Marcos, 11:24).

6. Há pessoas que duvidam da eficácia da prece, com base no princípio de que, visto que Deus conhece

as nossas necessidades, é desnecessário expor-lhas. Acrescentam que, se tudo se encadeia no Universo

segundo leis eternas, os nossos votos não podem modificar os decretos de Deus.

Sem dúvida que há leis naturais e imutáveis que Deus não pode anular segundo os caprichos de cada

um. Mas daí a acreditar que todas as circunstâncias da vida estão sujeitas à fatalidade, vai uma grande

distância. Se assim fosse, o ser humano seria apenas um instrumento passivo, sem livre-arbítrio e sem

iniciativa. Nessa hipótese, só teria de curvar a cabeça perante os acontecimentos, sem procurar evitá-los;

não deveria sequer procurar fugir dos perigos.

Deus não lhe deu a capacidade de julgamento e a inteligência para que não as utilizasse, a vontade para

não querer e a atividade para cair na inação. Sendo livre de agir num ou outro sentido, os seus atos têm,

para ele mesmo e para os outros, consequências do que faz ou não faz.

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Em virtude da sua iniciativa, há acontecimentos que escapam forçosamente à fatalidade e que não

destroem mais a harmonia das leis universais, do que o avanço ou o atraso dos ponteiros de um relógio

destroem a lei do movimento que regula o mecanismo.

Deus pode, pois, atender certos pedidos sem alterar a imutabilidade das leis que regem o conjunto; ficando o acesso a esses pedidos sempre subordinado à sua vontade.

7. Perante a máxima seguinte: "aquilo que pedirdes pela prece ser-vos-á dado", não é lógico concluir

que basta fazer uma prece para obter qualquer coisa, e é injusto acusar a Providência se não atender todos

os pedidos que lhe fazemos, porque ela sabe melhor do que nós o que é para o nosso bem.

Assim procede o pai prudente, que recusa ao filho as coisas que podem ser-lhe prejudiciais. As pessoas

geralmente, só vêem o presente. Se o sofrimento é útil para a sua felicidade futura, Deus deixá-las-á sofrer,

como o cirurgião deixa o doente submeter-se uma operação que lhe trará a cura.

O que Deus concederá, se pedirmos com confiança, é a coragem, a paciência e a resignação.

E o que também concederá são os meios de nos livrarmos por nós mesmo de dificuldades, com a ajuda

das ideias que nos faz sugerir pelos bons Espíritos, deixando-nos o mérito da ação.

Deus ajuda aqueles que se ajudam a si mesmos, de acordo com o preceito: "Ajuda-te e o Céu te ajudará",

e não os que esperam tudo de uma ajuda alheia, sem usar as suas próprias faculdades.

Na maioria das vezes, preferimos ser socorridos por um milagre, sem termos que fazer o menor esforço

para isso. (Ver cap. XXV, n° 1 e seguintes).

8. Tomemos um exemplo. Um homem está perdido num deserto e sofre horrivelmente de sede. Sente-

se desfalecer e cai por terra. Pede a Deus que o ajude e espera. Mas nenhum anjo lhe vem dar de beber.

Entretanto, um bom Espírito sugere-lhe a ideia de se levantar e seguir um dos vários caminhos que tem na

sua frente. Então, com um movimento quase inconsciente, reúne as forças, levanta-se e caminha ao acaso.

Chegando a uma pequena elevação, descobre ao longe um regato e com isso recupera a coragem.

Se tiver fé, exclamará: "Graças, meu Deus, pelo pensamento que me inspiraste e pela força que me

deste".

Se não tiver fé, dirá: "Que boa ideia eu tive! Que sorte tive em tomar o caminho da direita e não o da

esquerda; realmente, o acaso ajuda-nos, muitas vezes! Estou de parabéns pela minha coragem e por não

me ter deixado ir abaixo!"

Mas por que razão o bom Espírito não lhe disse claramente: "Segue este caminho e no fim encontrarás

o que necessitas"? Porque não se lhe mostrou, para guiá-lo e sustentá-lo no seu abatimento?

Dessa maneira tê-lo-ia convencido da intervenção da providência. Seria, primeiro, para lhe ensinar que

é necessário ajudar-se a si mesmo e usar as próprias forças. Depois, pela incerteza, Deus põe à prova a

confiança nele e a submissão à sua vontade.

Esta pessoa estava na situação da criança que cai e que, vendo alguém, se põe a gritar e espera que a

venham levantar, mas, se não vê ninguém, esforça-se e levanta-se sozinha.

Se o anjo que acompanhou Tobias lhe tivesse dito: "Fui enviado por Deus para te guiar na viagem e te proteger de qualquer perigo", Tobias não teria mérito algum. Foi por isso que o anjo só se deu a conhecer no regresso.

Ação da prece. Transmissão do pensamento

9. A prece é uma invocação mediante a qual nos pomos em comunicação, pelo pensamento, com o

ser a quem nos dirigimos. Pode ter por finalidade um pedido, um agradecimento ou um louvor. Podemos

orar por nós mesmos ou pelos outros, pelos vivos ou pelos mortos. As preces dirigidas a Deus são ouvidas

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pelos Espíritos encarregados da execução das suas vontades; as que são dirigidas aos bons Espíritos são

também enviadas a Deus.

Quando oramos a outros seres, e não a Deus, servem-nos de intermediários, de intercessores, porque

nada acontece sem a vontade de Deus.

10. 0 Espiritismo explica a ação da prece, narrando o processo de transmissão do pensamento, seja

quando chamamos um Espírito e ele nos responde, seja quando o nosso pensamento responde à

mensagem que algum Espírito nos enviou.

Para compreender o que se passa nestas circunstâncias é necessário imaginar todos os seres,

encarnados e desencarnados, imersos no fluido universal que preenche o espaço, assim como neste mundo

estamos dentro do ar atmosférico.

Esse fluido recebe o impulso da vontade, pois é veículo do pensamento tal como o ar é veículo do som,

com a diferença de que as vibrações do ar têm limites e as do fluido universal alcançam o infinito.

Quando o pensamento se dirige a algum ser na Terra ou no espaço, de encarnado para desencarnado,

ou vice-versa, estabelece-se uma corrente fluídica de um para outro, transmitindo o pensamento como o

ar transmite o som.

A energia da corrente está na razão direta da energia do pensamento e da vontade. É assim que a prece

é ouvida pelos Espíritos em qualquer lugar em que se encontrem, que os Espíritos comunicam entre si, que

nos transmitem as suas inspirações e que entre os próprios encarnados se estabelecem relações à

distância.

Esta explicação vai sobretudo para os que não compreendem a utilidade da prece puramente mística. Não tem por fim materializar a prece, mas tornar compreensíveis os seus efeitos, mostrando que ela

pode ter uma ação direta e efetiva. Nem por isso está menos sujeita à vontade de Deus, juiz supremo de todas as coisas e o único que pode tornar a sua ação eficaz.

11. Pela prece, as pessoas chamam os bons Espíritos, que as vêm apoiar nas suas boas resoluções e

inspirar-lhes ideias boas. Desta forma adquirem a força moral necessária para ultrapassar as dificuldades e voltar ao caminho reto, se dele se afastaram ou desviar de si os males que atrairiam devido aos seus erros. Uma pessoa, por exemplo, vê a sua saúde perdida porque se entregou a exageros e, em consequência disso leva uma vida de sofrimentos fim dos seus dias. Tem o direito de se lamentar, se não conseguir curar-se? Não, porque poderia ter encontrado a força para resistir às tentações na prece.

12. Se dividirmos os males da vida em duas partes, uma a dos que o ser humano não pode evitar, e

outra a das aflições de que ele mesmo é a causa, pelo seu desleixo e pelos seus excessos (Ver cap. V, n° 4),

veremos que esta última ultrapassa em muito o número da primeira.

Assim, é evidente que ele é o causador da maioria das suas angústias, e que poderia evitá-las, se agisse

sempre com sensatez e prudência.

Também é certo, que essas desgraças resultam das nossas infrações às leis de Deus e que, se as

cumpríssemos rigorosamente, seríamos perfeitamente felizes. Se não ultrapassássemos os limites do necessário, na satisfação das nossas necessidades, não

sofreríamos de doenças que são a consequência dos excessos, assim como as dificuldades resultantes dessas doenças.

Se limitássemos as nossas ambições, não temeríamos a ruína.

Se não quiséssemos subir mais alto do que podemos, não recearíamos a queda.

Se fossemos humildes, não sofreríamos as deceções do orgulho abatido.

Se praticássemos a lei de caridade, não seríamos maldizentes, nem invejosos, nem ciumentos, e

evitaríamos as divergências e as disputas.

Se não fizéssemos mal a ninguém, não temeríamos as vinganças, e assim por diante.

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Sendo difícil ou não podendo ajudar pela prece as dificuldades gerais de terceiros, mais perto estamos

de podermos ajudar-nos a corrigir os males que derivam de nós mesmos.

Aqui facilmente se concebe a ação da prece, que tem por fim atrair a inspiração salutar dos bons

Espíritos, pedir-lhes a força necessária para resistir aos maus pensamentos cuja execução pode ser-nos

prejudicial.

Neste caso, não é o mal que eles afastam de nós, mas é a nós próprios que eles afastam do pensamento

que nos pode causar o mal.

Em nada entravam desígnios de Deus, nem suspendem o curso das leis da natureza, mas é a nós que

eles impedem de infringir essas leis, ao dirigirem o nosso livre-arbítrio.

Fazem-no sem o percebermos, de forma impercetível para não esmagarem a nossa vontade.

Deixam-nos então na posição de quem solicita bons conselhos e os põe em prática, mas conservando a

liberdade de os seguir ou não. Deus quer que assim seja para que tenhamos a responsabilidade dos nossos

atos e para nos deixar o mérito da escolha entre o bem e o mal. É isso que sempre receberemos, se

pedirmos com fé, e é a isso que se poderão aplicar estas palavras: "Pedi e obtereis".

A eficácia da prece, mesmo reduzida a estas proporções, já nos trará resultados imensos. Foi necessário

o Espiritismo para provar a sua ação, pela revelação das relações entre o mundo material e o mundo

espiritual.

Mas os seus efeitos não se limitam a isso. A prece é recomendada por todos os Espíritos. Recusar a

prece é ignorar a bondade de Deus, é recusar para si mesmo a sua assistência, e para os outros o bem que

lhes poderia fazer.

13. Ao atender o pedido que lhe é dirigido, Deus tem em vista recompensar a intenção, a devoção e a

fé daquele que ora. É por isso que a prece da pessoa de bem tem mais mérito aos olhos de Deus e sempre

maior eficácia, porque a pessoa má e cheia de vícios não pode orar com a fé e a confiança que só o

sentimento da verdadeira compaixão pode dar. Do coração do egoísta, daquele que só ora com os lábios,

só poderão sair palavras e nunca os impulsos da caridade que dão à prece todo o seu poder. Compreende-

se isso tão bem que, instintivamente, quem se quer recomendar às preces de outra pessoa fá-lo, de

preferência, àquelas cujas atitudes lhe parecem agradar mais a Deus e por isso serão melhor atendidos.

14. Se a prece exerce uma espécie de ação magnética, poderíamos supor que o seu efeito é dependente

da força fluídica. No entanto, assim não é.

Já que os Espíritos exercem essa ação sobre os seres humanos, eles suprem, quando é necessário, a

insuficiência daquele que ora, quer agindo diretamente em seu nome, quer dando-lhe momentaneamente

uma força excecional quando ele for julgado digno dessa graça ou quando ela possa ser útil.

A pessoa que não se considera suficientemente boa para exercer uma influência salutar, não deve deixar

de orar por outra pessoa, por julgar que não é digna de ser ouvida. O reconhecimento da sua inferioridade

constitui uma prova de humildade, sempre agradável a Deus, que leva em conta a intenção caridosa que a

anima. A sua fé e a sua confiança em Deus constituem um primeiro passo do seu regresso ao bem, que os

bons Espíritos se sentem felizes por encorajar. A prece que não é aceite é a do orgulhoso, que só tem fé no

seu poder e nos seus méritos, e julga ser capaz de substituir a vontade do Eterno.

15. O poder da prece está no pensamento e não depende nem das palavras, nem do lugar, nem do

momento em que é feita. Pode-se orar em qualquer lugar e a qualquer hora, sozinho ou em conjunto com

outras pessoas. A influência do lugar ou do tempo só tem relação com as circunstâncias que possam, ou

não, favorecer o recolhimento. A prece em comum tem uma ação mais poderosa, quando todos os que oram se associam de coração a

um mesmo pensamento e têm o mesmo objetivo, porque então é como se muitos pedissem juntos e ao mesmo tempo.

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Porém, de que adianta estarem reunidos em grande número, se cada um atua isoladamente e por sua própria conta? Cem pessoas reunidas podem orar como egoístas, enquanto duas ou três, ligadas por um sentimento comum, orarão como verdadeiros irmãos em Deus, e a sua prece terá mais força do que a dos outros cem. (Ver cap. XXVIII, n° 4 e 5).

Preces inteligíveis

16. Se eu ignorar o sentido das palavras, serei bárbaro para aquele a quem falo, e o que fala será bárbaro

para mim.

Porque se eu orar em língua estranha, o meu Espírito ora bem, mas o meu entendimento fica sem fruto.

E se tu bendisseres com o Espírito, como dirá Amém sobre a tua ação de graças o que ocupa o lugar de

inculto, visto que não sabe o que dizes?

Porque realmente tu dás bem as graças, mas o outro não é edificado. (S. Paulo, l Cor., XIV: 11, 14, 16-

17).

17. A prece só tem valor pelo pensamento que lhe está associado. Ora, é impossível ligar um

pensamento àquilo que não se compreende, pois o que não se compreende não pode tocar o coração.

Para a imensa maioria das pessoas, as preces numa língua desconhecida não passam de conjuntos de

palavras que nada dizem ao Espírito. Para que a prece toque o coração é necessário que cada palavra revele

uma ideia, e se ela não for entendida, nenhuma ideia poderá revelar. Podemos repeti-la como simples

fórmula, cuja virtude estará apenas no menor ou maior número de vezes que a repitam.

Muitos oram por dever, alguns, mesmo, por obediência aos costumes. Por isso julgam-se quites com o

dever, depois de terem dito uma oração um certo número de vezes e segundo determinada ordem. Porém,

Deus vê o que se passa no fundo dos corações, vê o nosso pensamento e a nossa sinceridade, e seria

rebaixá-lo considerar que poderia ser mais sensível à forma do que ao conteúdo. (Ver cap. XXVIII, n° 2).

Da prece pelos mortos e pelos Espíritos sofredores

18. A prece é implorada pelos Espíritos sofredores, e elas são-lhe proveitosas, pois ao verem que são

lembrados, sentem-se menos abandonados e menos infelizes.

Mas a prece tem sobre eles uma ação mais direta: reanima-lhes a coragem, estimula-lhes o desejo de

se elevarem, pelo arrependimento e pela reparação, e pode desviar-lhes o pensamento do mal. É nesse sentido que ela consegue não apenas aliviar, mas abreviar os seus sofrimentos. (Ver O Céu e o

Inferno, 2ª parte: Exemplos).

19. Certas pessoas não admitem a prece pelos mortos, porque de acordo com aquilo em que

acreditam, só existem duas alternativas para a alma: ser salva ou condenada às penas eternas. Quer num

quer no outro caso a prece seria inútil.

Sem discutir o valor dessa crença, admitamos por um instante a existência de penas eternas e

irremissíveis, e que as nossas preces sejam impotentes para lhes pôr termo.

Perguntamos se, mesmo nessa hipótese, é lógico, é caridoso, é cristão, recusar a prece pelos

condenados? Essas preces, por mais impotentes que sejam para os libertar, não serão para eles uma prova

de piedade que poderá minorar-lhes os sofrimentos?

Na Terra, quando uma pessoa é condenada à prisão perpétua, mesmo que não haja nenhuma esperança

de obter o perdão, é proibido a um ser caridoso auxiliá-la a carregar o peso dos seus sofrimentos?

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Quando alguém é atingido por uma doença incurável, não havendo nenhuma esperança de cura,

devemos abandoná-lo sem lhe proporcionar qualquer alívio?

Pensai que entre os condenados pode estar uma pessoa que vos foi querida, um amigo, talvez um pai,

a mãe ou um filho, e só porque, segundo julgais, essa criatura não pode ser perdoada, poderíeis recusar-

lhe um copo de água para mitigar a sede ou um bálsamo para secar as feridas? Não faríeis por ela o que

faríeis por um prisioneiro? Não lhe daríeis uma prova de amor, um consolo?

Não, isso não seria cristão. Uma crença que endurece o coração não pode conciliar-se com a crença

num Deus que coloca, como o primeiro de todos os deveres, o amor ao próximo!

Negar a eternidade das penas não implica a negação de penas temporárias, dado não ser possível que

Deus, na sua justiça, confunda o bem e o mal. Neste caso, negar a eficácia da prece seria negar a eficácia

do consolo, do encorajamento e dos bons conselhos; seria negar a força que recebemos com a assistência

moral daqueles que nos querem bem.

20. Outros fundamentam-se numa razão mais enganadora: a imutabilidade dos desígnios divinos. Deus,

dizem eles, não pode modificar as suas decisões a pedido das criaturas, pois, se assim acontecesse, nada

seria estável no mundo. Portanto, o ser humano nada tem de pedir a Deus, cabendo-lhe apenas submeter-

se e adorá-lo.

Há nesta ideia uma falsa interpretação da imutabilidade da lei divina, ou melhor, há o desconhecimento

da lei, no que se refere às penas futuras. Esta lei é revelada pelos Espíritos do Senhor, agora que o ser

humano está pronto para compreender o que, na fé, é conforme ou contrário aos atributos divinos.

De acordo com o dogma da eternidade absoluta das penas, não são tidos em conta, a favor do culpado,

nem os remorsos, nem o arrependimento. Para ele, todo o desejo de se melhorar é inútil: está condenado

a permanecer eternamente no mal.

Se fosse condenado por um determinado tempo, no fim desse tempo a pena termina. Mas quem pode

afirmar que ele terá então melhorado os seus sentimentos? Quem poderá afirmar se, como acontece com

muitos condenados da Terra, ao sair da prisão ele não será tão mau como antes?

No primeiro caso, seria manter sob castigo uma pessoa que se voltava para o bem; no segundo, seria

beneficiar aquele que continuava culpado.

A lei de Deus é mais previdente que esta: é sempre justa, equitativa e misericordiosa, não fixa nenhuma

duração para a pena, seja ela qual for. Resume-se assim:

21. O ser humano sofre sempre as consequências das suas faltas. Não há uma só infração à lei de Deus

que fique sem a respetiva punição.

A severidade do castigo é proporcional à gravidade da falta.

A duração do castigo, para qualquer falta, é indeterminada, fica subordinada ao arrependimento do

culpado e ao seu regresso ao bem.

A pena dura tanto tempo como a sua persistência no mal. Seria perpétua se a persistência o fosse, é de

curta duração se o arrependimento for rápido.

Logo que o culpado peça perdão, Deus ouve-o e dá-lhe esperança.

Contudo, o simples remorso não basta, é necessária a reparação da falta. É por isso que o culpado é

sujeito a novas provas, nas quais pode, sempre voluntariamente, fazer o bem, para reparação do mal que

praticou.

O ser humano é assim, constantemente, o árbitro da sua própria sorte. Pode abreviar o seu suplício ou

prolongá-lo indefinidamente. A sua felicidade ou infelicidade dependem da vontade que possui de fazer o

bem.

Esta é a lei, lei imutável e conforme com a bondade e a justiça de Deus.

O Espírito culpado e infeliz pode sempre salvar-se a si mesmo. A lei de Deus diz-lhe sob que condições

lhe é possível fazê-lo. O que muitas vezes lhe falta é a vontade, a força e a coragem.

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− Se, por meio das nossas preces, lhe inspiramos essa vontade;

− Se o amparamos e o encorajamos;

− Se, através dos nossos conselhos, lhe proporcionamos os conhecimentos que lhe faltam, em vez de

pedirmos a Deus que altere a sua lei, tornamo-nos os instrumentos da execução de outra lei, a lei de amor

e caridade, execução da qual Ele nos permite assim participar, dando nós mesmos uma prova de caridade.

(Ver O Céu e o Inferno, 1ª parte, caps. IV, VII e VIII).

INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS

Modo de orar

22. O primeiro dever de qualquer criatura humana, o primeiro ato que deve assinalar o início da vida

ativa de cada dia, é a prece.

Quase todos vós orais, mas são poucos os que sabem realmente orar! Não importam ao Senhor as frases

repetidas automaticamente, porque é um dever que cumpris e que, como qualquer dever, vos pesa.

A prece do cristão, do espírita, de qualquer culto que seja, deve ser feita no momento em que o Espírito

retoma o comando do corpo, e deve elevar-se aos pés da majestade Divina com humildade, do mais

profundo da alma, num sincero agradecimento por todos os benefícios recebidos até esse dia;

E ainda pela noite que passou, durante a qual lhe foi permitido, embora sem consciência disso, ir juntar-

se aos seus amigos e aos seus guias, para receber, na sua companhia, novas forças e mais perseverança.

A prece deve elevar-se humilde aos pés do Senhor, para lhe suplicar amparo, indulgência, misericórdia

e proteção para a vossa fraqueza. E deve ser profunda, porque é a vossa alma que deve elevar-se ao

Criador, e que deve transfigurar-se, como Jesus no Tabor, para chegar até Ele pura e radiosa de esperança

e de amor.

A vossa prece deve conter o pedido das graças de que tendes necessidade, mas uma necessidade real. Inútil, portanto, pedir ao Senhor que abrevie as vossas provas, que vos dê alegrias e riquezas. Pedi-lhe

antes que vos conceda os bens mais preciosos: a paciência, a resignação e a fé.

Não digais, como o fazem muitos dentre vós: "Não vale a pena orar, porque Deus não me ouve". Que pedis a Deus, na maioria das vezes? Já vos lembrastes de pedir o vosso aperfeiçoamento moral?

Oh, não, muito pouco! O que vos lembrais de pedir, sobretudo, é o sucesso para os vossos empreendimentos terrenos, e depois exclamais: "Deus não se preocupa connosco, se se preocupasse, não haveria tantas injustiças.

Insensatos, ingratos! Se mergulhásseis no fundo da vossa consciência, quase sempre ali encontraríeis,

em vós mesmos, o motivo dos males de que vos lamentais. Pedi, pois, antes de todas as coisas, o vosso

aperfeiçoamento moral, e vereis que chuva de graças e de consolações se derramará sobre vós! (Ver cap.

V, n° 4).

Deveis orar incessantemente, sem que para isso tenhais de vos retirar para o vosso oratório ou ficardes

de joelhos nas praças públicas. A prece diária é o cumprimento dos vossos deveres, dos vossos deveres

sem exceção, de qualquer natureza que sejam. É um ato de amor para com o Senhor assistirdes aos vossos

irmãos numa necessidade qualquer, moral ou física. É um ato de reconhecimento a elevação do vosso

pensamento até ele, quando uma coisa boa vos acontece, quando evitais um acidente, ou mesmo quando

uma contrariedade só vos atinge muito levemente, e dizeis mentalmente: "Sede bendito, meu Pai!”

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É um ato de contrição, quando sentis que falhastes, serdes humilde diante do Juiz Supremo, mesmo

que seja num rápido pensamento: "Perdoai-me Deus meu, pois que pequei (por orgulho, por egoísmo ou

por falta de caridade); Dai-me a força de não voltar a errar, e a coragem de reparar a minha falta".

Isto deve acontecer para além das preces habituais da manhã e da noite e dos dias consagrados, pois,

como vedes, a prece pode ser de todos os instantes, sem interromper o vosso trabalho; pelo contrário,

quando é feita assim, ela santifica-o. E acreditai que um só desses pensamentos, partindo do coração, é mais ouvido pelo vosso Pai celeste

do que as longas preces ditas por hábito, quase sempre sem um motivo imediato, e aquelas a que a hora convencional maquinalmente vos chama.

V. Monod / Bordéus, 1862

Felicidade que a prece proporciona

23. Vinde vós que desejais acreditar: os Espíritos celestes vêm de imediato anunciar-vos grandes coisas.

Meus filhos, Deus abre os seus tesouros para vos dar todos os seus benefícios.

Gente incrédula! Se soubésseis como a fé faz bem ao coração e induz a alma ao arrependimento e à

prece!

A prece! Como são tocantes as palavras que saem da boca daquele que ora!

A prece é o orvalho divino que aquieta o calor excessivo das paixões; filha primogénita da fé, leva-nos

pelo caminho que conduz a Deus. No recolhimento e na solidão, estais com Deus; para vós já não há

mistério, porque ele se desvela na vossa frente.

Apóstolos do pensamento, para vós é a vida; a vossa alma liberta-se da matéria e rola por esses mundos

infinitos e etéreos que a pobre Humanidade desconhece.

Ide, ide pelos caminhos da prece e ouvireis a voz dos Anjos! Que harmonia! Já não são os ruídos confusos

e o vozear estridente da Terra; são as liras dos arcanjos e as vozes doces e suaves dos serafins, mais leves

que as brisas da manhã quando brincam na folhagem dos vossos bosques.

Caminhais num mundo de delícias. As palavras não poderão descrever essa felicidade que vos entra

pelos poros, tão viva e refrescante é a fonte em que bebemos através da prece.

Falas serenas que a alma ouve e perfumes suaves que aspira quando se lança nas esferas desconhecidas

habitadas pela prece! Livres dos desejos da matéria, todas as aspirações são divinas.

E vós também, orai como Jesus, carregando a sua cruz do Gólgota até ao Calvário. Levai a vossa cruz e

sentireis as doces emoções que lhe passavam na alma, embora sobrecarregado com o peso do madeiro

infamante. Ia morrer, mas para viver a vida celeste, na morada de seu Pai!

Espírito “Santo Agostinho” / Paris, 1861

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CAPÍTULO XXVIII ─ PRECES ESPÍRITAS

PREÂMBULO

1. Os Espíritos sempre disseram: "A forma não é nada, o pensamento é tudo. Orai, cada um segundo

as suas convicções e o modo que mais lhe agrade, pois um bom pensamento vale mais do que muitas

palavras que não tocam o coração."

Os Espíritos não recomendam fórmulas absolutas de preces, e quando no-las dão, é para orientar as

nossas ideias e sobretudo para chamar a atenção sobre certos princípios da doutrina espírita. É também

com o fim de vir em auxílio das pessoas que sentem dificuldades em exprimir as suas ideias e que julgam

que as orações valem menos se as palavras ditas não traduzirem bem os seus sentimentos.

As preces contidas neste capítulo são uma escolha de preces ditadas pelos Espíritos. Podiam ter ditado

outras, mas pouco importam as palavras se o pensamento fundamental for o mesmo. A finalidade da prece é elevar a nossa alma a Deus. A diversidade das fórmulas não deve criar diferenças,

porque Deus aceita-as todas, se forem sinceras.

Portanto, não devemos considerar esta compilação de preces como um formulário único, mas como

uma variedade entre as instruções dadas pelos Espíritos. É uma aplicação dos princípios da moral

evangélica desenvolvidos neste livro, um complemento aos seus ensinamentos sobre os nossos deveres

para com Deus e o próximo, em que são lembrados todos os princípios do espiritismo.

O espiritismo reconhece como boas as preces de todos os cultos quando são ditas do coração. Não

impõe nem critica nenhuma. Deus é demasiado grande para rejeitar a voz que lhe implora ou que canta os

seus louvores, somente porque não o faz desta ou daquela maneira. Quem quer que lance o anátema contra as preces que não estão no seu formulário, demonstra

desconhecer a grandeza de Deus. Acreditar que Deus se limita a uma fórmula, é atribuir-lhe a pequenez e as paixões da Humanidade.

Uma das condições essenciais da prece, segundo São Paulo (Cap. XXVII, n° 16) é a de ser inteligível, para

que possa falar ao nosso Espírito. Para isso, não basta que seja proferida numa língua conhecida de quem

ora. Há preces que, embora em linguagem comum, não dizem mais à nossa inteligência do que se fossem

ditas numa língua estrangeira e que, por isso, não nos falam ao coração. As poucas ideias que encerram

são muitas vezes sufocadas pela superabundância de palavras e pelo misticismo da linguagem.

A principal qualidade da prece é ser clara, simples e concisa, sem fraseologia inútil ou excesso de

adjetivos, que são meros adornos. Cada palavra deve ter o seu sentido, dar a conhecer uma ideia,

impressionar uma fibra do nosso ser. Enfim: deve fazer refletir. E somente assim a prece pode atingir o seu

objetivo, pois, de outro modo, não passa de ruído. Veja-se com que ar distraído e volúvel são proferidas,

na maioria das vezes. Percebemos que os lábios se movem mas, pela expressão da fisionomia e pela própria

voz, percebe-se que é um ato maquinal, puramente exterior, ao qual a alma fica indiferente.

As preces aqui reunidas dividem-se em cinco categorias:

1º/ Preces gerais; 2º/ Preces pessoais; 3º/ Preces pelos outros; 4º/ Preces pelos mortos; 5º/ Preces

especiais pelos doentes e obsidiados. Com o fim de chamar a atenção para o objetivo de cada prece, e fazer compreender melhor o seu

sentido, são todas precedidas de uma instrução preliminar, espécie de exposição dos motivos, intitulada prefácio.

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PRECES GERAIS

Oração dominical

2. Prefácio

Os Espíritos recomendaram que colocássemos a Oração Dominical a iniciar esta compilação não

somente como prece, mas também como símbolo. De todas as preces, é a que eles colocam em primeiro

lugar, quer porque nos vem do próprio Jesus (Mateus, 6:9-13), quer porque pode substituir todas as outras,

conforme o pensamento que se lhe associe.

É o mais perfeito modelo de concisão, verdadeira obra-prima de sublimidade na sua simplicidade. Com

efeito, sob a forma mais simples, resume todos os deveres dos seres humanos para com Deus, para consigo

mesmo e para com o próximo. Encerra uma profissão de fé, um ato de adoração e submissão, o pedido das

coisas necessárias à vida terrena e o princípio da caridade.

Dizê-la em intenção de alguém, é pedir para esse alguém o que desejamos para nós mesmos.

No entanto, exatamente devido à sua concisão, o profundo sentido que se encerra nas poucas palavras

que a compõem escapa à maioria das pessoas, porque geralmente a pronunciam sem analisar o sentido de

cada uma das suas frases. Repetem-na como uma fórmula, cuja eficácia é proporcional ao número de vezes

que é repetida. Esse número é quase sempre cabalístico, três, sete ou nove, devido à antiga crença

supersticiosa no poder dos números e do seu uso nas práticas de magia.

Para preencher o vazio que a concisão desta prece deixa na mente, de acordo com o conselho e com a

assistência dos bons Espíritos, juntámos a cada uma das suas proposições um comentário que lhe

desenvolve o sentido e mostra as aplicações.

Conforme as circunstâncias e o tempo disponível, pode-se dizer a Oração Dominical na sua forma

simples ou desenvolvida.

3. Prece

I – Pai-nosso que estais no Céu santificado seja o vosso nome Cremos em vós, Senhor, porque tudo nos revela o vosso poder e a vossa bondade. A harmonia do

Universo dá testemunho de uma sabedoria, de uma prudência e de uma previdência que ultrapassam todas as faculdades humanas. O nome de um ser soberanamente grande e sábio está inscrito em todas as obras da criação, desde a humilde ervinha ao pequenino inseto, até aos astros que se movem no espaço. Por toda a parte vemos a prova de um cuidado paternal. Por isso, só pode ser cego aquele que não vos reconhece nas vossas obras, orgulhoso aquele que não vos glorifica e ingrato aquele que não vos rende graças.

II – Venha a nós o vosso Reino

Senhor, destes aos seres humanos leis cheias de sabedoria, que lhes dariam a felicidade se eles as

cumprissem. Com essas leis fariam reinar entre si a paz e a justiça e poderiam ajudar-se mutuamente, em

vez de se maltratarem, como o fazem. O forte ampararia o fraco, em vez de o esmagar. Seriam evitados os

males que nascem dos abusos e dos excessos de toda a espécie. Todas as desgraças deste mundo resultam

da violação das vossas leis, porque não há uma única infração que não tenha consequências fatais.

Destes aos animais o instinto que lhes traça os limites do necessário, e eles conformam-se com isso,

maquinalmente. Aos seres humanos, além do instinto, destes a inteligência e a razão. Destes-lhe ainda a

liberdade de cumprir ou violar as leis que pessoalmente lhes dizem respeito, ou seja, a faculdade de

escolher entre o bem e o mal, para que tenham o mérito e a responsabilidade dos seus atos.

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Ninguém pode usar como pretexto a ignorância das vossas leis porque, na vossa paternal previdência,

quisestes que elas fossem gravadas na consciência de cada um, sem distinção de cultos ou de

nacionalidades. Assim, aqueles que as violam é porque vos ignoram. Um dia virá em que, segundo a vossa promessa, todos as praticarão. Então, a incredulidade terá

desaparecido, todos vos reconhecerão como o soberano Senhor de todas as coisas e a vigência das vossas

leis estabelecerá o vosso reino na Terra.

Dignai-vos, Senhor, apressar a sua vinda, dando aos humanos a luz necessária que os conduza ao

caminho da verdade.

III – Seja feita a vossa vontade assim na terra como no céu

Se a obediência é um dever do filho para com o pai, do inferior para com o superior, muito maior deve

ser o da criatura para com o seu criador. Fazer a vossa vontade, Senhor, é cumprir as vossas leis e ser

humilde perante os vossos decretos divinos, ser dócil ao compreender que sois a fonte de toda a sabedoria

e que, sem vós, nada podemos. Faremos então a vossa vontade na Terra, como os eleitos a fazem no Céu.

IV – O pão nosso de cada dia nos dai hoje

Dai-nos o alimento necessário à manutenção das forças físicas; dai-nos também o alimento espiritual,

para o desenvolvimento do nosso Espírito.

Os animais encontram o seu alimento, mas o ser humano deve-o à sua própria atividade e aos recursos

da sua inteligência, porque o criastes livre.

Vós lhe dissestes: "Tirarás da terra o alimento com o suor do teu rosto", e com isto fizestes do trabalho

uma obrigação, que o leva a exercitar a sua inteligência na procura dos meios de prover às suas

necessidades e ao seu bem-estar, uns pelo trabalho material, outros pelo trabalho intelectual. Sem o

trabalho não conseguiria evoluir e não poderia aspirar à felicidade dos Espíritos Superiores.

Ajudais as pessoas de boa vontade, que em vós confiam para o necessário, mas não às que se entregam

ao ócio e gostariam de obter tudo sem esforço, nem às que procuram o supérfluo. (Cap. XXV).

Quantas há que sucumbem pela sua própria culpa, pela sua negligência, pela sua falta de cuidado ou

pela sua ambição, e por não terem querido contentar-se com o que lhes destes! Essas são artífices do seu

próprio infortúnio e não têm o direito de se queixar, pois são responsáveis pelos erros que cometeram.

Mas nem sequer essas abandonais, porque sois infinitamente misericordioso e estendeis-lhes a mão para

as socorrer, desde que, como o filho pródigo, voltem sinceramente para vós. (Cap. V, n° 4).

Antes de nos queixarmos da nossa sorte, vejamos se não terá sido obra nossa; a cada infelicidade que nos atinge, perguntemos se não poderíamos tê-la evitado; e, se Deus nos deu a

inteligência para sair das dificuldades, depende de nós aplicá-la bem. Uma vez que nós, na Terra, estamos sujeitos à lei do trabalho, dai-nos a coragem e a força de a cumprir.

Dai-nos também a prudência, a previdência e a moderação, para não perdermos os seus frutos.

Dai-nos pois, Senhor, o pão nosso de cada dia, isto é, os meios de adquirir, pelo trabalho, as coisas

necessárias à vida, pois ninguém tem o direito de reclamar o supérfluo.

Se estivermos impossibilitados de trabalhar, confiamo-nos à vossa divina providência.

Se estiver nos vossos desígnios testar-nos com as mais duras privações, apesar dos nossos esforços,

aceitamo-las como uma justa expiação das faltas que tenhamos cometido nesta existência ou noutra

anterior, porque sabemos que sois justo, e que não há penas imerecidas, pois nunca castigais sem causa.

Defendei-nos, meu Deus, de invejar os que têm aquilo que não temos, ou mesmo os que dispõem do

supérfluo, quando nos falta o necessário. Perdoai-lhes, se esquecem a lei da caridade e do amor ao

próximo, que lhes ensinastes. (Cap. XVI, nº 8).

Afastai também do nosso Espírito a ideia de negar a vossa justiça, ao ver a prosperidade do mau e a

desgraça que cai às vezes sobre a pessoa de bem.

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Sabemos agora, graças aos novos conhecimentos que quisestes dar-nos, que a vossa justiça

sempre se cumpre, não fazendo qualquer exceção; que a prosperidade material do mau é tão efémera como a sua existência corporal, que ele passará por grandes penas, enquanto a alegria do que sofre com resignação será eterna. (Cap. V, nºs 7, 9, 12 e 18).

V – Perdoai as nossas ofensas assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido.

Cada uma das nossas infrações às vossas leis, Senhor, é uma ofensa que vos fazemos, e uma dívida que

contraímos, que mais cedo ou mais tarde teremos de pagar. Pedimos, pela vossa infinita misericórdia, que

no-la perdoes, sob a promessa de fazermos todos os esforços para não contrair outras.

Fizestes da caridade, para todos nós, uma lei imperativa; mas caridade não consiste unicamente em

ajudarmos os nossos semelhantes nas suas necessidades, consiste também no esquecimento e no perdão

das ofensas. Como poderíamos implorar a vossa indulgência, se faltássemos com ela para aqueles de quem

temos motivos de queixa?

Dai-nos, meu Deus, a força para apagar na nossa alma qualquer ressentimento, qualquer ódio e

qualquer rancor. Fazei com que a morte não nos surpreenda com qualquer desejo de vingança no coração.

Se for da vossa vontade retirar-nos hoje mesmo deste mundo, fazei com que possamos apresentar-nos

perante vós limpos de qualquer animosidade, a exemplo de Jesus, cujas últimas palavras foram em favor

dos seus algozes. (Cap. X).

As perseguições que os maus nos fazem sofrer são parte das nossas provas terrenas; devemos aceitá-

las sem queixumes, como todas as outras provas, sem maldizer os que, com as suas perversidades, nos

abrem o caminho da felicidade eterna, pois vós nos dissestes pelas palavras de Jesus: “Bem-aventurados

os que sofrem pela justiça.”

Abençoemos, pois, a mão que nos bate e nos humilha, porque as dores no corpo fortificam-nos a alma,

e seremos exaltados pela nossa humildade. (Cap. XII, nº 4).

Bendito seja o vosso nome, Senhor, porque nos ensinastes que a nossa sorte não está irrevogavelmente

fixada depois da morte, que encontraremos, noutras existências, os meios de resgatar e reparar as nossas

faltas passadas e de realizar numa nova existência aquilo que nesta não pudemos fazer, para o nosso

progresso.(Cap. IV; cap. V, n° 5).

Assim se explicam todas as aparentes anomalias da vida; é a luz projetada sobre o nosso passado e

sobre o nosso futuro, o sinal resplandecente da Vossa justiça soberana e da Vossa infinita bondade

VI - Não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal 8

Dai-nos, Senhor, forças para resistir às sugestões dos maus Espíritos, que tentam desviar-nos do

caminho do bem, inspirando-nos maus pensamentos.

Porém, nós mesmos somos Espíritos imperfeitos, encarnados na Terra para expiar as nossas faltas e nos

melhorarmos. A causa do mal está em nós mesmos, e os maus Espíritos apenas se aproveitam das nossas

tendências negativas, nas quais nos vão mantendo, para nos tentarem. Cada imperfeição é uma porta

aberta às suas influências, ao passo que são impotentes e renunciam a qualquer tentativa contra os seres

perfeitos. Tudo o que possamos fazer para afastá-los será inútil, se não lhes opusermos uma vontade

inquebrantável de permanecer no bem, e uma absoluta renúncia ao mal. É, pois, contra nós mesmos que

devemos dirigir os nossos esforços, e então os maus Espíritos afastar-se-ão naturalmente, porque é o mal

que os atrai, enquanto o bem os repele. (Ver adiante: Preces pelos obsidiados).

8

Nota de Allan Kardec: Algumas traduções dizem: Não nos induzas à tentação (et ne nos inducas in tentationem). Essa expressão daria a entender que a tentação vem de Deus, que Ele, voluntariamente, impele os homens ao mal, ideia blasfema que igualaria Deus a satanás e que, portanto, não poderia estar na mente de Jesus. É, aliás, conforme à doutrina vulgar sobre o papel dos demónios. (Veja-se: O céu e o inferno, 1ª Parte, cap. IX, Os demónios).

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Senhor, amparai-nos na nossa fraqueza, inspirai-nos, pela voz dos nossos Anjos da Guarda e dos bons

Espíritos, a vontade de corrigirmos as nossas imperfeições, para impedirmos o acesso dos Espíritos impuros

à nossa alma. (Ver adiante: n° 11).

O mal não é obra vossa, Senhor, porque a fonte de todo o bem não pode gerar mal algum. Somos nós

mesmos que o criamos, ao infringir as vossas leis, e pelo mau uso que fazemos da liberdade que nos

concedestes. Quando os seres humanos cumprirem as Vossas leis, o mal desaparecerá da Terra, como já

desapareceu dos mundos mais adiantados.

O mal não é uma necessidade fatal para ninguém e só parece irresistível para os que se lhe entregam

com satisfação. Se temos vontade de o fazer, também poderemos ter a vontade de fazer o bem. Por isso,

meu Deus, pedimos a vossa assistência e a dos bons Espíritos, para resistir à tentação.

VII – Ámen!... (Assim seja!... )

Que vos agrade, Senhor, que os nossos desejos se realizem, mas inclinamo-nos diante da vossa infinita

sabedoria. Que seja feita a Vossa santa vontade e não a nossa em todas as coisas que não conseguimos

compreender, porque vós só quereis o nosso bem e sabeis melhor do que nós o que nos é útil.

Meu Deus, nós vos dirigimos esta prece por nós mesmos, mas também por todas as almas sofredoras,

encarnadas ou desencarnadas, pelos nossos amigos e pelos nossos inimigos, por todos os que necessitam

da nossa assistência, e em especial por…………...

Pedimos para todos a vossa misericórdia e a Vossa bênção.

(Nota: Aqui podem ser feitos os agradecimentos a Deus, e formulados os pedidos que se queiram, para

nós mesmo ou para os outros. – Ver adiante: preces nºs 26 e 27).

Reuniões Espíritas

4. Onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, aí estou eu no meio deles. (Mateus, 18: 20).

5. Prefácio

Para “estar reunido em nome de Jesus” não basta que as pessoas estejam fisicamente juntas, é

necessário que o estejam também espiritualmente, pela comunhão de intenções e de pensamentos

voltados para o bem. Só então Jesus, ou os Espíritos puros que o representam, estarão presentes na

reunião.

O Espiritismo ensina-nos como podem estar entre nós os Espíritos. Estão presentes com o seu corpo

fluídico/energético ou espiritual, e com a aparência que nos permitiria reconhecê-los se se tornassem

visíveis. Quanto mais elevados estiverem na hierarquia espiritual, tanto maior é o seu poder de irradiação.

É assim que possuem o dom da ubiquidade pelo qual podem estar simultaneamente em vários lugares:

basta para isso a energia do seu pensamento. Com estas palavras, Jesus quis mostrar o efeito da união e da fraternidade. Não é o maior ou menor

número de pessoas que atrai os Espíritos, mas o sentimento de caridade que as anima reciprocamente.

Para isso basta que sejam duas pessoas. Porém, se essas duas orarem cada uma para seu lado, mesmo

que se dirijam a Jesus, não há entre elas comunhão de pensamentos.

Se se vêem com maus olhos, com ódio, inveja ou ciúme, as correntes fluídicas dos seus pensamentos

repelem-se, em vez de se unirem por um impulso comum de simpatia. Nesse caso não estão reunidas em

nome de Jesus, que é apenas o pretexto da reunião e não o seu verdadeiro motivo. (Cap. XXVII, n° 9). Isso não quer dizer que Jesus não ouça uma pessoa individualmente. Jesus valoriza acima de tudo o amor ao próximo, do qual se podem dar mais provas quando estão várias

pessoas sinceramente reunidas. Num grupo, se somente duas ou três pessoas estiverem unidas num sentimento de verdadeira caridade, e outras permanecem isoladas em pensamentos egoístas, Jesus estará

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com as que estão unidas e não com as outras. Não são as mesmas palavras, os cânticos ou atos exteriores, que constituem a reunião em nome de Jesus, mas a comunhão de pensamentos, de acordo com o espírito da caridade. (Caps. X: n° 7 e 8: e XXVII: 2 a 4).

Assim deve ser a natureza das reuniões espíritas sérias, em que sinceramente se deseja a colaboração

dos Bons Espíritos

6. Prece (para o começo da reunião)

Pedimos ao Senhor Deus todo-poderoso que nos envie bons Espíritos que nos ajudem, que afaste

aqueles que conduzem ao erro, e nos dê a luz para distinguir a verdade da mentira. Pedimos que a ajuda

de Espíritos bem intencionados, encarnados ou desencarnados, que enriqueçam a nossa união a caridade

e do amor ao próximo. Afastai de nós todas as influências menos boas.

Bons Espíritos, que vêm ensinar-nos, dai-nos os vossos bons conselhos, livrai-nos de maus

pensamentos; inspirai-nos o perdão e a bondade para com os nossos semelhantes, amigos ou não; fazei-

nos receber as vossas boas influências. Dai aos nossos médiuns a consciência da santidade que lhes foi confiada, a fé e o recolhimento

necessários para realizarem a sua tarefa. Abri a disposição de todos os presentes aos melhores sentimentos do bem e da luz e perdoai-nos todas

as nossas fraquezas. Pedimos especialmente ao Espírito de…………....., nosso guia espiritual, para nos assistir e velar por nós.

7. Prece (para o fim da reunião).

Agradecemos aos bons Espíritos que estiveram entre nós que nos ajudem a pôr em prática as instruções

que nos deram e nos dêem força e fé na prática do bem e do amor ao próximo.

Desejamos igualmente que estas instruções sejam proveitosas para os Espíritos sofredores, ou menos bem formados que assistiram a esta reunião, e para os quais imploramos a misericórdia de Deus.

Pelos médiuns

8. E nos últimos dias acontecerá, diz Deus, que do meu Espírito derramarei sobre toda a carne; e os

vossos filhos e as vossas filhas profetizarão, os vossos jovens terão visões, e os vossos velhos sonharão

sonhos; e também do meu Espírito derramarei sobre os meus servos e minhas servas, naqueles dias, e

profetizarão;(Joel, 2:28)

Estes homens não estão embriagados, como vós pensais, sendo esta a terceira hora do dia. Mas isto é o

que foi dito pelo profeta Joel: “E nos últimos dias acontecerá, diz Deus, que do meu Espírito derramarei

sobre toda a carne; e os vossos filhos e as vossas filhas profetizarão, os vossos jovens terão visões, e os

vossos velhos sonharão sonhos; e também do meu Espírito derramarei sobre os meus servos e minhas

servas, naqueles dias, e profetizarão; (Atos, II: 15-18).

9. Prefácio

Quis o Senhor que se fizesse luz para todos os seres humanos, e que ela penetrasse por toda a parte,

pela voz dos Espíritos, para que todos pudessem obter a prova da imortalidade.

É com este objetivo que os Espíritos se manifestam hoje por toda a Terra e que a mediunidade,

revelando-se entre as pessoas de todas as idades e de todas as condições, entre homens e mulheres,

crianças e velhos, constitui um sinal de que estão chegados os tempos anunciados por Jesus.

Para conhecer as coisas do mundo visível e descobrir os segredos da natureza material, Deus deu-nos a

vista e os outros sentidos, e o conhecimento científico para poder estudar as profundezas do espaço e o

mundo das coisas infinitamente pequenas. Para recebermos o conhecimento dos Espíritos, deu-nos a

mediunidade.

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Os médiuns são os intérpretes encarregados de nos transmitirem os ensinamentos dos Espíritos. A sua

missão é sagrada, porque tem por fim abrir-nos os horizontes da vida eterna.

Os Espíritos vêm instruir-nos sobre o destino futuro, os caminhos do bem e todo o trabalho material

que devemos fazer neste mundo para a nossa evolução progressiva, sem favorecer ambições e cobiças.

Os médiuns devem compenetrar-se bem disto, para não fazerem mau uso das suas faculdades. Quem

compreende a importância do mandato de que se acha investido, cumpre-o religiosamente. A sua

consciência condená-lo-ia se transformasse em divertimento e distração, para si mesmo ou para os outros,

as faculdades que lhe foram dadas com uma finalidade tão séria, e que o põe em relação com os seres de

além-túmulo.

Como intérpretes dos ensinamentos dos Espíritos, os médiuns devem desempenhar um papel

importante na transformação moral que está a acontecer no nosso planeta. Os serviços que podem prestar

estão na razão da boa orientação que dão às suas faculdades, pois os que seguem o mau caminho são mais

nocivos do que úteis à causa do Espiritismo: pelas más impressões e atrasos que produzem.

O médium que quer continuar a receber a assistência dos bons Espíritos, deve trabalhar para o seu

próprio aperfeiçoamento. O que deseja que a sua faculdade cresça e se desenvolva, deve evoluir

moralmente abstendo-se de tudo o que possa desviá-lo da sua finalidade providencial.

Se os bons Espíritos às vezes se utilizam de instrumentos imperfeitos, é para lhes dar bons conselhos e

procurar encaminhá-los para o bem; mas se encontram corações endurecidos, e se os seus conselhos não

são ouvidos retiram-se, e os maus têm então o caminho livre. (Cap. XXIV, nºs 11 e 12). A experiência prova que, entre os que não tiram bom proveito dos conselhos que recebem dos bons

Espíritos, as comunicações, depois de terem algum brilho durante um certo tempo, degeneram pouco a pouco e acabam por cair no erro, no palavreado vazio e no ridículo, sinal evidente do afastamento dos bons Espíritos.

Obter a assistência dos bons Espíritos, afastar os Espíritos superficiais e mentirosos, deve ser o objetivo

dos esforços constantes de todos os médiuns sérios. Sem isso, a mediunidade é uma faculdade inútil, que

pode mesmo redundar em prejuízo daquele que a possui, pois pode transformar-se em obsessão perigosa.

O médium que compreende o seu dever, em vez de se orgulhar de uma faculdade que não lhe pertence,

visto que pode ser retirada, atribui a Deus as coisas boas que obtém. Se as suas comunicações merecem

elogios, ele não se envaidece com isso, por saber que não dependem do seu mérito pessoal, e agradece a

Deus ter permitido que os bons Espíritos se manifestassem por seu intermédio.

Se as comunicações dão motivo a críticas, não se ofende por isso, pois sabe que elas não são obra do

seu próprio Espírito. Pelo contrário, reconhece que não foi um bom instrumento e que não possui todas as

qualidades necessárias para se opor à intervenção dos maus Espíritos. Assim, procura adquirir essas

qualidades, e pede, pela prece, a força que lhe falta.

10. Prece

Deus Todo-poderoso, permiti que os bons Espíritos me assistam na comunicação que solicito.

Protegei-me da vaidade de julgar que estou protegido contra os maus Espíritos, do orgulho que me

induza em erro sobre o valor do que consigo obter, de qualquer sentimento contrário à caridade para com

os outros médiuns.

Se cair em erro, inspirai alguém com a ideia de me avisar, e a mim a humildade de aceitar a crítica com

reconhecimento, e tomar para mim, e não para os outros, os conselhos que os bons Espíritos queiram dar-

me. Se for tentado a abusar, seja no que for, ou a envaidecer-me pela faculdade que quisestes conceder-

me, peço-vos que ma retireis, de preferência a permitires que ela seja desviada do seu objetivo providencial, que é o bem de todos e o meu próprio aperfeiçoamento moral.

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II. PRECES PESSOAIS

Aos Anjos da guarda e aos Espíritos protetores

11. Prefácio

Todos temos junto de nós, desde o nascimento, um Espírito bom que nos tomou sob a sua proteção.

Desempenha a missão de um pai para com o seu filho: a de nos conduzir no caminho do bem e do

progresso, através das provações da vida.

Sente-se feliz se correspondemos aos seus cuidados e sofre quando fracassamos. O seu nome pouco

importa, pois pode ter um nome que não é conhecido na Terra. Podemos chamar-lhe o nosso Anjo da

guarda, o nosso Espírito bom. Podemos dar-lhe o nome de um Espírito superior que nos inspire uma

simpatia especial.

Além do Anjo da guarda, que é sempre um Espírito superior, temos Espíritos protetores que, ainda que

menos elevados, também são bons e generosos. São Espíritos de parentes, amigos ou de pessoas que não

conhecemos na nossa existência atual. Ajudam-nos com os seus conselhos e intervêm frequentemente na

nossa vida.

Os Espíritos simpáticos são os que se ligam a nós por alguma semelhança de gostos e tendências. Podem

ser bons ou maus, conforme a natureza das nossas inclinações que os atraem.

Os Espíritos sedutores esforçam-se por nos desviar do caminho do bem, sugerindo-nos maus

pensamentos. Aproveitam-se de todas as nossas fraquezas, como se fossem portas abertas, que lhes dão

acesso à nossa alma. Alguns agarram-se a nós como uma fera à sua presa, mas afastam-se quando

reconhecem a sua impotência para lutar contra a nossa vontade.

O guia principal e superior que Deus nos deu é o nosso Anjo da guarda; os guias secundários são os

espíritos protetores e familiares.

Não temos forçosamente um mau génio junto a nós, para contrabalançar as boas influências. Os maus

Espíritos procuram-nos voluntariamente, quando acham possível dominar-nos, devido à nossa fraqueza ou

à nossa negligência em seguir as inspirações dos bons Espíritos. Somos nós, portanto, que os atraímos.

Podemos concluir daqui que nunca estamos privados da assistência dos bons Espíritos e que depende de

nós afastar os maus.

Pelas suas imperfeições, o ser humano é a principal causa dos sofrimentos que o afligem, sendo quase

sempre o seu próprio Espírito mau. (Cap. V n° 4).

A prece aos Anjos da guarda e aos Espíritos protetores deve ter por objetivo pedir a sua intervenção

junto de Deus, pedir-lhes força para resistir às más sugestões e a sua assistência nas necessidades da vida.

12. PRECE

Espíritos sábios e benevolentes, mensageiros de Deus cuja missão é auxiliar os homens e conduzi-los

ao bem, amparai-me nas provas desta vida.

Dai-me força para as sofrer sem queixumes, desviai de mim os maus pensamentos e fazei com que não

permita a aproximação dos maus Espíritos que possam levar-me ao mal.

Ajudai-me a conhecer os meus defeitos e tirai-me dos olhos o véu do orgulho, que poderia impedir-me

de percebê-los e de confessá-los a mim mesmo.

Vós, meu Anjo da guarda, que velais por mim de uma forma especial, e vós todos, Espíritos protetores,

que vos preocupais comigo, fazei com que eu seja digno da vossa benevolência. Conheceis as minhas

necessidades, fazei com que elas sejam atendidas segundo a vontade de Deus.

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13. PRECE (outra)

Meu Deus, permiti que os bons Espíritos que me rodeiam, venham em meu auxílio quando eu estiver

em aflição, e me amparem se eu vacilar. Fazei, Senhor, que eles me inspirem a fé, a esperança e a caridade.

Que sejam para mim um apoio, uma esperança e uma prova da Vossa misericórdia. Fazei, enfim, que

eu encontre junto deles a força que me falta nas provas da vida e, para resistir às tentações do mal, a fé

que salva e o amor que consola.

14. PRECE (outra)

Espíritos bem-amados, Anjos da guarda, vós a quem Deus, na sua infinita misericórdia, permite velarem

por nós, sede nossos protetores nas provas desta vida. Dai-nos a força, a coragem e a resignação. Inspirai-

nos tudo o que é bom, segurai-nos à beira do abismo do mal. Que a vossa doce influência preencha a nossa

alma. Fazei-nos sentir que junto de nós está sempre um amigo dedicado, que vê os nossos sofrimentos e

partilha as nossas alegrias. E vós, meu Anjo bom, nunca me abandoneis. Preciso de toda a vossa proteção,

para suportar com fé e amor as provas que Deus entender enviar- me.

Para afastar os maus Espíritos

15. Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Pois que limpais o exterior do copo e do prato, mas o interior

está cheio de rapina e de iniquidade. Fariseu cego! Limpa primeiro o interior do copo e do prato, para que

também o exterior fique limpo. Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Pois que sois semelhantes aos

sepulcros caiados, que por fora realmente parecem formosos, mas interiormente estão cheios de ossos de

mortos e de toda a imundície. Assim também vós, exteriormente pareceis justos aos homens, mas

interiormente estais cheios de hipocrisia e de iniquidade. (Mateus, 23: 25-28).

16. Prefácio

Os maus Espíritos só vão onde podem satisfazer a sua perversidade. Para os afastar, não é suficiente

pedir, nem mesmo ordenar que se retirem, é necessário eliminar em nós aquilo que os atrai.

Os Espíritos maus pressentem as chagas da alma, como as moscas pressentem as do corpo. Assim, como

limpais o corpo para evitar os parasitas, limpai também a alma das suas impurezas para evitar os maus

Espíritos. Como vivemos num mundo onde eles abundam, nem sempre as boas qualidades do coração nos livram

das suas tentações, mas dão-nos a força necessária para lhes resistir.

17. PRECE

Em nome de Deus Todo-poderoso, que os maus Espíritos se afastem de mim, e que os bons me protejam

contra eles! Espíritos maléficos, que inspirais os maus pensamentos aos seres humanos, Espíritos

traiçoeiros e mentirosos que os enganais, Espíritos trocistas que vos divertis com a sua credulidade,

expulso-vos com todas as forças da minha alma e fecho os meus ouvidos às vossas sugestões, mas peço

para vós a misericórdia de Deus.

Bons Espíritos, que vos dignais assistir-me, dai-me forças para resistir à influência dos maus Espíritos e

o entendimento necessário para não ser enganado pelas suas maldades. Livrai-me do orgulho e da vaidade,

afastai do meu coração o ciúme, o ódio, a maldade, e todos os sentimentos contrários à caridade, que são

outras tantas portas abertas ao Espírito do mal.

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Para corrigir um defeito

18. Prefácio

Os nossos maus instintos resultam da imperfeição do nosso próprio Espírito, e não do nosso

organismo físico. Se assim não fosse, o ser humano estaria isento de toda e qualquer responsabilidade. A

nossa evolução depende de nós, visto que qualquer pessoa que está no pleno gozo das suas faculdades

tem, em relação a todas as coisas, a liberdade de as fazer ou não fazer. Para fazer o bem, só precisa da

vontade. (Cap. XV, nº 10 e XIX, nº 12).

19. PRECE

Destes-me, meu Deus, a inteligência necessária para distinguir o bem do mal. Assim, ao reconhecer que

uma coisa é má, sou culpado se não me esforçar para lhe resistir.

Protegei-me do orgulho que poderia impedir-me de ver os meus defeitos, e protegei-me também dos

maus Espíritos, que poderiam induzir-me a persistir neles. Entre as minhas imperfeições, reconheço que

sou especialmente inclinado a……………….. , e se não resisto a esta tendência, é por causa do hábito que já

adquiri de lhe ceder.

Sendo justo, meu Deus, não me criastes culpado, mas com igual aptidão para o bem e para o mal. Se

preferi o mau caminho, foi por efeito do meu livre-arbítrio. Pela mesma razão que tive a liberdade de fazer

o mal, tenho também a de fazer o bem e de mudar de caminho.

Os meus defeitos são o resto das imperfeições que conservei das minhas existências anteriores. Posso

livrar-me deles pela minha vontade, com a ajuda dos bons Espíritos.

Bons Espíritos que me protegeis, sobretudo vós, meu Anjo da guarda, dai-me a força de resistir às

tentações e de sair vitorioso da luta. Os defeitos são as barreiras que nos separam de Deus, e cada defeito

vencido é um passo que damos no caminho do progresso que irá aproximar-nos dele. O Senhor, na sua

infinita misericórdia, dignou-se conceder-me a existência atual, para que ela sirva ao meu

aperfeiçoamento.

Bons Espíritos, ajudai-me a aproveitá-la, para que não seja perdida e que, quando o Senhor entender

retirar-ma, eu possa sair melhor do que entrei. (Caps. V, nº 5 e XVII, nº 3).

Para resistir a uma tentação

20. Prefácio

Os maus pensamentos podem ter duas origens: a própria imperfeição da nossa alma ou uma influência

negativa que age sobre ela. Neste último caso, é sempre indício de uma fraqueza que nos expõe a essas

influências e, portanto, de uma alma imperfeita. De tal modo que, aquele que fracassa, não poderá

desculpar-se com a influência de um Espírito estranho, já que esse Espírito não o teria arrastado ao mal se

o encontrasse inacessível à sedução.

Quando nos surge um mau pensamento, podemos imaginar um Espírito maléfico que nos atrai para o

mal, mas a cuja atração somos inteiramente livres de ceder ou resistir, como se se tratasse de solicitações

de uma pessoa viva. Podemos, ao mesmo tempo, imaginar o nosso Anjo da guarda ou um Espírito protetor

que combatem em nós essa influência má e espera com ansiedade a decisão que vamos tomar. A nossa

hesitação em fazer o mal é devida à voz do Espírito bom, que se faz ouvir pela nossa consciência. Podemos reconhecer um pensamento é mau quando se afasta da caridade, que constitui a base de toda

a verdadeira moral, se tem por princípio o orgulho, a vaidade e o egoísmo e se a sua realização pode causar qualquer prejuízo a outra pessoa. E também se nos estimula a fazer aos outros o que não quereríamos que os outros nos fizessem. (Caps. XXVIII, nº 15 e XV, nº 10)..

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21. PRECE

Deus Todo-poderoso, não deixeis que eu seja vencido pela tentação de fazer o que é errado! Espíritos

benevolentes que me protegeis, desviai de mim este mau pensamento, e dai-me força para resistir ao mal. Se fraquejar, devo expiar a minha falta nesta vida e na outra, porque tenho a liberdade de escolher.

Graças por uma vitória sobre a tentação

22. Prefácio Aquele que resistiu a uma tentação, deve-o à assistência dos bons Espíritos, a cuja voz atendeu. Deve,

portanto, agradecer a Deus e ao seu Anjo da guarda.

23. Prece

Meu Deus, obrigado por me ter sido permitido vencer a luta que tive de travar contra o mal. Fazei com

que esta vitória me dê a força para resistir a novas tentações.

E a vós, meu Anjo da guarda, obrigado pela assistência que me destes. Que a minha obediência aos

vossos conselhos possa merecer novamente a vossa proteção!

Para pedir um conselho

24. Prefácio

Quando estamos indecisos de fazer ou não fazer certa coisa, devemos perguntar a nós mesmos:

1º) Posso causar algum prejuízo?

2º) Pode ser útil a alguém?

3°) Se alguém fizesse o mesmo em relação a mim, ficaria satisfeito? Se a questão só nos interessa a nós, convém que se avalie a soma de vantagens e dos inconvenientes

pessoais que daí podem resultar.

Se interessa a outros, e se fazendo bem a alguém pode resultar mal para outros, convém igualmente

pesar a soma do bem e do mal para se abster ou agir.

Mesmo para as melhores coisas é necessário considerar a oportunidade e as circunstâncias em causa,

pois mesmo uma coisa boa pode dar maus resultados se não for conduzida com prudência e moderação.

Antes de agir convém avaliar as nossas forças e a maneira de atuar. Em qualquer caso, pode sempre

solicitar-se a ajuda dos Espíritos protetores, lembrando estas sábias palavras: “na dúvida, abstém-te”. (Cap.

XXVIII, n°38).

25. Prece

Em nome de Deus Todo-poderoso, bons Espíritos que me protegeis, inspirai-me a melhor resolução a

tomar, na incerteza em que estou. Dirigi o meu pensamento para o bem e desviai a influência dos que

tentarem influenciar-me.

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Nas aflições da vida

26. Prefácio

Podemos pedir a Deus benefícios de ordem material, e ele pode concedê-los, desde que tenham uma

finalidade útil e séria. Porém, como nós julgamos a utilidade das coisas segundo o nosso ponto de vista, e

como o nosso ponto de vista é limitado ao presente, nem sempre vemos o lado mau daquilo que

solicitamos. Deus, que vê melhor do que nós, e só quer o nosso bem, pode recusar-nos o que pedimos,

como um pai recusa ao filho aquilo que poderia prejudicá-lo. Se aquilo que pedimos não nos é concedido,

não devemos desencorajar-nos por isso. Pelo contrário, é preciso pensar que a privação do que desejamos

nos é imposta como prova ou como expiação e que a nossa recompensa será proporcional à resignação

com que a tivermos suportado (Cap. XXVIl nº 6 e Cap. II, nºs 5, 6 e 7).

27. Prece

Deus Todo-poderoso, que vedes as nossas tristezas, dignai-vos ouvir favoravelmente o pedido que vos

dirijo neste momento. Se ele for inconveniente, perdoai-me. Se for justo e útil aos vossos olhos, que os

bons Espíritos, que cumprem a vossa vontade, venham ajudar-me na sua realização.

Aconteça o que acontecer, que seja feita a Vossa vontade, meu Deus. Se os meus desejos não forem

atendidos, é porque está nos vossos desígnios fazer-me passar por essa prova, e submeto-me sem

queixumes. Fazei com que eu não perca a coragem, e que nem a minha fé nem a minha resignação sejam

abaladas. (Formular o pedido).

Graças por um favor obtido 28. Prefácio

É inecessário considerarmos felizes mesmo os acontecimentos muito simples. São muitas vezes os que

mais influenciam o nosso destino.

O ser humano esquece facilmente o bem e lembra-se mais daquilo que o aflige. Se registássemos, dia a

dia, as graças de que beneficiamos, sem as ter pedido, ficaríamos muitas vezes admirados de ter recebido

tanta coisa de que nos esquecemos, e envergonhados pela nossa ingratidão. Todas as noites, elevando a nossa alma a Deus, devemos recordar intimamente todas as graças que nos

concedeu durante o dia, agradecendo-lhas. É sobretudo nos momentos em que experimentamos o efeito da sua bondade e da sua proteção que, de forma espontânea, devemos testemunhar-lhe a nossa gratidão. Para isso basta um pensamento atribuindo-lhe o benefício recebido, sem necessidade de interromper o nosso trabalho.

As graças concedidas por Deus não são apenas coisas materiais. É preciso agradecer, igualmente, as boas ideias e as inspirações. O orgulhoso atribui a si mesmo tais méritos e o incrédulo atribui os benefícios ao acaso. Quem tem fé dá graças a Deus e aos bons Espíritos.

Para fazer isso são inúteis frases longas: "Obrigado, meu Deus, pelo bom pensamento que me

inspiraste!", diz mais do que muitas palavras. O impulso espontâneo que nos faz atribuir a Deus tudo o que

nos acontece de bom, testemunha um hábito de reconhecimento e de humildade que atrai para nós a

simpatia dos bons Espíritos. (Cap. XXVII, nºs 7 e 8).

29. Prece

Deus infinitamente bom, que o vosso nome seja bendito por todas as graças que me concedestes. Eu

seria indigno da Vossa bondade se os atribuísse ao acaso ou aos meus próprios méritos. Bons Espíritos, que

fostes os executores das vontades de Deus e sobretudo vós, meu Anjo da guarda, eu vos agradeço. Afastai

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de mim a ideia de sentir orgulho pelo que recebi, e ajudai-me a usá-lo apenas no sentido do bem. Agradeço-

vos especialmente por.................... (citar o benefício).

Ato de submissão e de resignação

30. Prefácio

Quando uma aflição nos atinge, se procurarmos a causa, encontraremos muitas vezes a nossa própria

imprudência, a nossa imprevidência ou alguma ação anterior. Nesses casos, só podemos atribui-la a nós

mesmos.

Se a causa de uma infelicidade não depende de nós, trata-se de uma prova para esta vida, ou da

expiação de uma falta cometida numa existência anterior e, nesse caso, pela natureza da expiação

podemos conhecer a natureza da falta, já que somos sempre punidos naquilo em que pecamos. (Cap. V,

nºs 4, 6 e seguintes.).

Nos sofrimentos que nos afligem, só vemos o mal presente, e não as consequências posteriores e

favoráveis que ele pode ter. O bem é muitas vezes a consequência de um mal passageiro, como a cura de

um doente resulta dos meios dolorosos que se empregaram para obtê-la. Devemos sempre submeter-nos

à vontade de Deus, suportar com coragem as dificuldades da vida, se quisermos que elas nos sejam tidas

em conta e que se apliquem a nós estas palavras de Jesus: Bem-aventurados os que sofrem. (Cap. V, n° 18).

31. Prece

Meu Deus, sois soberanamente justo. Todo o sofrimento neste mundo deve, portanto, ter uma causa

justa e uma utilidade. Aceito a contrariedade por que passei (ou estou a passar) como uma expiação de

faltas passadas e uma prova para o futuro. Bons Espíritos que me protegeis, dai-me força para suportá-la

sem queixumes. Fazei com que eu a encare como um aviso salutar, que aumente a minha experiência, que

combata em mim o orgulho, a ambição, a tola vaidade e o egoísmo e que contribua, enfim, para o meu

avanço espiritual.

32. Prece (outra)

Meu Deus, sinto necessidade de te pedir que me dês forças para suportar as provas que entendeste

enviar-me. Permite que no meu Espírito se faça intensa luz para poder apreciar toda a extensão de um

amor que me aflige, porque me quer salvar!

Submeto-me com resignação, meu Deus. Mas, ai de mim, a criatura humana é tão fraca que temo

sucumbir se não me amparares. Não me abandones, Senhor, porque sem ti nada posso!

33. Prece (outra)

Elevei a ti o meu olhar, oh Pai Eterno, e senti-me fortalecido. És a minha força, não me abandones! Meu

Deus, estou esmagado sob o peso das minhas faltas! Ajuda-me, tu que conheces a fraqueza da minha

carne! Não afastes de mim o teu olhar!

Estou devorado por uma sede ardente. Faz brotar a fonte de água viva e aliviarei a minha sede!

Que a minha boca só se abra para te louvar e não para me queixar das aflições da vida. Sou fraco,

Senhor, mas o teu amor me sustentará.

Pai Eterno, só tu és grande, só tu és a finalidade e o objetivo da minha vida! Bendito seja o teu nome

quando me fazes sofrer, pois tu és o Mestre e eu sou o servidor infiel. Curvarei a minha cabeça sem uma

queixa, porque só tu és grande, só tu és a meta a alcançar!

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Diante de um perigo iminente

34. Prefácio

Pelos perigos que corremos, Deus lembra-nos a nossa fraqueza e a fragilidade da nossa existência.

Mostra-nos que a nossa vida está nas Suas mãos, presa por um fio, que pode cortar-se no momento em

que menos o esperamos. Sob este aspeto, não há privilégio para ninguém, pois grandes e pequenos estão

todos submetidos às mesmas alternativas. Se examinarmos a natureza e as consequências desses perigos,

veremos que, a maior parte das vezes, se acontecessem, seriam a punição de uma falta cometida ou de

um dever não cumprido.

35. Prece

Deus Todo-poderoso, e vós, meu Anjo da guarda, socorrei-me! Se devo sucumbir, que se faça a vontade

de Deus! Se for salvo, que no resto da minha vida possa reparar o mal que fiz e do qual me arrependo!

Ação de graças por ter escapado a um perigo

36. Prefácio Pelos perigos que corremos, Deus mostra-nos que podemos ser chamados a prestar contas do emprego

que demos à nossa vida. Aconselha-nos a examinar o nosso íntimo e a corrigirmo-nos.

37. Prece

Meu Deus e meu Anjo da guarda, agradeço-vos o socorro enviado no perigo que me ameaçou. Que seja

um aviso e que me esclareça sobre os erros que cometi.

Compreendo, Senhor, que a minha vida está nas vossas mãos e que podeis retirar-ma quando quiserdes.

Através dos bons Espíritos que me assistem, inspirai-me o propósito de empregar utilmente o tempo de

que ainda disponho neste mundo!

Meu Anjo da guarda, apoia-me na decisão de corrigir os meus erros e fazer todo o bem que estiver ao

meu alcance, para que possa chegar com menos imperfeições ao mundo dos Espíritos, quando Deus

entender chamar-me.

No momento de adormecer

38. Prefácio

O sono é o repouso do corpo, mas o Espírito não necessita desse repouso.

Enquanto os sentidos estão entorpecidos, a alma liberta-se parcialmente da matéria e desfruta das suas

faculdades de Espírito. O sono foi dado para a reparação das forças orgânicas e das forças morais. Enquanto o corpo recupera

as energias gastas durante as atividades do dia, o Espírito vai retemperar-se junto dos outros Espíritos.

Retira do que vê, do que ouve, e dos conselhos que lhe são dados, as ideias que depois lhe ocorrem, ao

acordar, sob a forma de intuições. É o regresso temporário do exilado à sua verdadeira pátria, a liberdade

momentaneamente concedida ao prisioneiro.

Mas acontece, como no caso dos prisioneiros perversos, que o Espírito nem sempre aproveita esse

momento de liberdade para se aperfeiçoar. Se tem maus instintos, em vez de procurar a companhia dos

bons Espíritos, procura a companhia dos que têm a mesma natureza e vai visitar os lugares em que pode

seguir livremente as suas más inclinações.

As pessoas que estão conscientes desta verdade, no momento em que sentem aproximar-se o sono, devem elevar o seu pensamento e pedir a ajuda dos bons Espíritos e daqueles cuja

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lembrança lhes seja querida, para que venham reunir-se a elas no curto intervalo que lhes é concedido. Ao acordar sentir-se-ão com mais forças contra o mal e mais coragem para enfrentar as adversidades.

39. Prece

A minha alma vai encontrar-se por um instante com outros Espíritos. Que os que são bons venham

ajudar-me com os seus conselhos. Meu Anjo da guarda, fazei com que ao acordar conserve uma impressão

durável e benéfica desse encontro!

Prevendo a morte próxima

40. Prefácio

A fé no futuro, a orientação do pensamento durante a vida em direção aos destinos futuros, favorecem

a rápida libertação do Espírito, enfraquecendo os laços que o prendem ao corpo. Muitas vezes, a vida

corpórea ainda não se extinguiu completamente e a alma, impaciente, já voou em direção à imensidade.

Pelo contrário, para quem concentra todos os seus pensamentos nas coisas materiais, esses laços materiais

são mais tenazes, a separação é difícil e dolorosa e o despertar no além-túmulo cheio de perturbação e

ansiedade.

41. Prece

Meu Deus, creio em vós e na vossa infinita bondade! É por isso mesmo que creio que a vida continuará

porque nos destes a inteligência que permite conhecer-vos e a melhor esperança em relação ao futuro.

Acredito que o corpo físico é o utensílio perecível da minha alma, e que, quando tiver deixado de viver

aqui, despertarei no mundo dos Espíritos.

Deus Todo-poderoso, sinto romperem-se os laços que me prendem a alma ao corpo e em breve irei

prestar contas do uso que fiz da vida que deixo.

Vou ser avaliado pelo bem e o mal que pratiquei. Todo o meu passado irá desenrolar-se diante de mim

e serei avaliado pelos meus atos.

Nada levarei dos bens terrenos. Tudo o que se refere à vida material, ficará neste mundo. Nada disso

terá utilidade no mundo dos Espíritos. Só levarei comigo o que pertence à alma, as boas e as más

qualidades, que serão pesadas na balança da rigorosa justiça. Serei julgado com toda a justiça pela forma

como utilizei as oportunidades que tive de praticar o bem ou o mal. (Cap. XVI, nº 9)

Deus de misericórdia, que o meu arrependimento chegue até vós! Dignai-vos estender sobre mim a

Vossa bondade! Se quiserdes prolongar a minha existência, que o resto da minha vida seja empregado em

reparar o mal que tenha praticado! Se a minha hora chegou, levo comigo o pensamento consolador de que

me será permitido resgatar as minhas faltas através de novas provas, para merecer um dia a felicidade dos

eleitos!

Se não me for permitido desfrutar imediatamente dessa felicidade, de que só participam os justos, sei

que a esperança não está perdida para sempre e que pelo trabalho alcançarei a meta final, mais cedo ou

mais tarde, conforme os meus esforços.

Sei que os bons Espíritos e o meu Anjo da guarda estarão lá, perto de mim, para me receber e que

dentro em pouco os verei, como eles agora me vêem. Sei que, se o merecer, reencontrarei aqueles que

amei na Terra e que, os que aqui deixo neste mundo, irão juntar-se a mim, para que um dia estejamos

todos reunidos para sempre. Enquanto esse dia não chegar, poderei vir visitá-los.

Sei também que vou encontrar aqueles a quem ofendi. Possam eles perdoar-me o mal que lhes fiz. Que

o meu orgulho, a minha dureza, as minhas injustiças sejam esquecidas para que a sua presença não me

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esmague de vergonha. Da minha parte, perdoo aos que me fizeram ou quiseram mal na Terra. Não sinto

nenhum ódio contra eles e peço a Deus que lhes perdoe.

Senhor, dai-me a força de deixar sem pena os fúteis prazeres deste mundo, que nada são perante as

alegrias puras do mundo em que vou entrar! Lá, para os justos, não há tormentos, nem sofrimentos, nem

misérias. Somente o culpado sofre, mas resta-lhe sempre o consolo da esperança.

Bons Espíritos, e vós, meu Anjo da guarda, não me deixeis fracassar neste momento supremo! Fazei

brilhar perante os meus olhos a divina luz, para que se reanime e reforce a minha fé!

Nota: Ver adiante o parágrafo V, "Preces para os doentes e os obsidiados”).

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III. PRECES PELOS OUTROS

Pelos aflitos

42. Prefácio

Se, no interesse do aflito, a prova deve seguir o seu curso, o nosso pedido não a abreviará. Mas seria

falta de piedade abandoná-lo só porque a nossa prece não é ouvida. Aliás, mesmo que a prova não seja

interrompida, com a nossa prece podemos esperar obter alguma consolação que lhe diminua o sofrimento.

O que é verdadeiramente útil para quem passa por uma prova é a coragem e a resignação, sem as quais

não tirará proveito do que sofre e será obrigado a recomeçar a prova.

Portanto, é para esse objetivo que é preciso orientar os nossos esforços, quer pedindo aos bons Espíritos

que venham em sua ajuda, quer levantando-lhe o moral através de conselhos e encorajamento, quer,

enfim, ajudando-o materialmente, se isso for possível.

A prece, neste caso, pode ainda ter um efeito direto, dirigindo para a pessoa uma corrente energética

que lhe fortaleça a força moral. (Caps. V, nºs 5 e 27, XXVII, nºs 6 e l0).

43. Prece

Meu Deus, cuja bondade é infinita, dignai-vos abrandar a amargura da situação em que se

encontra……………, se isso for da vossa vontade!

Bons Espíritos, em nome de Deus todo-poderoso, peço-vos que o ajudeis nas suas aflições. Se, no seu

próprio interesse, elas não puderem ser poupadas, fazei-lhe compreender que são necessárias ao seu

aperfeiçoamento. Dai-lhe confiança em vós e no futuro, o que as tornará menos amargas. Dai-lhe também

a força de não desanimar, o que lhe faria perder os frutos do seu sofrimento e tornaria a sua situação futura

mais difícil.

Conduzi o meu pensamento para ele, e que o ajude a manter a coragem.

Graças em benefício de alguém 44. Prefácio

Quem não se deixa dominar pelo egoísmo alegra-se com o bem que o seu próximo recebe, mesmo que

não o tenha pedido pela prece.

45. Prece

Bendito seja Deus pela felicidade concedida a……………...

Pedimos aos bons Espíritos: fazei com que ele veja nesse benefício um efeito da bondade de Deus. Se o

bem que lhe foi concedido é uma prova, inspirai-lhe o pensamento de fazer bom uso dele e de não se

envaidecer para que não se transforme em seu prejuízo, no futuro.

Vós, meu bom Espírito, que me protegeis e desejais a minha felicidade, afastai de mim qualquer

sentimento de inveja ou de ciúme.

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228

Em benefício dos que nos querem mal

46. Prefácio

Jesus disse: Amai os vossos inimigos. Estas palavras revelam-nos o que há de mais sublime na caridade

cristã. Contudo, ao pronunciá-las, Jesus não quis dizer que devemos ter pelos inimigos a mesma ternura

que dedicamos aos amigos. Por estas palavras ensina-nos a esquecer as ofensas, a perdoar todo o mal que

nos fizeram e a pagar o mal com o bem. Além do mérito desta conduta aos olhos de Deus, serve para

mostrar aos homens a verdadeira superioridade moral. (Cap. XII, nºs 3,4).

47. Prece

Meu Deus, perdoo a……………….. o mal que me fez e o que queria fazer-me; peço-vos perdão, e que ele

me perdoe as faltas que eu tenha cometido. Se foi posto no meu caminho como prova, seja feita a vossa

vontade.

Afastai de mim, meu Deus, a ideia de maldizê-lo e de qualquer desejo maldoso contra ele. Que eu não

sinta nenhuma alegria pelos males que o possam atingir, nem qualquer tristeza pelos benefícios que ele

venha a receber, para não manchar a minha alma com sentimentos indignos de um cristão.

Possa a vossa bondade, Senhor, estendendo-se sobre ele, induzi-lo a melhores sentimentos para

comigo!

Bons Espíritos, inspirai-me o esquecimento do mal e a lembrança do bem! Que o desejo de retribuir o

mal com o mal penetrem no meu coração, porque a vingança só pertence aos maus Espíritos, encarnados

e desencarnados! Que eu esteja sempre pronto a estender-lhe a mão fraterna, a pagar-lhe o mal com o

bem, e a ajudá-lo quando isso estiver ao meu alcance.

Desejo, para experimentar a sinceridade das minhas palavras, que tenha uma ocasião de lhe ser útil.

Livrai-me, meu Deus, de o fazer o bem por orgulho ou ostentação, sem generosidade humilhante, o que

anularia os méritos da minha atitude.

Nesse caso, como foi dito por Jesus: Já teria recebido a minha recompensa. (Cap. XIII. Nºs 1 e seguintes.).

Graças pelo bem concedido aos inimigos

48. Prefácio

Não desejar o mal aos inimigos é ser caridoso apenas pela metade. A verdadeira caridade consiste em

lhes desejarmos o bem e em nos sentirmos felizes com o bem que lhes acontece. (Cap. XII, nºs 7 e 8).

49. Prece

Meu Deus, pela vossa justiça, decidistes alegrar o coração de……………..

Agradeço-vos por ele, apesar do mal que me queria. Se aproveitasse esse benefício para me humilhar,

aceitaria esse gesto como prova para a minha caridade.

Bons Espíritos que me protegeis, não permitais que eu guarde qualquer mágoa. Afastai de mim a inveja

e o ciúme, que rebaixam as criaturas. Inspirai-me a generosidade que eleva. A humilhação está no mal e

não no bem, e nós sabemos que, cedo ou tarde, será feita justiça a cada um segundo as suas obras.

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Pelos inimigos do Espiritismo

50. Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles serão fartos. Bem-aventurados os

que sofrem perseguição por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus. Bem-aventurados sois vós

quando vos injuriarem, e perseguirem, e, mentindo, disserem todo o mal contra vós, por minha causa.

Exultai e alegrai-vos, porque é grande o vosso galardão nos céus; porque assim perseguiram os profetas

que viveram antes de vós. (Mateus, 5: 6, 10-12).

E não temais os que matam o corpo e não podem matar a alma; temei, antes, aquele que pode fazer

perecer no inferno a alma e o corpo. (Mateus, 10: 28).

51. Prefácio

De todas as liberdades, a mais inviolável é a de pensar, que abrange também a liberdade de consciência.

Reprovar agressivamente os que não pensam como nós, é reclamar esta liberdade para si e negá-la aos

outros, é violar o primeiro mandamento de Jesus: a caridade e o amor ao próximo.

Perseguir os outros pela sua crença é atentar contra o mais sagrado direito do ser humano, o de

acreditar naquilo que acha melhor e adorar a Deus como bem entende. Querer obrigá-los à prática de atos

exteriores semelhantes aos nossos, é mostrar que damos mais valor à forma do que ao conteúdo, às

aparências do que à convicção. A renúncia forçada nunca deu a fé a quem quer que fosse, só pode fazer

hipócritas. É um abuso da força material, que não prova a verdade. A verdade está segura de si mesma,

convence e não persegue, porque não tem necessidade de o fazer.

O Espiritismo é uma opinião, uma crença. Mesmo que fosse uma religião, porque não teriam os seus

adeptos a liberdade de se dizerem espíritas, como a têm os que se dizem católicos, judeus ou protestantes,

os partidários desta ou daquela doutrina filosófica, deste ou daquele sistema económico?

Esta crença é falsa ou verdadeira. Se for falsa, cairá por si mesma, porque a mentira não pode prevalecer

contra a verdade, quando se faz luz nas inteligências. Porém, se é verdadeira, a perseguição não a tornará

falsa.

A perseguição é o batismo de qualquer ideia nova, grande e justa, e aumenta na razão da sua grandeza

e da sua importância. A agressividade dos seus inimigos é proporcional ao receio que ela lhes inspira. Foi

por essa razão que o Cristianismo foi perseguido no passado, e é essa a razão das perseguições ao

Espiritismo que acontecem no nosso tempo, com uma diferença: enquanto o Cristianismo foi perseguido

pelos pagãos o Espiritismo é perseguido pelos cristãos.

É certo que o tempo das perseguições sangrentas já passou, mas se hoje já não matam o corpo,

torturam a alma. Atacam-na até nos seus mais íntimos sentimentos, nas suas mais caras afeições: dividem

as famílias, incitam a mãe contra a filha, a mulher contra o marido. ataca-se mesmo o corpo físico no que

se refere às suas necessidades materiais, tirando das criaturas o ganha-pão, para as dominarem pela fome.

(Cap. XXIII, nº 9 e seguintes).

Espíritas, não vos aflijais com os golpes que vos desferem, pois são a prova de que estais com a verdade.

Se assim não fosse, deixar-vos-iam em paz, não vos agrediriam. É uma prova para a vossa fé, pois é pela

coragem, resignação e perseverança que Deus vos reconhecerá entre os seus fiéis servidores, os quais já

está a contar desde hoje, para dar a cada um a parte que lhe pertence, de acordo com as suas obras.

A exemplo dos primeiros cristãos, orgulhai-vos de carregar a vossa cruz. Acreditai na palavra de Jesus,

que disse: "Bem-aventurados os que sofrem perseguições por amor da justiça, porque deles é o Reino dos

Céus. Não temais os que matam o corpo, mas não podem matar a alma".

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E disse também: "Amai os vossos inimigos, fazei bem aos que vos maltratam, orai pelos que vos

perseguem". Mostrai que sois os seus verdadeiros discípulos e que a vossa doutrina é boa, fazendo o que

ele disse e fez.

A perseguição durará pouco tempo. Aguardai pacientemente o romper da aurora, porque a estrela da

manhã já se vê no horizonte. (Cap. XXIV, nºs 13 e seguintes.).

[ 21 – O espiritismo é uma religião?]

52. Prece

Senhor, vós nos mandastes dizer, através de Jesus, o vosso Messias: "Bem-aventurados os que sofrem

perseguição por amor da justiça, perdoai aos vossos inimigos, orai pelos que vos perseguem", e ele mesmo

nos deu o exemplo, orando pelos seus carrascos.

Seguindo o exemplo de Jesus, pedimos misericórdia a Deus para com os que desconhecem os vossos

divinos preceitos, os únicos que realmente podem assegurar a paz, neste e no outro mundo. Como Jesus,

nós vos dizemos: "Perdoai-lhes, Pai, porque eles não sabem o que fazem!"

Dai-nos a força de suportar com paciência e resignação a troça e as perseguições que nos dirigem, como

provas para a nossa fé e a nossa humildade! Afastai-nos da ideia de vingança, pois a hora da vossa justiça

soará para todos, hora que esperamos, submissos à vossa santa vontade.

Por uma criança que acaba de nascer

53. Prefácio

Os Espíritos só chegam à perfeição depois de terem passado pelas provas da vida corporal. Os que estão

no período entre vidas esperam que Deus lhes permita voltar a uma existência que deverá proporcionar-

lhes os meios de adiantamento, quer seja pela expiação das suas faltas passadas, mediante as dificuldades

a que estiverem sujeitos, quer realizando uma missão útil à Humanidade. O seu progresso e a sua felicidade

futura serão proporcionais ao modo como empregarem o tempo da sua nova passagem pela Terra. A

responsabilidade de lhes guiar os primeiros passos e de os encaminhar para o bem é confiada aos pais, que

responderão perante Deus pela maneira como desempenharem o seu mandato. Foi para lhes facilitar o

desempenho da missão, que Deus fez do amor paternal e do amor filial uma lei da natureza, lei que nunca

será violada impunemente.

54. Prece – (para ser dita pelos pais)

Espírito que encarnou no corpo do nosso filho, sê bem-vindo. Bendito seja Deus todo-poderoso, que

no-lo enviou.

É um depósito que nos é confiado e do qual teremos que dar a melhor conta possível. Se pertence à

nova geração dos bons Espíritos que devem povoar a Terra, obrigado meu Deus por esta graça! Se é uma

alma imperfeita, o nosso dever é ajudá-la a progredir no caminho do bem, pelos nossos conselhos e os

nossos bons exemplos. Se cair no erro por nossa culpa, responderemos por não termos cumprido a nossa

missão.

Senhor, amparai-nos na nossa tarefa e dai-nos a força e a vontade de a realizar bem. Se este filho tiver

de ser um motivo de provas para nós, que seja feita a vossa vontade!

Bons Espíritos, que viestes assistir ao seu nascimento e que deveis acompanhá-lo durante a vida, não o

abandoneis. Afastai dele os maus Espíritos, dai-lhe força para resistir às suas sugestões e coragem para

sofrer com paciência e resignação as provas que o esperam na Terra. (Cap. XIV, nº 9).

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55. Prece (outra)

Meu Deus, confiastes-me a sorte de um dos vossos Espíritos. Fazei, Senhor, que eu me torne digno desta

importante tarefa. Dai-me a vossa proteção, iluminai a minha inteligência, para que eu possa entender,

desde o princípio, as tendências desse Espírito que devo preparar para entrar na vossa paz.

56. Prece (outra)

Deus de infinita bondade, tendo permitido ao Espírito desta criança voltar novamente às provas

terrenas destinadas ao seu progresso, concedei-lhe a luz necessária para aprender a conhecer-vos, amar-

vos e adorar-vos. Fazei, pelo vosso supremo poder, com que esta alma se regenere na fonte dos vossos

divinos ensinamentos e que, sob a proteção do seu Anjo da guarda, a sua inteligência cresça, se desenvolva

e deseje aproximar-se cada vez mais de vós. Que o conhecimento do Espiritismo seja a luz brilhante que a

ilumine através das dificuldades da vida. Que ela saiba, enfim, apreciar toda a extensão do vosso amor, que

nos submete a provas para nos purificarmos.

Senhor, lançai o vosso olhar paterno sobre a família a quem confiastes esta alma, para que ela possa

compreender a importância da sua missão, e fazei germinar nesta criança as boas sementes, até ao dia em

que ela possa, pelas suas aspirações, elevar-se por si própria na vossa direção.

Dignai-vos, Meu Deus, atender esta humilde prece, em nome e pelos méritos daquele que disse: "Deixai

vir a mim os pequeninos, porque o Reino dos Céus é dos que se lhes parecem!".

Por um agonizante

57. Prefácio

A agonia é o prelúdio da separação entre a alma e o corpo. Pode dizer-se que, nesse momento, que tem

apenas um pé neste mundo, o que já pôs um pé no outro.

Esta passagem é algumas vezes penosa, para aqueles que estão muito apegados à matéria e viveram

mais para os bens deste mundo do que para os do outro, ou cuja consciência se encontra perturbada por

mágoas e remorsos.

Pelo contrário, para aqueles cujos pensamentos se mantiveram elevados, voltados para o infinito, e se

desligaram da matéria, os laços são menos difíceis de romper, e os seus últimos momentos nada têm de

dolorosos.

A alma, então, liga-se ao corpo apenas por um fio, enquanto, no outro caso, está ligada por raízes

profundas. Em qualquer caso, a prece exerce uma ação poderosa no processo de separação.

(Ver, mais adiante, “preces para os doentes” e “O Céu e o Inferno”, 2ª parte, cap. l, "A passagem").

58. Prece

Deus poderoso e misericordioso, eis uma alma que deixa o seu corpo terreno, para voltar ao mundo dos

Espíritos, que é a sua verdadeira pátria! Que aí possa entrar em paz e sob o amparo da vossa misericórdia.

Bons Espíritos, que a acompanhastes na sua vida terrena, não a abandoneis neste momento supremo!

Dai-lhe forças para suportar bem os últimos sofrimentos pelos quais deve passar neste mundo, para o

seu aperfeiçoamento futuro. Inspirai-a, para que ela consagre ao arrependimento das suas faltas os últimos

lampejos de inteligência que lhe restam, ou os que, momentaneamente, ainda recupere.

Dirigi o meu pensamento para que possa ajudá-la a separar-se com menos dificuldades, e que leve

consigo, no momento de deixar a Terra, as consolações da esperança.

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IV. PRECES PELOS ESPÍRITOS

Para logo após a morte

59. Prefácio

As preces pelos Espíritos que acabam de deixar a Terra não têm por única finalidade dar-lhes uma prova

de simpatia, mas também ajudá-los no seu desligamento, abreviar a perturbação que se segue à separação

do corpo e tornar o seu despertar mais calmo.

Aqui também, como em todas as outras circunstâncias, a eficácia da prece depende da sinceridade do

pensamento e não da abundância das palavras ditas com maior ou menor ênfase, e das quais o coração

não participa. As preces que partem realmente do coração ecoam em volta do Espírito, cujas ideias estão

ainda confusas, como vozes amigas que vêm despertar-nos do sono. (Cap. XXVII, nº 10).

60. Prece

Deus Todo-poderoso, que a vossa misericórdia se abra sobre a alma de……………. que acabais de chamar

à vossa presença. Possam as provas porque passou na Terra ser contadas em seu favor e possam as nossas

preces abrandar e abreviar as que ainda tenha de prestar como Espírito!

Pedimos aos bons Espíritos que vieram recebê-lo e, sobretudo, ao seu Anjo da guarda, que o ajudem a

libertar-se da matéria. Dai-lhe a luz e a consciência de si mesmo, para que saia depressa da perturbação

que acompanha a passagem da vida corporal para a vida espiritual. Inspirai-lhe o arrependimento das suas

faltas e o desejo de repará-las para acelerar o seu progresso rumo à eterna bem-aventurança.

Tu………………… acabas de entrar no mundo dos Espíritos e, contudo, estás presente junto de nós. Vês-

nos e ouves-nos, pois que, entre nós apenas deixou de existir o corpo perecível, que em breve se tornará

em pó.

Deixaste o corpo mais denso, sujeito às dificuldades e à morte e conservaste apenas o corpo subtil,

imperecível e inacessível aos sofrimentos materiais. Se já não vives pelo corpo, vives a vida dos Espíritos, e

essa vida está isenta das misérias que afligem a Humanidade.

Já não tens o véu que oculta, aos nossos olhos, os esplendores da vida futura. Podes agora contemplar

novas maravilhas, enquanto nós continuamos ainda mergulhados na matéria.

Vais percorrer o espaço e visitar os mundos, em plena liberdade, enquanto nós trabalhamos, retidos

pelas necessidades do nosso corpo material.

Os horizontes do infinito desvendar-se-ão diante de ti. Ao veres tanta grandeza, compreenderás a

vaidade das ambições terrenas, das aspirações mundanas e das alegrias fúteis que fazem as delícias dos

seres humanos.

A morte, para os seres humanos, é apenas uma separação material de breves instantes. Do lugar de

exílio onde nos mantém ainda a vontade de Deus, bem como os deveres que ainda temos de cumprir neste

mundo, seguir-te-emos pelo pensamento, até ao momento em que nos seja permitido reunirmo-nos de

novo, como agora te reúnes aos que te precederam.

Se não podemos ir junto de ti, tu podes vir até nós. Vem, pois, visitar os que te amam e que também

amaste. Ampara-os nas provas da vida, vela pelos que te são queridos, protege-os conforme as tuas

possibilidades, suaviza-lhes as dores da saudade sugerindo-lhes o pensamento de que estás agora mais

feliz, e a consoladora certeza de que um dia estaremos todos reunidos num mundo melhor.

No mundo em que estás, todos os ressentimentos terrenos devem extinguir-se. Que possas, para a tua

felicidade futura, permanecer-lhes inacessível! Perdoa também a todos os que possam ter cometido faltas

para contigo, como te perdoam aqueles para com quem erraste.

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NOTA - Podem acrescentar-se a esta prece, que se aplica a todos, algumas palavras especiais, conforme

as circunstâncias especiais da família, ou das relações e da posição social do falecido.

Quando se trata de uma criança, o Espiritismo ensina-nos que não estamos a tratar com um Espírito

recém-criado, mas que já viveu outras vidas e que pode até ser muito adiantado. Se a sua última existência

foi curta, é porque necessitava de um complemento para as suas provas, ou então podia ser uma prova

para os pais. (Cap. V, nº 21).

61. Prece (outra) 9

Senhor todo-poderoso, que a vossa misericórdia se estenda sobre todos os nossos irmãos que acabam

de deixar a Terra! Que a vossa Luz brilhe nos seus olhos! Livrai-os das trevas, abri os seus olhos e os seus

ouvidos! Que os vossos bons Espíritos os envolvam e os façam ouvir palavras de paz e de esperança!

Senhor, por muito pouco merecedores que sejamos, ousamos implorar a vossa indulgência

misericordiosa em favor deste nosso irmão que acabais de chamar para o mundo espiritual. Fazei com que

o seu regresso seja o do filho pródigo.

Esquecei, meu Deus, as faltas que tenha cometido, para vos lembrardes, somente do bem que tenha

praticado! A vossa justiça é imutável, bem o sabemos, mas o vosso amor é imenso! Suplicamos a vossa

justiça amorosa, pela fonte de bondade que de vós emana!

Que a luz se faça para ti, meu irmão que acabas de deixar a Terra! Que os bons Espíritos do Senhor se

aproximem de ti, te envolvam e te ajudem a romper as cadeias terrenas! Compreende e vê a grandeza do

nosso Mestre, submete-te à sua justiça sem queixumes, mas nunca percas a esperança na sua misericórdia.

Irmão! Que um profundo exame do teu passado te abra as portas do futuro fazendo-te compreender

as faltas que deixaste para trás, bem como o trabalho que te espera, para que possas repará-las!

Que Deus te perdoe, e que os seus Bons Espíritos te amparem e animem! Os teus irmãos da Terra orarão

por ti, e pedem-te que ores por eles.

Por aqueles a quem amamos

62. Prefácio

Como é penosa a ideia do nada! Pedimos por aqueles que acreditam que a voz do amigo que chora o

seu amigo se perde no vazio e não encontra resposta! Os que pensam que tudo morre com o corpo nunca

conheceram as afeições puras e santas; pensam que o génio, que com a sua grande inteligência iluminou

o mundo, é apenas uma combinação da matéria que, como um sopro, se extingue para sempre; e que, do

ente mais querido, como o pai, a mãe ou um filho adorado, só restará um punhado de poeira, que o vento

dispersa.

Como pode uma pessoa de coração ficar indiferente a esta ideia, desejando que assim não seja? Se até

agora a razão não foi suficiente para desfazer as suas dúvidas, o Espiritismo vem dissipar todas as incertezas

sobre o futuro, através das provas materiais que nos dá, da sobrevivência da alma e da existência dos seres

de além-túmulo. Essas provas são recolhidas por toda a parte com alegria. A confiança renasce, porque se

sabe, de agora em diante, que a vida terrena é apenas uma rápida passagem que conduz a uma vida melhor.

Que os trabalhos, neste mundo, não ficam perdidos para ela, e as suas mais santas afeições não são

cortadas sem total esperança de continuidade real. (Cap. IV, nº 18 e cap. V, nº 21).

9 Esta prece foi ditada a um médium de Bordéus, no momento em que passava diante da sua janela o enterro de um

desconhecido

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63. Prece

Dignai-vos, meu Deus, acolher favoravelmente a prece que vos dirijo pelo Espírito de ……………. Mostrai-

lhe a luz divina e facilitai-lhe o caminho da felicidade eterna! Permiti que os bons Espíritos lhe levem as

minhas palavras e o meu pensamento.

Tu, que me eras tão querido neste mundo, escuta a minha voz para te dar uma prova da minha terna

afeição! Deus permitiu que fosses libertado antes de mim, e eu não posso lamentá-lo, porque isso seria

desejar que continuasses sujeito às penas e aos sofrimentos da vida. Espero com toda a resignação o

momento da nossa união, nesse mundo mais feliz a que chegaste antes de mim.

A nossa separação é apenas momentânea e, por mais longa que possa parecer-me, não é nada diante

da eternidade de felicidade que Deus promete aos seus eleitos. Que a sua bondade me livre de fazer

qualquer coisa que possa atrasar esse instante desejado, e que assim me poupe a dor de não te encontrar,

ao sair do meu cativeiro terreno.

Como é doce e consoladora a certeza de que só há, entre nós, um véu material que te esconde aos

meus olhos; a certeza de que podes estar aqui, ao meu lado, a ver-me e ouvir-me como outrora ou ainda

melhor, de que me não esqueces, da mesma maneira que eu não te esqueço, de que os nossos

pensamentos se encontram incessantemente e de que o teu pensamento me segue e me ampara sempre!

Que a paz do Senhor esteja contigo!

Pelos sofredores que pedem preces

64. Prefácio

Para compreender o alívio que a prece pode proporcionar aos Espíritos sofredores, basta lembrar o seu

modo de ação, como foi explicado anteriormente. (Cap. XXVII, nºs 9, 18 e seguintes.). Aquele que se

compenetrou desta verdade, ora com mais fervor, porque tem a certeza de não orar em vão.

65. Prece

Deus clemente e misericordioso, que a vossa bondade se estenda sobre todos os Espíritos que se

recomendam às nossas preces, especialmente sobre as almas de ……………e de……….e de……….

Bons Espíritos, que tendes o bem por ocupação única, intercedei comigo pelo seu alívio! Fazei brilhar

perante os seus olhos um raio de esperança, e que a divina luz os esclareça sobre as imperfeições que os

afastam da morada dos bem aventurados. Abri os seus corações ao arrependimento e ao desejo de se

aperfeiçoarem. Fazei-os compreender que, pelos seus esforços, podem encurtar o tempo das suas provas.

Que Deus, na sua bondade, lhes dê a força de perseverarem nas suas boas resoluções!

Possam estas palavras benevolentes suavizar-lhes as penas, mostrando-lhes que há, na Terra, seres que

deles se compadecem e lhes desejam toda a felicidade!

66. Prece (outra)

Nós vos pedimos, Senhor, lançai sobre todos os que sofrem, quer no espaço, como os Espíritos no

período entre vidas, quer entre nós, como Espíritos encarnados, as graças do vosso amor e da vossa

misericórdia! Tende piedade das nossas fraquezas. Fizestes-nos falíveis, mas destes-nos força para resistir

ao mal e vencê-lo. Que a vossa misericórdia se estenda sobre todos os que não conseguiram resistir às suas

más tendências e ainda são levados por maus caminhos. Que os vossos bons Espíritos os envolvam, que as

vossas luzes brilhem aos seus olhos e que, atraídos pelo seu calor vivificante, venham lançar-se aos vossos

pés, humildes, arrependidos e submissos.

Nós vos pedimos igualmente, Pai de Misericórdia, pelos nossos irmãos que não tiveram forças para

suportar as suas provas terrenas. Dais-nos um fardo a carregar, Senhor, e só devemos depô-lo aos vossos

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pés! Mas a nossa fraqueza é grande e falta-nos algumas vezes a coragem, no meio do caminho! Tende

piedade desses servos indolentes que abandonaram o trabalho antes da hora! Que a vossa justiça os poupe

e permiti que os bons Espíritos lhes levem alívio, consolações e esperança no futuro!

A perspetiva do perdão é fortificante para as almas: mostrai-a, Senhor, aos culpados que desesperam

e, apoiados por essa esperança, encontrarão forças na proporção das suas faltas e dos seus sofrimentos,

para resgatarem o seu passado e se prepararem para a conquista do futuro.

Por um Inimigo que morreu

67. Prefácio

A caridade para com os inimigos deve acompanhá-los no Além.

Devemos ter consciência que o mal que nos fizeram foi para nós uma prova, que pode ser útil ao nosso

aperfeiçoamento, se a soubermos aproveitar. Pode ter sido ainda mais útil que as aflições puramente

materiais porque, à coragem e à resignação, permitem-nos juntar, a caridade e o esquecimento das

ofensas. (Caps. X, nº 6, XII, nºs 5 e 6).

68. Prece

Senhor, quisestes chamar antes de mim a alma de……………. Perdoo-lhe o mal que me fez e as más

intenções que alimentou a meu respeito. Possa ele arrepender-se de tudo isso, agora que já não tem as

ilusões deste mundo. Que a vossa misericórdia, meu Deus, se estenda sobre ele e afastai de mim o

pensamento de me alegrar com a sua morte. Se também o agredi com os meus erros, peço que me perdoe,

assim como eu perdoo o mal que tenha feito contra mim.

Por um criminoso

69. Prefácio

Se a eficácia das preces fosse proporcional à sua extensão, as mais longas deviam ser reservadas para

os mais culpados, que têm mais necessidade delas do que aqueles que viveram santamente. Negar as

preces aos criminosos é faltar à caridade e desconhecer a misericórdia de Deus. Acreditar que são inúteis

as que são feitas em benefício de pessoas que cometeram esta ou aquela falta, é desconhecer a justiça do

Altíssimo. (Cap. XI, n° 14).

70. Prece

Senhor, Deus de Misericórdia, acolhei o Espírito deste cidadão que cometeu faltas graves e que acaba

de deixar a Terra! A justiça dos homens pode condená-lo, porém, isso não o dispensa da vossa justiça,

fazendo os mais sinceros votos de que o remorso esteja no seu coração.

Deixai que conmpreenda a gravidade das suas faltas, e que o seu arrependimento possa merecer a

vossa graça, para abrandar os sofrimentos da sua alma! Possam também as nossas preces, e a intercessão

dos bons Espíritos, levar-lhe esperança e consolação, inspirar-lhe o desejo de reparar as suas más ações,

numa nova existência, e dar-lhe força para não fracassar nas novas lutas que terá de enfrentar!

Senhor, tende piedade dele!

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Por um suicida

71. Prefácio

Ninguém tem o direito de dispor da sua própria vida, pois só a Deus compete tirar alguém do cativeiro

terreno. A justiça divina pode abrandar o rigor que merece, de acordo com as circunstâncias, reservando o

que é justo para aquele que quis fugir às provas da vida. O suicida é como o prisioneiro que se evade da

prisão antes de cumprir a sua pena. É o que faz o suicida, que pensa escapar às desgraças presentes e

mergulha em mais prolongadas provas. (Cap. V, nº 14 e seguintes).

72. Prece

Nó sabemos, meu Deus, a sorte que espera os que violam as vossas leis, abreviando voluntariamente

os seus dias! Mas sabemos também que a vossa misericórdia é infinita. Dignai-vos concedê-la à alma

de………..….

Possam as nossas preces e a vossa piedade abrandar a amargura dos seus sofrimentos, por não ter tido

a coragem de esperar o fim das suas provas.

Bons Espíritos, que tendes por missão assistir aos infelizes, tomai-o sob a vossa proteção, inspirai-lhe o

remorso pelo erro que cometeu e que a vossa assistência lhe dê forças para enfrentar com mais resignação

as novas provas pelas quais terá de passar, para repará-lo.

Aproximai dele os bons Espíritos, capazes de o impelir para o bem, fazendo-o beneficiar do fruto das

suas futuras provas.

E a ti, cuja infelicidade é o motivo das nossas preces, que a nossa compaixão possa suavizar a tua

amargura e fazer nascer no teu íntimo a esperança de um futuro melhor! Esse futuro está nas tuas mãos.

Confia na bondade de Deus, que está aberto a todos os arrependimentos, e só é mais rigoroso para os

corações endurecidos.

Pelos Espíritos arrependidos

73. Prefácio

Seria injusto incluir na categoria dos Espíritos maus os que estão em sofrimento e arrependimento e

que pedem preces. Podem ter sido maus, porém, já não o são, uma vez que reconhecem as suas faltas e

as lamentam. São apenas infelizes. Alguns, mesmo, já começam a gozar de uma felicidade relativa.

74. Prece

Deus de misericórdia, que aceitais o arrependimento sincero do pecador, encarnado ou desencarnado,

está aqui um Espírito que praticou o mal, mas que reconhece os seus erros e entra no bom caminho. Dignai-

vos, meu Deus, recebê-lo como um filho pródigo e perdoar-lhe.

Bom Espíritos, se ele ignorou os vossos conselhos, agora deseja ouvi-los. Permiti-lhe observar a

felicidade dos eleitos do Senhor, para que persista no desejo de se purificar, para alcançá-la. Amparai-o nas

suas boas resoluções e dai-lhe a força de resistir às suas piores tendências.

E a ti, Espírito de …………..……. felicitamos-te pela mudança que em ti se operou e agradecemos aos bons

Espíritos que te ajudaram!

Se antes tinhas prazer no mal, era porque não compreendias como é doce e bom fazer o bem, e porque

te sentias demasiado baixo para o conseguir. Porém, desde o instante em que enveredaste pelo bom

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caminho, uma nova luz brilhou para ti. Provaste de uma felicidade desconhecida, e a esperança entrou no

teu coração. Deus escuta sempre a prece de um pecador arrependido e nunca repele os que o procuram.

Para voltares completamente à Sua graça, esforça-te, de agora em diante, não só para evitar o mal, mas

para fazer o bem e, sobretudo, para reparares o mal que fizeste. Então terás dado satisfação à justiça de

Deus, pois cada boa ação que praticares, apagará uma das tuas faltas passadas.

O primeiro passo está dado. Agora, quanto mais avançares, mais te parecerá fácil e agradável o caminho.

Persevera, pois, e um dia terás a alegria de ser contado entre os bons Espíritos e os Espíritos bem-

aventurados.

Pelos Espíritos insensíveis

75. Prefácio

Os maus Espíritos são os que ainda não foram tocados pelo arrependimento, a quem agrada o mal e

não lamentam aquilo que fazem, que são insensíveis às repreensões, rejeitam a prece e muitas vezes

ultrajam o nome de Deus. São estas almas endurecidas que, depois da morte, se vingam nos homens pelos

sofrimentos que os afligem e perseguem com o seu ódio aqueles a quem detestaram durante a vida, quer

pela obsessão, quer perturbando-os com influências negativas. (Caps. X, nº 6 e XII, nºs 5 e 6).

Entre esses Espíritos, há duas categorias diferentes: a dos que são francamente maus, e a dos hipócritas.

Os primeiros são mais fáceis de conduzir ao bem do que os segundos, porque têm, na maioria das vezes,

uma natureza estúpida e grosseira, como podemos ver em algumas pessoas entre nós, que fazem o mal

mais por instinto do que por cálculo e que não pretendem passar por melhores do que são.

Há neles um germe latente que é necessário fazer desabrochar, o que se consegue com perseverança,

com firmeza aliada à benevolência, através de conselhos, do raciocínio e da prece.

Nas comunicações mediúnicas, a dificuldade que sentem para pronunciar o nome de Deus é indicadora

de um temor instintivo, de uma voz íntima da consciência que os acusa de serem indignos de o fazer. Os

que assim se apresentam estão no limiar da conversão, e tudo se pode esperar deles: basta encontrar-lhes

o ponto sensível da alma.

Os Espíritos hipócritas são quase sempre inteligentes, mas não têm fibra sensível no coração. Nada os

comove. Simulam muito bons sentimentos para captar a confiança e ficam felizes quando encontram

“tolos” que os aceitam como Espíritos bons, pois então podem manobrá-los à sua vontade. O nome de

Deus, longe de lhes inspirar qualquer temor, serve-lhes de máscara para encobrirem as suas más ações.

No mundo invisível, como no mundo visível, os hipócritas são os seres mais perigosos, porque agem na

sombra sem que ninguém deles desconfie. Têm todas as aparências da fé, mas nunca a sinceridade da fé.

76. Prece

Senhor, dignai-vos lançar um olhar de bondade aos Espíritos imperfeitos, que estão ainda nas trevas da

ignorância e que vos desconhecem; principalmente ao Espírito de ……………..….

Bons Espíritos, ajudai-nos a fazê-lo compreender que, induzindo os homens ao mal, obsidiando-os e

atormentando-os, prolonga os seus próprios sofrimentos. Fazei com que o exemplo da felicidade de que

desfrutais seja um encorajamento para ele.

Espírito que ainda te sentes feliz na prática do mal, vem ouvir a prece que fazemos por ti. É uma prova

de que desejamos fazer-te o bem, embora tu faças o mal.

És infeliz, porque é impossível ser feliz praticando o mal. Porque teimas em permanecer no sofrimento,

se depende apenas de ti libertares-te dele? Olha os bons Espíritos que te rodeiam, vê como são felizes. Não

seria mais agradável desfrutar também da mesma felicidade?

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Dirás que isso é impossível. Porém, nada é impossível para aquele que quer, porque Deus te deu, como

a todas as criaturas, a liberdade de escolher entre o bem e o mal, quer dizer, entre a felicidade e a

infelicidade. Ninguém está condenado a fazer o mal. Se tens vontade de fazer o mal, querendo, também

podes desenvolver a vontade de fazer o bem e de ser feliz.

Volta os teus olhos para Deus, dirige-lhe o teu pensamento, nem que seja por um instante, e um raio

da sua divina luz virá iluminar-te. Diz connosco estas simples palavras: Meu Deus, estou arrependido,

perdoai-me.

Procura arrepender-te e fazer o bem em vez de fazeres o mal, e verás que rapidamente a sua

misericórdia descerá sobre ti e um bem-estar desconhecido virá substituir as agonias que te afligem.

Quando tiveres dado um passo no bom caminho, o resto parecer-te-á fácil. Compreenderás, então,

quanto tempo de felicidade perdeste por tua própria culpa. No entanto, um futuro radioso e cheio de

esperanças se abrirá diante de ti, fazendo-te esquecer o triste passado, cheio de perturbações e de torturas

morais, que seriam para ti o inferno, se tivessem de durar eternamente. Se isso não acontecer, chegará o

dia em que as torturas serão tais, que quererás a todo o custo que terminem. Quanto mais esperares mais

difícil será.

Não penses que vais ficar sempre no estado em que estás, isso é impossível.

Diante de ti, tens duas perspetivas: uma é a de sofreres muito mais do que até agora; a outra, é a de

seres feliz como os bons Espíritos que estão à tua volta.

A primeira é inevitável se persistires na obstinação, quando basta um simples esforço de vontade para

te afastares do mau caminho em que te encontras. Apressa-te, visto que cada dia de atraso é um dia

perdido para a tua felicidade.

Bons Espíritos, fazei com que estas palavras façam sentido para esta alma ainda atrasada e possam

ajudá-la a aproximar-se de Deus. Nós vo-lo pedimos em nome de Jesus, que teve tão grande poder sobre

os Espíritos maus.

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V. PRECES PELOS DOENTES E PELOS OBSIDIADOS

Pelos doentes

77. Prefácio

As doenças fazem parte das provas e das dificuldades da vida terrena. São inerentes à densidade da

nossa natureza material e à inferioridade do mundo que habitamos. As paixões e os excessos de todos os

géneros semeiam nos nossos organismos germes doentios, muitas vezes hereditários.

Nos mundos mais avançados, física e moralmente, o organismo humano, mais depurado e menos

material, não está sujeito às mesmas enfermidades que o nosso, e o corpo não é afetado, sorrateiramente,

pelos danos das paixões. (Cap. III, nº 9).

É necessário resignarmo-nos a sofrer as consequências do meio em que a nossa inferioridade nos

coloca, até que sejamos dignos de passar a outro. Isso não deve impedir-nos, enquanto esperamos, de

fazer os possíveis para melhorar de situação. Se, apesar dos nossos esforços, não conseguirmos fazê-lo, o

Espiritismo ensina-nos a suportar com resignação os nossos males passageiros.

Se Deus não quisesse que pudéssemos curar ou aliviar os sofrimentos corporais, em certos casos, não

teria colocado à nossa disposição os meios para os curar. A sua solicitude previdente, a esse respeito,

confirmada pelo instinto de sobrevivência, mostra que é nosso dever procurá-los e aplicá-los.

A par da medicação habitual, elaborada pela ciência, o magnetismo deu-nos a conhecer o poder da ação

energética e depois, o espiritismo, veio revelar-nos outra força na mediunidade curativa e na influência da

prece. (Veja- se, mais adiante, a notícia sobre mediunidade curativa, n° 81).

78. Prece (para ser feita por um doente)

Senhor, sendo infinitamente justo, mereci evidentemente a doença que me enviastes, pois não fazeis

sofrer sem motivo.

Confio-me, para a minha cura, à vossa infinita misericórdia. Se for do vosso agrado restabelecer-me a

saúde, bendito seja o vosso santo nome. Se, pelo contrário, tiver de continuar a sofrer, bendito sejais

igualmente.

Submeto-me, sem queixumes, aos vossos desígnios divinos, porque tudo o que fazeis só pode ter como

objetivo o bem das vossas criaturas; fazei, meu Deus, que esta doença seja para mim um aviso benéfico

que me leve a refletir sobre mim mesmo. Aceito-a como uma expiação do passado e como uma prova para

a minha fé e a minha submissão à vossa santa vontade. (Ver a prece, nº 40).

79. Prece (para um doente)

Meu Deus, os vossos desígnios são impenetráveis e, na vossa sabedoria, enviastes a……………………. uma

doença. Lançai, eu vos suplico um olhar de compaixão sobre os seus sofrimentos, dignando-vos pôr-lhe

termo.

Bons Espíritos, ministros do todo-poderoso, apoiai-me no desejo de o aliviar. Dirigi o meu pensamento

para que ele possa derramar um bálsamo salutar sobre o seu corpo e um consolo sobre a sua alma. Inspirai-

lhe a paciência e a submissão à vontade de Deus. Dai-lhe a força para suportar as suas dores com resignação

cristã, para não perder os resultados desta sua prova. (Ver a prece, nº 57).

80. Prece (para ser dita pelo médium de cura)

Meu Deus, se quiserdes servir-vos de mim, apesar do meu pouco merecimento, poderei curar este sofrimento, se for essa a vossa vontade, porque tenho fé em vós e sei que sem a vossa ajuda nada posso. Permiti aos bons Espíritos que me enriqueçam com a sua energia salutar, para poder

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transmiti-la a este doente, e afastai de mim qualquer pensamento menos nobre que lhe possa

alterar a pureza.

Pelos obsidiados

81. Prefácio

A obsessão é a ação persistente que um mau Espírito exerce sobre um indivíduo. Apresenta

características muito diferentes, desde a simples influência de ordem moral, sem sinais exteriores

percetíveis, até à completa perturbação do organismo e das faculdades mentais. Faz desaparecer todas as

faculdades mediúnicas. Na mediunidade psicográfica traduz-se pela obstinação de um Espírito em se

manifestar exclusivamente, excluindo todos os outros.

Os maus Espírito pululam à volta da Terra, devido à inferioridade moral dos seus habitantes. A sua ação

prejudicial faz parte dos flagelos que a Humanidade enfrenta neste mundo. A obsessão, assim como as

doenças e todas as adversidades da vida, deve ser considerada como uma prova ou uma expiação e aceite

como tal.

Assim como as doenças resultam das imperfeições físicas, que facilitam o acesso das influências nocivas

do exterior ao corpo físico, a obsessão é sempre o resultado de uma imperfeição moral que dá acesso a

um Espírito mau.

A uma causa física opõe-se uma força física, a uma causa moral terá de opor-se uma força moral.

Para evitar as doenças fortalece-se o corpo. Para evitar a obsessão, é necessário fortalecer a alma.

Daí resulta que o obsidiado precisa de trabalhar para o seu próprio aperfeiçoamento, o que basta, na

maior parte das vezes, para o livrar do obsessor, sem a ajuda de outras pessoas. Essa ajuda torna-se

necessária quando a obsessão degenera em subjugação ou em possessão, porque então o paciente perde

a sua vontade própria e o seu livre-arbítrio.

A obsessão é quase sempre a ação de uma vingança de um Espírito e, geralmente, tem a sua origem

nas relações que o obsidiado teve com ele em existência anterior. (Cap. X, nº 6; e cap. XII, nºs 5 e 6).

Nos casos de obsessão grave, o obsidiado está como que envolvido e impregnado por uma energia

negativa, que neutraliza e repele a ação das energias positivas.

É necessário livrá-lo dessa influência prejudicial, que não pode ser repelida por outra da mesma

natureza. Por uma ação idêntica à que o médium de cura exerce nos casos de doença, é preciso expulsar a

energia negativa com a ajuda de outra melhor, que produz o efeito de um reagente.

Essa é a ação mecânica, mas não basta. É também necessário agir sobre o ser inteligente, com o qual

importa poder falar com autoridade, sendo que essa autoridade só é dada pela superioridade moral.

Quanto mais elevada esta for, maior será a autoridade.

Ainda não é tudo. Para garantir a libertação, é preciso induzir o Espírito maldoso a renunciar aos seus

maus intentos, despertar-lhe o arrependimento e o desejo do bem, através de instruções habilmente

dirigidas em evocações especiais, visando a sua educação moral. Nesse caso, pode ter-se a dupla satisfação

de libertar um encarnado e converter um Espírito imperfeito.

A tarefa apresenta-se mais fácil quando o obsidiado, compreendendo a sua situação, colabora com a

sua boa vontade e com as suas preces. Dá-se o contrário quando, seduzido pelo Espírito mentiroso, ele se

ilude quanto às qualidades da entidade que o domina e lhe agrada o clima em que esta o mergulha. Desse

modo, a atitude do obsidiado, em vez de ajudar, repele qualquer assistência. É o caso da fascinação, sempre

infinitamente mais rebelde do que a mais violenta subjugação. (Ver O Livro dos Médiuns, cap. XXIII).

Em todos os casos de obsessão, a prece é o mais poderoso auxiliar para agir contra o Espírito obsessor.

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82. Prece (para o obsidiado proferir)

Meu Deus, permiti aos bons Espíritos que me livrem do Espírito maldoso que se ligou a mim.

Se é uma vingança que pretende, pelos males que lhe fiz no passado, vós o permitistes meu Deus, para

minha punição, e sofro as consequências dos meus erros. Possa o meu arrependimento merecer o vosso

perdão e a minha liberdade! Seja qual for o motivo, suplico para ele a vossa misericórdia. Facilitai-lhe,

Senhor, o caminho do progresso, que o desviará do pensamento de fazer o mal. Possa eu, da minha parte,

retribuindo-lhe o mal com o bem, induzi-lo a melhores sentimentos.

Sei também meu Deus, que são as minhas imperfeições que me tornam acessível às influências dos

Espíritos imperfeitos. Dai-me luz necessária para as reconhecer e combatei em mim sobretudo o orgulho,

que não me deixa ver os meus defeitos.

Como me deixei cair tão baixo, para que um ser maldoso me tenha podido dominar!

Fazei, Meu Deus, que este golpe desferido na minha vaidade me sirva de lição para o futuro. Que me

fortaleça na resolução que tomei de evoluir pela prática do bem, da caridade e da humildade, a fim de que

possa beneficiar, daqui por diante, de uma forte barreira de defesa contra as más influências.

Senhor, dai-me a força para suportar esta prova com paciência e resignação! Compreendo que, como

todas as outras provas, deve contribuir para o meu aperfeiçoamento, se eu o não comprometer com

queixumes. A prova oferece-me a oportunidade de mostrar a minha submissão, e de praticar a caridade

para com um irmão infeliz, perdoando-lhe o mal que me fez. (Cap. XII, nºs 5 e 6; cap. XXVIII, nºs 15 e

seguintes; 46-47).

83. Prece (em benefício do obsidiado)

Deus Todo-poderoso, dai-me o poder de livrar…………….… do Espírito que o obsidia. Se é da vossa

vontade pôr termo a esta prova, concedei-me a graça de falar a esse Espírito com autoridade.

Bons Espíritos que me ajudais e vós, o seu Anjo da guarda, colaborai comigo ajudando-me a libertá-lo

da energia impura que o dominou.

Em nome de Deus, Todo-poderoso, imploro ao Espírito maldoso que o atormenta, que se afaste.

84. Prece (pelo Espírito obsessor)

Deus, infinitamente bom, suplico a vossa misericórdia para o Espírito que obsidia ………….…

Fazei-o entrever a luz divina, para que reconheça o mau caminho que tem seguido. Bons Espíritos,

ajudai-me a fazê-lo compreender que tem tudo a perder com a prática do mal e que tem tudo a ganhar

com a prática do bem.

Espírito que tens o prazer de atormentar ………………. Ouve-me, pois que te falo em nome de Deus! Se

quiseres refletir, compreenderás que o mal não pode superar o bem, e que não podes ser mais forte do

que Deus e os bons Espíritos. Estes poderiam tê-lo protegido dos teus ataques, mas se não o fizeram, foi

porque tinha uma prova a cumprir. Quando essa prova terminar, vão impedir-te de continuares. O mal que

lhe tiveres feito, em vez de prejudicá-lo, terá servido para o seu aperfeiçoamento, tornando-o mais feliz. A

tua maldade terá sido pura perda de tempo e voltar-se-á contra ti.

Deus Todo-Poderoso e os Espíritos superiores, seus delegados, que são muito mais poderosos que tu,

poderão pôr fim a esta obsessão quando quiserem e a tua teimosia será vencida por essa autoridade

suprema. Mas, como Deus é bom, quer deixar-te o mérito de desistires da má ação pela tua própria

vontade. É uma vantagem que te é concedida. Se não a aproveitares, sofrerás desagradáveis

consequências. Castigos te esperam e serás forçado a implorar a piedade e as preces da tua vítima; ela já

te perdoou e ora por ti, o que é um grande mérito aos olhos de Deus, e vai apressar a sua libertação.

Reflete, pois, enquanto ainda é tempo, porque a justiça de Deus cairá sobre ti, como sobre todos os

Espíritos rebeldes. Lembra-te de que o mal que fazes agora terá fatalmente um fim, e, se persistires na

obstinação, os teus sofrimentos irão aumentar continuadamente.

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Quando estavas na Terra sabias que era um erro grave sacrificar um grande bem para alcançar uma

pequena satisfação momentânea. Acontece-te o mesmo agora, que és um Espírito. O que ganhas com o

que estás a fazer? O triste prazer de atormentar alguém, o que não te impede de ser infeliz, digas o que

disseres, e que te pode tornar ainda mais infeliz no futuro.

A par disso, vê o que perdes: observa os bons Espíritos que te rodeiam e vê como a sua sorte é preferível

à tua. Também podes partilhar da felicidade de que desfrutam, quando quiseres. Que é preciso para isso?

Basta implorar o auxílio de Deus e fazer o bem em vez de fazer o mal.

Sei que não podes transformar-te de repente, mas Deus não pede o impossível. O que deseja é apenas

a boa vontade. Tenta e nós te ajudaremos. Para que bem depressa possamos dizer a teu favor a prece pelos

Espíritos arrependidos (nº 73) e não tenhamos mais de contar contigo entre os maus Espíritos, esperamos

encontrar-te em breve no número dos bons. (Ver acima, o nº 75: Preces pelos Espíritos insensíveis).

OBSERVAÇÃO

– A cura das obsessões graves requer muita paciência, firmeza e dedicação. Exige também tato e

habilidade para conduzir ao bem Espíritos muitas vezes muito maus, insensíveis e astuciosos, pois que os

há rebeldes até ao último grau.

Na maioria dos casos, devemos guiar-nos pelas circunstâncias. Porém, seja qual for a natureza do

Espírito, o certo é que nada se obtém pela exigência ou pela ameaça, pois toda a influência depende do

ascendente moral. Outra verdade, igualmente verificada pela experiência e que a lógica comprova, é a

completa ineficácia de exorcismos, fórmulas, palavras sacramentais, amuletos, talismãs, práticas exteriores

ou quaisquer símbolos materiais.

A obsessão demasiado prolongada pode ocasionar desordens patológicas, requerendo por vezes um

tratamento simultâneo ou posterior, quer seja magnético ou médico, para o restabelecimento do

organismo.

Tendo sido afastada a causa, ainda resta combater os efeitos (Ver O Livro dos Médiuns, cap. XXIII, sobre

a obsessão: e a Revista Espírita, números de Fevereiro e Março de 1864 e número de Abril de 1865:

exemplos de curas de obsessões).

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NOTAS FINAIS

01 [A palavra “dogma” – INTRODUÇÃO I – Objetivo desta obra]

O termo "dogma" provém da língua grega, "dogma", que significa opinião, decisão, ponto de vista ou

princípio ‒ que é o sentido com que Allan Kardec a utilizou, nas suas obras.

Pouco a pouco, a Igreja Católica com o auxílio dos teólogos e pensadores cristãos, configurou para os

seus crentes o sentido de dogma. Na sua linguagem oficial o "dogma" é uma verdade revelada, de uma

forma que obriga o povo cristão a crer nele, na sua totalidade, de modo que sua negação é repelida como

heresia e estigmatizada com anátema. O dogma é uma verdade revelada e incontestável, em que se deve

acreditar compulsoriamente, isto é, não pode ser discutida nem revogada. É aquilo a que no Espiritismo

chamamos “fé cega”.

No espiritismo não há dogmas.

Nas nossas traduções das obras espíritas, para sermos mais claros e não cairmos em problemas de

anfibologia, fizemos a opção lógica: traduzimos a palavra francesa “dogme”, quando usada subjetivamente

por Allan Kardec, como “princípio”.

Vide nesta obra: Capítulo XV, nº 8 - Fora da Igreja não há salvação. Fora da verdade não há salvação.

02 [Transcrição dos textos Bíblicos] – INTRODUÇÃO I

Como dizemos na página inicial de apresentação deste livro, todos os textos Bíblicos, quer do Antigo,

quer do Novo Testamento, não foram traduzidos do original de Allan Kardec, mas sim transcritos da Bíblia

Sagrada, versão traduzida por João Ferreira de Almeida, revista e corrigida.

Apresentamo-los na sua forma original, evitando corrigir até a pontuação, para não lhes retirar, como

diz Kardec, “a ingenuidade primitiva, que lhes dá, ao mesmo tempo, encanto e autenticidade.”

03 - [Jesus foi um essénio?] - INTRODUÇÃO III- Notas históricas

Citando António Piñero em “Ciudadano Jesús, Respostas a casi todas las preguntas”:

“P.: Jesus era um essénio?

R.: Para responder devemos questionar que semelhanças ou diferenças havia entre Jesus e os Essénios.

Mas, antes disso, temos de afirmar que não encontramos textos, nem nos Evangelhos, nem nos

Manuscritos do Mar Morto, dos quais se possa deduzir, com alguma certeza, que Jesus estivera em Qumran

ou noutro estabelecimento essénio, em algum momento da sua vida. A afirmação de que foi um membro

desta seita seria uma conjetura devido a enormes semelhanças na teologia, em temas do Sermão da

Montanha, com os textos encontrados em Qumran.

Contudo, como os Essénios são silenciados e ignorados totalmente nos Evangelhos, o argumento de

que a partir desses escritos se pode afirmar que Jesus nunca esteve entre os Essénios perde força: é

possível que os evangelistas tenham querido silenciar também que Jesus estivera em Qumran ou noutra

comuna essénia durante algum tempo da sua vida.”

Continua António Piñero:

“P.: Em que se parece Jesus com os Essénios?

R.: Realmente a doutrina de Jesus parece-se em muitos aspetos com a dos Essénios: um e outros

desejavam viver o mais possível de acordo com a Lei; um e outros pensavam que o fim do mundo estava

eminente e que Deus permaneceria ao lado de Israel para implantar o seu Reino; um e outros tinham uma

conceção do mundo parecida: como um teatro de luta entre o Espírito de Deus e o Mal (Satanás), luta que

se aproximava do seu momento definitivo; um e outros tinham teorias semelhantes, em alguns pontos

notáveis, como o divórcio.

Tem-se dito também, com verdade, que a figura de Jesus se parece com a do “Mestre da Justiça”,

considerado o fundador da seita: ambos se sentem profetas, intérpretes da Lei e guias de um grupo

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escolhido a quem preparam para a vinda do Reino de Deus. Ambos lutam contra certas classes do judaísmo

oficial; ambos têm uma espiritualidade centrada na Lei e não no culto do Templo.

Mas existem umas quantas diferenças na doutrina e na prática de vida que são insuperáveis e que nos

mostram que é improvável que Jesus tenha sido um essénio.

Em primeiro lugar: na insistência de Jesus no Reino de Deus e nos cambiantes com que o descreve, que

são diferentes dos Essénios. Pode-se afirmar com segurança que Jesus não foi buscar o seu conceito do

Reino de Deus a Qumran mas diretamente à tradição profética de Israel.

Em segundo lugar: a atenção que Jesus dá a todo o tipo de pessoas, incluindo os absolutamente

marginalizados, como prostitutas e publicanos, vendo-os como potenciais membros desse Reino/Reinado

de Deus, se se converterem (Mt 8, 11-12; Lc 13, 28-29), distanciam-no infinitamente dos ideais teórico-

práticos de Qumran. Para os Essénios teria sido um profundo escândalo o convite de Deus ─ representado

na parábola do homem que deu uma ceia ─ a todos, incluindo aos teoricamente impuros, para participarem

no seu Reino (o banquete):

“Então, o pai de família, indignado, disse ao seu servo: Sai depressa pelas ruas e bairros da cidade e traz

aqui os pobres, e os aleijados, e os mancos, e os cegos. E disse o servo: Senhor, feito está como mandaste,

e ainda há lugar. E disse o senhor ao servo: Sai pelos caminhos e atalhos e força-os a entrar, para que a

minha casa se encha. Porque eu vos digo que nenhum daqueles varões que foram convidados provará a

minha ceia”. (Lc 14, 21 ss)

Em terceiro lugar: o mandamento do amor (Mt 5, 43-48), em que o Jesus do Sermão da Montanha tanto

insistiu, é bastante diferente do que imperava em Qumran. Se é certo que Jesus não praticou o amor aos

inimigos sem qualquer regra, o contraste entre o amor aos inimigos do Nazareno e o que lemos na Regra

da comunidade essénia é notável. Segundo esta regra, há que

“amar todos os filhos da luz segundo o seu mérito no plano de Deus, e odiar todos os filhos das trevas,

cada um segundo a sua culpa na vingança de Deus”. (1QS 1, 9-11).

Jesus, pelo contrário, fundamenta a máxima do amor aos inimigos na bondade universal de Deus,

verificada todos os dias, quando “faz nascer o Sol e cair a chuva para justos e pecadores”. Os Essénios de

Qumran não eram, neste sentido, universalistas – admitiam que todos tinham a capacidade de se

converter, mas centravam a sua atenção na predestinação divina, que teria determinado, desde sempre,

quem haveria de ser filho da luz ou filho das trevas… salvo ou condenado.

Por tudo isto, se é que Jesus alguma vez pertenceu a esta seita, deve ter-se separado e distingue-se dela

em aspetos fundamentais ─ conclui António Piñero (“Ciudadano Jesús”, páginas 234-236”). Pesquisa e

tradução de MCBrites.

04 – [O nome de Jesus ] – Capítulo 1, nº 3, JESUS

Há dois mil anos, no Próximo Oriente como em muitas outras partes do mundo, as pessoas não tinham

nomes tão organizados como agora, com sobrenomes e apelidos. Tinham apenas um nome pessoal ao qual

se juntava um designativo para diferençar homónimos: o seu local de origem, a profissão ou uma

caraterística muito própria do indivíduo. Jesus (derivado do nome judaico Joshua ou Jeshua) era conhecido

no local onde vivia como filho de José, o carpinteiro, e mais genericamente como “o nazareno”. É muito

comum, em meio espírita, usar-se esta designação: Jesus de Nazaré.

No tempo de Allan Kardec, numa sociedade profundamente influenciada pelo pesadíssimo predomínio

católico, “Jesus Cristo” era designação usual, tanto que uma imensa maioria de católicos julgava que Cristo

seria parte integrante do nome de Jesus, o que não é verdade.

Sendo o espiritismo uma cultura que é orientada pela ordenação racional de factos comprováveis pela

experiência, isto é, uma filosofia não dogmática que parte de uma ciência de observação, não pode correr

o risco de se deixar embalar por ideias que não são apenas diferentes, são antagónicas. Ou seja, o

espiritismo não aceita dogmas como o da designada “santíssima trindade”, que sacralizou Jesus de Nazaré,

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afastando-o da sua natureza humana, escamoteando o seu papel fundamental de modelo de

comportamento moral que nos propõe o ensino dos Espíritos.

Isto é muito claro ao lermos a pergunta 625 de O Livro dos Espíritos, que pedimos leiam com a melhor

atenção, bem como o comentário de Allan Kardec que se lhe segue.

Sendo Jesus de Nazaré modelo de todos os seres humanos, é impossível conceber Jesus como entidade

constituído de forma artificialmente diferente de qualquer um de nós, seus irmãos, também muito

legitimamente honrados pela categoria inalienável de filhos de Deus.

“Cristo”, por seu turno, é um nome que deriva da palavra grega “christos”, que no contexto do

cristianismo primitivo de influência greco-judaica inseria Jesus no elenco do messianismo judaico, que quer

dizer exatamente “o messias”, “o enviado”, “o ungido”.

S. Paulo, que nunca conheceu pessoalmente Jesus, deu um primeiro passo nessa direção, quando criou “O Cristo da fé” que se afastava muito do Jesus histórico, cuja vida e mensagem lhe

não interessavam, uma vez que centrava toda a sua doutrina na “morte e ressurreição” de Jesus. Quando o cristianismo começou a helenizar-se e a expandir-se entre os gentios (os não judeus), o título

de Cristo passou a ser uma espécie de sobrenome.

Depois do colapso do poder dos Césares de Roma, esvaziados da prerrogativa da sua divinização que

lhes era conferida pelo paganismo, tiveram que lançar mão da popularidade crescente e progressiva do

cristianismo.

Este tinha avançado de forma imparável, impulsionado pelos ensinamentos de Jesus de Nazaré, em

coerência com as antigas sabedorias e com a vanguarda científico filosófica das escolas de pensamento

Grego, nomeadamente Pitágoras, Sócrates e Platão (Ver capítulo III da Introdução de O Evangelho segundo

o Espiritismo).

O Império romano, aliado ao poder de alguns altos dignitários do cristianismo nascente, apoderou-se

do cristianismo para impor a universalidade da sua influência política e estratégica.

Cristo foi-se tornando uma expressão corrente, enquanto o Jesus ressuscitado recebia o sobrenome de

“senhor” ou “kyrios”, fórmula que encaixa adequadamente nas determinações políticas que foram

assumidas no Concílio de Niceia, no ano de 325, pelo Imperador Constantino, o grande, para obedecer

exclusivamente a interesses de predomínio político e estratégico.

Allan Kardec usou indistintamente as palavras Jesus, Cristo, e até Jesus Cristo com o mesmo significado.

Porém, quer na ordem das ideias de carácter doutrinário, quer na ordem da consideração histórica da

pessoa de Jesus, cento e cinquenta anos depois da elaboração de O Livro dos Espíritos, entendemos que é

forçoso fazer opções quanto à utilização desta diversidade de nomes, que pode carregar consigo o peso de

graves contradições. A nossa decisão não é apenas linguística nem apenas doutrinária: respeita e faz a

devida utilização da memória dos povos, leva em conta as trágicas consequências de mais de 1.700 anos

de dogmatismos impiedosamente intolerantes e sangrentos.

Reforçando ideias, repetimos as esclarecidas palavras de Kardec (ver comentário pergunta nº 625 desta

obra) : “...Se alguns dos que pretenderam instruir os seres humanos na lei de Deus algumas vezes os

desviaram para falsos princípios, foi por se deixarem dominar por sentimentos demasiado terrenos e por

terem confundido as leis que regem as condições da vida da alma, com as que regem a vida do corpo.

Muitos deles apresentaram como leis divinas o que eram apenas leis humanas, criadas para servir as

paixões e dominar os homens. ”

[ 05 – O espiritismo é uma religião?] – Capítulo XXVIII – Prefácio nº 51

“…No livro “O que é o Espiritismo?” Kardec diz-nos: "O espiritismo é ao mesmo tempo uma ciência de

observação e uma filosofia. Como ciência prática, trata das relações que se podem estabelecer com os

Espíritos; como filosofia, esclarece as consequências morais derivadas dessas relações".

Numa definição de espiritismo tão clara como esta, Allan Kardec não mencionou o termo “religião”.

(…. )

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Revista Espírita de Dezembro de 1868 (excertos):

“... cada um vai aos lugares de reuniões religiosas com um pensamento pessoal, por sua própria conta

e, na maioria das vezes, sem nenhum sentimento de fraternidade em relação aos outros assistentes; fica

isolado no meio da multidão e só pensa no céu para si mesmo.

Por certo não era assim que o entendia Jesus, ao dizer: “Quando duas ou mais pessoas estiverem

reunidas em meu nome, aí estarei entre elas.” Reunidos em meu nome, isto é, com um pensamento

comum; …não se pode estar reunido em nome de Jesus sem assimilar os seus princípios. Ora, qual é o

princípio fundamental da mensagem de Jesus? A caridade em pensamentos, palavras e ações... “

( …. )

“...Se é assim, perguntarão: então o espiritismo é uma religião? Sem dúvida! No sentido filosófico, o

espiritismo é uma religião, e vangloriamo-nos por isso, porque funda os vínculos da fraternidade e da

comunhão de pensamentos, não sobre uma simples convenção, mas sobre bases mais sólidas: as próprias

leis da Natureza.

Por que motivo, então, temos declarado que o espiritismo não é uma religião? Duas ideias diferentes

não podem ser definidas pelas mesma palavra. Na opinião geral, a palavra religião é inseparável da ideia

de culto ritual, que o espiritismo não tem.

Se o espiritismo se dissesse uma religião, seria apenas uma variante das castas sacerdotais com suas

hierarquias, cerimónias e privilégios, de misticismos e abusos contra os quais a nossa opinião sempre se

levantou.

(…) Eis por que motivo simplesmente se diz: pensamento filosófico e moral...”

( …. )

HUMBERTO MARIOTTI (1905 - 1982) grande intelectual que foi por duas vezes presidente da

Confederação Espírita Argentina, no fim dos anos 30 e durante os anos 60 do século XX, elaborou no

prólogo escrito para a obra El Sermón de la Montana, uma síntese especialmente feliz que nos ajuda a

acomodar uma cultura científico-filosófica de índole positiva e racionalista, com a espiritualizada atitude

íntima de tantos dos adeptos espíritas:

“...O espiritismo, nos estudos universais que realiza, dedica à inteligência a ciência, ao pensamento a

filosofia e ao sentimento a religião...”

(…) Os factos devem ser considerados como factos, as ideias ordenadas como ideias, restando livres os

sentimentos para vibrar do modo que mais convier à pessoa. Isso só pode suceder num plano totalmente

livre dos constrangimentos do dogma, do pensamento fechado, da repressão íntima e da intolerância

coletiva.

Os adeptos e estudiosos do espiritismo são tão fortemente sensíveis à ideia de Deus como ao uso da

razão crítica; são tão assíduos praticantes e beneficiários da prece, como estão disponíveis para entender

a complexidade do mundo, a memória da Humanidade e as suas contradições…”

[ 06 – O materialismo foi vencido?] – Cap. I, 8 – Aliança da ciência e da religião

A redação deste nº 8 feita por Allan Kardec deve ter sido feita num momento de extraordinária exaltação

imaginária, em que o sentimento do querer, ligado a uma fé irrealista, permitiram ao autor compor ficções

sem limites a respeito da realidade vivida.

Mais de século e meio depois tal ficção permanece como tal, não possibilitando a visão do mundo como

a realidade no-la oferece, imaginar sequer a sua viabilidade.

O próprio sucesso de implantação do espiritismo, cuja difusão mundial foi anunciada por Kardec como

garantida em vários pontos da sua obra, desapareceu praticamente em França depois dele, tendo-se

seguido um tremendo conflito Europeu com a invasão da França logo depois da sua morte e, logo mais

adiante, dois conflitos mundiais, os mais tremendos de toda a história da Humanidade.

As dificuldades que nos oferece este nº 8 não ficam por aqui. A tradução do título é literal: “Aliança da

ciência e da religião”, e não nos parece ser menos problemática que a “vitória sobre o materialismo”, visto

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que uma das coisas que tem mais dramaticamente dividido o espiritismo é a tendência de alguns de o

transformarem numa religião efetivamente dogmática (a sua vertente “roustainguista”) a par de mini

sectores com uma visão discutível da prática mediúnica, sem a concretização de um dos pontos básicos da

definição do espiritismo: o diálogo dos Espíritos com o mundo material.

[07 - As palavras erraticidade e errante] – Capítulo III – 2

Sendo muito frequentes em “O Livro dos Espíritos”, uma pesquisa a respeito do significado real desses

termos e da condição dos Espíritos entre encarnações sugeriu-nos o abandono dessa designação, por nos

parecer menos bem escolhida para esse efeito. Lembramos que essa designação abrange a totalidade dos

Espíritos entre encarnações, seres destinados – como bem sabemos – a satisfazer todos os requisitos

morais e intelectuais cujo destino final e garantido é alcançar a mais elevada perfeição entre todos os seres

criados por Deus.

Sobre a palavra “erraticidade”, o dicionário diz-nos que é um substantivo feminino que traduz a

“qualidade de errático”, sendo que errático é um adjetivo que significa “errante”. “Errar”, por seu turno é

um verbo que deriva do latim “errare”: “andar ao acaso, vaguear, circular, espalhar-se, ir por um caminho

errado”. Como verbo transitivo significa: “enganar-se em; não acertar com; não dar em; não dar com;

perder-se em”. Como verbo intransitivo, significa: “vaguear; enganar-se; perder-se; pecar”.

O Espírito é o princípio inteligente do Universo e os Espíritos são a individualização do princípio

inteligente. A resposta à P. 607 de “O Livro dos Espíritos” diz-nos “que é nos seres inferiores da Criação que

o princípio inteligente se elabora, se individualiza pouco a pouco e se prepara para a vida.”

A lógica do progresso da Criação não se detém desde o momento em que o princípio inteligente se

torna Espírito, prosseguindo a partir daí uma evolução sem retrocessos, em tudo coerente com o

brilhantismo evolutivo da obra divina.

A P. 607-a (de “O Livro dos Espíritos”) termina, até, pela ideia de que seria impensável a criação divina

de seres sem objetivos, e seres inteligentes sem futuro. Os Espíritos, mesmo que sujeitos à pior situação

possível de estacionamento evolutivo, não podem ser considerados seres vagantes sem objetivos, errando

perdidos no espaço e no tempo, a não ser em casos especiais e por curtos intervalos de tempo. Não faz

sentido aplicar esta designação à totalidade dos Espíritos entre vidas. O seu destino é progredir, o seu

objetivo é a perfeição.

Sentimo-nos por isso obrigados a reformular essa tradução, uma vez que a nosso ver, as designações

“errante” ou “erraticidade” podem perfeitamente ser evitadas, sendo substituídas com vantagem por

Espíritos “entre vidas”, quase todos eles ativos, refletindo, aprendendo e desempenhando um variadíssimo

leque de tarefas ou preparando-se para uma nova reencarnação.

[08 – Completando a nota de rodapé nº 3 de A.K ] - no Capítulo IV, ponto 7.

À nota de Allan Kardec podemos hoje acrescentar que as modernas traduções já restituíram o texto

primitivo, pois que só imprimem “Espírito” e não Espírito Santo. Examinámos a tradução brasileira, a

inglesa, a tradução em esperanto e na de João Ferreira de Almeida, e em todas elas está somente “Espírito”.

Além dessas traduções modernas, encontramos a confirmação numa tradução latina de Theodoro de Beza,

de 1642, que diz: “...genitus ex aqua et Spiritu...” “...et quod genitum est ex Spiritu, spiritus est.” É fora de

dúvida que a palavra “Santo” foi interpolada, como diz Kardec.

[09 – Tradução Pe. Ferreira de Almeida] Capítulo IV, nº 14,

Ressurreição e reencarnação – Job, 14: 10,14, Mas, morto o homem, é consumido; sim, rendendo o

homem o Espírito, então, onde está? Morrendo o homem, porventura, tornará a viver? Todos os dias de

meu combate esperaria, até que viesse a minha mudança.

[10 – as ideias materialistas] – Capítulo V, nº 16 ]

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A cultura, a ciência e os conceitos relativos aos seres humanos e à sociedade atual, por comparação

com equivalentes realidades de meados do século XIX, já foram motivo de algumas notas feitas nos nossos

trabalhos de tradução (ver nota final nº 71 de “O Livro dos Espíritos”). Neste caso, em concreto, a evidência

do choque cultural entre essas duas épocas vai mais longe e suscita uma clarificação dos juízos formulados

relativamente aos céticos, incrédulos e materialistas, aos quais é dedicada uma muito significativa parte de

toda a argumentação desenvolvida nesta e noutras obras de Allan Kardec.

Os céticos racionalistas e pessoas afastadas de perspetivas espiritualistas que conhecemos são uma

minoria de indivíduos geralmente orientados por princípios de caráter intelectual, possuidores de sentido

crítico e quase sempre pessoas de cultura.

Temos amigos céticos, agnósticos e ateus que são pessoas respeitáveis, honestas, civicamente ativas e

animadas de princípios éticos, artístico-culturais e humanistas.

Os avanços na área da cultura académica, até há pouco impermeável às solicitações da complexidade

sensível da Humanidade face ao Eterno, têm conhecido enriquecimentos e aberturas em várias partes do

mundo a que as pessoas permanecem alheias, por motivos porventura compreensíveis, mas tão

lamentáveis como aqueles que têm mantido o espiritismo na área das culturas quase completamente

ignoradas.

Se o ateísmo for uma crença, como de facto pode ser encarado, porquê tentar aproximações

improváveis às religiões dogmáticas e anatemizar cidadãos sérios e respeitadores só porque não acreditam

no mesmo que nós?

Quando um crente, que tem fé na vida depois da morte, é muito bonzinho e se comporta muito bem

para evoluir mais rapidamente no plano espiritual, que virtude terá perante um cético que é honrado e

cumpridor − até da caridade e da prática do bem − nada esperando depois de morto?

Há pouco tempo, falando deste assunto com um amigo bom, generoso e cumpridor dos seus deveres,

mas ateu, ele perguntou-me, de súbito: tu só te preocupas com o bem dos outros porque estás à espera

da recompensa? E se nada te dessem em troca, o que farias da tua vida?

Foi tão veemente e honesta a pergunta que fiquei sem palavras!

Aconselhamos ainda a ler, em apoio desta nota, as seguintes perguntas de “O Livro dos Espíritos”:

Pergunta 982: é necessário fazer profissão de fé no espiritismo e acreditar nas manifestações para

garantir a nossa sorte na vida futura?

Se assim fosse, todos os que não acreditam ou que não puderam esclarecer-se seriam deserdados, o

que é absurdo. É a prática do bem que assegura a vida futura; ora, o bem é sempre o bem, qualquer que

seja a via que a ele conduz. E ainda a Pergunta 165: O conhecimento do espiritismo exerce alguma

influência sobre a duração maior ou menor da perturbação? Uma influência muito grande, pois o Espírito

compreende antecipadamente a sua situação, mas a prática do bem e a pureza de consciência é o que

exerce maior influência.

[11– O Suicídio - cada caso é um caso] - Capítulo V, nº 17

O conhecimento que temos do regresso natural à vida depois da morte, seja qual for o nível a que se

tenha a obrigação ou o privilégio de regressar ao outro mundo, divide-se entre perspetivas e ideias mais

ou menos penalizantes. Em certas áreas da opinião espírita, fruto de influências que é escusado

caracterizar, a visão que é abundantemente partilhada é muitíssimo agravada e pessimista.

Livros e até filmes que têm “mostrado” o que certos sectores chamam “o umbral”, não hesitam em

configurá-lo de modo tremendamente trágico, apontando para o inferno, que é em absoluto rejeitado pelo

espiritismo. Já o nome assim “inventado”, o “umbral”, nos parece uma caricatura demasiado tendenciosa

e inapropriada. A pesquisa do diálogo entre mundos, também de há muitos anos levada a cabo, consoante

o carácter das fontes espirituais consultadas, oferece alternativas muitíssimo importantes a essa visão dos

acontecimentos. Portanto, o suicídio, como um elenco extraordinário de atitudes muito problemáticas da

vida, merece uma observação que nunca é simplista e taxativamente determinada. A obra de Deus e o

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conjunto de todas as suas Leis Naturais, obedecem a princípios de infinita misericórdia e a um sentido de

Justiça igualmente ilimitado e inteligente, em nada semelhante aos regulamentos de disciplina dos

humanos, muito menos os de cultura dogmática.

Exemplos de comunicações mediúnicas que o confirmam, dá-los-íamos em numerosa quantidade e

qualidade, mas ficamo-nos por uma breve frase: O suicídio é um risco grave e deve ser estudado e evitado

a todo o custo. Mas cada caso é um caso, conforme inúmeros exemplos assinalados pelo conhecimento

espiritualista alargado.

[12 – O mal e o remédio – texto poético] - Capítulo V, nº 19

Todos os leitores, independentemente da sua vocação literária, devem ter uma noção pessoal muito

concreta do formalismo da prosa e da versatilidade emocional do discurso poético. Isto, é claro,

independente do sentido poético de que possam ser animados, um e o outro. O texto que aqui está

atribuído a um Espírito que se deu pelo nome de “Santo Agostinho” embora tendo sido registado por Allan

Kardec como um pedaço de prosa, ao ler-se, desafia a liberdade poética do leitor, para que o veja escrito

no espaço da mente, distante da linearidade prosaica.

Como todos sabem, os textos antigos, de vibração evangélica, têm sido escritos muitas vezes, consoante

os tradutores, mais de acordo com a liberdade poética, devido às mais concretas razões. A antiguidade das

edições bíblicas, no entanto, sempre aprisionaram esses textos ao formalismo de frases muito compactas,

o que exige outra atitude de quem lê.

Ao ler este nº 19 – “O Mal e o Remédio”, sentimo-nos obrigados a vê-lo escrito no espaço, ganhando

novas asas que o formato da prosa não lhe permitia, isto independentemente de algumas liberdades de

composição que desejaríamos sugerissem o sentido poético.

[ 13 - O Reino dos Céus] - Capítulo VII, nº1

O Reino dos céus é uma designação católica e que já existia entre os judeus. Por isso Jesus tinha de falar

de modo a fazer-se entender pelo povo da sua época. Como sabemos, o Espiritismo não aceita o conceito

de céu nem de Inferno, mas sim o de “mundo espiritual”.

O QUE É O CÉU E ONDE SE LOCALIZA?

Encontramos uma explicação completa no Capítulo III do livro “O Céu e o Inferno” de A.K. que se intitula

“O Céu” que não dispensa uma leitura integral o livro. Aí se diz que:

“ As diversas doutrinas que se referem à morada dos bem-aventurados estão todas estabelecidas sobre

o duplo erro de que a Terra é o centro do Universo, e de que a região dos astros é limitada. É para além

desse limite imaginário que todas colocaram essa região afortunada e a morada do Todo-Poderoso….

A Ciência, com a inflexível lógica dos factos e da observação, levou a sua luz até às profundezas do

Espaço e mostrou a nulidade de todas essas teorias. A Terra deixou de ser o centro do Universo, é apenas

um dos mais pequenos astros girando na imensidão;

As ideias dos seres humanos são proporcionais ao que eles sabem; como todas as descobertas

importantes, a da constituição do Universo deu um outro curso às suas ideias. Sob o domínio desses novos

conhecimentos, as crenças modificaram-se: o céu foi deslocado; a região das estrelas, sem limites, não

podia servir para ele.

Então, onde está o céu? Diante dessa questão, todas as religiões permanecem mudas. O Espiritismo

veio resolvê-la demonstrando o verdadeiro destino das pessoas. (Ver O Céu e o Inferno, Capítulo III e O

Evangelho segundo o Espiritismo, Capítulo III)”

[14 - o “Bezerro de ouro”] - Cap. VII, nº 11

Bezerro de ouro é o ídolo que, de acordo com a tradição judaico-cristã, foi criado por Aarão quando

Moisés tinha subido ao monte Sinai para receber os mandamentos da Lei de Deus.

(…)

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Aarão, então, mesmo tendo conhecimento que Deus não pode ser reproduzido, por pressão popular

esculpiu um “deus” exatamente conforme estava acostumado a ver na terra da servidão, um Bezerro de

Ouro.

Esta divindade era bem conhecida entre os egípcios e o seu culto estava ligado a toda a licenciosidade,

erotismo, prostituição e lascívia. Para dar um tom de sacralidade Aarão esculpe-o em ouro puro, com o

buril.

Na linguagem corrente, a expressão "bezerro de ouro" tornou-se sinónimo de um falso ídolo, ou de um

falso "deus" por exemplo, simbolicamente, o dinheiro.

É frequentemente citado e podemos ver um exemplo no «Discurso do Papa Francisco aos novos

embaixadores do Quirguistão...», no Vaticano, em 16 de maio de 2013, por ocasião da apresentação das

cartas credenciais. Disse o Papa: “Criámos novos ídolos. A adoração do antigo bezerro de ouro (cf. Ex 32,1-

8) encontrou uma nova e cruel versão na idolatria do dinheiro e na ditadura de uma economia realmente

sem fisionomia nem finalidade humanas.”

[ 15 - A palavra escândalo] - Capítulo VIII, nº 11

Nas traduções mais recentes e mais fiéis da Bíblia, a palavra escândalo está traduzida por “tropeço”,

querendo significar que Jesus se referia a tudo o que leva as almas à queda: o mau exemplo, princípios

falsos, abuso do poder, etc.

[ 16 – o “fogo do Inferno” e a “expulsão dos maus” ] - Capítulo IX, nº 1 a 5

Compreendemos que Allan Kardec, ao ter citado textualmente versículos do Evangelho segundo São

Mateus, tenha mencionado o “fogo o inferno”.

Mais adiante, porém, já no uso da palavra, Kardec narra o momento em que Jesus ameça com “o fogo

do inferno” aquele que chamar louco o seu irmão, sabendo-se como se sabe que esse fogo e esse inferno

são coisas absolutamente inexistentes segundo o Espiritismo, pensamento diretor do conteúdo dos

Evangelhos, conforme o espírito desta obra, e não o contrário.

Como se não bastasse esta contradição, Kardec acaba nº 5 deste Capítulo do “Evangelho segundo o

Espiritismo” com o vaticínio chocante de que, “Quando a lei de amor e caridade for a lei da Humanidade

deixará de haver egoísmo, o fraco e o pacífico não serão explorados nem esmagados pelo forte e pelo

violento, será esse o estado da Terra, quando, segundo a lei do progresso e a promessa de Jesus, ela se

tenha tornado num mundo feliz, pela expulsão dos maus.

Não referimos estas contradições depreciando de modo algum a obra de Allan Kardec, que continuamos

a considerar um momento alto da revelação de ideias fundamentais para a compreensão da vida e das suas

determinantes fundamentais. O que queremos reforçar é a ideia de que o trabalho de Kardec, para além

de ser devidamente estudado e respeitado, deveria ter sido continuado e desenvolvido, sobre todos os

aspectos, seguindo o importantíssimo modelo que construiu e nos deixou.

[17 – Pensamentos bons e maus] - Capítulo XII, nº 3

O pensamento é energia. É a força mais subtil, mais vital que existe no Universo. Move-se a uma

velocidade que ultrapassa a velocidade da luz - a sua propagação é instantânea.

Para nós, espíritas, o pensamento é uma manifestação do Espírito, que, para tanto, se utiliza do seu

livre-arbítrio e da vontade. É um fluxo energético do campo espiritual, que se transmite com uma

determinada oscilação ou vibração. Falamos, frequentemente, da necessidade de cultivar bons

pensamentos e sentimentos, para gerar e atrair boas vibrações e sintonizar com os bons Espíritos que nos

auxiliam. O que é sintonia? É a identidade ou harmonia vibratória. É a relação entre o emissor de frequência

e o recetor. Só recebemos as emissões que estejam na mesma frequência que a nossa. A pergunta que se

põe é: Com que canal estamos sintonizados?

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O padrão vibratório é uma maneira de definir o padrão moral do Espírito. Atrair as mentes que possuem

o mesmo padrão vibratório que o nosso, quer dizer, atrair os Espíritos, encarnados ou desencarnados, que

estão no mesmo nível moral que o nosso. Podemos aumentar a nossa vibração não só melhorando os

pensamentos, mas também através da prece e da meditação.

[18 – Os incrédulos também são nossos irmãos] – Capítulo XII nº 4 – Amai os vossos Inimigos

Depois de várias alusões fortes relativas aos “incrédulos” que fomos encontrando nesta obra, sentimo-

nos obrigados neste ponto a manifestar a nossa opinião.

Anima-nos aqui, mais do que uma simples demonstração de solidariedade para com pessoas que

pensam de maneira diferente, o desejo de incluí-los de pleno direito na comunidade dos seres humanos

que são nossos semelhantes, participantes de todas as suas dignidades possíveis, inclusivamente da virtude

de possuírem e desenvolverem sentimentos elevados.

Tendo a certeza absoluta de que existe uma inteligência superior criadora de todas as coisas, também

julgamos que, sendo infinitamente misericordiosa, não poderia ter criado seres predestinados ao rancor e

ao desejo do mal. Para tornar breve esta nota chamamos a atenção para o conteúdo do Prefácio nº 51 do

capítulo XXVIII desta mesma obra:

“…De todas as liberdades, a mais inviolável é a de pensar, que inclui também a liberdade de consciência.

Lançar o opróbrio contra os que não pensam como nós, é reclamar esta liberdade para si e recusá-la aos

outros, é violar o primeiro mandamento de Jesus: a caridade e o amor ao próximo…”

Julgamos também que os “incrédulos” não constituem dificuldade de monta para a defesa e divulgação

da doutrina espírita se comparados, por exemplo, com as poderosíssimas organizações das religiões

dogmáticas, que têm sido secularmente antagónicas de todas as ideias emancipadoras da cosmovisão

espírita, da sua visão de Deus e da Humanidade, da sua origem e do seu destino.

O que está também muito claramente afirmado no já citado nº 51 do capítulo XXVIII desta obra:

“… A perseguição é o batismo de qualquer ideia nova…“ “…A determinação e a cólera dos seus inimigos

é proporcional ao temor que elas lhes inspiram. Foi por essa razão que o Cristianismo foi perseguido na

antiguidade, e é essa a razão das perseguições ao Espiritismo na atualidade, com uma diferença: enquanto

o Cristianismo foi perseguido pelos pagãos, o Espiritismo é perseguido pelos cristãos…”

[19 – A expressão “juízo de Deus”] – Cap. XII, nº 13

Juízo de Deus – prova pelo fogo, água fervente, etc., usada na Idade Média para decidir da culpa ou

inocência do acusado.

Quem suportasse ser mergulhado em água fervente, ou suportasse o contacto com um ferro em brasa

sem se queixar ou ficar ferido, seria dado como inocente. Se se queixasse ou ficasse ferido era culpado.

É claro que por este processo, todos os acusados eram considerados culpados, que era o que pretendia

a instituição que os acusava, a Igreja dogmática.

[ 20 – As guerras são duelos criminosos, com milhões de vítimas ] Cap XII nº 15

Temos considerado o tema destes considerandos de Allan Kardec francamente menos útil, por serem

os antigos “duelos” prática quase esquecida na sociedade de hoje.

Mas será assim, realmente? Observando bem os hábitos gerais de confrontações, disputas e conflitos

de toda a ordem que têm lugar na vida de todos os dias, é evidente que, alargando a ideia do duelo à

tendência da humanidade para a conflitualidade em geral, seria apenas necessário atualizar o tema, não

faltando horizontes de enorme gravidade para a sua análise e as muito necessárias recomendações

corretivas, a todos os níveis.

Os conflitos armados entre as nações, como grandes duelos organizados no que julgamos ser “uma

sociedade civilizada e muito desenvolvida”, representam o desvario mais absolutamente dramático que se

pode imaginar, causado e alimentado por países tidos como “muito desenvolvidos e civilizados”.

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Que tal os grandes desfiles com fanfarras luzidias nos grandes dias de festas nacionais por todo o

mundo, com homens muito bem fardados e condecorados… de armas às costas, carros de combate e caças

a jato rompendo os céus?

Os prejuízos causados por séculos e séculos da especialização das guerras, têm feito da vida no planeta

Terra, um encadeado de sofrimentos escusados e absurdamente trágicos, sementeiras de injustiça e

fábricas de fome e miséria.

De notar, como elemento indicativo da degradação humanista, a componente “religiosa” de inúmeros

conflitos, antigos e modernos. Se fosse feita uma estatística das guerras acontecidas desde sempre no

planeta, seria fácil determinar uma grande maioria de conflitos com apadrinhamento “religioso” e muitos

milhões de mortos.

Os duelos, sob formas as mais desordenadamente prejudiciais, mantêm-se um hábito enraizadíssimo,

motivador de grandes conquistas, aquisições materialistas e... poder puro e simples.

Se provas fossem necessárias para demonstrar o atraso lamentável do “planeta de expiação e de

provas” que continua a ser aquele em que vivemos, e a urgentíssima necessidade de divulgação da

CULTURA ESPÍRITA, MÃE DA ESPERANÇA, DO OPTIMISMO, DA CARIDADE E DA PAZ, bastaria para isso

pensar bem no que nos disse Allan Kardec, a respeito dos… “duelos”!...

[21 - Juízo final, forma e alegoria] – Capítulo XV, nº 3

Recordamos o que dissemos no prefácio, a propósito do título desta obra, que é: “O evangelho segundo

o espiritismo”, e não o “espiritismo segundo o evangelho”.

Quer dizer que devemos interpretar o evangelho de Jesus à luz das novas informações que o espiritismo

nos trouxe, segundo as quais não há diabo, nem inferno, nem céu – só Espíritos, encarnados ou

desencarnados, em diversos graus de atraso ou adiantamento, mas nenhum condenado eternamente ao

mal. Pelo contrário, todos estão em evolução, mais lenta ou mais rápida, segundo as decisões do seu livre

arbítrio. Todos irão, ao longo das vidas sucessivas, atingir a perfeição e chegar junto de Deus.

( …. )

A respeito do Juízo final, vejamos o que nos diz Léon Denis (1846 – 1927) um dos mais notáveis

seguidores de Allan Kardec, e distinto estudioso e divulgador do espiritismo, no livro “Après La Mort”

(última edição revista e corrigida); Cap. XXXI – Le Jugement (Quatrième Partie - L’Au-Delà)

“…Nada de julgamento, nada de tribunal, apenas existe a lei imutável executando-se por si própria, pelo

jogo natural das forças espirituais e segundo o emprego que delas faz a alma livre e responsável…”

“…Uma lei tão simples nos seus princípios como admirável nos seus efeitos regula a classificação das

almas no mundo espiritual logo a seguir à morte do corpo.

Quanto mais purificadas estiverem as moléculas constitutivas do perispírito, mais subtis e rarefeitas se

encontram, o que torna mais rápida a desencarnação e mais vastos são os horizontes que se rasgam ao

Espírito desde esse instante.”

[ 22 – A palavra “odiar”] - Capítulo XXIII, nº 3 – Moral Estranha.

No original francês o verbo empregado é “haïr”, cuja tradução em português é “odiar”. O texto

evangélico reproduzido não é tradução do francês, mas a tradução clássica da Bíblia, de J. F. Almeida, que

emprega o verbo “aborrecer”.