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1 Tácito Thadeu Leite Rolim “Giram os Sputniks nas Alturas, Ferve a Imaginação nas Planuras”: a ciência e o bizarro no Ceará em fins da década de 1950. Dissertação apresentada no Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em História Social. Orientadora: Profa. Dra. Ivone Cordeiro Barbosa Fortaleza - CE / 2006.

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Tácito Thadeu Leite Rolim

“Giram os Sputniks nas Alturas, Ferve a Imaginação nas Planuras”: a ciência e o bizarro no Ceará em fins da década de 1950.

Dissertação apresentada no Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade

Federal do Ceará, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em História Social.

Orientadora: Profa. Dra. Ivone Cordeiro Barbosa

Fortaleza - CE / 2006.

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Tácito Thadeu Leite Rolim

“Giram os Sputniks nas Alturas, Ferve a Imaginação nas Planuras”: a ciência e o bizarro no Ceará em fins da década de 1950.

Esta Dissertação foi julgada e aprovada, em sua forma final, pela Orientadora e membros da Banca Examinadora, composta pelos professores:

___________________________________________ Professora Dra. Ivone Cordeiro Barbosa – Orientadora

Universidade Federal do Ceará

____________________________________________ Professor Dr. Franck Pierre Gilbert Ribard

Universidade Federal do Ceará

_____________________________________________ Professor Dr. Jorge Luiz Ferreira Universidade Federal Fluminense

Fortaleza - CE / 2006.

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Índice de Gráficos, Mapas e Imagens.

1. Artigo “Bomba Atômica no Nordeste?”, O Povo ©, 29-11-1998, página 12.

2. Trecho do livro de Leôncio Basbaum, Caminhos Brasileiros..., página 13.

3. Charge da Time ©, 20-08-1945, página 36, Low ©

4. Charge da Time ©,1-10-1945, página 37, Punch ©

5. Charge da Time ©, 15-10-1945, página 39, Dublín Opinion ©

6. Charge da Time ©, 3-10-1949, página 41, New York Post ©

7. Charge da Time ©, 5-4-1954, página 43, St, Louis Post ©

8. Charge da Time ©, 30-1-1950, página 49, London Evening ©

9. Charge da Veja ©, 22-1-1969, página 55, The Denver Post ©

10. Gráfico “Total de Avistamentos de OVNI / OVI - 1947-69”, página 56.

11. Artigo “THAT AIRSHIP NOW AT...” da Time ©, 9-6-1952, página 58.

12. Charge da Time ©, 25-10-1954, página 62, France Dimanche ©

13. Charge da Time ©, 25-10-1954, página 63, France Dimanche ©

14. Folheto de Basiléia (1566), reprodução livro de JUNG, C. G., página 66.

15. Gráfico “Número de Eventos Totais - 1956-59”, página 68.

16. Gráfico “Lançamentos de foguetes do Cabo... 1950-99”, página 71.

17. Mapa “Centro...”, reprodução livro SHELTON, W. R., página 72.

18. Artigo “Míssil aparece 25 anos depois” da Veja ©, página 73.

20. Foto arquivo da Base Aérea de Fortaleza (B.A.F.), 11-1957, página 76.

21. Reclame do Correio do Ceará ©, 25-4-1959, página 78.

22. Reclame do Gazeta de Noticias ©, 16-4-1957, página 79.

23. Gráfico “Testes Nucleares Americanos - 1945-92”, página 80.

24. Gráfico “Investimentos Norte-Americanos no Brasil - 1950-65”, página 93.

25. Mapa da distribuição dos eventos no Ceará 1956-59, página 106.

26. Gráficos “Testes Nucleares x Eventos no Ceará - 1956-59”, página 127.

27. Artigo “Argus Atom…” do The New York Times ©, 4-4-59, página 143.

28. Artigo “O ‘PROJETO ARGUS’” do O Jornal ©, 1-4-1959, página 153.

29. Charge do Novos Rumos ©, 17 a 23-04-1959, página 159.

30. Reprodução da “History of the Custody…1945-77”, página 165.

31. Reprodução do Atlas Geográfico Melhoramentos ©, página 180.

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Índice de Abreviaturas e Siglas.

A.E.C = Comissão de Energia Atômica.

A.G.I = Ano Geofísico Internacional.

B.A.F = Base Aérea de Fortaleza.

C.I.A. = Agência Central de Inteligência.

C.N.E.N = Comissão Nacional de Energia Nuclear.

D.C.T = Departamento de Correios e Telégrafos.

D.N.E.R = Departamento Nacional de Estradas e Rodagens.

DoD = Departamento de Defesa.

E.T. = Extra Terrestre.

EE.UU = o mesmo que E.U.A

E.U.A = Estados Unidos da América.

F.N = Fernando de Noronha.

I.B.G.E = Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

I.C.B.M = Míssil Balístico Intercontinental.

I.R.D = Instituto de Radioproteção e Dosimetria.

K.T = quiloton (mil toneladas de explosivo TNT)

L.A.N.L = Laboratório Nacional de Los Alamos.

N.T.S. = Área de Testes de Nevada.

O.N.G = Organização Não-Governamental.

O.S.D. = Escritório do Departamento de Defesa.

O.T.A.N = Organização do Tratado do Atlântico Norte.

O.V.I. = Objeto Voador Identificado.

O.V.N.I = Objeto Voador Não Identificado.

P.C.B = Partido Comunista Brasileiro.

P&D = Pesquisa e Desenvolvimento.

P.S.D. = Partido Social Democrata.

T.I.A.R = Tratado Interamericano de Assistência Recíproca.

U.F.O = o mesmo que O.V.N.I.

U.B.E.S = União Brasileira dos Estudantes Secundaristas.

U.R.S.S = União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.

U.S.A.F = Força Aérea Norte-Americana.

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Agradecimentos.

Inicialmente gostaria de agradecer a inestimável ajuda da Profa. Dra.

Ivone Cordeiro Barbosa, minha orientadora, por ter abraçado, desde o início, a

“causa” do bizarro. E, complementarmente, ao apoio dos Prof. Dr. Almir Leal,

Profa. Dra. Berenice de Castro Neves, Prof. Dr. Franck Pierre Ribard, Prof. Dr.

Frederico de Castro Neves, Prof. Ms. Gledson Ribeiro, Prof. Dr. Jorge Ferreira,

Prof. Dr. Luigi Biondi e Prof. Ms. Nuno Gonçalves.

Sou grato a Daniele e Américo que, nos momentos difíceis deste

trabalho, gentilmente cederam o seu computador para minhas pesquisas na

Internet; a Waldeberto Júnior, meu irmão, por muito me ajudar com a

impressão e digitalização de fontes; e a Ana Paula, pelo seu apoio na fase final

desta Dissertação. Agradeço ainda, pela contribuição inestimável a esta

pesquisa, ao Padre Richard Lee Cornwall (Padre Ricardo), Antônia Márcia e

Francisco Barbosa (“Chiquinho”), todos da cidade de Madalena - CE.

Gostaria de agradecer aos funcionários do Departamento de Pós-

Graduação em História Social, da Universidade Federal do Ceará (D. Regina e

Sílvia), do NUDOC (a inefável Isabele) e, last but not the least, os inestimáveis

amigos e amigas que fiz no percurso de minha pesquisa: Carlos Eduardo,

Egberto Melo, Janete Silveira, Kamilo Karol, Lindercy Lins, Maria Vilani,

Rodrigo Ribeiro e Teresinha Bandeira, para citar apenas os que estiveram mais

próximos.

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Resumo. O objetivo desta Dissertação foi o de recuperar as diferentes percepções em

torno dos fenômenos ocorridos na década de 1950, no estado do Ceará,

descritos como clarões, estrondos e objetos luminosos. Estes episódios

repercutiram de forma controversa na imprensa local, na medida em que, de

um lado, alguns consideravam como resultantes do progresso da Ciência e

Tecnologia que permitiu a Corrida Espacial e Armamentista (que se tornou um

dos ingredientes da disputa de poder entre EUA e URRS, durante a Guerra

Fria) e, por outro lado, para outros, apareciam como fenômenos estranhos e

inexplicáveis para os quais se davam explicações fantásticas. Consultando

periódicos de diferentes tendências – a revista americana Time, o jornal do

PCB O Democrata, e jornais da imprensa local do Ceará como O Povo,

Unitário, O Jornal etc, além de outros documentos (inclusive alguns só

recentemente liberados pelo Departamento de Defesa americano) -- procuro

recuperar o debate que se estabeleceu e os sentimentos de euforia pelo

progresso que representavam, assim como os de medo e de estranhamento,

por parecerem fantásticos, bizarros e inusitados.

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Abstract. This Dissertation intends to recover the many different perceptions around

some phenomena occurred in the 50’s, in the State of Ceará, described as

flashes of light, blasts and luminous objects. These events repercuted in a

controversial way in the local press as, on one hand, some people considered

them as a result of progress in Science and Technology that allowed Space and

Arms Race (that become one of the ingredients of the power dispute between

US and USSR in the Cold War) and, on the other hand, for some other people,

they showed up as strange and inexplicable phenomena, to which were given

fantastic explications. In a search through newspapers from many tendencies --

American Time magazine, the communist paper O Democrata, and other

papers from Ceará local press, such as O Povo, Unitário, O Jornal etc, besides

some other documents (some of them just declassified by US Department of

Defense) -- I intend to recover the debate that was established and the feelings

of euphoria by the progress that they represented as well as those of fear and

oddly, once they seemed fantastic, bizarre, and unusual.

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Esta Dissertação é dedicada a

Maria Teresinha Correia Leite

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Sumário. Índice de Gráficos, Mapas e Imagens.........................................................03 Índice de Abreviaturas e Siglas...................................................................04 INTRODUÇÃO………………………………………………………………....…..11 PRIMEIRO CAPÍTULO………………………………….............................……29

“A bomba atômica mudou tudo”

SEGUNDO CAPÍTULO………………….……………….............................…..85

“Foguetes... discos... satélites... luas... isto está mais parecendo uma brincadeira”

TERCEIRO CAPÍTULO………………………...…………..............................136

“Essa Não Tio Sam: TRÊS BOMBAS ATÔMICAS EXPLODIRAM NOS CÉUS DO NORDESTE BRASILEIRO”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS………………………………….......................…190 FONTES & BIBLIOGRAFIA……………..……………...........................…….195

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INTRODUÇÃO

O começo é uma zona perigosa do discurso: o

princípio da palavra é um acto difícil; é a saída do silêncio.

Roland Barthes1

Em um texto clássico 2, Marc Bloch nos alerta quanto ao risco da

“obsessão das origens”, essa “obsessão embriogénica, tão marcante para toda

uma família de espíritos cultos”. E um pouco mais adiante a nomeia de “o

demónio das origens”, e completa apresentado-nos a sua cara metade, ou “um

avatar daquele outro satânico inimigo da verdadeira história: a mania de julgar”.

Optei aqui, porém (e assumo os riscos associados a minha escolha), por

começar do começo: e o faço, pois está muito nítida em minha memória a data

precisa em que esta pesquisa teve início. Parafraseando Hobsbawm, “Ainda

posso vê-la, como num sonho” 3.

No dia 29 de novembro de 1998, à tarde, estava em minha casa e tinha,

em minhas mãos, um exemplar do jornal O Povo. Não era assinante nem leitor

assíduo de qualquer jornal, e aquele exemplar veio parar em minha casa,

naquele dia, um tanto que por acaso. O curioso é que foi precisamente naquela

edição do jornal que encontrei uma pequena matéria que logo me chamou a

atenção pela sua dramaticidade. O artigo “Bomba Atômica no Nordeste?”, de

autoria de Carlos Emílio Correia Lima, escritor e poeta, me deslumbrou pelo

universo de possibilidades que ele continha, clamando por uma investigação

detalhada. Carlos Emílio chega mesmo a sugerir a “escrita de uma reportagem

de conteúdo inédito, a elaboração de um livro, um romance talvez, ou mesmo

1 BARTHES, Roland. Escritores, Intelectuais, Professores e Outros Ensaios. Lisboa: Presença, 1975. Citado por JOAQUIM, Teresa. Dar à Luz: ensaios sobre as práticas e crenças da gravidez, parto e pós-parto em Portugal. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1983. 2 BLOCH, Marc. Introdução à História. 3ª ed. Lisboa: Europa-América, 1976, p.90-94. 3 HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos: o breve século XX 1914-1991. 2ª ed. Tradução de Marcos Santarrita. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p.14.

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de um filme nunca antes pensado por nenhum de nós” 4 Reproduzo, a seguir, a

matéria, tal qual foi recortada e cuidadosamente guardada por mim até hoje.

Mas, além do aspecto dramático da notícia, o que me fez querer

procurar respostas à inquirição estampada em letras enormes? Bem, poderia

listar pelo menos três motivos principais.

Primeiro, já há algum tempo, interesso-me por uma literatura ligada à

história das guerras, da tecnologia militar, da aviação etc. Disponho, também,

de algum material (e conhecimento) sobre este assunto, e não me parecia de

todo árduo transitar por entre as veredas de uma pesquisa que me conduzisse

a termos técnicos, tais como, bombas termonucleares, isótopos radioativos

(artificiais e naturais), ICBM 5, pulsos eletromagnéticos etc.

4 Jornal O Povo, Fortaleza, 29 de novembro de 1998. “Bomba Atômica no Nordeste?” 5 ICBM ou “Inter-Continental Ballistic Missile”, ou míssil balístico intercontinental, cujo desenvolvimento tem início a partir da década de 1950, mais precisamente no fim desta.

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Segundo, a matéria já fornece caminhos a serem trilhados, pois situa o

acontecimento como ocorrido em fins da década de 1950: fornece, inclusive, o

nome do historiador pernambucano Leôncio Basbaum6 como aquele que

ventilou a hipótese da consecução da explosão nuclear no Nordeste brasileiro.

E mais ainda: situa precisamente, por meio de um comentário feito à mão pelo

pai de Carlos Emílio, “com a força azul de sua caneta tinteiro”, o lugar onde as

investigações deveriam começar: “Quixadá?”, rabiscaria o Sr. Hyder Correia

Lima ao lado da afirmativa de Basbaum de que “Ainda recentemente os

Estados Unidos fizeram explodir uma Bomba A nos céus do Nordeste sem que

os governantes e chefes políticos de nosso país se manifestassem de qualquer

modo” 7. Reproduzo, a seguir, o trecho da página 21 do livro de Basbaum que

chamou a atenção do Sr. Hyder e que o levou ao questionamento sobre o que

seria “um escândalo misterioso e completo”.

Há, portanto, pontos bem seguros para se partir para a “aventura” da

pesquisa histórica. Recortes temporais e geográficos são estabelecidos

diretamente a partir da matéria de Carlos Emílio, do comentário do Sr. Hyder e

da assertiva de Basbaum.

Terceiro, tenho um relativo domínio da língua inglesa escrita

(instrumental), e como imaginei que a investigação demandaria uma busca a

materiais impressos, arquivos, documentos de um modo geral, em língua

estrangeira (obtidos em revistas, livros, sites na Internet etc), muitas vezes

devido a carência de literatura específica (e atualizada) sobre este assunto em

nossas bibliotecas, fiquei tranqüilo quanto ao trânsito por aquele material. 6 Leôncio Basbaum nasceu em Recife em 1907, mas fez seus estudos no Rio de Janeiro, onde se formou em Medicina em 1929. Era comunista e militou no PCB por 30 anos. Basbaum morreu em 1969. 7 BASBAUM, Leôncio. Caminhos brasileiros do desenvolvimento: análise e perspectivas da situação brasileira. São Paulo: Fulgor, 1960, p.21.

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Assim, foi com o objetivo de encontrar elementos que me permitissem

recompor as percepções e tensões geradas por um fenômeno carregado de

diferentes significados para aqueles que dizem tê-lo presenciado ou dele

tiveram notícias que me debrucei nos jornais, revistas semanais, livros, atas da

Assembléia Legislativa, documentos e documentários oficiais do governo norte-

americano, sites na Internet etc. Como o episódio descrito por Basbaum parece

ter ocorrido um pouco antes de 1960 (data da publicação de seu livro; vejam

que ele diz: “Ainda recentemente...”), foi nos anos anteriores e imediatamente

próximos a 1960 que me concentrei: principalmente nos jornais O Povo,

Gazeta de Notícias, O Jornal e O Democrata; e nas revistas Time, Bulletin of

the Atomic Scientists e Scientific American, dos quais todos os exemplares de

1956 a 1959 foram consultados 8. Só para este trabalho, mais de 800 matérias

de jornais e 500 matérias de revistas foram selecionadas.

Utilizei nesta dissertação, portanto, como fonte jornalística, os periódicos

da chamada “grande imprensa” que apresentavam circulação diária na cidade

de Fortaleza (com representativa tiragem e repercussão nos leitores e na

cidade). O jornal comunista O Democrata (ligado ao P.C.B.) foi duramente

cassado pelos direitistas e fechado em 1958. Já O Povo (que é, dos jornais

pesquisados, o único que se encontra ainda em circulação) não assumia

posições de cunho radical (em geral, no entanto, o posicionamento político e

moral dos jornais que utilizei não são tão conflitantes e discordantes, exceção

feita ao O Democrata que serviu de contraponto). O Jornal, apesar de seu

breve funcionamento (foi extinto pouco mais de um ano após a sua fundação,

em 1958), foi inovador em sua proposta de estética gráfica e editorial;

semelhante empenho apresentou o Gazeta de Notícias que, porém, passou por

sérias dificuldades financeiras na década de 1950. Periódicos como Unitário e

Correio do Ceará pertenciam ao grupo Diários Associados (do jornalista Assis

Chateaubriand) e traziam, algumas vezes, matérias idênticas em um e outro.

Estes últimos periódicos foram pesquisados de forma mais pontual e precisa

(acrescento também O Estado) e não de forma extensiva (dia a dia) como

procedi com o jornal O Povo, por exemplo.

8 Outros jornais como O Correio do Ceará, O Estado, Tribuna do Ceará, O Unitário e The New York Times foram consultados, assim como as revistas Veja, Seleções do Reader’s Digest e National Geographic, dentre outras.

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Um vasto material foi, portanto, se acumulando na forma de cópias de

livros e revistas, transcrições, documentos recém-liberados de agências

governamentais como a C.I.A. 9 e Departamentos de Defesa e de Energia

norte-americanos (e disponível no site destas agências e departamentos) etc.

As cerca de 4000 páginas de material coletado e os livros que foram adquiridos

por lidarem direta ou indiretamente com a temática sugerida na dramática

matéria do jornal O Povo foram escrutinados em busca de elementos que

guardassem alguma relação entre si, e entre a assertiva de Basbaum. E foi

exatamente no jornal O Povo e na revista Time, dada a disponibilidade de

ambos na Biblioteca Pública Menezes Pimentel, que concentrei minhas buscas

por indícios, pistas e sinais que apontassem para aquele “fato absolutamente

extraordinário (e terrível)” 10. Estou ciente que tanto a revista como o jornal não

são fontes suficientes para traçar um quadro preciso daquele período, e por

este motivo busquei, na medida do possível, ancorar minhas elocuções em

outras fontes. Sei também que a revista Time, “uma espécie de órgão oficioso

do governo Juscelino” e do “imperialismo dos Estados Unidos” 11, está

apinhada de carga ideológica, mas as apropriações que faço dela me ajudam,

neste momento, a acercar o meu objeto de estudo: ir além disto implicaria,

agora, em uma outra pesquisa, e na assunção de um outro objeto de estudo e

de uma outra problemática.

Definitivamente, o método indiciário está presente em meu ruminar

sobre as fontes, pois creio que “pistas talvez infinitesimais permitem captar

uma realidade mais profunda, de outra forma inatingível” 12. E não é apenas a

coleta de material, mas a inquirição delas, a interconexão e o entrecruzamento

de diversas fontes que dão brilho à pesquisa histórica. E das pistas brotaram

evidências e, destas últimas, informações que me permitiram preparar a trama,

costurá-la, dando textura ao tecido narrativo. Neste momento lembro-me de

Hobsbawm:

9 C.I.A. ou “Central Intelligence Agency”, ou Agência Central de Inteligência norte-americana. 10 Jornal O Povo, Fortaleza, 29 de novembro de 1998. 11 Jornal Gazeta de Notícias, Fortaleza, 27 de fevereiro de 1957, “OS MILITARES E O ENTREGUISMO”. 12 GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. Tradução de Frederico Carotti. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 150.

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“O que normalmente devemos fazer é reunir uma ampla variedade de informações em geral fragmentárias: e para fazer isso precisamos, se me perdoam a expressão, construir nós mesmos o quebra-cabeças, ou seja, formular como tais informações deveriam se encaixar. (...) Deve (...) saber o que está procurando e (...) poderá reconhecer se o que descobriu se encaixa ou não em sua hipótese” 13 [grifo do autor].

Semelhante comentário fez Vainfas, ao falar sobre a necessidade de se

“refazer a trama (...) remontando o quebra-cabeça de indícios fragmentários” 14.

E foi assim que tudo me pareceu: um enorme quebra-cabeça em que se

buscava encaixe para peças em quatro dimensões. Bem, então, o que afluiu da

minha pesquisa nos jornais e revistas? Como sabemos, a pesquisa histórica

guarda muitas surpresas para aqueles que a realizam, e comigo não foi

diferente. Fui às fontes em buscas de notícias, matérias, artigos, editoriais e

reclames em jornais e revistas que de algum modo estivessem relacionados

com o que a matéria de Carlos Emílio apontava: não imaginava encontrar

estampada a notícia de que uma bomba atômica explodiu em local A ou B do

estado do Ceará (apesar de, posteriormente, ter sido exatamente o que

encontrei). Buscava o fantástico, o estranho, o bizarro, o inusitado, pois

acreditava que era assim que a imprensa se referiria a um acontecimento

daquele aporte. Uma explosão atômica (ou seja lá o que tenha ocorrido aqui)

se noticiada, poderia vir na forma das mais diversas notícias. Por exemplo,

notícias como “TREMOR DE TERRA EM PERREIRO - GRANDE ESTRONDO

PRECEDEU O ABALO”15, ou “EM CHAVAL A BOLA DE FOGO EXPLODIU!” 16,

ou ainda “NADA SE SABE EM FORTALEZA SOBRE A EXPLOSÃO DE

TELEGUIADO EM QUIXADÁ” 17 instigavam minha curiosidade e reacendia a

desconfiança de que coisas inusitadas ocorriam no nosso estado naquele

período. Curiosidade e desconfiança estas que recrudesceram ao longo da

pesquisa e que por este motivo me levou a inquirir implacavelmente as minhas

fontes.

13 HOBSBAWN, Eric. Sobre história: ensaios. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p.224/25. 14 VAINFAS, Ronaldo. Os protagonistas anônimos da história: micro-história. Rio de Janeiro: Campus, 2003, p.109. 15 Jornal O Povo, Fortaleza, 10 de setembro de 1956. 16 Jornal O Povo, Fortaleza, 22 de julho de 1958. 17 Jornal O Povo, Fortaleza, 28 de julho de 1958.

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E, curiosamente, episódios desta natureza brotavam dos jornais

consultados (de fins da década de 1950). Chamo a atenção do leitor que por

várias vezes me refiro a estes acontecimentos como coisas estranhas e

inusitadas, qualificando-as de bizarras. Mas o que me levou a me referir e

qualificá-las desta maneira? Bem, estas acepções não foram tiradas ipsis

verbis das matérias dos jornais que pesquisei, no entanto, foi lá que encontrei o

motivo para acolher o adjetivo bizarro para o que aconteceu naquele momento,

pois, por diversas vezes, as matérias sublinhavam o “estranho fenômeno

sideral”, o “formidável estrondo”, o “espetáculo maravilhoso” que desenvolvia

“velocidade espantosa”, “ficando todos abismados” e causando “verdadeira

admiração” e “pânico”. Deste modo, a variedade de adjetivos utilizados me

impediu de eleger apenas um deles, levando-me a buscar um que sintetizasse

a heterogeneidade deles. Se o fantástico é algo “criado pela imaginação”;

“extravagante”; “extraordinário”; “espantoso”; acredito que estes

acontecimentos carregam o selo deste adjetivo, que anda de mãos dadas com

o seu irmão siamês: o bizarro 18. Assim, estas acepções brotam das fontes e

utilizo-as em respeito e por considerar que bem representam a admiração e o

estado de choque daquelas pessoas que se embasbacaram há quase meio

século atrás com fatos de tal natureza.

E não foi só isto: a pesquisa conduzida nos jornais e revistas mostrou-

me que coisas estranhas (como aqueles episódios acima citados) aconteciam

não apenas no interior do estado, mas na capital, Fortaleza. E não somente em

Fortaleza, mas em quase todas as capitais brasileiras. E não somente no

Brasil, mas em todo o mundo! As informações e evidências afluíram de modo

que a minha narrativa, ao tentar copilá-las, foi adquirindo um crescendo, no que

Portelli chamaria de uma “espiral de interpretações”. Se, por um lado, cada vez

mais me afastava do específico, rumo ao geral, por outro lado, este

18 No “Dicionário Aurélio Escolar da Língua Portuguesa” encontramos bizarro como sinônimo de extravagante e esquisito; e é nesta acepção que utilizamos o termo para nos referir a um conjunto de fenômenos que trazem a marca do fantástico, do inacreditável, do excêntrico, e que geram ou suscitam dúvidas e questionamentos. Já para o “Lello Universal”, bizarro com este significado é de origem galega. Enquanto isto, o “The American Heritage Dictionary” aponta a origem cronológica (primeiro a mais recente) desta palavra: francês, castelhano e basco. Então, se bizarro vem do basco, vale lembrar que o basco é uma língua “sem nenhuma afiliação lingüística conhecida”, não pertencendo, portanto, a nenhum tronco lingüístico conhecido. Assim o basco é uma língua bizarra: De nihilo nihilum*, e o bizarro nasceu do bizarro. (*Do latim “Nada nasce do nada”, conforme “Dicionário de Sentenças Latinas e Gregas”).

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afastamento me daria a possibilidade de voltar àquele específico com uma

outra visão e ótica, e, mais ainda, com a distância suficiente para “enxergá-lo”

no todo, e não isoladamente.

E o que faço aqui é tentar dar uma certa “ordem” àquelas múltiplas

matérias registradas no jornal. É costurá-las de modo a formar uma “trama”

compreensível: estou ciente, portanto, de que o ofício do historiador está

relacionado exatamente a esta tarefa, a de dar algum (mas não qualquer)

sentido aos fatos e aos acontecimentos “perdidos” em páginas de um

documento, e que permaneceriam indefinidamente até que se vá lá, respire e

polvilhe as mãos com sua poeira, e esmague impiedosamente as traças que

passeiam livremente por entre aquelas páginas (o que literalmente aconteceu

com alguns jornais que consultei na Biblioteca Pública).

“Os fatos tem uma organização (...) que o historiador encontra pronta, uma vez escolhido o assunto que é inalterável; o esforço do trabalho histórico consiste, justamente, em reencontrar essa organização” 19 [grifo do autor].

E essa “organização” dos fatos ocorre, em nosso caso, por acreditar que

aquelas matérias e episódios estão de alguma forma ligados a algo maior, mais

amplo, e que escapava do entendimento ou do conhecimento das pessoas

naquela época. Não busco dar conta de tudo o que aconteceu naquele período,

dada à impossibilidade lógica, metodológica, natural e temporal desse intento:

não posso “revisitar” aquele período, e sim buscar estabelecer um fio tênue

composto de documentos, relatos e memórias que me permitam tocar pelo

menos no verniz daqueles anos, até por considerar que o conhecimento é

sempre parcial e precário. Por este motivo, concentrar-me-ei especificamente

naquelas matérias e episódios selecionados ao meu recorte temporal e

temático: de 1956 a 1959 20, e que lidam especificamente com armas

nucleares, Guerra Fria, discos voadores (ou OVNI, Objetos Voadores Não-

Identificados), fenômenos bizarros (por exemplo, “clarões” e “estrondos”),

relações entre Brasil e Estados Unidos, satélites artificiais etc. Outros

19 VEYNE, Paul Marie. Como se escreve a história; Foucault revoluciona a história. Brasília: Universidade de Brasília, 1998, p.41. 20 Na realidade, por diversas vezes (principalmente no Primeiro Capítulo), fiz incursões em anos anteriores e posteriores a este período. Porém, o meu recorte temporal está relacionado aos episódios inusitados que ocorreram em fins da década de 1950.

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acontecimentos, episódios e matérias igualmente relevantes, mas em uma

outra órbita de entendimento (culturais, físicas, sociológicas, filosóficas etc),

podem estar relacionados a eles e explicá-los, no entanto se encontram em

uma camada acima ou abaixo do verniz que deixarei intocado: sintam-se livres

em perscrutá-las em uma futura pesquisa histórica. Tive que operar, como

disse, um recorte em meu objeto de estudo, pois estou consciente da

impossibilidade de se dar conta da totalidade. Como nos diz Veyne:

“O objeto de estudo nunca é a totalidade de todos os fenômenos observáveis, num dado momento ou num lugar determinado, mas somente alguns aspectos escolhidos; conforme a questão que levantamos, a mesma situação espaço-temporal pode conter um certo número de objetos diferentes de estudo” 21.

E mais ainda: construir a “trama” que me permitirá discorrer sobre os

acontecimentos e sobre essa costura sobrepor fios que dêem algum relevo ao

tecido, a fim de buscar uma explicação possível daqueles episódios, é algo que

demandou um esforço teórico-metodológico que me aproximou, como já citei,

de autores como Veyne.

“A história, dizem freqüentemente, não poderia contentar-se em ser uma narração; ela também explica, ou melhor, deve explicar. Isso é confessar que, de fato, nem sempre o faz e que pode se permitir não fazê-lo sem deixar de ser história (...) [Mas] para a história o difícil seria não explicar, pois o menor fato histórico tem um sentido (...) A história nunca ultrapassa esse nível de explicação muito simples; ela continua, fundamentalmente, uma narração, e o que se denomina explicação não é mais que a maneira da narração se organizar em uma trama compreensível” 22.

E é exatamente o que busco fazer aqui neste trabalho: narrar, tecer,

explicar, não necessariamente nesta ordem seqüencial ou de importância.

Utilizo gráficos e imagens diversas (charges, fotos etc) para tornar

compreensível e digerível o que busco explicar, e não para fechar questão em

torno do que estou narrando. Mesmo quando dialogo com outras disciplinas (a

economia, por exemplo) o faço tendo em vista facilitar a compreensão do que

estou lidando, de tal forma que a polifonia de discursos explicativos encontre

21 VEYNE, Paul Marie. Op. Cit., p.44. 22 VEYNE, Paul Marie. Op. Cit., p.81.

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abrigo na minha narrativa. Utilizo o termo “explicação histórica” no sentido de

Veyne: “sublunar e nunca científica; nós lhe reservamos o nome de

compreensão” 23. Por exemplo: é possível compreender os acontecimentos

bizarros que ocorreram no Ceará há mais de quatro décadas sem recorrer a

outros fenômenos bizarros, saindo assim do círculo que nos levaria a lugar

nenhum? Acredito que sim; e é por este motivo que recorro ao “mundo

sublunar da história”, que não conhece leis como o científico, mas “acaso” e

“liberdade”. Lembro agora de Ginzburg: quando perguntado se não estaria

“cada vez mais preocupado com a exposição do que com o veredicto final”, ele

retrucou:

“Tenho a impressão de que estou tão comprometido como sempre estive em chegar a uma conclusão e anunciá-la (uma demonstração, se você preferir), mas estou cada vez mais interessado em envolver o leitor em minha busca” 24.

Gostaria de chamar a atenção para alguns movimentos que a minha

pesquisa sofreu. Inicialmente a investigação tomou o caminho de tentar buscar

o acontecimento, qual seja, se tinha sido lançada ou não no Nordeste brasileiro

(como afirmou Basbaum) uma bomba-A. Mas o percurso da investigação (e as

múltiplas veredas que vão se abrindo ao longo dele) a todo o momento

apontava e me colocava diante da percepção e da explicação que era dada,

pelos sujeitos históricos (o sertanejo, o jornalista, o cientista etc, homens e

mulheres), aos mais estranhos acontecimentos. Houve assim, um

deslocamento da intenção de explicação per se para a dimensão do imaginário,

ou seja, para a percepção que as pessoas tinham dos acontecimentos bizarros.

É curioso observar como um acontecimento desta natureza ganha a mais

díspar proeminência explicativa. Há, a todo o momento, um confronto entre o

saber científico e o saber comum. O acontecimento ocupava lá, a sua maneira,

os céus, enquanto a problemática ocupou profundamente a imaginação de

homens e mulheres de todos os estratos sociais. E mais: urge perceber que o

entendimento do imaginário não é algo deslocado da experiência social. É sim

algo baseado no empírico (e, muitas vezes, no empíreo), pois é lá, no universo

23 VEYNE, Paul Marie. Op. Cit., p.82. 24 Entrevista de Carlos Ginzburg ao Caderno Mais! , jornal Folha de São Paulo, 10 de outubro de 2004, p.3.

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“palpável” de suas experiências cotidianas (e isso a todo o momento), que os

homens e mulheres recorrem para entender o que está acontecendo.

Se em algum momento pareço excessivamente detalhista, é porque

busco envolvê-los naquela “busca”, que é para mim algo fundamental em

qualquer trabalho histórico. E é por este motivo que neste trabalho buscarei

sempre apresentá-los àquela “busca” que se desenrola sobre o caminho em

que o trabalho titubeia: o percurso. E aqui encontro na fala de Ginzburg algo

que revitaliza o que nos sugeriu Veyne. Narrar, envolvendo o leitor, eis o que

almejo. E apresentar-lhe, conjuntamente, a “demonstração”, a “explicação

histórica”, o sentido de nosso trabalho: e explicar ciente de que a trama é

social, feita de homens e mulheres, e não de algo que se ergue sobre nossas

cabeças com um brilho e aparência surpreendente e que, por este motivo,

carrega o selo do bizarro, do inexplicável, do imperscrutável.

E é exatamente isto que busquei fazer no Primeiro Capítulo. Nele

procurei mostrar que a década de 1950 foi um período fértil para que se

ventilassem as mais diversas e inimagináveis hipóteses sobre acontecimentos

tais como discos voadores, a possibilidade de destruição do planeta por uma

guerra nuclear, viagens espaciais etc, em várias partes do mundo. A

recorrência de notícias sobre os acontecimentos (tanto quanto os

acontecimentos per se) é assustadora: referências a testes nucleares, bombas

atômicas e de hidrogênio e teorias escatológicas pululavam nos jornais e

revistas da época. Sim, coisas estranhas aconteceram no estado do Ceará,

especificamente para o período em que concentrei a pesquisa, e

principalmente nos jornais cearenses de fins da década de 1950. Mas a

ambiência era extremamente favorável a sua ocorrência: estávamos no auge

da Corrida Espacial e Armamentista, respirava-se a todo o momento a poeira

radioativa que ameaçava a todos indiscriminadamente, temia-se pelo fim da

Humanidade e as tensões mundiais deixavam as pessoas com uma visão

profundamente pessimista de futuro. E muitos tentavam entender ou explicar

aquele momento caótico e entrópico da existência humana. Para o conceituado

psiquiatra suíço C. G. Jung, por exemplo, ao se referir a “epidemia” de discos

voadores, passávamos por “modificações na constelação das dominantes

psíquicas, dos arquétipos, dos ‘deuses’, que causam ou acompanham

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transformações seculares da psique coletiva” 25. A questão levantada aqui, no

campo da Psicologia, guarda, portanto, íntima associação com o imaginário

social e me remete, em rota de uma colisão construtiva e enriquecedora, ao

seu encontro. Quando Baczko muito apropriadamente comenta o conceito de

imaginário à luz da Psicologia, ele levanta questões cruciais que aparecerão

em todo este Capítulo.

“A psicanálise pôs em evidência que a imaginação não é uma ‘faculdade’, nem um poder psicológico autónomo, mas sim uma actividade global do sujeito para organizar um mundo ajustado as suas necessidades e aos seus conflitos. No domínio social, as produções imaginárias, em particular os mitos, constituem outras tantas respostas dadas pelas sociedades aos seus desequilíbrios, às tensões no interior das estruturas sociais e às eventuais ameaças de violência” 26.

A complexidade do momento, permeada de “desequilíbrios”, “tensões” e

“ameaças de violências”, demandava uma análise cuidadosa do material

selecionado. Como fontes, utilizei parte do material que já havia coletado (em

minha busca por indícios levantados a partir da matéria “Bomba Atômica no

Nordeste?”) e operei sobre elas toda a minha capacidade de “faro, golpe de

vista, intuição” 27. Neste Capítulo insiro muitas informações visuais através de

gráficos, charges, material publicitário, fotografias etc. Lembro-me dos “livros

de Morelli” a que Ginzburg faz referência, “salpicados de ilustrações de dedos e

orelhas, cuidadosos registros das minúcias características” 28. Problemas

emergem de charges, gráficos, fotografias etc, que estão lá não para “ilustrar”

ou “confirmar” o que está sendo narrado no texto, mas sim para ir além dele,

para buscar explicitar o que muitas vezes palavras e mais palavras seriam

incapazes de definir. E particularmente com relação aos gráficos, concordo

com Hobsbawm ao dizer que “a estatística é história estática, [e] a história é

estatística em movimento”. Deste modo:

25 JUNG, C. G. Um mito moderno sobre coisas vistas no céu. 2ª ed. Tradução de Elva Bornemann Abramowitz. Petrópolis: Vozes, 1991, p.IX. 26 BACZKO, Bronislaw. Imaginação Social. In: Enciclopédia Einaudi. Anthropos-Homem, Lisboa: Imprensa Nacional / Casa da Moeda, 1985, vol.5, p.307-8. 27 GINZBURG, Carlo. Op. Cit., p.179. 28 GINZBURG, Carlo. Op. Cit., p.145.

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“Seria absurdo rejeitar como inadequadas a um segmento da história a quantificação e a aplicação de tais ferramentas estatísticas, matemáticas e outras. Quem não consegue quantificar, não consegue escrever história” 29.

Já para o Segundo Capítulo, busco elementos que me permitam

explicitar o que as pessoas (o cidadão comum, os jornalistas, os

correspondentes, os escritores etc) pensavam de tudo o que transcorria no

estado do Ceará, no Brasil e, em algumas passagens, no mundo. Que

explicações buscavam para os acontecimentos que muitas vezes,

admitidamente, não entendiam? Quais a opiniões dos leitores das revistas e

jornais para aquilo que a imprensa “imparcialmente” publicava? Como os

correspondentes noticiavam as matérias que tratavam de tópicos bizarros,

como “objetos luminosos” e “clarões”, por exemplo? E as testemunhas

oculares, que diziam, o que entendiam e como exprimiam suas explicações? É

neste Capítulo que mergulharei mais profundamente na reação das pessoas

quanto a cessão, por exemplo, da ilha de Fernando de Noronha aos norte-

americanos: o que achava disto a imprensa comunista ou mesmo “os mais

anticomunistas” 30 periódicos da imprensa local e nacional? Como os “objetos

luminosos”, discos voadores, perturbações climáticas e a necessidade de

melhoria da infra-estrutura (portuária e aeroportuária, por exemplo) da cidade

eram explicadas à luz da presença, nos céus, de foguetes teleguiados que

eram monitorados a partir da ilha de Fernando de Noronha? Assim, mostrarei

como habilmente as pessoas costuravam explicações, apropriando-se do

conjunto ou de fragmentos delas, enfim, apropriando-se dos recursos

disponíveis para entender o momento.

Vale, aqui, lembrar, que busco e quero oferecer explicações para o que

acontecia naquele momento, no que se refere a “objetos luminosos”, “clarões”

etc. E ao buscá-las opto por sinalizá-las com a seleção que fiz de matérias e

artigos, e não oferecê-las ou atirá-las ao leitor do alto de um discurso do “que

realmente aconteceu”. Quero deixar inquieto o leitor e fazer que ele pense

29 HOBSBAWN, Eric. Op. Cit. p. 126. 30 Jornal Gazeta de Notícias, Fortaleza, 23 de janeiro de 1957, “FERNANDO DE NORONHA QUANDO E POR QUÊ?” Foi assim que o jornalista do jornal O Globo se referiu, na matéria citada, ao seu jornal. Em uma matéria do jornal O Democrata, de 2 de abril de 1957 [“Outra Base de Teleguiados Cedida EM POTENGI, RIO GRANDE DO NORTE”], o jornal O Estado de São Paulo é alcunhado de “o insuspeito ‘órgão conservador paulista’”.

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juntamente comigo: não seria possível, por um momento, avaliar aqueles

acontecimentos desta maneira? O que posso fazer é lembrar a todos que o

momento histórico particular de fins da década de 1950 foi um período sui

generis da nossa história recente. Há uma possibilidade de que toda a

peculiaridade desta década tenha alguma relação com a enxurrada de coisas

bizarras que pululavam da ciência e da técnica (tanto militar como civil) que se

desenvolvia a passos largos naquele período. O que procuro neste trabalho é ir

além de uma “histoire evenementielle”, descritiva, empirista. Assim, “situar um

acontecimento social dentro de um contexto cultural pleno, de forma a ele

poder ser estudado mais em um nível analítico que em um nível descritivo” 31,

eis o que intento para este Capítulo. Mas, como articular as diferentes

percepções e explicações para um fenômeno que, de um lado, era dado como

expressão de um dos maiores avanços da ciência e, de outro, era descrito

como estranho e bizarro?

“Nosso problema não se limita a aliar nosso compromisso como historiadores à objetividade daquilo ‘que realmente aconteceu’ nem à nossa consciência pós-moderna de que, na realidade, jamais chegaremos realmente a descobri-lo. Também estamos cientes, a esta altura, de que muito aconteceu na mente das pessoas, em termos de sentimentos, emoções, crenças, interpretações - e, por este motivo, até mesmo erros, invenções e mentiras constituem, à sua maneira, áreas onde se encontra a verdade” 32.

Cabe-me, portanto, perscrutar “aquelas áreas onde se encontra a

verdade” e dialogar com elas de modo que saia algum (mas não qualquer)

entendimento da ambiência daqueles frenéticos anos 50. Concordo com a

opinião de Hobsbawm “de que aquilo que os historiadores investigam é real. O

ponto do qual os historiadores devem partir (...) é a distinção fundamental (...)

entre o fato comprovável e a ficção, entre declarações históricas baseadas em

evidências e sujeitas a evidenciação e aquelas que não o são” 33. E a

publicação em jornal de que “SOBRAL VÊ DISCOS” 34, por si só, é uma

evidência satisfatória de que não se está “inventando fatos” (“Não podemos

31 BURKE, Peter. A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: UNESP, 1992, p.58. 32 PORTELLI, Alessandro. Tentando aprender um pouquinho: algumas reflexões sobre a ética na história oral. In: Projeto História, Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História, PUC - SP, no. 15, abril / 1997, p.25. 33 HOBSBAWN, Eric. Op. Cit. p.8. 34 Jornal O Povo, Fortaleza, 31 de julho de 1959.

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inventar nossos fatos”, lembra Hobsbawm): eles estão lá, prontos (ou quase

prontos, às vezes) para que operemos sobre eles.

No Terceiro Capítulo irei partir de um acontecimento fantástico que

supostamente ocorreu em Quixadá, Ceará, em 1958, para entender, primeiro,

como está relacionado a outro ocorrido em uma cidade próxima e, segundo,

como uma explicação para este último acontecimento é buscada, hoje, tendo

por base as explicações para o primeiro acontecimento. O primeiro

acontecimento a que me refiro é que, conforme o jornal carioca Última Hora de

1959, o Nordeste brasileiro (e tudo indicava Quixadá) havia sido o local

escolhido para que os Estados Unidos explodissem três bombas atômicas em

1958. Esta notícia, obviamente, repercutiu na cidade de Fortaleza e dela foram

feitas as mais diversas apropriações, à época. Já o segundo acontecimento a

que me referi é o de um “clarão” nos céus da então Vila de Madalena

(município localizado a aproximadamente cinqüenta quilômetros a oeste de

Quixadá), avistado em fins da década de 1950 (aparentemente em 1957).

Neste Capitulo, portanto, procurarei refletir, à luz dos elementos que me são

dados pela ambiência histórica já apresentada nos capítulos anteriores, como

este segundo acontecimento adquiriu um significado antes não imaginado

pelas pessoas que o presenciaram ou que ouviram falar dele. O

acontecimento, como disse, foi um forte lampejo ou “clarão” avistado nos céus

da cidade e que, atualmente, o pároco local busca explicar como sendo o de

uma explosão nuclear. Esta hipótese começou a ser ventilada quando o pároco

leu a matéria de Carlos Emílio, “Bomba Atômica no Nordeste?”, em fins de

1998, e a partir daí começou a pesquisar a possibilidade de que a assertiva de

Basbaum e o questionamento do Sr. Hyder se referissem, na realidade, não a

Quixadá, mas a Madalena: vale salientar aqui que foi o artigo de Carlos Emílio

que me possibilitou, através da pesquisa nos jornais da época, encontrar a

referência ao primeiro acontecimento e descobrir que foi ele que fez que

Basbaum afirmasse a ocorrência da explosão atômica no Nordeste brasileiro

(assertiva esta que foi feita inicialmente pelo jornal carioca Última Hora).

Há algum material que recolhi na cidade de Madalena e que utilizarei

aqui neste trabalho: entrevistas com o pároco local (e seus pronunciamentos

sobre o “episódio de 57”), com os sertanejos (que testemunharam ou não o

lampejo), matérias dos jornais O Povo (sobre a cidade e sobre a pesquisa do

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pároco local) e Diário do Nordeste (sobre um episódio semelhante que ocorreu

recentemente em Boa Viagem, município vizinho a Madalena). A história oral

será utilizada, pela primeira vez, portanto, neste trabalho. No total, um pouco

mais de uma dezena de entrevistas foram conduzidas entre os anos de 2004 e

2005. Estou ciente de que conversar com os sertanejos sobre algo que ocorreu

há quase 50 anos não significa, de modo algum, “resgatar” aquele

acontecimento “como ele realmente aconteceu”. Muito se passou na vida

destas pessoas e os acontecimentos presentes ou de um passado mais

próximo (a inundação do ano tal, o casamento de fulano, a seca de um ano

qualquer etc) adquirem uma importância maior para eles.

“Todo o nosso passado encolhe e obscurece (...) na longa perspectiva dos séculos, mesmos os acontecimentos mais notáveis... devem inevitavelmente (...) desvanecer aos poucos até se transformarem em pálidas réplicas do original, perdendo a cada geração subseqüente, à medida que eles retrocedem a um passado mais remoto, um pouco da importância que já lhes fora atribuída, um pouco do encantamento que outrora os revestia” 35.

Lembro que o lampejo avistado em Madalena se insere (espacialmente

e cronologicamente) no contexto de outros episódios semelhantes ocorridos no

Ceará, e que foram fartamente documentados pela imprensa local (e tratados

no Segundo Capítulo). No entanto, não encontrei nenhum registro na imprensa

de um “clarão” ou coisa parecida naquela cidade (que na época existia sob a

denominação de Vila de Madalena, e era distrito de Quixeramobim). Aqui,

porém, neste Capítulo tracei um recorte geográfico bem definido: a cidade de

Madalena. Os outros “clarões”, “objetos luminosos” etc, noticiados pela

imprensa da época, podem ter tido um impacto muito forte na área em que

aconteceram e serem motivo de falatório hodiernamente. Oxalá minha

pesquisa dispusesse de aporte financeiro que me permitisse ir àquelas outras

localidades, entrevistar os camponeses mais velhos e tentar encontrar, em

suas lembranças e memórias, vestígios daqueles acontecimentos bizarros que

pulularam por quase um ano em todo o estado do Ceará. Acredito que estes

35 BECKER, C. L. Everyman his own historian. (reprinted from American Historical Review, 37, 1932, pp. 221-36), in Winks, Historian as Detective, q.v. pp. 3-23. Citado por LOWENTHAL, David. Como conhecemos o passado. In: Projeto História, Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História, PUC - SP, nº. 17, novembro de 1998, p. 151.

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acontecimentos tenham deixado marcas na população e que podem se

manifestar em algum aspecto de sua cultura popular (na literatura de cordel,

por exemplo). Deixo aqui aberto o convite aos pesquisadores mais afortunados

que invistam seus cabedais neste intento: muitas surpresas poderão afluir daí.

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PRIMEIRO CAPÍTULO

“A bomba atômica mudou tudo”

There is no evil in the atom; only in men’s soul.

Adlai Stevenson 36

A binômio curiosidade e inquietação, de um lado, e o domínio dos

caminhos metodológicos, de outro, talvez sejam os elementos-chave, a

condição sine qua non, de todo aquele que realiza pesquisa em História. Na

Introdução, afirmei que os jornais (entre outras fontes) do final da década de

1950 foram consultados com o intuito de buscar indícios e pistas que

apontassem para um acontecimento específico: o da possibilidade de que

tivesse sido explodida nos céus do Nordeste brasileiro uma bomba-A, como

afirmara Basbaum. Procurava por algo específico, mas as fontes não trazem as

informações separadas e arrumadas. Um turbilhão de outras informações, (e

confesso) algumas vezes até mais interessantes, afluíram de todos os lados,

na forma de matérias de jornais, revistas etc.

Uma destas, em particular, me inquietou. Na edição de 21 de março de

1957 do jornal O Democrata, o aluno Paes de Castro, do 4º ano da Faculdade

de Direito, da Universidade Federal do Ceará, escreveu um pequeno texto sob

o título “Hiroshima, Magasaki [sic], Fernando de Noronha, Fortaleza e Maceió”.

E isto foi o suficiente para causar-me espanto: que relação pode haver entre

Fernando de Noronha, Fortaleza e Maceió, e as cidades japonesas de

Hiroshima e Nagasaki? No texto (que se assemelha a um manifesto), o aluno

denunciou o Acordo Militar Brasil - EUA, de 1952, sob o qual se assenta a

liberação, para os norte-americanos, da ilha de Fernando de Noronha para a

instalação de uma Base de Rastreio de Mísseis Teleguiados. Repudiando o

tempo todo a presença americana na ilha, Paes de Castro apregoou que “O

verdadeiro objetivo é a instalação duma base de lançamentos, afim [sic] de 36 DeGROOT, Gerard J. The bomb: a life. Cambridge: Harvard University Press, 2005, p.xv. “Não há mal no átomo; apenas na alma dos homens”

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deslocar o teatro de operações”. E adicionou: “Tentarão tudo para situar um

possível conflito atômico longe de suas fronteiras”, e em tom inflamado,

proclama: “Enfim, além da Constituição, além da soberania nacional, é pela

sobrevivência do Homem, neeste [sic] trecho do planeta, que lançamos este

apelo: - BRASILEIROS DO NORDESTE, UNI-VOS!” 37. Em uma outra matéria

publicada no periódico O Jornal, em sua edição do dia 19 de julho de 1958,

mais uma vez uma relação assustadora foi estabelecida: “FERNANDO

NORONHA E A TERCEIRA GUERRA MUNDIAL” 38. O periódico despachou

um “Enviado Especial” (o jornalista Paulo Lopes Filho) para a base americana

na ilha, e anunciou a “Completa Cobertura de Nossas Possibilidades, em Caso

de Terceira Guerra Mundial”.

Como se pode perceber nas matérias acima, estávamos, nós do

Nordeste brasileiro, no epicentro do que seria a próxima guerra mundial. E o

aumento das tensões internacionais fez aumentar o desespero daqueles que

pressentem o aproximar de algo terrível. Em Pernambuco, o Senador Nelson

Firmo (P.S.D.) deu o tom daquele desespero:

“Fernando de Noronha está hoje dominada por forças estrangeiras, nossa soberania arranhada, os horrores de uma descomunal guerra atômica transferidos para o meu pobre e tão desamparado Nordeste, meu Recife sob ameaça de ser arrasado por uma bomba de hidrogênio [RASGADO]” 39.

E a preocupação acima descrita, de que o Nordeste seja transformado

em “teatro de operações” da Terceira Guerra Mundial, não foi encontrada

apenas nas páginas dos jornais de tendência comunista (como O Democrata,

órgão do P.C.B.), que muitas vezes buscam mostrar a União Soviética como

pacifica e ordeira (“Não temamos a Rússia”), e os “ianques” como imperialistas

e saqueadores da soberania nacional (“as Tropas de Ocupação”). Entre os

militares brasileiros de alto escalão, encontrei claras manifestações de suas

preocupações quanto ao papel do Nordeste brasileiro no próximo conflito

mundial. O General Antônio de Souza Júnior publicou um livro, em 1959,

intitulado “O Brasil e a 3ª Guerra Mundial”, no qual dedicou especial atenção ao

37 Jornal O Democrata, Fortaleza, 21 de março de 1957. 38 Jornal O Jornal, Fortaleza, 19 de julho de 1958. 39 Jornal O Democrata, Fortaleza, 29 de maio de 1957, “Não Temamos a Rússia: Temamos as Tropas de Ocupação de Fernando Noronha”

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Nordeste brasileiro (na realidade, um tópico inteiro da 2ª Parte). Ao comentar,

especificamente, sobre a “Terceira Guerra Mundial”, o general lembrou:

“Como brasileiros, precisamos compreender, desde logo, que a região nordeste do Brasil deverá desempenhar importantíssimo papel na Terceira Guerra Mundial. Estrategicamente, já vimos que sua posição é excepcional por ser uma das margens do ‘estreito’ ou ‘estrangulamento’ continental, que permite o mais curto e fácil acesso entre a América do Sul e a África Ocidental e vice-versa” 40.

E acrescentou um pouco adiante que o Nordeste brasileiro não será

apenas um “ponto de apoio destinado a instalação de bases aeronavais para

batalhas longínquas”, como foi a Base de Natal, durante a Segunda Guerra

Mundial 41. “Êle [o Nordeste brasileiro] se constituirá, com certeza, em Teatro

de Operações e será palco, possivelmente, de verdadeiras ações de guerra” 42.

Percebe-se, portanto, que a preocupação do senador pernambucano, há pouco

citado, de que o “meu Recife” fosse “arrasado por uma bomba de hidrogênio”,

pareceu encontrar eco e sustentação. O General, no entanto, lembrou que

“para compreender isto, sem vislumbrar ridículo ou sensacionalismo na

previsão, é preciso analisar judiciosamente as hipóteses de guerra entre os

Estados Unidos e a União Soviética” 43. E que “hipóteses de guerra” eram

estas? Dito de outro modo: como se encontrava a conjuntura mundial no que

tange a um conflito armado entre superpotências, de modo que se permitisse

falar em “Terceira Guerra Mundial” no Nordeste brasileiro? É possível

encontrar, em outras fontes, indícios que nos revelem a opinião de jornalistas e

40 SOUZA JÚNIOR, General Antônio de. O Brasil e a 3ª guerra mundial. São Paulo: BIBLIEX, 1959, p.241-242. 41 E a Base de Natal tinha uma importância estratégica tão crucial que seria por lá que começaria a invasão dos Estados Unidos ao Brasil, caso o governo de Getulio Vargas insistisse na neutralidade durante a Segunda Guerra. O Plano de Invasão (com o mapa), publicado na revista Isto É, em 1993, e reproduzido no jornal Diário do Nordeste, de 27 de maio de 1993, fazia parte de um amplo plano para tomada de todo o Norte e Nordeste brasileiro, do Amapá a Bahia. “O documento, até agora inédito, (...) recebeu o titulo de Plano do Teatro de Operações do Nordeste do Brasil e teve sua primeira versão aprovada em 1º de novembro de 1941. (...) [e] Leva a assinatura do general L. J. Mac Nair, chefe do Estado-Maior das Forças Armadas Americanas”. Jornal Diário do Nordeste, 27 de maio de 1993, Caderno 3, p.1, “Estados Unidos pensaram em invadir o Brasil” 42 SOUZA JÚNIOR, General Antônio de. Op. Cit., p.242. 43 SOUZA JÚNIOR, General Antônio de. Op. Cit., p.242. Talvez aqui o General esteja mandando um recado para os “comunistas” e “nacionalistas” que notadamente, neste período, punham os interesses nacionais acima de tudo, e não hesitariam em pensar (como vimos) numa previsão tão catastrófica quanto a de uma “Terceira Guerra Mundial” no Nordeste brasileiro.

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de cidadãos (não apenas do Brasil, mas de outros países) sobre as tensões

que o mundo atravessava no pós-Segunda Guerra?

Bem, para encontrar aquelas “hipóteses de guerra” poder-se-ia partir da

década de 1950, e dela fazer incursões à segunda metade da década de 1940,

em que o fim da Segunda Guerra marca um momento peculiar nas relações

entre as nações vitoriosas (e Aliadas). Hobsbawm 44 chamou,

apropriadamente, o período que vai do pós-guerra até 1973 de ”os anos

dourados”. E problematizou: “Como e por que o capitalismo, após a Segunda

Guerra Mundial, viu-se, para a surpresa de todos, inclusive dele próprio, saltar

para a Era de Ouro de 1947-73, algo sem precedentes e possivelmente

anômalo?” 45. E continua, chamando a atenção para a relevância da questão:

“Eis, talvez, a questão central para os historiadores do século XX. Ainda não se

chegou a um consenso e não tenho a pretensão de oferecer uma resposta

persuasiva” 46.

Os “anos dourados” (particularmente a década de 1950) foi um período,

também, de profundas transformações da sociedade nos mais diversos

campos. Se pensarmos em termos de política internacional, logo salta aos

olhos a Guerra Fria e as tensões a ela associadas: recrudescimento da

possibilidade de uma guerra mundial, guerras regionais por áreas de influência,

Corrida Armamentista, Corrida Espacial etc. O mundo passava por

modificações que lhe emprestaram um caráter bem peculiar. A euforia

decorrente do fim da Segunda Guerra foi substituída por um clima de tensões

permanentes: em pleno clima de “paz”, a insegurança grassava. “O final da

Segunda Guerra Mundial e o advento das armas atômicas não trouxeram o fim

das guerras, nem imediatamente, nem nas décadas seguintes” 47.

44 HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos: o breve século XX 1914-1991. 2ª ed. Tradução de Marcos Santarrita. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p.253. 45 HOBSBAWM, Eric. Op. Cit., p.18. 46 HOBSBAWM, Eric. Op. Cit., p.18. Em uma Monografia escrita em 1994, discorro sobre o quão importante são os gastos militares na acumulação capitalista, na manutenção dos lucros e no domínio de mercados externos. Entendo que os modelos teóricos da Economia (de economistas como Keynes, Kalecki, R. Luxemburg etc.) muito tem a contribuir no entendimento das razões do “sucesso” das economias capitalistas no pós guerra. Para mais detalhes, ver: ROLIM, Tácito. Militarismo americano pós-guerra. Fortaleza, 1994. 68 p. Monografia (Bacharelado em Ciências Econômicas), Universidade Federal do Ceará. 47 KEEGAN, John. Uma história da guerra. Tradução de Pedro Maia Soares. São Paulo: Companhia das Letras, 2001, p.392.

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Como salientou Keegan, esta modificação se deveu, notadamente, à

adição ao arsenal disponível para os militares, de ambas as superpotências

(Estados Unidos e União Soviética, que saíram “vitoriosos” do último conflito e

passaram a disputar uma hegemonia mundial), de uma nova e terrível arma: as

bombas atômicas, ou as bombas-A. O poder, em termos destrutivos, liberado

por tais armas é sem precedentes na História da humanidade: nunca antes o

homem desenvolvera capacidade de aniquilação que se comparasse a escala

possibilitada pelas armas nucleares. O lançamento de duas delas nas cidades

japonesas, em 1945, deixou claro para os estrategistas militares, os dirigentes

políticos e o público em geral que algo havia mudado na “arte da guerra” daqui

por diante. A segunda metade da década de 1940 marcou o período em que os

Estados Unidos se encontravam com o monopólio das armas nucleares,

gozando, portanto, de um poder político adicional decorrente de sua posse. O

monopólio atômico foi quebrado apenas no final do verão de 1949, quando a

União Soviética finalmente experimentou seu primeiro artefato nuclear.

Começaria o pesadelo atômico para americanos, russos e toda a humanidade.

“A bomba atômica mudou tudo” 48 desde sua utilização, em 1945. No

início, imprimiu confiança aos militares norte-americanos quanto ao seu

poderio, apesar do tom sombrio advindo da capacidade de destruição de tais

armas. A quebra do monopólio, por sua vez, marcou fortemente a possibilidade

de que Nova Iorque e Washington (ou quaisquer outras cidades americanas)

tivessem o mesmo destino das cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki em

um próximo conflito mundial. A reação do governo americano e russo foi a de

armar-se mais e mais, além da aprimorar tecnicamente novas e mais

poderosas armas; e “para a maioria dos americanos o advento da bomba

[russa] sinalizou o fim de uma era de inocência e a hora de comprar, comprar,

comprar” 49.

O cenário de início da década de 1950 encontrava-se, cada vez mais,

sombrio. Há um ditado popular que bem sintetiza o momento porvir: “Não há

48 HEIMANN, Jim (Editor). The golden age of advertising - the 50’s. Colônia: Taschen, 2005. Na página 4 há uma Introdução escrita por Willy Wilkerson que começa com a frase supracitada: “The atomic bomb changed everything”. 49 HEIMANN, Jim (Editor). Op. Cit., p.4. “(…)for most Americans the advent of the bomb signaled an end to an age of innocence and a time to buy, buy, buy”.

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nada que esteja ruim hoje que não possa ficar pior amanhã” 50. Então, são

desenvolvidas as armas termonucleares, ou as bombas-H (bombas de

hidrogênio ou “bombas do juízo final”, como eram conhecidas na época). Logo

nos primeiros anos da década de 1950, tanto os Estados Unidos como a União

Soviética já dispunham desta nova e mortífera arma: o poder de destruição das

armas atômicas, ou bombas-A, já elevado, é multiplicado por 100 em um curto

espaço de tempo. A humanidade, representada pelos seus líderes políticos,

militares e cientistas das superpotências, brinca com seu próprio destino... A

possibilidade de alguma paz naquela conjuntura vai ficando cada vez mais

remota.

“A bomba de hidrogênio não é a resposta ao sonho dos povos ocidentais de garantia completa e definitiva de seus anseios de segurança. Não é, também, defesa para os perigos que o ameaçam. Ao contrario, à medida que aumenta seu poder destruidor, a ansiedade e a sensação de insegurança daqueles povos se aprofundam e se ampliam” 51.

Se para Clausewitz, segundo sua definição clássica, “A guerra é (...) um

ato de violência destinado a forçar o adversário a submeter-se à nossa

vontade” 52, o modo como uma próxima (e iminente terceira) guerra mundial foi

sendo preparada, no período do pós-guerra, apenas aumentou seu caráter de

“ato de violência”, reduzindo exponencialmente sua capacidade de “submeter”

qualquer parte à vontade da outra, uma vez que a hecatombe atômica era uma

possibilidade concreta, o que significaria a destruição de capitalistas,

comunistas e não-alinhados indiscriminadamente. No campo da imaginação

social, o medo e o pânico fertilizam a imaginação das pessoas e seus

entendimentos sobre o que estava acontecendo assim como o porvir: “A

imaginação, como em todos os movimentos de pânico colectivo, parece estar

50 Que se relaciona a máxima de Publílio Siro, Cotidie est deterior posterior dies, ou “Todos os dias o hoje é pior do que o ontem”. Segundo TOSI, Renzo. Dicionário de sentenças gregas e latinas: 10.000 citações da Antiguidade ao Renascimento no original e traduzidas com comentário histórico, literário e filológico. Tradução de Ivone Castilho Benedetti. São Paulo: Martins Fontes, 1996, p.360. Hobsbawm recorre a “uma das mais poderosas generalizações sobre as questões humanas”, a Lei de Murphy, ou “Se algo pode dar errado, mais cedo ou mais tarde vai dar”. HOBSBAWM, Eric. Op. Cit., p.224. 51 HART, B. H. Linddell. As grandes guerras da história. 5ª ed. Tradução de Aydano Arruda. São Paulo: IBRASA, 1982, p.16. 52 CLAUSEWITZ, Carl von. Da guerra. 2ª ed. Tradução de Maria Teresa Ramos. São Paulo: Martins Fontes, 1996, p.7.

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marcada pela patologia e não é capaz de produzir senão fantasmas e

efabulações” 53. A guerra (e a expectativa dela) ganha, assim, uma nova

dimensão nunca antes imaginada.

“O clima de guerra envolve tudo. Tôda a vida social e individual se organiza segundo seus têrmos, e ela domina a curiosa vida espiritual dos povos da Cristandade. Modela seus empreendimentos científicos, limita seus esforços intelectuais, onera os orçamentos nacionais, e substitui aquilo que outrora se chamava diplomacia. A tendência para a guerra é maciça, sutil, oficial e autônoma. A guerra deixou de ser a interrupção da paz: de fato, a paz tornou-se um intervalo incômodo entre as guerras. A paz tornou-se um perigoso estado de equilíbrio entre o terror mútuo e o mêdo mútuo” 54.

Corporifica-se um sutil equilíbrio entre a vida e a morte de toda a

humanidade, sendo a descoberta da ciência de como “dominar” o átomo, o

gatilho daquela tensão. É possível encontrar em algumas revistas da época a

representação deste mal-estar. Na revista Time, várias charges resumem a

visão sombria de futuro que as armas nucleares (sejam as bombas-A ou H)

ofereceram à humanidade. Em uma delas, publicada na edição de 20 de

agosto de 1945 da revista 55 (e reproduzida a seguir), um cientista oferece uma

“bela bola” (uma bomba-A, certamente) para a criancinha (a Humanidade)

brincar: “Vida ou Morte” são as opções que o cientista, ou a Ciência, oferece a

criancinha (observem no bolso do cientista o sinalizador da ameaça, “O

Átomo”).

53 BACZKO, Bronislaw. Imaginação Social. In: Enciclopédia Einaudi. Anthropos-Homem, Lisboa: Imprensa Nacional / Casa da Moeda, 1985, vol.5, p.319. 54 MILLS, C. Wright. As causas da próxima guerra mundial. Tradução de Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Zahar, 1961, p.17. 55 Revista Time, Nova Iorque, 20 de agosto de 1945, THE NATION, “The Bomb”, p.14.

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Em uma matéria, publicada na edição de 1 de outubro de 1945, a

revista56 mostrou que apesar da “terrível verdade” de que há “uma coisa como

uma bomba atômica”, os estrategistas militares e diplomatas agem como se ela

não existisse. As armas atômicas são apresentadas ao cidadão comum (plain

people) como se “alguém fosse dar um jeito de dominá-la [a bomba-A] para o

bem da humanidade”. Uma charge, publicada na revista Punch e reproduzida

na matéria da revista Time (e mostrada aqui em seguida), mostra a mãe

explicando a filha o que é uma bomba atômica: “É um novo tipo de bomba,

querida, para o benefício da humanidade”, diz a mãe a filha 57.

56 Revista Time, Nova Iorque, 1 de outubro de 1945, ARMAMENTS, “The Unmentionable”, p.14. 57 Para alguns líderes políticos, as bombas atômicas eram coisas banais, apenas um tipo novo de arma para ser adicionado aos arsenais. Para Stalin, a bomba atômica seria “Esta coisa que serve para meter medo nas pessoas de nervos frágeis”. MAIOCCHI, Roberto. A era atômica: século XX. Tradução de Mauro Lando e Isa Mara Lando. São Paulo: Ática, 1996, p.40.

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Curiosamente, a intenção de manter os assuntos relativos à bomba

atômica e à contaminação radioativa longe do conhecimento público se tornará

padrão nos anos vindouros, e terá como instituição perpetuadora deste modelo

a Comissão de Energia Nuclear (ou AEC, “Atomic Energy Commission”).

Acredito que toda essa névoa de “segredo militar” que envolvia a tudo e a

todos corroborou para aumentar as especulações sobre o fantástico, o

inacreditável e o desconhecido.

O diplomata britânico Sir Stafford Cripps disparou, na matéria acima

citada da revista Time, seu temor de que “à medida que os meses e os anos

passem, a história de Nagasaki e Hiroshima definhe em um segundo plano e

que... este novo poder de destruição... cessará de ter a sua força

impulsionadora sobre nossas ações políticas” 58. Quanto ao definhamento, na

58 Revista Time, Nova Iorque, 1 de outubro de 1945, p.14. “The thing I fear is that as the months and years pass the story of Nagasaki and Hiroshima will fade into the background and

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mente das pessoas, dos horrores do primeiro bombardeio atômico, o diplomata

pareceu estar certo: uma sondagem recente “mostra que 57% [dos

americanos] aprovam o uso das bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki”59,

e que “Na época [em 1945], a aprovação dos bombardeios ficou em 59%”.

Porém, quanto ao poder “impulsionador” (nas “ações políticas” entre as

superpotências que atingiu, direta ou indiretamente, todas as nações) da nova

arma, este não cessou; na realidade, recrudesceu violentamente ao longo da

chamada Guerra Fria.

Uma outra charge (reproduzida a seguir), publicada na edição de 15 de

outubro de 1945 da revista Time, sintetizou o temor de que as armas nucleares

não deixarão de “ter a sua força impulsionadora sobre nossas ações políticas”.

Ironicamente, o chargista apresentou uma “Bomba Atômica: Versão da Idade

da Pedra”: um homem das cavernas segura seu novo invento, um arco

composto, e diz para o companheiro que “esta nova arma colocará um fim a

todas as guerras” 60.

that… this new power of destruction… will cease to have its compelling force upon our political actions” 59 Jornal Folha de São Paulo, São Paulo, 6 de agosto de 2005, p.A17, “Nos EUA, 57% aprovam ataque a Hiroshima”. 60 Revista Time, Nova Iorque, 15 de outubro de 1945, THE NATIONS, “Heads Up!”, p.13.

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O que esta charge expressa é a realidade de que armas mais poderosas

nunca trariam o fim das guerras: de um certo modo, porém, as armas nucleares

inviabilizaram um conflito entre Estados Unidos e União Soviética, transferindo-

o para a “periferia” do sistema (Coréia, Vietnã, Afeganistão, Nicarágua, dentre

outros). Isto fez com que elas evitassem a Guerra Total, mas não as guerras

localizadas, que se intensificaram exponencialmente nos quatro cantos do

planeta.

“Tem havido paz -- uma paz intranqüila, é verdade, mas de qualquer maneira paz -- entre as principais superpotências desde 1945. Mas, desde então, não houve um único dia sem alguma espécie de luta em algum lugar do mundo. Pelo menos 150 conflitos armados de grande porte ocorreram desde a Segunda Guerra Mundial; alguém sempre esteve combatendo alguém” 61.

O aperfeiçoamento, portanto, de novas armas mais e mais poderosas

não traria a paz entre as nações; apenas o retorno às mesas de negociação

61 Guerra na paz. (vol 1). Rio de Janeiro: Rio Gráfica, 1984, p.6.

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sinalizaria a possibilidade de um entendimento que garantiria alguma

estabilidade naqueles conturbados anos. Apresento a seguir uma outra charge

que foi concebida dentro do contexto da quebra do monopólio americano da

bomba-A pelos russos, em 1949. As revistas da época refletiram esta

preocupação e a necessidade (uma vez que os russos tinham a sua bomba-A)

de se sentar e negociar. Nesta charge, publicada na edição da revista Time de

3 de outubro de 1949, uma gigantesca bomba-A aparece sentada, na mesa

das Nações Unidas, entre representantes americanos e soviéticos: querem

conversar entre si “ou vocês querem que eu faça a conversa?”, pergunta, em

tom ameaçador, a enorme bomba-A.

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E parece ter sido exatamente isto o que aconteceu durante todo o tempo

da Guerra Fria: as armas atômicas (ou a posse delas e a disposição em utilizá-

las) ditaram o tom dos discursos e das ameaças. Em muitos conflitos, como na

Coréia e no Vietnã, ventilou-se a possibilidade do uso de armas nucleares

“táticas”. A “crise dos mísseis de Cuba”, ou como chamaria Hobsbawm, “um

exercício de força (...) inteiramente supérfluo”, levantou estratosfericamente as

possibilidades de uma guerra nuclear total.

“a própria certeza de que nenhuma das superpotências iria de fato querer apertar o botão nuclear tentava os dois lados a usar gestos nucleares para fins de negociação (...), confiantes em que o outro

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tampouco queria a guerra. Esta confiança revelou-se justificada, mas ao custo de abalar os nervos de várias gerações” [grifo do autor] 62.

Como vimos, o poder das armas aumentou e com elas as tensões entre

as superpotências. Uma cortina de névoa desceu entre as nações, tornando

incerto o futuro delas e de toda a humanidade. “Os imaginários sociais operam

ainda mais vigorosamente, talvez, na produção de visões futuras,

designadamente na projecção de angústias, esperanças e sonhos colectivos

sobre o futuro” 63. Assim, a produção de imaginários sociais orbitou, nas

décadas seguintes, em torno do imenso poder apropriado pelos homens

(militares e cientistas das grandes potências).

O poder da bomba-H possibilitou a liberação de energia nunca antes

vista (e prevista): os testes realizados no Pacífico, em março de 1952, fizeram

a primeira vítima confirmada de uma bomba-H 64. Por conta de erro nos

cálculos da potência do engenho, a poeira radioativa (ou “fallout”) caiu em uma

área bem maior do que a esperada, ironicamente contaminando vários

pescadores japoneses (e vitimando fatalmente o pescador Aikichi Kuboyama)

que se encontravam a bordo do barco pesqueiro Fukuryu Maru (ou “Dragão

Afortunado”). Alguns jornais da época clamavam pelo fim dos testes:

“CONTENHAM A BOMBA!”, esbravejava o londrino Daily Herald, enquanto o

Manchester Guardian perguntou: “É realmente inteligente continuar com estas

explosões?” 65. Talvez a charge que melhor sintetizou a visão pessimista

quanto ao futuro da humanidade esteja publicada na edição de 5 de abril de

1954 da revista Time. Nela, o planeta Terra, de pernas trêmulas, “Vislumbra o

Dia do Juízo Final” atrás da cortina que esconde a “Nova Bomba-H”.

62 HOBSBAWM, Eric. Op. Cit., p.227. 63

BACZKO, Bronislaw. Op. Cit., p.312. 64 As primeiras vítimas não-fatais do “fallout” radioativo foi a família Raitliff (um casal de idosos, mais o seu neto), que tinham um rancho no Novo México, próximo ao local onde foi testada a primeira bomba-A (o teste Trinity), em julho de 1945. Os médicos do Projeto Manhattan investigaram os efeitos da radiação sobre os Raitliff e seus animais domésticos, e não há evidencias de que tenham informado a família sobre o que acontecera a eles. Um outro cidadão afetado pela radioatividade do teste Trinity, Bill Wrye, disse que sua barba caiu 3 meses após o teste. Os cientistas do Projeto procuraram desqualificá-lo quando ele procurou a imprensa e denunciou que o teste foi o responsável por isto. A política de esconder a verdade da população afetada seria corriqueira e oficialmente adotada nos últimos 50 anos pela Comissão de Energia Nuclear norte-americana (AEC - Atomic Energy Commission). WELSOME, Eileen. The plutonium files: America’s secret medical experiments in the cold war. Nova Iorque: Delta, 2000, p.103-104. 65 Revita Time, Nova Iorque, 5 de abril de 1954, THE NATION, “Distorted Commentary”, p.11. “CALL OFF THAT BOMB!” e “Is it really wise to proceed with these explosions?”

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E o clima de pessimismo intensificava a imaginação de que tudo de ruim

que acontecia no mundo tinha como culpado as armas nucleares. “Abalar os

nervos de várias gerações” parece ter sido realmente a sina da ciência que

descortinou os poderes do átomo. E na edição do dia 26 de junho de 1958, do

jornal fortalezense Gazeta de Notícias, é estabelecida uma interessantíssima

relação: segundo a matéria do jornal, o clima do Nordeste brasileiro estava

sendo afetado pelas explosões nucleares. Vale lembrar que o ano de 1958 foi o

de uma terrível seca, que na opinião de alguns, como o governador cearense

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Paulo Sarasate, “A SECA DESTE ANO É A PIOR DAS JÁ VERIFICADAS

NESTE SÉCULO” 66, enquanto para outros ela adquire um espectro ainda mais

amplo, tendo sido “uma das piores da história do Nordeste” 67. O jornal disse

então:

Os estudiosos de climatologia, em face das violentas mudanças que se verificam atualmente no clima do Nordeste atribuem os distúrbios às explosões nucleares as quais determinam alterações climáticas desviando grande massa de ar gelado das regiões polares” 68.

Brotaram várias associações desta natureza: quando o jornal Unitário,

em 17 de abril de 1959, anunciou “As maiores inundações já registradas na

América do Sul”, que atingiram a “Argentina, Bolívia, Paraguai, Uruguai e

Brasil”, deixando “300 mil pessoas sem lar”, mostrou que a associação com

testes nucleares foi feita pelo “homem da rua das mais diversas categorias

sociais” 69.

“Apesar das opiniões em contrário dos entendidos, o povo em geral é de opinião que a série de provas atômicas no sul do Atlântico, tem sido a causa das inundações que atualmente devastam grande parte da América do Sul. Estes pensamentos as vezes sem convicção são freqüentemente externados pelo homem das mais diversas categorias sociais. Jornais argentinos publicam informações para demonstrar que não há qualquer relação entre ambas as coisas, dizendo que são fenômenos naturais e claramente indiscutíveis” 70

E não é apenas sobre o clima do planeta que se supunha que as

bombas atômicas exerciam sua influência, mas também na saúde das

pessoas. No ano de 1957, a “’ASIÁTICA’ Já Chegou Até Nós” 71; há várias

referências na imprensa cearense da epidemia da gripe asiática que se

espalhava pelo mundo e que atingiu o Ceará. Manchetes alarmantes como

“MUITA GENTE GRIPADA EM JUAZEIRO” e “SURTO BENIGNO DA GRIPE

ASIÁTICA EM JUAZEIRO” eram anunciadas no jornal O Povo, em sua edição

66 Jornal Gazeta de Notícias, Fortaleza, 6 de abril de 1958. 67 BOJUNGA, Cláudio. JK: o artista do impossível. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p.517. 68 Jornal Gazeta de Noticias, Fortaleza, 24 de junho de 1958. “EXPLOSÕES NUCLEARES AFETAM O NORDESTE” 69 Jornal Unitário, Fortaleza, 17 de abril de 1959. “300 MIL PESSOAS SEM LAR POR CAUSA DA ENCHENTE” 70 Jornal Unitário, Fortaleza, 17 de abril de 1959. 71 Jornal Gazeta de Notícias, Fortaleza, 17 de outubro de 1957.

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de 16 de outubro de 1957. E “no mês de outubro porém a atuação da epidemia

(...) estendeu-se repentinamente”, chegando, segundo o jornal, a uma “média

assombrosa” de 110 casos em agosto para 82 nos dez primeiros dias de

outubro. E o jornal ponderou: “Pela imperfeição dos talões de óbitos (...) não

podemos assegurar que seja a ‘asiática’ a responsável pela mortalidade” 72.

Um pouco mais para o final do ano de 1957, “A asiática está praticamente

debelada em Fortaleza” 73, no entanto, em algumas cidades interioranas, como

Crateús, “a moléstia continua grassando, em certos lugares com mais

intensidade do que noutros, a zona Norte, sobretudo, onde está chegando

agora” 74. A região do Araripe “se vê a braços agora com a asiática” 75. Dado a

gravidade da expansão da asiática no Brasil, foi criada uma Comissão

específica 76 para lidar com o problema. O médico Alfredo Eugênio era membro

desta Comissão e atirou que “a gripe ‘asiática’ tem suas causas na

radioatividade proveniente das explosões nucleares”. Segundo o médico, “a

doença surgiu exatamente na parte do mundo onde foram efetuadas as

maiores explosões. E diz que se a radioatividade influi profundamente na vida

animal e vegetal, pode também influir nos micro-organismos” 77.

Assim, a “Era Atômica” inaugurou uma nova relação do homem com a

natureza, generalizando-se no mundo inteiro um sentimento de destruição da

humanidade, chegando mesmo a ser ventilada, como acabamos de ver, a

hipótese de que os testes nucleares afetavam o clima da Terra e a saúde das

pessoas: é o homem brincando de Deus e dispondo, pela primeira vez na

História, dos meios objetivos (as armas) e subjetivos (o desejo de acabar com

“aqueles malditos russos” e “ianques”) de destruição de todo o planeta e,

conseqüentemente, da humanidade. E o “cidadão comum” que a pouco foi

referido, o que pensava ele a respeito do descortinar de uma nova e terrível

72 Jornal O Povo, Fortaleza, 19 de outubro de 1957, “ELEVA-SE O NÚMERO DE OBJETOS (sic) EM JUAZEIRO” 73 Segundo o jornal O Povo, de 19 de novembro de 1957, “METADE DA POPULAÇÃO DA CIDADE [de Fortaleza] TEVE ASIÁTICA”, o que é, por si só, um dado surpreendente. 74 Jornal O Povo, Fortaleza, 11 de novembro de 1957, “CINCO MIL PESSOAS COM A ‘ASIÁTICA’ EM CRATÉUS” 75 Jornal O Povo, Fortaleza, 19 de novembro de 1957, “ASIÁTICA EM ARARIPE” 76 Segundo o jornal Gazeta de Notícias, de 4 de outubro de 1957, esta era a “Comissão Especial de Gripe do Ministério da Educação” 77 Jornal O Povo, Fortaleza, 30 de setembro de 1957, “Opinião de um médico” “EXPLOSÕES ATÔMICAS COMO CAUSA DA GRIPE”. A opinião do médico também aparece na edição do jornal Gazeta de Notícias de 4 de outubro de 1957, na coluna “Espelho da Imprensa Sulina”, onde uma matéria do jornal O Globo é reproduzida.

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tecnologia como a atômica? É possível encontrar a sua voz nas revistas acima

mencionadas? Bem, elegi a seção de Cartas da revista Time como local

apropriado (e, no momento, disponível) para ouvirmos um pouco do que eles

achavam sobre as bombas-A e H. Há, por vezes, referências as suas opiniões

nos artigos da revista, mas estas são apresentadas de forma dispersa e difusa,

e muitas vezes sem ser possível identificar quem proferiu um ou outro

comentário ou opinião. Diferentemente, na seção de Cartas (Letters), é

possível identificar o autor do comentário (e até mesmo sua cidade e estado).

Estou ciente de que as cartas que chegaram a Redação da revista (e que

foram publicadas), passaram por uma série de “filtros” antes da sua publicação:

assim, mais do que expressarem a opinião do público norte-americano em

geral, elas expressam a linha editorial da revista, que, para o caso da Time, era

tida como veículo do “imperialismo dos Estados Unidos” (como disse na

Introdução). E mais ainda: sei da necessidade de se assumir uma postura de

desconfiança com relação a seção de Cartas, uma vez que algumas delas

podem nunca ter sido escritas por nenhum “cidadão comum” (plain people), e

sim por um editor ávido de repercussão no público das pautas da revista, o que

o levaria a forjar algumas cartas. Não aprofundo, porém, esta discussão uma

vez que não discuto a imprensa nesta dissertação: gostaria apenas de alertar o

leitor para esta possibilidade.

Sobre o bombardeio atômico das cidades japonesas, encontrei opiniões

as mais diversas. Na revista Time, do dia 27 de agosto de 1945, a leitora, Sra.

Rita Kemper, da Pensilvânia, disparou que “Antes que os americanos se

levantem contra isto [a bomba atômica], deixe-os... não esquecerem do

tratamento recebido pelos prisioneiros americanos [dos japoneses]” 78. E um

pouco mais adiante a leitora especulou sobre o que teria ocorrido se eles, os

japoneses, tivessem sido os primeiros a inventar a bomba atômica:

“Desnecessário dizer”, afirma ela em tom irônico. O leitor John L. Balderston,

Jr., do estado do Tennessee, lembrou que “Na realidade, é para o bem de todo

o mundo que nós, uma nação normalmente amante da paz, tenhamos

78 Revista Time, Nova Iorque, 27 de agosto de 1945, LETTERS, p.1. “Before Americans rise against it [the atomic bomb], let them ... not forget the treatment received by Americans prisoners (…) (…)”

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descoberto isto [a bomba atômica] primeiro” 79, e faz, assim, coro quanto a

preocupação da Sra. Kemper. Mas ele lançou uma séria advertência, na forma

de questionamento, sobre o “futuro da paz no mundo”: “Que nação, sabendo

que com o poder atômico nós poderemos completamente destruir isto [a paz

mundial] sem aviso e sem dano a nós mesmos, confiaria mesmo nos Estados

Unidos?” 80. Instabilidade e desconfiança, portanto, eram os prenúncios da “Era

Atômica”. “É como se a humanidade estivesse se movendo inexoravelmente

rumo ao Armageddon e para o limbo de coisas esquecidas, em esquecimento

de sua própria formação” 81. E na mesma edição da revista, um outro leitor,

Walter G. Taylor, da cidade de Nova Iorque, inflamou:

“Senhores, os Estados Unidos da América se tornaram neste dia o novo mestre da brutalidade, infâmia, atrocidade. Bataan, Buchenwald, Dachau, Convetry, Lidice foram ‘fichinha’ quando comparados ao horror que nós, o povo dos Estados Unidos da América, temos descarregado no mundo na forma de bombas de energia atômica. Nenhuma aplicação pacifica deste monstro franksteiniano pode mesmo apagar o crime que cometemos. Nós pavimentamos o caminho para a destruição de nosso globo. Não há democracia quando uma tal indignidade pode ser cometida sem o nosso consentimento!” 82.

O “monstro franksteniano” a que o leitor se referiu (a bomba-A),

ganharia, como vimos anteriormente, uma versão ainda mais mortífera sete

anos depois: a bomba-H. Em matéria na sua edição de 12 de abril de 1954, a

revista Time explicou aos leitores “A FABRICAÇÃO DA BOMBA-H” 83. Um

esquema da reação nuclear foi apresentado pela revista, assim como alguns

79 Revista Time, Nova Iorque, 27 de agosto de 1945, LETTERS, p.1. “Indeed, it is to the good of the whole world that we, a normally peace-loving nation, did discover it first” 80 Revista Time, Nova Iorque, 27 de agosto de 1945, LETTERS, p.1. “What nation, knowing that with atomic power we could utterly destroy it without warning and without harm to ourselves, would trust even the U.S?” 81 Carta de W. G. Martin, do Texas. Revista Time, Nova Iorque, 27 de agosto de 1945, LETTERS, p.1. “It looks as if humanity is moving inexorably toward Armageddon and into the limbo of forgotten things, an oblivion of its own making” 82 Revista Time, Nova Iorque, 27 de agosto de 1945, LETTERS, p.1. “The United States of America has this day become the new master of brutality, infamy, atrocity. Bataan, Buchenwald, Dachau, Conventry, Lidice were tea party compared with the horror which we, the people of the United States of America, have dumped on the world in the form of atomic energy bombs. No peacetime applications of this Frankstein monster can ever erase the crime we have committed. We have paved the way for the obliteration of our globe. It is no democracy where such an outrage can be committed without our consent!” 83 Revista Time, Nova Iorque, 12 de abril de 1954, SCIENCE, “THE MAKING OF THE H-BOMB”, p.38-39.

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detalhes de seu funcionamento, para o desespero do leitor G. B. Landa, da

Flórida. Disse ele em carta à revista: “Nós ouvimos que nossos inimigos

despendem esforço e dinheiro em suas buscas por informações militares.

Quanto eles não economizariam se eles simplesmente assinassem a Time?” 84.

O receio do leitor era injustificado, pois as informações prestadas pela revista

“não são segredos para cientistas de nenhum lugar - inclusive a Rússia”; porém

o seu comentário reflete a paranóia que rondava aquele período, que incluía aí

o temor de que segredos militares fossem parar nas mãos dos “inimigos”. A

execução do casal Ethel e Julius Rosenberg, condenados por “espionagem

atômica”, são um excelente exemplo do clima que rondava aquele momento

delicado. Mais significativo ainda talvez seja a sentença apresentada pelo juiz

que os condenou a morte na cadeira elétrica, em 19 de julho de 1953 (sete dias

depois que os russos explodiram sua primeira bomba-H). Disse ele:

“Não hesito em considerar que seu delito é pior que um assassinato. Enquanto um assassino mata uma só pessoa, embora causando a dor de seus próximos, vocês, por outro lado, ao dar à União Soviética o segredo da bomba atômica muitos anos antes que os cientistas russos fossem capazes de fabricá-la, cometeram um crime muito mais grave. Na minha opinião, seu comportamento é o responsável pela agressão comunista na Coréia, que já causou entre mortos e feridos, mais de 50.000 vítimas. E é provável que milhões de outros inocentes terminarão um dia por pagar pela sua traição. A sentença que me preparo para dar pretende provar de uma vez por todas que a segurança dos Estados Unidos deve ser salvaguardada até o fim” 85.

Como disse um pouco antes, foi a busca paranóica por armas mais e

mais poderosas que lançou as superpotências em uma intensa corrida rumo ao

aperfeiçoamento de técnicas mais sofisticadas (nos campos da física, química,

engenharia etc). No campo técnico-bélico, esta ficou conhecida como Corrida

Armamentista, ao passo que no campo técnico-espacial, como Corrida

Espacial. Em uma e em outra, os investimentos em P & D (Pesquisa &

Desenvolvimento) são altíssimos 86 e fica mesmo difícil discernir o que é

84 Revista Time, Nova Iorque, 3 de maio de 1954, LETTERS, p.4. 85 MAIOCCHI, Roberto, Op. Cit., p.47. 86 Assim, “o processo de inovação passou a ser tão contínuo que os gastos com o desenvolvimento de novos produtos se tornaram uma parte cada vez maior e mais indispensável dos custos de produção. No caso extremo das indústrias de armamentos, onde reconhecidamente, o dinheiro não era problema, mal novas máquinas entravam em uso e já

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pesquisa civil e militar, tanto em um campo como em outro, até mesmo porque

os limites que as separam são, muitas vezes, tênues. Há várias empresas que

atuam em ambos os setores (civil e militar) e que transferem tecnologia de um

para o outro, desde que isto faça o consumidor (seja ele um pacato cidadão ou

um dirigente político mais afeito a um orçamento militar mais avantajado)

“comprar, comprar, comprar”. A “Marcha da Ciência” é mostrada em uma

charge (reproduzida a seguir), publicada na edição de 30 de janeiro de 1950 da

revista Time, em que a “Civilização” assistia atônita ao desfile de novas armas

mais sofisticadas e poderosas 87.

Nesta charge, mais uma vez, foi atrás de uma cortina de onde saem os

elementos que tanto apavoram a Humanidade. Como a ciência militar se

eram trocadas por equipamentos ainda mais avançados (e, claro, imensamente mais caros), com considerável lucro das empresas envolvidas” HOBSBAWM, Eric. Op. Cit., p.261. 87 Com relação aos custos altíssimos do desenvolvimento de novas armas a que me referi, vejamos o que diz a matéria da Revista Time, de 30 de janeiro de 1950, THE ATOM, “The Loaded Question”, p.7: “o custo do projeto da bomba-H para os Estados Unidos será de US$300 milhões a mais do que a primeira estimativa de US$2 a US$4 bilhões” [“the cost of an H-bomb project to the U.S. would run closer to $300 million than the first guess of $2 billion to $4 billion”]

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desenvolvia a passos largos, havia sempre algo de novo que aflorava da

cortina que, também, encobria os segredos militares do público em geral sob o

pretexto de “segurança nacional”, quando, na realidade, muitas vezes, o

segredo era encoberto pelo que significava em termos de poder e por causa do

dano causado à saúde das pessoas e ao meio-ambiente, como é o caso

daquelas que moravam próximas à área de testes nucleares, em Nevada,

Estados Unidos (Nevada Test Site ou N.T.S), inaugurado em 1950. A

representação das armas como um brinquedo carregado por cientistas refletiu

o sempre presente anseio (ou “choro”) dos militares por um “brinquedo” novo.

Isto me fez lembrar de uma outra charge, publicada na década de 1980, no Los

Angeles Times 88, que bem representa o “choro” deles: uma criança-general,

em lágrimas, aponta para o televisor em que assiste à propaganda de um

“brinquedo” novo, no caso o novíssimo avião B-1 Lancer que substituirá os

antigos B-52 Stratofortress, que não servem mais para a “brincadeira” de

intimidar os russos.

E foi esta “Marcha da Ciência” que possibilitou o crescimento sem

precedentes da economia americana: os gastos militares empurravam muitos

dos indicadores econômicos para cima, e o lucro das empresas e o consumo

dos trabalhadores cresciam 89, atrelados ao que se convencionou chamar de

“Complexo Militar-Industrial” 90. O deus ex machina estava posto, e para boa

parte da sociedade americana seria em torno dela que a vida (cultural,

paisagística, econômica, tecnológica etc) se organizaria. Desenvolver novas

armas levou rapidamente os militares a aperfeiçoarem, particularmente neste

88 MARQUEZI, Dagomir e GOMES, Lu. Guerra nuclear. São Paulo: Três, 1984, p.40. 89 “Com uma taxa de produtividade de 2% a.a. entre 1945 e 1955, os americanos estavam comprando 75% dos automóveis e eletrodomésticos produzidos no mundo. (...) Em menos de 10 anos a venda de móveis para varanda e jardim pulou de US$ 53,6 milhões para US$ 142,5 milhões, enquanto a de máquinas de lavar quase chegou a duplicar, de 1,7 milhões para 2,6 milhões de unidades. (...) Em apenas cinco anos, a venda de aparelhos de TV saltou de 3,1 milhões em 1950 para 32 milhões na metade da década” HEIMANN, Jim (Editor). Op. Cit., p.4-6 [With a productivity rate of two percent per year between 1945 and 1955 Americans were buying 75% of the cars and appliances on the world. (…) Within ten years the sale of lawn and porch furniture sales jumped from 53.6 million dollars to 145.2 million dollars, while automatic washer sales almost doubled from 1.7 million to 2.6 million. (…) In just five years, the sale of TV sets climbed from 3.1 million in 1950 to more than 32 million by mid-decade”. Segundo Hobsbawm, porém, “Na verdade, para os EUA essa foi [a ‘Era de Ouro’], econômica e tecnologicamente, uma época mais de relativo retardo que de avanço”. Para a análise completa, ver HOBSBAWM, Eric. Op. Cit., p.254. 90 O termo foi cunhado pelo presidente americano Eisenhower e é utilizado para qualificar a íntima associação que existe entre empresas produtoras de material bélico, os altos comandos militares e líderes políticos norte-americanos.

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período, novos aviões, mísseis e foguetes. A efetividade na utilização do

espaço aéreo como campo de batalha remonta desde os tempos da Primeira

Guerra Mundial, e a Segunda Guerra aumentou drasticamente esta

possibilidade. A turbina a jato aumentou a velocidade, a autonomia de vôo e o

alcance dos novos aviões. Nunca antes o homem se deslocara tão rápido nos

céus, e em pouco tempo (já em outubro de 1947) o homem romperia pela

primeira vez a barreira do som 91. O aperfeiçoamento da técnica e da

engenharia fazia com que os aviões se desenvolvessem abruptamente:

maiores e mais velozes, cumpriam funções cada vez mais específicas. E o

desenvolvimento da aviação militar adicionaria um elemento a mais de

destruição a todo o cenário já apocalíptico advindo com a posse das armas

nucleares.

“A capacidade de destruição é uma característica que o Poder Aéreo vem aumentando enormemente, a partir do crescente desenvolvimento dos meios aéreos e de seus armamentos. Os progressos no armamento aéreo transformaram a idéia de um confronto nuclear em algo tão terrível, que mal se podem imaginar os seus desdobramentos e conseqüências” 92.

Assim, o mundo passava por profundas modificações tecnológicas, e

parte significativa destas modificações se deu no campo técnico-militar e

envolvia diretamente o espaço aéreo, sideral ou cósmico. Bem, milenarmente,

desde os tempos mais primitivos, o homem se voltou para as forças da

natureza (e para os representantes que elegeu para estas forças, no caso, os

deuses) em busca do que Gauchet chamou de “dívida de sentido” 93, ou “aquilo

que durante milénios os homens reconheceram dever aos deuses, o que as

sociedades, mais ou menos desde sempre, acreditaram dever às

determinações dos outros, aos decretos do Além ou às vontades do invisível”94.

E estes deuses eram buscados na terra, no mar, nos céus; enfim no universo

com o qual os homens e mulheres interagiam cotidianamente. Não é meu

91 Feito realizado pelo piloto de testes norte-americano Charles E. “Chuck” Yeager, no dia 14 de outubro de 1947, no Deserto de Mojave. Ver YEAGER, Gen. Chuck e JANOS, Leo. Voando nas Alturas. Tradução de Elizabeth Larrabure Costa Corrêa. São Paulo: Best Seller, 1985. 92 SANTOS, Murilo. Evolução do poder aéreo. Belo Horizonte: Itatiaia/Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica, 1989, p.144. 93 CLASTRES, Pierre et al. Guerra, religião e poder. Tradução de João Afonso dos Santos. Lisboa: Edições 70, 1980. 94 CLASTRES, Pierre et al. Op. Cit, p.51.

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objetivo aqui discutir as complexas relações que o homem mantém entre as

forças da natureza e o sagrado, ao longo dos séculos: seria fugir

completamente do rumo da discussão, encaminhando-a a uma outra direção.

Ao fustigar estas questões, o faço apenas para chamar a atenção para o fato

de que nesta interação dos seres humanos com o mundo ao seu redor, não

parece difícil conceber ou imaginar que o céu acima de suas cabeças foi uma

arena privilegiada de suas divagações sobre os “decretos do Além” ou das

“vontades do invisível”. Mesmo em situações em que eles se voltavam para

aspectos mais, digamos, terrenos, como no caso da plantação, do cultivo, da

colheita etc, é para os céus que acabam se voltando suas atenções, pois é de

lá que vem o elemento indispensável para a existência de vida em nosso

planeta: a água. “Parece evidente que o laço privilegiado que une a magia da

chuva ao poder resulta de que a chuva é um bem comum cuja importância para

a manutenção da vida não tem paralelo” 95. Eis, pois, a necessidade de

“controlá-la”.

“Exercer um domínio sobre o tempo atmosférico, fazer cair a chuva - ou ocasionalmente, impedi-la - pelo recurso à invocação, ao sacrifício e a técnicas mágicas diversas, tal é o atributo essencial do chefe ou do rei em numerosas sociedades da África Negra” 96.

E não é apenas a chuva que o homem espera dos céus: este, por si só,

presenteia a todos com um espetáculo excepcional diariamente. O cintilar de

estrelas, as fases da Lua, os cometas, os meteoros, os movimentos dos

planetas etc, são todos espetáculos que tem como pano de fundo o céu negro.

Não parece de todo absurdo dizer que o céu está para o homem primitivo

assim como o televisor está para o homem moderno 97.

“Desde os primórdios da pré-história o homem fita a confusão do céu noturno e conjectura sôbre as misteriosas configurações que aí divisa. Antes de ser inventada a escrita, já dava nome aos corpos celestes. Antes de conceber sistemas éticos, já adorava as imagens do Sol e da Lua. Antes de inventar ampulhetas e clepsidras, seguia

95 CLASTRES, Pierre et al. Op. Cit, p.97. 96 CLASTRES, Pierre et al. Op. Cit, p.93. 97 Há, no Brasil, televisor em 92,0% dos lares, enquanto geladeira e rádio em 88,6% e 88,4%, respectivamente. Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Trabalho e Rendimento. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD - 2005.

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os movimentos dos corpos celestes, contando os dias, meses e estações do ano” 98.

A guerra ganhava asas e o homem invadia, com sua tecnologia aplicada

aos aviões, foguetes, mísseis e outras máquinas voadoras, a arena do

espetáculo milenar assistido por homens e mulheres.

“No fim dos anos 40 assiste-se nos Estados Unidos a um forte aumento das atividades relativas à fabricação das bombas nucleares e dos aviões encarregados de transportá-las. Assim, a aviação assumiu uma importância predominante em relação ao exército de terra e à marinha” 99.

E não apenas a guerra, mas também a imaginação humana ganhava

asas: coincidência ou não é neste momento que a chamada “Era do Disco

Voador” 100 tem início. Foi em 24 de junho de 1947 que um cidadão norte-

americano, Kenneth Arnold, voando em seu pequeno monomotor, avistou o

primeiro dos OVNI (ou Objeto Voador Não-Identificado). O fenômeno se

transformaria numa epidemia nos anos seguintes. Em 1969, o governo norte-

americano divulgou os dados de um relatório, chamado de Projeto “Blue Book”

(organizado pela U.S.A.F. 101), que investigou os acontecimentos tidos como

OVNI, de 1948 a 1969. O objetivo do Projeto era o de identificar “os relatos

fraudulentos e os que podiam ser atribuídos a fenômenos naturais” e, “para a

pequena percentagem de casos não solucionados, os investigadores tinham

duas soluções: ou admitiam que não tinham conseguido identificar o objeto ou

adotavam alguma explicação remotamente plausível”102. O grupo de

pesquisadores que elaborou o relatório do Projeto foi chefiado pelo Dr. Edward

98 BERGAMINI, David. O universo. Tradução de José Gurjão Neto. Rio de Janeiro: José Olympo, 1969 (Coleção Biblioteca da Natureza Life), p.10. 99 MAIOCCHI, Roberto. Op. Cit., p.40. 100 É o termo utilizado no Capítulo 2 do livro: DANIELS, Pat (Editor). O fenômeno OVNI. 2ª ed. Tradução de Heloísa Jahn. Rio de Janeiro: Abril Coleções, 1997 (Coleção Mistérios do Desconhecido), p.36. 101 USAF, sigla para “United States Air Force”, ou Força Aérea dos Estados Unidos. “O surto repentino de visões públicas nos finais da década de 1940 forçou a Força Aérea Americana a investigar o novo fenômeno. A investigação prolongou-se por mais de 20 anos, sob vários nomes de código diferentes, incluindo Projeto Sign, Projeto Grudge e finalmente Projeto Blue Book”. BAILEY, Ron et al. Fronteiras do desconhecido. Lisboa: Seleções do Reader’s Digest, 1983, p.310. 102 DANIELS, Pat (Editor), Op. Cit., p.87.

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Condon, que certa feita se pronunciou sobre o “problema dos discos”. Disse

ele:

“Os discos voadores e a astrologia não são as únicas pseudociências que têm entre nós um grande número de adeptos... Na minha opinião, os editores que publicam ou os professores que ensinam qualquer das pseudociências como sendo uma verdade estabelecida deveriam, uma vez considerados culpados, ser publicamente chicoteados e banidos para sempre do exercício de posterior actividade nas suas profissões” 103.

E não é de se espantar que o relatório do Projeto tenha chegado a

seguinte conclusão: “Nossa conclusão é de que nada, em todos os estudos

feitos há 21 anos sobre os Objetos Aéreos Não Identificados (...), acrescenta

qualquer informação de valor ao conhecimento científico” 104. E não para

menos, os simpatizantes dos OVNI satirizam a assertiva do Dr. Condon.

Reproduzo, a seguir, uma charge que saiu na revista Veja e que foi publicada

originalmente no The Denver Post, em 1967.

103 BAILEY, Ron et al. Op. Cit., p.308. 104 Revista Veja, São Paulo, 22 de janeiro de 1969. PESQUISA, “Os discos voadores estão caindo”.

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Gostaria de lembrar que, no momento, interesso-me pelos dados do

relatório per se, e não se os testemunhos daqueles que os avistaram são

verídicos ou não: eis uma tarefa que ocupa uma legião de ufólogos e

apaixonados pelo assunto. Quero sim, olhar para os dados e identificar neles

momentos em que as pessoas mais avistaram “coisas” no céu, fosse lá o que

fossem; visitantes extragalácticos, fenômenos atmosféricos ou quimeras de

suas imaginações. E que momentos foram estes em que as pessoas mais

avistaram coisas nos céus? Bem, reproduzo a seguir, na forma de um gráfico,

os dados 105 que foram apresentados no relatório da USAF 106.

105 Os totais de avistamentos aparecem no Projeto “Blue Book”, ano a ano, e são os seguintes: 1947 (122), 1948 (156), 1949 (186), 1950 (210), 1951 (169), 1952 (1501), 1953 (509), 1954 (487), 1955 (545), 1956 (670), 1957 (1006), 1958 (627), 1959 (390), 1960 (557), 1961 (591), 1962 (474), 1963 (399), 1964 (562), 1965 (887), 1966 (1112), 1967 (937), 1968 (375) e 1969 (146). 106 Observem que no Gráfico aparecem os totais de OVNI + OVI (Objeto Voador Identificado). O relatório apresenta os valores em separado: somei-os para que possamos ter uma dimensão do quanto era avistado e em que período.

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Total de Avistamentos de OVNI's e OVI's de 1947 a 1969.

0

200

400

600

800

1000

1200

1400

1600

1947

1948

1949

1950

1951

1952

1953

1954

1955

1956

1957

1958

1959

1960

1961

1962

1963

1964

1965

1966

1967

1968

1969

ano

mer

o d

e av

ista

men

tos

Pelo gráfico acima se percebe que há dois picos de aparições de OVNI’s

e OVI’s na década de 1950: um no ano de 1952 (1501 casos) e outro no ano

de 1957 (1006 casos). Especificamente para o pico de 1952, há vários registros

nas revistas da época. Em matéria publicada na revista Time, na edição de 3

de março de 1952, é reportado que um artilheiro de cauda e o controlador de

fogo de um avião B-29, da USAF, tinham avistado “um objeto em forma de

disco que parecia voar em movimento rotatório” 107, e que assim “Pessoas que

acreditam em discos voadores se encorajaram” com esta informação vinda “de

uma incrédula USAF”. A matéria chegou a apontar que a USAF, “depois de

investigar milhares de relatos de discos voadores e desdenhar de todas elas,

tem aparentemente decidido se tornar menos hostil em relação aos mistérios

do céu” 108. E qual seria o motivo da mudança de atitude? Estaria relacionado

ao fato de que a intensa atividade dos militares no ar e espaço parecia deixá-

los co-responsáveis pelos “mistérios do céu”? Perguntas e mais perguntas

como estas parecem ficar sem respostas... E a estas perguntas, a revista

107 Revista Time, Nova Iorque, 3 de março de 1952, SCIENCE, “More Saucers”, p.32. “a disk-shaped object that seemed to fly with a revolving motion” 108 Revista Time, Nova Iorque, 3 de março de 1952, SCIENCE, “More Saucers”, p.32. “after investigating hundreds of flying-saucer stories and pooh-poohing them all, has apparently decided to become less hostile toward mysteries in the sky”

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acrescenta uma outra: “Como pode um conspícuo objeto voador passar sobre

a área metropolitana de Los Angeles (população: 4.000.000 de pessoas) e ser

visto por apenas duas ou três pessoas?” 109. E concluiu: “Até que tais

perguntas sejam respondidas, o problema dos discos voadores continuará a

fascinar psicólogos assim como físicos” 110.

E realmente fascinou... Não um físico, mas um astrônomo apresentou

suas explicações para “Aqueles discos voadores” na edição da revista Time de

9 de junho de 1952. A matéria forneceu uma “Explicação de um astrônomo”,

Dr. Donald H. Menzel, que logo no início diz que os discos “são tão reais

quanto os arco-íris”. E ironizou: “Ninguém deveria se envergonhar em vê-los e

reportá-los. Eu mesmo os vi” 111. Mostrou, então, que os discos são o produto

de vários fatores: miragens, trotes, balões, aeronaves, folhas de papel etc. O

Dr. Menzel disse que acreditar que discos são naves espaciais é o mesmo que

“‘explicar’ os raios chamando-os de uma arma de Zeus”, ou seja “é tomar o

lugar de um mistério por outro mistério” 112. E mais ainda: o Dr. Menzel

apresentou uma manchete do jornal Herald (de Nova Iorque), de abril de 1897,

em que há relatos de objetos estranhos no céu que foram avistados.

Reproduzo, a seguir, a manchete.

109 Revista Time, Nova Iorque, 3 de março de 1952, SCIENCE, “More Saucers”, p.32. “How can a conspicuous flying object pass over metropolitan Los Angeles (pop. 4.000,000) and be seen by only two or three people?” Na seção de Cartas da revista Time, em sua edição de 24 de março de 1952, página 4, é publicado duas cartas de pessoas que acreditam nos discos voadores. Um dos leitores, a Sra. Leona Yarbrough, da Califórnia, chega mesmo a apresentar uma resposta a pergunta acima feita pela revista: diz ela que “Um disco voador é silencioso, e vem e vai rapidamente. Quantas pessoas que você conhece observam o céu? Muitas pessoas passam dias sem mesmo dar uma olhadinha no céu. Discos voadores não atraem atenção. Sorte em olhar no momento certo é o que conta...” [A flying saucer is noiseless, and comes and goes quickly. How many people do you know who watch the sky? Most people go for days without even a slight glance up. Flying saucers do not attract attention. Luck in looking up at the right time is what counts…”] 110 Revista Time, Nova Iorque, 3 de março de 1952, SCIENCE, “More Saucers”, p.32. “Until such questions are answered, the flying-saucer problem will continue to fascinate psychologists as well as physicists” 111 Revista Time, Nova Iorque, 9 de junho de 1952, “THOSE FLYING SAUCERS: An Astronomer’s Explanation”, p.44-46. “They are as real as rainbows” e “No one should be ashamed of seeing them and reporting them. I have seen them myself” 112 Revista Time, Nova Iorque, 9 de junho de 1952, “THOSE FLYING SAUCERS: An Astronomer’s Explanation”, p.44-46. “’explaining’ lightning by calling it a weapon of Zeus” e “it merely supplants one mystery by another mystery”

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A matéria acima fez referência a uma “nave aérea [que] está agora em

Chicago”. As “rápidas luzes móveis no céu” são, segundo os astrônomos,

“procedentes de uma estrela da Constelação de Órion”. As autoridades, talvez

na ânsia de acalmar a população, disseram que se tratou de um “balão

dirigido”. No texto da matéria (que aparece apenas parte dela aqui), de 10 de

abril de 1897, é comentado que “Por semanas despachos tem chegado [de

‘luzes móveis no céu’] de várias partes [do território americano] entre aqui

[Chicago] e a Califórnia...” Vê-se, portanto, que o Dr. Menzel se municiou para

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o embate: ao apresentar uma notícia de “luzes móveis no céu” em uma matéria

de jornal de 50 anos antes do “início” do aparecimento de OVNI, em 1947, ele

quis mostrar a recorrência do fato na imprensa, e assim encerrar a discussão

sobre eles. Mas o Dr. Menzel não lograria êxito em seu intento, e por uma

razão muito simples: os objetos voadores continuaram a aparecer e a serem

reportados, muitas vezes de forma dramática e por muitas pessoas, em todo o

mundo. Mas o Dr. Menzel tinha uma carta na manga...

Como nos lembra Catroga, a “religião foi o elemento estruturante da

sociabilidade americana - quer ao nível da família, quer na formação das

comunidades locais e do seu entendimento como pessoas morais” 113. Ciente

(ou não) disto, o Dr. Menzel tocou neste ponto nevrálgico ao buscar

antecedentes para o “problema dos discos voadores”: citou a Bíblia para indicar

a recorrência dos discos. “Devem até mesmo haver alguns na Bíblia: as ‘rodas’

vistas no ar pelo Profeta Ezequiel” 114. Na Bíblia, em Ezequiel, aparece a

seguinte descrição:

“Eu vi o seguinte: Do lado norte soprava um forte vento. Foi então que eu vi uma grande nuvem e um turbilhão de fogo. Havia claridade em torno da nuvem e, no centro, um brilho faiscante, bem no meio do fogo. Do meio da nuvem surgiu algo parecido com quatro animais (...) Cada um tinha quatro rostos e quatro asas. Suas pernas eram retas e seus cascos (...) brilhavam como bronze polido. (...) No meio dos animais havia uma coisa parecida com brasas acesas, queimando como tochas. Esse fogo se movia entre os quatro animais, era brilhante, e deles saiam relâmpagos. Os animais, no seu vaivém, pareciam coriscos”115

E o Dr. Menzel, no seu afã explicativo disse que “Ezequiel tivera uma

ilusão de óptica” e o que vira na realidade foi “um fenômeno meteorológico

complexo e raro” 116. Três semanas depois, na edição da revista Time de 30 de

junho de 1952, dois leitores expressam suas opiniões, na seção de cartas,

sobre a matéria do Dr. Menzel. Todas as duas cartas expressam o

113 CATROGA, Fernando. Nação, mito e rito: religião civil e comemoracionismo (EUA, França e Portugal). Fortaleza: NUDOC / Museu do Ceará, 2005, p.21. 114 Revista Time, Nova Iorque, 9 de junho de 1952, “THOSE FLYING SAUCERS: An Astronomer’s Explanation”, p.44-46. “There may even be some in the Bible: the ‘wheels’ seen in the air by Prophet Ezekiel” 115 BÍBLIA SAGRADA. Edição Pastoral. Tradução de Ivo Storniolo e Euclides Martins Balancin. São Paulo: Paulus, 1991, p.1088. 116

DANIELS, Pat (Editor), Op. Cit., p. 14.

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agradecimento dos leitores pela matéria ter esclarecido sobre o que realmente

são os discos. O Reverendo W. R. Brandli, do Brooklyn, se exaltou: “Meus

eternos agradecimentos ao Dr. Donald Menzel por ele ter me fornecido a

munição necessária na minha batalha com meus crédulos amigos” 117. Mas as

aparições continuam, como dissemos, e pareciam vir de todos os lugares. Em

matéria da revista Time, do dia 11 de agosto de 1952, vários relatos foram

listados: Indiana, Novo México, Nova Iorque, Washington, Coréia. “De todo o

país, ligações telefônicas [de pessoas] assustadas, e iradas demandas por

explicações ressoaram para o Pentágono” 118. Uma foto oficial da Guarda

Costeira americana de supostos discos voadores sobre a cidade de Salem,

estado de Massachusetts, é mostrada 119. Apesar da enxurrada de relatos, a

revista não publica comentários de leitores nem matérias sobre o tema até o

final do ano: observem no Gráfico que o ano de 1953 é de queda no número de

avistamentos. Porém, em 1954, eles parecem retornar e se inicia neste ano a

ascensão para o pico de 1957.

E foi exatamente no ano de 1954 que a revista Time, na edição do dia

23 de outubro, publicou uma matéria sobre aparições de “marcianos” sobre a

França. Tudo parece ter sido desencadeado por uma aparição na cidade de

Haute-Marne: um cidadão, M. Jean Narcy, avistou um “marciano” quando

pedalava sua bicicleta a caminho do trabalho: “’Bonjour’, disse M. Narcy”. O

pequeno “marciano” (“que usava um casaco de couro, um espartilho laranja e

um quepe de pelúcia” 120) resmungou algo, pegou seu pequeno disco e

desapareceu nas nuvens. Curiosamente, a matéria fez uma analogia entre as

aparições na França e nos Estados Unidos: “Ao contrário dos americanos que

têm visto discos voadores, os ‘avistadores’ franceses prestam pouca atenção

nos veículos [espaciais]. Eles estão mais interessados nas pessoas do

117 Revista Time, Nova Iorque, 30 de junho de 1952, LETTERS, p.3-4. “My eternal thanks to Dr. Donald Menzel, for he has provided me with the needed ammunition in my battle with my gullible friends”. Ao contrário da reação favorável aos discos voadores publicada na seção de Cartas de 24 de março de 1952, a revista publica reações desfavoráveis agora. A revista, portanto, parece transitar entre os dois conjuntos de opiniões: se a matéria publicada é favorável aos discos voadores, as cartas da seção comentando esta matéria serão também favoráveis, e vice-versa. 118 Revista Time, Nova Iorque, 11 de agosto de 1952, p.48. SCIENCE, “Something in the air”. “From all over the country, frightened phone calls and irate demands for information rang through the Pentagon” 119 Revista Time, Nova Iorque, 11 de agosto de 1952, p.48. SCIENCE, “Something in the air”. 120 Revista Time, Nova Iorque, 25 de outubro de 1954, p.48. SCIENCE, “Martians over France”, p.40. “(…)wore a fur coat, an orange corset and a plush cap”

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espaço”121: a descrição, pelo M. Narcy, dos trajes do visitante sideral, é um

bom indicativo da atenção prestada a aspectos aparentemente negligenciados

dos observadores americanos. E os jornais franceses (Le Figaro, France Soir,

Paris Presse) e seus cartunistas representaram com bom humor os

“marcianos” e o que eu chamaria de “o jeito francês de ver os discos”.

Reproduzo a seguir um conjunto de charges que tratam o “problema dos

discos” à luz dos problemas cotidianos dos franceses, seu imaginário e suas

percepções.

121 Revista Time, Nova Iorque, 25 de outubro de 1954, p.48. SCIENCE, “Martians over France”, p.40. “Unlike Americans who have seen flying saucers, the French ‘sighters’ paid little attention to the vehicles. They were more interested in the people from space”

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Na primeira charge acima, dois cidadãos em um carro de passeio

avistam o que seria um disco voador. Pelo formato peculiar deles (parecem

mais dois “seios voadores”), deduzem a origem dos discos: “Aqueles devem vir

de Vênus?” Na segunda charge, um selenita tenta arrastar uma terráquea para

dentro de sua nave espacial (que parece, pela inscrição na fuselagem, realizar

vôos regulares Lua-Terra-Lua), enquanto um outro espera tranqüilamente na

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porta da nave. “Vamos - nós mostraremos a você a nossa lua”, promete o

afoito extraterreno.

Na primeira charge acima, um desajeitado visitante sideral desce de seu

disco voador, pousado (estacionado?) em local proibido. Ao problema cotidiano

de carros estacionados em locais proibidos, se soma um outro: o dos discos

voadores, que parecem não chamar a atenção das pessoas que passam

tranqüilamente próximas ao ser extraterreno de quatro braços e andar

esquisito. “Qual o seu problema? Não sabe ler?”, pergunta o guarda de

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trânsito, preocupado com a disciplina na utilização do espaço urbano. Na

segunda charge, um marido recém-chegado do trabalho flagra a sua adúltera

esposa, mas não com um romântico parisiense apaixonado, e sim com um

tranqüilo ser extraterreno pouco criativo que escolhe exatamente o guarda-

roupa para evitar o flagrante. “E eu suponho que é um Marciano?”, esbraveja o

marido traído, demonstrando familiaridade com os seres de outros planetas.

E o “problema dos discos voadores” que, como vimos, já havia fascinado

um astrônomo, pareceu finalmente fascinar (não um psicólogo, mas) um

psiquiatra. É nesta matéria que encontramos a primeira referência ao psiquiatra

suíço Carl G. Jung. Perguntado sobre o que pensava da “epidemia de discos”,

ele respondeu:

“Alguma coisa tem sido vista. O que é visto pode ser, no caso de um único observador, uma visão subjetiva (alucinação). No caso de vários ou muitos observadores, isto pode ser uma visão coletiva. Tal fenômeno sobrenatural (...) pode ser uma reação espontânea do subconsciente para a situação consciente atual: o temor de uma situação política aparentemente sem solução no mundo. Em tais momentos os olhos se voltam na direção dos céus (...) e presságios miraculosos de natureza ameaçadora ou consoladora aparecem do alto” 122

Jung buscou trazer o “problema dos discos” para o plano do inteligível,

porém, o faz sem recorrer a comentários desdenhosos àqueles que acreditam

em tais fenômenos (ou “Os amigos do UFOs”, como chamou a revista Veja, de

1969, aqui citada). A matéria alertou que Jung culpou a USAF pelo modo como

as pessoas e a imprensa em geral vêm tratando a “epidemia de discos”. Ele, no

entanto, “Não acredita que os discos são naves espaciais” 123 e sim “efeitos ou

objetos físicos mal interpretados” (os outros casos seriam “alucinações”). E é

curioso observar como Jung relacionou o fenômeno dos discos à “situação

consciente atual” de uma situação política tensa e insolúvel. Revendo, agora,

as charges que trouxe no começo deste Capítulo e que mostravam o temor das

122 Revista Time, Nova Iorque, 25 de outubro de 1954, p.40. SCIENCE, “Martians over France”. “Something is being seen. (…) What is seen may be, in the case of a single observer, a subjective vision (hallucination). In the case of several or many observers, it may be a collective vision. Such a psychic phenomenon … could be a spontaneous reaction of the subconscious to the present conscious situation: the fear of an apparently insoluble political situation in the world … At such times eyes turns heavenwards … and miraculous forebodings of a threatening or consoling nature appear from on high” 123 Revista Time, Nova Iorque, 25 de outubro de 1954, p.40. SCIENCE, “Martians over France”

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pessoas (e da “Humanidade”, muitas vezes assim referenciada), parece claro

entender a relação que Jung estabelece entre as conturbações nos céus e as

daqui da terra. Definitivamente era um momento em que se respirava uma

atmosfera ácida, com o recrudescimento sem cessar das tensões em espiral

ascendente.

E por ocasião do pico de aparições de 1957, Jung publicou o livro “Um

mito moderno sobre coisas vistas no céu”, que tratou exatamente das questões

por ele já levantadas quando do pico de 1952. Jung sabia o quanto arriscado

seria o seu empenho no “problema dos discos voadores”: “estou ciente do risco

que corro, ao empreender a tarefa de expressar minha opinião sobre certos

acontecimentos contemporâneos - que julgo serem de grande importância -

àqueles que tenham a paciência de me ouvir” 124. Jung mostrou (a exemplo do

Dr. Menzel com a matéria do Herald) que os objetos voadores são um

fenômeno recorrente na História, desde muito tempo, e apresentou um Folheto

da Basiléia, de 1566, para confirmar sua teoria (que reproduzo a seguir).

124 JUNG, C. G. Um mito moderno sobre coisas vistas no céu. 2ª ed. Tradução de Elva Bornemann Abramowitz. Petrópolis: Vozes, 1991, p.IX.

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O espetáculo mostrado no Folheto acima foi descrito da seguinte forma

por Daniels: “o céu de repente ficou pontilhado por grandes esferas negras que

voavam velozmente em direção ao sol ou realizavam manobras. Depois, tão

depressa e misteriosamente como tinham aparecido, ficaram intensamente

vermelhas e desapareceram” 125.

Jung se dedicou, em seu livro, ao “aspecto psíquico” dos OVNIs, e não

com “a solução do problema sobre a realidade física” deles. As advertências

que Jung lançou sobre os objetivos do livro se devem exatamente à

preocupação de que a sua opinião não apareça “de forma deturpada”, como

ocorreu em 1958, quando a “imprensa mundial” referenciou um artigo seu

publicado no jornal suíço Die Weltwoche, em 1954, citando-o agora “como

alguém que acredita em OVNIs”. A retificação apresentada a United Press

“ficou engavetada”. Segundo Jung:

125 DANIELS, Pat (Editor), Op. Cit., p. 15.

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“em relação à opinião mundial, temos que concluir que notícias que afirmam a existência de OVNIs são bem-vindas, enquanto que o ceticismo parece ser indesejado. A opinião pública concorda que se acredite que os OVNIs sejam reais, enquanto a descrença deve ser desencorajada. Isto deixa a impressão de que, no mundo inteiro, há uma tendência em se acreditar nos OVNIs, como também o desejo de que eles sejam reais, as duas coisas apoiadas por uma imprensa que, de resto, não demonstra nenhuma simpatia pelo fenômeno” 126

Jung apontou, portanto, a carência de “simpatia pelo assunto” por parte

da imprensa. Falta-me, aqui, elementos para perceber se esta falta de

“simpatia pelo assunto” ocorrera também para o caso da imprensa no Brasil.

Bem, pontualmente para o caso de nosso estado (e no fim da década de 1950),

o jornal O Povo deu ampla cobertura ao aparecimento de “objetos luminosos”

(assim como o de “clarões”, “estrondos” e “tremores de terra”) em diversos

municípios espalhados pelo Ceará, de Fortaleza ao Ipu, de Sobral ao Crato. De

1956 a 1959, dezenas de matérias reportando estes fenômenos foram

publicadas e, curiosamente, com uma concentração de aproximadamente 70%

entre novembro de 1957 a novembro de 1958. Este dado está de acordo com o

que é sugerido no gráfico “Total de Avistamentos...”, e mostra a recorrência dos

“objetos luminosos” naquele momento. A seguir apresento um outro gráfico

com a distribuição no tempo (ano/mês) dos eventos 127 noticiados no jornal O

Povo, de 1956 a 1959, no qual se constata a mesma concentração de eventos

nos meses supracitados. Como veremos adiante, esta concentração será

padrão para todo o Brasil.

126 JUNG, C. G., Op. Cit., p.116-117. 127 No título do Gráfico, o que chamo de eventos são OL = “objetos luminosos”, TT= “tremores de terra”, C = “clarões”, E = “estrondos”.

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Número de Eventos Totais (OL+TT+C+E) de 1956 a 1959.

0

2

4

6

8

10

12

56.1

56.3

56.5

56.7

56.9

56.1

1

57.1

57.3

57.5

57.7

57.9

57.1

1

58.1

58.3

58.5

58.7

58.9

58.1

1

59.1

59.3

59.5

59.7

59.9

59.1

1

ano.mês

mer

o d

e ev

ento

s

E há referência de intensa atividade neste período não somente, em

Fortaleza, mas também nos Estados Unidos. A revista Time, em sua edição de

18 de novembro de 1957, fez menção a um “derrame de desvairados relatórios

de OVNI”, de literalmente todas as regiões do território norte-americano,

naquele mês. Ao comentar, ironicamente, que “As declarações [das pessoas

que avistaram os objetos voadores] parecem se encaixar em um conjunto de

peças de jantar celestial: os objetos pareciam com ovos, travessas para carne,

pêras - e, para sobremesa, casquinhas de sorvete e charutos” 128, a revista

reforçou a tese apresentada anteriormente de que os norte-americanos se

detêm mais às formas dos objetos avistados (enquanto os franceses, se detêm

“às pessoas do espaço”).

Em matéria publicada no jornal Correio do Ceará, em sua edição de 16

de abril de 1959, afirmou-se que “Foram visto [sic] aproximadamente 149

discos voadores sobre o território brasileiro, nos meses de novembro e

128 Revista Time, Nova Iorque, 18 de novembro de 1957, AMERICANA, “Dinner Time”. “(…) poured frantic reports of U.F.O.s” e “The pronouncements seemed to shape into a sort of celestial dinner pail: the objects resembled eggs, meat platters, pears - and, for dessert, ice cream cones and cigars”

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dezembro de 1957 e [o] ano de 1958” 129. Os dados foram obtidos do “Boletim

Informativo n. 8 da Sociedade Brasileira de Estudos sobre Discos Voadores”. E

a Sociedade acrescentou: “Essa [ilegível] atividade neste período ocorreu não

só no Brasil, mas no mundo inteiro”. Curiosamente, ao listar o número de

aparições estado a estado 130, a Sociedade listou apenas um caso para o

Ceará, o que está em desarmonia com a “epidemia” deles encontrada no jornal

O Povo. Não sabemos quais foram os critérios da Sociedade para classificar

um objeto como disco voador ou não, mas o interessante neste caso é que os

dados fornecidos por eles apontaram para a recorrência no Ceará (no Brasil e

no mundo) dos fenômenos associados a eles.

Não foi privilégio, portanto, do Hemisfério Norte, a ocorrência de

fenômenos e aparições bizarras. Em matéria publicada no jornal O Povo, na

edição de 8 de março de 1958, havia uma manchete dando conta de que um

‘DISCO VOADOR SOBREVOA ORÓS”, e lançou um ‘INTENSO FOCO DE LUZ

SOBRE ENGENHEIRO E NOVE TRABALHADORES” 131. E a exemplo do que

ocorria em outras partes do mundo, os discos voadores não eram avistados

somente por um pequeno número de pessoas em áreas remotas. Em um caso

curioso, “várias pessoas viram um desses estranhos corpos (...) navegando

pelos céus da orla marítima a leste da cidade [de Fortaleza]” 132.

Outros jornais de Fortaleza, como a Gazeta de Noticias e O Democrata,

fizeram referência aos fenômenos, porém não em uma escala que se compare

a do jornal O Povo: estaria este periódico, ao associar tais fenômenos aos

discos voadores, repercutindo, aqui na imprensa local, o “fenômeno OVNI”, de

modo a reverberar entre seus leitores o impacto que tais notícias adquiriram

em outros jornais (do Brasil e do mundo)? Estaria o jornal, portanto, buscando

atrair novos leitores (mais simpáticos a causa dos discos voadores)? Uma

matéria do jornal O Democrata, na sua edição de 7 de dezembro de 1957, fez

menção ao fato de ter sido avistado nas imediações do Rio Cocó, em

129 Jornal Correio do Ceará, Fortaleza, 16 de abril de 1959. “149 DISCOS VOADORES APARECERAM NO BRASIL EM POUCO MAIS DE ANO”. 130 Segundo o jornal, foi a seguinte a distribuição por estado: “Amazonas, 2; Pará, 2; Maranhão, 3; Piauí, 2; Ceará, 1; Rio G. do Norte, 6; Paraíba, 4; Pernambuco, 10; Alagoas, 6; Sergipe, 1; Bahia, 7; Minas Gerais, 20; Espírito Santo, 6; Rio de Janeiro, 8; Distrito Federal, 9; S. Paulo, 23; Paraná, 5; Santa Catarina, 6; Rio G. do Sul, 8; Mato Grosso, 1; Goiás, 5; total 149” 131 Jornal O Povo, Fortaleza, 8 de março de 1958. 132 Jornal O Povo, Fortaleza, 19 de junho de 1959. ‘DISCO VOADOR PASSOU PERTO DE UM AVIÃO NOS CÉUS DE FORTALEZA”

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Fortaleza, um “estranho objeto” que “tinha forma arredondada, sem nenhuma

saliência, [e que] parecia niquelado” 133. No jornal Gazeta de Noticias, em sua

edição de 28 de novembro de 1957, foi publicada uma matéria que faz

referência a uma outra publicada em um “vespertino local” 134, dando conta do

aparecimento de um “objeto luminoso” nos céus das cidades de Ipu, Crateús,

Ubajara e Teresina. O jornal chamou a atenção para o fato de que o

“’misterioso objeto luminoso’ está sendo visto em Fortaleza há mais de 20 dias,

por grande número de pessoas, principalmente dos bairros Aldeota, Joaquim

Távora e zona que compreende toda Porangabussu” 135.

Mas não foram apenas os discos voadores que congestionaram os céus

na década de 1950. As Corridas Espaciais e Armamentistas demandavam a

pesquisa, o desenvolvimento e o teste de novas armas, especialmente mísseis

e foguetes. As três Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica)

americanas se envolveram em uma disputa para desenvolver mísseis e

foguetes conforme suas necessidades, e isto intensificou o que ficou conhecido

como “interservice rivalry” (ou a “rivalidade entre as Forças Armadas”),

significando que, no geral, o desenvolvimento dos mísseis e foguetes nos

Estados Unidos andava tecnologicamente a passos lentos (quando comparado

ao soviético), pois se as três Forças desenvolviam cada uma um projeto em

separado, isto implicou “em três programas de mísseis que duplicavam e

mesmo triplicavam os equipamentos físicos um do outro, [fazendo-os] competir

por peritos científicos e [chegando mesmo] a guardar os segredos tecnológicos

um do outro” 136. Vale salientar que o problema da “rivalidade” só veio à tona

devido aos constantes fracassos do programa espacial norte-americano, que

fez que a União Soviética “ganhasse” a Corrida Espacial em fins da década de

1950, no momento que ficou conhecido como “missile gap” (ou “disparidade [no

aperfeiçoamento] de mísseis”): a balança tendeu perigosamente a favor dos

133 Jornal O Democrata, Fortaleza, 7 de dezembro de 1957, “Operários Dizem Ter Visto Um Objeto Estranho no Céu” 134 Muito certamente este outro “vespertino local” é o jornal O Povo, que, em sua edição de 27 de novembro de 1957, publica a matéria “OBJETO LUMINOSO NOS CÉUS DO CEARÁ E PIAUÍ” 135 Jornal Gazeta de Notícias, Fortaleza, 28 de novembro de 1957, “SATÉLITE OU DISCO VOADOR?” 136 Revista Time, Nova Iorque, 28 de outubro de 1957, “THE BIG MISS IN MISSILES: Interservice Rivalry Is Costly”. “”…) three missile programs that duplicate and even triplicate each other’s hardware, compete for scientific brainpower and even keep technological secrets from each other”

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russos quando estes puseram em órbita, em 4 de outubro de 1957, o primeiro

satélite artificial, o Sputnik.

Já no começo da década, em 1950, foi inaugurado o Cabo Canaveral 137, na Flórida, que se constituía de um amplo complexo de lançamento de

mísseis e foguetes, experimentais e/ou operacionais, e seria de onde partiria

boa parte de tudo que estava sendo testado de uso militar e científico, nos

Estados Unidos. Pelos dados 138 referentes aos lançamentos de testes

realizados no Cabo, de 1950 a 1999, podemos identificar momentos de pico na

atividade da base de lançamentos. O Gráfico a seguir mostra estes dados.

Lançamentos de foguetes / mísseis do Cabo Canaveral, Flórida, EE.UU de 1950 a 1999.

0

50

100

150

200

250

1950

1952

1954

1956

1958

1960

1962

1964

1966

1968

1970

1972

1974

1976

1978

1980

1982

1984

1986

1988

1990

1992

1994

1996

1998

anos

mer

o d

e la

nça

men

tos

Vale notar que foi no final da década de 1950 que a atividade no Cabo

atingiu seu pico. O intervalo entre 1956 e 1959 respondeu por 65,3% de toda a

137 Após o assassinato do presidente Kennedy, é mudada a denominação do Cabo Canaveral para Cabo Kennedy. 138 Os totais de lançamentos que aparecem no Gráfico, ano a ano, são os seguintes: 1950 (5), 1951 (22), 1952 (41), 1953 (59), 1954 (75), 1955 (72), 1956 (94), 1957 (113), 1958 (140), 1959 (168), 1960 (206), 1961 (186), 1962 (151), 1963 (150), 1964 (105), 1965 (73), 1966 (77), 1967 (51), 1968 (49), 1969 (72), 1970 (68), 1971 (57), 1972 (36), 1973 (39), 1974 (42), 1975 (59), 1976 (44), 1977 (54), 1978 (62), 1979 (51), 1980 (62), 1981 (40), 1982 (55), 1983 (58), 1984 (28), 1985 (35), 1986 (30), 1987 (47), 1988 (36), 1989 (29), 1990 (38), 1991 (29), 1992 (49), 1993 (26), 1994 (33), 1995 (37), 1996 (35), 1997 (34), 1998 (31), 1999 (29). Os dados encontram-se disponíveis no seguinte site: http://www.spaceline.org/statistics/50-years.html

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atividade da década, sendo, portanto, um período atípico do programa

espacial, que destoa do resto do gráfico que mantém boa parte dos números

de lançamentos/ano até 1999 em uma média de 50 lançamentos/ano

(observem o gráfico a partir de 1968). E é neste momento atípico (em janeiro

de 1957) que os norte-americanos assinam o acordo para a instalação, na ilha

de Fernando de Noronha, de uma base de rastreio de mísseis teleguiados

(conforme mostrei no início deste Capítulo). E, geograficamente, o Nordeste

brasileiro se projeta para o Atlântico, como pode ser visto no Mapa que

reproduzo a seguir 139.

Fernando de Noronha aparece no Mapa já como uma das estações de

rastreio de mísseis teleguiados. Bem, nada mais comum ao que está sendo

testado a ocorrência de problemas: e parece que o Nordeste brasileiro estaria

139 SHELTON, William Roy. Largada para o infinito: história do Cabo Canaveral. São Paulo: Fundo de Cultura S.A., 1963. A definição da imagem reproduzida do Mapa não nos permite visualizar o nome das estações, por este motivo listo os seus nomes na ordem que aparecem no Mapa (de noroeste a sudeste): Cabo Canaveral, Júpiter, Grande Bahama, Eleutera, São Salvador, Mayaguana, Grande Turco, República Dominicana, Mayaguez, Antigua, Santa Lúcia, Fern. Noronha e Assunção.

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bem no caminho de um foguete ou míssil desgovernado que fosse lançado do

Cabo. Um deles caiu na região Norte do Brasil em 1956, e seria encontrado

apenas 25 anos depois, como podemos ver nesta matéria da revista Veja, de

19 de janeiro de 1983.

Segundo a revista Time, este incidente veio complicar as já difíceis

negociações (já dificultadas, segundo a revista, pelos “ultranacionalistas e

comunistas”) para a construção de mais seis estações de rastreio de mísseis

ao longo da nossa costa:

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“Por meses negociadores do [Departamento de] Estado [norte-americano] tem tentado conseguir permissão para a construção de seis estações de rastreio ao longo da costa brasileira. (...) [Mas segundo] Disse amargamente um oficial do Departamento: ‘Aquele Snark dever ter também aterrado as nossas negociações’”. 140

Não seriam os discos voadores (que tanto povoaram os céus e a

imaginação das pessoas) produtos do programa espacial norte-americano que

recrudesceu drasticamente seus lançamentos do Cabo exatamente no pico de

aparições de “objetos luminosos” e clarões”, por exemplo, aqui no estado do

Ceará? Vale lembrar que este pico de aparições de 1957, mais precisamente

em novembro de 1957, ocorre aqui no estado do Ceará (assim como nos

Estados Unidos, e em outros estados brasileiros) logo após o lançamento do

Sputnik: como dissemos, há uma concentração de relatos de “objetos

luminosos”, “clarões” etc exatamente entre novembro de 1957 e novembro de

1958. E a intensificação de lançamentos do Cabo ocorreu exatamente devido

ao lançamento do Sputnik, pois os norte-americanos, cobrados por uma

opinião pública irada, queriam alcançar os russos na Corrida Espacial (e para

isto aumentaram os testes de foguetes e mísseis). E quanto aos vários relatos

que aparecem na imprensa de Fortaleza, é feita menção ao satélite russo. O

jornal O Povo, em sua edição de 27 de novembro de 1957 (quase dois meses

após o lançamento do Sputnik), referiu-se ao aparecimento de um “objeto

luminoso” na cidade de Ubajara: ao buscar explicações para o que acabavam

de testemunhar, as pessoas se apoiavam naquelas que estavam em curso: ou

“se tratava de um disco-voador ou do Sputnik” 141. Já em outra matéria, no dia

29 de novembro de 1957, a testemunha (que não quis se identificar) afirma ter

avistado em Caucaia um “objeto luminoso” que de início pensou “tratar-se de

um dos famosos Sputniks”, mas “depois conclui ser um dos misteriosos discos-

voadores” 142. As “explicações” oscilavam, assim, entre os “famosos Sputiniks”

140 Revista Time, Nova Iorque, 17 de dezembro de 1956, p.19. “For months State’s negotiators have been seeking permission for construction of six missile-tracking stations along the Brazilian coast. (…) Said a department officer bitterly: ‘That Snark might just as well have landed on our negotiators’”. 141 Jornal O Povo, Fortaleza, 27 de novembro de 1957, “OBJETO LUMINOSO NOS CÉUS DO CEARÁ E PIAUÍ” 142 Jornal O Povo, Fortaleza, 29 de novembro de 1957, “VIU OBJETO VOADOR MAS NÃO QUER IDENTIFICAR-SE”

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e os “misteriosos discos-voadores”, fazendo a população entoar a repercussão

dada pela imprensa a um e outro acontecimento (aos satélites ou aos discos).

Se por um lado a associação dos discos ao Sputnik era admitida (e para alguns

jornais até mesmo lembrada e ressaltada, como é o caso de O Democrata), a

revista Time mostrou que para o pico de aparições de novembro de 1957, nos

Estados Unidos, a associação com os Sputniks era “tendência de algumas

pessoas imaginativas que superestimam os russos” 143 (leia-se, “comunistas”).

Chegaram relatos de “bola de fogo” e OVNI de outros países também, como

Cuba, França e Holanda, e O Democrata sugeriu que a coincidência nas datas

dos relatos (novembro de 1957) com a data do lançamento do satélite artificial

(outubro de 1957) podem indicar que era tudo uma coisa só: “Giram os

Sputniks nas Alturas, Ferve a Imaginação nas Planuras” 144, estampou o jornal

em sua edição de 13 de novembro de 1957. E em um relato de uma “grande

explosão” em Quixadá, o jornal O Povo perguntou se não seria a explosão de

um foguete teleguiado 145. E assim procede, pois teleguiados estavam na

“moda” depois da liberação da ilha de Fernando de Noronha para a instalação

de uma Base de Rastreio de Mísseis Teleguiados, em janeiro de 1957. E mais:

imaginam-se satélites artificiais tranqüilamente orbitando “nas alturas”, e não

explodindo no solo. É interessante notar, portanto, que é sempre no universo

de “explicações” disponíveis que os sujeitos históricos vão procurar aquela que

mais se encaixa à realidade do momento: uma explosão de grande porte, hoje,

mesmo que em uma pequena cidade do interior, poderia ser atribuída,

inadvertidamente, a um ataque terrorista!

E os mais diversos usos eram feitos da façanha russa de por em órbita o

primeiro satélite artificial. O jornal O Povo, de 7 de novembro de 1957, noticiou

a passagem em Fortaleza de uma esquadrilha de jatos de demonstração aérea

da USAF (os Thunderbirds). Eles fizeram uma parada na Base Aérea de

Fortaleza em seu caminho para o Rio de Janeiro (assim como no caminho de

volta para as suas Bases nos Estados Unidos). A população notava a presença

dos aparelhos que “Produziam imenso barulho e voavam a uma velocidade

143 Revista Time, Nova Iorque, 18 de novembro de 1957, p.22, AMERICANA, “Dinner Time” 144 Jornal O Democrata, Fortaleza, 13 de novembro de 1957. 145 Jornal O Povo, Fortaleza, 27 de julho de 1958, “NADA SE SABE EM FORTALEZA SOBRE A EXPLOSÃO DE TELEGUIADO EM QUIXADÁ”. Esta matéria será comentada mais detidamente no Segundo e Terceiro Capítulos.

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espantosa” 146. Parecia, portanto, bastante divertido assistir as acrobacias dos

aviões. Porém, o jornal comunista O Democrata, de 21 de novembro de 1957

(agora, portanto, na volta do Rio de Janeiro), disse que “SHOW de Jatos

Americanos [é] Para Esquecer o ‘Sputnik’...” E complementou: “os sorridentes

pilotos (...) tudo farão para apagar ao máximo da memória dos fortalezenses a

lembrança dos ‘Sputniks’ soviéticos” 147. Reproduzo a seguir a foto 148 dos não

tão “sorridentes pilotos”, tirada novembro de 1957, na Base Aérea de Fortaleza.

Todos os pilotos acima, segundo o jornal O Povo, de 22 de novembro de

1957, eram veteranos da Segunda Guerra e da Coréia. E utilizavam os

moderníssimos F-100 Super Sabre em suas apresentações [como o que

aparece aí na foto]. E um fato curioso, e talvez nunca antes revelado, é que

dentre todos estes aviões que estiveram em Fortaleza, somente um deles era

de dois lugares (o que tem o número FW-765 pintado na fuselagem, mas cuja

foto não foi reproduzida aqui). Ele seria utilizado para os vôos supersônicos

146 Jornal O Povo, Fortaleza, 7 de novembro de 1957, “ESQUADRILHA AÉREA DE PASSAGEM POR FORTALEZA” 147 Jornal O Democrata, Fortaleza, 21 de novembro de 1957. 148 No total são oito fotos oficiais da Base Aérea de Fortaleza retratando a visita dos pilotos americanos da esquadrilha aérea Thunderbirds.

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dos presidentes Juscelino Kubitschek e Aramburu, da Argentina. E os

Thunderbirds faziam visitas de demonstração aérea em várias partes do mundo

(observem na foto acima as bandeiras de vários países pintadas na

fuselagem). Em uma matéria publicada na revista Time, de 8 de fevereiro de

1954, foi feita referência a visita a Nicarágua, México, Panamá, Peru,

Argentina; e anunciava as próximas paradas da esquadrilha: Uruguai, Brasil,

Venezuela, República Dominicana e Cuba. Obviamente havia uma utilização

política da visita, à medida que chefes de Estado, ministros e outras

autoridades políticas voavam nas aeronaves (como foi o caso de J.K., como

disse). Foi o caso do ministro das Comunicações do México que voou

juntamente com o (então) Major Chuck E. Yeager (o primeiro homem a romper

a barreira do som e já referenciado aqui neste Capítulo). Multidões se reuniam

para assistir aos shows aéreos (a revista fala em 1.000.000 de pessoas na

Cidade do México) e tudo me leva a crer que o mesmo ocorria aqui em

Fortaleza e no Rio de Janeiro quando lá estiveram.

E um mês antes da chegada do Thunderbirds em Fortaleza, o jornal O

Democrata fez uma interessante apropriação da “epidemia de discos”,

continuamente citada neste Capítulo. Com o intuito de ressaltar os dotes

tecnológicos da União Soviética, logo após o lançamento do Sputnik, o jornal

“pega carona” nos discos voadores e anuncia que está “Em Construção na

URSS um ‘Disco Voador’ 149: quem duvidaria disto, ali, no calor do momento do

lançamento do Sputnik? E outras associações menos políticas eram feitas, pela

imprensa de Fortaleza e as pessoas em geral, do espetáculo associado à

existência de um satélite artificial orbitando velozmente no espaço sideral. O

satélite artificial era sinônimo de algo fantástico, incrível, grandioso. Falava-se

de uma nova era: “Antes e Depois do Satélite” 150. Quando ao jornalista faltou a

palavra para definir o quanto bela estava a iluminação da cidade de Fortaleza

para o Carnaval de 1958, este disparou: “FORTALEZA TERÁ UM ‘SPUTINIK’” 151. As lojas de eletrodomésticos da capital também se apropriaram da imagem

do satélite em seus reclames na imprensa. A “Casa das Máquinas”, em sua

campanha para o Dia das Mães, lançou “o sensacional PLANO SATÉLITE”,

149 Jornal O Democrata, Fortaleza, 11 de outubro de 1957. 150 Jornal O Democrata, Fortaleza, 12 de outubro de 1957. 151 Jornal O Povo, Fortaleza, 5 de fevereiro de 1958.

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que se resumia no seguinte: “Compre, até o dia 9 de maio, um Refrigerador,

uma Radiola, um Piano, um Acordeon ou uma Máquina de Costura, e receba

grátis, a sua escolha, um valioso presente para o ‘Dia das Mães’” 152. Um

satélite artificial aparece no canto superior direito do anúncio e logo abaixo há

um “Refrigerador” aparentemente circundado pelos “valioso[s] presente[s]” que

orbitam ao seu redor. Reproduzo o reclame a seguir.

E os reclames nos jornais da época buscavam, assim, se apropriar do

que estava em evidência no momento para tirar proveito do impacto causado,

por um ou outro acontecimento mais marcante, objetivando dar máxima

152 Jornal Correio do Ceará, Fortaleza, 25 de abril de 1959.

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visibilidade aos produtos por eles anunciados. Um outro exemplo: quem não

interromperia sua leitura do jornal se se deparasse com o anúncio abaixo, que

apareceu nas edições dos dias 14, 16, 17, 18, 21 e 23 de abril de 1957 do

jornal Gazeta de Notícias?

O anúncio bombástico, que “revolucionará tôda a população com sua

utilidade e eficiência”, é da Comissária Viana & Filho Ltda. Mas como uma

“Bomba Atômica” resolverá “definitivamente o problema d’água em todos os

lares do Nordeste”. O suspense em torno da “Bomba Atômica” só seria

revelado na edição do dia 12 de maio do jornal. Na realidade, tratava-se de

uma bomba d’água elétrica flutuante (da marca “Joter”), cujo anúncio prometia

“ÀGUA À VONTADE!”, “Sem despesa de instalação”, “Sem trabalho” e “Sem

preocupações” 153. Reclames desta natureza foram possíveis uma vez que não

somente mísseis e foguetes (além dos afamados satélites artificiais) estavam

sendo disparados e testados intensamente em fins da década de 1950. Armas

nucleares, mais e mais potentes e “seguras”, estavam no rol daquilo que “A

153 Jornal Gazeta de Notícias, Fortaleza, 12 de maio de 1957.

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Marcha da Ciência” investia seus inumeráveis capitais. A seguir apresento um

gráfico com o número de testes nucleares norte-americanos de 1945 a 1992154.

Vale observar que os testes com estas armas (bombas atômicas ou de

hidrogênio) apresentam um nítido “pico” em 1958, que vem crescendo desde

1956. Logo em seguida, nos anos de 1959 e 1960, eles caem a zero, em

virtude da assinatura de uma moratória bilateral de testes nucleares entre

Estados Unidos e União Soviética.

Testes Nucleares Americanos de 1945 a 1992

0

20

40

60

80

100

120

1945

1948

1951

1954

1957

1960

1963

1966

1969

1972

1975

1978

1981

1984

1987

1990

anos

mer

o d

e te

stes

E especificamente para o período pesquisado nos jornais, encontrei

várias referências aos testes nucleares realizados por norte-americanos,

ingleses e russos. As matérias destacavam o poderio das armas, sua

tecnologia e inovação. Uma matéria do jornal O Povo destacou a “BOMBA

154 Os dados foram extraídos de um relatório oficial do Departamento de Energia (disponível na home page do Departamento) americano com supostamente todos os testes nucleares de 1945 a 1992. Os dados, ano a ano, são os seguintes: 1945 (1), 1946 (2), 1947 (0), 1948 (3), 1949 (0), 1950 (0), 1951 (16), 1952 (10), 1953 (11), 1954 (6), 1955 (18), 1956 (18), 1957 (32), 1958 (77), 1959 (0), 1960 (0), 1961 (10), 1962 (96), 1963 (47), 1964 (45), 1965 (38), 1966 (48), 1967 (42), 1968 (56), 1969 (46), 1970 (39), 1971 (24), 1972 (27), 1973 (24), 1974 (22), 1975 (22), 1976 (20), 1977 (20), 1978 (19), 1979 (15), 1980 (14), 1981 (16), 1982 (18), 1983 (18), 1984 (18), 1985 (17), 1986 (14), 1987 (14), 1988 (15), 1989 (11), 1990 (8), 1991 (7), 1992 (6).

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ATÔMICA BRITÂNICA COM NOVA TÉCNICA SECRETA” 155 ou a “NOVA

EXPERIÊNCIA ATÔMICA NA RÚSSIA” 156. Eram comuns fotos de testes

nucleares nas primeiras páginas dos jornais, muitas vezes apenas com um

pequeno texto para descrever o tipo de bomba, o local da explosão e a data. E

os jornais também alertavam quanto ao perigo associado à explosão das

armas nucleares na atmosfera: “MILHÕES DE TONELADAS DE RESÍDUOS

RADIOATIVOS NA SUPERFÍCIE DA TERRA” 157, apontava o jornal O Povo, ao

passo que O Democrata dizia que “A Terra, o Ar e as Águas Estão Sendo

Envenenados” 158. E no mundo inteiro via-se radioatividade em tudo. De Madrid

vinha a notícia de que o “FUMO CONTÉM RADIOATIVIDADE” 159 ou “MIL

VEZES MAIS RADIOATIVA DO QUE O ‘ESTRÔNCIO NOVENTA’ É A

GOSTOSA CASTANHA DO PARÁ” 160 afirmou um cientista inglês em um

Congresso de Radiação nos Estados Unidos. Tudo isto fazia com que se

aumentasse o temor por este inimigo invisível: a radiação nuclear. Notícias de

que “BOMBAS NUCLEARES PODEM GERAR MONSTROS” 161 apareciam

meses depois de outras que anunciavam “CRIANÇA COM UM SÓ OLHO E

SEM NARIZ” 162, em Jaguaribe, ou “SUÍNO COM CABEÇA DE GENTE EM

UBAJARA” 163 (detalharei, no Segundo Capítulo, estas notícias).

E os céus, a arena privilegiada das divagações humanas, traziam agora

não apenas chuva, granizo 164 ou um sol escaldante, mas também muitas

surpresas para todos: quando algo era encontrado vindo do céu, a experiência

das pessoas levava-os, como seria de esperar, a buscar explicações dentro do

universo de possibilidades disponíveis para aquele momento.

“ENCONTRADO EM SÃO PAULO UM OBJETO ESTRANHO” “São Paulo (7) Telepress – Estranho objeto, apresentando partes elétricas carbonizadas, foi encontrado num sítio próximo a cidade paulista de Leme, tendo sida enviada para esta capital para exame pelo Instituto

155 Jornal O Povo, Fortaleza, 3 de julho de 1956. 156

Jornal O Povo, Fortaleza, 19 de novembro de 1956. 157 Jornal O Povo, Fortaleza, 28 de agosto de 1957. 158 Jornal O Democrata, Fortaleza, 4 de junho de 1957. 159

Jornal O Povo, Fortaleza, 18 de janeiro de 1958. 160 Jornal Gazeta de Notícias, Fortaleza, 27 de setembro de 1958. 161 Jornal O Povo, Fortaleza, 8 de agosto de 1959. 162 Jornal O Povo, Fortaleza, 5 de junho de 1959. 163

Jornal O Povo, Fortaleza, 23 de janeiro de 1958. 164 Jornal O Povo, Fortaleza, 29 de setembro de 1956. “Chuva de granizo no território do Rio Branco”

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Tecnológico. Acredita-se tratar-se de restos de um satélite ou de uma bomba atômica, pois o metal apresenta restos de radioatividade.”165

Ao “objeto estranho” encontrado, mesmo sem ser possível definir a sua

natureza, é imediatamente feita a associação a um satélite ou a uma bomba

atômica, objetos comuns nos jornais de uma época em que se divagava sobre

engenhos orbitando nos céus e bombas nucleares explodindo na atmosfera.

~~0~~ Espero ter conseguido, aqui, envolver o leitor na percepção de que a

década de 1950 foi um momento promissor para as divagações no universo do

fantástico, do impensável e do bizarro. Parece-me que um acontecimento

retroagia com os demais, em uma espiral ascendente de “explicações” que

muitas vezes serviam apenas para aumentar mais ainda a dúvida sobre o que

“realmente acontecia”. Discos voadores, fenômenos climáticos, radioatividade,

problemas políticos e acontecimentos corriqueiros eram todos inter-

relacionados e refletiram a atmosfera de constantes modificações tecnológicas

e científicas. Se o bizarro não pôde ser satisfatoriamente “explicado”, apelava-

se para um outro bizarro qualquer, caindo em um movimento circular de

“explicações”. No entanto, o que não pode ser “explicado”, no calor do

momento, não significa que não poderá um dia ser entendido na frieza da

análise histórica, propiciado pelo o que Hobsbawm chamou de a “arma final do

historiador: a retrovisão”. Espero que tenham conseguido compreender e

“aprender um pouquinho” do que foram aqueles anos, em nosso “revisitar”

daquele período que foi muito apropriadamente denominado de “A Era

Atômica” e “A Era de Ouro”. A aparente contradição na denominação das

“Eras” deve-se à constatação de que o brilho do “ouro” que reluzia era

decorrente, literalmente de uma explosão atômica, pois muito do sucesso

econômico daqueles anos advinham de gastos militares avultosos (e incluem-

se aí despesas com bombas atômicas). A única maneira que os dirigentes

políticos e militares de ambas as superpotências encontraram para se

sentissem seguros era se armando mais, o que aproximava a possibilidade de

tudo se acabar em 15 minutos (tempo que os mísseis intercontinentais levariam 165 Jornal O Povo, Fortaleza, 7 de dezembro de 1957.

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para atravessar meio-mundo e pulverizar cidades americanas e soviéticas). E

isso gerava medo: “um perigoso estado de equilíbrio entre o terror mútuo e o

mêdo mútuo”, como diria C. Wright Mills, e que abalou “os nervos de várias

gerações”, como bem lembrou Hobsbawm. E mais: um medo real, concreto,

factível. Por conta do medo e das concepções apriorísticas da consecução da

hecatombe nuclear, o bizarro e o fantástico prosperavam como cogumelos na

madeira úmida, pois “O imaginário social elaborado e consolidado por uma

colectividade é uma das respostas que esta dá aos seus conflitos, divisões e

violências reais ou potenciais” 166.

166 BACZKO, Bronislaw. Op. Cit., p.309.

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SEGUNDO CAPÍTULO

“Foguetes... discos... satélites... luas... isto está mais

parecendo uma brincadeira”

No Primeiro Capítulo tratei dos mais diversos episódios que ocorreram

no Ceará, no Brasil e em várias partes do mundo. Percebi, neles, “fios” que os

uniam e que imprimiam certa relação e “identidade” entre eles. Quem poderia

imaginar que “discos voadores” e bombas atômicas (e de hidrogênio) foram

objetos fortemente explorados pela imprensa cearense no fim da década de

1950? Quem imaginaria que se falou (quase que semanalmente) sobre “discos

voadores” por aproximadamente um ano em Fortaleza? Como imaginar que se

aventou a possibilidade de que o “teatro de operações” da Terceira Guerra

Mundial seria o Nordeste brasileiro? Bem, tudo talvez muito difícil de se

imaginar, mas é certo que isto esteve um dia muito perto de nós, pelo menos

na ótica de muitos militares, militantes comunistas e “nacionalistas”, cuja voz a

imprensa repercutia.

E não foi fácil encontrar os “fios”, porquanto não basta apenas ter o

material em mão: é preciso “conhecê-lo” e desenvolver a capacidade de

perceber que algo que foi lido agora (uma matéria jornalística, por exemplo)

está relacionado a um trecho de um texto que foi visto em um outro lugar (num

livro, por exemplo). Desenvolvi uma técnica de arquivo das fontes que

certamente me possibilitou transitar com muito mais facilidade por elas. Diria

que arquivos organizados são fundamentais àqueles que realizam pesquisa em

História (ou em qualquer outra área).

Buscarei neste e no próximo Capítulo afunilar minhas escolhas, até

chegar a um caso específico de uma pequena cidade no Sertão Central

cearense. Distanciei-me (temporal e espacialmente) o quanto pude do final dos

anos 50 e da comunidade local, a fim de obter uma ampla visão do que foram

aqueles anos, valendo-me de um universo bem abrangente de matérias de

jornais, revistas etc. O que intento fazer neste Capítulo é voltar à década de

1950, mas agora particularmente para os anos de 1956 a 1959. É tentar

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perceber como os jornalistas, correspondentes, os entrevistados, os ensaístas,

os articulistas e os intelectuais da imprensa de Fortaleza “liam” o que estava

acontecendo por aqui. E muitas coisas aconteceram... Acontecimentos

desencadeavam eventos que por sua vez explicitavam outros mais adiante que

acabavam por desembocar em episódios para os quais não se tinha nenhuma

explicação definitiva.

A Corrida Espacial, a cessão da ilha de Fernando de Noronha aos norte-

americanos, o Sputnik, o fenômeno mundial dos OVNI’s, a presença militar

norte-americana no Nordeste, a seca de 1958, os “clarões”, os “objetos

luminosos” e os “estrondos”, tudo se explicava e era explicado numa órbita de

entendimento que refletia o avanço da ciência no período, nos mais diversos

campos. E a ciência caminhava a passos tão largos (nas superpotências) de tal

modo que tudo parecia poder ser explicado como reflexo daquele avanço.

Aquele era, portanto, um período de ebulição e revolução nas ciências e nas

técnicas, possibilitando desse modo produzir uma efusão de imaginários.

Baczko afirmou que “Fazer a revolução implica necessariamente abrir-se ao

imaginário que ela produz, partilhar os mitos e as esperanças que delam

brotam, vivê-la como um momento único em que ‘tudo se torna possível’” 167.

Em analogia ao que Baczko disse referindo-se à Revolução Francesa

poderíamos pensar que aquele momento sui generis (período definitivamente

revolucionário no campo científico) parece ter deixado sua marca na

imaginação social numa época em que, literalmente, ‘tudo se torna possível’.

Explicitei na Introdução os motivos que me levaram a iniciar minha

pesquisa por este período e o artigo de jornal “Bomba Atômica no Nordeste?”

teve um papel fundamental nesta escolha. E se, de uma certa forma, aqui

neste trabalho, tenho dado saltos no tempo (voltando ao ano de 1945, por

exemplo), é porque a amplitude do material que selecionei daquele intervalo

(1956-59) pedia o tempo todo que o fizesse. E o que saiu então? Qual o

resultado da pesquisa nos jornais e revistas de fins dos anos 50?

~~0~~

167 BACZKO, Bronislaw. Imaginação Social. In: Enciclopédia Einaudi. Anthropos-Homem, Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1985, vol.5, p.303.

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O final da década de 1950 marcou, como vimos, um momento de

acirramento na chamada Corrida Espacial. O lançamento do Sputnik agravaria

mais ainda as tensões leste-oeste, uma vez que o “Ocidente” estava ciente de

que se os russos conseguiram colocar aquele objeto enorme lá no alto, muito

certamente poderiam substituir o satélite por uma bomba de hidrogênio e

despachá-la (no mesmo foguete que lançou o satélite) para qualquer cidade

americana 168: “Um Tempo de Perigo” era anunciado pela revista Time e o

satélite soviético parecia representar uma ameaça não apenas para a maior

potência ocidental, mas também criando tensões entre os cidadãos comuns.

No Rio de Janeiro, um funcionário da Central do Brasil, embriagado, sacou do

revólver e quis atirar no satélite: e o que consegui foi apenas atingir uma jovem

no abdômen 169. E o maravilhamento causado pelo fato de se saber que o

Sputnik orbitava lá em cima, fez com que um cientista britânico, ao apenas

ouvir “o eco de radar obtido na passagem do satélite artificial”, declarou ter sido

“Uma Das Coisas Mais Espetaculares Que Eu Já Vi” 170.

Foi a capacidade de carga dos foguetes soviéticos que impressionaram

os americanos: estes últimos sabiam que os russos podiam lançar imensas

bombas nucleares em trajetória balística contra eles. A prioridade agora, para

os norte-americanos, parecia óbvia: testar um foguete capaz de por o primeiro

satélite americano em órbita (e recuperar parte do prestígio americano como

guardiões do “Mundo Livre” 171), assim como um que servisse para lançar

bombas nucleares. O Sputnik apenas acelerou, no lado americano, o que já

168 Para se ter uma idéia, o Sputnik II, lançado em 3 de novembro de 1957, era “seis vezes mais pesado que o Sputnik I, e mais pesado que muitos tipos de ogivas nucleares” (“(...)six times the weight of Sputnik I, heavier than many types of nuclear warheads”) Revista Time, 11 de novembro de 1957, THE NATION, “A Time of Danger”, p.11. 169 Jornal Gazeta de Notícias, Fortaleza, 12 de outubro de 1957, “QUIS ATIRAR NO SATÉLITE”. 170 Jornal O Democrata, Fortaleza, 17 de outubro de 1957. 171 Uma charge da revista Time, de 11 de novembro de 1957, mostrou o Tio Sam muito triste com o lançamento do Sputnik. Na charge ele sofre de “Sputnik Blues” ou a “melancolia Sputnik” e vê o “Prestígio Americano” (literalmente) no chão. Então o presidente Eisenhower entra na sala e traz boas notícias para o Tio Sam: o “tour de discursos do presidente” e as “notícias otimistas do [lançamento] de mísseis”, simbolizadas por uma banda de música que toca alegremente sob a regência do presidente. Lá fora, na janela, o satélite soviético passa com a foice e o martelo desenhados na parte externa.

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vinha sendo buscado há alguns anos: o desenvolvimento, o aperfeiçoamento e

a operacionalização de um míssil balístico intercontinental 172.

Para testar mísseis com este alcance os Estados Unidos precisariam

ampliar o raio de estações de rastreio nas Bahamas e Antilhas, que davam

suporte e faziam a telemetria dos lançamentos de foguetes e mísseis do Cabo

Canaveral, na Flórida. Até então, o ponto mais a leste do Cabo onde era

mantida uma estação de rastreio era na ilha de Santa Lúcia, nas Pequenas

Antilhas 173, há apenas 2600 quilômetros do Cabo. À medida que o

desempenho dos foguetes e mísseis melhorava, eles iam mais e mais longe...

Até que um dia o inesperado aconteceu...

No dia 5 de dezembro de 1956, um míssil do tipo Snark, foi lançado do

Cabo. Parecia um teste de rotina e o foguete teleguiado deveria retornar ao

Cabo após o seu vôo. E “o seu sistema de direção estelar ou por inércia era

ajudado pelos controles de terra que faziam o míssil retornar ao seu ponto de

partida”. Porém, algo de errado aconteceu e o foguete “desdenhou dos sinais

de rádio que nervosamente foram emitidos para destruí-los e, obstinadamente,

avançou na direção da América do Sul para cair, sem ser visto, em alguma

parte da selva brasileira” 174. No Primeiro Capítulo foi reproduzida a matéria da

revista Veja que relata o achado do foguete 25 anos depois, na Serra do

Mutum, no estado do Maranhão; assim como o mapa com as estações de

rastreio no Atlântico (Norte e Sul) a partir do Cabo. O incidente com o Snark

veio demonstrar algo que o mapa deixa claro: o Nordeste brasileiro se projeta

na direção do Atlântico, deixando toda a região um tanto que na rota dos

mísseis e foguetes lançados da Flórida. Ciente disto, o governo norte-

americano buscou um acordo para a cessão da Ilha de Fernando de Noronha

172 Ou ICBM (InterContinental Ballistic Missile), em inglês. ICBM’s são mísseis baseados em terra com alcance superior a 5600 quilômetros. 173 “Uma das principais razões para a escolha de Cabo Canaveral, em primeiro lugar, era o anel das ilhas que se estendem quase em linha reta através das Bahamas até as Pequenas Antilhas, ao largo da costa da América do Sul. (...) Obter permissão para montar estações de rastreio de mísseis demandava negociações detalhadas (...) Os naturais dessas ilhas, em sua maior parte, nunca tinham ouvido falar de mísseis e poderiam, portanto, entrar em pânico se vissem um deles riscando o céu ou precipitando-se no oceano. Para resolver este problema, decidiu-se constituir uma equipe de técnicos para prestar aos habitantes locais os necessários esclarecimentos (...)”.SHELTON, William Roy. Largada para o infinito: história do Cabo Canaveral. São Paulo: Fundo de Cultura S.A., 1963, p.31. 174 SHELTON, William Roy, Op. Cit., p.38.

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para que ali fosse instalada uma base de rastreio de mísseis e foguetes

teleguiados.

Na realidade, a queda do Snark ocorreu no momento em que

transcorriam as negociações para a cessão da ilha, e estas quase que foram

comprometidas com o incidente na Amazônia 175. O governo brasileiro

prontamente atendeu a demanda do governo norte-americano de realizar

buscas na região a procura do foguete, o que causou a ira dos comunistas e

“nacionalistas” que denunciaram “que o governo brasileiro deu autorização aos

Estados Unidos para pesquisar a região amazônica em busca dos destroços do

foguete teleguiado que há mais de um mês foi atirado da base militar da Flórida

(…)”. O jornal disse ainda que

“os aviões militares norte-americanos já vinham, desde o primeiro momento da queda do teleguiado, esquadrinhando céus e terras amazônicas à cata dos restos da arma sinistra. Nosso jornal denunciou essa operação dos aviões militares ianques desde o primeiro momento em que isto se verificava” 176.

Como a “arma sinistra” (ou os destroços dela) não seria encontrada tão

cedo, os norte-americanos se estenderam em sua permanência na selva. E

com as negociações para a cessão de Fernando de Noronha em curso, o jornal

chegou a uma conclusão aparentemente óbvia: “transformada a rota Flórida -

FN [Fernando de Noronha] em um percurso de experiência e de ação de

foguetes teleguiados, muitos destes serão atirados na direção do nordeste

brasileiro” 177. Anníbal Bonavides sintetizou a sucessão de acontecimentos em

um matéria para o jornal O Democrata, em sua edição de 5 de janeiro de 1957.

Ele denunciou que “HÁ MOUROS NA COSTA...”, e lembrou que

175 “Por meses negociadores do [Departamento de] Estado [norte-americano] tem tentado conseguir permissão para a construção de seis estações de rastreio ao longo da costa brasileira. (...) [Mas segundo] Disse amargamente um oficial do Departamento: ‘Aquele Snark dever ter também aterrado as nossas negociações’”. Revista Time, 17 de dezembro de 1956, p.19. “For months State’s negotiators have been seeking permission for construction of six missile-tracking stations along the Brazilian coast. (…) Said a department officer bitterly: ‘That Snark might just as well have landed on our negotiators’”. Das seis estações que a revista Time faz menção, uma delas estava prevista para Fortaleza, mostrando que estávamos na rota dos mísseis e foguetes; caso contrário, e isto parece óbvio, a construção da base de rastreio em Fortaleza não seria ventilada. 176 Jornal O Democrata, Fortaleza, 8 de janeiro de 1957. 177 Jornal O Democrata, Fortaleza, 8 de janeiro de 1957.

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“Há poucos dias, eles fizeram cair um foguete teleguiado nas florestas da Amazônia. Sobrevoaram o espaço aéreo brasileiro, sem pedir licença. Logo após surgiu a exigência para a construção de uma base ianque em Fernando de Noronha, o que bem mostra que o ‘acidente’ da Amazônia não foi propriamente um acidente, mas elemento de pressão. Como quem diz: ou vocês nos dão a ilha, ou nós faremos cair outros ‘teleguiados’ em outros pontos do território brasileiro” 178.

E com o Snark, pela primeira vez, os norte-americanos haviam

conseguido ir tão longe no lançamento de um projétil teleguiado 179. A cessão

da ilha e a queda do foguete trouxeram para o Atlântico Sul a possibilidade de

se falar em foguetes teleguiados nos céus do Brasil, assim como de guerra na

região Nordeste, tornando o ambiente favorável a utilização cotidiana destes

termos que antes pareciam um tanto distantes. O jornal O Povo deixou

bastante claro a sinistra possibilidade de guerra:

“CARAMURUS, CARAMURUS!” (...) (...) (...) “O caso de um foguete teleguiado vem demonstrar que o Brasil não está mais invulnerável a um ataque transatlântico. O raio de ação do foguete disparado nos Estados Unidos e que veio a cair no Brasil é uma prova cabal” 180.

E uma outra “prova cabal” foi a presença norte-americana na ilha, que

começou a se tornar real e efetiva com a assinatura do Acordo, no dia 21 de

janeiro de 1957. E este Acordo só foi possível depois de dirimidos pontos de

atrito entre o governo brasileiro e norte-americano, entre “certos círculos

militares” e o “receio de uma repercussão popular desfavorável” 181. A base de

rastreio de mísseis e foguetes teleguiados, ou como diz no Acordo, “de

instalações especialmente de natureza eletrônica, relacionadas com o

acompanhamento de projéteis teleguiados” 182, constituiu-se assim em mais um

178 Jornal O Democrata, Fortaleza, 5 de janeiro de 1957. 179 Jornal O Povo, Fortaleza, 10 de dezembro de 1956. “TERIA CAÍDO NA AMAZÔNIA UM PROJÉTIL TELEGUIADO” “(...) Ao desaparecer o projétil estabeleceu aparentemente um recorde de distância. Fontes da Força Aérea disseram que (...) o projétil percorreu uns 5000 quilômetros, antes de espatifar-se em terra. Caso isto se confirme, será a maior distância percorrida por um projétil intercontinental da Força Aérea (...)” 180 Jornal O Povo, Fortaleza, 13 de dezembro de 1956. 181 Jornal O Povo, Fortaleza, 11 de dezembro de 1956. “BASE NORTE-AMERICANA NA ILHA DE FERNANDO NORONHA” 182 Conforme cópia em meu poder. “No. 4025. Exchange of Notes Constituting an Agreement Between the United States of America and Brazil Relating to the Establishment of a Guided Missile Station on Island of Fernando de Noronha. Rio de Janeiro, 21 January 1957”. Brasília: Ministério das Relações Exteriores, Divisão de Atos Internacionais.

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elo no “anel de ilhas que se estende quase em linha reta” a partir do Cabo

Canaveral. Para Carlos Marighella, em matéria do jornal O Democrata na sua

edição de 8 de janeiro de 1957, “O nome não importa. Seja ‘posto de

observação técnica’, ‘estação de radiocontrole’, ‘posto de radar’ ou ‘de

observações científicas’, é tudo base, fortificação militar” 183; e que os acordos

firmados com os norte-americanos em 1947 (o TIAR 184, Tratado

Interamericano de Assistência Recíproca, ou Tratado do Rio) e em 1952

(conhecido como Acordo Brasil-Estados Unidos ou Tratado de Quitandinha)

“seriam os instrumentos que nos forçariam ao perigoso passo da cessão de

uma parte de nosso território”. A cessão temporária da ilha era encarada,

portanto, como “entrega” de território brasileiro aos “ianques” e o jornal

comunista denunciou sistematicamente este processo.

Houve, por outro lado, aqueles que defendiam a cessão da ilha aos

norte-americanos, “apontada [a cessão] como necessária pelo planejamento da

defesa interamericana” 185, uma vez que:

“O assunto, decorrente de estudos e convênios estabelecidos de acordo com o interesse e o desejo recíproco dos dois Governos, envolvia (...) um passo objetivo dos dois Estados no sentido da preservação das suas soberanias contra a ameaça comum, encarada do ponto de vista dos antagonismos atuais, no quadro do mundo atual” 186.

E o General Tavares chegou, em seu livro, a citar um discurso de J.K. de

modo a reiterar sua fé naquele “entendimento amplo e elevado do interesse da

defesa continental”. Disse o presidente em seu discurso, em Santos:

“Não há palavras, aliás, que signifiquem mais do que um ato como esse [no caso, a cessão da Ilha] (...) que traduz a convicção e, mais do que isso, a consciência de que estamos identificados numa mesma causa, que é a de defender a paz do mundo e a integridade

183 Jornal O Democrata, Fortaleza, 8 de janeiro de 1957. 184 “O TIAR, tratado de segurança coletiva com a América Latina, estabelece o compromisso entre todas as nações do hemisfério de se unirem para repudiar ataques a membros da aliança, estabelecendo o conceito de solidariedade hemisférica”. PECEQUILO, Cristina Soreanu. A Política externa dos Estados Unidos: continuidade ou mudança? Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2003, p.216. 185 TAVARES, General A. de Lyra. Segurança nacional: antagonismos e vulnerabilidades. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1958, p.163. 186 TAVARES, General A. de Lyra. Op. Cit., p.163.

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dos povos que desejam continuar livres, e que pertencemos, juntamente com os norte-americanos, a um mesmo sistema” 187.

E no seio das tensas negociações, surgiram acusações dos

“nacionalistas” de que a cessão da ilha foi conseguida em troca de

empréstimos do governo americano, através do Eximbank, e que a cessão

representava uma “AMEAÇA DIRETA AO BRASIL E TODA A AMÉRICA

LATINA”, constituindo-se, portanto, em um “MÚLTIPLO ATAQUE AOS

INTERESSES DO BRASIL”, uma vez que “promessas de empréstimos para a

realização de planos elaborados com a participação de especialistas

brasileiros, atuou simultânea e sincronizada com as negociações secretas para

o acordo militar” 188. E de fato empréstimos vultuosos (notadamente norte-

americanos) começaram a afluir em nossa direção. A seguir reproduzo, em um

gráfico, os dados dos investimentos de capital realizados pelos norte-

americanos no Brasil de 1950 a 1965 189.

187 Discurso do Presidente J.K. em Santos, 1958 [?]. Citado por TAVARES, General A. de Lyra. Op. Cit., p.164. 188 Jornal O Democrata, Fortaleza, 3 de janeiro de 1957. 189 Os dados do Gráfico, ano a ano, são os seguintes: 1950 (1363), 1951 (3650), 1952 (1038), 1953 (7121), 1954 (21870), 1955 (7589), 1956 (15719), 1957 (14253), 1958 (53991), 1959 (58177), 1960 (27301), 1961 (28211), 1962 (22869), 1963 (24329), 1964 (21578) e 1965 (17368). Conforme FREITAS JR., Norton Ribeiro de. O capital norte-americano e investimento no Brasil: características e perspectivas de um relacionamento econômico: 1950 a 1990. Rio de Janeiro: Record, 1994, p.67, 92.

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Investimentos Norte-Americanos no Brasil de 1950 a 1965.

0

10000

20000

30000

40000

50000

60000

70000

1950

1951

1952

1953

1954

1955

1956

1957

1958

1959

1960

1961

1962

1963

1964

1965

anos

Inve

stim

ento

(em

US

$1,0

00)

Pelo gráfico acima percebe-se claramente um aumento surpreendente

de investimentos norte-americanos em fins da década de 1950. É curioso

observar que, mais uma vez, um pico se repete, o que ressalta a atipicidade do

período 190. E este afluxo de capitais encontrou o seu caminho especificamente

para o Brasil: “O Departamento de Estado anunciou recentemente que o Brasil

foi o país latino-americano que mais recebeu empréstimos do governo dos

Estados Unidos em 1958” 191. A edição do jornal The New York Times, de 26

de janeiro de 1957, estampou que o Brasil “REQUER EMPRÉSTIMO

IMEDIATO”. E acrescentou: “O Brasil pediu ao EXIBANK para disponibilizar

imediatamente US$ 25 milhões de um empréstimo aprovado no ano passado

de US$ 100 milhões para a expansão da malha ferroviária, muito embora as

condições de desembolso [do empréstimo] ainda não tenham sido acordadas” 192. O jornal noticiou claramente que uma carta ao Exibank acompanha o

190 Apenas recordando o Capítulo I: em fins da década de 1950 há um pico no avistamentos de OVNI’s, um pico no lançamento de foguetes e mísseis do Cabo, um pico no número de testes nucleares americanos, um pico de eventos (“objetos luminosos”, “clarões” etc) para o estado do Ceará, o Brasil e o mundo e, agora, um pico nos empréstimos americanos para o Brasil. 191 Jornal O Povo, Fortaleza, 27de abril de 1959, “EMPRÉSTIMOS AMERICANOS” 192 Jornal The New York Times, Nova Iorque, 26 de Janeiro de 1957, “Brazil has asked the ExportImport Bank to make available immediately $25,000,000 from a $100,000,000 loan for railroad expansion approved last year although the conditions for its disbursement have not yet been met”

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Acordo de cessão e que este pedido de dinheiro faz parte de um “pacote maior”

(“Larger Package”).

E não foi apenas dinheiro que os norte-americanos enviaram ao Brasil.

Material bélico (por exemplo, navios, submarinos e aviões) era fartamente

cedido às forças armadas brasileiras. O jornal O Povo noticiou, em sua edição

de 7 de dezembro de 1956, que “Chegarão 2ª feira os primeiros aviões a jato

para a base local [de Fortaleza]” 193. Edições posteriores do mesmo jornal

anunciaram mais presentes: o “Brasil seria o primeiro país da América do Sul

ao qual os EEUU fornecerão um reator de pesquisas atômicas” 194. E no fim de

janeiro, a Marinha do Brasil teve seu regalo: “DOIS SUBMARINOS CEDIDOS

AO BRASIL [pelos norte-americanos]” 195. E os militares tiraram proveitos da

nova situação geopolítica do Brasil no cenário da Guerra Fria para angariar

material bélico: “caso sejam aprovadas as alegações brasileiras de que as suas

responsabilidades aumentaram com a concessão da base – pode abrir o

caminho para novas vendas e doações de armamentos ao Brasil” 196.

E o material bélico continuou chegando nos próximos anos, sempre com

a justificativa de que era “INDISPENSÁVEL MAIS AJUDA MILITAR DOS

EE.UU AO BRASIL”, pois uma vez que “a construção dessa base [de Fernando

de Noronha] (...) será de utilidade incontestável para a defesa do hemisfério

ocidental” 197, cabia ao Brasil representar o papel de escudeiro americano no

Atlântico Sul, o que demandou um “aumento das verbas para a remessa de

armas e equipamentos norte – americanos para o Brasil, em vista das maiores

obrigações de defesa assumidas” 198. Obras de modernização da infra-

estrutura do estado (e do Nordeste) têm início com o afluxo de capitais devido,

aparentemente, a cessão da ilha aos norte-americanos, apesar do Itamarati

negar a relação entre um e outro.

193 Jornal O Povo, Fortaleza, 7 de dezembro de 1956. Retornarei um pouco mais adiante neste Capítulo a questão da chegada dos aviões a jato na Base Aérea de Fortaleza e a relação deles com os “objetos luminosos”. 194 Jornal O Povo, Fortaleza, 3 de janeiro de 1957. “REATOR ATÔMICO PARA O BRASIL” 195 Jornal O Povo, Fortaleza, 21 de janeiro de 1957. 196 Jornal O Povo, Fortaleza, 31 de janeiro de 1957, “PROJÉTEIS TELEDIRIGIDOS DOS EE.UU PARA O BRASIL” 197 Jornal O Povo, Fortaleza, 23 de janeiro de 1957, “ACORDO SOBRE FERNANDO NORONHA” 198 Jornal O Povo, Fortaleza, 15 de maio de 1959.

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“O Brasil não pede, frisará o comunicado [do Itamarati], em troca da concessão do posto de observações, qualquer compensação. Solicitará apenas ao Governo dos EEUU que interceda junto ao ‘National Advisory Council’ e ao ‘EXIMBANK’, a fim de acelerar o estudo dos projetos brasileiros que interessam, fundamentalmente, ao nosso desenvolvimento e ao aumento do potencial nacional” 199.

O Aeroporto de Fortaleza, no Alto da Balança, “SERÁ O MAIS

MODERNO DO NORTE” 200, graças a obras de ampliação de sua estrutura

física. Nos anos seguintes, obras de modernização atingirão também o Porto

do Mucuripe. O jornal Gazeta de Notícias noticiou os despachos do governador

Paulo Sarasate com o diretor do Departamento de Portos e Canais que

anunciava a “Maquinaria Para A Construção do Porto” 201. A obra foi, para a

União das Classes Produtoras do Ceará, o momento para se “PAGAR UMA

DAS GRANDES DÍVIDAS DO PAÍS PARA COM O CEARÁ”, devendo-se

“entregar aos americanos a tarefa de construção do porto do Mucuripe, sem

dúvida alguma das mais importantes já lançadas por aquela pujante entidade

de classe” 202. É importante perceber, portanto, que estas obras de

beneficiamento de infra-estrutura (do Nordeste, como um todo) ocorreram num

período imediatamente posterior à cessão da ilha e à chegada/liberação de

empréstimos estrangeiros.

O jornal comunista O Democrata repercutiu o pensamento de que o

Nordeste seria o palco ou “teatro de operações” da Terceira Guerra Mundial.

Assim, “O verdadeiro objetivo é a instalação duma base de lançamentos, a fim

de deslocar o teatro de operações (...) Tentarão tudo para situar um possível

conflito atômico longe de suas fronteiras” 203. Desta maneira, as infra-estruturas

viárias, portuárias e aeroportuárias do Nordeste estavam sendo melhoradas

pelos “emissários fardados do imperialismo ianque” 204 exatamente para que

fizessem uso delas em caso de conflito mundial. E como no processo de

negociação para a assinatura do Acordo de cessão da ilha, os “negociadores

199 Jornal O Povo, Fortaleza, 17 de janeiro de 1957, “NOTA DO ITAMARATI SOBRE OS ENTENDIMENTOS COM O GOVERNO DE EISENHOWER” 200 Jornal O Povo, Fortaleza, 3 de julho de 1957, “SERÁ O MAIS MODERNO DO NORTE O NOVO AEROPORTO DE FORTALEZA” 201 Jornal Gazeta de Notícias, Fortaleza, 26 de fevereiro de 1957. 202 Jornal Gazeta de Notícias, Fortaleza, 20 de março de 1957. 203 Jornal O Democrata, Fortaleza, 21 de março de 1957, “Hiroshima, Magasaki [sic], Fernando de Noronha, Fortaleza e Maceió”. 204 Jornal O Democrata, Fortaleza, 13 de março de 1957, “VISITANTES INDESEJÁVEIS”.

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do [Departamento de] Estado [norte-americano] têm tentado conseguir

permissão para a construção de seis estações de rastreio ao longo da costa

brasileira” 205, não pareceu difícil ao jornal O Democrata (ao comentar

especificamente o caso da intenção de se construir redes de radares em

Fortaleza, Natal e Maceió) conceber de que “QUEREM VENDER FORTALEZA

A UMA NAÇÃO ESTRANGEIRA” 206. Complementarmente, era denunciado o

“plano dos americanos de exigir uma série de bases, partindo do Nordeste em

direção aos campos petrolíferos da Bahia e da Amazônia” 207, ampliando-se o

raio dos interesses dos “emissários fardados” no Nordeste.

Seguindo o ponto de vista do jornal comunista, a “entrega” da ilha aos

norte-americanos implicava que eles viriam aqui “pegá-la” para si. E de fato,

como estava previsto no Acordo, eles chegaram. O Acordo explicitava a

presença de técnicos norte-americanos e brasileiros trabalhando juntos na ilha 208. E a chegada deles fazia recrudescer o sentimento de que estávamos

preparando nossa região para a guerra iminente. O jornalista Rafael Corrêa de

Oliveira escreveu sobre o perigo.

“A conquista de Fernando Noronha, nestas condições, é, ou seria, o primeiro passo para uma ofensiva urgente. Logo em seguida as bases militares ao longo da costa norte criariam definitivamente os elementos de uma verdadeira ocupação militar”. “Nesta altura nos encontramos com a faca apontada ao peito. Mas ainda temos espaço para manobrar e resistir” 209.

E as pessoas, então, naquele momento, encontravam, ao seu modo, os

“espaços para manobrar e resistir”. Aos gritos de “A ILHA É NOSSA!” o jornal

buscou sensibilizar o fortalezense de que a presença americana era nociva aos

interesses do Brasil: “Milhares de boletins foram distribuídos na Praça do 205 Revista Time, Nova Iorque, 17 de dezembro de 1956, p.19. 206 Jornal O Democrata, Fortaleza, 9 de fevereiro de 1957. 207 Jornal O Democrata, Fortaleza, 23 de março de 1957. 208 Segundo o “EXCHANGE OF NOTES CONSTITUTING AN AGREEMENT BETWEEN THE UNITED STATES OF AMERICA AND BRAZIL RELATING TO THE ESTABILISHMENT OF A GUIDED MISSILE STATION ON ISLAND OF FERNANDO DE NORONHA”, 2º ítem, “Essas instalações serão construídas por especialistas e técnicos norte-americanos assistidos por especialistas e técnicos brasileiros” e ainda que, no 5º item, “Os Governos do Brasil e dos Estados Unidos da América concordam em que técnicos norte-americanos sejam gradativamente substituídos por técnicos brasileiros, segundo condições a serem estipuladas de comum acordo”. Consegui um fax da “TROCA DE NOTAS” com o Ministério das Relações Exteriores. O mesmo foi enviado pelo sr. José Vicente da Silva Lessa, da Divisão de Atos Internacionais, no dia 3 de fevereiro de 2005, as 12h 31min. 209 Jornal Gazeta de Notícias, Fortaleza, 1 de março de 1957, “NACIONALISMOS...”

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Ferreira, na noite do Ano Bom [31 de dezembro de 1956]” 210. Uma verdadeira

campanha nacional foi iniciada com o intuito de se opor ao “AJUSTE DE

FERNANDO DE NORONHA” 211 e manifestos com a assinatura de vereadores,

deputados, senadores e integrantes da UNE, por exemplo, eram publicados no

jornal.

O jornal O Democrata recebeu em seu endereço, à “Rua Senador

Pompeu, 814”, assinaturas a um “APELO” para o que eles entendiam ser “A

PREPARAÇÃO DA GUERRA ATÔMICA” 212, enquanto os “cidadãos de

Chaval” (cidade do interior cearense) se uniam “Contra a Entrega de F. de

Noronha” e um “Abaixo-assinado com 102 firmas” 213 era enviado ao deputado

José Martins Rodrigues. Nos encontros de estudantes promovidos pelas

entidades estudantis (UNE e UBES, por exemplo), os estudantes preparavam

moções de protesto contra a presença norte-americana em outros estados do

Nordeste.

Outra importantíssima proposição, e que mereceu também o apoio unânime, um representante do Rio Grande do Norte (Mossoró) (...) [solicitou a UBES que] envie uma moção de protesto ao Presidente Juscelino Kubstchek [sic], contra a entrada e permanência de mais de cem militares ianques em Mossoró e que instalam no Horto Florestal uma estação de radar que funcionará em sintonia com a base de lançamento de foguetes tele-dirigidos de Fernando de Noronha” 214.

E no X Congresso Nacional de Estudantes Secundaristas, o estudante

Hélder Heronildes denunciou que “para maior vergonha nossa, os gringos

andam fardados, num desrespeito, até mesmo, ao vergonhoso acordo de

Fernando de Noronha, que consente (para tapia [sic; tapear], é claro...) apenas

a presença de técnicos civis em nosso território” 215. Estudantes universitários

de Fortaleza denunciavam o “ajuste” como “Achincalhe às Nossas Tradições

de Povo Independente e Pacífico” 216. E estes mesmos estudantes “em Trote

210 Jornal O Democrata, Fortaleza, 3 de janeiro de 1957. 211 Jornal O Democrata, Fortaleza, 23 de maio de 1957. 212 Jornal O Democrata, Fortaleza, 14 de junho de 1957. 213 Jornal O Democrata, Fortaleza, 27 de junho de 1957. 214 Jornal O Democrata, Fortaleza, 27 de julho de 1957, “Estudantes Pedem Retirada de Militares Ianques do Nordeste” “Mais de cem estrangeiros estacionados em Mossoró” 215 Jornal O Democrata, Fortaleza, 30 de julho de 1957, “Infestada Mossoró de MILITARES AMERICANOS” 216 Jornal O Democrata, Fortaleza, 6 de julho de 1957.

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Criticam a Entrega da Ilha”: o jornal comunista trazia uma foto de um deles

ostentando um cartaz em que se lia “‘MISS FERNANDO DE NORONHA –

QUEREM TRANSFORMAR-ME EM FORMOSA BRASILEIRA’” 217.

E o jornal comunista publicou o testemunho das pessoas que viajavam

pelo Nordeste brasileiro e presenciavam a “ocupação americana” desta região.

A edição do dia 22 de agosto de 1957 do jornal O Democrata anunciou as

“Impressões de um viajante” anônimo que narrou, em carta, “O que se vê no

Nordeste: ‘Ianques Andam Pelas Ruas de Calção e Exibindo Parabelum’”.

“o que eu tenho testemunhado em vários Estados, desta rica e abandonada região [Nordeste] do país, chama a atenção do povo brasileiro para cuidar mais de sua independência (...) (...) No município de Ririutas [?] no Ceará está sendo construído um açude de nome Araras, vi, com os próprios olhos, vários americanos trabalhando nessa obra, como se fôssemos incapazes de erguer com as nossas próprias forças uma empresa desse tipo. Esses americanos vivem pelas ruas da cidade somente de calção, tendo a cintura parabelum, num flagrante desrespeito às leis e [ILEGÍVEL]. Mas enquanto isso os brasileiros são proibidos pela polícia de carregar consigo um canivete” 218.

~~0~~

Era comum que as pessoas fizessem associações a todo o universo

imaginário do fantástico e do bizarro, de modo a buscar explicações (ou pelo

menos tentar) para muitos dos fenômenos inusitados que ocorriam no período

(e que muito provavelmente já ocorriam antes do Sputnik, da bomba atômica

etc) como rebentos daquele momento histórico em que a ciência e a técnica

avançavam como nunca o fizeram, uma vez que tinham a dimensão de

verdadeiras descobertas.

E um fenômeno para o qual as pessoas buscavam uma explicação era o

climático: mais especificamente na região Nordeste, o caso da seca. E mais

pontualmente, no caso do Ceará, a de 1958 219. A seca no Nordeste, fenômeno

217 Jornal O Democrata, Fortaleza, 2 de abril de 1957. 218 Jornal O Democrata, Fortaleza, 22 de agosto de 1957. 219 É certo que esta seca atingiu outros estados do Nordeste, mas me deterei ao Ceará, pois foram nos jornais deste estado que concentrei minha busca. Acredito que em jornais de outros estados nordestinos os jornalistas e articulistas tenham fornecido as mais fantásticas e inusitadas explicações para os problemas climáticos, políticos etc de seus estados no pulular de acontecimentos fantásticos, bizarros e inusitados.

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climático secular e que desde o século XIX tornou-se objeto dos estudos

científicos, ganhou, nesse momento, mais uma possibilidade de explicação.

Coincidindo com a intensificação dos lançamentos dos foguetes e dos testes

nucleares, a seca de 1958, no Ceará, passa a ser atribuída aos mesmos. E o

governo federal, repetidamente ao longo dos séculos, não sabia lidar com o

problema de modo a trazer, ao sertanejo, solução e alívio definitivo.

“Em 1958, quando chegaram ao Rio de Janeiro as primeiras notícias de seca, o governo federal - concentrado principalmente nos embates parlamentares contra a opositora UDN, adversária da construção de Brasília e da transferência da capital - estava absolutamente desesperado para enfrentar o flagelo. (...) A seca já tinha atingido Bahia, Ceará, Paraíba, Pernambuco e Piauí” 220

Os jornais estavam salpicados de novidades: satélites artificiais, discos

voadores, explosões atômicas na atmosfera etc. Parecia tentador, assim, urdir

uma explicação que passasse transversalmente por aquele universo. Em

fevereiro de 1958 os Estados Unidos finalmente conseguiram por em órbita o

seu primeiro satélite artificial (bem menor e bem mais leve, porém, que os

Sputnik russos).

“Exatamente 119 dias depois que os russos enviaram o Sputnik aos céus, abrindo uma ferida no orgulho e prestígio norte-americano, o Explorer do Exército estrondeou da torre de lançamento de Cabo Canaveral na semana passada; um símbolo do novo poder americano” 221.

Assim, o satélite americano foi fazer companhia no espaço sideral aos

dois Sputnik russos já lançados (em outubro e novembro de 1957). E um dos

satélites russos levou ao espaço o primeiro ser vivo: a cadela Laika, a bordo do

Sputnik II, “viveu num compartimento cilíndrico durante 10 dias, morrendo em

órbita antes de sua reentrada na atmosfera quando o satélite queimou em

220 VILLA, Marco Antônio. Vida e morte no sertão: história das secas no Nordeste nos séculos XIX e XX. 1ª ed. São Paulo: Ática / Instituto Teotônio Vilela, 2000, p. 177. 221 Revista Time, Nova Iorque, 10 de fevereiro de 1958, p. 13. “Just 119 days after the Russians sent Sputnik I into the skies, tearing a wound in U.S. proud and prestige, the Army’s Explorer thundered off the launching pad at Cape Canaveral last week, a symbol of a new kind of U.S. strength”

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virtude do seu atrito com o envoltório gasoso [a atmosfera]” 222. A jornalista

Adísia Sá bem capturou o momento em que se falou de “ESTE NEGÓCIO DE

SATÉLITES...”, e divagou sobre os problemas “cá de baixo” relacionando-os

com a provável “revolução no céu” ocasionada pelo lançamento de tantos

satélites.

“Dizem que subiu mais um ‘Explorer’ norte-americano. O trânsito, lá em cima, está ganhando para nós, cá de baixo”. “Sei apenas que por causa das tais luas artificiais, temos passado mal por aqui, principalmente no nordeste brasileiro”. “[Os satélites] estão provocando uma barulheira danada lá pelo infinito (...) modificando leis milenares (...)” “Por exemplo: depois da invenção dos ‘sputinicks’, a chuva começou a retardar, deixando mesmo de cair no dia de São José. Vocês sabem lá o que é a chuva não aparecer no dia 19 de março! Cearense da gema, como nós, sabe muito bem o que isto significa” (...) “Os satélites fizeram uma revolução no céu, como os anjos, na célebre revolta de Lúcifer”. “Estou do lado dos santos, anjos, querubins e virgens porque os satélites são metidos e estavam tentando dominar a terra, digo o céu dos outros” 223.

E a jornalista Adísia Sá muito certamente se ancorou na sua experiência

naquele momento histórico específico para ventilar suas hipóteses de

modificação de “leis milenares”. E uma destas “leis milenares” é aquela que

nos indica se o “inverno” vai ser bom ou ruim, dependendo das chuvas no dia

de São José. Vejamos o que nos disse Raimundo Girão sobre este dia de

“passagem equinocial”.

“Todavia, o santo decisivo é São José. O seu dia - 19 de março - é que marca a linha divisória entre as chuvadas e o estio perigoso. Fixam-se no referido dia as derradeiras esperanças do sertanejo aflito. Certamente por achar-se em quase coincidência com a passagem equinocial. João Brígido, jornalista cearense e espírito altamente mordaz, costumava insinuar que a Igreja muito de indústria, preparam aquela simultaneidade...” 224

O artigo da jornalista Adísia Sá sugeriu que o dia 19 de março de 1958

não foi um dia de chuva, o que indicaria um ano seco. De fato, o ano de 1958,

como vimos, foi o de uma seca terrível. Mas no começo do ano tudo parecia

222 MOURÃO, Ronaldo Rogério de Freitas. Dicionário enciclopédico de astronomia e astronáutica. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1987, p.755. 223 Jornal Gazeta de Notícias, Fortaleza, 29 de março de 1958. 224 Jornal Correio do Ceará, Fortaleza, 7 de abril de 1959. “Quando não chove, o sertão veste luto...” “Secas, experiências e profecias”.

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indicar que teríamos um bom “inverno” 225. “CHUVAS COPIOSAS EM

DIVERSOS MUNICIPIOS”, anunciou o jornal O Povo em sua edição de 17 de

janeiro de 1958, citando os municípios de Catunda, Quixadá, Viçosa, Nova

Russas, Jardim, Ibiapina, Santana do Acaraú e Crato. Em fevereiro, o mês

“COMEÇOU COM CHUVAS ABUNDANTES”, nos municípios de Ipu,

Independência, Juazeiro, Campos Sales e São Benedito 226. E especificamente

para o município de Ipu “a chuva caída além de Acaraú, abrangendo Irajá e

Batoque, foi das maiores ali presenciadas, em todos os tempos (...) O Rio

Feitosa alcançou nível raramente atingido nos maiores invernos” 227. E

juntamente com as notícias de que as chuvas estavam abundantes no interior,

o jornal noticiou a passagem do satélite norte-americano “sobre dois pontos do

Brasil: às 13h e 21min sobre Patos de Minas e, 15h e 31min, sobre Belém do

Pará” 228. Situações inusitadas aconteciam simultaneamente e a imprensa dava

eco e repercussão a elas. O que as pessoas faziam, portanto, era articulá-las e

daí formular teorias que dessem conta do fantástico e bizarro que parecia

brotar a todo o momento.

E não foi apenas o espetáculo milenar da chuva e do sol que os céus

derramavam sobre as pessoas. Deparei-me por diversas vezes com

espetáculos (noticiados na imprensa) que causaram fascínio, espanto e

maravilhamento naqueles que os testemunharam ou que ouviram falar deles.

Levado a pesquisar aquele período por causa do artigo de Carlos Emílio,

busquei notícias que lembrassem (mesmo que vagamente) aspectos

associados a explosões de armas nucleares (clarão e estrondo, por exemplo).

E pouco a pouco eles foram afluindo... e se avolumando... e se concentrando!

As matérias que selecionei davam conta do aparecimento de “objetos

luminosos” e de “clarões”, e da ocorrência de “tremores de terra” e de

“estrondos” (que chamei genericamente de “eventos”). No gráfico apresentado

225 Assim como o final de 1957 parecia indicar um bom “inverno” para o ano seguinte, uma vez que houve vários relatos de chuvas abundantes naquele período: “Ontem, caiu nesta cidade boa chuva (...) anunciava o jornal O Povo, de 5 de dezembro de 1957, para o município de Juazeiro, enquanto “Chuva de 43mm caiu ontem durante toda a madrugada, com fortes trovoadas, continuando o tempo carregado” na cidade de Iguatu, segundo o jornal O Povo, de 6 de dezembro de 1957. E no Natal, “BOAS CHUVAS” em Ubajara, dizia a matéria do jornal O Povo, de 26 de dezembro de 1957. 226 Jornal O Povo, Fortaleza, 3 de fevereiro de 1958. 227 Jornal O Povo, Fortaleza, 4 de fevereiro de 1958, “CHUVA IGUAL NUNCA HOUVE” 228 Jornal O Povo, Fortaleza, 5 de fevereiro de 1958, “SATÉLITE PASSA SOBRE O BRASIL”

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anteriormente (no Primeiro Capítulo) mostrei a distribuição dos totais dos

eventos ao longo do período de 1956-1959. Comentei en passant as

informações que pude deduzir da distribuição deles no gráfico e, agora,

buscarei aprofundar a análise sobre eles.

Muitas coisas inusitadas ocorreram naquele período e me parece

pertinente qualificá-las de “estranhas”, uma vez que foi assim mesmo que

aqueles que as testemunharam se referenciaram a elas. Lembro que dado o

grande volume de adjetivos utilizados (na imprensa) para qualificar tais eventos

(no momento em que aconteciam), resolvi nomeá-los genericamente de

bizarros. Assim, o fantástico e o bizarro marcaram forte presença em nosso

estado, contribuindo, como vimos, para a atipicidade do final da década de

1950.

Algumas matérias, por um lado, eram cotidianamente noticiadas e os

órgãos da grande imprensa davam a elas a importância que julgavam

apropriada no momento. O Carnaval, a Copa do Mundo (1958), as eleições

municipais e estaduais, os casos policiais, por exemplo, enchiam páginas e

páginas dos jornais. Foi possível observar em algumas matérias a recorrência

e repetição dos mesmos temas, período após período. Outras, por outro lado,

destoavam do lugar-comum, do esperado, do previsível. Poderia reunir várias

matérias que certamente soariam estranhas ao leitor regular dos jornais da

época. Em um município da região oeste do estado, “Um caso teratológico que

impressiona fortemente quando o observam” 229, dá conta de um caso de má

formação congênita em um animal e foi anunciado “UM SUÍNO COM CABEÇA

DE GENTE EM UBAJARA”, enquanto em Acopiara um “Estranho fenômeno

ocorre nos sertões” e chama a atenção dos camponeses (e da imprensa) 230. E

um pouco mais adiante, em Jaguaribe, um outro caso de má formação

congênita (agora uma ”CRIANÇA COM UM SÓ OLHO E SEM NARIZ” 231)

mereceu destaque na imprensa fortalezense. Estas matérias chamaram minha

atenção, e pouco pude fazer com elas além de impressionar-me (como acredito

o fizeram os que as leram há quase 50 anos): pareciam isoladas e o único fio

que pude uni-las ao que estava pesquisando foi dado pela matéria do jornal O

229 Jornal O Povo, Fortaleza, 23 de janeiro de 1958. 230 Jornal O Povo, Fortaleza, 31 de janeiro de 1958, “OUVINDO DE PERTO A PEDRA BATER COMO UM CORAÇÃO”. 231 Jornal O Povo, Fortaleza, 5 de junho de 1959.

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Povo, de 8 de agosto de 1959, intitulada “BOMBAS NUCLEARES PODEM

GERAR MONSTROS”. Nela foi afirmado que “As substâncias radioativas

disseminadas na atmosfera não são fortemente perigosas imediatamente,

prosseguiu o dr. [Linus] Pauling, mas é de crer que no futuro as mães dêem a

luz bebês monstruosos tendo apenas um olho, ou duas cabeças ou três

pernas” 232. Os fios, porém, não se uniram e tudo o que pude fazer foi

especular e cogitar sobre a incrível possibilidade. O que pude perceber, no

entanto, foi que a vinculação dos defeitos genéticos aos processos radioativos

é indício do quanto a questão nuclear estava na ordem do dia, servindo de

explicação, inclusive, para diferentes e até tradicionais temas.

Os episódios inusitados que tiveram como locus os céus (ou o espaço

sideral) foram de longe os mais freqüentes. No entanto, não foi apenas os céus

o cenário privilegiado para o aparecimento de “objetos misteriosos”. Em maio

de 1958, e depois em julho de 1959, um “submarino misterioso” rondou a costa

do Nordeste brasileiro. Esta ocorrência teve repercussão na imprensa local,

uma vez que mobilizou a Marinha do Brasil em sua busca. Em sua primeira

aparição, foi dito que eles “estão rondando as costas do Nordeste,

principalmente nas imediações da ilha Fernando Noronha, onde os norte-

americanos estão montando estações de controle de teleguiados” 233. Os

submarinos deixaram em “estado de alerta” a costa cearense uma vez ser

afirmado que “submarinos russos estão rondando a costa do Nordeste“ 234. E,

um pouco antes, apareceram ao longo da costa Argentina submarinos não-

identificados, o que levou prontamente o Governo brasileiro a afirmar que “Não

eram brasileiros os submarinos” 235. Eles seriam também avistados ao longo da

costa carioca, sumindo sem serem identificados. Foi admitida, no entanto, a

“hipótese de se tratar mesmo do submarino atacado com bombas de

profundidade no Golfo Nuevo [Argentina], semana passada, cuja identidade

também não foi apurada” 236. E em julho de 1959 seria avistado, na Bahia, um

outro “submarino fantasma” em meio aos exercícios aeronavais da Marinha do 232 Jornal O Povo, Fortaleza, 8 de agosto de 1959. 233 Jornal O Povo, Fortaleza, 30 de maio de 1958, “SUBMARINO RONDA A COSTA DO NORDESTE”. 234 Jornal Gazeta de Notícias, Fortaleza, 30 de maio de 1958, “’ESTADO DE ALERTA’ NO LITORAL CEARENSE”. 235 Jornal Gazeta de Notícias, Fortaleza, 24 de maio de 1958. 236 Jornal Gazeta de Notícias, Fortaleza, 29 de maio de 1958, “’SUMIU’ O SUBMARINO MISTERIOSO”.

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Brasil, que depois de alguns dias, encerrou “oficialmente” as buscas a ele 237. O

misterioso e o inexplicável encontram ambiente fecundo neste período e

fincaram-se na imaginação das pessoas 238. A Guerra Fria e o discurso dos

comunistas e nacionalistas (assim como a ação da ciência e da técnica que

ofereciam cotidianamente mais combustível para novas conjecturas) sobre os

mais diversos episódios que pipocavam naquele momento, contribuíram para

que alguns acontecimentos adquirissem uma repercussão que, muito

provavelmente, foi além da importância que eles realmente mereciam.

Foi, no entanto, um outro conjunto de matérias que mais me chamou a

atenção. Mesmo destoando do lugar-comum, foi possível classificá-las em

quatro categorias distintas, por se referirem, recorrentemente, inclusive em

manchetes, ao aparecimento de “objetos luminosos”, “clarões”, “estrondos” e

“tremores de terra”. E esta classificação se deve à forma como elas foram

apresentadas pelos correspondentes e jornalistas, com base nos relato de

testemunhas. Não intento, com esta categorização, engessar o recorte das

fontes; busco ordená-las ou, pelo menos, dar alguma ordem ao aparente caos.

E, como disse, foi somente com estas matérias que foi possível esta

classificação.

No somatório geral de todas as categorias, para o período aqui

pesquisado, temos 48 episódios, assim distribuídos: 39 referem-se a “objetos

luminosos” (ou 81,3%), 5 a “estrondos” (ou 10,4%), 3 a “tremores de terra” (ou

6,3%) e 1 a “clarão” (ou 2%). Ou seja, de longe “objetos luminosos” foram o

episódio mais freqüente. De qualquer forma, todas elas referiam-se a

fenômenos não explicados e de grande impacto nos sentidos de populações

inteiras de determinadas regiões do Ceará 239.

237 Jornal O Povo, Fortaleza, 4 de julho de 1959, “ENCERRDAS AS BUSCAS”. 238 “Uma outra modificação importante na postura estratégica da União Soviética, depois de 1961, foi relacionada com a Marinha de Guerra, que passou a operar em mares cada vez mais distantes; a primeira manobra naval soviética nas águas do mar do Norte face à Noruega realizou-se em 1961; essa manobra tem sido repetida todos os anos” LAVÈNERE-WANDERLEY, N. F. Doutrina militar soviética. In: Leituras de Política Internacional: a nova ordem internacional. Brasília: Universidade de Brasília, 1982 (Cadernos da UnB). Bem, no que toca a doutrina militar soviética, a ação de vasos de guerra em águas tão distantes parece não compatível com a postura da marinha soviética naquele período, o que me leva a supor que os submarinos misteriosos poderiam ser, na realidade, da Marinha norte-americana. 239 Por ano, estão assim distribuídos: 2 (ou 4% do somatório geral) em 1956 (1 “tremor de terra” e 1 “estrondo”); 11 (ou 23% do somatório geral) em 1957 (todos “objetos luminosos”); 24 (ou 50% do somatório geral) em 1958 (20 “objetos luminosos”, 3 “estrondos” e 1 “clarão”) e 11 (ou 23% do somatório geral) em 1959 (8 “objetos luminosos”, 2 “tremores de terra” e 1 “estrondo”).

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Para que se possa ter uma idéia da distribuição espacial e geográfica

dos episódios (“objetos luminosos”, “clarões” etc) apresento um mapa em que a

quantidade de eventos por município é mostrada. Vale notar que há uma

concentração de episódios no primeiro quadrante do mapa, na região noroeste

do estado. Apesar da região do Sertão Central do estado ser “pobre” em

relatos de episódios da natureza que investigo aqui, é exatamente desta região

que virá o episódio mais interessante, de maior repercussão e que

desencadeou mais desdobramentos, seja do ponto de vista de fomentar, na

imprensa de Fortaleza (através da imprensa carioca), mais notícias vinculando-

o aos testes nucleares, seja do ponto de vista da construção de um imaginário

dos fenômenos inexplicáveis racionalmente e, por isto, atribuídos à dimensão

do fantástico. Acredito, no entanto, que a recorrência dos fenômenos em

diferentes lugares, criou uma ambiência e a sensação de generalização, que

fortaleceu e fez repercutir com mais força o episódio ocorrido em Quixadá

(quando da sua associação a de um teste nuclear clandestino, em 1959).

Ou seja, com 50% do total, 1958 foi decididamente um ano marcante para episódios daquela natureza. Por ano / mês, estão assim distribuídos: 1956, 2 em agosto (1 “tremor de terra” e 1 “estrondo”); 1957, 11 em novembro (todos “objetos luminosos”); 1958, 3 em janeiro (2 “estrondos” e 1 “clarão”) , 1 em fevereiro (1 “objeto luminoso”), 2 em março (2 “objetos luminosos”), 1 em abril (1 “objeto luminoso”), 9 em julho (8 “objetos luminosos” e 1 “estrondo”), 1 em agosto (1 “objeto luminoso”), 6 em outubro (todos “objetos luminosos”) e 1 em novembro (1 “objeto luminoso”); e em 1959, 3 em janeiro (2 “tremores de terra” e 1 “estrondo”), 1 em junho (1 “objeto luminoso”) e 7 em julho (todos “objetos luminosos”).

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Um dos aspectos que gostaria de ressaltar por ter me parecido mais

revelador foi a distribuição no tempo dos acontecimentos que encontrei no

jornal. Eles eram raros em 1956, se intensificaram em fins de 1957, atingiram o

pico em 1958 e começaram a rarear e declinar em 1959: se voltarmos ao

gráfico “Número de Eventos Totais” exibido anteriormente ficará claro o surto

de aparições a partir de novembro de 1957. E mais ainda: o aparecimento de

“objetos luminosos” é, de longe, o evento mais freqüente. Lembrando que o

primeiro satélite artificial soviético foi lançado em outubro de 1957, parecer-me-

ia claro encontrar nas matérias dos jornais referências ao Sputnik. Igualmente

seria esperado encontrar explicações que descambassem para os discos

voadores, uma vez que a aparição destes no mundo inteiro experimentou um

pico em 1958 (ver gráfico “Total de Avistamentos de OVNI’s e OVI’s”, no

Primeiro Capítulo).

Discos voadores e satélites artificiais eram evocados o tempo todo pelos

correspondentes e jornalistas do interior do estado para oferecer ao leitor uma

explicação razoável para o que ocorria e que ninguém parecia explicar

satisfatoriamente. Mas, ao estabelecer esta escolha no leque de possibilidades,

os jornais emudeceram as opiniões dos sertanejos que efetivamente avistaram

aqueles “objetos luminosos”, “clarões” etc. Raríssimas foram as vezes em que

se deu ouvidos ao que eles tinham a dizer. Os jornais funcionavam como um

“poder” efetivo no “domínio da produção e manipulação dos imaginários

sociais” 240, à medida que repercutiam, quase sempre, as mesmas explicações

que a ciência oferecia (no caso, a dos satélites artificiais).

“os meios de comunicação de massa garantem a um único emissor a possibilidade de atingir simultaneamente uma audiência enorme” amplificando “extraordinariamente as funções performativas dos discursos difundidos e, notadamente, dos imaginários sociais que eles veiculam”, e eles “não se limitam a aumentar o fluxo de informação; modelam também as suas características” 241.

240 BACZKO, Bronislaw. Op. Cit., p.308. 241 BACZKO, Bronislaw. Op. Cit., p.313.

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Ambos, ciência e imprensa, “pareciam condicionar e manipular as

massas, bloqueando a produção e renovação espontâneas dos imaginários

sociais” 242. Se “todas as épocas tem as suas modalidades específicas de

imaginar, reproduzir e renovar o imaginário, assim como possuem modalidades

específicas de acreditar, sentir e pensar” 243, acredito que os sertanejos tenham

elegido “modalidades específicas” para expressar suas opiniões sobre o que

ocorria ao seu redor, “mas o dispositivo imaginário suscita a adesão a um

sistema de valores e intervém eficazmente nos processos da sua interiorização

pelos indivíduos, modelando os comportamentos, capturando as energias e,

em caso de necessidade, arrastando os indivíduos para uma acção comum” 244. Infelizmente a envergadura desta pesquisa não alcançou os instrumentos

em que tais opiniões poderiam se materializar (afastando-se da “acção comum”

que os jornais repercutiam): literatura de cordel, canções, ditos populares,

dentre outros.

~~0~~

Para muitos dos episódios que selecionei (do jornal O Povo) foram

buscadas, pelos correspondentes e algumas testemunhas, explicações para o

que acontecia. O primeiro satélite artificial, o Sputnik, pareceu, em várias das

matérias do jornal, uma explicação razoável e o mesmo aconteceu com os

discos voadores. Se, por um lado, a explicação que os jornais repercutiam (e

que perpassava os “famosos Sputniks” 245) oferecia aos leitores uma visão

arrazoada (baseada em uma conquista científica recente) para os episódios

inusitados que pululavam em vários municípios do estado, por outro lado,

explicá-los evocando os discos voadores implicou em recorrer à tentativa de

compreender algo (que não se entendia completamente) a partir de uma outra

igualmente ininteligível. Apesar da existência de referências muito antigas aos

discos voadores e a outros objetos estranhos nos céus, o fenômeno dos discos

voadores começou a encontrar eco na imprensa e na imaginação das pessoas

242 BACZKO, Bronislaw. Op. Cit., p.308. 243 BACZKO, Bronislaw. Op. Cit., p.309. 244 BACZKO, Bronislaw. Op. Cit., p.311. 245 Jornal O Povo, Fortaleza, 29 de novembro de 1957, “VIU OBJETO VOADOR MAS NÃO QUER IDENTIFICAR-SE”.

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um tanto recentemente. A palavra OVNI (“Objeto Voador Não-Identificado”,

como são conhecidos tecnicamente os discos voadores), para descrever o

conjunto de objetos que apareciam nos céus sem uma aparente explicação

racional, foi cunhada em meados do século passado.

“Como fenômeno moderno, os relatos de óvnis (...) tiveram início em 1947 com a visão, actualmente clássica, presenciada por Kenneth Arnold nas proximidades do monte Rainier, no estado de Washington” 246.

Quando, em 1957, um dos “objetos luminosos” singrou os céus do

município de Ubajara, o correspondente Hemetério Perreira relatou que

algumas pessoas da cidade julgavam “que se tratava de um disco-voador ou

do Sputnik” 247. No município de Caucaia, um cidadão que avistou um “objeto

voador”, mas não quis identificar-se, recorreu, inicialmente, ao Sputnik, porém,

em seguida, abandonou esta hipótese e abraçou a tese de tratar-se de “um dos

misteriosos discos-voadores” 248. Aqui, mais uma vez, a testemunha se

aproximou dos satélites (“a princípio, pensei tratar-se de um dos famosos

Sputniks”) e dos discos voadores (”Entretanto, depois conclui ser um dos

misteriosos discos-voadores”), refutando categoricamente, apenas, a

explicação para o fenômeno como sendo a de algo natural (“Quero adiantar

que não se tratava de aerólito 249”).

As referências nos jornais aos discos voadores foram se avolumando à

medida que os fenômenos apareciam nos céus do estado, e isto ocorria, como

vimos, não apenas no Ceará, mas no Brasil e no mundo. Ao noticiar o

aparecimento nos céus de mais um “objeto luminoso”, os jornalistas

começaram a relatá-los como “mais uma notícia de discos-voadores avistados

no estado do Ceará, dentre outras por nós divulgadas em edições anteriores”

246 Fronteiras do desconhecido, Lisboa: Seleções do Reader’s Digest, 1983, p.308. 247 Jornal O Povo, Fortaleza, 27 de novembro de 1957. 248 Jornal O Povo, Fortaleza, 29 de novembro de 1957. 249 Aerólito: o mesmo que meteorito (“Corpo metálico ou rochoso que, vindo do espaço cósmico, cai na superfície da Terra”, segundo Dicionário Aurélio Escolar da Língua Portuguesa). Na realidade, o que a testemunha avistou foi um meteoro, e não um meteorito. Meteoro é “Qualquer fenômeno que ocorre na atmosfera terrestre”. Assim, meteorito é o fragmento vindo do espaço (e não há relato de ter sido encontrado nenhum objeto), enquanto meteoro é o fenômeno, o efeito produzido por um meteorito ao se consumir durante a sua entrada na atmosfera.

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250, acentuando o tom comum e recorrente dos acontecimentos. E o

lançamento, em novembro de 1957, do Sputnik II imprimiu mais força ao

argumento daqueles que buscavam entender o que se passava nos céus

recorrendo aos satélites artificiais. A observação de alguns “objetos luminosos”

em Fortaleza, “há mais de 20 dias”, fez com que eles fossem explicados como

sendo “o segundo satélite russo ou um disco voador” 251. E ampliando a

envergadura das explicações, o jornal consultou o Serviço de Meteorologia,

cuja Diretoria informou nada saber a respeito do “objeto”: a procura ao Serviço

deve ter sido incentivado pelo fato de ter sido definido aquele ano como o “Ano

Geofísico Internacional” (A.G.I.), em que vários experimentos no mar, na

atmosfera e em terra seriam realizados no mundo inteiro (e em muitos destes

experimentos eram realizados com o auxílio de foguetes e balões).

“Cientistas de todo o mundo estão agora propondo planos para um estudo em conjunto de nosso planeta que se iniciará daqui a três anos. De agosto de 1957 a dezembro de 1958, observadores em vários pontos do globo farão observações coordenadas dos continentes, dos oceanos, da atmosfera, do Sol e das estrelas. Este ‘Ano Geofísico Internacional’ será o terceiro programa desta natureza. Em 1882, e mais uma vez em 1932, os cientistas cooperaram com os ‘Anos Polares’ que enfatizaram a pesquisa da região ártica” 252.

A propósito, o estado do Ceará estava, de uma certa forma, inserido e

envolvido no A.G.I., uma vez que a “Estação local” de Iguatu, do Serviço de

Meteorologia, colaboraria no resgate de rádio-sondas (lançadas por balões e

foguetes), que deveriam ser entregues ao Sr. Joel Teixeira, caso fossem

achados aqueles “aparelhamentos”. “Como se sabe serão efetuadas

explorações nas altas camadas atmosféricas no território nacional, através das

estações meteorológicas situadas em São Paulo (...), Fernando Noronha e que

250 Jornal O Povo, Fortaleza, 20 de outubro de 1958, “OBJETO LUMINOSO VISTO EM TAUÁ E CAMPOS SALES”. 251 Jornal Gazeta de Notícias, Fortaleza, 28 de novembro de 1957, “SATÉLITE OU DISCO VOADOR?”. 252 “Scientists all over the world are now laying plans for a concerted study of our planet which will begin three years hence. From August, 1957, to December, 1958, observers at various points of the globe will be making coordinated observations of the continents, the oceans, the atmosphere, and the sun and stars. This International Geophysical Year will be the third such program. In 1882 and again in 1932 scientists cooperated in ‘Polar Years’ which emphasized artic research”. Revista Scientific American, Nova Iorque, abril de 1954, p.45.

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serão efetuadas por intermédio de rádio-sondas” 253. E Iguatu foi efusivamente

visitado por “objetos luminosos” em 1958 e 1959: seriam então os “objetos

misteriosos” simplesmente equipamentos científicos enviados à atmosfera por

foguetes e balões, como havia sugerido o Dr. Donald H. Menzel (na revista

Time, em 1952)? Agrega-se, assim, mais uma possibilidade de explicação para

o estranho e bizarro “que vem atraindo a curiosidade pública”.

Alguns correspondentes expressavam claramente a sua opinião sobre

os “objetos” e “globos” luminosos (que teimavam em aparecer nos céus do

estado). E em alguns casos, dentre as explicações oferecidas por eles,

ocorreram algumas referências frontais aos “objetos” como “discos voadores”.

Foi o caso do correspondente J. de Figueiredo Filho, do Crato, que teceu

comentários interessantes sobre a visita de tais “discos” àquele município.

Disse ele:

Nestes últimos anos, muito se tem falado a respeito de discos voadores ou outros fenômenos desconhecidos, que surgem, de quando em quando, nos céus convulsionados de hoje. Serão obras do engenho humano, da América ou da Rússia, agora atacados pela obsessão da guerra? Tratar-se-á de manifestações meteorológicas? (...)” “A princípio todos pensávamos ser apenas sensacionalismo da imprensa. Eram casos denunciados por pessoas isoladas (...) Depois já foram grupos de gente, em maior proporção que começavam a denunciar o fenômeno. Do lado de lá do Atlântico, passaram eles a visitar, sem cerimônia, a nossa própria casa. Avistam-nos no Rio, Paraná, Rio Grande do Sul e agora estão voando sobre o Ceará”254.

Há pelo menos três aspectos levantados pelo correspondente e que

foram, de uma forma ou de outra, tratadas ao longo desta Dissertação.

Primeiro, o correspondente ressaltou a recorrência dos assim chamados

“discos voadores” (e “outros fenômenos desconhecidos”) naquele período (em

fins da década de 1950). E ao falar dos “céus convulsionados de hoje”, se

refere, muito apropriadamente, aos satélites artificiais que há um ano

começaram a congestionar os céus, assim como o recrudescimento das

253 Jornal O Povo, Fortaleza, 17 de agosto de 1957, “IGUATU COLABORA NO AGI”. Quando foi revelado, em março de 1959, a realização de testes nucleares clandestinos no Atlântico Sul (a Operação Argus, como veremos), foi dito que as explosões desta Operação foram “(...) uma das maiores realizações do Ano Geofísico Internacional (AGI)”. Jornal O Povo, Fortaleza, 11 de abril de 1959, “MARCO CIENTÍFICO O PROJETO ARGUS”. 254 Jornal O Povo, Fortaleza, 5 de novembro de 1958, “DISCOS VOADORES VISTOS NO SOPÉ DA CHAPADA DO ARARIPE”.

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atividades do Cabo Canaveral que efetivamente intensificaram o tráfego de

foguetes e mísseis (muitos experimentais) no Atlântico Sul.

Segundo, ele questionou a origem e o motivo da recorrência deles

(“Serão obras do engenho humano (...)?”) e apontou como responsáveis as

superpotências (“atacados pela obsessão da guerra”). Sugeriu, ainda, que eles

fossem “manifestações meteorológicas”, argumento amplamente utilizado, no

período, para explicá-los (e que foi, como vimos, motivo de uma matéria na

revista Time 255). E ao apontar a “obsessão da guerra” como catalisador dos

episódios nos remete, de imediato, a toda a Pesquisa e Desenvolvimento (P &

D) na área bélica que se desenvolveu assustadoramente no pós-guerra e que

se estendia a todos os aspectos da vida cotidiana 256. O que pode ter

acontecido, portanto, é que recebíamos aqui a visita, por meio de “objetos

luminosos”, do reverberar da disputa bipolar entre as superpotências

(consubstanciada na Corrida Espacial) em seu afã por engenhos teleguiados

mais rápidos, modernos e sofisticados.

Terceiro, o correspondente salientou que tais fenômenos e episódios

(apesar de amplamente divulgados e visto no mundo inteiro) pareciam, no

início, isolados (“Eram casos denunciados por pessoas isoladas”). A coisa toda

foi então se avolumando, de modo que, “sem cerimônia”, os “discos voadores”

começaram a voar em “nossa própria casa” e “agora estão voando sobre o

Ceará”. Aqui me parece compreensível que o correspondente tenha

superestimado a importância dos episódios uma vez que agora eles “estão

voando sobre o Ceará”, mas seria importante também lembrar que eles

estavam aparecendo sobre os céus do estado há quase um ano (desde

novembro de 1957). Assim, ao que tudo indica, para o correspondente, os

discos voadores adquiriram uma maior importância, uma vez que agora já não

255 Uma matéria da revista Time, de 9 de junho de 1952, pág. 44-46, trouxe a “Explicação de um astrônomo” (“An Astronomer’s Explanation”) para “Aqueles Discos Voadores” (“THOSE FLYING SAUCERS”). Nela, como vimos, o dr. Donald H. Menzel apresenta uma série de possibilidades para o que seriam os “discos” como, por exemplo, miragens decorrentes de perturbações atmosféricas. 256 Há um sem número de leituras que poderia sugerir sobre este aspecto da vida cotidiana (que se relaciona com a Corrida Espacial e Armamentista). Porém, correria o risco de deixar algum “clássico” de fora, além de sugerir literatura em língua estrangeira nem sempre de fácil acesso. Por este motivo (para dirimir o problema da acessibilidade), sugiro um site na Internet (http://www.pbs.org/wgbh/amex/bomb/filmmore/ reference/ interview/index.html) que apresenta entrevistas com vários historiadores (ver Laura McEnaney) sobre aspectos relacionados a Guerra Fria e a vida cotidiana dos norte-americanos.

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estão mais aparecendo para os “outros”, e sim para os moradores (como ele)

do “SOPÉ DA CHAPADA DO ARARIPE”.

E um pouco mais adiante em seu relato sobre os “discos voadores”, o

correspondente J. de Figueiredo Filho citou o nome de supostas testemunhas

dos episódios 257. Porém, enquanto os outros correspondentes, como veremos,

normalmente recorrem a depoimentos de pessoas ilustres que emprestam

força e confiabilidade as suas matérias, o correspondente do Crato repassou

informações da aparição vindas dos mais inusitados e inesperados depoentes.

Inicialmente, ele foi procurado por “um trabalhador chamado Vicente, com mais

alguns meninos”, que o informou da passagem de um “globo luminoso”, um

“pouco depois das 18h” (“após o jantar”). E dois dias após a passagem do

objeto, “o encarregado da vacaria, chamou-nos para dizer que acabava de

passar (...) [de novo] o globo luminoso”. E freiras da Casa de Repouso Santa

Teresinha (situada “nas vizinhanças” da propriedade do correspondente)

confirmaram-lhe a passagem do “globo”.

No entanto, os “objetos luminosos” encontraram-se, por um período que

foi de novembro de 1958 a junho de 1959, desaparecidos da imprensa local e

isto suscitou novas e mais surpreendentes explicações. O jornal Folha da

Manhã publicou uma matéria que deu conta do desaparecimento dos discos

voadores: “Aparecem menos discos-voadores que antes, e os psiquiatras

norte-americanos pensam que talvez os tais discos estejam passando da

moda” 258. Um destes psiquiatras, o Dr. Addison M. Duval, subdiretor do

Hospital Santa Isabel, de Washington, disse “que ver coisas que não existem é

o produto da ansiedade gerada pelo medo ao desconhecido”. E tranqüilizou:

“Naturalmente, nem todos os que vêem o que a Força Aérea chama objetos

voadores desconhecidos, estão mentalmente enfermos”, mas “algumas

pessoas que vêem tais coisas padecem de ilusões ou alucinações”. O jornal

apresentou dados da Força Aérea norte-americana (U.S.A.F) que apontaram

para uma diminuição no avistamento dos discos voadores em 1958, uma vez

que “A maioria dessas visões foram identificadas, posteriormente, em forma de

coisas reais: aviões, globos, estrelas, planetas e até satélites terrestres”. E, ao

257 Jornal O Povo, Fortaleza, 5 de novembro de 1958. 258 Jornal Folha da Manhã, Rio de Janeiro, 28 de janeiro de 1959, “OS DISCOS-VOADORES PASSAM DA MODA, DIZEM PSIQUIATRAS” Exemplar disponível no http://www1.folha.uol.com.br/folha/almanaque/ciencia_31jul1959.htm

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final, o Dr. Duval “disse que devíamos haver prognosticado a mania dos discos

voadores, porque quando algo cativasse o interesse geral, o normal é que se

produzam ilusões nos enfermos mentais”! Estariam as diversas pessoas que

avistaram os “objetos e globos luminosos” simplesmente cativados pelo

“interesse geral” por satélites e discos voadores naquele período em que “tudo

se torna possível”? Seriam os avistamentos, portanto, sintomas de uma

enfermidade mental coletiva?

Outros episódios igualmente inusitados ocorriam no Ceará e eram

motivos de matérias nos jornais locais. Em Santana do Acaraú, o

correspondente Lycio Soares, remeteu ao jornal uma matéria que relatou um

“tremor de terra”. A matéria começou lembrando um tremor semelhante

ocorrido “na Serra da Ibiapaba, no mês passado” 259. O tremor, ocorrido “por

dois dias consecutivos”, foi tão intenso “que se refletiu nas casas residenciais,

afastando o telhado e derrubando móveis”. E um estrondo em Santana do

Acaraú, “vindo de um serrote das imediações”, causou forte impacto à

população que “despertou sobressaltado”. Não foi apresentada nenhuma

explicação para os “estrondos” e “tremores de terra”. Foi apenas na primeira

matéria que encontrei sobre “tremores de terra”, de 10 de setembro de 1956,

que foi dada uma explicação para os “estrondos” e “tremores”. Segundo a

matéria, na cidade de Perreiro, ocorreu um “tremor de terra” por volta das 23h

do dia 30 de agosto de 1956. O correspondente Wilson Cruz Cavalcante

afirmou que “Trata-se de um fato verídico (...) acontecido nas proximidades do

sítio denominado ‘Frade’” 260. Os “tremores” na região parecem ser um

fenômeno recorrente, tanto que “comenta-se muito nesta cidade que, nos idos

de 1930, eram freqüentes tais ocorrências”. Da mesma maneira que nos

outros episódios, a população do município foi surpreendida pelo “tremor”: “O

tilintar de louças sobre mesas meteu medo em muita ‘gente [de] bem’ da

cidade”. E ao final da matéria foi dada uma explicação para o que teria causado

os abalos e “estrondos”: há muito enxofre e salitre na região e a existência

destes dois elementos juntos explicaria tudo. O correspondente conversou com

259 Jornal O Povo, Fortaleza, 16 de janeiro de 1959. “TREMOR DE TERRA EM SANTANA DO ACARAÚ”. Não encontrei, porém, nenhuma matéria no jornal que desse conta de um tremor de terra na Serra da Ibiapaba. 260 Jornal O Povo, Fortaleza, 10 de setembro de 1956, “TREMOR DE TERRA EM PERREIRO” “GRANDE ESTRONDO PRECEDEU O ABALO”.

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o sr. Hildebrando Maia, “proprietário local”, que informou “que anos atrás

residia na região um cidadão que não comprava salitre nem enxofre para o

fabrico de fogos, bombas, etc”. Assim a explicação pareceu óbvia e clara: “É de

se crer que os estrondos sejam produzidos pela combustão de tais

inflamáveis”. Diversamente do outros episódios (“objetos luminosos” e

“estrondos”), o entendimento para os “tremores de terra” não foi buscado nos

avanços da ciência e da técnica, uma vez que a recorrência deles, “nos idos de

1930”, habilitou o correspondente e as testemunhas a falar deles como algo

“freqüente” naquela região, cuja explicação, apesar de complexa (enxofre +

salitre = tremor de terra), pareceria mais inteligível do que a que recorresse a

satélites e discos voadores.

~~0~~

Como acabei de demonstrar, os episódios relativos a “objetos

luminosos” (apesar de representarem a grande maioria do total de eventos

inusitados) foram acompanhados de outros acontecimentos de natureza

diversa, como os “tremores de terra”, por exemplo. No entanto, “estrondos” e

“clarões” também marcaram sua passagem pelo estado do Ceará naquele

momento. No começo de 1958, no Ipu, um “formidável estrondo” foi ouvido e,

em Marco, uma “luz misteriosa” que “rasgou os céus” surpreendeu aqueles que

presenciaram ou que dele tomaram conhecimento.

O correspondente F. Martins Pinho (do jornal O Povo na cidade de Ipu)

deu conta da ocorrência de um “formidável estrondo” naquela cidade 261. O

estrondo ocorreu por volta do meio dia e foi ouvido com maior intensidade no

“sertão de Ipu” (“devido a calma e surpresa dos habitantes”). Ao contrário dos

fenômenos siderais ou empíreos, não foi buscada nenhuma explicação (pelo

menos não consta do jornal nenhuma) nos discos voadores ou no Sputnik.

Para finalizar, o correspondente informou que “O fato continua causando

estranhea [sic; estranheza] neste município cujo povo anda a procura de uma

explicação para o fenômeno”. De fato, a atipicidade do fenômeno instigava as

261 Jornal O Povo, Fortaleza, 16 de janeiro de 1958, “ASSOMBRADO O POVO DE IPU COM FORMIDÁVEL ESTRONDO”.

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pessoas a buscarem explicá-lo de algum modo. Na falta de uma explicação

que pudesse ser colhida ali, no calor dos acontecimentos mundiais, o

correspondente se apropriou do testemunho das “mulheres que colhiam oiticica

no sítio ‘Macaco’” (sem, porém, citar o nome de nenhuma delas), que

sinalizaram “ter chegado o fim do mundo”. Explicações escatológicas deviam

ser comuns em casos desta natureza (assim como nos de “objetos luminosos”),

mas parece que os correspondentes se afastam delas, aproximando-se apenas

quando nenhuma outra “melhor” poderia ser oferecida (normalmente discos

voadores e o Sputnik). O estrondo fora ouvido também em Crateús e “Muitos

sertanejos vieram hoje a cidade [oriundos do “sertão de Ipu”], interessados em

saber algumas notícias a respeito”. Percebe-se, portanto, o forte impacto

causado pelo estrondo nos sertanejos e a ânsia deles por uma explicação. As

“mulheres que colhiam oiticica” nos fornecem um indício de que as pessoas se

apropriavam dos acontecimentos inusitados a sua maneira, que havia polifonia

nos discursos, e pluralidade e dissonância de explicações.

Já o correspondente José Alfredo Silva (do jornal O Povo na cidade de

Marco) noticiou o aparecimento de um “clarão” que “rasgou os céus” 262. Logo

no início de sua matéria o correspondente deixou claro que “aparecem as

opiniões, as hipóteses” daqueles “mais entendidos ou, pelo menos mais

credenciados a opinar, baseados em simples leitura de revistas e jornais”. Aqui,

aflora, pela primeira vez, um excelente indício de onde os “mais entendidos”

buscavam substratos para suas explicações: na “simples leitura de revistas e

jornais”. Ora, se, para tanto, era lá que se ancoravam no momento de formular

suas hipóteses, parece-me compreensível que a todo o momento (em outros

episódios) se referissem a discos voadores e satélites artificiais, uma vez que

os jornais da época (notadamente O Povo, em que pesquisei) repercutiam

cotidianamente os avanços da ciência e da técnica que galgavam a passos

largos.

Acredito que aquela ambiência era favorável a que as pessoas

levantassem um sem-número de questionamentos: se podemos passear no

espaço sideral com os Sputnik e os foguetes teleguiados (“provocando uma

262 Jornal O Povo, Fortaleza, 30 de janeiro de 1958, “UM CLARÃO RASGOU OS CÉUS DA CIDADE” “COINCIDEM AS DESCRIÇÕES SOBRE A LUZ MISTERIOSA – HIPÓTESE SOBRE O ESTRANHO FENÔMENO SIDERAL – TESTEMUNHAS EM PÂNICO”.

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barulheira danada lá pelo infinito”), não estaríamos nós do planeta Terra,

portanto, sendo visitados por seres do espaço exterior com tecnologia superior

à nossa? Devido a atipicidade do acontecimento (um “clarão”), a opinião dos

“mais entendidos” e daqueles que “testemunharam [o] estranho fenômeno

sideral” acabou por desembocar nos “mais desencontrados comentários”:

infelizmente o correspondente não traz nenhuma explicação (dele ou das

testemunhas) para o clarão. A exemplo dos outros episódios, o correspondente

arrolou testemunhas com o intuito de imprimir força a seu relato. Inicialmente

diz “ser limitado o número de testemunhas”, pois o “clarão que rasgou os céus

da cidade” ocorreu em um horário (22h) quando “a maior parte da cidade já

dormia”. E citou os nomes: Manuel Aristeu Silva, Sebastião Helvécio Silveira,

Manuel Alves Rios e João Batista Vasconcelos (vulgo João Capoeiro). E no afã

de garantir a veracidade do depoimento daqueles que presenciaram a “luz

misteriosa”, atestou que são “todos considerados homens que não mentem”.

Segundo declararam, “viram um enorme clarão avermelhado que surgiu

bruscamente no horizonte, para as bandas do sul”. Definitivamente o

espetáculo deve ter sido maravilhoso para aqueles que afortunadamente o

presenciaram, pois se falou em algo “muito rápido, de curta duração, mas de

uma intensidade quase ofuscante, que chegou a clarear o chão, como no

lusco-fusco [a hora do crepúsculo vespertino ou matutino]”. Uma vez que o

jornal não voltou mais a falar do “clarão” em suas edições posteriores, acredito

que pouco a pouco a história foi esvaecendo das rodas de conversa na cidade.

Que explicações afloraram da mente dos sertanejos para explicar a “luz

misteriosa”? Enfim, como o acontecimento foi ruminado ao longo das semanas

e meses seguintes?

A aparição dos diversos episódios nem sempre se deu da mesma forma.

Em muitos dos avistamentos de “objetos luminosos” eles simplesmente corriam

pelos céus do município sem produzir nenhum ruído e apareciam

isoladamente. Porém, em outros momentos, os “objetos luminosos” trouxeram

consigo características e configurações que ainda não tinham aparecido em

outros episódios até agora: primeiro, eles apareceram em grupos de três ou

quatro; segundo, foi feita a imediata associação dos “objetos” com aviões a jato

da Base Aérea de Fortaleza (B.A.F.); e terceiro, as referências diretas a “discos

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voadores” se tornaram mais freqüentes e apareceram em mais da metade das

matérias.

E uma destas aparições ocorreu no município de Iguatu e,

surpreendentemente, o “corpo estranho (...) girava tal e qual um imenso prato

luminoso” e “demorou-se por dois segundos como se desejasse fotografar o

infinito” 263. A “demora” do “objeto” não foi observada por nenhum outro

correspondente em outras matérias, uma vez que os mesmos apenas

singravam nos céus, sem interrupção. Talvez por este motivo o correspondente

Júlio Braga ventilasse a hipótese de “disco voador”, apesar de não acreditar

nela (“não queremos acreditar que fosse um disco, embora reconheçamos

tratar-se de algo empolgante e diferente”). E aqui também, pela primeira vez,

“este repórter viu o fenômeno com os próprios olhos, em companhia do

jornalista Antônio Nogueira e outros observadores”.

Curiosamente, em um dado momento, os “objetos luminosos”

começaram a aparecer em grupos de três ou quatro. Em uma destas

aparições, foram avistados três “objetos luminosos” nos céus dos municípios

de Ipu e Nova Russas 264. Os “objetos”, “tidos como discos voadores”, não

produziram ruído e apresentaram formação em “fila” (“um após o outro”). Em

uma outra aparição, os “discos” visitaram mais uma vez a “Princesa do Norte”

(o município de Sobral). Sem produzir ruído, vindos da Serra da Meruoca, “três

objetos luminosos” 265 passaram pelos céus do município. E no mesmo dia,

“quatro tochas luminosas do tamanho de uma bola de futebol” 266 cruzaram os

céus do município de Acaraú. Um grupo de pessoas que viajavam em um

caminhão de Madalena para Fortaleza avistaram, agora, “três objetos

fosforescentes”. Ao buscar uma explicação para o que aconteceu, a Redação

do jornal manteve contato com a B.A.F. (Base Aérea de Fortaleza) e foi

informada que “seguramente os objetos vislumbrados eram aviões a jato” uma

vez que os mesmos estavam em “evoluções nas zonas de onde nos chegaram

as notícias”. O fato do “objeto” não ter produzido nenhum ruído é explicado

263 Jornal O Povo, Fortaleza, 19 de junho de 1958, “IGUATU VÊ DE NOVO OBJETO LUMINOSO”. 264 Jornal O Povo, Fortaleza, 30 de julho de 1958, “OBJETOS LUMINOSOS CRUZARAM OS CÉUS DE IPU E NOVA RUSSAS”. 265 Jornal O Povo, Fortaleza, 31 de julho de 1958, “SOBRAL VÊ DISCOS”. 266 Jornal O Povo, Fortaleza, 31 de julho de 1958, “SERIAM JATOS OS OBJETOS VISTOS EM DIVERSOS PONTOS DO ESTADO”.

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pela “grande altura” em que se encontravam, e “a grande velocidade e as luzes

acesas” dos aviões criaram “a ilusão de uma bola movendo-se no espaço”.

Mas qual o motivo de se ventilar a hipótese de que aviões a jato seriam

as afamadas “tochas fosforescentes”? Há motivos para isto? Bem, a exemplo

dos satélites artificiais e dos discos voadores, os aviões a jato eram uma

inovação tecnológica relativamente recente no mundo e recém-chegada a

B.A.F. Nos jornais que pesquisei encontrei algumas referências à chegada dos

aviões a jato à Base. Em setembro de 1956 o jornal O Povo adiantou uma

notícia colhida “junto ao alto comando da unidade aeronáutica aqui

aquartelada” 267. A matéria então informou que “quatro aviões de treinamento”

seriam entregues “a partir de novembro vindouro” (1957). Os aviões, no

entanto, só chegariam a esta capital no início de 1958. Em 16 de janeiro de

1958 o jornal O Povo noticiou o “ato de incorporação” das aeronaves (do tipo F-

80) e informou que estariam “presentes altas patentes da Aeronáutica” 268. Os

aviões chegaram provenientes de Belém em vôo direto que durou “apenas

duas horas” e foram “comandados por oficias norte-americanos”. E no

Aeroporto do Cocorote, no Alto da Balança, “verificou-se cerimônia de entrega

dos caças a jato pelo presidente da Comissão Mista Brasil - Estados Unidos,

major-general Morris Nelson ao comandante da Base Aérea de Fortaleza,

coronel-aviador Otelo da Rocha Ferraz” 269. O jornal Gazeta de Noticias referiu-

se aos aviões como “novos e modernos” 270 e assim bem sintetizou o

sentimento de perplexidade diante da novidade que se instalou na Base. E a

chegada dos novos aviões a B.A.F. (e a outras unidades da Força Aérea

Brasileira) adquiriu um significado tão especial que o próprio Comandante da

Base (agora o Cel. Ovídio Gomes Pinto, em substituição ao Cel. Otelo da

Rocha Ferraz 271) foi pessoalmente aos Estados Unidos trazer quatro aviões a

jato.

267 Jornal O Povo, Fortaleza, 24 de setembro de 1956, “AVIÕES A JATO TERÃO BASE EM FORTALEZA”. 268 Jornal O Povo, Fortaleza, 16 de janeiro de 1958, “AVIÕES A JATO PARA A BASE DE FORTALEZA”. 269 Jornal O Povo, Fortaleza, 18 de janeiro de 1958, “CHEGARAM OS CAÇAS A JATO”. 270 Jornal Gazeta de Notícias, Fortaleza, 11 de janeiro de 1958, “TREZE AVIÕES A JATO AMANHÃ EM FORTALEZA”. 271 Jornal O Povo, Fortaleza, 24 de janeiro de 1958, “NOVO COMANDANTE DA BASE AÉREA DE FORTALEZA”.

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E há indícios de que a esquadrilha de aeronaves deste tipo, no Brasil, se

avolumava, uma vez que “os quatro referidos aviões são os restantes de uma

remessa de cinqüenta aviões comprados pelo Brasil aos Estados Unidos” 272.

Em maio de 1958, a B.A.F. já contava “com um total de 26 aviões” 273, que

seriam entregues a “aos oficiais aspirantes recém – saídos da Escola de

Formação de Pilotos da Aeronáutica e entrarão hoje em período de

treinamento”. E os pilotos destas aeronaves realizavam seus exercícios aéreos

no interior e “AO LONGO DA COSTA” (em aviões do tipo F-80 e T-23) do

estado 274, e após um determinado período de curso, participavam da

cerimônia de formação de pilotos na B.A.F. 275.

Em um outro conjunto de acontecimentos inusitados, a aparição em

grupos de três ou quatro “objetos” foi acompanhada de uma explicação que se

ancorou transversalmente nos disco voadores e nos aviões a jato. Em um

destes acontecimentos foi feita referência a passagem de “três objetos

luminosos, acompanhados de um outro” 276, que “Desenvolviam extrema

velocidade, não faziam ruídos e produziam reflexos”. A matéria (que se baseou

em carta enviada pelo “sr. Antônio Leite, residente em Uruoca”) nomeou os

objetos de “DISCOS” e não apontou uma explicação para o que seriam eles,

mas lembrou que os mesmo seguiam a “direção de aviões que fazem a linha

Camocim - Fortaleza”: linhas aéreas comerciais eram comuns naquele período 277 e é admissível que as pessoas se habituassem a passagem dos aviões

comercias (todos movidos a hélice) e fizessem comparações com episódios

aparentemente poucos comuns, como a de “tochas luminosas” e “objetos

fosforescentes”. Em um outro município, na parte norte do estado, foi avistado

“quatro ‘discos voadores’ que percorreram os céus do Ceará” 278. E aqui já foi

fornecida a explicação para os “discos voadores”: “Como sabem os leitores (...)

naquele dia, aviões a jato fizeram exercícios sobre quase todo o território

272 Jornal O Povo, Fortaleza, 20 de maio de 1958, “O CORONEL TRARÁ A ESQUADRILHA”. 273 Jornal O Povo, Fortaleza, 17 de maio de 1958, “MAIS 3 JATOS PARA A BASE”. 274 Jornal O Povo, Fortaleza, 22 de julho de 1959, “TRINTA AVIÕES A JATO EM MANOBRAS AO LONGO DA COSTA”. 275 Jornal O Povo, Fortaleza, 11 de abril de 1958, “ASAS PRATEADAS NOS CÉUS DO BRASIL”. 276 Jornal O Povo, Fortaleza, 1 de agosto de 1959, “CONTINUAM OS DISCOS”. 277 Outros municípios eram atendidos por linhas aéreas, como Quixadá, por exemplo, onde encontramos, no jornal O Povo de 20 de agosto de 1957, uma propaganda da Real Aerovias oferecendo vôos regulares para aquele município. 278 Jornal O Povo, Fortaleza, 4 de agosto de 1958, “GRANJA TAMBÉM VIU OS DISCOS”.

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cearense, a alta velocidade”. A passagem dos “quatro objetos luminosos”

parece ter surpreendido “toda a população da cidade [que] foi as ruas observar”

o fenômeno.

~~0~~

Em várias das matérias que selecionei do jornal O Povo pude perceber

que os correspondentes arrolavam algumas testemunhas para emprestar certa

fidedignidade aos seus relatos. Ocasionalmente, porém, como vimos 279,

algumas testemunhas optavam pelo anonimato: o que teria levado elas a esta

opção? Receio de ridicularização?

No entanto, em muitos casos, os correspondentes citavam os nomes

das testemunhas dos eventos que descreviam e, curiosamente, escolhiam elas

entre os membros mais eminentes do município em que ocorria o episódio. Em

um relato de um deles, na cidade do Ipu, o correspondente citou, “Além de

outras pessoas idôneas”, o candidato a prefeito do município o sr. Vicente

Belém Rocha como uma das pessoas que presenciaram a passagem do

“estranho corpo luminoso” 280. Não são apresentadas explicações para o

episódio e mais uma vez não aparecem as vozes dos sertanejos que muito

provavelmente se maravilharam com o espetáculo do “objeto luminoso”

singrando os céus do município. Em um dado momento em que os “objetos

luminosos” intensificaram sua passagem por Fortaleza e foram avistados “por

grande número de pessoas” 281 (principalmente nos bairros da Aldeota,

Joaquim Távora e Porangabussu), uma matéria do jornal Gazeta de Notícias

citou, como testemunha, uma “pessoa das mais conceituadas em nosso meio”,

o jornalista Luis Martins, que “tem observado o misterioso objeto esferoidal há

muitos dias”, em sua residência no Porangabussu. O correspondente Júlio

Braga, da cidade de Iguatu, escreveu algumas matérias que descreviam o

aparecimento nos céus daquele município (e em alguns outros municípios

279 Jornal O Povo, Fortaleza, 29 de novembro de 1957, “VIU OBJETO VOADOR MAS NÃO QUER IDENTIFICAR-SE”. 280 Jornal O Povo, Fortaleza, 10 de fevereiro de 1958, “OBJETO LUMINOSO EM IPU” “TINHA A FORMA DE UMA ESTRELA E DESENVOLVIA INCRÍVEL VELOCIDADE”. 281 Jornal Gazeta de Notícias, Fortaleza, 28 de novembro de 1957.

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vizinhos, como Jucás) de “objetos luminosos” 282. E em um deles,

provavelmente para imprimir força a seu relato sobre o “objeto, estranho,

luminoso”, o correspondente disse que o mesmo fora “observado por inúmeras

pessoas inclusive por jornalistas, sr. Antonio Nogueira, pelo padre Francisco

Couto e pela esposa do gerente do Banco do Brasil”. É sintomático que o

correspondente tenha escolhido, como testemunhas, um jornalista, um padre e

a “esposa do gerente”, enfim, pessoas que imprimiriam confiabilidade a seu

relato repassado ao jornal fortalezense.

E na cidade de Marco, o correspondente do jornal O Povo, José Alfredo

Silva, citou, como uma das pessoas que testemunharam o episódio, o “operário

conhecido por Benedito da Izabel Luiza” 283: pela primeira vez é escolhido o (e

feita referência direta ao) testemunho de uma pessoa aparentemente não tão

ilustre e notável como jornalistas, candidatos a prefeito e outros “homens que

não mentem”. Em alguns casos, apesar do correspondente citar o nome de

várias pessoas que avistaram o fenômeno (“MUITA GENTE VIU A BOLA

AVERMELHADA” 284), ele lembra que, mais adiante, dentre os que

“presenciaram o fato inesperado”, “as principais testemunhas [foram] os

familiares do comerciante Hardy Madeira”. O correspondente pareceu,

portanto, seduzido pela idéia de fornecer um testemunho mais crível para o que

relatou e isto é, comumente, buscado na fala das pessoas mais eminentes, ou

das “principais testemunhas”.

Assim, na maior parte das matérias selecionadas como bizarras e

inusitadas não foi possível colher a opinião das pessoas comuns que

igualmente avistavam os “objetos” e “clarões” e que, definitivamente, foram os

que efetivamente experimentaram e vivenciaram a passagem dos “objetos

luminosos” ou do lampejar de um “clarão”. Os correspondentes recorriam a

elas como testemunhas dos episódios, mas as suas opiniões apareciam

sempre de maneira muito limitada. No entanto, em muitos casos, os

correspondentes refletiram a opinião comum ou coletiva do assombro causado

pelo testemunho de episódios tão estranhos no município. Parece-me

282 Jornal O Povo, Fortaleza, 4 de março de 1958, “CORPO LUMINOSO VISTO EM IGUATU” e em 21 de março de 1958, “MAIS UMA VEZ, EM IGUATU, É VISTO O OBJETO LUMINOSO”. 283 Jornal O Povo, Fortaleza, 19 de agosto de 1958, “OBJETO LUMINOSO VISTO EM MARCO”. 284 Jornal O Povo, Fortaleza, 30 de abril de 1958, “OBJETO LUMINOSO VISTO EM SOBRAL!”

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perfeitamente compreensível o estranhamento diante de tais fenômenos, uma

vez que os progressos e avanços na ciência e técnica eram mostrados pela

imprensa, e algumas pessoas se ancoravam na “simples leitura de revistas e

jornais”, como vimos, para formar opiniões sobre o que acontecia. É possível

que as pessoas que tinham o acesso as “revistas e jornais” mantivessem uma

postura mais sóbria em relação aos episódios que não entendiam

completamente.

Por outro lado, o sertanejo e os moradores das áreas rurais dos

municípios, que comumente não tinham trânsito pela literatura científica

(mesmo que através dos jornais), seriam os que mais se surpreendiam com

“objetos” e “globos” vagando por sobre suas cabeças, o que levou o

correspondente a dizer, referindo-se a um “estrondo” na cidade de Ipu, que

“Muita gente ficou assombrada por não atinar com a causa do fenômeno” 285.

Em Aracati, a passagem de um “objeto luminoso” causou “pânico a população” 286, enquanto a observação de um outro “objeto” deixou o povoado de Gadelha

“em polvorosa” 287. Já na cidade de Marco, o correspondente lembrou que as

testemunhas ficaram “em verdadeiro pânico” ao avistarem um clarão que

“rasgou os céus da cidade” 288. Em muitos municípios a população ficou

“abismada” ao observar a passagem dos “objetos” e acredito que isto foi

reforçado pelas características físicas deles que, em muitos casos, foram

descritos como desenvolvendo “vertiginosa”, “grande” (as vezes “pequena”),

“bastante”, “regular” e “incrível” velocidade, “rasgando o espaço” 289 e sumindo

no horizonte. O que pude observar aqui, portanto, foi que os sertanejos, em

muitos casos, procuravam compreender os episódios inusitados afastando-se

das explicações científicas (que possivelmente não entendiam completamente),

aproximando-se daquelas mais ligadas aos sentidos e aos sentimentos, daí o

aflorar freqüente de deslumbramento e admiração.

285 Jornal O Povo, Fortaleza, 16 de janeiro de 1958, “ASSOMBRADO O POVO DE IPU COM FORMIDÁVEL ESTRONDO”. 286 Jornal O Povo, Fortaleza, 3 de dezembro de 1957, “OBJETO LUMINOSO VISTO EM ARACATI”. 287 Jornal O Povo, Fortaleza, 21 de julho de 1957, “VÁRIAS CIDADES DO INTERIOR VIRAM ESTRANHO OBJETO LUMINOSO NOS CÉUS”. 288 Jornal O Povo, Fortaleza, 30 de janeiro de 1958, “UM CLARÃO RASGOU OS CÉUS DA CIDADE” “COINCIDEM AS DESCRIÇÕES SOBRE A LUZ MISTERIOSA – HIPÓTESE SOBRE O ESTRANHO FENÔMENO SIDERAL – TESTEMUNHAS EM PÂNICO”. 289 Jornal O Povo, Fortaleza, 20 de outubro de 1958, “OBJETO LUMINOSO VISTO EM TAUÁ E CAMPO SALES”.

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Complementarmente, os “objetos” apresentavam “estranha

luminosidade” e em um caso espetacular um deles chegou a explodir “no meio

do céu”, “espalhando uma claridade esverdeada” 290 e talvez, por este motivo,

fossem em alguns casos descritos como “algo empolgante e diferente” 291. O

rosário de descrições passa por “objetos fosforescestes”, “tochas luminosas” de

“cor avermelhada”, espargindo “bonita luz verde azul ofuscante” (descrita

algumas vezes como “intensa”, “fixa”, “estranha de cor amarelo-laranja” ou “luz

entre vermelha e branca”), deixando uma “cauda azulada’ e que “fazia

evoluções lentas”, assim como deixavam um “rastro de luz” (as vezes a “luz

aumentava e diminuía”) que “devagarinho foi se encolhendo”!

Indubitavelmente, a combinação de tantas particularidades contribui para que

adquirissem um qualitativo que os aproximava do bizarro e do inusitado que

encontram solo fértil na imaginação e na mente das pessoas em momentos de

tensão, de ruptura e de comoção. Seriam as matérias jornalísticas que

encontrei ecos das incertezas daquele período presentes no âmago das

pessoas?

~~0~~

Bem, agora gostaria de fazer uma pausa e tecer alguns comentários

sobre uma matéria que se insere cronologicamente neste conjunto de matérias

que selecionei, mas que é de natureza diferente. E esta se explica pela

importância que esta matéria vão adquirir no Terceiro Capítulo, quando a

ambiência dele é construída a partir dela.

A matéria apareceu no jornal O Povo (assim como em outros jornais) do

dia 28 de julho de 1958, e intitulou-se “NADA SE SABE EM FORTALEZA

SOBRE A EXPLOSÃO DE TELEGUIADO EM QUIXADÁ”. Na classificação que

fiz, esta matéria se insere na classe de “estrondos”. Como vimos neste

Capítulo, há um outro episódio de “estrondo” (na realidade, são apenas 2 no

total) ocorrido na cidade do Ipu: não foi possível porém, estabelecer um

290 Jornal O Povo, Fortaleza, 22 de julho de 1958, “EM CHAVAL A BOLA DE FOGO EXPLODIU”. 291 Jornal O Povo, Fortaleza, 19 de junho de 1959, “IGUATU VÊ DE NOVO OBJETO LUMINOSO”.

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conectivo que permitisse derivar desta matéria outros elementos para análise.

Ao contrario, no entanto, a matéria sobre a explosão em Quixadá rendeu

elementos especulativos riquíssimos que foram explorados na época da

publicação (e principalmente a partir de abril de 1959) e que hodiernamente

geram controvérsia sobre uma provável explosão atômica no Nordeste (mais

precisamente na atual cidade de Madalena, como veremos no próximo

Capítulo).

A matéria noticia o que seria a “deflagração de dinamite em trabalho de

mineração”, apesar de no cabeçalho da matéria anunciar uma “EXPLOSÃO DE

TELEGUIADO”. No corpo da matéria foi dito que tal possibilidade é remota,

pois “Não há (...) qualquer indício capaz de comprovar esta assertiva”. E como

indício que afasta a tese da “explosão de teleguiado”, o jornal citou que “A

estação de teleguiados, em Fernando de Noronha, ainda não foi concluída”. A

associação do estrondo espetacular com foguetes teleguiados é feita graças a

construção recente na ilha de Fernando de Noronha da “estação de

teleguiados”, cuja finalidade seria o acompanhamento e rastreio da trajetória

dos mísseis e foguetes lançados de Cabo Canaveral, na Flórida. O início do

ano de 1957 foi marcado, como vimos no Primeiro Capítulo, pelo frisson gerado

pela liberação aos norte-americanos da ilha para a construção da estação. A

imprensa comunista (principalmente, O Democrata) deu ampla repercussão a

liberação da ilha e, de um certo modo, a polêmica se estendeu até o interior do

estado: abaixo-assinados foram recebidos do interior e algumas lideranças

locais se posicionaram favoravelmente a uma ação enérgica do governo

brasileiro (como foi visto há pouco).

Foi assim possível falar-se em teleguiado dado a proximidade do tema

na mídia escrita. O espetáculo da explosão per se causou “verdadeiro pânico

entre a população daquela cidade sertaneja”, característica comum a vários

outros episódios aqui relacionados: a seleção do bizarro que faço neste

trabalho se deve a assertivas desta natureza. Segundo ainda o jornal, a

“grande explosão”, que “se seguiu uma imensa coluna espessa de fumaça,

dando a impressão de que se tratava de uma ocorrência verificada no próprio

espaço”, foi “ouvida num raio de 60 quilômetros”. É absolutamente fantástica a

descrição que o jornal faz da “grande explosão”. No próximo Capítulo, quando

reunir a descrição de outros jornais, a minha inquietação recrudescerá dada a

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escala do episódio. Teria sido utilizada a cidade como sítio de um teste atômico

clandestino?

Gostaria de apresentar agora uma compilação que fiz dos dados obtidos

do jornal O Povo (relativos a “objetos luminosos”, “clarões”, “estrondos” e

“tremores de terra” e que chamei de “Eventos”) e aqueles obtidos, em

documentos oficias, dos testes nucleares conduzidos pelos norte-americanos

em fins da década de 1950. A seleção que fiz dos testes incluiu apenas

aqueles com potência maior ou igual a 1,7 kt: os testes com potência inferior

não foram selecionados, pois em sua maioria são “experimentos de segurança” 292, cuja potência deveria ser zero 293.

292 Ou “experimentos designados para confirmar que uma explosão nuclear não ocorreria em caso de uma detonação acidental do explosivo associado ao engenho”. Conf. United States Nuclear Tests: July 1945 through September 1992, p.181. 293 Além do mais, julguei que se alguma arma nuclear foi testada aqui no Serão Central, deveria se tratar de uma de baixa potência, uma vez que uma de potência superior poderia torná-la perceptível a população e causar assim uma repercussão indesejada para um teste supostamente planejado como clandestino (porém, se o teste tiver ocorrido no período diurno e nas altas camadas da atmosfera, poderia passar despercebido). As armas com esta potência eram chamadas de baby-bombs (bombas-bebê) e recebiam a designação técnica de W-25 (com potência aproximada de 2kt). Quando os Estados Unidos conduziram sua “única série de testes clandestinos”, escolheram o Atlântico Sul como sítio e as W-25 como engenhos (na Operação Argus, como veremos no Terceiro Capítulo). Estes engenhos são, segundo até onde pude levantar, os de menor potência que estavam sendo testados dentro do período analisado. É, portanto, por este motivo que selecionei, no conjunto dos testes realizados nos Estados Unidos entre 1957 e 1959, apenas aqueles com potência superior a 2kt. Vale ressaltar que nesse período ganha força o debate sobre o fallout radioativo (ou precipitação de entulho, poeira e qualquer outro material pulverizado após uma explosão nuclear, contaminado com radioatividade, e que subiu aos céus pelo efeito da explosão e se precipita alhures pela ação da gravidade e do vento) que atingiria as pessoas que moram nos estados na direção para onde os ventos sopram (conhecidos como downwinders) e que seriam atingidos, portanto, por ele: isso reforçaria a tese de conduzi-los clandestinamente em um outro lugar. Ver FRADKIN, Philip L. Fallout: an American nuclear tragedy. Boulder: Johnson Books, 2004.

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Percebe-se pelo gráfico que a suspensão de testes nucleares acima de

2kt nos Estados Unidos coincide com o aparecimento no estado do Ceará

daquele conjunto de acontecimentos genericamente denominados bizarros.

Seria este um indício que apontaria para aquela possibilidade “absolutamente

extraordinária (e terrível)”?

~~0~~

Até agora tenho apresentado a opinião dos correspondentes e

testemunhas que relatavam os episódios no calor do momento. Seria possível,

no entanto, encontrar a opinião de alguns jornalistas ou outros colaboradores

dos jornais sobre os “objetos luminosos” e discos voadores que tanto

apareciam no estado do Ceará, no Brasil e no mundo em fins da década de

1950? Não foram muitas as referências que encontrei a este respeito, mas

aquelas que afloraram dos jornais apresentam elementos interessantes a

serem analisados e inter-relacionados com outros aspectos daquele período.

Em fins da segunda metade do ano de 1957 experimentou-se um verdadeiro

surto de aparições de discos voadores, e os jornalistas emitiram suas opiniões

e entendimentos para o que ocorria e que inquietava os leitores (muito

certamente ávidos por uma explicação). E esta inquietude dos leitores dos

matutinos locais é depreendida do fato de que tais objetos (sejam eles

“luminosos” ou “voadores”) começaram a aparecer em nosso estado por volta

daquele mesmo período.

Em 7 de novembro de 1957, o jornalista Pádua Campos escreveu uma

matéria intitulada “DISCOS”, e lá nos revelou o seu entendimento para aquele

fenômeno. Segundo ele, vivíamos a “era dos discos voadores” e os satélites

artificiais (o Sputnik havia sido lançado a pouco, no dia 4 de outubro de 1957)

são um elemento que mostra a capacidade humana em progredir rapidamente

no campo técnico-científico: “O êxito registrado no funcionamento dos satélites

há pouco lançados indica que estamos às vésperas de podermos alcançar a

lua. É progresso como diabo, para quem a menos de cem anos desconhecia o

avião, o rádio” 294. E Pádua Campos sugeriu que o número elevado de

294 Jornal O Povo, Fortaleza, 7 de novembro de 1957, “DISCOS”.

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“pessoas que já os viram [os “discos voadores”]” faz com que não se possa

“por em dúvida a sua existência”. E atirou:

“Os discos não são o produto de fantasia ou de alucinação de visionários. Quando muito, poder-se-á admitir que eles não procedem de outros planetas e sim que são alguma coisa secreta de qualquer das potências da terra. Esta última hipótese, porém, é pouco aceitável. Tudo está a indicar que os discos vem mesmo de outro planeta cuja ciência esteja mais adiantada que a nossa” 295.

E um pouco mais adiante busca relacionar o progresso na “ciência

nuclear” advindo do perigo sempre constante de guerra de modo a explicar

aquele “progresso como diabo”.

Há um outro aspecto, porém, que gostaria de trazer à tona agora: foi

neste período que os testes com armas nucleares se intensificaram (ver gráfico

“Testes Nucleares Americanos de 1945 a 1992”, no Primeiro Capítulo) e que

começaram a surgir as primeiras ligações de tais testes com os crescentes

casos de câncer no mundo. Em matéria do jornal O Povo, de 15 de junho de

1956, foi citado um relatório do Conselho Britânico de Pesquisas Médicas em

que se deduz que o subproduto das explosões nucleares (o estrôncio-90)

“pode provocar câncer e outras enfermidades da célula” 296. E é dada

visibilidade a preocupação com esta enfermidade, aqui no Brasil, à medida que

o Ministério da Saúde 297 intensifica campanhas educativas 298 “sobre o mal” 299. No jornal O Povo foi publicada uma série de reportagens que buscam

esclarecer “O que todos devem saber sobre o câncer”; e na quinta reportagem

da série anuncia que “A CIÊNCIA VENCE CADA ANO UMA NOVA BATALHA

CONTRA O CÂNCER” 300. Foi neste período também que encontrei algumas

matérias que mostravam o início de obras de construção de alguns hospitais

específicos para o trato desta doença: é iniciada a construção do Hospital do

295 Jornal O Povo, Fortaleza, 7 de novembro de 1957. 296 Jornal O Povo, Fortaleza, 15 de junho de 1956, “OS EFEITOS DAS EXPLOSÕES ATÔMICAS SOBRE AS PESSOAS”. 297 Jornal O Povo, Fortaleza, 9 de maio de 1956, “O Ministério da Saúde, no início da campanha de 56: ‘DIAGNÓSTICO PRECOCE, A CHAVE DE CURA DO CÂNCER’” 298 Jornal O Povo, Fortaleza, 13 de maio de 1958, “EDUCAÇÃO SOBRE O CÂNCER EM CAMPANHA DE CARÁTER NACIONAL” 299 Jornal O Povo, Fortaleza, [??] maio de 1957, – “CÂNCER: INICIADA CAMPANHA EDUCATIVA SOBRE O MAL – FOTOGRAFIAS E LEGENDAS”. 300 Jornal O Povo, Fortaleza, 18 de julho de 1957.

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Câncer de Pernambuco no primeiro semestre de 1956 301, enquanto o de

Fortaleza tem suas “OBRAS PARALISADAS A FALTA DE VERBA” em

setembro de 1957 (“Há dois anos que se encontram paralisadas as obras de

construção do Hospital do Câncer em Porangabussu”), sendo reiniciadas em

novembro do mesmo ano. A justificativa para a construção do Hospital em

Fortaleza foi a de que “a incidência do câncer, neste estado, tem preocupado

os setores especializados no assunto” 302, declara o dr. Haroldo Juaçaba 303; o

que fez com que o Serviço Nacional do Câncer, “que reservou apreciável

parcela de dinheiro a esse fim destinada” 304, viabilizasse a construção em

Fortaleza do Hospital que “será (...) um dos mais modernos nosocômios do seu

gênero”. E no ano anterior ao da construção do Hospital em Fortaleza, em

visita ao Rio de Janeiro, “um dos mais famosos cancerologistas norte-

americanos, o dr. Ernest Ayre, diretor do Instituto do Câncer de Miami” 305,

esclareceu sobre o que há de mais moderno na pesquisa “sobre o mal”. Pádua

Campos, em sua matéria sobre “DISCOS”, revela o motivo pelo qual “um

flagelo como o câncer ainda está por ser dominado”. Disse ele: “Decerto,

porque não lhe emprestam a mesma importância que às coisas da guerra” 306.

E as armas nucleares trouxeram a radiação e a radioatividade para o campo

das “coisas da guerra”. E é provável que notícias como a de que “Um Surto de

Câncer Generalizado Estaria Vitimando Crianças” 307 em Fortaleza contribuíam,

na imaginação social, na disseminação de uma ambiência que coloca a

radiação e a radioatividade para bem próximo de nós. A matéria não informou o

autor da notícia de que o surto generalizado teria atingido as crianças: assim, O

301 Jornal O Povo, Fortaleza, 8 de março de 1956, “CONSTRUÇÃO DE UM HOSPITAL DO CANCER EM PERNAMBUCO”. 302 Jornal O Povo, Fortaleza, 14 de setembro de 1957, “PARALISADAS A FALTA DE VERBA AS OBRAS DO HOSPITAL DO CÂNCER” 303 Encontrei várias notas publicitárias no jornal onde o dr. Haroldo Juaçaba oferece seus serviços. No jornal O Povo, de 18 de setembro de 1957, por exemplo, aparece uma nota anunciando sua especialidade e local de especialização: “CIRURGIA DO CÂNCER - ESPECIALIZAÇÃO NOS ESTADOS UNIDOS”. Em outro reclame do dr. Juaçaba, de 12 de agosto de 1958, há referencia ao trato de “DOENÇAS DE SENHORAS”. Um outro médico, o dr. Andrade Lima, também anuncia, no jornal O Povo de 4 de fevereiro de 1958, suas especialidades: “RADIOTERAPIA PROFUNDA E SUPERFICIAL - CÂNCER - DOENÇAS DA PELE E SÍFILIS” 304 Jornal O Povo, Fortaleza, 23 de novembro de 1957, “VÃO RECOMEÇAR AS OBRAS DO ‘HOSPITAL DO CÂNCER’”. 305 Jornal O Povo, Fortaleza, 5 de outubro de 1956,“A CITOLOGIA POUPA VIDA AMEAÇADAS!” 306 Jornal O Povo, Fortaleza, 7 de novembro de 1957. 307 Jornal O Jornal, Fortaleza, 31 de julho de 1958.

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Jornal buscou o dr. Pedro Borges, Chefe da Clínica do Departamento Estadual

da Criança, para que prestasse esclarecimentos. Disse o doutor que “O câncer,

de preferência, ataca mais as pessoas de mais de quarenta anos de idade.

Salvo algumas excessões [sic], a maioria dos casos alastra-se mais entre

adultos. É quase estranhável, portanto, tal notícia”. E o periódico tranqüilizou a

população com a assertiva de que “Com estas declarações, os rumores sobre

um possível surto de câncer, estão fadadas a não passarem de alarmes por

parte da população, ainda há pouco sacudida por tremendo surto de gripe

‘asiática’”. Como as pessoas digeriam e se apropriavam destas informações

em seu cotidiano e na formação de opiniões sobre aquele período fértil no

aparecimento de episódios tão inusitados?

Possuir alguma tecnologia (mesmo que através de doação e não de P &

D) nesta área era sinônimo de avanço e de estar em passo e sintonia com o

que havia de mais moderno no universo tecnológico naquele momento. No

período em que pesquisei encontrei, já em 1956, matérias que anunciavam a

intenção do governo brasileiro em adquirir tecnologia nesta área 308. Para a

imprensa, a chegada no futuro próximo de um reator atômico é o indicativo que

“ENTRA O BRASIL NA BATALHA ATÔMICA” 309. Em início de 1957, foi

anunciada a chegada ao Brasil de uma bomba de cobalto (“este poderoso

aparelho (...) destinado a determinar as afecções do câncer” 310) e em seguida

a de um reator atômico: “O Brasil seria o primeiro país da América do Sul ao

qual os EEUU fornecerão um reator de pesquisas atômicas, destinado a

Universidade de São Paulo” 311.

Os avanços da ciência, portanto, canalizados para “coisas da guerra”,

explicaram o que para muitos pareceu inexplicável e que pululava, a todo o

momento, nos céus e na terra e no mar (o “submarino misterioso”) naquele

período. E não só os jornalistas, mas também os nossos cientistas, se

arriscaram a tentar entender aquele universo caótico de acontecimentos. No

Rio de Janeiro, o professor Lélio Gama, diretor do Observatório Nacional,

disse, sobre os discos voadores, “que ainda não se viu nenhum, mas se é que

308 Jornal O Povo, Fortaleza, 23 de abril de 1956, “EM NEGOCIAÇÕES: REATORES ATÔMICOS PARA O BRASIL”. 309 Jornal O Povo, Fortaleza, 30 de junho e 1956. 310 Jornal O Povo, Fortaleza, 2 de janeiro de 1957, “BOMBA DE COBALTO”. 311 Jornal O Povo, Fortaleza, 3 de janeiro de 1957, “REATOR ATÔMICO PARA O BRASIL”.

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existem, devem ter sido criados pelo homem e não que sejam oriundos de

outros planetas” 312. Curiosa foi a repercussão dada pelo jornal O Povo a

opinião do professor Lélio Gama: em letras enormes, na parte superior da

primeira página do jornal, foi afirmado que “OS DISCOS VOADORES NÃO

VEM DE OUTROS PLANETAS”. A quem busca atingir ao dar um destaque de

tal monta esta notícia? E em uma dada matéria foi anunciada o entendimento

para “O MISTÉRIO DOS DISCOS-VOADORES” 313, que estariam nos visitando

com o nobre objetivo de salvar-nos de uma hecatombe nuclear: “INTERVIRAM

NA TERRA PARA IMPEDIR UMA GUERRA ATÔMICA”.

E a jornalista Adísia Sá, mais uma vez, se manifestou sobre o

burburinho que se observa lá nos céus com o advento dos satélites e a febre

dos “discos voadores”. Em matéria do jornal Gazeta de Notícias, de 10 de

outubro de 1957, a jornalista escreveu um artigo intitulado “SATÉLITE

ARTIFICIAL” e nele expressou a inquietação que reinou na época: “Nós, aqui

deste cantinho, ficamos espiando as coisas, anotando as opiniões, inclusive de

gente que diz que, ante a conquista dos cientistas russos, os discos voadores

foram criação daquele povo” 314. Observa-se aí, pelo comentário da jornalista,

que os acontecimentos fantásticos relativos ao aparecimento de “discos

voadores” são imediatamente associados como “criação daquele povo”

responsável por um outro acontecimento igualmente fantástico: o do

lançamento de satélites artificiais. E concluindo, indagou a jornalista: “se de

Belém a Salvador o satélite gasta apenas 4 minutos, e que, pelo que opinam

cientistas, o mesmo poderá ficar por séculos e séculos no espaço, porque não

acreditarmos que os discos foram o preâmbulo desta grande conquista?”.

E em outra matéria, a mesma jornalista, voltou a “falar em coisas

artificiais” 315. Os satélites artificiais estão na ordem do dia e continuam a

causar fascínio, permitindo, por isto, que expliquem transversalmente os

“discos voadores”. Na falta de uma explicação razoável, ela trombeteou que

“ninguém quer ser pai dos discos voadores e um dia ficaremos sabendo que

eles também são sinais de vida de outros homens ou seres de ignotos recantos

do [INCOMPLETO]”. Um pouco mais adiante, em tom irônico, sugeriu que

312 Jornal O Povo, Fortaleza, 8 de novembro de 1957, “OS DISCOS E UMA VIAGEM A LUA”. 313 Jornal Correio do Ceará, Fortaleza, 14 de julho de 1958. 314 Jornal Gazeta de Notícias, Fortaleza, 10 de outubro de 1957. 315 Jornal Gazeta de Notícias, Fortaleza, 28 de dezembro de 1957, “FOGUETES”.

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“Foguetes... discos... satélites... luas... isto está mais parecendo uma

brincadeira”.

É interessante observar que, por diversas vezes, foi feita a associação

dos “objetos luminosos” a “discos voadores” e a satélites artificiais. Geralmente

os “objetos luminosos” eram explicados via satélites artificiais e “discos

voadores”, porém, agora, os “discos voadores” são explicados pelos satélites

artificiais. A possibilidade de uma guerra nuclear (que demandava o

aperfeiçoamento de novos mísseis e foguetes) explicava o pulular de “objetos

luminosos” e, em um dado momento, a visita dos discos voadores foi entendida

a partir daquela possibilidade. Ou seja, as “explicações”, ao longo do período

que investiguei, se auto-explicavam.

Ao mostrar, no Primeiro Capítulo, o gráfico com os lançamentos de

foguetes e mísseis do Cabo Canaveral (e chamar a atenção para o

recrudescimento do “fenômeno OVNI” e dos “Eventos Totais”), estou sugerindo

que os lançamentos do Cabo podem ter contribuído para que se avistassem

tantos “objetos luminosos” em nosso estado, uma vez que a região Nordeste

do Brasil se projeta no caminho de tais engenhos. Assim, e em concordância

ao questionamento da jornalista Adísia Sá, “os discos foram o preâmbulo desta

grande conquista”, uma vez que exatamente naquele momento se viveu o

período mais intenso da assim chamada Corrida Espacial que almejava, dentre

outras coisas, o lançamento do (primeiro) satélite artificial, a colocação (do

primeiro) homem no espaço, a (primeira) viagem à Lua etc. E este clima de

competição entre russos e norte-americanos fez que se intensificassem,

exatamente, naquele período (e por razões outras que a da simples

competição pelo espaço 316), os lançamentos de mísseis e foguetes em testes.

Ora, nada mais previsível que a ocorrência de falhas quando se fala em

algo que está sendo testado e, em minha opinião, o que se avistou aqui no

estado, em fins da década de 1950, podem ter sido foguetes e mísseis do

programa espacial norte-americano en passant pelo nosso sertão e litoral ou

ainda destroços destes mesmos foguetes e mísseis (como aconteceu com o

Snark, em 1956). E isto vale para todo o Nordeste brasileiro: acredito que uma

pesquisa nos jornais dos estados do Nordeste (Piauí, Pernambuco e Bahia, por

316 Buscava-se, também, freneticamente, a operacionalização do primeiro míssil balístico intercontinental (ICBM) e este projeto segui pari passu ao do programa espacial “civil”.

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exemplo) muito provavelmente revelará a ocorrência de acontecimentos

inusitados a exemplo dos observados no Ceará. Creio que, sob nenhum

aspecto, os episódios bizarros representem uma exceção e uma

particularidade confinada ao estado do Ceará. Oxalá pesquisadores destes

estados tomem conhecimento de minhas inquietações e partam para uma

pesquisa que revele as explicações e entendimentos dos cidadãos de seus

estados: difeririam elas frontalmente das reveladas aqui nesta Dissertação?

Haveria algum meio material (um conto ou cordel) ou imaterial (um ditado

popular) em que o pulular de acontecimento estranhos tenha se materializado?

No Terceiro Capitulo apresentarei uma matéria recente de um jornal

local (Diário do Nordeste, de 31 de julho de 2004) que dá conta da queda de

um destroço de um foguete (lançado do Cabo Kennedy, antigo Cabo

Canaveral) no Sertão Central (carinhosamente apelidado de “ovo do E.T”):

veremos que as percepções daqueles que testemunharam o “ovo do E.T.” em

muito se assemelham aquelas dos sertanejos que há 50 anos atrás avistaram

os “objetos misteriosos” e as “tochas fosforescentes”.

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TERCEIRO CAPÍTULO

“Essa Não Tio Sam: TRÊS BOMBAS ATÔMICAS

EXPLODIRAM NOS CÉUS DO NORDESTE BRASILEIRO”

Parece claro pelo que foi exposto até agora que a década de 1950 foi

“um ‘período quente’ na produção de imaginários sociais” 317. A explosão da

bomba atômica em Hiroshima, no dia 6 de agosto de 1945 (e dois dias depois

em Nagasaki), marcou um divisor de águas na relação que o homem mantinha

com as forças criativas e destrutivas da natureza. Se a explosão de um vulcão

ou um grande terremoto parecia, ao homem, algo ao alcance apenas dos

deuses que criou (e cria) ao longo de seu divagar em busca de explicações

para tais fenômenos 318, agora, com o domínio das forças elementares (ou

nucleares), ele finalmente se apropria de um poder destrutivo só comparável ao

das grandes catástrofes naturais.

No Primeiro Capítulo mostrei (através de algumas charges, por exemplo)

como a humanidade era representada naquele instante de profunda

inquietação: atônita, confusa e incerta quanto ao porvir e ante sua possibilidade

de destruição e sobrevivência no mundo que se desenhara depois da Segunda

Guerra Mundial.

Na Introdução apresentei as razões que me compeliram a iniciar esta

pesquisa. A matéria “Bomba Atômica no Nordeste?” desempenhou um papel

importante, senão fundamental, como catalisadora do processo de

investigação, de busca de indícios, de arrolamento de evidências etc. A minha

ação sobre as fontes, em um primeiro momento, foi a de encontrar pistas que

apontassem para a assertiva de Basbaum e para os questionamentos de

Carlos Emílio e do sr. Hyder Correia Lima (“Quixadá?”). A princípio não

317 BACZKO, Bronislaw. Imaginação Social. In: Enciclopédia Einaudi. Anthropos-Homem, Lisboa: Imprensa Nacional / Casa da Moeda, 1985, vol.5, p.320. 318 “É assim que o facto religioso constitui uma expressão simbólica do facto social. Através dos deuses que os homens criam, estes dão corpo à consciência de pertencerem a um todo comunitário, enquanto as representações colectivas reconstituem e perpetuam as crenças necessárias ao consenso social. Qualquer sociedade é capaz de se erigir em deus ou de criar deuses, isto é, produzir representações carregadas de sagrado”. BACZKO, Bronislaw. Op. Cit., p.306-307.

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esperava encontrar estampada na primeira página de um jornal local a notícia

de que uma bomba atômica foi explodida no Nordeste, no Ceará ou, mais

precisamente, em Quixadá. Porém, para minha surpresa, como veremos mais

adiante neste Capítulo, foi exatamente isto o que encontrei. Mas como se

chegou a falar, no fim da década de 1950, de bombas atômicas sendo

explodidas nos céus do Brasil e do Nordeste? Que acontecimentos

desencadearam o ventilar de tal possibilidade?

A primeira matéria que encontrei e que fez referência a explosões

nucleares no Brasil foi encontrada no jornal O Povo de 8 de julho de 1957. Sob

o título de “TERREMOTOS NO BRASIL”, a matéria mais parecia, a princípio,

indicar a ocorrência daquele fenômeno geológico no Brasil do que um

acontecimento inusitado, fantástico ou bizarro. Não saberia dizer o que

exatamente me fez parar e ler aquela matéria, já que não eram fenômenos

naturais que procurava, imaginava que em nada me ajudaria aquela

informação. Utilizei, assim, de todo meu “faro, golpe de vista, intuição” no

“tatear” daquelas matérias na fria tela do reprodutor de microfilmes. Reproduzo

a matéria na íntegra:

“Buenos Aires, 8 (AFP). Curioso acidente ocorreu no jantar de confraternização das Forças Armadas, com a presença do presidente Aramburu [o então presidente da Argentina]. Quando o banquete ia em meio, um desconhecido surgiu no salão e gritou: ‘VIM AQUI PARA DIZER-LHES QUE OS TERREMOTOS QUE OCORREM NO SUL DO BRASIL SÃO PROVOCADOS PELA BOMBA ATÔMICA’. Antes que os policiais pudessem levá-lo, teve tempo ainda de gritar a plenos pulmões: ‘SOU FRANCISCO GARCIA. QUERIA LER-LHES 3 CARTAS, MAS NÃO ME DEIXAM.’ O inventor dos terremotos no Brasil foi levado ao hospício” 319

Quando encontrei esta matéria imediatamente li o mesmo jornal, agora

em suas edições anteriores, em busca de antecedentes para aquela

informação incrível. Nada encontrei... Não sei o que levou o Sr. Francisco

Garcia, ou “o inventor dos terremotos no Brasil”, a ventilar e manifestar tão

acaloradamente sua hipótese. Esta matéria abre um sem número de

especulações e conjecturas. Talvez os jornais da região sul do Brasil tenham

mais informações acerca do Sr. Francisco Garcia e do conteúdo das três cartas

319 Jornal O Povo, Fortaleza, 8 de julho de 1957, “TERREMOTOS NO BRASIL”.

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que desesperadamente queria ler. Conforme mostrei no Primeiro Capítulo, o

jornal Unitário, em sua edição de 17 de abril de 1959, reproduziu uma matéria

que, ao se referir às enchentes no sul do Brasil, levantou a hipótese de que

estas estivessem relacionadas às explosões nucleares clandestinas

conduzidas no Atlântico Sul, pelos Estados Unidos, em 1958. Estaria, portanto,

a hipótese do Sr. Francisco Garcia baseada em um acontecimento outro que

aponte concretamente para aquela possibilidade, a exemplo da especulação do

Unitário? Ou seria esta fruto da mente criativa do “inventor dos terremotos no

Brasil” naquele “‘período quente’ na produção de imaginários sociais”?

~~0~~

No artigo “Bomba Atômica no Nordeste?”, Carlos Emílio nos contou que

seu pai escreveu, no livro de Basbaum (ao lado da assertiva de que bombas

atômicas tinham sido testadas no Nordeste brasileiro) a seguinte inquirição:

“Quixadá?”. Mas como e porque foi levantada inicialmente toda a conjetura de

que aquela cidade foi palco de uma explosão nuclear? O que aconteceu,

naquela cidade, que permitiu que se falasse, mesmo que por um instante, da

ocorrência deste “fato absolutamente extraordinário (e terrível)”?

A cidade de Quixadá enfrentava, assim como os demais municípios

cearenses, uma seca que causava enormes estragos à população atingida. A

conspiração provocada, segundo a professora Adísia Sá, pelos satélites

artificiais nas “leis milenares” fizera com que o “inverno” não chegasse no

tempo certo. O mês de julho chegou em Quixadá sem chuva: mas aqueles

eram “tempos interessantes” e se não caia água dos céus, a ciência e a técnica

a todo o momento estavam enchendo os céus e as cabeças das pessoas com

suas engenhocas que causavam maravilhamento nos sertanejos e naqueles

“que não mentem”.

Como vimos (no Segundo Capítulo), a cessão da ilha de Fernando de

Noronha aos norte-americanos para a instalação de uma base de rastreio de

foguetes e mísseis teleguiados trouxe estes engenhos um pouco mais perto de

nossa realidade e imaginação. O jornal O Democrata chegou mesmo a sugerir

que “transformada a rota Flórida - Fernando de Noronha em percurso de

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experiência e de ação de foguetes teleguiados, muitos destes serão atirados na

direção do nordeste brasileiro” 320.

Ao longo de toda esta dissertação tenho insistido que o final da década

de 1950 foi, sob vários aspectos, um período atípico. Avanços no campo

técnico-científico, o recrudescimento das tensões leste-oeste, o

desenvolvimento de armas nucleares cada vez mais poderosas, o fenômeno

mundial dos OVNI’s etc, todos eles, juntos ou separados, emprestaram uma

feição particular aquele momento histórico.

A descoberta e o aprimoramento das armas nucleares (com a destruição

das cidades japonesas servindo como laboratório de testes 321) fez delas peças

indispensáveis de uma próxima (e iminente) guerra nuclear. Nascia o que se

convencionou chamar de a Era Atômica: agora, a Corrida Armamentista e a

Espacial ditariam os rumos da pesquisa científica, tanto civil como militar. Era

preciso “melhorar” o desempenho das novas armas e isso significava torná-las

mais mortíferas. Os vetores destas armas também tinham que ser

aperfeiçoados e Cabo Canaveral atinge o pico de lançamentos de testes de

mísseis e foguetes neste período. No que se refere ao aprimoramento das

armas atômicas per se, só os Estados Unidos conduziram, ao longo de mais de

40 anos de pesquisa nuclear, mais de mil testes 322 (e, como vimos, os testes

nucleares realizados pelos norte-americanos atingem um pico em 1958 323).

Muitos destes testes espalharam silenciosamente partículas radioativas que

320 Jornal O Democrata, Fortaleza, 8 de Janeiro de 1957. 321 Em carta publicada na revista Newsweek, de 10 de outubro de 2005, p.10-11, emiti minha opinião sobre o bombardeio das cidades japonesas: “Em minha opinião, as pessoas que moravam em Hiroshima e Nagasaki se tornaram as primeiras cobaias nucleares. Obviamente que havia um forte desejo em terminar aquela guerra sangrenta por qualquer meio, mas na visão dos cientistas do projeto Manhattan, as duas cidades foram um bom local para observar como as bombas atômicas funcionaram. E não é difícil pensar assim, uma vez que o governo americano usou seus próprios cidadãos como cobaias durante a Guerra Fria: “downwinders”, “officer volunteers”, pilotos que recolhiam amostras de nuvens radioativas, prisioneiros etc”. 322 Surpreendentemente, em 1993, quando assumiu o Departamento de Energia, Hazel O’Leary liberou a informação de que “cientistas militares tinham explodido 204 bombas nucleares a mais, ou 20% a mais de armas, do que havia sido antes divulgado publicamente” (WELSOME, Eileen. The plutonium files: America’s secret medical experiments in the Cold War. New York: Delta, 200 p. 424). Ou seja, 204 explosões nucleares simplesmente não constavam dos documentos oficiais até 1993! Infelizmente não tive acesso (ainda) a informações que me habilite a se pronunciar sobre os motivos do encobertamento de tais informações: estariam relacionadas à condução de testes clandestinos fora dos Estados Unidos? 323 Para uma listagem official do Departamento de Energia norte-americano com os testes nucleares de 1945 a 1992, ver: United States Nuclear Tests: July 1945 through September 1992. United States Department of Energy, Nevada Operations Office, Las Vegas, Nevada, December 2000. (DOE/NV--209-REV 15).

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eram carregadas pelos ventos para áreas próximas dos testes, assim como

para regiões mais distantes, em todo o planeta. Foram especialmente os testes

nucleares conduzidos no período conhecido como Era do Testes Atmosféricos

(1951-1963) os maiores responsáveis pela disseminação de poeira radioativa

e, conseqüentemente, aumento no número de casos de câncer, leucemia,

defeitos congênitos etc.

Mas que relação há entre armas atômicas, testes nucleares,

radioatividade etc e o Brasil? Bem, um primeiro elo que nos une a tudo isto

decorre, inicialmente, do fato de que o único teste nuclear clandestinamente

conduzido pelos norte-americanos ter tido como sítio o Atlântico Sul (entre o sul

da América do Sul e o sul da África do Sul, e isto segundo dados oficiais do

governo norte-americano). Este teste recebeu o codinome de Operação Argus,

e foi a primeira vez em que o Departamento de Defesa americano escolhera

um local para os testes nucleares fora do Oceano Pacífico (Atol de Bikini, Ilhas

Marshall etc) e do território americano (principalmente no estado de Nevada) 324. E o que foi a Operação Argus? O que foi possível encontrar sobre ela nos

jornais, livros e revistas?

~~0~~

Entre o final de agosto e o começo de setembro de 1958, a Marinha

americana (U.S. Navy) conduziu, sob os auspícios do Departamento de Defesa

(DoD) e do LANL (Los Alamos National Laboratory), a Operação Argus, e esta

se consistiu de uma série de três detonações nucleares de baixa intensidade 325. Nada se soube ou se suspeitou dos testes nos meses que se seguiram à

sua realização 326. As razões para a manutenção do sigilo da Operação se

324 As informações prestadas pelos jornais na época coincidem com as informações disponíveis hoje em documentos oficias do próprio governo norte-americano (por exemplo, United States Nuclear Tests: July 1945 through September 1992). 325 Ou seja, de uma potência aproximada de 1,7 kt, ou 1,7 mil toneladas de explosivo TNT. Para efeito comparativo, as potências das explosões de Hiroshima e Nagasaki oscilaram entre 15 - 20 kt. 326 Porém, a Operação foi comunicada ao já famoso repórter Hanson Baldwin, do jornal The New York Times, que divulgaria a informação no ano seguinte por julgar desnecessário mantê-la em segredo (conforme mostrarei um pouco mais adiante neste Capítulo). Baldwin faleceu em novembro de 1991 (Conforme obituário no Jornal The New York Times, 14 de novembro de 1991, p.D24).

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deveram a aspectos técnicos e diplomáticos. Havia, oficialmente, dois motivos

para mantê-la secreta: primeiro, buscava-se esconder os testes dos russos de

modo que eles não pudessem monitorá-los e assim tirar algum proveito disto e,

segundo, estava em processo de negociação um acordo com os russos de

uma moratória bilateral dos testes nucleares, e os americanos não queriam

provocá-los com a consecução de testes nucleares a poucas semanas do início

da moratória (que ficaria acertada para outubro de 1958, conforme gráfico

“Testes Nucleares...”, no Primeiro Capítulo).

A Operação Argus foi conduzida secretamente pela Força-Tarefa 88, da

U.S. Navy, sob o comando do Contra-Almirante Lloyd Montague Mustin e

consistiu do lançamento de 3 foguetes de combustível sólido do tipo X-17

armados com ogivas nucleares de baixa intensidade (1,7 kiloton). Os foguetes

foram disparados do navio USS Norton Sound, nos dias 27 e 30 de agosto e 6

de setembro de 1958, e explodiram a uma altitude de aproximadamente 480

km: pela primeira vez na história dos testes, armas nucleares tinham sido

disparadas de um navio em alto-mar e explodidas a uma altura tão elevada. O

objetivo dos testes foi o de criar cinturões de radiação artificiais ao redor da

Terra, a exemplo dos cinturões de radiação natural recém-descobertos (os

cinturões de Van Allen). Assim procedendo, estudariam as implicações

militares de tais cinturões artificiais sobre as telecomunicações, radares,

mísseis balísticos e suas ogivas nucleares etc.

Logo após a consecução dos experimentos no Atlântico Sul, a Força-

Tarefa 88 atracou no Brasil para uma visita de cinco dias. O jornal Unitário

noticiou a chegada da Força-Tarefa ao porto do Rio de Janeiro em meados de

setembro de 1958 327: dez dias depois, portanto, do último dos três disparos da

Operação, no dia 6 de setembro. O jornal Gazeta de Notícias relatou a

chegada das “Seis belonaves” “para uma estadia de cinco dias, depois de

realizadas manobras no Atlântico Central” 328. O periódico O Jornal também

noticiou a passagem dos navios em suas páginas, porém o faz apenas em sua

edição do dia 27 de outubro de 1958. Disse que os navios “estiveram em

327 Jornal Unitário, Fortaleza, 16 de setembro de 1958, número 12864, 1ª página, “No Rio a Força Tarefa Americana”. 328 Jornal Gazeta de Notícias, Fortaleza, 17 de setembro de 1958, “Marinheiros Norte - Americanos Passarão Cinco Dias no Rio”.

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manobras de rotina no Atlântico central desde julho” 329, e que “graças as

excelentes condições atmosféricas, completaram com êxito seus exercícios”. A

informação, tanto do jornal Gazeta de Notícias como do periódico O Jornal, que

aponta o Atlântico Central como sítio das manobras, é incompatível com a

informação oficial de que as manobras se localizaram no Atlântico Sul. Foi

possível encontrar outras incongruências no que se refere à localização das

manobras militares (e, conseqüentemente, do lançamento dos foguetes) e a

confusão acerca da exata localização dos disparos parece lançar mais calor na

discussão sobre a Operação Argus. Em março de 1959, quando finalmente o

segredo mantido em torno da Operação foi quebrado publicamente, afloraram

detalhes dela e de sua localização. O jornal The New York Times repercutiu a

notícia de que o episódio em Quixadá (já citado no Segundo Capítulo e que

voltarei a falar dele um pouco mais adiante neste Capítulo) estava relacionado

à Operação: “ARGUS TESTS SCORED IN BRAZIL” 330, denunciou o jornal.

329 Jornal O Jornal, Fortaleza, 27 de outubro de 1958, número LXXXVII, Ano I, “ECOS DE UMA VISITA:” “NO RIO A FORÇA-TAREFA 88 DA MARINHA DOS ESTADOS UNIDOS”. “NO COMANDO O CONTRA-ALMIRANTE LLOYDE M. MUSTIN - DETALHES”. O jornal Gazeta de Notícias cobriu a passagem de uma esquadra americana no Rio de Janeiro em sua edição do dia 28 de outubro de 1958 (“Marinheiros Norte-americanos chegarão ao Brasil: 5 dias”), porém não afirmou, a exemplo do O Jornal, que se tratava da Força-Tarefa 88. Teria a Força-Tarefa visitado o porto do Rio em setembro e outubro de 1958? Ou se tratava de uma outra Força- Tarefa? 330 Jornal The New York Times, Nova Iorque, 4 de abril de 1959.

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E mais: o jornal norte-americano disse que o “Nordeste brasileiro está a

1000 milhas [cerca de 1600 km] da área de onde os testes atômicos foram

relatados terem sido conduzidos em setembro”. Segundo fontes oficiais do

Departamento de Defesa norte-americano, os testes ocorreram entre o sul da

América do Sul e o sul da África do Sul, num ponto próximo e ao sul do

Arquipélago Tristão da Cunha. Ocorre que este arquipélago está a pelo menos

3600 km do ponto mais próximo da costa brasileira, o Rio de Janeiro! A revista

científica Scientific American apresentou, como referência geográfica do ponto

onde a Operação ocorreu, uma área localizada na “ponta da América do Sul” 331. Já a Time sugere que os disparos foram realizados “ao largo das ilhas

Falklands” 332. Outras, como a The Bulletin of the Atomic Scientists reportou

que os testes clandestinos correram no Pacífico Sul 333!

O periódico O Jornal sugeriu que a Força-Tarefa em visita ao Rio

compunha-se de sete navios: um porta-aviões, de um “tender para aviões

navais” (o Norton Sound) e de “quatro destroiers e um navio tanque”. A

informação de O Jornal é compatível com a da Gazeta de Notícias no que se

331 Revista Scientific American, Nova Iorque, maio de 1959. 332 Revista Time, Nova Iorque, 30 de março de 1959. 333 Revista The Bulletin of the Atomic Scientists, Chicago, maio de 1959.

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refere a localização das “manobras de rotina”, mas há discrepâncias quanto ao

numero de belonaves (6 no primeiro e 7 no segundo). Curiosamente, para a

revista Time o Norton Sound zarpou de Port Hueneme, Califórnia, em agosto

de 1958 334, mas O Jornal noticiou que os navios estiveram “no Atlântico central

desde julho”. Oficiais da Força-Tarefa concederam entrevistas em sua estada

no Rio e acredito que foi daí que os órgãos noticiosos retiraram suas

informações acerca das datas: o que explicaria, então, a diferença entre elas?

Bem, conforme a revista Mundo Ilustrado, o “RIO FOI O PRÊMIO DE BOM

COMPORTAMENTO PARA 4 MIL MARUJOS” 335, e os navios eram

efusivamente visitados por muitos cariocas, ansiosos para ver, principalmente,

o gigantesco porta-aviões USS Tarawa. Os outros sete navios que compunham

a Força-Tarefa eram o USS Norton Sound (navio que efetuou os três disparos

dos foguetes X-17, armados com ogivas atômicas; no comando o Capitão

Arthur Gralla), os navios-tanque USS Neosho e o USS Salamonie; o destróier

USS Warrington e o USS Bearss; os navios-escolta USS Hammerberg e o USS

Courtney. Ainda segundo a revista, o Contra-Almirante Mustin, “falando aos

jornalistas não quis confirmar nem negar uma pergunta sôbre a presença de

bombas atômicas no seu ‘barco’. Disse: ‘Eu me reservo o direito de não

responder à pergunta. Não é segredo que as nossas frotas estejam equipadas

com armas atômicas. Mas prefiro deixar o repórter sem resposta’” 336. O modo

reticente do Contra-Almirante encerrar sua fala abre lacunas interessantes para

conjecturas sobre a permanência de armas atômicas a bordo dos navios

ancorados no porto do Rio.

Segundo a revista Time 337, dos navios acima descritos, apenas o Norton

Sound partiu de Port Hueneme, Califórnia (como já disse); enquanto o Tarawa,

o Warrington, o Hammerberg, o Courtney e o Neosho partiram de Newport,

Rhode Island; e o Bearss e o Salamonie zarparam de Norfolk, Virginia. O ponto

de encontro dos navios foi um ponto ao sul da América do Sul, próximo às ilhas

Falklands (ou ilhas Malvinas): juntos, formaram a Forca-Tarefa 88 (Task Force

88), agora sob o comando do Contra-Almirante Mustin (a bordo do Tarawa).

Ainda segundo a revista, o Norton Sound “e sua tripulação de 650 homens deu

334 Revista Time, Nova Iorque, 30 de março de 1959. 335 Revista Mundo Ilustrado, Rio de Janeiro, 27 de setembro de 1958, número 40, pág. 16-19. 336

Revista Mundo Ilustrado, Rio de Janeiro, 27 de setembro de 1958, número 40, pág. 16-19. 337 Revista Time, Nova Iorque, 30 de março de 1959.

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a volta no Canal do Panamá, disparou na direção sul e ao redor do [Cabo]

Horn, mantendo o rádio em silêncio todo o tempo”. E um pouco mais adiante a

revista disse: “Arremetendo o Norton Sound a 95% da força total, mesmo

através das águas com ameaça de icebergs do Cabo Horn, o Capitão Gralla

alcançou o ponto de encontro no Atlântico Sul com três dias de antecedência

do planejado. Captando no radar primeiro as ilhas Falklands e depois o

Tarawa”. Ora, se o Norton Sound zarpou da Califórnia e atravessou o Canal do

Panamá, como sugere a revista, ele atingiria o Atlântico Norte (o Caribe, e

depois passar ao largo da ilha de Fernando de Noronha), para assim descer no

rumo do ponto de encontro no Atlântico Sul. A seqüência descrita na revista

(Califórnia � Canal do Panamá � Cabo Horn � Ilhas Falklands) não faz

sentido: uma rápida olhada em um mapa da América do Sul (particularmente

do Atlântico Sul) esclarece o que estou dizendo. Assim, esta informação da

revista me levou a uma inquietação: qual seria então o percurso real seguido

pelo Norton Sound e qual o motivo da confusão acerca de sua rota? O período

compreendido entre a partida dos navios de seus portos (julho de 1958) e a

consecução da Operação (setembro de 1958) foi rico em aparições de “objetos

luminosos” e outros episódios bizarros no estado: Iguatu, Chaval (e “EM

CHAVAL A BOLA DE FOGO EXPLODIU!”), Marco e Jucás foram visitados por

“objetos”, enquanto que em Quixadá ocorreu a “grande explosão”. Estariam

alguns destes episódios ligados a preparativos ou a ensaios da Operação

semanas antes de sua execução?

E um outro fato curioso envolveu alguns oficiais da Força-Tarefa 88

durante sua estada na cidade do Rio de Janeiro, no dia 19 de setembro de

1958: a troca de comando do navio Norton Sound. A cerimônia de troca de

comando ocorreu a bordo do navio, ancorado no porto da cidade carioca. O

Capitão J. L. P. McCallun chegou ao Rio de Janeiro vindo dos Estados Unidos

especialmente para assumir o posto de Capitão do navio no lugar do Capitão

Gralla, uma vez que este recebera ordens para se apresentar imediatamente

no Bureau of Ordnance, em Washington, D.C. O Capitão McCallun, até então,

era o Chefe da Seção de Mísseis Guiados, da Divisão de Pesquisa do Bureau

of Ordnance. A Operação Argus rendeu ao Contra-Almirante Mustin e o

Capitão Gralla a “Legião do Mérito” da Marinha norte-americana, e do Chefe de

Operações Navais da marinha, Arleigh Burke, um cumprimento acalorado (via

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rádio) pelo “pela esplêndida realização da tarefa pioneira”. E as visitas e

condecorações não ocorreram apenas entre os oficiais norte-americanos: estas

se estenderam a altas patentes do Exército, Marinha e Aeronáutica do Brasil.

Encontrei uma sucessão interessante de acontecimentos envolvendo a troca

de gentilezas (visitas e condecorações, por exemplo) no período

imediatamente posterior a consecução da Operação Argus. Altas patentes

norte-americanas das três armas (Exército (U.S. Army), Marinha (U.S. Navy) e

Aeronáutica (U.S.A.F.)) convidaram altas patentes das forças armadas

brasileiras, em uma sucessão curiosa. Na coluna “RESENHA MILITAR”,

subtítulo “SENTINELA DAS FORÇAS ARMADAS”, do periódico O Jornal, foi

destacada a visita de Thomas D. White (Chefe do Estado Maior da U.S.A.F.) e

conseqüente retribuição da visita a ser feita pelo ministro brasileiro.

O Ministro da Aeronáutica, brigadeiro Francisco de Assis Correia de Melo, visitará as instalações militares das Forças Aéreas dos Estados Unidos, que lhe fizeram um convite especial. Seu embarque terá lugar no próximo dia 28, em avião especial do Chefe do Estado Maior da USAF, general Thomas D. Wite [White]” 338.

Depois de condecorado com “a Legião de Mérito dos Estados Unidos,

por sua destacada contribuição para as relações amistosas entre as forças

aéreas do Brasil e dos Estados Unidos”, em “cerimônia especial no Pentágono” 339, o Ministro Correia de Melo retorna ao Brasil (segundo a coluna “Resenha

Militar” de 12 de novembro de 1958) antes de concluir todo o programa de

visita, dado a “crise na FAB”. Em seguida, segundo a coluna “Vida Militar” do

mesmo jornal, é chegada a vez do Ministro da Marinha, Almirante Matoso Maia,

que “foi aos Estados Unidos da América do Norte, atendendo a um convite do

Chefe de Operações Navais da Marinha dos Estados Unidos, Almirante Arleigh

Burke” 340 (oficial recém-condecorado pela Operação Argus). Lá ele “cumprirá

um vasto programa que constará de visitas a Escolas, Fábricas, Arsenais,

Bases e demais departamentos da Marinha Americana”; e cujo retorno foi

anunciado pela coluna “Resenha Militar”, de 6 e 7 de dezembro de 1958, para

o dia 10 de dezembro. Em fevereiro do próximo ano chegou ao Rio de Janeiro,

338 Jornal O Jornal, Fortaleza, 27 de outubro de 1958. 339 Jornal O Jornal, Fortaleza, 08 e 09 de novembro de 1958. 340 Jornal O Jornal, Fortaleza, 18 de novembro de 1958.

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segundo a “Resenha Militar”, de 5 de fevereiro de 1959, o General Curtiss Lee

May, Sub-Chefe do Estado Maior da Força Aérea Norte-Americana, que

cumpria visita oficial de 5 dias. No fim do mesmo mês, na mesma coluna, foi

anunciada agora a vez do Ministro da Guerra visitar Tio Sam.

“RESENHA MILITAR” “EXÉRCITO” “O MARECHAL LOTT VISITARÁ OS EE.UU” “O Ministro Henrique Lott foi convidado pelo governo de Washington para uma visita as organizações do Exército dos Estados Unidos da América do Norte, podendo fazer-se acompanhar de dois oficiais. O convite já foi aceito, tendo o presidente da República autorizado o seu ministro da Guerra a ausentar-se do país” 341.

Curiosamente as visitas das três Armas se deram em um curto espaço

de tempo (aproximadamente 4 meses) e um mês e meio depois da realização

da Operação Argus, cujo último disparo foi feito, segundo documento oficial do

próprio governo norte-americano já citado, em 6 de setembro de 1958. Haveria

alguma relação entre essa política de boa vizinhança com nossos ministros

militares e os testes clandestinamente conduzidos no Atlântico Sul?

Seja qual for que tenha sido a intenção das visitas e condecorações, ou

a rota seguida pela Força-Tarefa em sua direção rumo ao Atlântico Sul, ou do

local exato da consecução dos disparos atômicos, o certo é que o segredo da

Operação Argus não durou muito tempo: em março de 1959, como vimos, o

segredo em torno da Operação é quebrado. O jornal The New York Times (que

fora informado do projeto meses antes da consecução da Operação) resolveu

publicar matéria sobre ela, por julgar que a comunidade científica, jornalistas e

os próprios russos já sabiam (ou desconfiavam) dela o suficiente para torná-la

pública a qualquer momento. Assim, o jornal publicou ampla matéria em março

daquele ano, dando detalhes e chamando-a de “o maior experimento científico” 342 já conduzido na História, dado os efeitos globais das explosões nucleares

(criação de auroras boreais e austrais, e de um cinturão de radiação que

envolveu a Terra por meses etc).

~~0~~ 341 Jornal O Jornal, Fortaleza, 21 e 22 de fevereiro de 1959. 342 Jornal The New York Times, Nova Iorque, 19 de março de 1959, “CALLED ‘GREATEST EXPERIMENT’: RADIATION SPREAD”.

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Já foi comentado neste e no Segundo Capítulo a suposta explosão de

um foguete teleguiado na cidade de Quixadá em julho de 1958. A matéria que

citei do jornal O Povo deu conta de que uma “deflagração de dinamite” ou um

“foguete teleguiado” havia atingido a cidade. A escala da ocorrência muito me

surpreendeu, assim como, obviamente, aos sertanejos que a presenciaram

naquele mês da grande seca de 1958.

Outros jornais noticiaram a fantástica ocorrência: o periódico O Jornal

entrevistou o deputado estadual cearense Sebastião Brasilino de Freitas, que

estava em Quixadá no dia da “estupenda ocorrência”. Segundo o deputado

“observou-se que uma fumaça esbranquiçada, tendendo para o cinzento, tomava corpo sobre os céus da região. A uma altitude aproximada ou ultrapassante dos 15 mil metros num céu de uma limpidez absoluta, um sol intenso e rútilo, a fumaça formou uma coluna de altura impossível de calcular-se, pela própria distância a que se encontrava. Não há possibilidade de engano, pois o firmamento era de uma clareza ofuscante, e, como dizemos em linguagem aeronáutica, a visibilidade era infinita” 343.

O deputado Sebastião Brasilino abraçou a tese de que um engenho

teleguiado “em experiência em qualquer parte do mundo” pode ter

“provavelmente (...) escapado ao ‘controle’ da sua estação projetora” e se

precipitado na área do município. Questionado quanto a existência de restos ou

fragmentos do teleguiado, o deputado disse que nada foi encontrado. “Tudo é

simples conjectura, mas o fato ocorreu, qualquer que seja a sua origem ou

causa”, conclui o deputado.

O jornal O Estado também descreveu a explosão ocorrida em Quixadá.

Em matéria do dia 27 de julho de 1958, o jornal estabeleceu como causa da

explosão a queda de um foguete teleguiado, fazendo coro com outros

periódicos. A matéria apresentou, a exemplo do O Jornal, o depoimento do

deputado Sebastião Brasilino de Freitas 344 e ele descreveu as características

da explosão de maneira surpreendente.

343 Jornal O Jornal, Fortaleza, 29 de julho de 1958. 344 Segundo o jornal, o deputado era “piloto comercial e capitão da reserva da aeronáutica”. Acredito que o testemunho de uma pessoa do expoente do deputado Brasilino deve ter servido para imprimir ao acontecido um ar de veracidade e de confiabilidade.

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“A EXPLOSÃO DEVE TER OCORRIDO A 20.000 METROS DE ALTURA, MAS FOI UMA COISA TÃO VIOLENTA QUE A GENTE TINHA A IMPRESSÃO DE QUE A TERRA FICOU TREMENDO E DE QUE O CÉU ESTAVA AMEAÇANDO DESABAR SOBRE AS NOSSAS CABEÇAS” 345.

O deputado reiterou que a explosão foi ouvida num raio de 60 km e que

“UM ROLO DE FUMAÇA EXPRESSA DESDOBROU-SE NO AR”. E adicionou:

“E AQUILO FICOU REBOANDO NO AR POR ALGUM TEMPO, DANDO-NOS

A IMPRESSÃO DE QUE ALGO ESTAVA SE DESAGREGANDO, RUINDO

AOS PEDAÇOS...” Apesar de oferecer aos leitores a opinião do deputado

(estampada em primeira página) de que um “Teleguiado Teria Explodido Sobre

a Cidade de Quixadá”, o jornal admitiu que não foi encontrada “nenhuma

explicação racional para o fenômeno”. Quando indagado sobre “a sua opinião

sincera a respeito das explosões registradas em Quixadá”, o deputado titubeou

dizendo que “PARA FALAR A VERDADE, NÃO SEI O QUE REALMENTE

ACONTECEU”. Em seguida apresentou a tese de que um “TELEGUIADO MAL

GUIADO (...) RESOLVEU ESPOUCAR BEM EM CIMA DE NOSSA CIDADE...”

Uma vez que a população “ficou seriamente apreensiva” (ocorrendo até

mesmo “um princípio de pânico”), começou a ser ventilada entre eles a opinião

de que “as escrituras estavam se confirmando e que todos deviam rezar,

porque, afinal de contas, aquilo era mesmo o ‘fim do mundo’”. Explicações

escatológicas brotaram daquele episódio e acredito que explicações

semelhantes surgiriam dos outros episódios que citei no Segundo Capítulo se

os correspondentes e jornalistas tivessem expandido o leque de depoentes e

testemunhas. E para se ter uma idéia de como explicações desta natureza

eram encontradas em acontecimentos sui generis, cito uma matéria que

apareceu no mesmo jornal e que se insere cronologicamente no momento da

execução da Operação Argus (e que ocorreu próximo a nós, no estado de

Pernambuco)

“Objeto Misterioso Cai Numa Ilha Pernambucana” “Encontrado na Ilha de Janeiro Uma Sonda da USAF - A População Local Imaginou Ser Disco Voador - Médium Declarou tratar-se de Uma Mensagem da Bíblia” “RECIFE, 1 (UPI) - Fato interessante ocorreu na manhã de

345 Jornal O Estado, Fortaleza, 27 de julho de 1958, “Teleguiado Teria Explodido Sobre a Cidade de Quixadá”.

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ontem numa localidade da ilha de Janeiro, cujos moradores cientificaram a polícia que havia caído ali um disco voador. Imediatamente a guarnição da Rádio Patrulha dirigiu-se para quêle [sic] local e verificou tratar-se de uma rádio-sonda da USAF [Força Aérea norte-americana]. Nessa altura os moradores já estavam de acordo que o objeto era uma mensagem da bíblia...” 346

As referências a “Objeto Misterioso” e a “Disco Voador” (tão comuns nas

matérias analisadas no Segundo Capítulo) repetem-se aqui para este

acontecimento. E, analogamente, “as escrituras estavam se confirmando” e se

fala em “uma mensagem da bíblia”, o que muito certamente aproximou os

moradores da ilha de Janeiro de uma explicação do tipo “fim do mundo”.

Ao final da entrevista ao jornal, o deputado sugeriu uma investigação da

Aeronáutica com o intuito de “TRANQUILIZAR AS POPULAÇÕES DO

MUNICÍPIO DE QUIXADÁ, QUE FICARAM, REALMENTE, ATERRORIZADAS

COM AQUELAS TERRÍVEIS E INEXPLICÁVEIS EXPLOSÕES...” Não pude

encontrar, infelizmente, em nenhum jornal, evidências de que a Aeronáutica

tenha iniciado uma investigação (com visitas ao município de Quixadá, a

audição de testemunhas etc) para apurar as causas da “terrível explosão”.

A notícia das “TERRÍVEIS E INEXPLICAVÉIS EXPLOSÕES” ganhou,

segundo matéria do jornal O Estado, ‘Repercussão Nacional”. E a matéria

começou ironizando o periódico O Jornal que ventilou a possibilidade da

“deflagração de dinamite” (hipótese levantada igualmente pelo jornal O Povo),

anunciando que um “Jornal de Fortaleza acredita estar havendo ‘explosões

geológicas’ no céu!...” 347. E atirou: “Custa-nos acreditar que seja possível

realizar pesquisas e explorações geológicas no céu...” Fica claro pela matéria

que as interpretações sobre o que ocorreu no município causou uma certa

polêmica entre “Alguns órgãos [de imprensa] da nossa capital”, em que “cada

qual a sua maneira”, procurou interpretar o episódio. O Estado, porém, não

procurou “fazer especulação, mas apenas transcrever o que nos dissera o

deputado que, como Oficial da Aeronáutica, certamente conhece o problema

muito melhor do que nós”. E um pouco adiante na matéria, o jornal apresentou

um “despacho da Asapress” no qual o Brigadeiro Reynaldo Carvalho, do

Estado Maior da Aeronáutica, deu sua opinião sobre o “QUE REALMENTE 346 Jornal O Jornal, Fortaleza, 1 de setembro de 1958. 347 Jornal O Estado, Fortaleza, 29 de julho de 1958, “Repercussão Nacional das Explosões em Quixadá”.

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ACONTECEU” em Quixadá. Para o jornal, o Brigadeiro analisou o que ocorreu

“sem especulações de qualquer natureza”, interpretando “o fenômeno nos seus

justos termos”. Afirmou o Brigadeiro “nada saber a respeito” e adicionou “ter

chegado oficialmente ao seu conhecimento” (mas através de quem?) de que “a

explosão tenha sido provocada por algum fenômeno próprio da natureza e não

por engenho construído por mãos humanas”. Observa-se, portanto, que a

explicação oficial buscou afastar a possibilidade de “explosão de teleguiado”

(assim como não coadunou com a “deflagração de dinamite”), aproximando-se

de uma em que não seriam buscados responsáveis: simplesmente “um

fenômeno próprio da natureza”.

Este fantástico episódio, apesar da “Repercussão Nacional”, foi

lentamente se apagando da memória das pessoas, fossem elas testemunhas

oculares do ocorrido ou não. Um acontecimento incrível que não causou

maiores problemas para o município (conforme o Unitário, não há registro de

que alguém haja morrido devido a explosão, uma vez que “felizmente, não se

registraram vítimas e nem destruição de casas” 348) e que parecia não ter uma

explicação razoável: eis elementos que juntos pareciam condená-lo ao

esquecimento. A assertiva do Brigadeiro deve ter contribuído para que se

falasse menos ainda sobre ele, uma vez que a explicação oficial (e arrazoada)

foi apresentada. Porém, como vimos, um outro episódio, igualmente inusitado,

chamaria a atenção do mundo para o Atlântico Sul (e para o Nordeste

brasileiro) no ano seguinte: a Operação Argus. A “estupenda ocorrência”

ganhou vida nova e, mais impressionante ainda, uma nova explicação que

ultrapassou aquelas da “explosão de teleguiado”, da “deflagração de dinamite”

e da de “um fenômeno próprio da natureza”. E que nova explicação seria esta?

~~0~~

Somente poderia avaliar a “Repercussão Nacional” que a explosão em

Quixadá alcançou se tivesse realizado uma pesquisa nos jornais da época da

Capital Federal, o Rio de Janeiro. Não foi possível ir até lá e iniciar uma

348 Jornal Unitário, Fortaleza, 8 de abril de 1959, “Comissão atômica vai revelar a verdade sôbre explosões no Ceará”.

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pesquisa que muito provavelmente traria elementos novos e riquíssimos para

esta pesquisa. Porém, foi possível encontrar um dos jornais que repercutiu a

notícia da explosão no Sertão Central. Através de uma consulta (via Internet)

ao arquivo do jornal The New York Times, encontrei uma matéria (já citada aqui

neste Capítulo) que relaciona Quixadá e a Operação Argus. A matéria do jornal

norte-americano apenas repercutiu (e citou) uma outra matéria do jornal

carioca Última Hora que apontava a explosão ocorrida em Quixadá como parte

da Operação. Para o jornal carioca “Explosões nucleares cobrem o nordeste

[brasileiro] com poeira atômica [ou fallout]” 349. O jornal norte-americano citou

também o Jornal do Brasil em cujo “cabeçalho declara que ‘poeira atômica

envenena homens no Sul do Brasil’”. O que ocorreu, então, foi que a liberação

pela imprensa norte-americana (no caso, pelo The New York Times, em sua

edição de 19 de março de 1959) de que testes clandestinos foram

secretamente conduzidos no Atlântico Sul, em meados de 1958, foi suficiente

para que se relacionasse a “terrível explosão” em Quixadá (“que levantou uma

imensa coluna de espessa fumaça, dando a impressão de que se tratava de

uma ocorrência verificada no próprio espaço” 350) com a Operação Argus. E isto

foi possível, pois, a aura de mistério que envolveu a Operação (a primeira e a

única vez que o governo norte-americano admitiu a execução de uma operação

clandestina) deve ter contribuído para que “jornais esquerdistas” (como

chamaria o The New York Times) ventilassem aquela hipótese.

A exemplo da imprensa carioca, a imprensa cearense também noticiou e

especulou sobre a fantástica possibilidade. O Jornal estampou: “EXPERIÊNCIA

ATÔMICA NO NORDESTE: A OPERAÇÃO ARGUS”. A matéria atestou que os

artefatos nucleares foram lançados a “cerca de 2000 milhas a leste e um pouco

ao sul da Baia Blanca na Argentina” e que explodiram “bem ao largo do

Nordeste Brasileiro” 351. Uma semana depois falou-se que a explosão nuclear

ocorrera na “Baia de Camarones, na Argentina”, e o jornal sugeriu que a

explosão do Nordeste brasileiro se trata de um episódio à parte, ao dizer que

“Cientistas Brasileiros Falam Sobre as Terríveis Conseqüências das Explosões

349 Jornal The New York Times, Nova Iorque, 4 de abril de 1959. 350 Jornal O Povo, Fortaleza, 28 de julho de 1958, “NADA SE SABE EM FORTALEZA SOBRE A EXPLOSÃO DE TELEGUIADO EM QUIXADÁ”. 351 Jornal O Jornal, Fortaleza, 1 de abril de 1959.

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Provocadas Pelos Norte-Americanos em Camarones e no Nordeste” 352.

Acentua-se, portanto, a confusão quanto a exata localização das explosões.

Um desenho publicado na primeira página de O Jornal, de 1 de abril de 1959,

passado pela agência internacional de notícias U.P.I. (United Press

International), sugeriu que os foguetes foram disparados do litoral da Argentina

e explodidos ao longo da costa nordestina. Teria a distribuição do desenho

(abaixo reproduzido) ajudado a disseminar mais confusão acerca da Operação

Argus?

352 Jornal O Jornal, Fortaleza, 8 de abril de 1959.

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A “foto” parece não ter sofrido do jornal que a reproduziu, nenhuma

alteração, pois as inscrições em língua estrangeira (inglês) encontram-se sem

tradução 353.

Há no jornal Unitário uma matéria sinalizando que a “Comissão atômica

vai revelar a verdade sobre explosões no Ceará” 354. Foi dito pelo Comandante

Bernardino Pontes, assistente do presidente do C.N.E.N (Comissão Nacional

de Energia Nuclear, a “grande autoridade nacional em assuntos atômicos”), de

que a Comissão apresentaria os resultados de um “detalhado relatório” que

permitiria se “pronunciar seguramente acerca dos perigos que poderiam causar

às populações do Nordeste as anunciadas explosões atômicas”. E mais ainda,

a Comissão (na figura do Almirante Otacílio Cunha, presidente do C.N.E.N)

“QUER OUVIR O REPÓRTER DO [jornal] ÚLTIMA HORA”, uma vez que ele

esteve no Nordeste “em meados do ano passado [julho de 1958]” e “teve a

oportunidade de colher informações de viajantes vindos de Quixadá”, o que lhe

possibilitou ouvir relatos de “testemunhas das terríveis explosões ali verificadas

com todas as características de detonações nucleares”. O jornalista Pinheiro

Júnior, do Última Hora, que realizou naquele período uma reportagem sobre os

“problemas da sêca [de 1958]”, ao tomar conhecimento do ocorrido, ouviu o

relato de “habitantes de Quixadá, recém-chegados a Fortaleza”. Segundo eles

“Foi uma coisa tão violenta que a gente tinha a impressão de que o céu ia desabar como no dia do juízo final. A terra estremeceu com 3 explosões consecutivas sem qualquer intervalo, enquanto um ruído surdo foi ouvido durante um minuto” 355.

O “dia do juízo final”, no entanto, não chegou àquela cidade naquele ano

e muito se especularia ainda sobre o “QUE REALMENTE ACONTECEU”. As

características apresentadas ao jornalista foram surpreendentes. Ao ser

descrito que “Uma imensa coluna de fumaça que se confundia com uma

labareda de fogo amarelo alaranjado, escurecendo-se depois, ergueu-se até o

infinito”, imaginei que se fizesse, nas matérias que divulgaram a explosão em

julho de 1958, alguma associação a uma explosão atômica; porém, em

353 De cima para baixo: “MAGNETIC FORCE FIELD”, ou “CAMPO MAGNÉTICO DE FORÇA”, e “RADIATION SHIELD”, ou “CINTURÃO DE RADIAÇÃO” (tradução minha). 354 Jornal Unitário, Fortaleza, 8 de abril de 1959. 355 Jornal Unitário, Fortaleza, 8 de abril de 1959.

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nenhum momento, a encontrei. A associação foi feita somente quando do

anúncio da Operação Argus. O Unitário, no entanto, anunciou que a notícia da

explosão em Quixadá, “Coincidindo em quase todos os pontos com as

características divulgadas sobre a famosa ‘Operação Argus’”, foi um “autêntico

‘furo’ internacional antecedendo-se mesmo as divulgações do ‘New York

Times’ (...) sobre a ‘Operação Argus’”.

Outros jornais da capital cearense deram ampla cobertura a provável

explosão de uma bomba atômica nos céus do Nordeste brasileiro e, mais

precisamente (e possivelmente), na cidade de Quixadá. O jornal Tribuna do

Ceará estampou em primeira página: “Essa Não, Tio Sam: TRÊS BOMBAS

ATÔMICAS EXPLODIRAM NOS CÉUS DO NORDESTE BRASILEIRO” 356. A

matéria iniciou afirmando que o anúncio de que três bombas atômicas

explodiram nos céus do Nordeste brasileiro foi feita pelo Departamento de

Defesa americano. Esta informação foi repassada para a Tribuna pela agência

Asapress, do Rio de Janeiro. Seria importante verificar, na imprensa carioca ou

na agência noticiosa, a fonte de tal informação, uma vez que a admissão, em

algum momento, do Departamento de Defesa americano de que tais explosões

realmente ocorreram (no Nordeste brasileiro) forneceria rico combustível para

novas conjecturas. Em seguida a matéria adotou a discussão sobre a

contaminação do leite no Brasil (o jornal cita o caso do “leite mineiro”) pelo

estrôncio-90 (um dentre vários subprodutos das explosões nucleares).

Também disse que “em ossos de homens que residem no Nordeste” notou-se

a presença do elemento radioativo. Nos jornais há evidências de que foram

realizadas pesquisas envolvendo a coleta de material humano (no caso, ossos)

para detecção de elementos radioativos. Em janeiro de 1958, o periódico

Gazeta de Notícias afirmou, em matéria, que foram realizadas “pesquisas em

ossos procedentes de cinco continentes” 357, sob os cuidados da Columbia

University. E, “Na América do Sul, os ossos para serem examinados foram

enviados do Chile e do Nordeste brasileiro, sendo então constatada a presença 356 Jornal Tribuna do Ceará, Fortaleza, 2 de abril de 1959. 357 Jornal Gazeta de Notícias, Fortaleza, 3 de janeiro de 1958, “Nuvens de radioatividade já atingiram o nosso território”. Foram feitas coletas de urina em “calouros” da Faculdade Fluminense de Medicina pelo professor dr. Davi Azulay e foi constatada a presença de “uma unidade de estrôncio-90 em 86 litros de urina”. E o dr. Pena França, do Instituto de Biofísica, “verificou a presença de (...) estrôncio - 90” em amostras de “leite em pó brasileiro”. E o dr. Luis Marques, do Centro de Pesquisas Físicas, “encontrou o estrôncio - 90 em águas da chuva, no Rio”.

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de estrôncio – 90”. É interessante observar que a coleta foi realizada meses

antes da Operação Argus, o que mostra que a precipitação de partículas

radioativas decorrentes de explosões nucleares (ou fallout) dos testes

americanos e soviéticos já tinha atingido um espectro global naquele

momento358. E uma outra matéria (um pouco antes da consecução da

Operação) já alertava para os distúrbios climáticos, na região Nordeste,

causados pelas explosões atômicas que se intensificavam naquele período (ver

gráfico no Primeiro Capítulo): seriam elas, segundo “estudiosos de

climatologia”, as responsáveis pelas “violentas mudanças que se verificam

atualmente no clima do Nordeste” 359, uma vez que uma “grande massa de ar

gelado das regiões polares” estava sendo desviada para a região Nordeste!

A revelação de que experiências nucleares foram realizadas no Atlântico

Sul veio colocar mais combustível na discussão sobre os perigos da radiação

que rondava o território brasileiro. No Rio de Janeiro, os nossos mais

destacados cientistas emitiram suas opiniões sobre as experiências

clandestinas. O professor Leite Lopes e o cientista César Lattes, dentre outros,

se posicionaram frontalmente contra a Operação Argus. Para o professor Leite

Lopes, o que os norte-americanos fizeram era comparável a “disseminar

arsênico nas adutoras de água e depois recolher as vítimas para ver o efeito do

veneno” 360, e fuzilou enfurecido: “Não quero falar muito nesse assunto para

não ficar nervoso”. Já César Lattes, em matéria de O Jornal, propôs uma

“reunião de cientistas para estudar os efeitos da Operação Argus” 361 e

acrescentou que “o Brasil deve protestar” e não permitir que os Estados Unidos

“lancem seus dejetos radioativos onde considerarem mais conveniente”.

Algumas autoridades, no entanto, diziam que “não há perigo [de contaminação

radioativa] quando as provas são realizadas a grandes altitudes” 362: foi o que

358 Este assunto é amplamente discutido em WELSOME, Eileen. The plutonium files: America’s secret medical experiments in the cold war. Nova Iorque: Delta, 2000 e FRADKIN, Philip L. Fallout: an American nuclear tragedy. Boulder: Johnson Books, 2004. 359 Jornal Gazeta de Notícias, Fortaleza, 24 de junho de 1958, “EXPLOSÕES NUCLEARES AFETAM O NORDESTE”. 360 Jornal O Jornal, Fortaleza, 8 de abril de 1959, “MASSA ATOMICA ESTARIA ENVENENANDO HOMENS...”. 361 Jornal O Jornal, Fortaleza, 15 de abril de 1959, “O Perigo Atômico Pesa Sobre o Brasil” “CÉSAR LATTES PROPÕE REUNIÃO DE CIENTISTAS PARA ESTUDAR OS EFEITOS DA ‘OPERAÇÃO ARGUS’”. 362 Jornal O Jornal, Fortaleza, 13 de abril de 1959, “EXPERIENCIAS A GRANDES ALTURAS NÃO NOS AFETAM”.

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disse, no mesmo jornal, o Almirante Otacílio Cunha (presidente do C.N.E.N.) 363. Mário Schemberg, “catedrático de física nuclear da Faculdade de Filosofia

de São Paulo”, alertou para o perigo das explosões atômicas, “sobretudo nos

céus do Nordeste brasileiro” 364. E em uma matéria surpreendente, um tanto

que na contra-mão das múltiplas repercussões no meio científico, o jornal

Unitário trombeteou que são “Unânimes os cientistas brasileiros ao julgarem

inofensivas as explosões atômicas realizadas no Nordeste” 365. O jornal, após

consultar cientistas “especializados em radioatividade e explosões nucleares”

concluiu que a “’experiência Argus’, levada a efeito no Nordeste brasileiro” e

que consistiu de explosões atômicas “na atmosfera brasileira”, não representou

“qualquer ameaça para a segurança ou bem-estar das populações daquela

região”. O jornal ouviu o depoimento do professor Bernardo Gross, responsável

pelas medições de radioatividade realizadas no Brasil. Segundo ele, se as

precipitações radioativas da Operação tivessem caído no Brasil, “mesmo assim

ela não traria grandes prejuízos, em razão da sua fraca intensidade”. Adicionou

também o fato das mesmas terem sido realizadas “a uma altura muito grande”,

o que fez com que a radioatividade decorrente das explosões ter sido

“dispersada pelas correntes aéreas a grandes alturas”. Estudos posteriores

(realizados aqui no Brasil pelo cientista Jorge Guimarães e divulgados em

1959) mostraram que a “RADIOATIVIDADE ATINGE O NORDESTE

BRASILEIRO”. O cientista fez “sensacionais revelações à Associação Médica

do Rio de Janeiro” ao dizer que “o estrôncio – 90 (substância radioativa),

provocada pelas últimas explosões atômicas nucleares, já chegou ao Brasil,

estando contaminadas várias regiões do país, principalmente o Nordeste e

cidades litorâneas, como o Rio de Janeiro, onde, em 1958 foram registrados

dez nati-mortos na Santa Casa, em conseqüência da presença de

radioatividade” 366.

363 Repetia-se, portanto, em versão tupiniquim, o que já vinha ocorrendo nos Estados Unidos, no mesmo período, com relação ao perigo de contaminação radioativa das experiências no estado de Nevada: o governo nega peremptoriamente a possibilidade de contaminação (alçado no discurso de técnicos e cientistas laureados pela comunidade científica internacional), enquanto a população afetada e os cientistas insurgentes (muitas vezes taxados de comunistas) pouco podem fazer para deter a continuidade dos testes. 364 Jornal Tribuna do Ceará, Fortaleza, 2 de abril de 1959. 365 Jornal Unitário, Fortaleza, 10 de abril de 1959, “EXPERIENCIA ARGUS NÃO TRAZ PERIGO PARA OS NORDESTINOS”. 366 Jornal O Povo, Fortaleza, 30 de novembro de 1959.

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Como já havia dito anteriormente, os jornais cariocas repercutiram a

notícia de que explosões nucleares haviam sido conduzidas no Nordeste

brasileiro. O periódico Novos Rumos trouxe matéria de primeira página

denunciando que “EXPLOSÕES ATÔMICAS IANQUES ENVENENAM OS

CÉUS DO BRASIL” 367, e denunciou “esforços da Embaixada norte-americana,

e seus ‘associados’ no governo brasileiro”, de encobrir da “opinião pública e

dos meios científicos brasileiros” os efeitos terríveis da Operação Argus. E em

uma caricatura o jornal mostrou uma poeira radiativa de “strôncio [sic] 90”

alimentando uma criança com o venenoso elemento. Uma bomba atômica ao

lado serviu para que se inscreva o nome do vilão que a envenena: “GUERRA

FRIA”. Uma criança foi utilizada mais uma vez (em algumas charges mostradas

no Primeiro Capítulo uma criança também aparece) como representação da

pureza e ingenuidade, ante a ciência que descortina um universo novo de

possibilidades com a “Era Atômica”.

367 Jornal Novos Rumos, Rio de Janeiro, 17 a 23 de abril de 1959.

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As declarações dos órgãos oficiais “ianques”, sempre “omissos e

contraditórios”, e o “noticiário confuso” contribuíram no emaranhar de

informações veiculadas, a ponto do jornal anunciar que “Pouco se sabe sobre o

que realmente aconteceu”. E no burburinho de informações, o jornal forneceu

uma muito interessante a respeito da localização dos testes nucleares da

Operação: as explosões foram efetuadas “numa região mais ou menos próxima

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do Nordeste brasileiro, e da base de Fernando de Noronha” (esta foi a primeira

e a única referência que encontrei da ilha como locus da Operação). A

divulgação de que os níveis de radioatividade no Brasil (provenientes de testes

nucleares alhures 368), em agosto de 1958, experimentaram um aumento de

400%, contribui para que se acreditasse que a Operação foi realizada na costa

brasileira. O anúncio, feito pelo cientista Padre Francisco Xavier Roser 369, “é

de extrema gravidade e exige que o público seja imediatamente esclarecido

sobre a situação dessa contaminação no país” 370. E, depois de denunciar que

o “cientista Pe.” recebeu uma bolsa de estudos da Fundação Rockefeller, o

semanário lembrou que o mesmo não “hesitou em cair no ridículo” ao afirmar

que o aumento nos níveis de radioatividade no Brasil se devia a “explosões

realizadas pela URSS, e não as norte-americanas”, como se fosse possível

distinguir “partículas radioativas comunistas” e “capitalistas” (esta controvérsia

foi citada, em primeira página, em um jornal local 371). O Coronel Luiz de

Alencar Araripe explorou esta questão, anos mais tarde, em um ciclo de

conferências sobre Problemas Brasileiros da Atualidade (promovida pela

Biblioteca do Exército), em 1967.

“A destruição causada pelas bombas que caíram sobre as cidades japonesas e as precipitações radioativas decorrentes das experiências nucleares americanas no Pacífico foram de vulto e conseqüências bem menores que os das precipitações psicológicas derramadas pelo mundo todo, em decorrência das primeiras explosões nucleares que o mundo testemunhou. E os comunistas bem souberam explorar os justos receios da humanidade, de um súbito holocausto nuclear e de uma insidiosa contaminação radioativa, para estigmatizar o Ocidente com a responsabilidade pela

368 O cientista Padre Roser disse que “a quadruplicação das precipitações radiativas no Brasil, no ano passado, só poderá ser atribuída exclusivamente a grande série de provas nucleares, com bombas de hidrogênio, realizadas pelos russos, descritas como particularmente ‘sujas’ - à superfície da Terra ou nas suas proximidades”. Jornal Correio do Ceará, Fortaleza, 11 de abril de 1959, “CIENTISTA BRASILEIRO DEPLORA SENSACIONALISMO EM TORNO DAS PRECIPITAÇÕES RADIATIVAS”. 369 Segundo o jornal Correio do Ceará, Fortaleza, 11 de abril de 1959, “O Padre Francis Xavier Roser, S.J., diretor do Departamento de Física da Universidade Católica do Rio de Janeiro, contrastou as notícias de imprensa com a atitude sóbria e arrazoada do Comitê das Nações Unidas para os Efeitos da radiação Atômica. O Padre Roser representou o Brasil nesse comitê científico durante a sua sexta sessão, recém- concluída.” O Padre disse ainda que a radiação proveniente das explosões da Operação Argus não atingiu “a região tropical do Brasil” como “foi citado em algumas histórias na imprensa”. 370 Jornal O Jornal, Fortaleza, 11 e 12 de abril de 1959, “AUMENTO DE 400% DA RADIAÇÃO NO BRASIL”. 371 Jornal Tribuna do Ceará, Fortaleza, 8 de abril de 1959, “As Explosões Atômicas No Nordeste Brasileiro” “Dúvidas Sobre Se a Poeira Radioativa é Russa ou Americana”.

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abertura da caixa de Pandora, de onde emergiu o átomo capitalista” 372 [grifos do autor].

E continuando a discussão nos meios científicos nacionais em torno dos

maléficos efeitos da radiação, o periódico Novos Rumos citou alguns cientistas

e autoridades do governo que, a todo custo, procuravam desviar o foco da

discussão (como o “cientista Pe.” Roser e suas partículas “comunistas” e

“capitalistas”). O “jovem cientista” Luis Márquez aceitou “subvenções da

Embaixada ianque” e agora tenta “minimizar o perigo das radiações atômicas,

o qual, segundo afirma, era menor que o das radiações emitidas pelos

ponteiros luminosos de seu relógio de pulso” 373. E em um outro caso de

“aberto cinismo”, o Almirante Octacílio Cunha, presidente do C.N.E.N., buscou

negar “qualquer importância ao ‘projeto Argus’, e as experiências atômicas em

geral”.

“É esta ‘insensibilidade dirigida’ de alguns cientistas brasileiros, e a omissão de outros, que levou o deputado Josué de Castro a incluir entre as perguntas que dirigiu a C.N.E.N., a seguinte: ‘As pesquisas realizadas pelos institutos e pelos cientistas brasileiros recebem ajuda técnica ou financeira de órgãos de governos estrangeiros interessados nos resultados das experiências atômicas, particularmente de países realizadores de testes nucleares?’” 374.

Porém, o semanário apresentou também “cientista brasileiros que não

entraram na ‘área do dólar’”, e foi graças a eles que a “opinião pública pôde por

isso ser esclarecida e alertada para a grande ameaça que paira sobre o nosso

país”. E a seguir citou os “cientistas brasileiros eminentes”, cujo discurso

destoava daquele dos que buscaram mostrar as explosões atômicas na

atmosfera como algo inofensivo e distante de nós: César Lattes, Leite Lopes,

Jacques Danon, Guido Beck, Bernard Gross, dentre outros. E aqui há um ponto

de convergência com algo que foi dito no livro de Leôncio Basbaum (e que

veremos um pouco mais adiante neste Capítulo): a aquiescência do governo

brasileiro para com os testes clandestinos. Segundo o semanário, os “cientistas

brasileiros eminentes” eram os únicos que mostram a “opinião pública” aquilo

372 ARARIPE, Coronel Luiz de Alencar. Panorama nuclear mundial e o Brasil. In: Revista Paz e Terra, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, número 8, ano II, setembro de 1968, p.244. 373 Jornal Novos Rumos, Rio de Janeiro, 17 a 23 de abril de 1959. 374 Jornal Novos Rumos, Rio de Janeiro, 17 a 23 de abril de 1959.

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de “muito grave [que] estava sendo ocultado a ela pelo governo norte-

americano com a cumplicidade, ou omissão, do governo brasileiro”. E colocou,

a seguir, três questões que precisam ser “urgentemente esclarecidas”, e que

certamente serviriam de problemáticas a um trabalho que visasse a verificação

da realização de testes clandestino no Brasil.

“1º) Foram feitas medições do grau de radioatividade na atmosfera em nosso País, depois de ter sido constatado o aumento já extremamente inquietante de 400%, e depois de terem explodido as três bombas da série ‘Argus’? Qual a potência e as características reais das bombas? 2º) Quando e onde, exatamente, foram realizadas estas experiências? (...) (...) 3º) Que direito têm os Estados Unidos de decidir, sem consultar ninguém, onde e quando explodir seus engenhos atômicos sem pelo menos uma comunicação prévia aos governos interessados?” 375.

~~0~~

A referência encontrada no livro Caminhos Brasileiros do

Desenvolvimento (publicado em 1960), de Leôncio Basbaum, (e que foi o

catalisador da escrita do artigo de Carlos Emílio, “Bomba Atômica no

Nordeste?”) agora pode ser entendida de maneira mais ampla em seu

contexto. Ao escrever, no Preâmbulo de seu livro, que “ainda recentemente os

Estados Unidos fizeram explodir uma Bomba-A nos céus do Nordeste sem que

os governantes e chefes políticos de nosso país se manifestassem de qualquer

modo” 376, Basbaum atirou-nos a informação e não forneceu nenhum indício ou

pista de onde iniciar a procura pelo fato gerador de tão surpreendente

acontecimento. Apesar de não citar a fonte de onde obtivera a informação, é

certo que Basbaum estava se referindo a Operação Argus. E mais ainda: em

sua afirmação, ele sugeriu complacência do governo brasileiro, no caso o de J.

Kubitschek, para com o teste clandestino. E esta sugestão me levou a buscar

evidências de tal imobilismo e conformismo do governo brasileiro para com a

realização de um teste nuclear nos céus do Nordeste. No Segundo Capítulo foi

375 Jornal Novos Rumos, Rio de Janeiro, 17 a 23 de abril de 1959. 376 BASBAUM, Leôncio. Caminhos brasileiros do desenvolvimento: análise e perspectivas da situação brasileira. São Paulo: Fulgor, 1960, p.21.

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mostrado como “nacionalistas e comunistas” denunciaram que a instalação do

posto de observações de teleguiados, na ilha de Fernando de Noronha, foi fruto

de negociações que resultaram em liberação de empréstimos, de material

bélico etc. O governo, através do Itamarati, negava peremptoriamente, a

possível relação, afirmando que “O Brasil não pede (...) em troca da concessão

do posto de observações, qualquer compensação” 377.

Mas e os militares? Estariam eles dispostos a deixar que o Brasil

cedesse (e segundo alguns, em troca de compensações financeiras) parte de

nosso território a uma nação estrangeira, mesmo que temporariamente? Em

seu livro, Problemas do Brasil, o Coronel Adalardo Fialho dedicou um capítulo

para “O Papel das Bases Estratégicas do Nordeste na Política Externa

Brasileira”. E nele, forneceu alguns elementos interessantes que ajudarão a

esclarecer aquelas perguntas. Na conclusão do capítulo ele forneceu indícios

do pensamento dos militares naquela época e que pode, muito certamente, ter

perdurado até o fim daquela década.

“Natal, Fernando de Noronha e Recife são uma das grandes chaves do mundo” “É a esquina de onde se poderá barrar, em termos de guerra aero-naval moderna, movimentos provindos do Prata, da Norte-América e da Europa” “Portanto, saibamos tirar proveito dessa dádiva da Geografia. Fortifiquemos e guarneçamos fortemente as bases do Nordeste, para aumentar-lhes o valor e a cobiça pelos outros povos, porém não nos aliemos a nenhum partido. Fiquemos de mãos livres para, no momento oportuno, jogar com elas - trunfo inestimável - no tabuleiro da política internacional, de acordo com os nossos interesses” 378.

A cessão da Ilha se constituiu em um momento interessante de nossa

história. A heterogeneidade dos discursos sobre este acontecimento varia

desde as calorosas denúncias dos “nacionalistas” até o discurso apaziguador

dos “entreguistas”. E, agora, voltando ao livro de Basbaum, no mesmo

parágrafo em que denunciou o teste nuclear no Nordeste brasileiro, ele fez

referência a cessão da Ilha.

377 Jornal O Povo, Fortaleza, 17 de janeiro de 1957, “NOTA DO ITAMARATI SOBRE OS ENTENDIMENTOS COM O GOVERNO DE EISENHOWER”. 378 FIALHO, Cel. Adalardo. Problemas do Brasil. Rio de Janeiro: Ministério da Guerra, Biblioteca do Exército, maio / junho 1952, p.76.

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“Por outro lado, esse mesmo país [os EE.UU] pretende dirimir suas divergências com a União Soviética utilizando parte de nosso território como base de lançamento de foguetes, envolvendo-nos em uma guerra na qual nosso povo não está interessado e pela qual só teríamos a perder” 379.

Aquele, definitivamente, era um momento em que tudo parecia possível

e factível. Conjeturar sobre a possibilidade de atividades clandestinas dos

Estados Unidos no Brasil e no mundo não parecia nada absurdo, uma vez que

o próprio governo “ianque” as realizava em plena luz do dia.

“Seis meses depois do lançamento do Sputnik foi promulgada uma Lei de Educação para a Defesa Nacional. O movimento dos trabalhadores passou a ser controlado de perto. Tomou impulso o debate sobre os direitos civis. Acusado de estupidez e incompetência, o governo Eisenhower passou à defensiva: era hora não só de ouvir os intelectuais, como também de acionar os espiões. A CIA ganhou nova e insuspeitada liberdade de ação (...). O poderoso chefão da CIA, Allan Dulles (...) ganhou plenos poderes -- a histeria anticomunista justificava a atmosfera paranóide” 380

E Bandeira jogou mais lenha no fogo de nossas conjecturas quando ao

se referir a cessão da Ilha diz que

“Os militares (...) resistiram. Quiseram a presença de oficiais brasileiros em todos os setores da base [na Ilha], para o seu completo funcionamento. Os americanos relutaram e, finalmente, aquiesceram, salvaguardando um segredo, que alegavam, apenas três pessoas, nos Estados Unidos, conheciam” 381.

Que segredo seria este? Estaria relacionado à realização de um teste

clandestino ou à disposição de armas nucleares na Ilha? Curiosamente o

governo norte-americano liberou, em fins da década de 1990, um documento

secreto, produzido em 1978 e intitulado “História da custódia e disposição de

armas nucleares: julho de 1945 até setembro de 1977” 382. Como é comum aos

documentos secretos liberados pelo governo norte-americano, este está repleto

379 BASBAUM, Leôncio. Op. Cit. p.21. 380 BOJUNGA, Cláudio. JK: o artista do impossível. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p.503. 381 BANDEIRA, Moniz. Presença dos Estados Unidos no Brasil: dois séculos de história. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira: 1978, p. 377. Quanto a esta informação, Bandeira diz ter obtido em “Entrevista de Kubitschek ao autor”. 382 “History of the Custody and Deployment of Nuclear Weapons (U) July 1945 Through September 1977”. Washington: Office of the Assistant to the Secretary of Defense (Atomic Energy), February 1978.

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de parágrafos inteiros tornados ilegíveis (riscados com uma caneta preta): a

capa e a página B-2 (do Apêndice “Cronologia - Disposição [de armas

nucleares] por localidades”) do “History...” são reproduzidas a seguir.

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Observem que nesta página entre Cuba e Guam aparece um nome de

uma localidade que foi intencionalmente apagada antes da liberação do

documento. Neste local foram armazenadas bombas nucleares entre fevereiro

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e outubro/dezembro de 1958, e um tipo de míssil antimíssil (Nike Hercules) foi

também mantido lá entre novembro de 1959 e julho de 1965: inquietou-me

bastante essa informação, e por dois motivos. Primeiro, segundo informação

obtida de um livro sobre Fernando de Noronha 383, os norte-americanos

operaram o “Posto de Mísseis Teleguiados, próximo ao Boldró [no caso, o

nome de uma praia na ilha]”, entre 1957 e 1965. Segundo, o nome apagado no

documento era o de uma localidade entre a letra “C” (Cuba) e “G” (Guam): caso

a lista seja dada em ordem alfabética (como nos parece observando-a até o

final), o nome riscado bem que poderia ser Fernando de Noronha.

Em artigo publicado na revista The Bulletin of the Atomic Scientists 384,

Norris, Arkin e Burr parecem finalmente ter descoberto “onde elas [as armas

nucleares] estavam”. Para eles a localidade apagada entre Cuba e Guam é

Groenlândia (Greenland) e para esta afirmação basearam-se em documentos

liberados pelo governo dinamarquês (a quem pertence a Groenlândia) logo

após a liberação do “História da custódia e disposição...” pelo governo norte-

americano. Os autores admitiam que a informação de que a Groenlândia

recebeu armas nucleares “foi uma fonte de grande embaraço para ambos os

países [dinamarquês e norte-americano]”, pois “Islândia, assim como a

Dinamarca, têm uma forte tradição não-nuclear e, pelo menos publicamente, se

opuseram a muitas políticas e aspectos nucleares da aliança OTAN” 385. E

apesar de dizer que “não há dúvida” que o nome apagado é “Greenland”,

admitem os autores do artigo que “há muito mais história nuclear a ser

descoberta, especialmente em casos onde a política não-nuclear da nação era

ab-rogada ou onde se fechavam os olhos de modo a hospedar a superpotência

parceira” 386: o Brasil de final da década de 1950 parece se encaixar em ambas

as possibilidades, pois por diversas vezes era conclamada a defesa

hemisférica como o motivo da presença americana na ilha. O General A. de

383 Fernando de Noronha 360º. [Texto de Danielle Corpas e Fotografias de Luiz Cláudio Lacerda e Rogério Randolph]. Rio de Janeiro: TREZENTOSESSENTA GRAUS Produções Ltda., 2003, p.106. 384 NORRIS, Robert S., ARKIN, William M. e BURR, William. “Where they were”. In: The Bulletin of the Atomic Scientists, Chicago, v. 55, n. 6, p. 26-35, nov./dez. 1999. 385 “Iceland, like Denmark, has a strong non-nuclear tradition and, at least publicly, opposed many of the nuclear aspects and policies of the NATO alliance” [tradução minha] 386 “In general there is a lot more nuclear history to be discovered, especially in cases where a nation’s non-nuclear policy were abrogated or where a blind eye was turned to accommodate its superpower partner” [tradução minha]

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Lyra Tavares talvez ajude a lançar mais alguma luz sobre a importância do

Nordeste brasileiro na “defesa hemisférica” naquele conturbado período.

“Dentro dessa idéia de encarar o continente como um todo geográfico, por imposição da defesa coletiva, que importa organizar face às ameaças atuais, compreende-se a importância de certas áreas do Brasil do ponto de vista do estabelecimento de bases militares, no caso de guerra, sobretudo no nordeste”387

E acrescenta, mais adiante, o artigo da The Bulletin of the Atomic

Scientists:

“A história política da disposição de armas nucleares [em alguns países] é menos ainda conhecida do que a sua história militar, e esta permanece como um importante mas virtualmente ainda não escrito capítulo da Guerra Fria” e “especialmente no caso onde armas nucleares eram dispostas sob circunstâncias especiais - e a mais especial sendo aquela onde o pais hospedeiro não sabia se elas estavam lá, onde ou quantas estavam” 388.

E em um outro artigo disponibilizado na edição eletrônica do The Bulletin

of the Atomic Scientists, Hans M. Kristensen (um pesquisador dinamarquês de

políticas nucleares) estranhou que o nome apagado do “História da custódia e

disposição...” seja “Greenland”. E argumentou:

“A desclassificação de documentos [ou seja, a liberação para o público] pode ser um processo inescrutável. Evidência disso é a decisão do Escritório do Departamento de Defesa (O.S.D) [americano] de apagar as referências a Groenlândia (...) da versão da História da custódia e disposição” 389.

Kristensen lembra que os critérios para que informações sejam

apagadas antes de liberadas para o público é que elas podem “causar dano a

segurança nacional americana ou prejudicar as relações com outros países”

387 TAVARES, Gen. A. de Lyra. Segurança nacional: antagonismos e vulnerabilidades. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1958, p.162. 388 “The political history of the deployment of nuclear weapons is even less well known than their military history and it remains an important but virtually unwritten chapter of the Cold War” “This was especially the case when weapons were deployed under special circumstances -- the most special being those in which the host country did not know if they were there, where they were, or how many there were” [tradução minha] 389 KRISTENSEN, Hans M. “Sidebar: secrecy on a sliding scale”. http://www.thebulletin. org/ article.php?art_ofn=nd99norris_024

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390. Ocorre que “muitas das informações apagadas [do ”História da custódia e

disposição...”] -- particularmente as referências a Groenlândia -- já tinham sido

revelados por outros documentos desclassificados”. E acrescentou: “As

referências a Groenlândia que foram apagadas da ‘História da custódia e

disposição’ estão em desarmonia com os eventos recentes e parecem servir a

nenhum propósito aparente”. Depois salientou que há documentos liberados

pelo governo dinamarquês e pela U.S.A.F. (Força Aérea norte-americana) que

revelam com “muitos detalhes a disposição de armas nucleares na Groenlândia

de modo que é difícil de entender a razão da O.S.D ter apagado esta localidade

da ‘História da custódia e disposição’”.

O meu espírito inquieto e investigativo me levou a acreditar que o nome

Groenlândia foi apagado do documento (“sem nenhum propósito aparente”) por

uma razão muito simples: o nome que estava no documento não era

Groenlândia e sim Fernando de Noronha. O documento não podia ser

mostrado sem ter o nome riscado, como fizeram com outros documentos,

porque era um outro nome que estava lá. Levei minha inquietação e suspeita

de que testes clandestinos podem ter sido realizados no Nordeste brasileiro,

através de um correio eletrônico 391, a um dos co-autores do artigo do The

Bulletin of the Atomic Scientists, Robert S. Norris. Ele argumentou que o nome

foi apagado, “como fizeram com muitos outros”, devido a “embaraços

diplomáticos”. E atirou a pérola:

“Eu acho que você está fundamentalmente equivocado acerca da presença de armas nucleares no Brasil. Há uma teoria mais sem sentido de que os Estados Unidos testaram-nas lá. Não há nenhuma evidência que corrobore tal afirmação. Eu concordo que há mais história para ser descoberta, mas esta deve ser baseada em evidências oficias concretas e não em alguns ‘homens do interior’ que viram uma luz brilhante em 1958” 392.

390 A liberação das informações de que os EUA tinham mantido armas nucleares na Groenlândia (mais precisamente na Base Aérea de Thule) causou furor e “escândalo político” na Dinamarca, conhecido como “Thulegate”, que resultou na criação de comitês de investigação independentes, liberação de documentos secretos etc, em um processo que durou quatro anos! 391 Correio eletrônico: Assunto: Brazil and nuclear weapons. 18 de fevereiro de 2005, hora 11:01:38. [estes dados referem-se a primeira reposta de Norris ao meu e-mail] 392 Correio eletrônico: Assunto: Brazil and nuclear weapons. 18 de fevereiro de 2005, hora 11:01:38. “I think that you are fundamentally wrong about the presence of U.S. nuclear weapons in Brazil. It is even a wilder theory that the U.S. tested there. There is not one shred of evidence to support such a claim. I agree there is more history to be discovered but it must be

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Tentei explicar ao Sr. Norris em um outro correio eletrônico (22 de

fevereiro de 2005, hora 09:40:01) que evidência de testes clandestinos não são

encontrados assim tão facilmente em fontes “oficias concretas” (é por este

motivo mesmo que são chamados de “testes clandestinos”). Sugeri ao Sr.

Norris também uma aproximação com uma escrita de história que inclua a fala

daqueles “homens [e mulheres] do interior”, pois eles têm algo que nós não

temos: a experiência de estar lá quando o clarão ou um outro episódio qualquer

ocorreu; experiência essa negada a muitos dos historiadores que se debruçam

em “evidências oficias concretas”. Como resposta, obtive do Sr. Norris o

endereço eletrônico de uma daquelas “evidências oficias concretas”: uma lista

dos testes nucleares preparada pelo Departamento de Energia americano e

aqui já citada anteriormente. E acrescentou magistralmente:

“Eu sugiro que você olhe para isto [a lista], especialmente para aquelas tabelas e números que mostram a localização. O Brasil não está incluído. Você está sugerindo que a Secretária [de Energia] e o governo americano estão mentindo e esta não é uma lista completa? O governo americano e autoridades realmente mentem ocasionalmente, mas neste caso eu acredito que esta é uma lista completa e que não há nenhum teste clandestino adicional, em nenhum lugar e em nenhum momento. Até o lançamento desse documento haviam muitos testes secretos que não conhecíamos. Agora os conhecemos e uma coisa é clara: Brasil não está na lista” 393.

Como argumentar com o Sr. Norris? Agarrando-se a pilhas de documentos

[oficiais] em seu escritório em Washington, D.C., ele escreve a história em que

as pessoas são meros coadjuvantes deles. E se não está no documento, como

ele me diria mais adiante no correio eletrônico, “caso encerrado” [case closed].

Mas não quero encerrar o caso: não sou um investigador policial em busca de

um perigoso criminoso e encarcerá-lo. Sou um historiador e assim interesso-

based on concrete official evidence and not some "men of the hinterland" who saw a brilliant light in 1958”. [tradução minha] 393 Correio eletrônico: Assunto: RE: Brazil and nuclear weapons. 22 de fevereiro de 2005, hora 10:42:22. “I suggest you look at it, especially those tables and figures that show location. Brazil is not included. Are you suggesting that the Secretary and the US government is lying and that this is not a complete list? The US government and officials do lie occasionally, but in this instance I believe that this is a complete list and there are no further clandestine tests, anywhere, anytime. Up until the release of this document there were many secret tests about which we did not know. Now we know them and one thing is clear, Brazil is not on the list” [tradução minha]

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me pelos interstícios da investigação e pelos meandros da análise, assim como

estou ciente da incompletude e incerteza de se conhecer o passado: isto,

porém, não implica que deva desistir de investigá-lo, mesmo ciente que,

quando muito, consiga apenas arranhar a sua superfície.

E em busca de se saber um pouco mais sobre como (e de se aproximar

mais das) as pessoas perceberam tudo o que aconteceu sobre as supostas

explosões nucleares no Nordeste brasileiro, gostaria agora de perscrutar a

repercussão, no meio político local, de tal acontecimento. Pesquisei, na

Assembléia Legislativa do Estado do Ceará, as Atas das Sessões naquele

período, além dos jornais locais aqui já citados.

Em minha pesquisa, descobri que no dia 8 de abril de 1959, as 14h, foi

aberta a 17ª Sessão Ordinária da 15ª Legislatura da Assembléia Legislativa. E

ao prédio da Assembléia estavam presentes um pouco mais de 40 deputados.

Um conjunto de Ofícios, Projetos de Lei (encaminhados a “Comissão

Executiva”) e telegramas são lidos ao longo da Sessão. E dentre eles, há um

pronunciamento na tribuna da Assembléia que chamou a atenção.

“Segue-se na tribuna o deputado Pontes Neto [do P.C.B.] para proceder a leitura de um artigo publicado no ‘Jornal do Brasil’ referente as explosões atômicas efetuadas pela América do Norte no Atlântico Sul. O orador demonstra o perigo que pode ocasionar ao Nordeste brasileiro a radio-atividade das referidas explosões, e, no final de seu discurso, apela para que a Mêsa se dirija aos Excelentíssimos senhores Presidente da República, do Senado Federal e da Câmara, prestando esclarecimentos a respeito das experiências atômicas nas proximidades do território brasileiro. S.Excia. é aparteado pelos deputados Salomão Maia e Ernesto Valente” 394.

Procuro imaginar o deputado indignado e, com a palavra, tentando

encontrar meios de explicar a gravidade da notícia do jornal carioca 395. Como

394 Ata da décima sétima sessão ordinária da primeira sessão da 15ª legislatura da Assembléia Legislativa do estado do Ceará - 8 de abril de 1959. 395 O deputado Pontes Neto, quando da cessão da ilha de Fernando de Noronha, também protestou vigorosamente: “O orador seguinte é o deputado Pontes Neto, que lança veemente protesto contra a cessão, à América do Norte, pelo Governo Brasileiro, do território federal de Fernando Noronha, para a instalação, ali, de uma base de observação de foguetes teleguiados”. Conforme Ata da décima primeira sessão do período extraordinário da Assembléia Legislativa do estado do Ceará - 22 de janeiro de 1957. E três semanas depois o deputado voltou ao tema: “Requerimento do deputado Pontes Neto e outros, no sentido de que se oficie ao Excelentíssimo Senhor Presidente da República expressando o apelo da Assembléia Legislativa do Ceará, para que o ajuste referente à Ilha de Fernando de Noronha

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se comportaram os outros deputados ao ouvir que o Nordeste brasileiro foi sítio

de explosões atômicas? Teriam eles igualmente se indignado? Encontrei

algumas matérias de jornais locais que reverberaram a indignação do deputado

Pontes Neto.

Sobre a Sessão do dia 8 de abril de 1959, na coluna “Assembléia

Legislativa Estadual” do jornal Unitário, do dia 9 de abril de 1959, foi dito que

esta “foi bastante movimentada” 396. Entre um e outro assunto polêmico

(aumento de 31% para os funcionários contratados do D.N.E.R e a questão do

“Inventário”, onde continua a “lavagem de roupa suja”, por exemplo), um dos

que movimentou a Assembléia naquele dia foi, sem dúvida, a declaração do

deputado Pontes Neto. Disse a Coluna sobre a fala do deputado:

“Em seguida, o sr. Pontes Neto discursou, combatendo as experiências nucleares nas proximidades do Nordeste brasileiro, com grave perigo para todo o país. Terminou, requerendo fosse endereçado telegrama ao Congresso Nacional e às demais autoridades, para que sustassem tais experiências” 397

O periódico O Jornal igualmente citou a fala do deputado Pontes Neto

em Sessão da Assembléia. Porém, apesar de citar em primeira página que

“PONTES NETO CONDENA EXPERIÊNCIAS ATÔMICAS NO NORDESTE” 398, e apontar para a leitura das “NOTAS POLÍTICAS” (na 3ª página da edição

daquele dia), nada encontrei no interior do jornal. Curioso ainda é perceber que

a matéria foi veiculada no jornal do dia 7 de abril (1 dia antes da Ata aqui

citada). No entanto, não encontrei no arquivo da Assembléia nenhuma Ata com

a fala do deputado Pontes Neto sobre as explosões nucleares no Nordeste

brasileiro antes daquela aqui citada. Na edição do dia 9 de abril de 1959,

porém, foi dito que “Pontes Neto Adverte: Radiações Atômicas Podem Causar

Vítimas no Nordeste” 399. A notícia do jornal mostrou que o deputado “leu

recortes de jornais cariocas com telegramas da UPI” sobre as explosões

clandestinas e “que as nuvens radioativas estão presentemente voando sobre

seja submetido ao exame e deliberação do Congresso Nacional, nos termos da Carta Magna. Deferido pelo Presidente”. Conforme Ata da trigésima sessão do período extraordinário da Assembléia Legislativa do estado do Ceará - 12 de fevereiro de 1957. 396 Jornal Unitário, Fortaleza, 9 de abril de 1959, Coluna “Assembléia Legislativa Estadual”. 397 Jornal Unitário, Fortaleza, 9 de abril de 1959. 398 Jornal O Jornal, Fortaleza, 7 de abril de 1959. 399 Jornal O Jornal, Fortaleza, 9 de abril de 1959.

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o território nordestino, com uma clara ameaça de radioatividade” (o que parece

estranho tal observação, uma vez que a Operação Argus foi executada entre

agosto e setembro do ano passado, há seis meses, portanto). E em sua fala o

deputado lembrou que as provas atômicas, antes realizadas no Pacifico (“onde

tinham no atol de Bikini o seu principal ponto de experiências”), foram

desviadas agora para a América Latina (que seria o novo “campo de provas”).

E, ao final, o deputado solicitou o envio de telegramas às autoridades

competentes para impedir a continuação das experiências “que podem ter

conseqüências mortíferas para toda a população nordestina”.

E no Editorial do periódico O Jornal, do dia 15 de abril de 1959, foi

possível encontrar indícios da repercussão da denúncia do deputado Pontes

neto na Assembléia Legislativa. Em ”O Jornal opina” foi dito que apesar da

grave “advertência (...) sobre o perigo [das] explosões atômicas no Atlântico

Sul”, feita pelo deputado, “pouca gente deu-lhe ouvidos”. E a seguir sugeriu

que o motivo do desinteresse em torno de sua denúncia seja “talvez porque a

advertência tenha sido feita num momento de extraordinária ebulição política”:

o periódico se refere a questão do Inventário e a verdadeira “lavagem de roupa

suja” em torno dela. Mas O Jornal lembrou que “a oportunidade de tal

advertência não pode ser negada” uma vez que “dezenas de cientistas

nacionais abordaram o problema dessas experiências”, sendo assim

impossível “encarar a questão com indiferença”. E o Editorial lembrou uma

matéria recém-publicada (que lidou com os perigos ao corpo humano

associados à radiação 400), percebendo que a advertência do deputado se

justificou em vista da “ameaça à saúde do nosso povo” e “afirmou que

precisamos forjar urgentemente em nosso povo uma mentalidade anti-bomba,

que significa jamais tratar como coisa secundária uma matéria como a das

explosões nucleares”. Há, no tom do Editorial, o temor de que “os

experimentadores fatalmente desejarão transformar o nosso espaço e os

nossos mares em bases de seus ensaios atômicos, indiferentes às

conseqüências de seus atos sobre milhões de habitantes deste hemisfério”, e,

finalmente atirou:

400 Jornal O Jornal, Fortaleza, 14 de abril de 1959, “RADIAÇÕES ATÔMICAS PROVOCAM LEUCEMIA, TUMORES ÓSSEOS E ALTERAÇÕES GENÉTICAS” “O Perigo Atômico Não Comporta Polêmicas - Ele é Real e Terrível - Precisamos Forjar Uma Mentalidade Anti-Bomba - Importantes Declarações do Professor Jorge de Paulo Guimarães”.

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“A ameaça que pesa sobre nós é imensa e terrível, não admitindo que cruzemos os braços e assistamos impassíveis a nossa própria destruição. É preciso advertir o governo, levando-o à posição sugerida pelo professor César Lattes: que proteste contra as experiências atômicas nas ilhas Malvinas e na baía de Camarones. Assim o exige a segurança de nosso povo” 401.

O jornal, portanto, literalmente conclamou o “nosso povo” a se mobilizar

contra as experiências atômicas e a formação de “uma mentalidade anti-

bomba”. No entanto, as pessoas parecem ter elegido, naquele período,

questões que lhes pareciam mais próximas de seu cotidiano. E,

definitivamente, apesar de explosões nucleares terem sido um tema que se

aproximou do cotidiano deles, esta aproximação se deu de maneira

transversal, ou seja, em torno de uma possibilidade nunca confirmada. Os

jornais, como vimos, noticiavam a consecução de testes atômicos, mas estes

sempre pareciam algo distante. Teria o “nosso povo” imaginado que, a exemplo

dos “discos voadores” e outros fenômenos sem uma explicação aparente, as

explosões atômicas no Nordeste seriam apenas mais um elo da corrente num

momento em que “comunistas” e “nacionalistas” buscavam, em suas “teorias

conspiratórias”, culpar os “ianques” por tudo o que acontecia?

~~0~~

Esta dissertação apresenta uma estrutura lógica, ou seja, ela foi

construída desta maneira para que eu pudesse atingir alguns objetivos. E,

dentre eles, o principal é dar conta do objeto de estudo a que me propus e

sugeri: encontrar elementos que me permitissem recompor as percepções e

tensões geradas por um fenômeno carregado de diferentes significados para

aqueles que dizem tê-lo presenciado ou dele tiveram notícias. O fenômeno, ou

episódio, foi aquele relacionado a explosão de uma bomba atômica no

Nordeste brasileiro, na década de 1950. A ambiência construída no Primeiro

Capítulo serviu para mostrar, grosso modo, a “origem” sob a qual se alicerçou a

temática nuclear e que perpassou os anos porvir até o período coberto em

401 Jornal O Jornal, Fortaleza, 9 de abril de 1959.

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minha pesquisa. O Segundo Capítulo apontou para alguns episódios (e para a

opinião das pessoas a respeito deles) que materializaram ou cristalizaram

aquela ambiência: encontrei-os como que por acaso, como todo aquele que

realiza pesquisa em história, pois as fontes, principalmente os jornais de uma

determinada época (como os da década de 1950), trazem em si elementos que

nos surpreendem a todo o momento e urge ir ao seu encontro com a mente e

corações abertos, e não com convicções ou certezas sobre o que se deseja

encontrar. E mais: articulá-los, eis o grande desafio!

“Entretanto, a mera criatividade não nos leva muito longe. O que precisamos, tanto para dar sentido àquilo que os inarticulados pensavam, quanto para verificar ou desmentir nossas hipóteses a respeito, é de um quadro coerente, ou, se preferirem, um modelo. Isso porque nosso problema não é tanto o de descobrir uma boa fonte. Mesmo a melhor das fontes (...) apenas esclarece certas áreas daquilo que as pessoas fizeram, sentiram ou pensaram. O que normalmente devemos fazer é reunir uma ampla variedade de informações em geral fragmentárias: e para fazer isso precisamos, se me perdoam a expressão, construir nós mesmos o quebra-cabeças, ou seja, formular como tais informações deveriam se encaixar” [grifo do autor] 402.

A articulação das mais diversas informações mostrou-me que a

utilização de um método baseado em indícios imperceptíveis, “em geral

fragmentários”, estava presentemente em curso e no núcleo de minhas

análises. E esta articulação é pretendida para que possa “cercar” o objeto e

apresentar o meu entendimento sobre ele. Não busco a verdade ou verdades:

sei que ela, a Verdade, está lá, inalcançável, inatingível e intransponível. Não

quero mergulhar cegamente e desmesuradamente em sua direção. Quero sim,

a exemplo de nosso planeta que sofre imperceptivelmente os efeitos de forças

gravitacionais de outros corpos celestes (que sequer conseguimos enxergar),

orbitar em torno dela, dado a sua influência para com o ofício do historiador e

ser sempre para ela que dirijamos nossas forças, energias e compromissos

com o fazer histórico.

“O que nós estamos buscando são sempre explicações verossímeis e não verdades. O historiador trabalha com possibilidades e

402 HOBSBAWN, Eric J. Sobre história: ensaios. São Paulo: Companhia das Letras, 2001, p.224-225.

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verossimilhança. Ele busca, com o maior empenho, chegar ao tempo escoado no passado. Para isso, ele faz pesquisa, vai às fontes, cruza as fontes, constrói explicações e testa hipóteses. Mas a verdade absoluta já passou” 403.

Neste Capítulo, detive-me sobre o fenômeno ou episódio per se da

suposta explosão atômica no Nordeste: não objetivei simplesmente narrar o

episódio, e sim tirar dele novos problemas e suscitar mais dúvidas ainda na

mente das pessoas. Estas dúvidas existiram na época em que ele aconteceu,

mas a retrovisão (a “arma final do historiador”), permitiu-me preencher alguns

dos interstícios daquelas dúvidas com uma sólida desconfiança, que vai além

do discurso que culpava os norte-americanos pelos males da sociedade

bipolar. Como bem nos diz um provérbio grego, “nada é mais útil ao homem do

que uma sábia desconfiança” 404, e esta “sábia desconfiança” desperta em nós

curiosidade que nos leva a indagações e à busca de respostas. Gostaria de

oferecer agora, à guisa de fecho para este Capítulo, dois exemplos curiosos

que, apesar de ocorridos muito recentemente, guardam íntima relação com

tudo o que discutimos até agora.

O primeiro está relacionado a muito do que descrevi no Segundo

Capítulo. No dia 24 de julho de 2004, um sábado, às 21h, em uma fazenda

chamada “Cabeça de Vaca”, no município de Boa Viagem, um “objeto

desconhecido” caiu do céu. O Sr. Jacinto Alves Campos foi a primeira pessoa a

ver o estranho objeto. Segundo ele, na noite em que caiu o objeto, os

moradores foram surpreendidos por um barulho de explosão e “quem estava

fora da casa viu um raio de fogo cruzando o céu” 405. Eles acreditaram ainda

“que tenham caído mais dois objetos junto com o primeiro”, pois no momento

da queda, “foram ouvidas três explosões” e, logo depois, “sentidos dois abalos

sísmico” 406. O “objeto desconhecido” só foi encontrado na terça-feira, dia 27 de

julho 407. Por apresentar um formato esférico, a bola com quase 1m de

403 Entrevista com a Professora Doutora Sandra Pesavento. Jornal O Povo, 7 de novembro de 2005, “O texto da história”, Caderno 3, p.1 404 TOSI, Renzo. Dicionário de sentenças gregas e latinas: 10000 citações da Antiguidade ao Renascimento no original e traduzidas com comentário histórico, literário e filológico. São Paulo: Martins Fontes, 1996. 405 Jornal Diário do Nordeste, Fortaleza, 31 de julho de 2004, “Objeto desconhecido cai do céu em Boa Viagem”. 406 Jornal Diário do Nordeste, Fortaleza, 31 de julho de 2004. 407 A matéria acrescenta adiante que “no interior do Piauí, no mesmo dia, caiu também uma placa de metal de aproximadamente um metro”, e que na semana “caíram objetos na região

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diâmetro foi carinhosamente apelidada de “ovo do ET” 408. Mais uma vez, a

exemplo dos episódios ocorridos no interior do estado há 50 anos, o medo

tomou conta das pessoas. O Sr. Jacinto Alves “contou que ficou muito

assustado e (...) comunicou a ocorrência à presidência da Associação

Comunitária do Salgado que (...) informou às autoridades locais”. E prosseguiu:

“É bom que as autoridades venham para nos orientar [pois não sabemos] se

pode chegar perto ou se o material é radioativo” (!). Ao tomar conhecimento do

“ovo do ET” e analisá-la in loco, a Base Aérea de Fortaleza comunicou “que se

trata de parte de um satélite que se desintegrou ao reentrar na atmosfera”. E

brilhantemente, o Ministério da Aeronáutica, em Brasília, “descarta totalmente a

possibilidade da esfera ser um objeto voador não-identificado”(!?).

E qual a origem do objeto misterioso? E o que realmente ele era? Como

que as pessoas que avistaram a queda de outros fragmentos, em outros

estados, descreveram suas impressões sobre o que viram? As respostas a

estas perguntas só nos foram dadas exatamente por uma revista especializada

em... OVNI’s! A revista fez menção de que alguns OVNI’s foram avistados, mas

esclareceu que alguns “objetos” avistados eram pedaços de um foguete norte-

americano. E a confirmação oficial veio com o coordenador do Orbital Debris

Program (ou “Programa de Fragmentos Orbitais”), N. L. Johnson. Disse ele:

“Comunicamos a reentrada na atmosfera, ocorrida entre 24 e 25 de julho, nas regiões Norte e Nordeste do Brasil, de fragmentos do lançador Delta 2 [lançado do Cabo Kennedy, antigo Cabo Canaveral], que conduziu um dos robôs que a NASA [“Agência Americana de Aeronáutica e Espaço”] enviou a Marte” 409.

Na realidade, este “fragmento do lançador” causou verdadeira confusão

na população de dois estados: no Ceará e no vizinho Piauí. Neste último

estado, as pessoas (“centenas de testemunhas”) de pequenos vilarejos no

interior teriam avistado algo que “explodiu no ar”.

Norte do Maranhão e nas regiões Norte e Sul do Piauí”. Em 1999, uma lâmina de 2,20m x 1,10m caiu em Hidrolândia, município próximo a Ipu, Nova Russas etc., cidades fartamente visitadas por “objetos luminosos” no final da década de 1950. 408 O “ovo do ET” seria roubado em seguida por um “cidadão alto, magro, cabelo e barbicha grisalhos”. Não sabemos se o mesmo já foi recuperado e se o prefeito finalmente concretizou sua intenção de levar o “ovo do ET” ao museu local. Ver: Jornal “Diário do Nordeste”, 3 de agosto de 2004, “Pedaço de satélite é roubado em Boa Viagem”. 409 Revista UFO, Campo Grande, agosto de 2004, edição 102, ano 20, p.28.

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“Explosões são comuns quando pedaços de foguetes reentram na atmosfera, assim como observações de grandes rastros de luzes no céu, muitas vezes confundidos com UFOs. O som de explosão se dá pelo atrito com o ar, a alta velocidade, e também quando os fragmentos atingem o chão” [e] “Sua queima em contato com o ar é que forma os rastros de luz, muitas vezes múltiplos, visto que os fragmentos se dividem em outros menores e assim se desintegram mais facilmente. Dependendo da constituição metálica desses objetos, o brilho causado ao reentrarem na atmosfera pode assumir as mais diversas cores (...) ” E mais ainda: “O clarão da queda dos restos do foguete, seguido de um forte estrondo, pode ser visto até na capital, Teresina” 410.

Acrescente-se que a revista nos informa que “De acordo com populares,

o barulho da queda foi ouvido em toda a comunidade, atingindo um raio de 15

km”. Temos então: “rastros de luzes no céu”, de “diversas cores”, causando

“clarão” e um “forte estrondo”. Ora, aparecem aqui diante de nós, em um único

episódio, todas as características citadas, há quase meio século, nas muitas

matérias do jornal O Povo. Enfim, observa-se nesta matéria que todas as

características dos episódios bizarros aparecem de uma só vez, denotando que

todos poderiam ser o sintoma de uma só coisa. Assim, seriam alguns dos

“objetos luminosos”, dos “clarões”, dos “estrondos” e dos “tremores de terra”

citados no Segundo Capítulo deste trabalho, restos de foguetes que teriam

caído no Ceará no auge da Corrida Espacial, no pico, portanto, dos

lançamentos do Cabo Canaveral? Uma outra olhada para o gráfico dos

lançamentos de foguetes do Cabo e para o mapa das bases de rastreio de

teleguiados (ambos no Primeiro Capítulo) parece corroborar com uma resposta

afirmativa para a hipótese levantada em meu questionamento. E aqui lembro

de algo que Thompson disse quando dissertou sobre “A história como

processo”

“O conceito de história como processo suscita imediatamente as questões da inteligibilidade e intenção. Cada evento histórico é único. Mas muitos acontecimentos, amplamente separados no tempo e espaço, revelam, quando se estabelece relação entre eles, regularidades de processo” 411.

410 Revista UFO, p.28. 411 THOMPSON, Edward Palmer. A miséria da teoria ou um planetário de erros: uma crítica ao pensamento de Althusser. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1981, p. 97/98.

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E acredito que foi exatamente isto que consegui estabelecer com esta

dissertação quando encontrei pontos de contacto entre aquelas notícias do final

da década de 1950 e uma outra hodierna. O tempo separa os dois conjuntos

de acontecimentos. E quanto ao fato do espaço geográfico ser exatamente o

mesmo até facilita, em minha opinião, as conclusões que tirei deles, uma vez

que foram pessoas com aquele perfil (moradores da área urbana e rural de

cidades do interior do estado) que presenciaram e que testemunharam em um

e outro conjunto de acontecimentos. As descrições feitas por aqueles sujeitos

separados por dezenas de anos foram muito parecidas e, muitas vezes,

idênticas.

O segundo exemplo que gostaria de oferecer está relacionado,

diretamente, a matéria de Carlos Emílio “Bomba Atômica no Nordeste?” Seria

de imaginar que uma matéria com um questionamento tão convidativo atraísse

a atenção de outras pessoas interessadas no assunto, fossem elas

historiadores e pesquisadores, ou não. No dia 27 de dezembro de 2001 estive

com Carlos Emílio pela primeira vez e foi nesta oportunidade que apresentei a

ele o material que já havia coletado para esta pesquisa. Quase no final de

nossa conversa, quando já ia embora, Carlos Emilio me falou de “um tal Padre

de Madalena” 412 que havia telefonado certo dia e dito que o teste nuclear fora

conduzido clandestinamente em seu município. “Ele [o Padre] disse que não

toma leite nem come verduras plantadas na região”, confidenciou-me Carlos

Emílio. Tomei nota de sua observação, mas dificuldades financeiras foram

postergando a valiosa visita ao “tal padre de Madalena”.

No jornal O Povo, do dia 10 de março de 2003, foi publicada uma

matéria de três páginas inteiras com o título “Mistério no céu do Sertão

Central”. A matéria, escrita pelo jornalista Raimundo Madeira, deu conta do

trabalho que o Padre Ricardo ou Padre Richard Lee Cornwall (norte-americano

nascido em Omaha, Nebraska), o “tal padre de Madalena”, vem realizando em

sua cidade, onde este atesta taxativamente que um “teste nuclear atmosférico”,

conduzido pelo Departamento de Defesa estadunidense, ocorrera nos céus

daquele município no dia 6 de agosto de 1957, data em que algumas pessoas

presenciaram nos céus um “clarão indecifrável”, seguido, segundo algumas

412 Madalena é um município que fica a aproximadamente 50 km a oeste de Quixadá.

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testemunhas, de estrondo. Na data do suposto “teste nuclear atmosférico em

cima de nós”, a pequena Vila de Madalena encontrava-se subordinada a

Quixeramobim. Em um mapa que encontrei daquela época 413, a Vila de

Madalena sequer aparece. Reproduzo a seguir a região deste mapa

correspondente a onde fica hoje localizado o município de Madalena (se

traçarmos uma linha no mapa unindo os municípios de Boa Viagem e Canindé,

a Vila está localizada, aproximadamente, no meio desta linha).

A proximidade da Vila, no entanto, com o município de Boa Viagem

sugere que esta mantinha uma ligação mais estreita com este do que com

aquele (Quixeramobim). E isto pode ser facilmente constatado hoje por um fato

curioso: a distribuição de boas estradas (asfaltadas) na região mantém

Madalena um tanto distante de Quixeramobim. O município de Madalena

encontra-se num eixo rodoviário formado por Canindé e Boa Viagem: as

estradas secundárias que levam aos outros municípios (saindo de Madalena)

são normalmente de terra e, segundo os moradores, transitáveis no “inverno”

apenas por veículos grandes: ”Carro pequeno no inverno não passa, moço”,

revelou-me um morador apontado o caminho que leva a Quixeramobim

413 PAUWELS, P. Geraldo José. Atlas Geográfico Melhoramentos. São Paulo: Melhoramentos, 1960.

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enquanto esperava o ônibus que me traria de volta a Fortaleza em uma de

minhas viagens ao município. Foi apenas no dia 23 de dezembro de 1986 que

a Vila adquiriu autonomia, desmembrando-se de Quixeramobim: “nascia” assim

o município de Madalena.

Como havia dito anteriormente, ao tomar conhecimento do “tal Padre de

Madalena”, não imaginei que este havia iniciado, igualmente, um trabalho de

pesquisa e investigação. A matéria me deixou duplamente perplexo e satisfeito:

duplamente perplexo, pois o Padre não apenas conversara com as

“testemunhas” do suposto “teste nuclear atmosférico” como ainda mantivera

contacto com autoridades e órgãos oficiais no Brasil e no exterior; e

duplamente satisfeito, pois além de finalmente encontrar alguém com quem

poderia conversar e que me entenderia (sem precisar ter que contar a história

toda desde o início), poderia também compartilhar material de pesquisa e

assim enriquecer uma e outra investigação. Enfim, não me sentia mais só e

pela matéria publicada no jornal vi que em muito tinha a contribuir, pois alguns

aspectos relevantes daquele período foram subestimados ou negligenciados

pelo Padre, e a ganhar, pois desconhecia (quase) tudo que foi dito na matéria

sobre o clarão na cidade de Madalena e os casos de câncer da região, e vi ali

possibilidades para novas problemáticas.

E a contribuição desta matéria não se esgotou aí. Depois de descrever

minuciosamente a pesquisa realizada pelo Padre, o jornalista apresentou

dados da Secretaria de Saúde e do Padre, mostrou a situação em que se

encontra a mina de urânio de Itataia (nas proximidades de Madalena, no

município vizinho de Santa Quitéria, e a maior jazida de urânio do País),

apresentou os efeitos da radiação nos indivíduos e, finalmente, coletou os

testemunhos da população local. Mas de todas as observações feitas pelo

jornalista, uma em particular me chamou atenção. Em uma dada parte de sua

matéria intitulada “Assunto passou a domínio público”, o jornalista comentou

que

“O clarão visto no céu da pequena Vila de Madalena no dia 6 de agosto de 1957 foi, durante quatro décadas, apenas uma lembrança de alguns moradores que hoje já passaram dos 60 anos ou dos filhos e netos deles que cresceram ouvindo a história. Há quatro anos, o assunto passou a domínio público, depois que o padre Richard

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Cornwall começou a explicar o clarão como um teste nuclear atmosférico atribuído aos Estados Unidos” 414

E o Padre explica com sua pesquisa não apenas o clarão, mas também

o suposto elevado índice de casos de câncer do município e,

conseqüentemente, os óbitos relacionados a ele. Assim, a interferência do

Padre nessa comunidade não se dá apenas no plano da memória, do que as

pessoas lembravam ou não, mais se inclui no plano de suas experiências

cotidianas, pois o clarão agora ocupa, pela fala do Padre, um lugar central nas

explicações para muitas das mortes e mazelas as quais a população foi e é

acometida. O clarão interfere agora na vida e na morte das pessoas. Se antes

as pessoas encaravam o clarão como algo sobrenatural, o Padre tira-o do lugar

mítico, transcendente, apocalíptico, escatológico e cataclísmico e o coloca no

lugar do cognoscível e do inteligível. E como se dá essa resignificação do

clarão nas pessoas? Chega essa explicação a causar algum mal-estar ou

incômodo nas pessoas a ponto de buscarem refutá-la? Ou o jornalista está

certo ao dizer que “Não se tem notícia, entre os 15.120 habitantes (...) de

alguém que ouse contestar o que o padre afirma com convicção”? E o “lugar

social” do Padre, como este interfere no rumo da aceitação “passiva” por parte

de algumas pessoas? As entrevistas que conduzi com os moradores do

município e com o Padre talvez ajudem a lançar nova luz sobre o clarão e a

esclarecer alguns desses questionamentos.

Há, portanto, aqui, toda uma pesquisa que pode ser conduzida e que

trataria do imaginário e da memória das pessoas do município em torno

daquele clarão, e os novos significados atribuídos a ele, seja pela própria

passagem do tempo, em que a experiência das pessoas se incorpora naquilo

que elas lembram (ou esquecem), seja pela presença agora do discurso do

Padre e sua explicação científica para o episódio. Admitidamente, durante

parte do período que estive pesquisando, imbuí-me de uma tentativa frenética

de querer provar a assertiva de Basbaum, até mesmo porque o que encontrei

nas fontes que pesquisei apontava para aquela possibilidade. Hoje estou ciente

que simplesmente provar algo não se constitui na parte mais importante e

interessante de um trabalho histórico. Até mesmo porque, e isso parece claro,

414 Jornal O Povo, Fortaleza, 10 de março de 2003, “Mistério no céu do Sertão Central”.

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muito provavelmente jamais conseguiria fazê-lo. E mais ainda: uma prova

contundente de um caso dessa natureza apareceria somente se o governo

norte-americano liberasse documentos atestando que, de fato, um teste

nuclear clandestino fora conduzido no Nordeste brasileiro 415. Outros indícios

coletados, como o suposto elevado índice de câncer do município (negado pelo

ex-Secretário de Saúde, Anastácio Queiroz 416) e a existência de “hot spot”, ou

regiões com elevada radioatividade, no município (o C.N.E.N. e o I.R.D. 417

negaram qualquer “alteração [radiométrica] significativa” ou “a presença de

radionuclídeos artificiais” na região e em amostras coletadas), mostram-se

insuficientes para provar que um teste clandestino teve sítio na região. Estou,

portanto, diante de uma impossibilidade técnica, pois um estudo mais amplo

que incluiria um levantamento aerofotogramétrico por satélite (com filmes,

filtros, lentes especiais, sensíveis à radioatividade), uma coleta de amostras em

um raio maior, exames técnico-laboratoriais e de campo com equipamentos de

elevada sensibilidade, autópsia das “vítimas” do suposto teste clandestino,

pesquisa em arquivos secretos do governo brasileiro e norte-americano etc,

demandariam uma mega-estrutura para algo que talvez as próprias autoridades

brasileiras não estivessem interessados em vasculhar. Basbaum diz em sua

asserção, como vimos, que o teste ocorrera “sem que os governantes e chefes

políticos de nosso país se manifestassem de qualquer modo”. Se ele estiver

correto, houve uma conivência do governo brasileiro com a realização do “teste

nuclear atmosférico em cima de nós” 418. Aquela impossibilidade, no entanto,

não significa que se deva desistir de tentar buscar indícios, nem que isso torne

uma pesquisa nesta direção um trabalho de menor relevância, pois, como já

415 Segundo o site http://www.brookings.org/FP/PROJECTS/NUCWCOST/50.htm, existiam em 1995 cerca de 280 milhões de páginas de documentos mantidos secretos pelo Departamento de Energia americano relativos a temática nuclear. E este problema tem se acentuado desde o “11 de Setembro”: segundo o The New York Times, de 21 de fevereiro de 2006, “Em um programa secreto do National Archives, que durou 7 anos, agências de inteligência removeram do acesso público milhares de documentos históricos que estavam disponíveis por anos, incluindo aí alguns já publicados pelo Departamento de Estado e outros fotocopiados anos atrás por historiadores privados” (“U.S. Reclassifies Many Documents in Secret Review”). 416 Na matéria do jornal supracitado, este Secretário diz “que não há nenhuma prova de que em Madalena a incidência de câncer seja maior do que em outros municípios”. O novo Secretário, no entanto, agora do governo Lúcio Alcântara, Jurandir Frutuoso, “diz que vai providenciar um estudo sobre a radioatividade na cidade de Madalena”. 417 Comissão Nacional de Energia Nuclear (C.N.E.N.) e Instituto de Radioproteção e Dosimetria (I.R.D.), respectivamente. 418 Esta é a forma como o Padre Ricardo se refere à suposta explosão nuclear atmosférica clandestina no município.

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frisei, o ventilar e vasculhar, por si só, lançam nova luz e brilho ao episódio e ao

período histórico estudado. Estou certo de que, a partir deste trabalho e de

suas problemáticas, outros pesquisadores e historiadores perceberão

diferentemente o final da década de 1950.

Logo após a leitura da matéria “Mistério no céu do Sertão Central” fui

visitar o município de Madalena (cheguei lá no dia 19 de março de 2003). E em

minha primeira visita ao município e ao Padre Ricardo já tive acesso a parte do

material que ele coletou e produziu durante os últimos quatro anos. Escreveu

textos, cartas a autoridades (sendo algumas destas lidas na Câmara de

Vereadores do município nos “aniversários” do aparecimento do clarão), um

artigo 419 para uma revista de uma congregação católica e, last but not the

least, uma fita de vídeo no formato VHS com duração aproximada de 1¼ hora.

Nela o Padre expõe sua tese e conduz algumas “entrevistas” com a população

local, nas quais os habitantes dão detalhes sobre o clarão 420. Em vários

momentos da fita, pessoas supostamente afetadas pela radioatividade

decorrente de um “teste nuclear atmosférico” são apresentadas, assim como

animais. No artigo supracitado o Padre denuncia “o burro ‘louro’ de Antonio

Rodrigues Filho” cuja “crina branca é certamente conseqüência da

radioatividade do lugar” (imediatamente lembramos aqui de uma referência

semelhante no livro de Fradkin 421). Em um momento dramático da fita, uma

senhora é mostrada, no interior de uma casa humilde e deitada em sua cama,

apresentando tremores por todo o corpo em uma cena chocante. Que

repercussão pode ter na comunidade (e fora dela) a exposição do sofrimento

dessas pessoas? O que muda no entendimento das pessoas a respeito das

doenças e mazelas que os atingem secularmente, quando elementos novos,

como a radioatividade e o discurso do Padre (que atribui todo o sofrimento da

população a ela) entram no cotidiano dessas pessoas?

419 CORNWALL, Pe. Richard Lee. Los Alamos, Ceará e o Massacre do Inocentes. Revista “Sem Fronteiras”, São Paulo: Missionários Combonianos do Brasil, março 2001, p.30-32. 420 A bem da verdade, o Padre procura as pessoas para confirmar aquilo que deseja provar, sendo limitada a fala dos “entrevistados” ao que ele deseja ouvir delas: assim que o depoente explicita aquilo que ele espera ouvir, este levanta o braço na direção da câmera e pede para que a pessoa que executa a filmagem interrompa seu trabalho. 421 FRADKIN, Philip L. Fallout: an American nuclear tragedy. Boulder: Johnson Books, 2004, p.7. “O Procurador [Sharp], cujo cavalo era chamado de ‘Fallout’ por causas das queimaduras em seu dorso, estava com raiva”. Fallout é a precipitação de matéria radioativa decorrente de explosões nucleares.

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A visita ao município de Madalena mostrou-me que poderia conduzir,

posteriormente, algumas entrevistas com as pessoas que presenciaram ou não

o agora chamado “episódio de 57”. Entre os dias 7 e 8 de fevereiro de 2005

realizei no município um conjunto de 10 entrevistas. Poderia tirar delas

elementos riquíssimos para um extenso trabalho de História Oral. Porém, não

utilizo nesta dissertação esta metodologia; e se me atrevo a mostrá-la quero

deixar claro que pretendo tocar apenas a sua superfície, utilizando-a apenas

transversalmente. O fragmento de entrevista que apresento a seguir foi

escolhido pelo seu teor de inefável riqueza. No dia 8 de fevereiro de 2005,

conversei com a Dona Francisca Pereira de Lima, conhecida por Biu, em sua

residência. Fui apresentado a ela quando esta se encontrava em sua rede,

pronta para um descanso depois do almoço. E dali não se levantou,

permanecendo sentada e movendo seu corpo do contato com o tecido espesso

da rede em apenas três momentos: primeiro para nos cumprimentar, depois

para abotoar a camisa do seu “velho” que estava indo ao “forró dos velhos” ali

próximo, e finalmente para se despedir de nós. Concentrava sua fala em ponto

distante na parede azul a sua frente e em alguns momentos mais reveladores

da entrevista (quando sentia que ia fazer alguma revelação mais importante ou

mais marcante para si) olhava para a Márcia 422 e repetia o seu nome, nunca o

meu. Pedi permissão para gravar a conversa e aproximei um pouco a cadeira

de sua rede: lançou, inicialmente, um olhar curioso e desconfiado sobre o

gravador cinza, mas depois pareceu acostumar-se a sua presença, ignorando-

o. Após uma breve conversa inicial (perguntei sobre seus filhos e netos etc),

informei a ela sobre o que me havia trazido ali e ela prontamente foi me dando

detalhes. Disse-nos que no dia do aparecimento do clarão nos céus do

município se encontrava na pequena igreja de seu povoado, rezando uma

Novena. Disse ela:

* ...quando a gente tava dando início a reza na Igreja, aí deu aquele clarão, aí as meninas gritaram: “Aii, que é o fim do mundo”. Diz que quando o mundo fosse terminar ia ter um sinal no céu, né, a gente não tinha essa conversa, os mais velhos? Aí elas ficaram apavoradas e aí eu sai, a fui até aquela porta de lá, a última porta, aí vinha... pelo nascente nascendo assim uma bola, a coisa mais linda, aí deu aquele clarão e aí, subiu até alto e eu dizendo: “Não, se

422 Antonia Márcia Alves Ferreira foi o meu contato com as pessoas do distrito de União e Cacimba Nova.

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conformem, tenham fé em Deus, que não é fim de mundo não”. É planeta, é... seja o que for que eu também não entendia nem entendo... mas tinha medo nossa Augusta só faltava se acabar de medo... aí passou, e depois a gente ficou relatando que era fim do mundo, mas não aconteceu nada...” 423.

Ela se lembrou do temor das pessoas diante daquele espetáculo nos

céus, particularmente o da Dona Maria Augusta Barbosa de Souza

(entrevistada a seguir). Muitas dessas pessoas, amigas suas, gritaram

aterrorizadas “Aii, que é o fim do mundo”. Biu falou, portanto, do clarão ou

lampejo avistado como “um sinal no céu” de que o “mundo fosse terminar”.

Esta sua indicação me fez lembrar de outras encontradas nos jornais da época,

quando esporadicamente encontrei referências escatológicas. Acredito que

elas eram muito comuns e freqüentes para episódios daquela natureza (que

tanto ocorreram no estado no final da década de 1950). Para aqueles que

temiam o “fim do mundo”, Biu atirou-lhes, do alto de sua fé religiosa: “Não, se

conformem, tenham fé em Deus, que não é fim de mundo não”. E apesar de

depois eles ficarem “relatando que era fim do mundo (...) não aconteceu

nada...” E “nada” aconteceria nos anos seguintes, o mundo não acabaria e o

tempo empurraria o clarão para o rol dos acontecimentos lembrados

vagamente.

Indubitavelmente, a atual repercussão dada pelo Padre Ricardo ao

clarão ou lampejo avistado por alguns moradores do município em 1957,

modificou a forma como eles antes entendiam ou não entendiam (lembravam

ou não lembravam) o que tinha acontecido há quase 50 anos. O Padre articula

eventos significativos para legitimar e construir a memória do clarão e (para

alguns) do estrondo como teste nuclear. E a data do suposto “teste nuclear

atmosférico em cima de nós” é lembrada por ele em algumas cartas abertas

que ele distribui. Ele estabeleceu a data do teste nuclear a partir de conversas

com vários sertanejos do município de Madalena. Uma das que o ajudou foi

com o Sr. Francisco José Barbosa Rocha, o “Chiquinho”. Segundo ele, sua

mãe, D. Abigail Barbosa Rocha, contou-lhe que dias antes de seu nascimento,

ela vira o forte clarão que se abateu sobre a cidade. Assim o Padre chegou a

423 Entrevista número 005, de 08/02/2005, 12h20min.

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data do “episódio” como ocorrido no dia 6 de agosto de 1957, quatro dias antes

do nascimento de “Chiquinho”.

“Em 06 de agosto de 1957 às 19:30 mais ou menos, um teste nuclear atmosférico foi realizado em cima do sertão central de Ceará. O epicentro foi dentro do atual Município de Madalena aproximadamente onde se juntam os municípios de Choro, Canindé, e Quixeramobim. O teste foi feito pelo Departamento de Defesa dos Estados Unidos. Foi um teste clandestino” 424.

No dia 6 de agosto de 2005 o Padre Ricardo organizou, no município de

Madalena, o “Fórum pela Paz” e no pequeno cartaz com a programação

constava os 4 dias de atividades relacionadas a duas datas comemorativas do

“Fórum”: “60 anos de Hiroshima e Nagasaki” e “48 anos do teste nuclear sobre

nós”. O “Fórum” contou com uma programação que incluía o “Pronunciamento

[do Padre] na Câmara” no sábado pela manhã, uma “Missa lembrando as

vítimas” na mesma data, à noite e, em seguida, uma reunião em que eu tive a

oportunidade de falar sobre a minha pesquisa e “Testes nucleares”. E dando

prosseguimento ao “Fórum”, no outro dia, no Centro Paroquial, uma estudante

universitária, de Quixadá, convidada pelo Padre, fez uma exposição intitulada

“Propriedades e efeitos de radiação”. Finalmente, as atividades do “Fórum”

foram encerradas com uma palestra, feita pelo Padre, que tratava do

“Desarmamento nuclear”. Na segunda-feira (dia 8 de agosto) estava

programado uma medição de radioatividade (com um contador Geiger recém-

adquirido) em alguma áreas do município. Como não pude permanecer lá até

este dia, não fiquei sabendo se foi encontrada alguma radiação natural ou

artificial na região, nem como se deu a medida (se através de amostras, se em

céu aberto etc). Gostaria de chamar a atenção para o fato de que talvez em

poucos lugares do mundo alguém tenha dedicado, naquele momento tão

significativo como o aniversário do marco inicial da “Era Atômica”, quatro dias

de atividades (mesmo que em alguns momentos com pouca audiência) que

lidaram diretamente com a questão nuclear, a sua utilização como arma e seus

riscos. E mais ainda, talvez em nenhum outro lugar do mundo se relembre à

sua população a realização de um teste nuclear atmosférico clandestino. Há

424 Carta aberta do Padre Ricardo, de 26 de setembro de 2001.

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boatos de testes nucleares clandestinos na América do Sul 425, mas haverá em

algum outro lugar que a data seja lembrada com a emergência que o Padre dá

ao assunto?

E a titulo de finalização gostaria de narrar um acontecimento curioso

acorrido quando entrevistava o Padre Ricardo. No dia 6 de agosto de 2005,

precisamente as 8h15min (ou seja há exatos 60 anos do lançamento da bomba

atômica sobre Hiroshima) iniciei a entrevista. Dirigi-me ao seu escritório e sob o

olhar atento do Papa João Paulo II (em um quadro, na parede) comecei a falar

sobre sua chegada a Madalena, seu ofício, o clarão, os camponeses, a

radioatividade, os casos de câncer etc. Quando a conversa ia a meio, lancei

uma inquietação:

Tácito: “(...) o senhor encontrou alguma resistência, alguém que acha que não é um teste clandestino?” Padre Ricardo: “Só pessoas que hesitam em se declarar... talvez você (!) tenha oferecido mais resistência que qualquer outra pessoa aqui” Tácito: “Por quê?” Padre Ricardo: “Porque você está questionando, procurando saber se foi mesmo um teste nuclear ou foi um outro fenômeno que aconteceu” 426.

Este comentário me fez sentir um tanto feliz, pois percebi que estava no

caminho certo. Não cabe ao historiador, em seu ofício, se posicionar

favoravelmente ou desfavoravelmente em uma situação como aquela. Acredito,

pelo que pesquisei, ser totalmente possível que um teste clandestino tenha

425 Em uma carta escrita por Sally Light (da ONG Nevada Desert Experience), no dia 6 de abril de 2001, ao Padre Ricardo, ela orientou, em resposta a solicitação do Padre, sobre como proceder para acionar um Tribunal internacional (o de Haia, no caso) etc, assim como obter mais informações sobre testes clandestinos realizados pelos Estados Unidos. E uma das informações “ainda não confirmadas” foi fornecida por um ex-agente da CIA a um amigo de Sally Light (Andrew Lichterman, da ONG Western States Legal Foundation): o ex-agente disse a Andrew, há dois anos atrás (1999, portanto), que os Estados Unidos conduziram “testes atmosféricos clandestinos na América do Sul” (Conforme carta de Sally Light, de 6 de abril de 2001, ao Padre Ricardo. “Andrew Lichterman of Western States Legal Foundation also responded. An attorney and long-time anti-nuclear activist, who does extensive research on such things, he told me that a couple of years ago, he met someone who claimed to be an ex-CIA operative. This person told Andrew stories that Andrew thought were not believable at the time, but several have since been corroborated by other sources. One of the as-yet uncorroborated stories concerned an atmospheric test covertly conduct in South America. Andrew will look into this further and get back to me”) 426 Entrevista número 010, de 06/08/2005, 9h30min.

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sido realizado no Brasil; não soaria absurdo falar na realização de um deles no

Nordeste brasileiro naquele período 427. Se eu busco reunir evidências de que

ele ocorreu, devo questionar, “procurar saber se foi mesmo um teste nuclear”

ou “um outro fenômeno”. São as perguntas, as inquietações e as problemáticas

que emergem da pesquisa que dão brilho a ela e a seu produto final. Espero

que o resultado final que apresento aqui reflita o brilho adquirido de tantos

questionamentos que fiz às fontes.

427 O documentário Atomic Cafe, produzido em 1982 pela The Archives Project Inc, traz uma excelente compilação de material produzido pela Força Aérea, Marinha, Exercito, Departamento de Defesa, instituições de pesquisa, Defesa Civil etc norte-americano. Como bem aparece na capa do DVD, este é um “filme de horror cômico” (segundo The Village Voice). A “Era Atômica” inaugurou um momento na história onde se pensou o impensável e é incrível constatar que tudo aquilo “realmente aconteceu”.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na Introdução deste trabalho apresentei o volume de material que

levantei ao longo dos últimos três anos e que foram parcialmente utilizados.

Muito material foi simplesmente deixado de lado (notadamente um riquíssimo

arquivo de matérias das revistas Time 1945-65, Scientific American 1945-1960,

Bulletin of the Atomic Scientists 1945-2006 e Seleções do Readers Digest

1945-1960) uma vez que o tempo urgia e os recortes se acentuaram. E

consegui reunir em vídeos (no formato VHS e DVD) alguns documentários do

governo norte-americano recém-liberados, e eles se mostraram muito

elucidativos como veículos para se entender um pouco sobre a “Era Atômica”.

Infelizmente, em virtude das minhas escolhas metodológicas, não foram

utilizados em todo seu potencial. Acrescente-se cerca de 70 documentários (no

formato MPEG-4) produzidos pelo governo norte-americano e suas agências

(de 1945 a 1965) e que foram conseguidos na Internet (em um site com filmes

de domínio público): adicione a isto vários arquivos (no formato Adobe PDF)

com folhetos, posters, panfletos, manuais de sobrevivência, relatórios etc,

formando aí um excelente inventário sobre a Guerra Fria. Há, ainda, 3½ hora

de entrevistas (e cerca de 70 páginas de transcrição) com algumas pessoas

que viram o clarão na cidade de Madalena (ou não o viram, mas ouviram falar

dele), ou o agora chamado “episódio de 57”. Utilizei muito pouco deste material

pela escolha metodológica de me afastar de um trabalho de memória.

Acrescento ainda que há muitas fontes catalogadas para uma pesquisa futura

(que certamente contém elementos riquíssimos e que me interessam

muitíssimo), cuja consulta não foi efetivada pela falta de uma entidade

fomentadora para esta pesquisa: jornais no estado do Rio de Janeiro, onde

efetivamente se começou a falar de testes atômicos clandestinos no Nordeste

brasileiro, deveriam ser consultados (notadamente o periódico Última Hora).

Revistas como O Cruzeiro poderiam trazer vasto material iconográfico sobre

temas tratados aqui (como, por exemplo, a cessão de Fernando de Noronha e

a visita da Força-Tarefa 88 ao Rio). Até mesmo outros jornais locais deveriam

ser consultados e não o foram, no caso de O Democrata de 1958, dado a

indisponibilidade dele na Biblioteca Pública. Um tour pelo estado do Ceará teria

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me permitido conversar com várias pessoas que presenciaram muitos daqueles

“objetos luminosos” e “clarões”, episódios estes que ocorreram nos quatro

cantos do estado. Que impagáveis experiências teriam estas pessoas para me

contar!? Além disso, sei que existiam alguns jornais locais que devem ter

repercutido tais episódios (como O Monólito, de Quixadá, por exemplo). Que

tipos de abordagens tais jornais deram àqueles episódios? Teriam eles se

aproximado mais do depoimento dos sertanejos? Há no estado alguma

expressão popular (um cordel, por exemplo) que tratou dos episódios e,

particularmente, da explosão em Quixadá?

Assim, este não é um trabalho que pretendeu esgotar o assunto. Pelo

contrário, aprendi (pelo muito que foi deixado de lado ou ainda não foi

consultado) que esta pesquisa apresenta um forte potencial de continuidade.

Fontes ainda não consultadas podem enriquecê-lo, assim como invalidá-lo:

este risco correm todos aqueles que se enveredam pela pesquisa histórica. As

fontes podem ser apropriadas diferentemente, através de um outro método ou

de uma outra abordagem, de modo que apontem para um caminho diferente

daquele que percorri aqui. Oxalá outros pesquisadores se interessem por este

assunto e agreguem, a ele, novas perspectivas e explicações. Pretendo dar

continuidade a esta pesquisa em um outro nível (em um Doutorado, por

exemplo) e, ao fazê-lo, acredito dar uma contribuição ao entendimento de

questões relevantes de nossa história recente e que ficaram completamente de

fora da historiografia brasileira. Quem imaginaria, mesmo que por um instante,

que se falou repetidamente (em jornais e livros, na década de 1950) do

Nordeste brasileiro como o provável Teatro de Operações da Terceira Guerra

Mundial? Pouco se comenta, mas a única série de testes atômicos

clandestinos conduzida pelo Departamento de Defesa estadunidense (tido

como o “maior experimento científico da História”) foi realizado no Atlântico Sul.

E mais: quem imaginaria que a imprensa brasileira repercutiu estes testes

clandestinos, trazendo-os para bem próximos de nós à medida que se ventilou

que eles foram conduzidos no Nordeste brasileiro e, mais precisamente, no

Sertão Central cearense? Quem imaginaria que os sertanejos do Ceará (assim

como de outros estados do Nordeste) podem ter presenciado o

recrudescimento da atividade espacial norte-americana na forma de foguetes e

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mísseis (ou restos deles) que passaram ou se precipitaram sobre suas cabeças

(como continuam fazendo ainda hoje, 50 anos depois!)?

Busquei neste trabalho me aproximar das percepções que as pessoas

tiveram dos mais diversos episódios citados. A voz destas pessoas foi buscada

nos jornais, nos Editoriais, nas revistas, através de jornalistas e

correspondentes. Gostaria de me aproximar um pouco mais das pessoas e foi

por este motivo que conduzi algumas entrevistas. O trabalho com a História

Oral, apesar de não render muitos frutos para esta dissertação, serviu para

uma experiência pessoal de indescritível valor profissional. No dia oito de

fevereiro de 2005 encontrava-me no município de Madalena, em um pequeno

distrito chamado Cacimba Nova. Durante todo o dia o sol brilhara um tanto

timidamente, encoberto pelas nuvens, porém sem deixar de derramar sobre

todos um calor quase que insuportável. Enquanto me encontrava no interior da

residência de minha entrevistada (Dona Ivanir), não havia ainda percebido o

quanto a iluminação pública lá fora era esparsa e precária. E ao caminhar pela

trilha que me levaria a uma outra casa (onde pernoitaria), percebi que a noite

encontrava-se com o céu perfeitamente limpo, com um intenso cintilar de

estrelas e a esteira de pontos luminosos da Via Láctea bem visível. Aproveitei

aquele momento bucólico para “experimentar” aquela situação pouco comum

ao “matuto” urbano que sou. Sentado ali imaginei que numa noite como

aquela (e talvez no mesmo lugar que me encontrava), em um dia qualquer há

aproximadamente 47 anos, algumas pessoas daquela localidade remota

contemplaram um maravilhoso espetáculo nos céus do município: um clarão

intenso que, segundo alguns, foi seguido de estrondo, e aparentemente sem

precedentes com nada antes avistado ou ouvido. Quão grande deve ter sido

sua admiração e espanto em “experimentar” aquela sensação de algo que foge

completamente à compreensão e ao entendimento. Que “explicações” devem

ter surgido, ali, no calor do momento? Científicas? Sobrenaturais?

Apocalípticas? Por quanto tempo ainda comentariam sobre o clarão até que ele

se “perdesse”, se diluísse em suas memórias por conta da ocorrência de outros

acontecimentos mais relevantes e marcantes para suas vidas? Em quais

pessoas a lembrança desse fantástico espetáculo manteve-se “viva”? E por

quê? E ao falarmos do clarão, essas pessoas lembram de outros episódios

igualmente importante para elas: que outros episódios são estes? Que fios

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unem aquele espetáculo a estes acontecimentos? De que modo o tempo

consumiu a lembrança que tinham do clarão?

Fiquei surpreso ante o contato com as pessoas e a descrição de suas

experiências que extrapolaram os limites desta pesquisa. Queria conversar

com eles sobre o “episódio de 57”, mas eles elegiam assuntos mais prementes:

os momentos de alegria, o casamento, o nascimento dos filhos, os seus ofícios.

E este divagar me levou a um outro nível de compreensão do pensar e fazer

históricos. Os questionamentos que afloraram daí me maravilharam com o

cabedal de possibilidades que a História nos habilita. Estas novas

problemáticas, no entanto, não apequenaram a perspectiva que dei à minha

pesquisa. Pelo contrário, estou ciente que a pesquisa histórica é feita de

recortes que a tornam viável e possível. Fico contente pelos caminhos novos

que foram abertos com este trabalho e sinto uma feliz sensação de que há

muito que fazer, muito que pesquisar e, no final, quando reiniciar este trabalho

em um outro momento, espero perceber, mais uma vez, que há ainda algo a

ser dito e a ser explicitado.

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Jornal Correio do Ceará, Fortaleza, 1957-1959 Jornal O Democrata, Fortaleza, 1957-1959 Jornal Diário do Nordeste, Fortaleza, 2004 Jornal O Estado, Fortaleza, 1958 Jornal O Jornal, Fortaleza, 1958-1959 Jornal O Povo, Fortaleza, 1956-1959 Jornal O Unitário, Fortaleza, 1959 Jornal Folha da Manhã, Rio de Janeiro, 1959. Jornal The New York Times, Nova Iorque, 1945-2006

REVISTAS

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Revista Veja, São Paulo, 1969 Revista UFO, Campo Grande, 2005 Revista Mundo Ilustrado, Rio de Janeiro, 1958-1959

CARTAS

Carta do Sr. Luiz Fernando de C. Conti (Instituto de Radioproteção e Dosimetria - IRD) ao Padre Ricardo - 1 fevereiro de 2000. Carta do Padre Ricardo a Sra. Rosa Vieira Fernandes (Presidenta da Câmara Municipal de Boa Viagem - CE) - 7 de julho de 2000. Carta aberta do Padre Ricardo - “Radioatividade no sertão central de Ceará” - 28 de agosto de 2000. Carta aberta do Padre Ricardo - Natal 2000. Carta do Padre Ricardo a Sra. Sally Light - 6 de março de 2001. Carta de Sally Light ao Padre Ricardo - 2 de abril de 2001. Carta de Sally Light ao Padre Ricardo - 6 de abril de 2001. Carta do Padre Ricardo a Sra. Sally Light - 11 de maio de 2001. Carta do Padre Ricardo ao Dr. Abel Figueiredo (DIFOR ?) - s/d. Carta aberta do Padre Ricardo - “O teste nuclear atmosférico de 1957 no Ceará” - 26 de setembro de 2001. Carta do Padre Ricardo a Sra. Sally Light - 9 de dezembro de 2002. Carta do Padre Ricardo ao Sr. Demócrito Rocha Dummar - 13 de março de 2003. Carta do Padre Ricardo a Tácito Rolim - 15 de abril de 2003. Carta aberta do Padre Ricardo - Natal 2003. Carta aberta do Padre Ricardo - “Amargor - a estrela que caiu do céu: o teste nuclear atmosférico de 1957 no Ceará” - 4 de outubro de 2004. Carta aberta do Padre Ricardo - Natal 2004 e Natal 2005. INFORMATIVOS

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Informativo “Agenda Paroquial - Órgão formativo e informativo da Paróquia N.Sra. da Imaculada Conceição - Madalena-CE” - ano XII no.4 - Julho / Agosto 2005.

ATAS

Ata da décima primeira sessão do período extraordinário da Assembléia Legislativa do estado do Ceará - 22 de janeiro de 1957. Ata da trigésima sessão do período extraordinário da Assembléia Legislativa do estado do Ceará - 12 de fevereiro de 1957. Ata da octogésima terceira sessão ordinária da quarta sessão da 14ª legislatura da Assembléia Legislativa do estado do Ceará - 4 de julho de 1958. Ata da centésima terceira sessão ordinária da quarta sessão da 14ª legislatura da Assembléia Legislativa do estado do Ceará - 28 de julho de 1958. Ata da décima sétima sessão ordinária da primeira sessão da 15ª legislatura da Assembléia Legislativa do estado do Ceará - 8 de abril de 1959.

ACORDOS

Acordo entre o Brasil e os Estados Unidos da América para a construção, na ilha de Fernando de Noronha, de instalações, especialmente de natureza eletrônica, relacionadas com o acompanhamento de projéteis teleguiados. - Janeiro de 1957. Exchange of notes constituting an agreement between the United States of America and Brazil relating to the establishment of a guided missile station on island of Fernando de Noronha. Rio de Janeiro, 21 January 1957.

FILMES

America’s Atomic Bomb Tests. Conjunto com 3 DVD’s. DVD #1 Operation Tumbler Snapper, DVD #2 Operation Hardtack e DVD #3 At Ground Zero. Produção de Atwood Keeney Productions, Inc. 1997. Duração aproximada: 3½ h. Colorido e Preto & Branco. America’s Atomic Bomb Tests: Argus and Wigwam. Volume 13. VHS. Produção de Atwood Keeney Productions, Inc. 1998. Fita contém filmes liberados pelo Departamento de Defesa norte-americano em 14 de janeiro 1997, relativos as Operações Argus e Wigwam. Duração aproximada: 80 min. Colorido.

Atomic Cafe. DVD. Produção de Kevin Rafferty, Jayne Loader e Pierce Rafferty. The Archives Project Inc., 1982. Edição do 20º aniversário de lançamento. Duração aproximada: 88 min. Colorido.

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Vídeo caseiro no formato VHS, contendo entrevistas com as supostas vítimas do “episódio de 57”. Produzido pelo Padre Richard Lee Cornwall, na cidade de Madalena - CE, no ano de 2002. Duração aproximada: 1¼ h. Colorido.

ENTREVISTAS

1ª ENTREVISTA. Nome: D. Maria Frutuoso Severo. Idade: 65 anos. Local de residência hoje: Várzea Alegre (distrito de Madalena) Local de residência na época do clarão: o mesmo. Local da entrevista: o mesmo; em sua residência. Data da entrevista: 07/02/2005. Hora: 16h. Presentes a entrevista: Padre Ricardo. Observações: Casada com o Sr. José Almir (primo legitimo do Sr. Armando Falcão, ex-Ministro da Justiça do Governo Geisel, proprietário da fazenda Massapê Grande, na região de Várzea Alegre, próximo a residência da D. Maria Frutuoso Severo).

2ª ENTREVISTA. Nome: D. Geralda Facundo Cavalcante. Idade: 66 anos. Local de residência hoje: Madalena, no bairro Henrique Jorge. Local de residência na época do clarão: Lages, distrito de Madalena. Local da entrevista: Casa Paroquial (onde mora Padre Ricardo). Data da entrevista: 07/02/2005. Hora: 19h30min. Presentes a entrevista: -o- Observações: A D. Geralda me foi apresentada pelo Padre Ricardo quando a mesma se encontrava em reunião com o Padre e alguns paroquianos. O Padre a trouxe ao meu encontro para que a mesma fosse entrevistada. Na época do clarão trabalhava em uma casa de farinha e hoje é aposentada.

3ª ENTREVISTA. Nome: Antonia Márcia Alves Ferreira. Idade: 27 anos. Local de residência hoje: União, distrito de Madalena. Local de residência na época do clarão: -o- Local da entrevista: Casa Paroquial (onde mora Padre Ricardo). Data da entrevista: 07/02/2005. Hora: 22h. Presentes a entrevista: -o- Observações: Márcia trabalha voluntariamente para a Paróquia de Madalena e nas Pastorais. A conheci na Casa Paroquial e foi com sua ajuda que entrevistei algumas pessoas na União.

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4ª ENTREVISTA. Nome: Antonieta dos Santos Arruda. Idade: 72 anos. Local de residência hoje: Macaoca, distrito de Madalena. Local de residência na época do clarão: Fazenda Olhos D’água dos Barros, distrito de Madalena. Local da entrevista: Macaoca; em sua residência. Data da entrevista: 08/02/2005. Hora: 11h30min. Presentes a entrevista: Antonia Márcia Alves Ferreira. (Ver 3ª Entrevista) Observações: Na época do clarão trabalhava em uma casa de farinha e hoje é aposentada.

5ª ENTREVISTA. Nome: Francisca Pereira de Lima. [conhecida por Biu] Idade: 66 anos. Local de residência hoje: União, distrito de Madalena. Local de residência na época do clarão: o mesmo. Local da entrevista: o mesmo; em sua residência. Data da entrevista: 08/02/2005. Hora: 12h20min. Presentes a entrevista: Antonia Márcia Alves Ferreira, alguns netos e vizinhos. Observações: D. Francisca trabalhava na agricultura na época do clarão e a partir da década de 1960 começou a realizar partos na região.

6ª ENTREVISTA. Nome: Maria Augusta Barbosa de Souza. Idade: 51 anos. Local de residência hoje: União, distrito de Madalena. Local de residência na época do clarão: o mesmo. Local da entrevista: o mesmo; em sua residência. Data da entrevista: 08/02/2005. Hora: 13h. Presentes a entrevista: Antonia Márcia Alves Ferreira. Observações: Foi citada na entrevista com a D. Biu e segundo ela foi uma das que “mais se assustou” com o clarão.

7ª ENTREVISTA. Nome: Idelfonso de Almeida Lemos. Idade: 77 anos. Local de residência hoje: União, distrito de Madalena. Local de residência na época do clarão: Pacatuba - CE. Local da entrevista: União; em sua residência. Data da entrevista: 08/02/2005. Hora: 13h40min. Presentes a entrevista: Antonia Márcia Alves Ferreira, sua esposa e um amigo. Observações: o S. Idelfonso não viu o clarão, mas lembra das aparições de clarões decorrentes do lançamento de foguetes da Barreira do Inferno - RN assim como do aparecimento do cometa Halley em 1986.

8ª ENTREVISTA.

Page 204: 1 Tácito Thadeu Leite Rolim - repositorio.ufc.br · “Essa Não Tio Sam: ... Carlos Emílio chega mesmo a sugerir a “escrita de uma reportagem ... Lima ao lado da afirmativa de

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Nome: Sr. Delmiro Teixeira de Oliveira e D. Raimunda Lima de Oliveira [conhecida por D. Ivanir]. Idade: [?] Local de residência hoje: Cacimba Nova, distrito de Madalena. Local de residência na época do clarão: Cacimba Nova e Sabonete, distrito de Madalena, respectivamente. Local da entrevista: Cacimba Nova; em sua residência. Data da entrevista: 08/02/2005. Hora: 20h05min. Presentes a entrevista: Na maior parte somente os dois, mas chegou um de seus filhos, Everardo, mais para o final da entrevista.

9ª ENTREVISTA. Nome: Sr. Francisco Amadeu Dedê Brito. Idade: 44 anos. Local de residência hoje: Cacimba Nova, distrito de Madalena. Local de residência na época do clarão: -o- Local da entrevista: Cacimba Nova; em sua residência. Data da entrevista: 09/02/2005. Hora: 12h30min. Presentes a entrevista: Antonia Márcia Alves Ferreira. Observações: Trabalha hoje como agente de saúde.

10ª ENTREVISTA. Nome: Padre Richard Lee Cornwall. Idade: [?] Local de residência hoje: Madalena - CE Local de residência na época do clarão: Estados Unidos. Local da entrevista: Madalena; em sua residência. Data da entrevista: 06/08/2005. Hora: 8h15min. Presentes a entrevista: -o- Observações: O padre Ricardo é pároco na região de Madalena desde 7 de fevereiro de 1993. É norte-americano, nascido na cidade de Omaha, Nebraska.

PRONUNCIAMENTO DO PADRE RICARDO CORNWALL NA CÃMARA DE VEREADORES DE MADALENA - CE. Data do pronunciamento: 06/08/2005. Hora: 9h30min. Local do pronunciamento: Câmara de Vereadores de Madalena - CE. Presidindo a Sessão: Vereador José Eurinaldo Vieira.

PRONUNCIAMENTO DO PADRE RICARDO CORNWALL NO CENTRO PAROQUIAL DE MADALENA - CE. Data do pronunciamento: 06/08/2005. Hora: aproximadamente 21h. Local do pronunciamento: Centro Paroquial de Madalena - CE. Evento: “Fórum pela Paz”