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1 Ética no Serviço Público - Apresentação O presente texto trata da questão da ética no serviço público. Optamos por examinar o assunto recorrendo a algumas fontes que fornecem elementos para reflexão. A primeira delas é a Filosofia, que, há 25 séculos, discute questões éticas. A segunda, são as experiências e debates estrangeiros a propósito do tema. A terceira e última é o próprio Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo, em vigor a partir do Decreto Presidencial n o 1.171/94. A cada uma das mencionadas fontes corresponderá um capítulo, um apêndice bibliográfico e um exercício. Profa. Dra. Maria Clara Dias Prof. Dr. Nelson Gonçalves Gomes Prof. Dr. Claudio Araujo Reis ENAP Escola Nacional de Administração Pública

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1 Ética no Serviço Público - Apresentação

O presente texto trata da questão da ética no serviço público. Optamos por examinar o assunto recorrendo a algumas fontes que fornecem elementos para reflexão. A primeira delas é a Filosofia, que, há 25 séculos, discute questões éticas. A segunda, são as experiências e debates estrangeiros a propósito do tema. A terceira e última é o próprio Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo, em vigor a partir do Decreto Presidencial no 1.171/94. A cada uma das mencionadas fontes corresponderá um capítulo, um apêndice bibliográfico e um exercício.

Profa. Dra. Maria Clara Dias Prof. Dr. Nelson Gonçalves Gomes Prof. Dr. Claudio Araujo Reis

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ÍNDICE

I. ÉTICA: A ABORDAGEM FILOSÓFICA 3

1. VALORES E NORMAS ..................................................................................................................... 3 2. A ÉTICA ......................................................................................................................................... 5 3. PERSPECTIVAS DE FUNDAMENTAÇÃO DA MORAL....................................................................... 6 4. JUSTIÇA E IGUALDADE................................................................................................................ 12 5. CONTRATO SOCIAL ..................................................................................................................... 13 6. O PAPEL DO ESTADO................................................................................................................... 14 7. CRÍTON (PLATÃO)...................................................................................................................... 18

II. ÉTICA NO SERVIÇO PÚBLICO: A REFLEXÃO ESTRANGEIRA 36

1. A DISCUSSÃO BRITÂNICA SOBRE PADRÕES DE CONDUTA NA VIDA PÚBLICA........................... 36 1.1 – NORMAS DE CONDUTA PARA A VIDA PÚBLICA................................................................... 40

2. OUTRAS EXPERIÊNCIAS ESTRANGEIRAS.................................................................................... 54 A) O CASO AUSTRALIANO ........................................................................................................... 54 B) O CASO HOLANDÊS ................................................................................................................. 55 C) O CASO NORTE-AMERICANO................................................................................................... 55 D) O EXEMPLO DOS PAÍSES LATINO-AMERICANOS...................................................................... 56

3. DOCUMENTOS ESTRANGEIROS .................................................................................................. 58 A) NAÇÕES UNIDAS ................................................................................................................ 58 B) AUSTRÁLIA.......................................................................................................................... 61 C) HOLANDA............................................................................................................................. 63 D) ESTADOS UNIDOS .............................................................................................................. 67 E) ARGENTINA ......................................................................................................................... 69 F) PERU....................................................................................................................................... 71 G) MÉXICO................................................................................................................................. 73

III. O CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL DO SERVIDOR PÚBLICO CIVIL DO PODER EXECUTIVO FEDERAL 78

1. HISTÓRICO .................................................................................................................................. 78 2. PRIMEIRA PARTE......................................................................................................................... 79 3. SEGUNDA PARTE.......................................................................................................................... 80 4. DECRETO N° 1.171, DE 22 DE JUNHO DE 1994. ............................................................... 81

IV - BIBLIOGRAFIA 88

3 Ética: A abordagem filosófica

I. ÉTICA: A ABORDAGEM FILOSÓFICA

1. Valores e normas

Ética é um dos grandes temas dos nossos dias. Todos falam de ética e exigem que ela faça parte das relações humanas, da política, dos negócios e da vida privada. Apesar dessa unanimidade, poucos saberão explicar o que seja ética. No que vem a seguir, tentaremos realizar tal tarefa: esclarecer o que seja aquilo que chamamos de ética ou moral. Tomaremos essas palavras como sinônimas, empregando uma ou outra apenas a título de variação estilística. A expressão “ética” vem do grego éthos, que significa hábito, enquanto “moral” vem do latim mos, cujo significado é o mesmo. Sob o ponto de vista etimológico, usar a palavra “ética” ou “moral” é apenas dar preferência a uma expressão de origem grega ou a outra de origem latina.

Para entender o que seja a ética como preocupação intelectual, temos de introduzir alguns conceitos preliminares, visto que a moral se relaciona com o universo dos valores e normas. Antes de tudo, portanto, perguntemos: o que são valores e normas?

Suponhamos que alguém esteja perdido no deserto, prestes a morrer de sede. Sem qualquer dúvida, ele estará disposto a dar tudo o que possui em troca de um simples copo d’água. Na situação descrita, a água é o valor supremo para aquele homem. Em caso de carência análoga, um emprego ou um carro podem representar valor máximo para alguém. Consoante a narrativa de Shakespeare, Ricardo III dispunha-se a trocar seu reino por um cavalo, quando se viu a pé, na derradeira batalha. Em situações normais, o dinheiro, a aceitação social ou o afeto familiar têm valor para as pessoas. Diremos, então, que valor é tudo aquilo que, real ou supostamente, dá caráter positivo a algo. De forma simétrica, antivalor é o que torna algo negativo. Como honestidade, honra e amor são valores, desonestidade, desonra e ódio são antivalores. Abreviadamente, podemos dizer que tudo o que é valor é certo, enquanto o antivalor é errado.

Uma vez estabelecido um valor, é natural que se fixe uma norma para alcançá-lo. O pai que valoriza a honestidade dirá ao filho: seja honesto! Tal frase é uma norma, ou seja, é uma regra de comportamento que tem por objetivo a realização de um valor. No sistema de trânsito, por exemplo, a segurança, a rapidez e o conforto são valores, uma vez que qualquer usuário os deseja. Entretanto, para que cada um possa trafegar de modo seguro, rápido e confortável, certas normas de trânsito são indispensáveis: “pare no sinal vermelho”, “dirija à direita”, “ultrapasse à esquerda”, etc.

A vida social está embebida de valores e normas, em qualquer grupo humano. Em nenhuma sociedade, o indivíduo pode fazer tudo o que deseja, sob pena de grave prejuízo para aquela mesma sociedade: se todos pudessem matar à vontade, por exemplo, logo a vida estaria extinta. Portanto, a vida há de ser um valor para qualquer sociedade, e a norma “não mate” há de ser uma exigência geral, ao menos em princípio.

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4 Ética: A abordagem filosófica.

Embora o comportamento dos indivíduos esteja sujeito a valores e normas sociais,

a História e a Antropologia Cultural fornecem-nos inúmeros exemplos de variações nesta área, quando passamos de uma sociedade para outra ou quanto consideramos o tempo. Entre os muçulmanos fundamentalistas, por exemplo, a modéstia feminina é valorizada a tal ponto que existe uma norma obrigando a mulher a usar um véu. Ora, nos países cristãos tal valor e tal norma não são admitidos. Por outro lado, no Brasil, até 1888, escravos eram vendidos e comprados, enquanto, nos dias de hoje, tais práticas são consideradas monstruosas.

Que lição tirar dessa imensa multiplicidade de valores e normas, que variam continuamente, no espaço e no tempo? Por enquanto, basta verificarmos que existem Códigos Tradicionais de Conduta nas sociedades humanas, códigos estes que estabelecem valores e impõem normas. Eles são veiculados pela família, pela escola, pelas instituições religiosas, pelo convívio cotidiano e processos semelhantes. As ações dos indivíduos e dos grupos devem conformar-se àqueles códigos, sob pena de punição. Se, por exemplo, a mulher muçulmana sair à rua sem o véu, ela estará sujeita a censuras sociais, visto que o seu comportamento não se adequa ao código tradicional islâmico.

A Antropologia Cultural mostra-nos o papel que tais códigos desempenham na estrutura e no funcionamento das sociedades. Como tudo muda na vida social, os códigos mudam também, mesmo que lentamente.

Os Códigos Tradicionais de Conduta são onipresentes e, em geral, eficientes. Porém, até certo ponto, eles são difusos. Portanto, para que a vida pública possa organizar-se melhor, é preciso que certos valores sejam nitidamente explicitados e que algumas normas sejam inequivocamente decretadas e publicadas. Neste ponto, passamos para o plano do Direito, que é o conjunto dos valores e das normas fixados pelo poder público e tornados compulsórios, por coação, uma vez divulgados. A Constituição brasileira de 1988, por exemplo, já no seu artigo 1º, estabelece a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, o trabalho, a livre iniciativa e o pluralismo político como valores. No artigo 5º, encontramos a norma de que todos são iguais perante a lei. Na verdade, constituição, leis, decretos e jurisprudência estabelecem alguns valores e múltiplas normas, aos quais as ações dos órgãos públicos e dos indivíduos devem se adequar, sob pena de punição. O Direito está associado a uma ampla organização estatal, que reúne juízes, promotores, etc., com a tarefa específica de arbitrar conflitos e punir transgressões, consoante as regras que ele estabelece. A Ciência Jurídica é a disciplina que estuda o Direito, em seus múltiplos aspectos. Sabidamente, o Direito está em constante mudança e também ele varia, de sociedade para sociedade.

O universo dos valores e das normas, por conseguinte, comporta pelo menos dois planos: 1. o dos Códigos Tradicionais de Conduta; 2. o do Direito. Estes planos são distintos, mas a fronteira entre eles não é intransponível, de vez que um juiz, ao menos em certas situações, pode emitir sentença apelando para usos e costumes do código tradicionalmente vigente na sua sociedade.

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2. A Ética

Os Códigos Tradicionais de Conduta e o Direito são dois planos do universo dos valores e das normas, mas há ainda um terceiro, que é analisado pela Filosofia. Tal plano é a Ética ou Moral, que tem a ver com valores e com normas, mas sob um ponto de vista peculiar: a racionalidade. A Ética abrange, pretensamente, um ou mais sistemas de valores e normas de conduta que sejam racional ou argumentativamente defensáveis.

O exemplo muitas vezes citado do que seja um comportamento de acordo com normas éticas é tirado do diálogo platônico chamado Críton, no qual é descrita a situação do filósofo Sócrates, condenado a morrer bebendo cicuta, sob a falsa acusação de corromper a juventude. Corria o ano de 399 a.C. Sócrates aguardava execução, em Atenas. Os atenienses, porém, não acreditavam que o filósofo, de fato, viesse a ser executado, em virtude de um velho costume social que levava os amigos de um condenado importante a subornar os guardas e fugir com o prisioneiro para outra cidade, na qual ele passaria a residir. Críton, amigo de Sócrates, conhecia um dos vigias e preparava-se para suborná-lo. Entrou na cela do filósofo, apressando-o a sair.

Surpreendentemente, porém, Sócrates decidiu ficar! Críton, atônito, obtemperou que os amigos de Sócrates seriam mal interpretados pela opinião pública de Atenas, que os consideraria avaros, a ponto de deixar o mestre morrer para não pagar propinas aos guardas. Além disso, haveria pleno consenso em Atenas de que Sócrates seria inocente e deveria fugir.

Imperturbável, Sócrates disse a Críton que ignorasse a opinião pública, uma vez que ela seria incapaz de produzir grande bem ou grande mal. Além disso, ele desqualificou o consenso como critério, lembrando que a maioria também está sujeita a erro.

Disposto a dar a Críton sua última lição, Sócrates resolve exercer a sua profissão de filósofo, justificando racionalmente sua decisão de ficar e mostrando por que ela seria certa. Sócrates apresentou vários argumentos, dentre os quais o seguinte:

Devemos cumprir promessas. Ora, ao morar em Atenas, implicitamente, prometi cumprir-lhe as leis. Logo, devo cumpri-las e ficar.

As três sentenças acima formam um argumento ou raciocínio lógico. As duas primeiras frases são premissas (teses básicas, pontos de partida) e a última é a conclusão (decorre das primeiras).

A premissa “Devemos cumprir promessas” é um princípio moral, ou seja, é uma regra cujo cumprimento deve ser esperado de qualquer ser humano. Quem pede algo emprestado e promete devolver logo, deve cumprir o combinado, pouco importando o grupo étnico ao qual pertença. Se alguém promete e não cumpre, terá o seu convívio com as outras pessoas prejudicado, perderá a credibilidade.

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Ao mencionado princípio, Sócrates agrega a segunda premissa, enunciando um

fato da sua vida: ele nunca foi escravo, escolheu viver em Atenas; se o fez, obrigou-se a cumprir as leis daquela cidade.

Das premissas assim colocadas, segue-se, necessariamente, que Sócrates deve ficar. Ora, tal conclusão lógica justifica, racionalmente, a decisão socrática: é certo ficar!

Observemos que Sócrates não agiu consoante o Código Tradicional Ateniense de Conduta, que o encorajava a fugir. Muito ao contrário: ele desdenhou a opinião pública. Sócrates submeteu-se ao Direito Ateniense, mas fê-lo apelando para um princípio normativo racional (“Devemos cumprir promessas”). Ele obedeceu à lei porque assim o prometera. Na verdade, a coação estatal estava afastada, naquele instante, pois o vigia não o impediria de fugir. Mas Sócrates ficou e bebeu a cicuta, sujeitando-se livremente a valores e princípios defensáveis de modo argumentativo. Por isto mesmo, ele nos forneceu o exemplo-padrão de comportamento moral ou ético.

Os Códigos Tradicionais de Conduta, o Direito e a Ética ou Moral são, portanto, três planos imersos no universo dos valores e das normas. Eles são distintos uns dos outros, sem ser estanques. Ao que parece, a vida será um valor em todos eles, e a norma “não mate” pertencerá também a todos. Porém, conflitos podem surgir entre tais planos, obrigando o indivíduo a certas escolhas. O soldado que receber ordens de executar prisioneiros inocentes poderá cumpri-las, consoante os regulamentos militares, que classificarão o seu comportamento como certo. Ele poderá, porém, recusar obediência, apelando para o princípio moral de que não se deve matar um inocente. Num tal caso, estará sujeito a sanções militares, mas a sua conduta será certa, sob o ponto de vista moral.

A disciplina filosófica que estuda valores e normas morais, sob um ponto de vista racional, chama-se Filosofia Moral ou Ética. Portanto, as palavras “Moral” e “Ética” podem designar tanto certos sistemas de valores e normas quanto a disciplina que os investiga. O contexto, porém, deve deixar clara a acepção na qual aquelas palavras são empregadas. A disciplina filosófica ocupa-se com questões como “O que são o Bem e o Mal?”, “Como se hierarquizam os princípios éticos?”, etc. Tais itens têm a ver com a fundamentação da moral, que será vista a seguir. Antes, porém, cabe uma observação: os valores e normas éticos parecem ser mais estáveis e universais do que aqueles dos Códigos Tradicionais de Conduta ou do Direito. Por mais que as sociedades se modifiquem, um princípio como “respeite as pessoas” continua sendo uma regra defensável de convívio humano.

3. Perspectivas de fundamentação da moral

Quando somos indagados acerca do valor de nossas crenças, costumamos responder apelando para princípios que conferem legitimidade às mesmas. Se acreditamos que, ao nível do mar, a água ferverá a 100 graus centígrados, é porque já realizamos inúmeras vezes um tal experimento e até hoje observamos uma regularidade entre o aquecimento da água e seu processo de ebulição. Ao afirmarmos que 2 mais 2 são 4 ou que a soma dos quatro ângulos de um quadrado equivale a 360 graus, estamos expressando um conhecimento das relações matemáticas. Enquanto certos fenômenos puderem ser

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observados e/ou tais relações estiverem valendo, teremos uma base segura para resgatar a pretensão de validade de tais crenças.

Há contudo enunciados que não expressam nossa crença acerca das leis que regem o mundo sensível, mas sim a crença em um determinado modo de agir, que parece ser até certo ponto independente de constatações empíricas. Se chover, haverá um aumento da umidade relativa do ar. A chuva poderá também favorecer a plantação, mas, quer chova, quer permaneça sol, acredito que não deva infligir dor inutilmente a outros seres humanos, acredito que deva manter minhas promessas e que não deva dispor do que não me pertence. Mas de onde provêm tais crenças? Haverá um fato distinto no mundo no qual esteja baseada minha compreensão do que devo fazer? Haverá no fundo de cada um de nós algum sentimento que determine nosso modo de agir? Se não formos capazes de determinar as regras que orientam a nossa conduta, jamais poderemos supor que um tal âmbito do nosso discurso possua qualquer fundamento. Apenas poderíamos descrever nossas ações, assim como descrevemos fenômenos do mundo natural, mas não poderíamos supor que algo prescreva uma determinada conduta, ou seja, poderíamos apenas constatar que agimos de tal e tal modo, porém não que devamos agir de uma forma determinada.

Essa distinção entre o modo como as coisas são e o modo como devem ser foi filosoficamente descrita por meio da distinção entre enunciados assertivos e enunciados normativos. Os primeiros pertencem ao âmbito do nosso discurso que concerne à verdade. Os segundos pertencem ao chamado discurso moral. Se considero que tudo aquilo que é não é senão o que me parece, elimino qualquer possível distinção entre “realidade” e fantasia, entre o universo de meus estados subjetivos e um acordo intersubjetivo acerca de nossas experiências. Se considero que meus desejos e interesses individuais devem ser a única fonte de determinação da minha conduta, elimino qualquer possibilidade de um acordo comum acerca de normas morais, ou seja, regras que prescrevem o agir de um indivíduo com relação aos demais.

Dizer que a linguagem da moral possui caráter prescritivo significa, portanto, afirmar que ela não se limita à descrição ou à análise do modo como as coisas são, mas dita o modo como devem ser. Desse modo, seria inútil buscar na experiência empírica o correlato ou o fundamento de seus enunciados. Contudo, seu caráter prescritivo torna ainda mais patente a necessidade de um fundamento. Um sistema moral impõe-se muitas vezes contra nossos desejos mais imediatos. Por que então devemos considerar necessário fazer jus a seus mandamentos? De onde vem a autoridade reclamada pelos princípios morais? É como resposta a esta questão que tentaremos traçar um perfil das principais perspectivas de fundamentação da moral. Antes disto, devemos, contudo, estabelecer uma distinção entre a chamada moral moderna e a moral tradicional. A moral tradicional é aquela que repousa sobre a crença em uma autoridade. Por que devemos aceitar tais e tais mandamentos? Porque os mesmos refletem a vontade divina, a vontade de um governante ou de qualquer indivíduo no qual reconhecemos uma autoridade, nossos pais, ídolos, etc. A moral moderna recusa a transcendência e questiona o fundamento de autoridade. Será para ela que dirigiremos agora a pergunta: por que devemos então aceitar um princípio moral?

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Na História da Filosofia teremos um extenso repertório de respostas a essa

questão. “Porque faz parte de nossa natureza”, dirão. “Mas, de que natureza?”, perguntaríamos. Da nossa natureza como filhos de Deus; como seres que desfrutam do sentimento de compaixão para com os demais ou como seres livres, dotados de razão. No primeiro caso, verificamos, mais uma vez, a crença em uma entidade transcendente como fundamento da moralidade. Tentaremos agora analisar as duas alternativas restantes.

A primeira delas apela para a nossa natureza como seres sensíveis, capazes, portanto, de sentir prazer e dor e de se deixar afetar pelo sofrimento alheio. Dentro desta perspectiva, a investigação acerca do modo como devemos agir deve ser compreendida como uma investigação acerca das ações ou normas que promovem o bem-estar ou a satisfação dos indivíduos e da coletividade. Tais ações serão então ditas virtuosas, justas ou ainda corretas. Em contraposição, serão consideradas injustas ou incorretas as ações ou normas que promovem sofrimento, devendo, portanto, ser evitadas.

Essa perspectiva, adotada pelos principais representantes do empirismo, como por exemplo o filósofo escocês David Hume, será sistematizada mais tarde sob o título de Utilitarismo. A perspectiva utilitarista caracteriza-se por adotar como critério para o reconhecimento de uma ação ou regra como moral sua contribuição para o maior montante possível de satisfação, para o maior número de envolvidos. Moral é portanto o que é mais desejável, o que produz maior satisfação, o que mais favorece a sociedade como um todo.

O papel das regras divide o Utilitarismo em duas correntes: Utilitarismo de Ações e Utilitarismo de Regras. De acordo com a primeira, as regras desempenham apenas a função de facilitar decisões em caso de conflito. Para a segunda corrente, uma ação não deve ser avaliada meramente por suas conseqüências, mas deve-se levar em conta quais regras são mais apropriadas para cada caso. De acordo com esta posição, ações devem ser avaliadas a partir de regras, e as regras, a partir de suas conseqüências. Uma ação deve ser avaliada diretamente por suas conseqüências somente em casos em que não seja possível uma regra adequada ou em que a ação se encontre sob regras que se contradizem. A diferença entre essas duas correntes é, para o nosso objetivo, irrelevante, posto que ambas aceitam como critério de moralidade o grau de satisfação proporcionado.

Como, no entanto, saber o que proporciona maior satisfação para outros indivíduos e por que levar em conta a satisfação de outros indivíduos para avaliação do valor moral de nossas ações? A estas questões, os utilitaristas respondem com recurso a um sentimento, a saber: a compaixão ou a simpatia. Tal sentimento exprimiria nossa capacidade de sentir com o outro, em outras palavras, de nos colocarmos no lugar do outro.

Mas para que a perspectiva utilitarista possa fornecer uma resposta à questão originalmente colocada, a saber, a questão da fundamentação do caráter prescritivo dos nossos juízos morais, seria antes necessário provar que de fato possuímos uma tal natureza, ou seja, que buscamos o prazer e evitamos a dor e, sobretudo, que possuímos um tal sentimento que faz com que, ao agirmos, não levemos em consideração apenas nossa própria satisfação, mas a de todos os demais. Caso isto possa ser feito, restaria ainda saber se o princípio fornecido pelos utilitaristas como critério de moralidade, a saber, o princípio

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do maior montante de satisfação, pode ser interpretado como aquele que melhor resgata nossas pretensões morais.

Para ilustrar, embora de modo bastante caricatural, o aspecto muitas vezes contra-intuitivo do princípio utilitarista, alguns autores se fizeram valer do seguinte caso: há quatro indivíduos em um hospital aguardando um doador para transplante de órgãos. Neste hospital, encontra-se também um quinto indivíduo, saudável, e que naturalmente dispõe dos órgãos necessários para os outros quatro pacientes. Com o sacrifício de um indivíduo seria então possível salvar a vida de quatro pessoas. Deveríamos também em casos como esse supor que a solução moral mais adequada devesse ser avaliada de acordo com o maior montante de satisfação? Que o nosso quinto paciente respondesse positivamente a essa questão seria uma exigência para a qual já não encontramos qualquer sustentação no âmbito do discurso moral com o qual estamos familiarizados. O fenômeno moral que pretendemos aqui explicar é aquele que envolve seres humanos, demasiado humanos, em busca de soluções para os conflitos entre seus interesses particulares e o bem-estar do outro. A atitude de mártires, santos e de um altruísta exacerbado não pode ser adotada aqui como regra de conduta.

Um exemplo histórico de argumentação utilitarista foi o discurso radiofônico do presidente norte-americano H. Truman, proferido após o lançamento das duas bombas atômicas contra o Japão, em 1945. Diante do clamor internacional contra a destruição de populações civis indefesas, Truman obtemperou: (1) a alternativa, no caso, seria um desembarque tradicional, sobre o território japonês; (2) as Forças Armadas daquele império ainda eram muito potentes, de modo que, provavelmente, dois milhões de pessoas morreriam, entre civis e militares de ambos os lados; (3) o lançamento das bombas causou a morte imediata de pouco menos de duzentas mil pessoas; (4) conseqüentemente, as bombas trouxeram prejuízo ao menor número de envolvidos.

Passemos, agora, à analise da segunda alternativa. Fundamentar o caráter prescritivo da moralidade no conceito de ser racional não deixa de ser até hoje a mais engenhosa tentativa de fundamentação da moral. Somos livres quando somos capazes de nos deixar guiar unicamente pela razão, ou seja, quando somos capazes de abstrair de todos os móbiles sensíveis que determinam o agir, diria Kant em sua Fundamentação à metafísica dos costumes. Ora, quando extrairmos das normas que orientam a nossa conduta todo e qualquer conteúdo de determinação empírico/subjetiva, só nos restará eleger como norma aqueles princípios que possam ser igualmente reconhecidos por todos. Para avaliarmos o valor moral de uma norma, deveremos submetê-la, portanto, ao que Kant denominará Princípio de Universalização. Normas morais serão, assim, princípios de determinação da conduta que possam ser reconhecidos como universalmente válidos. O reconhecimento de tais princípios será realizado com base apenas em um critério formal, a saber, sua capacidade de satisfazer ou não ao Princípio de Universalização, dispensando, portanto, qualquer investigação acerca das possíveis conseqüências das ações ou normas adotadas.

Na Crítica da razão prática, a argumentação kantiana seguirá os seguintes passos. Em primeiro lugar, devemos reconhecer que somos conscientes do nosso agir. Isso significa

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sermos capazes de refletir sobre o mesmo. Mas se somos capazes de refletir sobre o nosso agir, devemos ser igualmente capazes de justificá-lo. Uma ação deve ser justificada com base em normas. Normas, por sua vez, só podem ser justificadas com base em um princípio, a saber: o Princípio de Universalização das Máximas. Com isso se segue que, ao aceitar a capacidade de agir de forma refletida, comprometemo-nos igualmente com o agir de acordo com princípios morais, ou seja, normas que possam ser reconhecidas como válidas por todos. Se queremos, por exemplo, avaliar se nossa decisão de não pagar os impostos devidos ao governo é ou não moralmente aceitável, deveríamos perguntar se podemos igualmente querer universalizar tal conduta, ou seja, querer que todos os demais ajam da mesma forma. Ora, o pagamento de impostos visa à garantia de certos benefícios dos quais não gostaríamos de abrir mão. Ainda que o nosso interesse individual seja o de estarmos excluídos de tal obrigação, não podemos pretender que o mesmo valha para todos os demais, pois isso extinguiria impostos, acarretando a conseqüente supressão dos referidos benefícios. Isso mostra que nosso interesse puramente individual não pode ser universalizado, sob pena de supressão do que desejamos, o que é uma forma de contradição.

Mas por que ser livre ou ser capaz de refletir, ou seja, ser racional, deve já conter em si o comprometimento com o agir moral? A fundamentação kantiana parece, portanto, estar comprometida com um conceito de razão nem um pouco trivial, o que, conseqüentemente, compromete sua própria validação.

Uma tentativa de fundamentação análoga será, neste século, proposta por dois filósofos alemães: Apel e Habermas. Em Habermas (Consciência moral e agir comunicativo), o conceito kantiano de uma razão pura prática, capaz de determinar a própria vontade, será substituído pelo conceito de razão comunicacional. Nossa capacidade de refletir acerca de nossas ações cederá lugar à capacidade de integrar um discurso de fundamentação racional. Os princípios subjacentes ao mesmo serão os chamados princípios da Ética do Discurso.

Habermas caracteriza o agir comunicacional como sendo uma forma de interação na qual os participantes se comprometem de antemão com certas regras, sem as quais a .própria comunicação estaria ameaçada. Sua antítese seria o chamado agir estratégico, no qual qualquer procedimento é avaliado tendo em vista apenas sua eficácia para o alcance dos fins almejados. As regras que possibilitam um discurso racional são aquelas que caracterizam uma situação de fala ideal, ou seja, uma situação constituída de agentes puramente racionais, em condição de igualdade para as quais não precisamos encontrar exemplos na história. Os princípios da situação de fala ideal fornecem a garantia de que apenas o reconhecimento do poder coercitivo de “bons argumentos” seja responsável pelo alcance de um acordo entre opiniões dissonantes. Tais princípios deverão, portanto, impedir que elementos externos ao discurso possam interferir no curso da argumentação.

Ao elucidar as regras pressupostas por todo e qualquer discurso de fundamentação racional, Habermas pretende mostrar que, ao tomar parte no discurso, por conseguinte, ao aceitar as regras da argumentação, nosso interlocutor acaba por se comprometer com o próprio princípio de universalização kantiano. Em outras palavras, Habermas pretende provar que o princípio de universalização é uma regra básica ou um princípio constitutivo

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da própria argumentação. Assim sendo, todos aqueles que aceitam tomar parte no discurso já pressupõem tal princípio. Tomar parte na discussão e recusar tal princípio caracterizaria o que denominamos uma contradição performativa, ou seja, uma situação na qual nossas próprias ações contradizem o conteúdo de nossos proferimentos

Nossa pergunta pode ser então recolocada: por que devemos aceitar que ser racional, agora no sentido de ser capaz de integrar um discurso racional, já nos comprometa com a aceitação de um princípio moral? Será que Kant ou Habermas poderiam questionar a racionalidade de Hitler (ele teve estratégia e foi coerente), por mais imoral que tenham sido suas ações?

Reconhecidas as dificuldades de fundamentarmos o caráter universal de princípios morais que muitas vezes aceitamos trivialmente no nosso cotidiano, talvez devêssemos voltar o nosso olhar mais uma vez para a relação entre normas e valores. É para isso que nos alertam defensores da chamada Ética das Virtudes, ou os que se autodenominam neo-aristotélicos. Para Aristóteles, tal como na tradição grega em geral, a ética deveria fornecer as diretrizes para que pudéssemos desfrutar de uma vida plena, uma vida feliz. Felicidade para Aristóteles não era, contudo, sinônimo de satisfação dos prazeres, mas sim a realização de certas disposições de caráter então denominadas virtudes. A realização das disposições de caráter adequadas era reconhecida como sendo a melhor forma de se alcançar a felicidade e de contribuir para a realização plena da pólis (cidade). Cada indivíduo era antes de tudo um cidadão da pólis, e a sua felicidade era compreendida a partir da realização de sua função na mesma. Dentro dessa perspectiva, os valores da pólis determinavam que ações deveriam ser consideradas virtuosas e que personalidades deveriam ser consagradas como paradigma de uma vida ética. Para o homem grego, não haveria qualquer oposição entre o bem do indivíduo e o bem da coletividade.

Neo-aristotélicos buscam hoje estreitar os laços entre os valores de cada grupo cultural e as normas morais por eles defendidas, criticando com isso o ideal de um princípio moral que perpasse todas as diferenças culturais. Quanto a nossa pergunta original acerca da aceitação de princípios morais, eles responderiam: só podemos respondê-la como parte integrante da questão acerca da vida que elegemos viver, a vida que julgamos digna de ser vivida, em outras palavras, a questão acerca do que signifique para nós uma vida feliz.

No contexto do pensamento aristotélico, qualquer possível desequilíbrio nas relações interpessoais seria corrigido por meio do exercício de uma virtude específica, a saber: a justiça. Aristóteles distinguia entre dois tipos de justiça. Falava, em primeiro lugar, de uma justiça reparadora, que se ocuparia com a correção ou a compensação, e, em segundo lugar, de uma justiça distributiva:

1. A justiça reparadora (ou corretiva) é aquela que, na definição de Aristóteles, “desempenha um papel corretivo nas transações entre os indivíduos” (Ética a Nicômaco, Livro V, cap. 2). Há dois casos típicos de aplicação dessa justiça. No primeiro caso, a correção exige a aplicação de uma pena a um dos indivíduos envolvidos. É o caso, por exemplo, da punição de um crime. Essa é a justiça corretiva em sentido estrito, geralmente

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corporificada nos códigos de Direito Penal. No segundo caso, a correção exige não propriamente a aplicação de uma pena a um dos indivíduos, mas o estabelecimento de uma compensação por uma ofensa ou um prejuízo sofrido por uma das partes envolvidas na transação, como acontece, por exemplo, na quebra de um contrato. Essa é a justiça compensativa, cujas regras mais gerais constituem uma parte dos códigos de Direito Civil.

2. A justiça distributiva, ainda segundo Aristóteles, é aquela que “se manifesta nas distribuições de honras, de dinheiro ou das outras coisas que são divididas entre aqueles que têm parte na comunidade (pois aí é possível receber um quinhão igual ou desigual ao de um outro)”. O grande problema que nos põe a aplicação da justiça distributiva é, portanto, o de determinar quais critérios nos vão guiar na resposta à questão: o que, afinal, cabe a cada um? É nesse tipo de justiça que estaremos concentrando nossa atenção.

4. Justiça e igualdade

Toda sociedade (como, podemos generalizar, qualquer organização) é um sistema de diferenças, sem as quais ela não poderia eventualmente funcionar bem: algumas pessoas têm mais autoridade do que outras, algumas têm certos deveres e direitos que não se aplicam a outras, etc. Se é assim, podemos formular o problema da justiça como sendo, finalmente, o de justificar esse tratamento desigual, que se encontra inscrito na própria constituição da sociedade. Na verdade, podemos supor que é uma concepção compartilhada de justiça, isto é, o reconhecimento, por parte de todos que compõem uma sociedade, de critérios justos de distribuição das desigualdades (de poder, de riquezas, de direitos e deveres, etc.), que dá unidade a essa sociedade.

Essa forma de pôr o problema tem um pressuposto: se o que devemos fazer é justificar a desigualdade, então o que nos parece mais natural é o tratamento igual. Em outras palavras, o tratamento igual seria sempre justo, se não houvesse outros elementos em jogo que reconhecidamente dão legitimidade a uma distribuição desigual. São esses outros elementos (que podemos chamar de critérios de discriminação) que nos cabe determinar.

Em boa parte das sociedades contemporâneas, aceita-se em princípio que todos são iguais, isto é, que não há uma diferença prévia ou “natural” entre os indivíduos. Supõe-se, em suma, que todos têm o mesmo valor. Podemos, de fato, entender grande parte da história das idéias e das instituições políticas dos últimos duzentos anos como uma tentativa de estender cada vez mais o alcance desse princípio. Assim, aceitamos cada vez menos facilmente discriminações baseadas, por exemplo, nas diferenças de raça ou de sexo.

Tradicionalmente, nas discussões sobre a justiça distributiva são sugeridos três critérios de discriminação que escapam ao problema a que nos referimos acima (ou seja, a discriminação baseada na afirmação de uma diferença prévia de valor entre os indivíduos):

1. Há, em primeiro lugar, o critério da necessidade. Segundo esse critério, àqueles mais necessitados é justo dar uma parte maior. É esse critério que, segundo Karl Marx, fundamentaria o princípio de justiça que ordenaria as sociedades comunistas: de cada um segundo sua capacidade, a cada um segundo sua necessidade. E em muitas sociedades

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13 Ética: A abordagem filosófica

contemporâneas é esse critério que justifica instituições como, por exemplo, o salário mínimo ou o auxílio-desemprego.

2. Outro critério legítimo sugerido é o do mérito. Aqui encontramos uma das poucas características possuídas “naturalmente” pelo indivíduo ainda eventualmente reconhecidas como um critério legítimo de discriminação em alguns domínios: o talento ou a aptidão natural. Mas há outras maneiras de discriminar segundo o mérito: segundo o desempenho (como em um concurso, por exemplo), segundo a aptidão adquirida (pelo estudo, pelo treinamento, por exemplo), segundo a contribuição (na execução de um trabalho, por exemplo).

3. Finalmente, um terceiro critério remete à idéia de um direito adquirido. Segundo esse critério, é justo que alguém goze de um benefício negado a outros em função de um direito de que é titular e de que, por sua vez, não é legítimo privá-lo.

5. Contrato social

Um dos problemas da justiça distributiva diz respeito justamente à distribuição do poder ou da autoridade. Um argumento desenvolvido por filósofos e juristas, sobretudo a partir do século XVII, pode servir-nos aqui de ilustração do modo como os filósofos justificam essas diferenças. Dissemos acima que a sociedade é um sistema de diferenças. Uma das mais notáveis é aquela que distingue entre pessoas que têm o direito de mandar, fazer leis e aplicar punições e outras que têm o dever de obedecer. Como justificar esse fato, sobretudo se lembramos que a premissa da igualdade fundamental dos indivíduos entre si é geralmente aceita por todos? De fato, se ainda acreditássemos, como já foi o caso em vários momentos da história da humanidade, que certos indivíduos ou grupos são naturalmente superiores a outros, de um ponto de vista moral, então a questão poderia ser facilmente resolvida: aos naturalmente superiores cabe o direito de mandar; aos naturalmente inferiores, o dever de obedecer. Mas o que ocorre se ninguém tiver uma autoridade natural sobre os outros? Nesse caso, argumentam os filósofos, a autoridade só terá legitimidade se contar, em algum sentido, com o consentimento daqueles submetidos a ela.

Para explicar como isso se dá, esses filósofos recorrem a um esquema composto de três elementos: 1) Primeiro, pedem-nos que imaginemos uma situação inicial caracterizada pela dissolução completa do Estado, ou seja, uma situação de literal anarquia na qual todos os laços de obrigação que ligam os indivíduos em uma sociedade politicamente organizada desapareceram. Essa situação inicial é por eles chamada de estado de natureza, que não é outra coisa senão uma maneira de afirmar a igualdade fundamental dos indivíduos. O que caracteriza esse estado é que nele ninguém pode legitimamente, a partir de características próprias, pretender impor sua vontade aos outros. O estado de natureza é um estado de perfeita liberdade e igualdade, mas, em geral, descrito como indesejável, por alguma razão. O filósofo inglês Thomas Hobbes, por exemplo, descrevia esse estado como um estado de guerra permanente, no qual nem a vida nem as propriedades estão asseguradas. 2) Oposto a esse estado está um outro, chamado por eles de estado civil

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14 Ética: A abordagem filosófica.

ou social, que é o estado em que nos encontramos, isto é, em que há uma autoridade comumente reconhecida. 3) Como explicar a passagem de um para o outro? Que ato podemos supor que seria realizado por indivíduos livres e iguais, em um estado de natureza, e que seria suficiente para instituir o Estado? Esse ato intermediário é, dizem esses filósofos, uma convenção, um contrato ou um pacto. Que a instituição da autoridade política deva ser entendida nesses termos (mesmo que, historicamente, não haja registros de Estados que tiveram essa origem), dizem eles, deriva do fato de que a existência do Estado só é possível pela introdução de limites à igualdade e à liberdade fundamentais dos indivíduos — e essa introdução de limites, por sua vez, pede o consentimento de cada um. Com isso, tanto a autoridade dos que detêm o poder estatal quanto a obrigação de obedecer dos cidadãos provêm da mesma fonte: o consentimento desses últimos. Para os filósofos que pensam a sociedade dessa maneira, repetimos, não é importante que não tenhamos nenhuma prova de que algum Estado, algum dia, teve sua origem em um contrato. Tudo o que dizem é que devemos olhar para a sociedade organizada politicamente como se tivesse sido originada por um contrato. Ver o Estado por meio da noção de contrato permite-lhes acentuar a idéia de união de vontades em torno da realização de interesses comuns (o que torna possível, por exemplo, pensar esta entidade coletiva que é a sociedade como algo dotado de unidade), ao mesmo tempo em que continuam enfatizando a idéia do consentimento como fundamento da autoridade política, em algum sentido. Por fim, notemos que é possível derivar da noção de contrato uma definição interessante de cidadania: ser cidadão é participar deste grande pacto, deste contrato social que torna possível nossa existência coletiva.

6. O papel do Estado

Recentemente, alguns filósofos políticos, especialmente nos Estados Unidos, renovaram os argumentos contratualistas, aplicando-os à teoria da justiça, no sentido mais amplo. Para finalizar, vejamos alguns elementos desse debate contemporâneo sobre a justiça, já que lança luz sobre questões importantes que dizem respeito à forma do Estado e ao que ele está legitimamente autorizado a fazer. Exporemos rapidamente as idéias de dois filósofos: John Rawls (Uma teoria da justiça, publicado em 1972) e Robert Nozick (Anarquia, Estado e utopia, publicado em 1974).

1. A intenção inicial de Rawls era recolocar em discussão os problemas relativos à justiça distributiva, que, na sua opinião, não eram adequadamente tratados pela maneira dominante de abordar teoricamente a organização social. Até então, predominava a maneira utilitarista de pensar sobre essas questões. Já vimos anteriormente a maneira utilitarista de refletir sobre os problemas morais. Retomemos alguns pontos. Para os utilitaristas, o que importa na escolha entre diferentes alternativas de ação (por exemplo, na determinação de uma política pública) é examinar as conseqüências das diferentes opções, com a preocupação de escolher aquela que aumente mais o bem-estar das pessoas afetadas pela ação. Há vários problemas embutidos nessa maneira aparentemente tão simples de pôr o problema. Destaquemos dois: a) o utilitarista dá um peso quase exclusivo às considerações de bem-estar, de tal modo que alguém poderia querer justificar, usando rigorosamente os argumentos utilitaristas, por exemplo, o sacrifício dos direitos de alguma pessoa ou grupo, se isso fizesse aumentar o bem-estar do maior número; b) outro problema é que o utilitarista

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15 Ética: A abordagem filosófica

se preocupa exclusivamente como o agregado, com a soma total do bem-estar, sem se preocupar com a maneira como esse bem-estar está distribuído entre os indivíduos afetados. O utilitarista, em suma, tem dificuldade em pôr-se o problema da justiça distributiva.

Para resolver essas dificuldades, Rawls propõe dois princípios de justiça, que dizem o seguinte: 1) cada pessoa deve ter um direito igual ao sistema mais extenso de liberdades fundamentais iguais para todos, compatível com o mesmo sistema para os outros; 2) as desigualdades sociais e econômicas devem estar organizadas de maneira a que: a) possa-se razoavelmente esperar que elas sejam vantajosas para os menos favorecidos; e b) estejam ligadas a posições e a funções abertas a todos. Esses princípios estão ordenados de tal maneira que o primeiro não pode nunca ser limitado pelo segundo, ou seja, a liberdade de um indivíduo não pode nunca legitimamente ser limitada, a não ser em nome da liberdade igual de outros. Não é legítimo limitar os direitos (ou as liberdades fundamentais) de alguém porque isso vai ser vantajoso para o maior número ou, mesmo, para os menos favorecidos. Com isso, Rawls visa à primeira dificuldade que apontamos antes. Com relação à segunda, o segundo princípio de justiça introduz uma clara preocupação distributiva, ao dizer que as desigualdades só podem ser justas se forem vantajosas, em primeiro lugar, para os menos favorecidos pela distribuição. Se é assim, uma ação estatal que tenda a promover uma tal distribuição vantajosa de desigualdades, desde que respeitadas as liberdades fundamentais e o princípio da oportunidade igual, pode ser justificada. A posição de Rawls pode ainda justificar a pretensão do Estado de ativamente promover o bem-estar, intervindo (por exemplo, por meio de mecanismos de distribuição de renda, imposição diferenciada de impostos, regulamentação do direito de herança, etc.) na distribuição de desigualdades, de tal modo que, nessa distribuição, a situação geral dos menos favorecidos esteja melhor do que em qualquer outra distribuição alternativa.

2. É contra a posição de Rawls que vai escrever R. Nozick. Este parte de uma premissa muito simples: “Indivíduos têm direitos, e há coisas que nenhuma pessoa ou grupo pode fazer com eles (sem violar os seus direitos)”. Na opinião de Nozick, o cuidado de Rawls em assegurar o respeito às liberdades fundamentais, que expõe no primeiro princípio, é ineficaz: o segundo princípio vai necessariamente ferir os direitos individuais, fundamentalmente a liberdade pessoal e o direito à propriedade privada. Como justificar o Estado e suas ações, deste ponto de vista? Para Nozick, o único Estado moralmente justificado, do ponto de vista do respeito aos direitos individuais, é o que chama de um Estado mínimo, ou Estado guarda-noturno, isto é, um Estado preocupado exclusivamente com a segurança de seus membros e com a regulação de suas relações, por meio da aplicação da justiça corretiva. Desse ponto de vista, uma distribuição justa é qualquer distribuição que resulte de trocas realizadas livremente entre pessoas. Uma teoria da justiça, nestes termos, não diz respeito primariamente a uma distribuição legítima ou justa, mas aos títulos possuídos por alguém, os quais o autorizam a dispor de suas propriedades da maneira que julgar adequada. São esses títulos que darão às trocas um caráter justo. Assim, para Nozick, uma teoria da justiça deve ter três tipos de princípios: um princípio de aquisição, que permita julgar se a posse de determinada propriedade é justa ou não, um princípio de transferência, que diz que (e como) qualquer coisa legitimamente adquirida pode ser legitimamente transferida para outro, e um princípio de retificação, que permite corrigir os

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16 Ética: A abordagem filosófica.

vícios nos casos de aquisição ou transferência injusta. Assim, ao contrário do que pensava Rawls, para Nozick o Estado não está autorizado a implementar políticas que interfiram na aquisição ou na transferência de propriedades em nome da reparação de desigualdades. Um Estado preocupado com a promoção do bem-estar vai provocar necessariamente uma intervenção (ilegítima, por princípio) na esfera dos direitos individuais. Mesmo a cobrança de impostos para qualquer outra coisa que não a manutenção do sistema de trocas livres — fundamentalmente, a polícia e o sistema judiciário — é moralmente injustificada. É, no limite, segundo essa posição, um roubo.

Em suma, e para finalizar, podemos associar as posições de Rawls e de Nozick a duas formas de Estado que, ainda neste final de século, se opõem como duas alternativas entre as quais devemos escolher. Essa oposição pode ser abordada a partir da diferença das respostas dos defensores de cada alternativa à questão sobre como promover a justiça de forma mais eficiente. A posição de Rawls aproxima-o do chamado Estado do bem-estar (Welfare State), que prevê para o Estado uma função mais ativa, não só no que diz respeito às suas relações com a economia em geral (por exemplo, interferindo na estrutura de empregos) mas também no que se refere à oferta de benefícios sociais, como saúde, educação, seguridade social, etc. Nozick, por sua vez, identificando-se expressamente como um defensor do Estado mínimo, defende uma posição usualmente chamada de neoliberal. Para os neoliberais, a maneira mais eficiente de o Estado promover a justiça é simplesmente agir como um sinalizador, não como um promotor ativo. As ações do Estado freqüentemente têm de fato esse efeito sinalizador: por exemplo, um agricultor, ao receber a notícia de que o governo iniciou obras de prevenção contra a seca em sua região, e interpretando isso como um sinal de que se espera um período de estiagem, vai eventualmente sentir-se estimulado a aumentar seus estoques.

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17 Ética no serviço público - Críton

PLATÃO

DIÁLOGO “CRÍTON”

FONTE: PLATÃO: ÊUTIFRON, APOLOGIA DE SÓCRATES, CRÍTON

(Tradução, introdução e notas de José Trindade Santos) Lisboa, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 4ª ed., 1993, p.103-127.

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18 Ética no serviço público - Críton

7. Críton (Platão)

Argumento

São de peso as razões que nos levam a considerar o Críton como uma obra concebida em estreita associação com a Apologia de Sócrates. O estilo não é dissimilar e o foco incide sobre a figura de Sócrates, debatendo a sua motivação no conflito que o opõe à cidade. A argumentação não se integra na linha geral dos diálogos sobre a «excelência», embora não discorde dela.

O argumento é simples e conta-se em duas palavras. Críton, representando os amigos de Sócrates, expressa vergonha pela ação nula que teve no curso do julgamento e subsequente encarceramento do filósofo. Vem então pedir-lhe que aceite a oferta da fuga. Sócrates propõe-se considerar o assunto à luz das posições anteriormente assumidas, invocando indiretamente o que disse na Apologia sobre a morte e a sua missão. Rejeitando o parecer da multidão, procura um entendido nestas questões, mas só a intervenção das leis de Atenas o satisfaz. Estas advertem-no das conseqüências a que conduzirá o desrespeito pelas suas admonições, tornando-se desde logo claro que Sócrates não deverá aceitar a proposta de fuga. Na sua argumentação, Sócrates parte de uma questão prévia, conducente a um princípio teórico e dois práticos:

43 a-44 b — Críton não quis perturbar o sono de Sócrates com a notícia da chegada do navio, no dia seguinte ao qual se executaria a sentença. Sócrates relata um sonho premonitório da sua morte, anunciada para dai a dois dias, confirmando a sua esperança de a morte ser um bem.

44 b-46 a — Críton exorta-o a que fuja. Os seus argumentos são motivados pela vergonha que sente por nada ter feito para o livrar da acusação e da condenação à morte. Defende que Sócrates deve fugir a uma sentença injusta, senão por outra razão, ao menos para assegurar a proteção dos seus filhos.

46 b-49 a — Sócrates considera a questão, buscando argumentos coerentes com toda a sua prática anterior, sustentando que a proximidade da morte não deverá influir nos Juízos presentes.

De resto, nas matérias relativas ao cuidado do corpo como naquelas relativas a «outra parte» do homem, as opiniões do vulgo nada valem, perante as do entendido (questão prévia). Não interessa viver, mas viver bem.

À decisão a tomar deverá chegar-se em conjunto, por perguntas e respostas, partindo da identificação dos valores teóricos, políticos e psicológicos (princípio teórico).

49 a-50 a — Toda a subsequente argumentação virá a assentar sobre duas premissas bem

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19 Ética no serviço público - Críton

estabelecidas: nunca se deve cometer injustiça, mesmo em retribuição do mal sofrido; os termos de um justo acordo nunca devem ser violados (princípios práticos).

50 a-54 d — Intervêm, então, as leis de Atenas, mostrando que Sócrates tudo lhes deve: a

vida, a educação, a união matrimonial com a sua mulher e os filhos que daí resultaram. Ora, nunca antes Sócrates deu indícios de insatisfação com as leis da sua cidade, ao contrário de quase todos os seus concidadãos, pois só três vezes dela se ausentou.

Se não fugiu antes do julgamento, ou não propôs a pena do exílio, porque há-de querer agora fugir? Se não teve medo da morte antes, porque o terá agora?

Finalmente, para que servirá prolongar uma vida bem vivida, em contradição com propósitos anteriores sobre a justiça? Quanto aos filhos, de nada lhes valerá a fuga do pai.

Os justos acordos de cada homem com as suas leis não devem ser violados, nem para que este se livre do mal que outros lhe queiram fazer. Se assim proceder, Sócrates será mal recebido pelas leis do Hades, enfurecidas pelo desrespeito das suas irmãs. Sócrates não deverá, pois, aceitar fugir.

A legalidade no Críton e na Apologia

Para lá do seu interesse biográfico e filosófico, estas duas obras têm um valor documental, esclarecendo importantes aspectos da prática legal, na Atenas posterior a Péricles. A questão tem sido abordada em extensa bibliografia, mas será difícil tratá-la de modo mais claro e condensado do que R. E. Allen, na sua recente edição do Críton e da Apologia de Sócrates (Sócrates and Legal Obligation, Minnesota, 1980):

«Sócrates e os seus acusadores tiveram o mesmo tempo para fazerem as suas declarações ao tribunal, medido por um relógio de água. As regras da apresentação de provas eram aplicadas sem rigor, como seria de esperar de um tribunal com 501 juízes, mas nem por isso deixava de haver regras. O acusador podia ser contra-interrogado sobre os termos da acusação, sendo, por lei, forçado a responder, conforme mostra o interrogatório de Meleto. Qualquer das partes podia convocar testemunhas; entre elas, os próprios juízes podiam ser chamados a testemunhar perante os outros, para estabelecimento de factos contestáveis, aparentemente, sem que fosse necessária notificação judicial. As próprias leis podiam ser citadas como provas, havendo pena de morte para quem citasse leis inexistentes. Não havia cuidados com a distinção entre o que era relevante e o que não era para o caso em juízo, essa sendo a função do relógio de água: cada um podia dizer o que quisesse, contanto que não excedesse o tempo que lhe era atribuído. Dessa maneira, o argumentum ad misericordiam veio a tornar-se habitual nos tribunais atenienses, como mostram o desprezo e a condenação expressos por Sócrates. Excluída a irrelevância, a acusação por "ouvir dizer"

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20 Ética no serviço público - Críton

não era levada em conta, embora tivesse contribuído para a condenação de Sócrates. O perjúrio era punido, mas, ao que parece, por processo civil, apenas. Não havia quesitos, nem qualquer instrumento legal análogo: a condenação era conseguida pelos votos da maioria, com absolvição, no caso de haver empate. Contudo, a defesa falava em último lugar — o que era uma grande — vantagem e a acusação era multada, se não chegasse a obter um quinto dos votos do tribunal, pretendendo esta regra impedir a acusação por malícia. Até esta data, pelo menos, as partes num processo crime deviam apresentar-se em pessoa, sem serem representadas por advogado (cf. Apologia, 19 a), devendo a retórica constituir uma técnica que os cidadãos proeminentes eram aconselhados a adquirir. Todavia, não faltavam os retores, peritos nas leis e em oratória, que cada um podia contratar para instruir um caso, ou simplesmente, redigir o discurso...» que devia ser memorizado e pronunciado pelo interessado (R. E. Allen, Op. Cit. pp. 25-26).

Este breve sumário da regra dos procedimentos legais em Atenas, consonante com o que a Apologia conta, sublinha um dos traços que mais distinguem a concepção grega clássica da legalidade, da nossa, hoje, e que, só recentemente, tem merecido a atenção dos comentadores: o conflito entre a persuasão e a verdade. Declarado logo nas primeiras linhas da Apologia (17 a 3 ss.), assumirá, no Críton, outras dimensões. Aí, a oposição põe-se, estranhamente para nós, entre duas espécies de persuasão, aquela que Críton utiliza em defesa da sua reputação de amigo de Sócrates (46 a 9); e a outra, que sanciona a recta relação entre Sócrates e as leis da cidade («persuadi-las ou ser persuadido por elas»: 51 e; persuasão; habitualmente conotada ou traduzida por «obediência»).

Esta tensão ilustra um aspecto do contencioso entre retórica e filosofia, central em diversos diálogos platónicos, por exemplo, no Menéxeno, Górgias e Fedro. É um percurso acidentado o que estas obras registam, documentando a marcha do pensamento, que conduz à imposição da «verdade», como categoria ordenadora do discurso1.

Ainda aqui, a exemplaridade no comportamento de Sócrates se deixa contrapor a teorização de problemas, que caracteriza o estilo platónico de abordagem da questão.

Sócrates e as Leis de Atenas

Bibliografia recente2 tem levantado uma questão que, durante muito tempo, passou despercebida aos comentadores da Apologia e do Críton.

Se é aceitável o paralelismo destes textos na defesa da figura de Sócrates, é notável a diferença de registo entre um e outro, passando da agressividade provocante do primeiro à lúcida resignação do segundo. Parece, no entanto, para lá da diferença de tom, subsistir a divergência quanto a um tópico capital: a «obediência» às leis de Atenas.

1 Para um grego — para o próprio Platão, até ao Sofista — a verdade (alêtheia) é a própria realidade «do que é»,

«o que pode ser pensado» que é «o mesmo para pensar e ser» (Parménides, frgs. 3 6.1). «Dizes a verdade» (alethês legeis, equivalente a «dizes bem» — kalôs legeis — ou «é certo» — orthôs legeis)

deverá ter um sentido coloquial, caracterizando a coincidência momentânea de duas opiniões, ou de uma opinião com um facto, mas não poderá exprimir a realidade de um objecto imutável, nem o que, para nós, será ainda mais obscuro o pensamento sobre ela (que não se expressa num momento definido).

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2 R.E.Allen, Op. Cit.; G. X. Santas, Sócrates London, 1979.

21 Ética no serviço público - Críton

Se, pelo menos implicitamente, a condenação de Sócrates visa castigar a sua persistência na prática filosófica, um acto público de contrição e a proposta de uma multa pelos seus actos passados fariam cessar o diferendo. Tal possibilidade é, porém, expressamente excluída pelo filósofo: «não farei outra coisa, nem que tenha de morrer mil vezes» (cf. Apol. 29 c-30 c).

Como explicar tão terminante recusa, perante um tribunal que corporiza as leis da cidade? Implicará, decerto, contradição com a «obediência» expressa no Críton, pelo menos aparentemente.

E, de facto, uma análise que incida sobre os termos do texto grego mostra que se trata de um falso problema. Três passagens chegam para eliminar qualquer confusão: Apol. 29 d 2-4; Crít. 51 c, 51 e 5 - 52 a 2. Segundo o Críton, ao cidadão só restam duas alternativas: «fazer o que a cidade lhe ordena, ou persuadi-la com argumentos.» Mas, mais adiante, a opção será ainda mais nítida: «...e triplamente culpado ...aquele que não nos persuade, nem se deixa persuadir por nós...»

A persuasão é o procedimento adoptado para resolver as tensões sociais, assumindo os diferendos políticos sob o controlo das instituições. O seu enquadramento na sociedade democrática permite conter a violência, dissolvendo as vontades individuais no poder hegemónico do Estado. É desta maneira que a retórica se transforma no instrumento de execução da democracia e Atenas se converte no centro do movimento sofístico.

Esta solução, que no Górgias ou na República I se deixa adequar à identificação da justiça com a lei do mais forte, poderá ser aceite, na condição de sobreviver ao teste da refutação socrática. Mas, nem Cálicles, nem Trasímaco, conseguem salvar-se da aporia e as suas pretensões desvanecem-se perante o triunfo dos princípios da ética de Sócrates: «a excelência é um saber» (a aretê é epistêmê) e «sofrer o mal é melhor que cometê-lo. »

O julgamento, condenação e morte de Sócrates põem o selo da história sobre este compromisso, mas é com os diálogos de Platão que esta opção quase religiosa ganha uma expressão cultural: a prática da filosofia. O recurso à inspiração divina adquire então todo o sentido. É entre a voz do deus e a dos juízes que Sócrates tem de escolher e a resposta é inequívoca: «Respeito-vos e amo-vos, homens de Atenas, mas deixar-me-ei persuadir pelo deus mais do que por vós; enquanto em mim houver um sopro de vida e for disso capaz, não deixarei de filosofar. .» (Apol. 29 d). O acordo com o Críton é perfeito.

Não confundamos, porém, a persuasão divina com a humana. Só a sabedoria divina pode ser suficientemente persuasiva para Sócrates. De um outro homem, ele não exigirá menos que a verdade; mas esta fica sempre acima do seu nível de competência.

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22 Ética no serviço público - Críton

CRÍTON

ou sobre o dever; género ético

PERSONAGENS Sócrates, Críton

1. Sócrates — Porque chegas tão cedo, Críton; ou não é cedo? 43

Críton — É mesmo cedo.

Sócrates — Mas que horas são?

Críton — Ainda não é aurora.

Sócrates — Espanto-me que o guarda da prisão quisesse atender-te.

Críton — Já é meu conhecido, Sócrates, com o meu ir e vir aqui tantas vezes. Mas também tenho feito qualquer coisa por ele.

Sócrates — Chegaste agora ou há muito tempo?

Críton — Há um bom bocado.

Sócrates — Porque não me acordaste logo e ficaste sentado em silêncio?

b

Críton — Por Zeus, Sócrates, nem eu quereria ficar acordado com esta dor. Mas bem me espanto contigo, ao notar como dormes descansadamente. Foi de propósito que não te acordei, para que passasses o melhor possível. Já antes muitas vezes na tua vida passada tive a oportunidade de apreciar a tua habitual boa disposição. Mas ainda mais te felicito agora, ao ver como na presente desgraça suportas tão fácil e docilmente tudo isto.

Sócrates — Com esta idade seria insensato revoltar-me por ter de morrer.

Críton — Mas outros dessa idade, ao caírem em semelhante desgraça, a idade em nada os impediu de se revoltarem contra a sorte que lhes coube.

c

Sócrates — É verdade. Mas, por que chegaste tão cedo?

Críton — Trazendo uma dura mensagem, não para ti, pelo que parece, mas para mim e para todos os teus amigos. E mais dura e mais grave, julgo, para os que, como eu, mais gravemente a sentem.

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23 Ética no serviço público - Críton

d Sócrates — Qual é ela? Voltou de Delos o barco, após a chegada do qual terei de morrer1?

Críton — De facto, não chegou, mas parece-me que chegará hoje, pelo que anunciam alguns, vindos do Súnio2, que este lá deixou. E é claro, por estas mensagens, que chegará hoje e certamente é forçoso que a tua vida acabe amanhã.

2. Sócrates — Com boa fortuna, Críton; se agradar aos deuses que assim seja. Embora não creia que seja neste dia.

44 Críton — Que sinal te inspira para dizeres isso?

Sócrates — Eu te direi. Tenho de morrer no dia seguinte àquele em que chegue o barco.

Críton — Assim dizem os encarregados dessas coisas.

Sócrates — É que não penso que chegue hoje, mas amanhã. Assinalo-o por certo sonho que vi há pouco nesta noite, talvez por me teres acordado só no momento oportuno.

Críton — Diz-me, que espécie de sonho era?

Sócrates — Pareceu-me ver aproximar-se uma mulher bela e de bom porte, vestida de branco, que me chamava e dizia: Sócrates, «ao terceiro dia chegarás aos campos férteis da Ftia»3.

Críton — Estranho sonho, Sócrates.

Sócrates — Bem claro, contudo, pelo que me parece, Críton.

c 3. Críton — Demais, creio eu. Mas, caro Sócrates, deixa-me ainda persuadir-te e salva-te; pois, para mim, se tu morreres, não será apenas uma desgraça. É que, além de ser privado de um amigo, como nunca encontrarei outro, ainda parecerá a essa gente que não nos conhece bem, a mim e a ti, que te descurei, quando era possível salvar-te, se quisesse gastar dinheiro. Ora alguma fama será mais desprezível que a de achar que o dinheiro vale mais do que os amigos?

1 Referência à nau que era todos os anos enviada a Delos, em comemoração da vitória de Teseu sobre o Minotauro.

Entre a partida e a chegada de novo a Atenas, não poderia haver na cidade execuções capitais. 2 Cabo situado a sudoeste da Ática. 3 Homero, Ilíada IX 363.

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24 Ética no serviço público - Críton

Pois não se persuadirão as gentes de que foste tu quem não se quis ir embora daqui, estando nós prontos a isso.

Sócrates — Mas, ó meu bom Críton, importas-te assim com a opinião das gentes? Os mais sensatos entre os que pensam alguma coisa julgarão que tudo se passou como se deveria ter passado.

Críton — Mas vê que há que fazer caso das opiniões das gentes. Repara como, nas presentes circunstâncias, são capazes de fazer não só os mais pequenos males, mas, talvez, os maiores, se alguém diante deles tiver sido caluniado.

d

Sócrates — Então, Críton, se tiverem que ser capazes de realizar grandes males para poderem fazer os maiores bens, que assim seja. Mas parece-me que não fazem nem uma coisa nem outra, pois não são capazes de tornar os homens sensatos ou insensatos, mas o que calha4.

4. Críton — Seja, está bem; mas diz-me, Sócrates, acaso te preocupas comigo e com os outros amigos? Achas que, se daqui escapares, os sicofantas nos vão arranjar problemas? Receias que por te termos feito desaparecer daqui sejamos forçados ao confisco da propriedade ou a gastar muito dinheiro com tudo isto? Ou talvez a passar por coisas piores?

e

Pois, se o temes, não te preocupes, porque é justo correr esse perigo e, se for preciso, outro ainda maior. Deixa-me persuadir-te e não faças de outro modo.

45

Sócrates — Mas preocupo-me; com isso e com muitas outras coisas.

b

Críton — Nada tens a temer. Primeiro, não é assim tanto o dinheiro que temos de gastar para te salvarmos e te levarmos daqui. Depois, não vês como esses sicofantas são baratos? Para eles não é precisa grande quantia. Para ti, penso que a minha riqueza é bastante. Se te preocupas comigo, acredita que não é preciso que a dissipe, pois também estão aqui uns estrangeiros prontos a ajudar. Um Símias, de Tebas, traz bastante dinheiro, Cebes e muitos outros estão também prontos a isso. Como te digo, não deixes de te salvar por temeres alguma coisa. Nem temas pelo que disseste no tribunal, que, se te exilasses, não saberias que fazer contigo. Pois em muitos sítios, a qualquer parte que chegues te quererão. Se quiseres ir para a Tessália, estão aqui comigo estrangeiros que muito te farão e tratarão com cuidado, de modo a que aí nada sofras.

c

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4 No argumento que se vai seguir (46 d-49 e), Sócrates insiste na coerência e no respeito pelas conclusões anteriormente atingidas. Esta posição deve ser contrastada com a inconstância e a ausência de sentido das atitudes da multidão (44 d, 48 c).

25 Ética no serviço público - Críton

d

5. Além disso, nem me parece justo fazeres o que estás a fazer. Entregas-te, quando é possível salvares-te. Estás a apressar o fim, como apressariam e apressaram os inimigos que te quiseram destruir. E ainda me parece que entregas os filhos, que te é possível criar e educar Vais-te embora, deixando-os; pela tua parte, o que lhes acontecer, acontece-lhes. Estás a fazer deles órfãos, abandonando-os à sua orfandade Há que não fazer os filhos ou então passar as dificuldades junto deles, alimentando-os e educando-os. Parece-me que estás a escolher o caminho mais f'ácil, Quando era preciso que escolhesses o caminho de quem afirmou curar da excelência durante toda vida, tomando partido como um homem bom e corajoso.

e

46

Sinto-me envergonhado não só por ti como pelos teus e pelos nossos amigos. As gentes hão-de julgar que toda esta questão à tua volta foi conduzida com alguma falta de coragem nossa. O início do processo no tribunal, o modo como foi introduzido, quando era possível evitá-lo; depois, o debate do processo, o modo como se desenrolou, o ridículo da acção e este final hão-de parecer resultado da nossa baixeza e falta de hombridade. Não te salvámos, nem tu a ti próprio, quando era possível fazê-lo, se tivesses algum auxílio nosso.

Vê se evitas este mal e a vergonha para nós e para ti, ao mesmo tempo. Decide; embora o tempo não seja mais de decidir, mas de ter decidido E só há uma decisão: é preciso arranjar tudo na noite que vem. Se ficarmos à espera de alguma coisa, nada será possível e não haverá nada a fazer. Peço-te de toda a maneira, Sócrates, que me deixes convencer-te a não procederes de outro modo.

b

c

6. Sócrates — Querido Críton, é muito justo o teu cuidado, se além de justo for correcto. Se não, quanto mais cuidados tiveres, tanto mais graves serão as consequências. Temos que investigar se devemos ou não fazer o que pedes. Nunca fui homem para me deixar persuadir senão pela razão que me parecer a melhor pelo raciocínio. Não posso agora rejeitar as razões que dantes valiam, só por causa do que me aconteceu, pois, tal como antes, parecem-me quase as mesmas e honro-as e ponho-as em primeiro lugar. Fica sabendo que, se, na situação presente, não pudermos dizer coisas melhores que estas, não concordarei contigo nem com a multidão. A força deles é assustarem-nos como se fôssemos crianças, mandando atrás de nós cadeias, mortes e confisco de bens.

d

Como investigaremos mais adequadamente estas coisas? Talvez devêssemos primeiro ocupar-nos do argumento que apresentas acerca das opiniões das gentes e perguntar se estaríamos certos, quando costumávamos dizer que algumas opiniões mereciam atenção e outras não?

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26 Ética no serviço público - Críton

Tinha eu razão antes, quando afirmava que havia que morrer, ou é agora manifesto que falava por falar, por criancice e por parvoíce? Não é verdade, Críton? Desejo investigar juntamente contigo se agora, que estou aqui, me aparece a mesma ou outra espécie de razão. Deveremos então esquecer-nos da antiga ou deixar-nos persuadir por ela?

e

Costumávamos então dizer e na altura julgávamos estar a dizer alguma coisa, que, de entre as opiniões dos homens, umas deviam ser tidas em conta, outras não. Pelos deuses, Críton, não te parece isto bem dito? Tu também és homem, mas não estás para morrer amanhã e o que está para me acontecer não te afectará a compreensão, nas presentes circunstâncias. Observa, pois e diz se não te parece que não é preciso honrar todas as opiniões dos homens, mas umas sim, outras não? Nem as de todos, mas sim as de uns e não as de outros? Que dizes? Parece-te?

47

Críton — Parece.

Sócrates — Portanto, honrar as úteis; e as más não?

Críton — Sim.

Sócrates — E são úteis as dos homens inteligentes; e más as dos insensatos?

Críton — Como não?

7. Sócrates — Vamos. Que dizíamos nós destas coisas? O homem que se exercita e pratica no ginásio com afinco presta atenção ao elogio, censura ou opinião de todo o homem, ou apenas aos daquele que é médico ou mestre de ginástica?

b

Críton — Só aos de esse.

Sócrates — É, portanto, preciso recear as censuras e buscar os elogios desse apenas e não os da multidão?

Críton — É evidente.

Sócrates — Nesse caso, deverá praticar e exercitar-se, comer e beber do modo que pareça bom ao mestre, que é entendido e superintende, mais do que a qualquer dos outros.

Críton — É assim.

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27 Ética no serviço público - Críton

c Sócrates — Seja. Desobedecendo e desprezando a opinião e os elogios do entendido e respeitando, por outro lado, as razões da gente que nada entende, não virá a sofrer algum dano?

Críton — Como não?

Sócrates — Que dano é esse? Que efeito terá sobre o quê, daquele que desobedece?

Críton — É evidente que sobre o corpo, pois é esse que é destruído.

d

Sócrates — Dizes bem. Portanto, também sobre outros assuntos — como o que é justo e o que é injusto, o que é belo e o que é vil, o bem e o mal, para não mencionarmos todos — e que ora consideramos, também aí devemos seguir e recear a opinião das gentes, ou a do único que neles for entendido, se é que alguém o é? É que, se não nos deixarmos conduzir por ele, destruiremos e maltrataremos em nós aquela parte que se torna melhor com o que é justo e com o que é injusto se perde. Ou não é assim?

Críton — A mim parece-me, Sócrates.

e

8. Sócrates — Vamos, então. Se, ao ceder à opinião dos não entendidos, destruímos aquilo que se torna melhor com o que é salutar e é corrompido pelo que é nocivo, valer-nos-á a pena viver, corrompendo essa parte de nós que é o corpo? Ou não?

Críton — Não.

Sócrates — Valerá então a pena viver com o que causa sofrimento e corrompe o corpo?

Críton — De modo nenhum.

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Sócrates — E, então, valerá a pena vivermos, corrompendo aquela outra parte5 que a injustiça maltrata e a justiça favorece? Ou julgaremos que essa parte de nós, qualquer que possa ser, é mais vil que o corpo? Essa parte, à qual a justiça e a injustiça se referem?

Críton — De modo nenhum.

Sócrates — E é de maior valor?

Críton — Muito maior.

5 A alma (psychê). O dualismo platônico, cuja importância se torna capital nos diálogos do período médio, sobretudo

no Fédon, República e Fedro, e já aqui um dado sem o qual é impossível compreender a decisão de Sócrates.

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28 Ética no serviço público - Críton

Sócrates — Então, caríssimo, não devemos preocupar-nos com o que diz de nós a multidão, mas com o que diz o entendido no que é justo e no que é injusto, em suma, com o que é a própria realidade. Por isso, não pensa bem aquele que pensa que devemos curar da opinião da multidão, sobre o que é justo, belo, bom e os seus contrários. Certamente, o que alguém diria é que essa gente é capaz de nos matar. b

Críton — Isso é bem claro, Sócrates, diria isso.

Sócrates — Dizes bem. Mas, ó admirável, este argumento parece-me ser ainda semelhante ao antigo. Ora examina se se mantém válido para nós que viver não é o que mais deve importar, mas viver bem.

Críton — Pois mantém.

Sócrates — E sustentas, ou não, que viver bem, com honra e com justiça são a mesma coisa?

Críton — Sustento.

c 9. Sócrates — Portanto, pelo que concordamos, devemos investigar se é justo ou injusto tentar fugir daqui, não o consentindo os Atenienses. E, se parecer justo, tentêmo-lo, se não, deixêmo-lo. As observações que fazes sobre o gasto de dinheiros, a reputação e a educação dos filhos não são senão pretextos, Críton, para as gentes que facilmente nos matariam e trariam de volta à vida, se lhes fosse possível, sem nenhum critério. Visto que a nossa discussão assim, o determina, não devemos estudar outra coisa, além do que agora dissemos. Procederemos com justiça, desembolsando dinheiro e mercês para esses que me farão sair daqui, ou, se sairmos, seremos injustos, procedendo assim? d

E parecerá que operamos a própria iniquidade, a discutir se é preciso morrer lutando com serenidade, em vez de considerarmos que é preferível sofrer o que quer que seja, a cometer uma injustiça.

Críton — Parece-me que dizes bem, Sócrates; vê o que faremos.

e

Sócrates — Investiguemos juntos, bom amigo, e se nalguma coisa te achares contra o que eu digo, contesta e vê se me convences. Se não, meu caro, desiste sem mais de me repetires o mesmo argumento: de como é preciso sair daqui contra a vontade dos Atenienses. Por mim, bem tentarei persuadir-te, mas não contra tua vontade. Vê, pois, se te satisfaz este princípio em que assentamos a investigação e tenta responder ao que pergunto do modo que creias melhor. 49

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29 Ética no serviço público - Críton

Críton — Tentarei.

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10. Sócrates — Dizemos que de modo nenhum se deve cometer voluntariamente a injustiça, ou que umas vezes sim, outras não? Ou, de modo nenhum cometer injustiça será bom e belo, como muitas vezes foi por nós acordado no passado?

Todas essas coisas com que concordámos se foram por água abaixo nestes últimos dias? Achas que aquilo de que conversámos antes com seriedade e já com avançada idade se escapou, como se nós mesmos em nada fôssemos diferentes das crianças?

Ou será que as coisas são tal como as sustentávamos antes, quer o digam as gentes, quer não. Ainda que haja que sofrer penas mais duras ou mais leves, cometer injustiça é de toda a maneira vergonhoso e iníquo para quem a comete. É ou não assim?

Críton — É.

Sócrates — É, então, preciso nunca cometer injustiça?

Críton — Certamente.

Sócrates — Nem pagar o mal com o mal, como diz a multidão, uma vez que há que não ser injusto de nenhuma maneira.

c Críton — Parece que não.

Sócrates — Então, não devemos fazer o mal?

Críton — Com certeza que não, Sócrates.

Sócrates — E é justo ou injusto que aquele que sofre retribua o mal, como dizem as gentes?

Críton — É injusto.

Sócrates — Pois, fazendo mal aos homens que são injustos, em nada diferimos deles.

Críton — Dizes a verdade.

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30 Ética no serviço público - Críton

d

Sócrates — É então preciso não pagar o mal com o mal, nem fazer mal a qualquer homem de quem nos venha mal. E vê, Críton, se ao concordares com isto concordas contra a tua opinião. Pois sabes que é e será a opinião de poucos. A uns assim parece, enquanto a outros não: como estes nada têm em comum, é forçoso que se desprezem ao verem as decisões uns dos outros. Portanto, vê se investigas satisfatoriamente com quais concordas e estás de acordo; decidamos aqui, fundados naquele princípio segundo o qual de modo nenhum é correcto praticar o mal ou retribuir o mal, repelindo-o e devolvendo-o, quando se o sofre. Ou pões-te de parte e discordas deste princípio?

Pois a mim, tanto antes como agora, ainda me parece valer o mesmo. Mas, se a ti te parecer outra coisa, diz-ma e ensina-me. Se, contudo, te submetes ao que foi dito antes, ouve as consequências.

e

Críton — Submeto e concordo; continua.

Sócrates — Continuarei, mas prefiro perguntar: concordará alguém que as coisas justas devam ser praticadas, ou devam ser iludidas?

Críton — Praticadas.

Sócrates — Examina as consequências disto: saindo nós daqui sem que a cidade o consinta, fazemos mal a alguém e, precisamente, a quem menos deveríamos fazer? Ou não será assim? Submetemo-nos àqueles princípios que concordámos serem justos, ou não?

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11. Críton. — Não tenho resposta para o que perguntas, Sócrates, pois não sei.

Sócrates — Então, investiguemos desta maneira. Se, a nós, que estamos para fugir daqui — como convém chamar-lhe — ou, para sair, as leis e o Estado dissessem:

«Diz-nos, Sócrates, que pensas fazer? Não é verdade que, neste assunto que estás a empreender, pela tua parte, pensas destruir-nos, às leis e a toda a cidade? Ou parece-te ainda capaz de subsistir aquela cidade em que as normas emanadas se não sustentam e são transformadas por indivíduos sem autoridade?»

b

Que responderemos, Críton, a essas e todas as outras perguntas? Pois alguém e em especial um orador teria muito a dizer sobre o facto de se subverterem as leis, que prescrevem que as sentenças promulgadas pelos tribunais são autoridade. Ou responderemos a elas que «a cidade nos prejudicou, aplicando mal a justiça!» Responderemos isto, ou outra coisa?

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31 Ética no serviço público - Críton

Críton — Isto, por Zeus, Sócrates.

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12. Sócrates — «O quê?» — diriam então as leis. — «Certamente, era isso que estava acordado contigo, que te submeterias às normas que a cidade emite?» Se então nos espantássemos com o que tinham dito, talvez continuassem — «Ó Sócrates, não te espantes com o que dizemos; responde de seguida, visto que costumas usar da pergunta e resposta. Vamos, acusando-nos a nós e à cidade, quem procuras perder? Não foste tu primeiro gerado por nós e por nós o teu pai tomou uma mulher e produziu-te? Explica-nos, pois. Tens algo a censurar a estas leis sobre os casamentos, não te servimos bem?»

«Não censuro» — diria eu. — «Mas às leis sobre a criação e educação de descendentes, em que tu foste educado? Ou não fomos bem feitas, nós, as leis estabelecidas sobre essas matérias, transmitidas ao teu pai, que te educou pela música e pela ginástica?6 »

e

51

«Bem feitas» — diria eu. — «Seja. Depois de nascido, alimentado e educado, primeiro poderias dizer que não eras nosso descendente ou escravo, tu e os que de ti provêm? E, se é assim, acaso pensas que o que é justo é igual para ti e para nós? Intentas fazer-nos essas coisas e pensas que retribuí-las é justo? Ou então o que é justo para ti é igual ao que é justo para o pai e para o senhor — se te acontece teres um — como se pudesses retribuir, respondendo com dureza as palavras duras e retribuindo a pancada, quando te batessem e o mais? E, pelo que diz respeito às leis, é como se, ao intentarmos perder-te, por pensarmos que era justo, tu, pela tua parte, retribuísses, se fosses capaz, intentando perder-nos, a nós, às leis e à tua terra. E dirias, ao fazer isso, que obras coisas justas, como se, na verdade, cuidasses da excelência?

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c

«Ora, se tu és assim sábio, como te escapou que a pátria seja mais venerável e mais santa que o pai e a mãe e todos os descendentes e de maior conta junto dos deuses e dos homens sensatos? E que é preciso venerar e ceder e acarinhar a pátria, que é severa, mais que o pai, e persuadi-la, ou fazer o que ela queira, e sofrer, se ela prescrever que se sofra alguma coisa; e suportar com paciência que te batam, prendam e levem para a guerra para ser ferido ou morto. Deverás fazer isso e assim é que é justo e não deves ceder, nem retirar, nem abandonar o posto, mas, na guerra, no tribunal e em todo o lado, deves fazer o que te ordene a cidade e a pátria, ou persuadi-la, com argumentos justos. E se é ímpio forçar a piedade contra a mãe ou o pai, sê-lo-á ainda pior, contra a pátria»

6 As leis sobre a criação e a educação obrigavam o pai a assegurar o alimento e educação dos filhos. A música — o

conhecimento dos poetas — e a ginástica constituíam o currículo básico de um jovem ateniense, desenvolvendo paralelamente o corpo e o espírito.

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32 Ética no serviço público - Críton

Que diremos a isto, Críton; dizem as leis a verdade, ou não?

Críton — Parece-me que sim.

13. Sócrates — «Observa, agora, Sócrates» — diriam talvez as leis. — «Se o que nós dizemos é verdade, não intentas coisas justas, ao procederes como intentas, pois nos te gerámos, criámos, educámos e demos parte, a ti e a todos os outros cidadãos, de todas as coisas belas de que somos capazes. Contudo, prevenimos de que é lícito a qualquer ateniense, quando entra na posse dos seus direitos cívicos e nos conhece a nós, as leis e à vida da sua cidade, caso não lhe agrademos, tomar as suas coisas e ir-se embora para onde queira. E nenhuma de nós, as leis, é obstáculo, nem lhe impede a saída, se alguém quiser deixar-nos para as colónias, se não satisfizermos, indo ser estrangeiro para qualquer outro lado, saindo daqui com os seus pertences.

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e

«Ao que ficar connosco, vendo o modo como ditamos as normas da justiça e administramos a cidade, sob todos os aspectos, mais dizemos que concorda, de facto, conosco e executa o que lhe mandarmos. E aquele que não se deixar persuadir, dizemos que é triplamente injusto: por não se deixar persuadir por quem lhe deu vida, por quem o criou, e porque, aceitando ser por nós persuadido, não nos persuade, nem se deixa persuadir. E é injusto porque, embora proponhamos, sem impor selvaticamente as coisas que ordenamos, concedemos-lhe que nos persuada ou nos obedeça e ele não faz nenhuma dessas coisas.

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14. «Dizemos-te, Sócrates, que serás implicado nestas acusações, se fizeres o que pensas. E tu, não menos, mas mais que os outros Atenienses.»

Se então eu perguntasse — «Porquê?» — talvez me censurassem, dizendo que nisto, eu, mais que os Atenienses, acordei tal acordo com as leis. Pois diriam — «O Sócrates, grandes são para nós as provas de que nós e a cidade te agradamos. De outro modo, como é que, mais que todos os outros Atenienses, continuas a viver em casa nesta cidade, se não te agradássemos? Pois, nem para uma viagem a algum outro lado saíste da cidade (que não uma vez para ires ao istmo), a não ser em campanha. Ainda não te ausentaste como os outros homens, nem ganhaste desejo de conhecer outras cidades e outras leis, pois, para ti, nós e a nossa cidade éramos bastantes: assim amaste-nos com veemência e concordas com a nossa forma de governo e além disso fizeste filhos nesta cidade, como se ela te agradasse. c

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33 Ética no serviço público - Críton

«Ainda agora, no julgamento, era-te lícito optar pelo exílio, se quisesses, e poderias então fazer com consentimento o que agora tentas contra a vontade da cidade. Gabavas-te de não te revoltares, se tivesses de morrer, e então preferias a morte ao exílio; não desonres agora essas palavras, nem voltes as costas a nós, as leis. Tentando corromper-nos, fazes o que um escravo dos mais vis faria, procurando fugir contra os tratados e os acordos, pelos quais aceitaste ser cidadão. Portanto, primeiro responde-nos se dizemos a verdade, afirmando que concordaste ser cidadão por actos e não por palavras.»

Que respondemos a isto, Críton! Concordas ou não?

Críton — É necessário que concordemos, Sócrates.

Sócrates — E diriam: «Violas os acordos e tratados connosco, acordados sem imposição, sem te enganar, nem te forçar a decidir em pouco tempo; ou terias saído, durante os setenta anos em que habitaste a cidade, quando te era lícito ires-te embora, se não te agradássemos, ou te não parecessem justos os acordos? Tu, nem a Lacedemónia, nem Creta preferes — que cada uma destas dizes ser bem governada — ,nem outra terra das cidades gregas ou das bárbaras, pois ausentaste-te menos da tua terra que os coxos, os cegos e os outros estropiados: assim, ao contrário dos outros Atenienses, a cidade e nós, as leis, agradamos-te, pois, que cidade agradaria sem leis? Agora não te submetes ao que concordamos? Se te persuadirmos, não serás ridicularizado, fugindo da cidade.

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c

15. «Vê então, se transgredindo e cometendo algumas destas faltas, fazes a ti próprio ou aos teus amigos algum bem. Pois, que os teus amigos correrão o risco de serem exilados, sendo eles próprios privados da cidade ou perdendo as suas posses, não pode ser mais claro! Mas, primeiro, tu, indo para qualquer das cidades mais próximas, Tebas ou Mégara — que ambas são bem governadas — , serás inimigo da sua constituição, e os que cuidam dessas cidades olhar-te-ão de cima, julgando-te corruptor das leis. E confirmarás a opinião dos juízes, de modo a que pareça justa a sentença ditada: pois quem quer que corrompa as leis, na verdade, parecerá corruptor dos jovens e dos insensatos. Portanto, fugirás das cidades bem governadas e dos homens mais moderados. Ora, fazendo isto, acaso será justo viveres? Ou conviverás com estes e desrespeitarás, conversando... que propósitos, Sócrates?

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34 Ética no serviço público - Críton

d «Talvez estes aqui, de como a excelência e a justiça, a legalidade e as leis,

são o que há de mais valor para os homens? E não julgas parecer vergonhosa a sorte de Sócrates? É preciso que o creias. Ou então, partindo destes lugares, irás para a Tessália, para junto dos hóspedes de Críton, pois lá grassa a maior indisciplina e licenciosidade. E talvez seja mais agradável ouvir-te, quando alegremente fugires da prisão, levando algum disfarce, um vestido de peles ou qualquer outra veste com que costumam trajar os fugitivos, escondendo a tua figura. Pensas que ninguém dirá que a um homem velho pouco tempo lhe resta, como é natural; por que ousa assim desejar viver mal, violando as mais altas leis? Talvez não incomodes ninguém, mas, se incomodares, ouvir-se-ão muitas coisas indignas de ti. Passarás a vida submetendo-te a todos os homens, como um escravo, e a fazer o quê?

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«E que farás, senão andar em festas na Tessália, como quem viajou para aí se banquetear? Aquelas discussões sobre a justiça e as outras virtudes onde estarão?

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«Mas queres viver por causa dos filhos, a fim de os criares e educares. O quê? Hás-de criá-los e educá-los bem na Tessália, fazendo-os estrangeiros, para que tirem bom proveito disso. Ou talvez não.

«Contigo vivo, são cuidados e serão melhor alimentados, se não viveres com eles, pois os teus amigos saberão cuidá-los. Se viajares para a Tessália, serão bem tratados, mas se viajares para o Hades, não serão? Não podes crer em tal coisa, se há ao menos algum préstimo naqueles que se afirmam teus amigos.

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16. «Sócrates, deixa-te persuadir por nós, que te criamos, e não faças mais caso da vida e dos filhos, nem do que quer que seja, além da justiça, a fim de que, indo para o Hades, tenhas todos estes argumentos em tua defesa perante os que lá governam. Pois, ao fazeres o que te propõem, nem aqui te parecerá melhor, nem mais justo, nem mais piedoso, nem para nenhum dos teus, nem, lá chegando, será melhor. Pelo contrário, se deixares esta vida agora, ir te-ás embora, tendo sido injustiçado, não por nós, as leis, mas pelos homens. E, se fugires, retribuindo assim o mal com o mal, e fazendo-o por tua vez, violando acordos e tratados que fizeste conosco, fazendo mal a esses a quem menos devias fazer, a ti próprio e aos amigos, à pátria e a nós, nós te tornaremos a vida dura, e além, as nossas irmãs, no Hades, não te receberão bem, vendo que, por ti, intentaste destruir-nos. Mas não te deixes persuadir, fazendo o que Críton diz, mais que o que nós dizemos.»

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35 Ética no serviço público - Críton

Estas coisas, ó amigo e companheiro, sabes bem que julgo ouvir, como os Coribantes crêem ouvir as flautas e dentro de mim o ruído das conversas zune e faz com que não possa ouvir outra coisa. Mas, sabes o que me parece agora; se disseres alguma coisa além disto, falarás em vão. Se, contudo, achas que há alguma coisa a fazer, fala.

Críton — Mas, Sócrates, não posso falar.

Sócrates — Deixa, então, Críton. Deixemos ficar assim, pois por esta via é o deus que guia.

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36 Ética no serviço público – A reflexão estrangeira

II. ÉTICA NO SERVIÇO PÚBLICO: A REFLEXÃO ESTRANGEIRA

Como apontam alguns especialistas em administração pública, nota-se, em todo o mundo, nas últimas décadas, um crescimento da preocupação com o comportamento ético dos servidores públicos. Isso tem várias explicações possíveis: por um lado, isso está claramente relacionado com a própria dinâmica do regime chamado democrático, no qual os governos são, entre outras coisas, instados a prestar contas de suas ações constantemente, sob pena de, no limite, perder sua legitimidade, ratificada inicialmente pelo voto popular nas eleições. O caso ocorrido no Brasil durante o governo Collor é uma boa ilustração de até onde pode levar a exigência de correção na conduta dos homens públicos. Por outro lado, essa preocupação crescente tem também relação direta com as mudanças pelas quais estão passando os Estados, que precisam buscar novas formas de organização e atuação em vista dos novos desafios impostos pelas mudanças tecnológicas, econômicas, etc. Procuraremos, no que vem a seguir, analisar brevemente as tentativas de alguns países de abordar sistematicamente essa preocupação com a ética no serviço público. Procuraremos ver quais princípios e definições mais gerais são estabelecidos em cada caso e como são pensadas as tentativas de incorporar de fato esses princípios ou valores mais elevados ao comportamento efetivo dos servidores públicos.

1. A discussão britânica sobre padrões de conduta na vida pública

Em maio de 1995, foi encaminhado ao primeiro-ministro do Reino Unido um relatório elaborado pela assim chamada Comissão Nolan, sobre normas de conduta na vida pública britânica. A Comissão, presidida por Lord Nolan (cujo nome se aplica também ao relatório), reuniu-se durante seis meses, recebeu cerca de duas mil cartas e ouviu mais de cem pessoas em audiências públicas. Seu trabalho concentrou-se sobre questões relativas ao Parlamento, a ministros e a servidores do Executivo e às organizações não-governamentais semi-autônomas. O Relatório Nolan é um documento sóbrio que detecta e discute problemas de um serviço público do qual os britânicos muito se orgulham, pelo menos desde o século XIX.

Apesar da confiança geral, alguns fatos novos como, por exemplo, a terceirização de vários setores, trouxeram dúvidas sobre a continuidade dos excelentes serviços até agora prestados. Além disso, cresceu o cepticismo entre a população do país a respeito do comportamento dos políticos, o que teve reflexos sobre a imagem da Câmara dos Comuns (deputados), o centro da democracia britânica. O Relatório Nolan reconhece tudo isso e analisa não apenas o funcionalismo. Ele começa falando da Câmara, o órgão máximo do Estado, estabelecendo, pela sua própria metodologia, que o exemplo deve vir de cima.

Relativamente à Câmara dos Comuns, a Comissão preocupou-se com certas relações que possam interferir no exercício da função parlamentar, de vez que o dever básico do deputado é para com seus eleitores e para com o país. No Reino Unido, é lícito que o deputado tenha também um trabalho usual (engenheiro, administrador, etc...), o que,

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37 Ética no serviço público – A reflexão estrangeira

consoante o entendimento da Comissão, confere maior eficiência à Câmara. Um problema surge, porém, quando o deputado se torna consultor de alguma entidade. Presentemente, cerca de 30% dentre os membros da Câmara prestam consultoria a sindicatos. Ora, até que ponto isso não influencia a opinião, a atividade e o voto do parlamentar?

Diante disso, a Comissão propõe que se proíba, pura e simplesmente, qualquer venda de serviços parlamentares a empresas que façam lobby em nome de clientes. Além do mais, exige maior rigor no que diz respeito ao Registro de Interesses dos Membros do Parlamento. Tal Registro já existe, porém, a Comissão o quer mais explícito, minucioso e transparente. Ao prestar serviços a terceiros, o deputado deverá fazer constar ali os valores e os interesses envolvidos, assim como outros pormenores relevantes. O Registro deverá ser de conhecimento geral.

Para que a atividade dos deputados seja mais claramente normatizada, a Comissão propõe que se estabeleça um código de ética, a ser revisto em cada legislatura. O fiel cumprimento do código deverá ser acompanhado por uma pessoa independente, com certa estabilidade e não pertencente aos quadros funcionais da própria Câmara. Esta última, como órgão maior do Estado, escolherá tal pessoa encarregada de zelar pelo cumprimento do código, dando-lhe poderes de investigar e relatar eventuais desvios. Deputados novatos terão a oportunidade de submeter-se a treinamento em assuntos éticos. Mais uma vez, o público deverá estar sempre informado sobre todos esses assuntos.

Quanto a ministros e servidores do Executivo, a Comissão também caracterizou problemas que dizem respeito à interferência de interesses privados, no exercício de funções públicas. Um ministro que deixe o seu cargo, por exemplo, deverá ficar afastado de trabalhos privados por certo período. O primeiro-ministro, por sua vez, consolidará um documento com normas éticas para os membros do governo, cabendo-lhe a responsabilidade de zelar pelo seu cumprimento.

Para os servidores do Poder Executivo, em geral, haverá um Código de Ética amplamente divulgado também para a coletividade, sendo que cada ministério terá a responsabilidade de fazê-lo cumprir, no seu âmbito. Os funcionários serão treinados para agir consoante o código e os ministérios deverão dispor de rotinas para detectar problemas quaisquer neste campo.

A Comissão Nolan propõe que todos os órgãos do Executivo mantenham um registro central de presentes (oferecidos ou aceitos) e de hospitalidade (hospedagem, refeições, etc...), relativamente a ministros e a funcionários. A Comissão entende, não obstante, que a lei britânica atual sobre o assunto já é rigorosa o bastante e que excessos devem ser evitados. Não se pode impedir, por exemplo, que ministros recebam presentes triviais ou que participem de recepções relacionadas aos seus trabalhos.

No Reino Unido, há um grande número de órgãos públicos executivos não-vinculados a ministérios (conhecidos como “quangos”), de modo que a Comissão Nolan examinou-os, conjuntamente com o Serviço Nacional de Saúde. Todas essas entidades têm enorme importância na vida britânica e nelas torna-se crucial o problema da direção, dos

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conselhos curadores, etc. Quem deve ser nomeado? Quem deve nomear? Segundo que critérios?

A Comissão Nolan propõe que a responsabilidade final pelas nomeações seja dos ministros, mas após uma série de procedimentos transparentes. Para cada função, critérios específicos devem ser estabelecidos, assim como devem ser explicitadas as expectativas que se possa ter quanto aos respectivos desempenhos. As nomeações só poderão ser feitas após estudos e pareceres de juntas especiais, cujos membros serão pessoas independentes, na proporção de 1/3, pelo menos. Haverá um Comissário de Nomeações Públicas independente, que acompanhará e aprovará os procedimentos de nomeações dos ministérios.

Para cada uma das entidades mencionadas, deverá haver um código de ética também de conhecimento público. Cada membro de conselho comprometer-se-á a obedecer ao código da sua entidade, sob pena de não ser nomeado.

O Relatório Nolan repete, no seu estudo sobre a Câmara dos Comuns, dos ministérios e dos servidores e das mencionadas entidades semi-autônomas, o mesmo procedimento analítico: detecta problemas, propõe códigos de conduta, exige registros e fiscalização independente para o cumprimento das respectivas normas e, por fim, sugere processos de educação e de formação rotineira, de modo a que cada um conheça suas obrigações e aprenda a cumpri-las bem.

Tudo isso, entretanto, deve acontecer sob a égide de Sete Princípios da Vida Pública, que a Comissão Nolan formula da seguinte maneira:

1. Interesse Público: Os ocupantes de cargos públicos deverão tomar decisões baseadas unicamente no interesse público. Não deverão decidir com o objetivo de obter benefícios financeiros ou materiais para si, sua família ou seus amigos.

2. Integridade: Os ocupantes de cargos públicos não deverão colocar-se em situação de obrigação financeira ou de outra ordem, para com indivíduos ou organizações externas, que possa influenciá-los no cumprimento de seus deveres oficiais.

3. Objetividade: No desempenho das atividades públicas, inclusive nomeações, concessão de contratos ou recomendação de pessoas para recompensas e benefícios, os ocupantes de cargos públicos deverão decidir apenas com base no mérito.

4. “Accountability” (Prestação de contas): Os ocupantes de cargos públicos são responsáveis perante o público por suas decisões ou ações e devem submeter-se a qualquer fiscalização apropriada ao seu cargo.

5. Transparência: Os ocupantes de cargos públicos devem conferir às suas decisões e ações a maior transparência possível. Eles devem justificar suas decisões e restringir o acesso à informação somente se o interesse maior do público assim o exigir.

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6. Honestidade: Os ocupantes de cargos públicos têm o dever de declarar quaisquer interesses particulares que tenham relação com seus deveres públicos e de tomar

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medidas para resolver quaisquer conflitos que possam surgir, de forma a proteger o interesse público.

7. Liderança: Os ocupantes de cargos públicos devem promover e apoiar estes princípios, através da liderança e do exemplo.

Esta lista vem acompanhada de uma observação, que declara os princípios aplicáveis a qualquer aspecto da vida nacional. Eles devem ser empregados por todos que, de alguma forma, prestem serviços públicos. Isso implica que também os setores terceirizados estão a eles sujeitos.

A Comissão Nolan, basicamente, tenta salvaguardar uma esfera pública eficiente, distinguindo-a, com nitidez, do domínio privado dos indivíduos. A tentação de beneficiar-se a qualquer custo é humana, demasiadamente humana. A Comissão pressupõe isso, de modo tácito, e estabelece padrões para afastar interferências privadas ilegítimas, mantendo o interesse coletivo, de forma eficiente e acima de suspeitas insuperáveis. Neste ponto, temos uma clara caracterização da estratégia da Comissão Nolan, que é a seguinte:

1. estabelecer um conjunto de princípios simples, objetivos e abrangentes, aplicáveis a toda a vida pública: Interesse Público, Integridade, Objetividade, Prestação de Contas, Transparência, Honestidade, Liderança;

2. uma vez detectados os principais problemas nas diversas áreas, definir códigos de conduta (sujeitos a revisões e a aperfeiçoamentos), para cada uma delas, sob a égide dos mencionados princípios gerais (que são estáveis);

3. estabelecer contínua fiscalização para o cumprimento desses códigos, a ser exercida por pessoas independentes, com poderes para investigar e relatar. Relativamente a certos assuntos, estabelecer também registros acessíveis a qualquer interessado;

4. criar um sistema de educação e treinamento para todos os servidores públicos, de modo a que cada um conheça os seus códigos e saiba como agir em função deles.

Todas essas idéias representam um esforço no sentido de transportar valores e princípios éticos para o nível das instituições nacionais. Estas não podem admitir interferências privadas ilegítimas e nem tampouco interesses corporativos sob máscaras sociais. Um deputado, um administrador urbano, um médico ou um carteiro devem estar em condições de trabalhar beneficiando o cidadão, que os mantém com os seus impostos. De modo particular, eles todos devem estar em condições de justificar suas condutas no trabalho, apelando para princípios, tal como Sócrates fez diante de Críton.

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1.1 – Normas de conduta para a vida pública (∗)

Resumo

1. Por solicitação do Primeiro-Ministro, esta Comissão levou seis meses examinando as normas de conduta na vida pública no Reino Unido. Concentramo-nos nos membros do Parlamento, nos ministros e servidores públicos, nos "Quangos" executivos e nos órgãos do Serviço Nacional de Saúde.

2. Não podemos afirmar com certeza que os padrões de comportamento na vida pública pioraram. Podemos dizer que atualmente a conduta na vida pública é examinada com maior rigor do que no passado, que os padrões de exigência do público continuam altos, e que a ampla maioria das pessoas na vida pública atende a esses altos padrões. Há, entretanto, pontos fracos nos procedimentos para manter e aplicar tais padrões. Como conseqüência, as pessoas na vida pública não são sempre tão claras como deveriam ser sobre onde se localizam os limites da conduta aceitável. Consideramos isto como a principal causa para a inquietação por parte do público. São necessárias ações corretivas urgentes.

3. As nossas conclusões encontram-se resumidas abaixo. Elas são seguidas por uma lista completa de recomendações, juntamente com uma indicação do cronograma em que cada uma deveria ser implementada.

Recomendações gerais

4. Algumas de nossas conclusões têm aplicação geral por todo o serviço público:

Princípios da vida pública

5. Os princípios gerais de conduta que sustentam a vida pública precisam ser reafirmados. Nós fizemos isso. os sete princípios: interesse público, integridade, objetividade, "accountability", transparência, honestidade e liderança estão detalhados por completo na página 25.

Códigos de conduta

6. Todas as entidade públicas devem elaborar códigos de conduta, incorporando esses princípios.

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(∗) NOLAN, Lord. Normas de conduta para a vida pública. Brasília, Cadernos ENAP, nº 12, 1997, p. 11-25.

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Fiscalização independente

7. Os sistemas internos de manutenção dos padrões devem ser subsidiados por fiscalização independente

Educação

8. É preciso fazer mais para promover e reforçar os padrões de conduta nas entidades públicas, especialmente mediante orientação e treinamento, inclusive treinamento inicial aos parlamentares recém-eleitos.

Membros do Parlamento

9. A queda da confiança por parte do público na probidade financeira dos membros do Parlamento coincidiu com um aumento no número de membros do Parlamento, que atuem como consultores remunerados em áreas-fim a sua atividade parlamentar. Cerca de 3O% dos membros do Parlamento, que não possuem cargos específicos, exercem atualmente tais atividades de consultoria.

10. A Câmara dos Comuns seria menos eficiente se os membros do Parlamento fossem políticos profissionais de tempo integral, portanto, estes não devem ser proibidos de ter outros empregos.

11. A autoridade do Parlamento fica prejudicada se os membros do Parlamento venderem seus serviços a empresas que fazem lobby em nome de clientes. Isso deve ser proibido.

12. Outras consultorias por parte de membros do Parlamento e o fato de alguns membros atuarem em mais de uma consultoria também preocupa. É impossível assegurar-se que os membros do Parlamento com tais consultorias nunca permitem que seus interesses financeiros afetem suas ações no Parlamento; entretanto, isso seria claramente irregular.

13. A orientação com respeito ao Registro de Interesses dos Membros do Parlamento produziu alguma confusão entre estes com respeito a quais condutas são aceitáveis. Deve ser reafirmada a lei há muito estabelecida a esse respeito no Parlamento.

l4. Deve ser imediatamente adotada a completa divulgação dos acordos e pagamentos referentes a consultorias, bem como acordos de patrocínio e de pagamentos por parte de sindicatos. Durante o próximo ano, o Parlamento deverá analisar as vantagens de permitir que os membros do Parlamento prestem serviços de consultoria, levando em conta as implicações mais amplas da imposição de maiores restrições.

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15. O registro de Interesses deve conter mais informações. As normas sobre declaração de interesses e sobre a prevenção de conflito de interesses devem ser explicitadas em mais detalhas. Um Código de Conduta dos membros do Parlamento deve ser elaborado. Nós apresentamos uma versão preliminar. O Código deverá ser reafirmado no inicio de cada legislatura. Um volume maior de orientação¹ incluindo sessões de treinamento para os recém-chegados, deve ser colocado à disposição dos membros do Parlamento.

16. O público precisa saber que as regras de conduta que regem os interesses financeiros dos membros do Parlamento estão sendo aplicadas de maneira firme e justa. Houve pedidos para que essas regras fossem convertidas em leis cuja violação pudesse ser levada à justiça Acreditamos que a Câmara dos Comuns deverá continuar a ser responsável pela aplicação de suas próprias regras, mas que são necessárias regras melhores.

17. Por analogia com o Controlador e Auditor Geral,2 a Câmara deveria nomear um Comissário Parlamentar de Padrões, uma pessoa independente, que assumirá a responsabilidade de manter o Registro de Interesses dos Membros do Parlamento, de aconselhar e orientá-los em questões de conduta, de aconselhar a respeito do Código de Conduta, e de investigar as acusações de conduta inapropriada. As conclusões do Comissário sobre tais assuntos seriam publicadas.

18. Quando o Comissário recomendar ações adicionais, deverá haver uma audiência, normalmente pública, da Comissão de Privilégios, composta de sete membros do Parlamento seniores, capaz de recomendar penalidades quando adequadas. os membros do Parlamento que estão sendo ouvidos deverão ter o direito de se fazer acompanhar por assessores.

Ministros e servidores públicos

19. Espera-se, com razão, que ministros e servidores públicos tenham padrões de conduta os mais elevados. Embora haja inquietação por parte do público, isto diz respeito a uma gama bastante estreita de questões.

20. Foi anunciado um código de conduta para servidores públicos civis. A orientação existente para ministros é sólida, mas precisa ser unificada num conjunto claro de princípios.

21. O interesse do público exige que acusações de conduta inapropriada por parte de ministros sejam imediatamente investigadas. Normalmente, isto é um assunto para o Primeiro-Ministro. Quem deverá realizar as investigações e se o relatório deverá ser divulgado são decisões que variarão de caso a caso, mas em tais casos, os servidores públicos não deverão ser incluídos nos debates partidários, e sua orientação deverá ser mantida confidencial.

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22. Tem havido muita preocupação com ministros que, ao deixarem o cargo, assumem funções em empresas com as quais tinham relações oficiais. Durante um prazo de dois anos, após deixarem o cargo, os servidores públicos graduados devem solicitar permissão de uma comissão consultiva independente antes de assumirem cargos na iniciativa privada. A mesma necessidade de proteção do interesse público surge em relação a ministros e assessores especiais, que devem ser sujeitos a um sistema semelhante de autorização.

23. O sistema deverá ser mais aberto à fiscalização por parte to público do que é hoje, tanto para ministros como para servidores públicos.

24. Há acompanhamento insuficiente da eficácia de procedimentos semelhantes aplicados a servidores civis de escalões inferiores, e isto deverá ser analisado.

25. Aconteceram mudanças muito amplas na administração e na estrutura do serviço público. O maior volume de delegação e de diversidade significa que são necessárias ações mais positivas para reduzir o risco de incorreção. Em especial, deve ser evitada a interferência política na remuneração e na ascensão funcional de indivíduos .

26. Embora o novo sistema de recurso individual para servidores públicos seja bem-vindo, são necessários melhores procedimentos dentro dos ministérios para a investigação confidencial a respeito das preocupações por parte dos seus servidores sobre padrões de conduta.

27. É preciso fazer mais para garantir que todos os servidores públicos estejam conscientes dos padrões de conduta exigidos no setor público.

28. As normas de aceitação de presentes e de hospitalidade, tanto por parte de ministros como de servidores públicos, são suficientemente rigorosas e não precisam ser alteradas.

"Quangos" (NDPB' Executivos e órgãos do NHS)

29. Os órgãos Públicos Executivos não vinculados a Ministérios (NDPBs) e os órgãos do Serviço Nacional de Saúde (NHS) são entidades públicas com poderes executivos cujos conselhos de administração são nomeados por ministros. Seus conselhos de administração têm quase 9 mil membros e gastam cerca de 4O bilhões de libras por ano.

3O. Existe muita preocupação por parte do público acerca das nomeações para os conselhos de administração dos Quangos e uma crença difundida de que tais nomeações nem sempre são feitas com base no mérito. O governo assumiu publicamente o compromisso de fazer todas as nomeações com base no mérito.

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31. Embora os cargos individuais devam sempre ser preenchidos com base unicamente no mérito, é importante que a composição global dos conselhos represente uma mistura adequada de habilidades e de experiências passadas importantes. Essa abrangência poderia ser clara e publicamente especificada na descrição dos cargos.

32. Os ministros devem continuar a nomear os membros dos conselhos, mas deverá ser nomeado um Comissário de Nomeações Públicas independente para regular, acompanhar e informar sobre o processo de nomeações para cargos públicos.

33. O governo já está tomando medidas no sentido de otimizar o processo de nomeações e de atrair o maior número possível de candidatos. No futuro, o comissário deverá recomendar qual o melhor processo e os ministérios deverão justificar quaisquer desvios do mesmo.

34. É fundamental a avaliação formal e imparcial dos candidatos. As juntas consultivas que estão sendo introduzidas no Serviço Nacional de Saúde devem tornar-se universais e devem incluir um elemento independente. Todos os candidatos, que os ministros estiverem considerando para quaisquer cargos, deverão ter sido aprovados por uma junta consultiva adequada.

35. Após os recentes escândalos, muito tem sido feito para melhorar e padronizar procedimentos para garantir altos padrões de conduta nos NDPBs. Esse processo precisa continuar. Todos os NDPBs e órgãos do Serviço Nacional de Saúde deverão ter códigos de conduta para conselheiros e servidores, compatíveis com os princípios que se aplicam a todas as entidades públicas.

36. Continuam existindo diferenças no arcabouço legal que rege os padrões de conduta dos NDPBs, órgãos do Serviço Nacional de Saúde e das autoridades locais. O governo precisa analisar essa área e verificar a possibilidade de obtenção de uma maior consistência.

37. São necessárias providências adicionais para salvaguardar o comportamento ético, tanto interna como externamente. Internamente, é preciso realçar as responsabilidades do Contador com respeito à ética, bem como aos assuntos financeiros, e são precisos melhores canais confidenciais para investigar as preocupações dos administradores públicos com respeito ao comportamento ético.

38. Externamente, deve ser ampliado o papel dos auditores em assuntos relativos a comportamento ético. Os procedimentos de auditoria devem ser analisados para garantir que os procedimentos ótimos sejam aplicados a todas as entidades.

Lista de recomendações

Discriminamos abaixo nossas recomendações específicas sob cada um dos principais títulos de nosso relatório (seguido, em parênteses, pelo número do parágrafo dentro do capítulo).

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Acreditamos que ajudaria a todos aqueles aos quais esse relatório está sendo dirigido, se fornecêssemos uma indicação geral dos prazos em que julgamos que as recomendações poderiam ser implementadas. Por isso, classificamos nossas recomendações em uma das três categorias gerais:

A) aquelas recomendações que acreditamos possam ser Implementadas dentro de um prazo curtíssimo;

B) aquelas recomendações que, na nossa opinião, poderiam ser imple-mentadas — ou a respeito das quais esperamos avanços consideráveis na direção da implementação—até o final deste ano;

C) recomendações que reconhecemos precisarão de mais tempo para serem implementada" mas cujos avanços na direção da implementação gostaríamos de reexaminar na segunda metade do próximo ano.

Membros do Parlamento

1. Os membros do Parlamento deveriam permanecer livres para ocupar empregos remunerados, não-relacionados com sua atividade parlamentar. (§ 2.21)A

2. A Câmara dos Comuns deveria reafirmar a resolução de 1947, que proíbe terminantemente que os membros do Parlamento firmem contratos ou acordos, que de alguma forma restrinjam sua liberdade de agir e manifestar-se como lhes parecer apropriado, ou que exijam que atuem no Parlamento como representantes de órgãos externos. (g 2.59)A

3. A Câmara deveria proibir os membros do Parlamento de celebrar quaisquer acordos relacionados com suas funções parlamentares, com o fim de prestar serviços para, ou em nome de, organizações que forneçam serviços parlamentares remunerados a múltiplos clientes, ou de manter quaisquer ligações diretas ou ativas com empresas, ou partes de empresas maiores, que prestem tais serviços parlamentares. (§ 2.59)B

4. A Câmara deveria examinar, sem demora, de forma mais ampla, o mérito das consultorias parlamentares de maneira geral, levando em conta as implicações financeiras e de financiamento de campanhas que as mudanças poderão acarretar. (§ 2.S9)A

5. A Câmara deveria:

— exigir a declaração dos acordos e remuneração relativos aos serviços parlamentares;

— ampliar a orientação sobre a prevenção de conflitos de interesse;

— adotar um novo Código de Conduta para os membros do Parlamento;

— nomear um Comissário Parlamentar de Padrões;

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— estabelecer novos procedimentos para investigar e julgar queixas dessa

natureza sobre membros do Parlamento; (§ 2.59)B

6. Com respeito à declaração de interesses, recomendamos:

— que o Registro deveria continuar aproximadamente na sua forma atual, e deveria ser publicado anualmente. Entretanto, o detalhamento das informações exigidas deve ser aperfeiçoado para apresentar uma descrição mais clara da natureza e da abrangência dos interesses declarados;

— que a atualização do Registro deve ser imediata. Deverá ser ampliada a disponibilidade da presente versão atualizada através de meio eletrônico;

— que a partir do início da sessão de l995/1996 (previsto para novembro) deverá ser exigido que os membros do Parlamento entreguem ao Registro a integra de quaisquer contratos relativos à prestação de serviços na sua condição de membros do Parlamento, e tais contratos deverão estar disponíveis para exame por parte do público;

— que a partir da mesma data, deverá ser exigido que os membros do Parlamento declarem ao Registro a sua remuneração anual, ou uma estimativa de sua remuneração anual, relativa a tais acordos. Será aceitável que isso seja feito em faixas: por exemplo, £1.000; £1.000 - £ 5.000; £5.000 - £10.000; e, após isso, em incrementos de £5.000. Também deverá ser feita uma estimativa do valor monetário dos benefícios na forma de bens e serviços, inclusive serviços de apoio;

— que os membros do Parlamento deverão ser lembrados mais freqüentemente de suas obrigações de registrar e declarar seus interesses, e de que a apresentação das informações ao Registro não elimina a necessidade de declaração, e deverá ser fornecida melhor orientação, especialmente aos recém-chegados à Câmara. (§ 2.70)B

7. Os membros do Parlamento deverão ser orientados, no seu próprio interesse, a que todos os acordos de trabalho que não precisem ser registrados deverão conter cláusulas, ou serem subsidiados por troca de correspondência que torne claro que os mesmos não tratam de atividades parlamentares de qualquer tipo. (§ 2.71)B

8. As normas e orientações sobre a prevenção de conflitos de interesse devem ser ampliadas, conforme nossas sugestões, para cobrir toda a gama de trabalhos relativos ao Parlamento, com especial atenção às Comissões Permanentes. (§ 2.85)B

9. A Câmara deverá elaborar um Código de Conduta estabelecendo os princípios gerais que devem nortear a conduta dos membros do Parlamento, que deverá ser reiterado a cada nova legislatura. (§ 2.89)B

10. O governo deveria tomar medidas agora para tornar mais clara a lei relativa à prática ativa ou passiva de suborno por parte de membro do Parlamento. (§ 2.104)C

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11. Quanto aos procedimentos formais, recomendamos:

— a Câmara deve nomear uma pessoa independente, que deverá ter um certo grau de estabilidade e não ser servidor de carreira da Câmara dos Comuns, como Comissário Parlamentar de Padrões;

— o Comissário deverá ter a mesma liberdade para divulgar sindicâncias e conclusões da qual gozam o Controlador e Auditor Geral e a Comissão Parlamentar de Administração;

— o Comissário deve ter autonomia para decidir se uma queixa merece ou não uma investigação ou para iniciar uma investigação;

— o Comissário deverá ter competência para convocar pessoas, obter documentos e registros, e, portanto, necessitará do apoio, com respeito aos poderes necessários, da autoridade de uma Comissão Especial;

— que consideramos que uma subcomissão da Comissão de Privilégios, composta de até sete membros do Parlamento de grande prestígio, seria o melhor órgão para levar adiante os casos individuais recomendados pelo Comissário; recomendamos que tal subcomissão seja criada;

— levando em conta que haveria um caso prima facie para ser investigado, recomendamos que as audiências da subcomissão proposta sejam normalmente públicas. Também recomendamos que a subcomissão seja capaz de solicitar o concurso de consultores especialistas e que o Parlamentar, que assim o desejar, possa ser acompanhado perante a subcomissão por consultores;

— a subcomissão deverá ter o poder discricionário de autorizar que um consultor represente o membro do Parlamento nas audiências;

— como a subcomissão está subordinada à Comissão de Privilégios, isso teria o efeito prático de conceder ao membro do Parlamento o direito de apelar perante a Comissão. Somente os casos mais sérios precisarão ser deliberados pelo Plenário da Câmara. (§ 2.104)B

O Poder Executivo: ministros e Servidores públicos

12. O primeiro parágrafo das Questões de Procedimento Formal para Ministros (QPM) deve ser emendado para ter a seguinte redação: "Ficará a critério de cada ministro individualmente o julgamento de como melhor agir para manter os altos padrões. Caberá ao Primeiro-Ministro determinar se os Ministros agiram dessa forma ou não em qualquer circunstância específica." (§3.13)A

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13. O Primeiro-Ministro deverá desencadear a produção de um documento, retirando do QPM as normas e os princípios éticos nele contidos, para formar um código de conduta independente ou uma seção separada dentro de um novo QPM. Se tais diretrizes permanecerem dentro do QPM, recomendamos que o QPM passe a ser chamado de "Conduta e Procedimentos Formais para Ministros" para indicar a sua abrangência. (§ 3.15)A/B

14. Cuidados devem ser tomados para garantir que sejam utilizados os meios mais adequados na investigação de casos de suposta conduta imprópria relativos a ministros. Salvo em circunstâncias excepcionais, deve ser aplicada a esses casos a regra geral de que os pareceres de servidores públicos endereçados a ministros não devem ser divulgados. (§ 3.22)A

15. Deverá aplicar-se aos ministros um sistema semelhante às normas vigentes no Serviço Público sobre o exercício de cargos no setor privado. Esse sistema deverá ser de natureza consultiva, e deverá ser administrado pela Comissão Consultiva sobre Exercício de Cargos no Setor Privado por parte de Pessoas Oriundas do Serviço Público; (§ 3.31)A

16. Paralelamente aos procedimentos do serviço público para secretários permanentes,3 deve ser aplicado um período automático de carência para ex-ministros de Gabinete,4 mas não para outros Ministros ou Whips.5 Em casos onde for recomendado um período adicional de carência, o período máximo de carência deve ser fixado em dois anos, contados a partir da data de desligamento do cargo. (§ 3.33)A

17. A comissão consultiva deve ser capaz de orientar o requerente, seja um servidor público ou ex-ministro, no sentido de que ela considere que o requerimento não tem fundamento e torne público esse parecer, caso não seja observado. (§ 3.34)A

18. Ex-ministros, tendo recebido parecer da comissão consultiva, devem ter o direito de apelar ao então Primeiro-Ministro, que terá poderes para reduzir qualquer período de carência ou relaxar quaisquer condições se a apelação for adequadamente embasada. (§ 3.36)A

19. O sistema deverá ser o mais aberto possível, protegendo, ao mesmo tempo, a privacidade dos ministros. (§ 3.38)A

20. O governo deverá acompanhar a carga de trabalho da comissão consultiva sob as novas normas e tomar providências de contingência para o aumento dos seus quadros para tratar das conseqüências de qualquer mudança na administração. (§ 3.39)B

21. Os ministérios, além de manterem um registro dos presentes recebidos, deverão manter registros de hospitalidade aceitos por ministros em missão oficial e devem dar acesso a tais registros quando solicitados. (§ 3.41)A

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49 Ética no serviço público – Documentos estrangeiros

22. As novas providências para a remuneração dos altos escalões do serviço público de acordo com o desempenho devem ser estruturadas de forma a não prejudicar a imparcialidade política (§ 3.48)A

23. A versão preliminar do código do serviço público deverá ser revisada para cobrir situações nas quais o servidor público, embora não esteja pessoalmente envolvido, tenha conhecimento de delito ou de má administração que esteja ocorrendo. (§ 3.51)A

24. O funcionamento do sistema de recursos nos termos do Código deve ser divulgado da forma mais aberta possível, e os comissários devem relatar ao Parlamento os casos de recursos bem-sucedidos. ( § 3.52)B

25. Os ministérios e as agências devem indicar um ou mais servidores graduados, para a tarefa de investigar acusações feitas de maneira confidencial por funcionários. (§ 3.53)A

26. O novo código do serviço público deve entrar em vigor imediatamente, com efeitos imediatos, sem esperar ser transformado em lei. (§ 3.55)A

27. O Cabinet Office6 deverá continuar a pesquisar e disseminar práticas ótimas sobre a manutenção de padrões de conduta para garantir que os princípios básicos de conduta estejam sendo adequadamente observados. (§ 3.59)A

28. Deverão ser realizados levantamentos de rotina nos ministérios e nos órgãos a respeito do conhecimento e compreensão por parte dos servidores dos padrões éticos que lhes dizem respeito; se tais levantamentos indicarem áreas com problemas, a orientação deverá ser adequadamente reforçada e disseminada, especialmente na forma de treinamento adicional. (§3.61)A

29. Quando um servidor público assumir um cargo no setor privado, a Comissão Consultiva sobre o exercício de Cargos no Setor Privado por parte de Pessoas oriundas to Serviço Público deverá expor suas razões para sua decisão naquele caso específico. (§ 3.66)A

30. O funcionamento, a observância e os objetivos das normas do serviço público para o exercício de cargos no setor privado por parte de pessoas oriundas do serviço público devem ser revistos. (§ 3.68)B

31. Os assessores especiais devem estar sujeitos às normas do serviço público para o exercício de cargos no setor privado por parte de pessoas oriundas do serviço público. (§ 3.70)A

32. Cada ministério ou órgão deverá manter um registro central ou local de convites e ofertas aceitas de hospitalidade. Deverão haver normas claras especificando as circunstâncias em que um servidor deverá solicitar aconselhamento superior sobre a adequação de aceitar tais convites e ofertas. (§ 3.72)A

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50 Ética no serviço público – Documentos estrangeiros

Quangos

(Órgãos públicos executivos não vinculados a ministérios e órgãos do Serviço Nacional de Saúde)

Nomeações

33. A responsabilidade final pelas nomeações deverá permanecer com os ministros. (§ 4.29)A

34. Todas as nomeações no serviço público devem ter como critério o princípio maior da nomeação por mérito. (§ 4.3S)A

35. A seleção por mérito deverá levar em conta a necessidade de se nomear conselhos que incluem um equilíbrio de capacidades e de experiências. Devem ser explícitos os critérios de nomeação dos membros bem como a maneira como se espera que eles se desincumbam de suas atribuições. Deve ser claramente especificada a gama de capacidades e a experiência desejada. (§ 4.46)A

36. Todas as nomeações para cargos executivos dos NDPBs ou órgãos do Serviço Nacional de Saúde deverão ser feitas após parecer da junta ou comissão que inclua um elemento independente (§ 4.48)C

37. Cada junta ou comissão deverá ter pelo menos um membro independente e os membros independentes deverão normalmente perfazer pelo menos um terço tos membros. (§ 4.49)C

38. Um novo Comissário de Nomeações Públicas independente deverá ser nomeado podendo ser um dos Comissários do Serviço Público. (§ 4.S3)B

39. O Comissário de Nomeações Públicas deverá acompanhar regulamentar e aprovar os procedimentos de nomeação dos ministérios. (§ 4.SS)C 40. O Comissário de Nomeações Públicas deverá publicar um relatório anual sobre a operação do sistema de nomeações públicas. (§ 4.Só)C

41. A Unidade de Nomeações Públicas deve ser retirada to Cabinet Office e colocada sob o controle do Comissário de Nomeações Públicas. (§ 4.57)B

42. Todos os ministros de Estado deverão apresentar relatórios anuais sobre as nomeações públicas feitas por seus ministérios. (§ 4.62)B

43. Os candidatos a nomeação deverão ser obrigados a declarar qualquer atividade política importante (inclusive cargos, declarações públicas e candidatura a cargos eletivos) exercida nos últimos cinco anos. (§ 4.68)B

44. O Comissário de Nomeações Públicas deverá elaborar um código de práticas para os procedimentos de nomeações públicas. As razões para desvios do código com base na "proporcionalidade" devem ser documentadas e passíveis de análise. (§ 4.72)C

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Conduta

45. O governo deverá realizar uma revisão, com o objetivo de produzir um arcabouço legal mais consistente sobre conduta correta e cobrança de responsabilidade nas entidades públicas, incluindo os NDPBs executivos, os órgãos to Serviço Nacional de Saúde e os governos locais. Isto deverá envolver todos os ministérios importantes e ser coordenado pelo Cabinet office e pelo Tesouro. (§ 4.81)C

46. A adoção de um código de conduta para membros do conselho deve ser obrigatória para cada NDPB executivo e órgão do Serviço Nacional de Saúde. (§ 4.91)B

47. O conselho de cada NDPB executivo e cada órgão do Serviço Nacional de Saúde deverá ser obrigado a adotar um código de conduta para seus funcionários. (§ 4.91)B

48. Os membros do conselho e os servidores de todos os NDPBs executivos e dos órgãos do Serviço Nacional de Saúde devem ser obrigados, por ocasião da nomeação, a assumir o compromisso de defender e observar o código em questão, e tal compromisso deverá ser condição para a nomeação. (§ 4.9S)B

49. Os ministérios patrocinadores deverão desenvolver procedimentos disciplinares claros para os membros dos NDPBs executivos e dos órgãos do Serviço Nacional de Saúde, com sanções adequadas para a falta de observância dos códigos de conduta (§ 4.96)C

50. As atribuições dos contadores dos NDPBs executivos e do Serviço Nacional de Saúde devem ser redefinidas para enfatizar a sua responsabilidade formal por todos os aspectos relativos a correção de conduta. (§ 4.102)B

51. A Comissão de Auditoria deve ser autorizada a publicar, a seu critério, relatórios de interesse público sobre os órgãos do Serviço Nacional de Saúde. (§ 4.105)B

52. O Tesouro deverá revisar as providências para a auditoria externa das entidades públicas, com o objetivo de aplicar a todos o procedimento ótimo. (§ 4.109)C

53. Cada NDPB executivo e órgão do Serviço Nacional de Saúde deverá, caso ainda não tenha feito, indicar um servidor ou membro do Conselho com a atribuição de investigar preocupações apresentadas de maneira confidencial por parte de servidores, mencionadas confidencialmente, sobre correção de conduta. Os servidores poderão apresentar queixas sem ter de passar pela estrutura administrativa normal, e devem ter garantido o anonimato. Se continuarem insatisfeitos, os servidores também deverão ter um caminho claro para levantar preocupações sobre questões de correção com o ministério patrocinador. (§ 4.1 16)B

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52 Ética no serviço público – Documentos estrangeiros

54. Os NDPBs executivos, apoiados pelos seus ministérios patrocinadores, deverão:

— desenvolver os seus próprios códigos de transparência, baseados no código do governo e desenvolver procedimentos adequados com respeito às recomendações deste relatório;

— garantir que o público tenha conhecimento das disposições de seus códigos;

Os ministérios patrocinadores deverão:

— incentivar as entidades executivas a seguir, os melhores procedimentos e aumentar a consistência entre entidades similares, trabalhando no sentido de uniformizar os padrões de todos eles no nível mais elevado;

O Cabinet Office deverá:

— produzir e revisar periodicamente diretrizes sobre boas práticas de transparência para os NDPBs executivos e os órgãos do Serviço Nacional de Saúde. (§ 4.123)B

55. Os novos membros dos conselhos deverão, por ocasião da nomeação, assumir o compromisso de realizar um treinamento inicial que inclua conscientização sobre os valores do setor público, e padrões de probidade e de responsabilidade. (§ 4.125)B

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53 Ética no serviço público – Documentos estrangeiros

OOSS SSEETTEE PPRRIINNCCÍÍPPIIOOSS DDAA VVIIDDAA PPÚÚBBLLIICCAA

Interesse Público Os ocupantes de cargos públicos deverão tomar decisões baseadas

unicamente no interesse público. Não deverão decidir com o objetivo de obter benefícios financeiros ou materiais para si, sua família ou seus

amigos. Integridade

Os ocupantes de cargos públicos não deverão colocar-se em situação de obrigação financeira ou de outra ordem para com indivíduos ou

organizações externas que possa influenciá-los no cumprimento de seus deveres oficiais

Objetividade No desempenho das atividades públicas, inclusive nomeações,

concessão de contratos ou recomendação de pessoas para recompensas e benefícios, os ocupantes de cargos públicos deverão decidir apenas com

base no mérito. "Accountability"

Os ocupantes de cargos públicos são responsáveis perante o público por suas decisões e ações, e devem submeter-se a qualquer fiscalização

apropriada ao seu cargo. Transparência

Os ocupantes de cargos públicos devem conferir a suas decisões e ações a maior transparência possível. Eles devem justificar suas decisões e restringir o acesso à informação somente se o interesse maior do público

assim o exigir. Honestidade

Os ocupantes de cargos públicos tem o dever de declarar quaisquer interesses particulares que tenham relação com seus deveres públicos e de

tomar medidas para resolver quaisquer conflitos que possam surgir de forma a proteger o interesse público.

Liderança Os ocupantes de cargos públicos devem promover e apoiar estes

princípios através da liderança e do exemplo. ...............................................................................................................

. Esses princípios aplicam-se a todos os aspectos da vida pública.

A Comissão relacionou-os para o uso de todos que de alguma forma prestem serviço ao público.

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2. Outras experiências estrangeiras

Em maio de 1997, em documento preparado pela Secretaria para o 13o encontro do Grupo de Especialistas do Programa das Nações Unidas para Administração Pública e Finanças, a ONU estabeleceu uma série de princípios-diretores para a ética no serviço público. O documento privilegia sobretudo a idéia de profissionalização do serviço público e sugere que o comportamento ético do servidor aumenta proporcionalmente à medida que também aumenta o profissionalismo. Isso se reflete imediatamente nos princípios propostos, que visam sempre à incorporação dos valores éticos ao comportamento profissional do servidor público. Destaquemos alguns dos princípios propostos pela ONU:

1. Educação ética: a permanente educação ética é necessária, defende o documento, para a internalização de valores, como o respeito pelos outros, a proteção de direitos individuais, etc.

2. Integridade pessoal e profissional: os valores profissionais devem prevalecer sobre os organizacionais e sobre ordens superiores questionáveis. O servidor deve procurar desenvolver sua autonomia.

3. Espírito público: os interesses privados devem estar sempre subordinados ao interesse público. Da mesma forma, a promoção do bem comum deve ser o objetivo maior do servidor público.

4. Valorizar os cidadãos como seres humanos: os cidadãos não são meros clientes ou consumidores em um mercado.

Além desses princípios gerais, o documento destaca outros ainda mais diretamente relacionados à boa execução do trabalho: responsabilidade administrativa, competência e justiça, necessidade de estabelecer e afirmar uma identidade profissional do serviço público e de aderir a um princípio de “qualidade total” no desempenho das funções.

a) O caso australiano

Os servidores públicos australianos contam com uma série de documentos oficiais que estabelecem os padrões de conduta ética no serviço. O principal deles chama-se Guidelines on Official Conduct of Commonwealth Public Servants e é regularmente revisado, o que permite mantê-lo sempre atualizado em um ambiente cada vez mais rapidamente em transformação. Um novo Public Service Act deve consolidar, pela primeira vez na forma de lei, um conjunto de valores éticos e um código de conduta para os servidores públicos. Há ainda uma agência especialmente responsável pela manutenção dos padrões éticos, a Public Service and Merit Protection Commission.

Os valores éticos fundamentais que devem ser afirmados pelos servidores públicos australianos são: pronto atendimento às necessidades do governo;

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concentração nos resultados; mérito como base para o emprego; altos padrões de probidade, integridade e conduta; forte compromisso com a responsabilidade e a prestação de contas; melhoria contínua das equipes e dos indivíduos.

Além desses valores, a legislação atribui as seguintes obrigações aos servidores: cumprir seus deveres com habilidade, cuidado, diligência e imparcialidade; respeitar a lei e cumprir as ordens legais e razoáveis; tratar o público e os colegas com cortesia; evitar desperdício no uso dos recursos públicos; identificar possíveis conflitos de interesse e evitar tais conflitos; tomar certas decisões concernentes ao pessoal sem favoritismo ou discriminação injustificada.

O governo australiano conta ainda com uma série de mecanismos de controle e de prestação de contas. As auditorias anuais para avaliação da atuação orçamentária podem transformar-se em uma investigação sobre a eficiência do serviço. Há ainda a figura de um ombudsman, encarregado de receber as queixas do público contra o serviço prestado pelas agências e pelos órgãos do governo. Além desses mecanismos de controle, cada agência é plenamente responsável pelo estímulo da conduta ética, o que é feito especialmente por meio de programas de educação e treinamento. Os servidores mais graduados ainda estão sujeitos a uma avaliação regular de sua atuação, que leva em consideração os aspectos éticos. Essa avaliação pode resultar em recompensa salarial ou na demissão do servidor.

b) O caso holandês

Na Holanda, o problema da ética no serviço público impôs-se a partir de uma preocupação com a integridade (ou seja, incorruptibilidade, correção e confiabilidade) da administração pública, após uma série de incidentes que envolviam vazamento de informações, transações duvidosas e rumores na imprensa. Essa preocupação com a integridade do serviço público está diretamente ligada ao receio de perda de confiança por parte dos cidadãos, sem a qual a democracia não poderia funcionar. Não por acaso, a questão principal para o governo holandês não é tanto a fraude ou a corrupção em si mesmas, mas o abuso de poder implicado por essas e outras práticas antiéticas e ilegais. Para garantir a integridade de seu serviço público, o governo holandês conta com uma infra-estrutura que engloba instrumentos legais, órgãos especiais responsáveis pela ética no serviço público como um todo, mecanismos de prestação de contas e controle interno, códigos de conduta e processos de educação e formação.

c) O caso norte-americano

Também para o governo norte-americano, o problema da ética no serviço público aparece subordinado à questão da confiança dos cidadãos no governo e em sua integridade. Os princípios éticos gerais aplicáveis aos servidores públicos estão enumerados no documento “Padrões de conduta ética para funcionários do poder executivo”. Destaquemos alguns:

O princípio fundamental lembra que o serviço público é uma espécie de procuração: o servidor público é como um procurador e tem a responsabilidade, junto

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56 Ética no serviço público – Documentos estrangeiros

ao governo e junto aos cidadãos, de pôr a Constituição, a lei e os princípios éticos acima do interesse pessoal. Há uma preocupação bastante acentuada com o problema do conflito de interesses e da corrupção: os funcionários não devem ter interesses financeiros que entrem em conflito com o cumprimento consciencioso de seus deveres; não devem entrar em transações financeiras usando informações governamentais não-públicas ou permitir o uso impróprio de tais informações para favorecer interesses privados; não devem aceitar (exceto nos casos previstos no código) ou solicitar presentes ou outra forma de compensação pela execução de seus deveres e não devem usar a função pública para ganho privado. Além desses princípios direcionados ao problema específico da corrupção e do conflito de interesses, o código norte-americano afirma ainda valores como a dedicação ao serviço, a imparcialidade e a legalidade.

Além de mecanismos de controle e prestação de contas, definidos pelo Administrative Procedure Act, o governo federal norte-americano possui ainda uma agência — a Office of Government Ethics — responsável pela execução dos programas de ética no Poder Executivo.

d) O exemplo dos países latino-americanos

A mesma preocupação com a ética no serviço público pode ser encontrada nos países latino-americanos. Países como o México, o Chile, a Argentina e o Peru mantêm regularmente programas que visam a melhorar os padrões éticos no serviço público, especialmente aos ligados à área tributária. Há claramente uma preocupação com o controle das práticas de corrupção, mas também com a questão da eficiência, a qual a primeira está certamente relacionada.

Nos últimos anos, o México tem passado por mudanças institucionais e estruturais semelhantes às que ocorrem no Brasil, provocadas, por exemplo, por uma maior abertura comercial e pela diminuição do tamanho do governo, por meio de privatizações de corporações estatais. Em 1982, promulgou-se a Lei Federal de Responsabilidades dos Servidores Públicos e criou-se a Secretaria de Controle Geral da Federação. Os princípios afirmados por essa lei são: legalidade, honestidade, lealdade, imparcialidade e eficiência.

Além do aparato legal, o governo mexicano apóia-se ainda em dois mecanismos de controle e prevenção: a Agência de Auditoria Superior da Federação, órgão ligado ao Congresso, e o Programa de Modernização da Administração Pública.

Em documento redigido pelo Serviço de Impostos do Chile, vemos afirmados os seguintes princípios fundamentais da ética pública: 1) Integridade no cumprimento dos deveres e obrigações próprios da função pública; 2) Responsabilidade do agente, que deve responder pelo desempenho de suas funções diante da sociedade civil; 3) Transparência no exercício da atividade pública, condição necessária para que os cidadãos possam avaliá-lo e controlá-lo. Sobre esses três pilares repousa a idéia de probidade, que engloba uma conduta funcional

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57 Ética no serviço público – Documentos estrangeiros

moralmente inatacável, dedicação ao desempenho do cargo e preeminência do interesse público sobre o privado.

Na Argentina, os funcionários da administração tributária contam com uma declaração de princípios na qual estão afirmados princípios gerais, como a subordinação do serviço público ao fim maior que é o funcionamento do Estado e, para além dele, o interesse público e valores como os da eficiência e da eficácia, a legalidade, a dedicação ao serviço, a imparcialidade. São ainda apontados como problemas graves a corrupção e o conflito de interesses.

No Peru, os próprios funcionários da Superintendência Nacional de Administração Tributária redigiram, como resultado de suas reflexões nos seminários de ética, uma declaração de princípios, fundamentalmente semelhante à dos funcionários argentinos. Após afirmarem o bem coletivo e o desenvolvimento como finalidades mais elevadas as quais se subordina o trabalho dos servidores, continuam afirmando o mesmo conjunto de valores: eficiência, integridade, etc.

É possível reconhecer nas várias tentativas, nos mais diversos países, de abordar o problema da ética no serviço público um fundo comum e, ao mesmo tempo, algumas variações que não deixam de ser significativas. Em comum há, sobretudo, o reconhecimento da relevância da questão. Quanto a este ponto, há unanimidade: a promoção do comportamento ético no serviço público é uma necessidade no momento atual. As justificações para isso, no entanto, variam. Por um lado, é possível ver em alguns casos uma clara preocupação com a questão da credibilidade e da legitimidade: um serviço público dotado de uma boa imagem é essencial para garantir o crédito dos cidadãos; ora, cada vez mais essa imagem é mantida ou perdida em função do comportamento ético dos servidores; a promoção da conduta ética, assim, é parte importante no processo de legitimação dos que ocupam os postos de comando no Estado e, finalmente, condição para que o governo aja com toda efetividade necessária ao bom cumprimento de suas finalidades. Esse é o caso, sobretudo, nos países (como o Reino Unido, os Estados Unidos ou a Holanda, para citar os casos que examinamos) em que um alto nível de desenvolvimento político, econômico e social já foi atingido. Nesses países, fica muito mais clara a associação do tema da ética no serviço público à questão da democracia. Neles a formação ética e o treinamento correspondente são partes da profissão, assim como o treinamento técnico em áreas específicas. Nesses, mesmos países, ou já existem órgãos especiais encarregados da implementação de padrões éticos ou existe a tendência para a criação de tais órgãos. Por outro lado, vemos em países como México, Brasil e outros países latino-americanos uma associação um pouco diferente. Se essa preocupação com o funcionamento do regime democrático não está totalmente ausente, é muito mais evidente uma outra preocupação, com a modernização do Estado, com a eficiência e a eficácia do serviço público como condição de governabilidade. No primeiro caso, a ética no serviço público é vista sobretudo como sendo, ela mesma, uma espécie de imperativo moral, imposto pela própria natureza do Estado e de suas relações com os cidadãos. No segundo, a ética no serviço público é vista sobretudo como requisito indispensável de modernidade e eficácia. Essas duas perspectivas não são excludentes e, talvez,

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58 Ética no serviço público – Documentos estrangeiros

diferenciem-se apenas por uma ênfase distinta em aspectos que convivem sem problemas lado a lado. E talvez essa diferença de ênfase não faça mais do que expor, em outro registro, as diferenças que de resto existem entre esses países no que diz respeito ao grau de desenvolvimento.

De todo modo, há alguns princípios e valores afirmados universalmente: a eficiência, a dedicação ao serviço (valores comuns a qualquer atividade profissional), a imparcialidade, a subordinação do interesse privado ao interesse comum. E há também problemas e obstáculos unanimemente reconhecidos: a corrupção, o conflito de interesses, o abuso de poder, o uso indevido dos recursos públicos. Por fim, há também, por trás da pluralidade de enfoques, uma certa uniformidade nos meios preconizados para transformar os princípios em prática efetiva, não apenas uma legislação eficaz, com instrumentos de processo e punição, ou mecanismos de controle, mas também programas de educação e formação voltados para os servidores públicos.

3. Documentos Estrangeiros

A) NAÇÕES UNIDAS

Princípios diretivos para a ética no serviço público(∗)

A ética administrativa foi estimulada pela profissionalização no Estado administrativo. Enquanto a ética no serviço público e a prestação de contas permanecem como preocupações maiores, a incidência da corrupção e do comportamento antiético é mais encontrada no campo político do serviço público. Executivos políticos estão freqüentemente no ápice das organizações públicas e, como membros da elite, tendem a ter papel chave em muitos escândalos. O profissionalismo na administração pública ajudou a frear a corrupção em todo o mundo.

Ao agirem como guardiães do interesse público, os administradores profissionais estão em uma posição central para reanimar e levantar a imagem do servidor público. Este é um grande desafio, que implica um esforço consciente de defesa e realização. Os parágrafos seguintes apresentam uma lista de princípios que podem guiar administradores na promoção dos fins mencionados acima. Esses princípios podem ser identificados como deveres e proibições.

Educação ética: A educação ética é uma necessidade e deveria ser parte de todo sistema educacional, em todos os níveis. Na verdade, a educação e o treinamento em ética administrativa são essencialíssimos para as carreiras do serviço público em qualquer parte do mundo. Devem incluir tanto a ética pessoal quanto a administrativa. Virtudes cívicas, cidadania virtuosa, respeito pelos outros, proteção de direitos individuais e outros valores éticos devem ser internalizados pelos servidores públicos.

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(∗)“Guiding principles in Public Service ethics”, em Ethics, professionalism and the image of the Public Service, relatório preparado pela Secretaria da ONU para o 13° Encontro do Grupo de Especialistas do Programa das Nações Unidas para Administração Pública e Finanças. ONU, maio de 1997.

59 Ética no serviço público – Documentos estrangeiros

O aconselhamento de altos executivos deveria também incluir o seguinte: dar o exemplo e o tom para toda a organização, enfatizando a educação e o treinamento em ética, pensando e agindo eticamente. O aconselhamento de empregados públicos deveria incluir: educar a si mesmo nos princípios éticos e agir eticamente; não barganhar sobre princípios; desobedecer ordens inconstitucionais, imorais, ilegais e antiéticas e apontar seus erros através dos canais adequados; encontrar meios apropriados para fazer isso.

Preservação da integridade pessoal e profissional: Valores profissionais devem prevalecer sobre os organizacionais ou sobre ordens de superiores consideradas questionáveis. O profissionalismo responsável é um componente essencial do comportamento administrativo. Isso requer auto-regulação, conhecimento, autocontrole, certo grau de autonomia e independência pessoal, subordinação de interesses privados ao interesse público.

Prudência: O exercício da prudência, que significa sabedoria prática, foi enfatizado por dois grandes pensadores medievais persas, Ibn-e-Cina e Nizam-ul-Mulk. Toda sociedade tem seus próprios pensadores deste calibre. Prudência requer autocontrole, decisões bem delineadas, com fundamento no conhecimento, na perícia e no juízo ético.

Espírito público: Interesses privados deveriam ser subordinados aos interesses públicos e comunitários. Ao tomar decisões ou agir como administrador, pense primeiro no interesse público e nos interesses dos cidadãos, e depois em você mesmo. Desenvolva a virtude cívica, aja virtuosamente e promova a cidadania virtuosa sendo um cidadão virtuoso e agindo como um administrador virtuoso.

Evitar os problemas que causam crises no serviço público: Alguns desses problemas estão além do controle do administrador, mas deve-se aderir aos valores e fatores que detêm a corrupção e o comprometimento do serviço público.

Ser um administrador responsável: Agir com moderação, discrição e liberdade também é ter responsabilidade. Seja um exemplo para os outros. Se não puder realizar bem seus deveres, demita-se e denuncie aqueles que lhe tornam impossível agir ética e profissionalmente.

Promoção do bem comum: Dedique seu tempo, sua perícia e seu conhecimento para construir valores comunitários e defender os direitos dos pobres tanto quanto os dos ricos. É ao interesse público que você deve servir sempre com integridade.

Ser competente e equânime: A competência vem com o treinamento, o desenvolvimento de habilidades, o conhecimento. É extremamente importante juntar competência com eqüidade e justiça nas posições administrativas. Eficiência e efetividade são importantes valores organizacionais e administrativos, mas devem ser matizados com justiça e eqüidade. É essa combinação de valores éticos e profissionais que torna possível e desejável a ética profissional na administração pública.

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Seguir e implementar o código de ética profissional: Códigos de ética na

administração pública são coleções ou sistemas, escritos e não-escritos, de leis, regras, regulamentos e normas que guiam a conduta do serviço público. Eles afirmam ideais, os cânones de ação que lhes correspondem e os meios necessários para a implementação de comportamentos, no contexto dos limites estabelecidos pelo código. Opositores dos códigos de ética argumentam que se deveria resistir contra a moralização de tudo, que a codificação rígida do certo e do errado pode ser disfuncional e que a neutralidade burocrática considera imoral emitir juízos morais em organizações públicas. Defensores dos códigos de ética citam a objetividade e os valores positivos que são ganhos através da implementação dos códigos de ética. Alguns códigos de ética trazem sanções para comportamentos antiéticos, enquanto outros dão antes indicações ou diretrizes para os servidores públicos.

Estabelecer e afirmar uma identidade profissional: como servidor público, como mantenedor do interesse público e como uma pessoa ética. Resistir contra todas as formas de corrupção.

Evitar dilemas éticos: tanto quanto for possível, mas, se envolvido em um, procurar aconselhamento e exercitar a prudência. Através da prudência, é possível lidar com a maior parte dos dilemas éticos.

Agir moralmente: e eticamente com um sólido caráter e juízo responsável. Valorizar e promover a imagem do serviço público.

Combater a corrupção: em qualquer nível e a qualquer tempo. Estabelecer e usar comissões de inquérito; combater a indisciplina e mostrar liderança moral.

Desenvolver e internalizar um sentido de “qualidade total”: Faça valer a idéia de que as coisas devem ser feitas corretamente logo na primeira vez, evitando o caro erro de duplicação ou repetição de um trabalho de má qualidade. Não sabote seu próprio trabalho, internalize uma ética laboral e desenvolva um sentido de motivação pelo interesse público e pela auto-realização.

Ver os cidadãos como seres com valor: e como membros da comunidade, não meramente como consumidores ou clientes no mercado. Desencoraje uma ideologia corporativa abertamente enviesada, que tenda a incentivar a corrupção e o comportamento antiético. Mercados não são alternativas ao serviço público. Muito ao contrário, uma administração coerente, serviço público e cidadania responsável são pré-requisitos sine qua non de uma atmosfera favorável aos negócios, de uma operação tranqüila dos mercados, da democracia efetiva e da paz social.

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61 Ética no serviço público – Documentos estrangeiros

B) AUSTRÁLIA

A infra-estrutura ética(∗)

A Comissão do Serviço Público e da Proteção ao Mérito é a responsável geral pela manutenção da infra-estrutura ética do serviço público australiano, em nome do governo e sob a direção do Comissão Administrativo-Consultiva. No entanto, a administração da ética e da conduta no dia-a-dia é responsabilidade das secretarias individualmente e dos chefes dos órgãos.

Nossa abordagem da ética tem consistido em articular um conjunto de valores-chave para o serviço público, os quais descrevem a cultura buscada no serviço público australiano. Esses valores estabelecem o ethos do serviço público australiano e, como declarações, têm a intenção de:

• conter os princípios pelos quais o serviço público australiano espera que seus funcionários ajam e as aspirações que devem perseguir; e

• declarar publicamente nossos princípios diretivos de tal modo a dar oportunidade aos órgãos (e ao público) de julgar seus desempenhos, e o de seus funcionários, a partir de uma infra-estrutura ética.

Os valores-chave para o serviço público foram primeiramente articulados pelo Management Advisory Board através de sua publicação Construindo um serviço público melhor, de 1993. Os valores-chave para o serviço público são:

• capacidade de atender agilmente ao governo;

• concentração nos resultados;

• mérito como base para o recrutamento;

• os mais altos padrões de probidade, integridade e conduta;

• forte comprometimento com a prestação de contas; e

• melhoria constante de equipes e de indivíduos.

(∗) “The management of ethics and conduct in the Public Service: Australia”. Relatório feito por Mike Jones, Comissão do Serviço Público e da Proteção ao Mérito, Austrália, dezembro de 1995. Em Ethics in the Public Service, OECD, 1996.

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62 Ética no serviço público – Documentos estrangeiros

Os juízos e o comportamento éticos dos servidores públicos são

influenciados por seus valores, mas há outro nível de referência mais específico que guia seus comportamentos. Requer-se dos servidores públicos que observem uma série de regras e obrigações contidas na legislação. A fonte principal são os Regulamentos do Serviço Público, mas há ainda exigências na Lei do Serviço Público e em outras leis, como as que tratam da discriminação, da segurança e da saúde no trabalho e da privacidade das informações pessoais.

As principais obrigações específicas são:

• cumprir os deveres com habilidade, cuidado, diligência e imparcialidade;

• observar as leis e as ordens legais e razoáveis;

• tratar o público e os colegas com cortesia;

• evitar desperdício e extravagância no uso dos recursos públicos;

• identificar possíveis conflitos de interesse e tomar providências para evitá-los;

• certas decisões referentes ao pessoal devem ser feitas sem favoritismo ou discriminação injustificada.

As Linhas gerais para conduta dos servidores públicos da Commonwealth, que foram revisadas em 1995, elaboraram esses elementos, mas também continham material adicional, tais como:

• como lidar com ministros e deputados;

• declarações públicas;

• participação em atividades políticas e industriais;

• interesses financeiros e outros;

• denúncia;

• fraude. O código de conduta contido nas Linhas gerais não contempla exceções. O

código deriva da ética e do ethos, mas é específico — seu propósito é o de regular o

comportamento. Infrações ao código são tomadas como má conduta e podem levar a

ação disciplinar.

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C) HOLANDA

O ambiente do serviço público(∗)

Os últimos anos presenciaram um significativo aumento da preocupação com a integridade da administração pública na Holanda. Na análise dos riscos associados à perda de integridade na administração pública, três questões, representando três pontos de vista privilegiados, são importantes:

• Quais são os interesses em jogo?

• Quais são os perigos que ameaçam esses interesses?

• Quão fortes são os mecanismos da administração pública para evitar tais perigos?

Esses três pontos de vista privilegiados são discutidos e desenvolvidos abaixo.

A.1 Os interesses em jogo

“O governo ou tem ou não tem integridade. Não se pode ter apenas um pouco de integridade. Uma administração sustenta-se ou cai com a integridade do governo; qualquer diminuição da integridade do governo significa que o governo perde a confiança do público. E sem a confiança do público, a democracia não pode funcionar. Então não há mais democracia. Este é um quadro assustador.”

Essas são as palavras vigorosas com que a ex-ministra do Interior, Catherine I. Dales, concluiu seu discurso na conferência anual da União Holandesa de Autoridades Municipais, em junho de 1992. Ela pôs a integridade na administração pública em destaque na agenda política após alguns incidentes como vazamentos de informações, transações duvidosas de conselheiros locais e rumores na mídia. Integridade significa incorruptibilidade, retidão e confiabilidade.

Pouco depois, o governo publicou um documento sobre o crime organizado na Holanda e como ele poderia ser atacado. Com base nesse documento, foram prometidas ao Parlamento propostas mais detalhadas que visassem a uma proteção mais efetiva da administração pública contra os ataques à sua integridade e que definissem o papel da administração no combate ativo ao crime organizado. Isso deu o tom para um debate, envolvendo todo o governo, sobre a integridade da administração pública, com base no qual algumas iniciativas foram desde então tomadas.

A.2 Os perigos

Integridade não é uma qualidade inevitável. Pode sofrer pressões de várias maneiras. O problema não é apenas a corrupção e a fraude, mas, sobretudo, o uso (∗) “The management of ethics and conduct in the Public Service: the netherlands”. Relatório feito por Johan Maas, ministro do Interior, Holanda, dezembro de 1995. Em Ethics in the Public Service: current issues and practice. OECD, 1996.

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64 Ética no serviço público – Documentos estrangeiros

impróprio do poder. “Uso impróprio do poder” é um conceito amplo, que engloba degradação, decadência e erosão dos padrões de conduta. O uso impróprio do poder é o oposto da integridade, e significa o uso do poder administrativo de um modo que é incompatível com os padrões e regras prevalecentes. O uso impróprio do poder pode, em última instância, resultar em fraude e corrupção. O uso impróprio do poder pode originar-se “a partir de dentro” através:

• do cumprimento negligente das responsabilidades e das regras democráticas (p. ex., vazamento para a imprensa de informações confidenciais do Conselho de Ministros);

• de procedimentos não meticulosos para a escolha de pessoal para posições-chaves e para o acompanhamento de seu trabalho (p. ex., não exigir referências);

• da falha, por parte dos políticos e dos administradores, em apreciar o significado de dar um bom exemplo ao acatar elevados padrões e valores éticos (p. ex., a aceitação de bilhetes (de avião) grátis para um campeonato europeu de futebol);

• da falta de publicidade nas escolhas e nas tomadas de decisão (p. ex., uma “caixa preta” de compromissos pessoais).

O problema pode surgir “a partir de fora” se:

• reputações pessoais sofrerem ataques (p. ex., espalhando-se rumores na imprensa);

• as tomadas de decisão estiverem sujeitas a influências indevidas (p. ex., do crime organizado).

Integridade é condição sine qua non para o funcionamento correto da administração pública, cuja complexidade cresceu ao longo dos últimos anos. Vários caminhos gerais são responsáveis por essa complexidade crescente:

Mudança no papel do governo

O governo está cada vez mais se transformando em um parceiro dos agentes na sociedade. Interesses públicos e privados estão se tornando interligados, como resultado do envolvimento do governo em redes de parcerias entre o público e o privado. “A medida que o governo se aproxima dos negócios, uma reavaliação do sistema de valores e padrões faz-se necessária. Responsabilidade ministerial torna-se mais complicada, na medida em que as tarefas de governo são postas a uma distância cada vez maior da política e do controle político direto. A autonomia interna pode levar a uma maior liberdade de ação e menor supervisão no nível executivo.

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Complexidade da legislação

“A medida que a série de problemas sociais e econômicos continua a aumentar e se tornar mais opaca, a oportunidade do governo de encontrar soluções adequadas através de regulamentos está diminuindo. Ainda mais, a legislação tornou-se tão complicada que os recursos de controle e aplicação não são mais suficientes. Ignorar habitualmente certas infrações pode, na prática, levar ao surgimento de uma “zona cinzenta” inaceitavelmente grande.

Agressividade de grupos de pressão

Uma forma pela qual a integridade da administração pública pode ser afetada é através das táticas agressivas adotadas por grupos opostos na promoção de seus interesses. Isso pode ocorrer legalmente, através de organizações industriais e comunitárias nos circuitos “lobbistas”, particularmente em tempos de recessão, ou ilegalmente, através de manipulação e infiltração de organizações criminosas.

Enfraquecimento de padrões

O aumento da complexidade e da individualização da sociedade gerou estruturas sociais que são menos facilmente compreensíveis e levou a padrões e valores largamente divergentes. O enfraquecimento de padrões não pára na porta do servidor público.

Nenhum desses caminhos deve necessariamente levar a um declínio na integridade da administração pública. Podem, no entanto, favorecer um clima no qual a perda da integridade pode mais facilmente ocorrer.

A.3 Capacidade de defesa

Poderia parecer que os exemplos de falta de integridade de que somos conscientes são apenas a ponta do iceberg; a verdadeira extensão do problema não é clara. Isso não se dá apenas porque a conduta imprópria se esconde. Dá-se também porque organizações governamentais freqüentemente põem a si mesmas acima de suspeitas e porque transgressões menores podem cumulativamente resultar em um nível inaceitável de má conduta. Esses fatores tornam difícil avaliar a capacidade de defesa da administração pública para a manutenção da integridade.

No entanto, a impressão existe de que, em geral, a Holanda ainda possui uma administração aberta e transparente com uma reputação de integridade, na prática como no renome.

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Contudo, atenção constante deve ser dada especificamente à preservação desse bem precioso. Os conceitos-chave aqui são a vigilância permanente e a manutenção permanente de mecanismos automáticos de salvaguarda da administração pública.

66 Ética no serviço público – Documentos estrangeiros

Três princípios gerais são importantes neste ponto:

• consolidar a integridade pede que se mantenha a cultura correta, mais do que pede uma mudança de estrutura (uma abordagem de baixo para cima, não uma de cima para baixo);

• toda as partes da administração pública devem estar imbuídas da importância da integridade;

• a prevenção é melhor do que a cura, sem que se recue diante de sanções rigorosas, se necessário.

Esses conceitos-chave e princípios gerais ocupam uma posição central na tarefa de preservar e promover a integridade na administração pública.

(...)

C.4 Códigos de conduta

A necessidade de códigos de conduta e o papel útil que podem desempenhar é reconhecida por todos os níveis do governo. Um Fórum Especial para a Prevenção do Crime promoveu significativamente o estabelecimento de códigos de conduta, e muitos órgãos governamentais — ministérios, províncias, municípios, forças policiais e organizações setoriais —, assim como várias grandes companhias, têm investido no estabelecimento de códigos de conduta. Em muitos casos, isso tem sido parte de uma política preventiva ampla, voltada para a proteção e a promoção da integridade. Aprendendo com as experiências dos países anglo-saxões e levando em conta a cultura (organizacional) holandesa de consulta e consenso, muitos órgãos governamentais não quiseram impor um código de conduta. Ao contrário, os princípios diretivos para estabelecer-se um código são:

• o aumento de consciência que acompanha o desenvolvimento de um código é mais importante do que o código propriamente dito;

• é a conduta que determina o código, não o contrário.

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67 Ética no serviço público – Documentos estrangeiros

D) ESTADOS UNIDOS

Obrigações básicas do serviço público(∗)

(a) O serviço público responde frente ao cidadão. Cada funcionário tem a responsabilidade, diante do governo dos Estados Unidos e diante dos cidadãos, de pôr a lealdade à Constituição, às leis e aos princípios éticos acima do ganho privado. Para assegurar que cada cidadão tenha completa confiança na integridade do governo federal, cada funcionário deve aderir aos princípios de conduta ética expostos nesta seção, assim como aos padrões contidos nesta parte e nos regulamentos suplementares dos órgãos.

(b) Princípios gerais. Os princípios gerais seguintes aplicam-se a todo funcionário e devem constituir a base para os padrões contidos nesta parte. Quando uma situação não for prevista pelos padrões estabelecidos nesta parte, os funcionários devem aplicar os princípios estabelecidos nesta seção para determinar se suas condutas são apropriadas.

(1) O serviço público responde frente ao cidadão, exigindo dos funcionários que ponham a lealdade à Constituição, às leis e aos princípios éticos acima do ganho privado.

(2) Os funcionários não devem ter interesses financeiros que entrem em conflito com a realização conscienciosa de seus deveres.

(3) Os funcionários não devem realizar transações financeiras usando informação governamental não-pública ou permitir o uso impróprio de tais informações para favorecer qualquer interesse privado.

(4) Um funcionário não deve, exceto quando permitido na subparte B desta parte, solicitar ou aceitar qualquer presente ou outro item de valor de qualquer pessoa ou entidade que esteja solicitando uma ação oficial, fazendo negócios ou realizando atividades reguladas pelo órgão em que trabalhe, ou cujos interesses podem substancialmente ser afetados pelo cumprimento ou não, pelo funcionário, de seus deveres.

(5) Os funcionários devem esforçar-se honestamente no cumprimento de seus deveres.

(6) Os funcionários não devem, com conhecimento, assumir compromissos ou fazer promessas não autorizadas de qualquer tipo com a intenção de criar obrigação para o governo.

(7) Os funcionários não devem usar a função pública para ganho privado.

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(∗) “Basic obligation of public service”, em “Standards of ethical conduct for employees of the executive branch”. Code of federal regulations, título 5, cap. XVI, parte 2.635, Seção 2.635.101.

68 Ética no serviço público – Documentos estrangeiros

(8) Os funcionários devem agir imparcialmente e não dar tratamento

preferencial a nenhuma organização privada ou indivíduo.

(9) Os funcionários devem proteger e conservar a propriedade federal e não devem usá-la para outros fins que não as atividades autorizadas.

(10) Os funcionários não devem envolver-se em outros empregos ou atividades, incluindo aí a procura e a negociação por outro emprego, que entrem em conflito com as responsabilidades e os deveres oficiais do governo.

(11) Os funcionários devem denunciar às autoridades apropriadas o desperdício, a fraude, o abuso e a corrupção.

(12) Os funcionários devem cumprir de boa-fé suas obrigações como cidadãos, inclusive todas as obrigações financeiras, especialmente aquelas — como impostos municipais, estaduais ou federais — que são impostas pela lei.

(13) Os funcionários devem submeter-se a todas as leis e regulamentos que prevêem oportunidade igual para todos os americanos, independentemente de raça, cor, religião, sexo, origem nacional, idade ou qualquer deficiência.

(14) Os funcionários devem visar a evitar qualquer ação que crie a aparência de que estejam violando a lei ou os padrões éticos estabelecidos nesta parte. Se circunstâncias particulares criam a aparência de que a lei ou estes padrões foram violados deve ser determinado a partir da perspectiva de uma pessoa razoável com conhecimento dos fatos relevantes.

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69 Ética no serviço público – Documentos estrangeiros

E) ARGENTINA

Declaracion de principios de los funcionarios de la Administración Tributaria(∗)

Los funcionarios de la Administración Tributaria cumplimos un servicio público necesario para garantizar el funcionamiento del Estado y, por ende, de la Nación.

Para ello debemos administrar com eficacia y eficiencia la aplicación, percepción y fiscalización de los tributos, brindando el mejor servicio posible a los contribuyentes y sancionando com equidad los incumplimientos.

Los funcionarios tributarios reconocemos que:

Nuestra tarea reviste especial importancia y nos hace responsables por la calidad de nuestro desempeño ante la sociedad, que solventa el servicio público.

La corrupción es un delito grave y los corruptos no deben tener lugar en la Institución.

Las conductas no éticas son también inaceptables y quienes incurran en ellas deben saber que serán severamente sancionados.

En este marco, nos comprometemos a observar los siguientes postulados éticos, que no excluyen el respeto a todos los deberes y prohibiciones que distintas normas nos fijan:

1. Respetar y defender la Ley y las normas que rigen el funcionamiento de la Institución.

2. Actuar siempre de manera congruente con la misión de la Institución y con los principios y valores que emanan de ella.

3. Cumplir nuestras funciones aportando sin retaceos toda nuestra capacidad y esfuerzo.

4. Ejercer siempre un juicio ecuánime respecto de las obligaciones y derechos de los contribuyentes, sin dar preferencias ni ventajas a individuos o grupos.

5. Mantener la reserva de la información con la que trabajamos, tanto la relacionada con los contribuyentes como la de la propia Institución.

6. No aceptar dentro ni fuera de la Institución regalos ni favores personales que puedan comprometer, en los hechos o apariencias, nuestra

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(∗) “Declaración de princípios de los funcionarios de la Administración Tributaria”, em: República Argentina. Administración Federal de Ingressos Públicos. Programa de Fortalecimiento Ético, janeiro de 1998.

70 Ética no serviço público – Documentos estrangeiros

independencia y objetividad o afectar de alguna manera la imagen de la Institución.

7. No desarrollar funciones privadas o públicas que sean incompatibles con nuestro cargo en la Institución.

8. Propiciar en la Institución el respeto y cooperación entre pares, superiores y subordinados.

9. Favorecer el afianzamiento de un clima interno de honestidad y transparencia en las acciones.

10. Fomentar en la Institución la integridad, la eficiencia y la profesionalismo como criterios para desarrollar nuestra carrera, sin distinción de raza, religión, sexo, edad y/o condiciones físicas.

Consideramos que tenemos derecho a:

• Recibir capacitación y actualización permanente para mejorar nuestro desempeño y nuestras posibilidades de desarrollo.

• Desarrollar nuestra carrera en base al mérito con igualdad de oportunidades, mediante sistemas que aseguren la objetividad y transparencia en los procesos de selección para ocupar cargos y ser promovidos.

• Disponer de un sistema equitativo de remuneraciones, incentivos y beneficios acorde con nuestras funciones, responsabilidades y desempeño.

• Ser apoyados y adecuadamente defendidos por la Institución frente a daños o perjuicios que podamos sufrir en el ejercicio de la función.

• Estar informados y participar activamente en los proyectos de cambio referidos a los procedimientos o condiciones de las tareas a nuestro cargo.

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71 Ética no serviço público – Documentos estrangeiros

F) PERU

Ideario axiológico de los trabajadores de la SUNAT(∗)

Los trabajadores de la SUNAT han reflexionado en los Seminarios de Fortalecimiento Ético, la propuesta de Ideario Axiológico Institucional y han asumido la siguiente redacción:

I. Los trabajadores de la Administración Tributaria somos Servidores Públicos. Nuestra labor está orientada a dotar al Estado de los recursos necesarios para el beneficio colectivo y el desarrollo del país. Por lo tanto:

1. No buscaremos ningún tipo de ventajas como producto del ejercicio de nuestra función pública, ni sacaremos provecho del poder que ella implica

2. Actuaremos siempre de manera congruente con los principios y valores que sustentan nuestra vida y nuestra función de servidores públicos.

3. Respetaremos la integridad, la eficiencia y profesionalidad como criterios para ingresar, ser promovidos y efectuar las promociones dentro de la institución.

4. Brindaremos un servicio al contribuyente que sea acogedor en el trato y técnicamente óptimo.

5. Nos esforzaremos por simplificar nuestros procedimientos, acogiendo favorablemente las críticas, propiciando su eficacia y favoreciendo el trabajo en equipo.

II. Como miembros de una institución administradora de tributos encargada de garantizar el cumplimiento de las obligaciones tributarias de los ciudadanos:

6. Ejerceremos siempre un juicio objetivo e imparcial respecto de las obligaciones y derechos de los contribuyentes, sin dar preferencias ni ventajas a individuos o grupos.

7. No aceptaremos presiones políticas, económicas, familiares o de cualquier otra índole en el ejercicio de nuestra función.

8. No aceptaremos ni ofreceremos, dentro ni fuera de la institución, regalos ni favores personales que pudieran comprometer, en los hechos o apariencias, nuestra independencia y objetividad, así como la imagen de la institución.

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(∗) “Ideario axiológico de los trabajadores de la SUNAT”, em: República do Peru. SUNAT, Instituto de Administración Tributaria. Los seminários de fortalecimiento ético, material preparado para o seminário “La Ética del Funcionario Tributario y su Estrategia de Capacitacíon”(19 a 23 de janeiro de 1998, Viña del Mar, Chile). Lima, janeiro de 1998.

72 Ética no serviço público – Documentos estrangeiros

9. Mantendremos la reserva y confidencialidad respecto a la información

con la que trabajamos, tanto la relacionada a los contribuyentes como la que es propia de la institución.

III. Dada la trascendencia que la SUNAT tiene para el país y la importancia de mantener la credibilidad y el respeto ganados, sus trabajadores:

10. Nos comprometemos a ser leales en todo momento a la institución, fortaleciendo su imagen, respetando las instancias internas y observando sus normas.

11. Defenderemos siempre los intereses de la institución y del Estado. Por ello, nos comprometemos a no brindar al contribuyente asesoria profesional en materia tributaria.

12. Evitaremos asumir funciones privadas o públicas que sean incompatibles con nuestra condición de funcionarios públicos.

IV Dado que nuestra conducta Ética es fundamental para el logro de nuestros objetivos institucionales:

13. Propiciaremos en la institución un clima de honestidad y transparencia, obligándonos a denunciar ante las instancias respectivas, con la debida reserva, cualquier falta a la ética de la que tengamos conocimiento.

14. Somos conscientes que una adherencia responsable a los principios de la institución significa que, ante situaciones de conflicto ético, velaremos siempre por los valores institucionales.

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73 Ética no serviço público – Documentos estrangeiros

G) MÉXICO

Ética e conduta no Serviço Público(∗)

1. Introdução

O México experimentou, em anos recentes, uma grande transformação de suas instituições. De um lado, a economia abriu-se ao livre comércio, juntando-se a acordos e a organizações mundiais, ao mesmo tempo em que se encorajava o investimento estrangeiro direto e a modernização do setor privado. Do mesmo modo, o governo reduziu seu tamanho através da venda e do leilão de corporações, promovendo a atividade do setor privado, ganhando assim eficiência e aumentando a produtividade geral. Esse processo atingiu práticas e hábitos que pareciam invulneráveis há uma década.

(...)

2. Quadro legal

Em 1982, com a criação da Secretaria de Controle Geral da Federação e a promulgação da Lei Federal de Responsabilidades para Servidores Públicos, o governo mexicano tentou centralizar e consolidar as funções de controle e supervisão da administração pública. A Lei de Responsabilidades tornou-se o primeiro instrumento legal a juntar, em um único documento, regulamentos relativos ao comportamento dos servidores públicos.

Tal lei estabelece os deveres e as obrigações dos agentes públicos; tipifica ilícitos criminais e administrativos, com suas correspondentes sanções, e estabelece os padrões e as provisões que governam o uso de fundos públicos.

Esse sistema de responsabilidades estabelece os princípios morais da função pública. Esses princípios são: legalidade, lealdade, imparcialidade e eficiência. Para sua observância, quatro campos de responsabilidade para servidores públicos foram estabelecidos.

1. Campo administrativo

Esta responsabilidade está apoiada em uma lista de obrigações e em um código de conduta que todos os servidores públicos devem observar. Apesar dessas obrigações apresentarem uma grande similaridade com ilícitos criminais, seu alcance é puramente administrativo.

(∗) “The management of ethics and conduct in the Public Service: Mexico”. Relatório feito por José Octavio López Presa, Ministro do Controle e do Desenvolvimento Administrativo, México, dezembro de 1995. Em Ethics in the Public Service: current issues and practice. OECD, 1996.

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74 Ética no serviço público – Documentos estrangeiros

De modo a apresentar essas obrigações de maneira compreensiva, podemos

sintetizá-las em três grupos principais, de acordo com seu objetivo:

1.1 Obrigação de desempenhar honradamente e diligentemente o serviço

I Realizar com o máximo de diligência a tarefa designada e evitar qualquer ato de omissão que cause a suspensão do serviço ou sua deficiência, ou implique o abuso ou uso impróprio do serviço, da repartição ou da comissão;

II Esboçar e executar legalmente, como apropriado, os planos e os orçamentos dentro de suas esferas de competência e sujeitar-se às leis e a outros padrões que governam a administração dos recursos econômicos públicos;

IV Manter em sua custódia a documentação e as informações que, em razão de seu posto, posição ou comissão, estão sob seus cuidados ou às quais tem acesso, prevenindo ou evitando o uso impróprio, a remoção, a destruição, a ocultação ou o dano das mesmas;

V Comportar-se bem em seu posto, posição ou comissão, tratando todas as pessoas com quem se relaciona com respeito, prudência, imparcialidade e retidão;

VI Respeitar as regras apropriadas e evitar ilegalidade, uso impróprio ou abuso de autoridade na direção do pessoal sob sua autoridade;

VII Mostrar respeito legítimo por seus superiores, acatando as ordens emitidas por eles no exercício de seu poder;

VIII Comunicar, por escrito, ao chefe do ministério ou da repartição em que está servindo as dúvidas que surgirem com relação à validade das ordens que recebe;

IX Abster-se de continuar as funções de um posto, posição ou comissão após concluído o período para o qual foi designado ou uma vez tendo sido demitido;

X Abster-se de permitir ou autorizar um subordinado a não realizar suas tarefas sem uma causa justificada (...), assim como de conceder licenças, permissões ou comissões com pagamento parcial ou total de seus salários ou outra renda, quando não requerido pelas necessidades do serviço público;

XIV Informar por escrito seu superior imediato ou, se for o caso, o superior deste, a respeito do processamento ou da tomada de decisões nas

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75 Ética no serviço público – Documentos estrangeiros

matérias (...) sobre as quais tem conhecimento; e observar suas instruções escritas referentes ao processamento e à tomada de decisões quando o servidor não puder abster-se de participar deles;

XX Cuidar para que os servidores públicos sob sua direção cumpram as exigências de seus deveres; relatar por escrito ao seu superior, ou ao órgão de controle interno, os atos ou omissões que, no cumprimento de suas funções, notou serem passíveis de responsabilização administrativa nos termos aqui estabelecidos e de acordo com os regulamentos emitidos a este respeito.

1.2. Obrigação de evitar o conflito de interesses e de obter benefícios além dos apropriados à função

III. Usar os recursos designados para o cumprimento dos deveres de seu posto, posição ou comissão, exercer os poderes que lhe são atribuídos, ou fazer uso de informação confidencial a que tem acesso por causa de sua função exclusivamente para os fins a que estão voltados;

XI. Abster-se de aceitar qualquer outro posto, posição ou comissão, oficial ou privada, proibida por lei;

XIII. Liberar a si mesmo de qualquer tipo de participação no processamento ou na tomada de decisões em matéria na qual tenha interesse pessoal, familiar ou de negócios;

XV. Abster-se, no curso de suas funções, de requerer, aceitar ou receber, para si mesmo ou através de outra parte, dinheiro, objetos comprados com valor notoriamente inferior ao de mercado, ou qualquer doação, posto, posição ou comissão (...) que envolva conflito de interesses. Essa prevenção continua valendo por até um ano após a saída do posto, posição ou comissão;

XVI. Desempenhar as funções de seu posto, posição ou comissão sem obter ou buscar obter benefícios adicionais aos fornecidos pelo Estado pelo cumprimento de tais funções (...);

XVII. Abster-se de intervir ou participar impropriamente em seleção, nomeação, designação, contratação, promoção, suspensão, transferência, demissão ou sanção de qualquer servidor público, quando houver um interesse pessoal, familiar ou de negócios envolvido no caso;

XXIII. Abster-se, no exercício de suas funções ou no que diz respeito a elas, de dar ou autorizar ordens ou contratos relacionados a aquisições, empréstimos e alienações de todo tipo de bens, de oferecer serviços de qualquer natureza e de contratar trabalhos públicos com quaisquer partes que tenham um posto, posição ou comissão no serviço público ou com corporações nas quais tais pessoas tenham parte, a não ser (...) que haja autorização específica prévia de propostas bem fundadas, em

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76 Ética no serviço público – Documentos estrangeiros

conformidade com as provisões legais aplicáveis, feitas ao chefe do ministério ou órgão envolvido. Sob nenhuma circunstância pode uma ordem ou contrato ser realizado com uma parte declarada impossibilitada de ter um posto, posição ou comissão no serviço público.

1.3. Obrigação de submeter-se aos procedimentos legais

XII. Abster-se de autorizar a seleção, a contratação, a nomeação ou a designação de qualquer pessoa que esteja impossibilitada, por resolução definitiva das autoridades competentes, a ter um posto, uma posição ou uma comissão no serviço público;

XVIII. Apresentar em tempo hábil e de maneira exata a declaração de bens, nos termos estabelecidos abaixo;

XIX. Responder diligentemente às instruções, aos requerimentos e “às resoluções que recebe da Secretaria de Controle e Desenvolvimento Administrativo, em conformidade com a competência desta última;

XXI. Fornecer em tempo hábil e de maneira exata toda informação e dados requeridos pela instituição ou por aquelas partes legalmente competentes para controlar e defender os direitos humanos, de tal modo que a instituição possa exercer seus poderes e atributos;

XXII. Abster-se de qualquer ato ou omissão que envolva falhar no cumprimento de qualquer provisão legal relacionada ao serviço público;

No caso de violações a qualquer dessas obrigações administrativas, segue-se um procedimento legal para determinar as correspondentes sanções, que podem ser:

• Advertência pública ou privada;

• Censura pública ou privada;

• Suspensão;

• Transferência da repartição;

• Sanção econômica;

• Impossibilidade temporária de ter postos, posições ou comissões no serviço público.

2. Campo criminal

Os servidores públicos sujeitos a esse tipo de responsabilidades são aqueles que, no cumprimento de seus deveres, cometem ilícitos sancionados pelo Código Penal Mexicano em seu artigo “Ilícitos cometidos por servidores públicos”. Esse artigo considera como ilícitos criminais as seguintes condutas: exercício inadequado do

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77 Ética no serviço público – Documentos estrangeiros

serviço público; abuso de poder; enriquecimento ilícito; intimidação; e demanda ou recebimento de suborno ou gratificações.

O Código Penal Mexicano prevê sanções aos funcionários públicos que obstruem a aplicação da justiça. As sanções correspondentes previstas para este tipo de ilícitos são: prisão, multas e proibição permanente ou temporária de ter cargo público.

3. Campo civil

O Estado, como entidade moral, é responsável pelos atos de seus servidores e, de acordo com o artigo 1.928 do Código Civil Mexicano, tem a obrigação de responder pelo dano causado por seus servidores no exercício de seus deveres oficiais. Essa responsabilidade, de acordo com o Código Civil, só pode ser efetiva contra o Estado quando o servidor público responsável for incapaz de reparar, com seus próprios meios, o dano causado.

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78 Ética no serviço público – Documentos estrangeiros

III. O CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL DO SERVIDOR PÚBLICO CIVIL

DO PODER EXECUTIVO FEDERAL

1. Histórico

A criação de um Código de Ética Profissional do Servidor Civil do Poder Executivo Federal foi decisão tomada na 2a Reunião Ordinária da Comissão Especial, criada pelo Decreto no 1.001, de 6 de dezembro de 1993. A reunião, realizada no dia 4 de março de 1994, designou para sua coordenação o professor Modesto Carvalhosa, membro da Comissão Especial e presidente do Tribunal da Ordem dos Advogados do Brasil. Seguiu-se, então, a elaboração do Código de Ética, aprovado no dia 6 de abril de 1994, em sessão plenária.

O referido código está dividido em duas partes: a primeira contempla os princípios que deverão ser observados pelo servidor, a segunda fornece os dispositivos para a criação e o funcionamento de comissões de ética a serem instaladas em todos os órgãos do Poder Executivo Federal.

No entender da Comissão Especial, o código criado deveria integrar o compromisso de posse de todo e qualquer candidato a servidor público. Apesar disso, a mesma comissão afirma que a adesão de cada servidor não deveria ser entendida como resultado de conformidade à lei, mas como um ato que contempla a liberdade de escolha de cada qual e seu autêntico anseio por promover os valores éticos que deverão balizar o exercício da vida pública. Nesse sentido, a Comissão reconhece que a adoção de um código de ética, antes de pressupor a existência de leis que o coíbam, está acima da lei, fornecendo as diretrizes básicas para que a mesma lei possa ser encarada como possuindo valor moral. É preciso, porém, ter presente que Ética no sentido filosófico, examinado no capítulo 1, não se deve confundir com o Código de Ética do Servidor, que é um anexo do Decreto nº 1.171/94.

Os objetivos fundamentais do código então propostos são: restituir a crença e a dignidade do serviço público, impedindo a continuidade de qualquer prática de desprezo e humilhação ao usuário; garantir ao usuário pleno direito à cidadania e o não sofrimento de qualquer dano de ordem moral; criar meios que estimulem em cada servidor público o sentimento ético no exercício da vida pública e contribuir para o esclarecimento do direito de cada qual ser tratado com respeito e dignidade.

A Comissão lembra ainda que o Código de Ética do Servidor Público vem ao encontro dos anseios da Constituição de 1988 que, em seus artigo 5, inciso LXXIII, inclui a moralidade administrativa entre os valores básicos da República a serem protegidos por meio de ação popular. "Segundo essa norma constitucional, mesmo que não haja efetivo prejuízo de ordem material ao patrimônio público, se o ato da Administração for lesivo à moralidade administrativa deverá ser invalidado juridicamente, via ação popular, ou mesmo, antes, revisto administrativamente, conforme o artigo 115 da Lei no 8.112, de dezembro de 1990, que consagra

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79 Ética no serviço público – Documentos estrangeiros

posicionamento tradicional da jurisprudência" (Súmula no 473 do Supremo Tribunal Federal).

Reiteram o compromisso ético do servidor público: a Lei no 8.112, de dezembro de 1990, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos, no artigo 116, inciso IX, que determina a obediência obrigatória ao princípio da moralidade administrativa; A Lei Maior, parágrafo 4, artigo 37, ao declarar que "os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao Erário, na forma e na gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível"; Lei no 8.429, de 2 de junho de 1992, que regulamenta as hipóteses de suspensão dos direitos políticos, perda de função pública, indisponibilidade dos bens e ressarcimento ao Erário em decorrência da prática de atos de improbidade administrativa.

2. Primeira parte

A primeira parte está dividida em três seções: (1) Das Regras Deontológicas; (2) Dos Principais Deveres do Servidor Público; (3) Das Vedações ao Servidor Público.

Na primeira seção, destacam-se a dignidade, o decoro, o zelo e a consciência dos princípios morais como elementos que devem nortear a conduta do servidor. O bem comum é ressaltado como fim último. Destacam-se, ainda, a transparência e a publicidade dos atos administrativos, o direito à verdade e ao tratamento digno de cada usuário.

Dentre os treze itens que compõem esta primeira seção, alguns parecem contradizer a proposta original ao introduzir elementos externos como fator de coerção. Este é o caso do IV item, no qual se apela para o fato de que o servidor público é remunerado direta ou indiretamente por todos, o que exigiria como contrapartida que a moralidade administrativa se integrasse ao Direito, erigindo-se em fator de legalidade. Outro exemplo é o item IX, no qual é exigida boa vontade e cortesia para com aqueles que pagam seus tributos.

Outro elemento digno de uma avaliação crítica mais detalhada é a passagem da vida pública à vida privada presentes nos itens V e VI. Se entendemos a ética como o domínio das regras que regem nossas relações sociais, uma exigência que diga respeito exclusivamente a nossa vida privada não deve constar em um código de ética.

A aparentemente trivial caracterização do fim último como sendo o bem comum pode também ser questionada. Para tal, basta que nos lembremos que o bem comum pode muitas vezes impor a supressão dos direitos de alguns. Com relação a este item seria interessante retomar, no capítulo sobre perspectivas de fundamentação, a crítica feita à perspectiva utilitarista.

A segunda seção dá destaque ao dever de agir de forma justa, reta, respeitosa, ordenada e de não se deixar influenciar por qualquer espécie de preconceito que

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80 Ética no serviço público – Documentos estrangeiros

induza a discriminação racial, sexual, etária, religiosa, política, social ou nacional. Ressalta também o dever de preservar a vida e a segurança pública, mesmo no exercício do direito de greve.

Nesta seção, deveres de caráter universal, por conseguinte morais, são algumas vezes misturados com deveres bastante específicos, tais como manter limpo o local de trabalho (letra n), apresentar-se no trabalho com vestimentas adequadas ao exercício da função (letra p), cumprir tarefas com rapidez e segurança (letra r). A presença destes itens no Código de Ética coloca no mesmo plano exigências universais (características da eticidade) e regras de etiqueta, higiene, etc.

Na terceira seção é vedado ao servidor, entre outros: prejudicar a reputação de outros servidores, ser conivente com a infração do Código de Ética, perseguir ou favorecer indivíduos com base em interesses pessoais, simpatias e outros elementos de ordem subjetiva, alterar documentos, omitir informações e cumprir sua função visando a qualquer vantagem de ordem pessoal, tal como gratificações.

Mais uma vez comparece aqui a problemática passagem do público ao privado. O exemplo é a letra n, no qual é vedado ao servidor apresentar-se embriagado, não apenas no serviço, mas também fora dele, agregando-se a isso a expressão “habitualmente”. Isso dá a este item um caráter bizarro.

3. Segunda parte

A segunda parte apresenta os dispositivos para a formação das comissões de ética que deverão julgar o servidor acusado de falta. Tais comissões deverão então servir de elo de ligação entre o usuário e o serviço público.

Cada comissão deverá ser formada por três servidores indicados conforme seus antecedentes funcionais, passado sem máculas, integral dedicação ao serviço público e boa formação moral. Caberá às comissões instaurar processo sobre ato, fato ou conduta que possa ser considerada como infringindo princípios morais. A denúncia poderá ser feita por qualquer pessoa que se identifique ou entidade associativa de classe regularmente constituída. A pena será a censura, devendo a decisão ser registrada nos assentamentos funcionais do servidor.

Para concluir, cabe ressaltar que o Código de Ética do Servidor Público é uma parte do Direito, por ser anexo a um decreto governamental, publicado no DOU. A diferença entre o Código e outros atos de legislação está no fato de que, no caso do primeiro, as correspondentes infrações são apreciadas por comissões de ética, punidas por meio de censuras e não são objeto de penas ditadas pelo Poder Judiciário. É interessante observar ainda que, no Brasil, não existe qualquer autoridade com a função específica de zelar pelo cumprimento do Código de Ética do Servidor Público.

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81 Ética no serviço público – Decreto nº 1.171

4. DECRETO N° 1.171, DE 22 DE JUNHO DE 1994.

Aprova o Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso das atribuições que lhe confere o art. 84, incisos IV e VI, e ainda tendo em vista o disposto no art. 37 da Constituição, bem como nos arts. 116 e 117 da Lei n° 8. 112, de 11 de dezembro de 1990, e nos arts. 10, 11 e 12 da Lei n° 8.429, de 2 de junho de 1992,

DECRETA:

Art. 1° Fica aprovado o Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal, que com este baixa.

Art. 2° Os órgãos e entidades da Administração Pública Federal direta e indireta implementarão, em sessenta dias, as providências necessárias à plena vigência do Código de Ética, inclusive mediante a Constituição da respectiva Comissão de Ética, integrada por três servidores ou empregados titulares de cargo efetivo ou emprego permanente .

Parágrafo único. A constituição da Comissão de Ética será comunicada à Secretaria da Administração Federal da Presidência da República, com a indicação dos respectivos membros titulares e suplentes.

Art. 3° Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 22 de junho de 1994; 173° da Independência e 106° da República.

ITAMAR FRANCO

ROMILDO CANHIN

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82 Ética no serviço público – Anexo

ANEXO (ao Decreto nº 1.171/94)

Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal

Capítulo I Seção I

Das Regras Deontológicas

I - A dignidade, o decoro, o zelo, a eficácia e a consciência dos princípios morais são primados maiores que devem nortear o servidor público, seja no exercício do cargo ou função, ou fora dele, já que refletirá o exercício da vocação do próprio poder estatal. Seus atos, comportamentos e atitudes serão direcionados para a preservação da honra e da tradição dos serviços públicos.

II - O servidor público não poderá jamais desprezar o elemento ético de sua conduta. Assim, não terá que decidir somente entre o legal e o ilegal, o justo e o injusto, o conveniente e o inconveniente, o oportuno e o importuno, mas principalmente entre o honesto e o desonesto, consoante as regras contidas no art. 37, "caput" e § 4°, da Constituição Federal.

III - A moralidade da Administração Pública não se limita à distinção entre o bem e o mal, devendo ser acrescida da idéia de que o fim é sempre o bem comum. O equilíbrio entre a legalidade e a finalidade, na conduta do servidor público, é que poderá consolidar a moralidade do ato administrativo.

IV - A remuneração do servidor público é custeada pelos tributos pagos direta ou indiretamente por todos, até por ele próprio, e por isso se exige, como contrapartida, que a moralidade administrativa se integre no Direito, como elemento indissociável de sua aplicação e de sua finalidade, erigindo-se, como conseqüência, em fator de legalidade.

V - O trabalho desenvolvido pelo servidor público perante a comunidade deve ser entendido como acréscimo ao seu próprio bem-estar, já que, como cidadão, integrante da sociedade, o êxito desse trabalho pode ser considerado como seu maior patrimônio.

VI - A função pública deve ser tida como exercício profissional e, portanto, se integra na vida particular de cada servidor público. Assim, os fatos e atos verificados na conduta do dia-a-dia em sua vida privada poderão acrescer ou diminuir o seu bom conceito na vida funcional.

VII - Salvo os casos de segurança nacional, investigações policiais ou interesse superior do Estado e da Administração Pública, a serem preservados em processo previamente declarado sigiloso, nos termos da lei, a publicidade de qualquer ato administrativo constitui requisito de eficácia e moralidade, ensejando sua omissão comprometimento ético contra o bem comum, imputável a quem a negar.

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83 Ética no serviço público - Anexo

VIII - Toda pessoa tem direito à verdade. O servidor não pode omiti-la ou falseá-la, ainda que contrária aos interesses da própria pessoa interessada ou da Administração Pública. Nenhum Estado pode crescer ou estabilizar-se sobre o poder corruptivo do hábito do erro, da opressão ou da mentira, que sempre aniquilam até mesmo a dignidade humana quanto mais a de uma Nação.

IX - A cortesia, a boa vontade, o cuidado e o tempo dedicados ao serviço público caracterizam o esforço pela disciplina. Tratar mal uma pessoa que paga seus tributos direta ou indiretamente significa causar-lhe dano moral. Da mesma forma, causar dano a qualquer bem pertencente ao patrimônio público, deteriorando-o, por descuido ou má vontade, não constitui apenas uma ofensa ao equipamento e às instalações ou ao Estado, mas a todos os homens de boa vontade que dedicaram sua inteligência, seu tempo, suas esperanças e seus esforços para construí-los.

X - Deixar o servidor público qualquer pessoa à espera de solução que compete ao setor em que exerça suas funções, permitindo a formação de longas filas ou qualquer outra espécie de atraso na prestação do serviço, não caracteriza apenas atitude contra a ética ou ato de desumanidade, mas principalmente grave dano moral aos usuários dos serviços públicos.

XI - O servidor deve prestar toda a sua atenção às ordens legais de seus superiores, velando atentamente por seu cumprimento, e, assim, evitando a conduta negligente. Os repetidos erros, o descaso e o acúmulo de desvios tomam-se, às vezes, difíceis de corrigir e caracterizam até mesmo imprudência no desempenho da função pública.

XII - Toda ausência injustificada do servidor de seu local de trabalho é fator de desmoralização do serviço público, o que quase sempre conduz à desordem nas relações humanas.

XIII - O servidor que trabalha em harmonia com a estrutura organizacional, respeitando seus colegas e cada concidadão, colabora e de todos pode receber colaboração, pois sua atividade pública é a grande oportunidade para o crescimento e o engrandecimento da Nação.

Seção II

Dos Principais Deveres do Servidor Público XIV - São deveres fundamentais do servidor público:

a) desempenhar, a tempo, as atribuições do cargo, função ou emprego público de que seja titular;

b) exercer suas atribuições com rapidez, perfeição e rendimento, pondo fim ou procurando prioritariamente resolver situações procrastinatórias, principalmente diante de filas ou de qualquer outra espécie de atraso na prestação dos serviços pelo setor em que exerça suas atribuições, com o fim de evitar dano moral ao usuário;

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84 Ética no serviço público – Anexo

c) ser probo, reto, leal e justo, demonstrando toda a integridade do seu

caráter, escolhendo sempre, quando estiver diante de duas opções, a melhor e a mais vantajosa para o bem comum;

d) jamais retardar qualquer prestação de contas, condição essencial da gestão dos bens, direitos e serviços da coletividade a seu cargo;

e) tratar cuidadosamente os usuários dos serviços aperfeiçoando o processo de comunicação e contato com o público;

f) ter consciência de que seu trabalho é regido por princípios éticos que se materializam na adequada prestação dos serviços públicos;

g) ser cortês, ter urbanidade, disponibilidade e atenção, respeitando a capacidade e as limitações individuais de todos os usuários do serviço público, sem qualquer espécie de preconceito ou distinção de raça, sexo, nacionalidade, cor, idade, religião, cunho político e posição social, abstendo-se, dessa forma, de causar-lhes dano moral;

h) ter respeito à hierarquia, porém sem nenhum temor de representar contra qualquer comprometimento indevido da estrutura em que se funda o Poder Estatal;

i) resistir a todas as pressões de superiores hierárquicos, de contratantes, interessados e outros que visem obter quaisquer favores, benesses ou vantagens indevidas em decorrência de ações imorais, ilegais ou aéticas e denunciá-las;

j) zelar, no exercício do direito de greve, pelas exigências específicas da defesa da vida e da segurança coletiva;

1) ser assíduo e freqüente ao serviço, na certeza de que sua ausência provoca danos ao trabalho ordenado, refletindo negativamente em todo o sistema;

m) comunicar imediatamente a seus superiores todo e qualquer ato ou fato contrário ao interesse público, exigindo as providências cabíveis;

n) manter limpo e em perfeita ordem o local de trabalho, seguindo os métodos mais adequados à sua organização e distribuição;

o) participar dos movimentos e estudos que se relacionem com a melhoria do exercício de suas funções, tendo por escopo a realização do bem comum;

p) apresentar-se ao trabalho com vestimentas adequadas ao exercício da função;

q) manter-se atualizado com as instruções, as normas de serviço e a legislação pertinentes ao órgão onde exerce suas funções;

r) cumprir, de acordo com as normas do serviço e as instruções superiores, as tarefas de seu cargo ou função, tanto quanto possível,

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85 Ética no serviço público - Anexo

com critério, segurança e rapidez, mantendo tudo sempre em boa ordem;

s) facilitar a fiscalização de todos atos ou serviços por quem de direito; t) interesses dos usuários do serviço público e dos jurisdicionados

administrativos; u) abster-se, de forma absoluta, de exercer sua função, poder ou

autoridade com finalidade estranha ao interesse público, mesmo que observando as formalidades legais e não cometendo qualquer violação expressa à lei;

v) divulgar e informar a todos os integrantes da sua classe sobre a existência deste Código de Ética, estimulando o seu integral cumprimento.

Seção III

Das Vedações ao Servidor Público XV - É vedado ao servidor público:

a) o uso do cargo ou função, facilidades, amizades, tempo, posição e influências, para obter qualquer favorecimento, para si ou para outrem;

b) prejudicar deliberadamente a reputação de outros servidores ou de cidadãos que deles dependam;

c) ser, em função de seu espírito de solidariedade, conivente com erro ou infração a este Código de Ética ou ao Código de Ética de sua profissão;

d) usar de artifícios para procrastinar ou dificultar o exercício regular de direito por qualquer pessoa, causando-lhe dano moral ou material;

e) deixar de utilizar os avanços técnicos e científicos ao seu alcance ou do seu conhecimento para atendimento do seu mister;

f) permitir que perseguições, simpatias, antipatias, caprichos, paixões ou interesses de ordem pessoal interfiram no trato com o público, com os jurisdicionados administrativos ou com colegas hierarquicamente superiores ou inferiores;

g) pleitear, solicitar, provocar, sugerir ou receber qualquer tipo de ajuda financeira, gratificação, prêmio, comissão, doação ou vantagem de qualquer espécie, para si, familiares ou qualquer pessoa, para o cumprimento da sua missão ou para influenciar outro servidor para o mesmo fim;

h) alterar ou deturpar o teor de documentos que deva encaminhar para providências;

i) iludir ou tentar iludir qualquer pessoa que necessite do atendimento em serviços públicos;

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86 Ética no serviço público – Anexo

j) desviar servidor público para atendimento a interesse particular; 1) retirar da repartição pública, sem estar legalmente autorizado, qualquer

documento, livro ou bem pertencente ao patrimônio público; m) fazer uso de informações privilegiadas obtidas no âmbito interno de seu

serviço, em beneficio próprio, de parentes, de amigos ou de terceiros; n) apresentar-se embriagado no serviço ou fora dele habitualmente; o) dar o seu concurso a qualquer instituição que atente contra a moral, a

honestidade ou a dignidade da pessoa humana; p) exercer atividade profissional aética ou ligar o seu nome a

emprendimentos de cunho duvidoso.

Capítulo II

DAS COMISSÕES DE ÉTICA XVI - Em todos os órgãos e entidades da Administração Pública Federal direta, indireta autárquica e fundacional, ou em qualquer órgão ou entidade que exerça atribuições delegadas pelo poder público, deverá ser criada uma Comissão de Ética, encarregada de orientar e aconselhar sobre a ética profissional do servidor, no tratamento com as pessoas e com o patrimônio público, competindo-lhe conhecer concretamente de imputação ou de procedimento susceptível de censura.

XVII - Cada Comissão de Ética, integrada por três servidores públicos e respectivos suplentes, poderá instaurar, de oficio, processo sobre ato, fato ou conduta que considerar passível de infringência a princípio ou norma ético-profissional, podendo ainda conhecer de consultas, denúncias ou representações formuladas contra o servidor público, a repartição ou o setor em que haja ocorrido a falta, cuja análise e deliberação forem recomendáveis para atender ou resguardar o exercício do cargo ou função pública, desde que formuladas por autoridade, servidor, jurisdicionados administrativos, qualquer cidadão que se identifique ou quaisquer entidades associativas regularmente constituídas.

XVIII - À Comissão de Ética incumbe fornecer, aos organismos encarregados da execução do quadro de carreira dos servidores, os registros sobre sua conduta ética, para o efeito de instruir e fundamentar promoções e para todos os demais procedimentos próprios da carreira do servidor público.

XIX - Os procedimentos a serem adotados pela Comissão de Ética, para a apuração de fato ou ato que, em princípio, se apresente contrário à ética, em conformidade com este Código, terão o rito sumário, ouvidos apenas o queixoso e o servidor, ou apenas este, se a apuração decorrer de conhecimento de oficio, cabendo sempre recurso ao respectivo Ministro de Estado.

XX - dada a eventual gravidade da conduta do servidor ou sua reincidência, poderá a Comissão de Ética encaminhar a sua decisão e respectivo expediente para a

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87 Ética no serviço público - Anexo

Comissão Permanente de Processo Disciplinar do respectivo órgão, se houver, e, cumulativamente, se for o caso, à entidade em que, por exercício profissional, o servidor público esteja inscrito, para as providências disciplinares cabíveis. O retardamento dos procedimentos aqui prescritos implicará comprometimento ético da própria Comissão, cabendo à Comissão de Ética do órgão hierarquicamente superior o seu conhecimento e providências.

XXI - As decisões da Comissão de Ética, na análise de qualquer fato ou ato submetido à sua apreciação ou por ela levantado, serão resumidas em ementa e, com a omissão dos nomes dos interessados, divulgadas no próprio órgão, bem como remetidas às demais Comissões de Ética, criadas com o fito de formação da consciência ética na prestação de serviços públicos. Uma cópia completa de todo o expediente deverá ser remetida à Secretaria da Administração Federal da Presidência da República.

XXII - A pena aplicável ao servidor público pela Comissão de Ética é a de censura e sua fundamentação constará do respectivo parecer, assinado por todos os seus integrantes, com ciência do faltoso.

XXIII - A Comissão de Ética não poderá se eximir de fundamentar o julgamento da falta de ética do servidor público ou do prestador de serviços contratado, alegando a falta de previsão neste Código, cabendo-lhe recorrer à analogia, aos costumes e aos princípios éticos e morais conhecidos em outras profissões.

XXIV - Para fins de apuração do comprometimento ético, entende-se por servidor público todo aquele que, por força de lei, contrato ou de qualquer ato jurídico, preste serviços de natureza permanente, temporária ou excepcional, ainda que sem retribuição financeira, desde que ligado direta ou indiretamente a qualquer órgão do poder estatal, como as autarquias, as fundações públicas, as entidades paraestatais, as empresas públicas e as sociedades de economia mista, ou em qualquer setor onde prevaleça o interesse do Estado.

XXV - Em cada órgão do Poder Executivo Federal em que qualquer cidadão houver de tomar posse ou ser investido em função pública, deverá ser prestado, perante a respectiva Comissão de Ética, um compromisso solene de acatamento e observância das regras estabelecidas por este Código de Ética e de todos os princípios éticos e morais estabelecidos pela tradição e pelos bons costumes.

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IV - BIBLIOGRAFIA

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