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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ HENRY LEVI KAMINSKI ELITES E PARENTESCO NO SISTEMA JUDICIAL PARANAENSE CURITIBA 2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

HENRY LEVI KAMINSKI

ELITES E PARENTESCO NO SISTEMA JUDICIAL PARANAENSE

CURITIBA

2013

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HENRY LEVI KAMINSKI

ELITES E PARENTESCO NO SISTEMA JUDICIAL PARANAENSE Dissertação de mestrado, Programa de Pós-graduação em Sociologia, Departamento de Ciências Sociais, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes. Universidade Federal do Paraná. Orientador: Prof. Dr. Ricardo Costa de Oliveira

CURITIBA

2013

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Catalogação na Publicação

Aline Brugnari Juvenâncio – CRB 9ª/1504 Biblioteca de Ciências Humanas e Educação - UFPR

Kaminski, Henry Levi Elites e parentesco no sistema judicial paranaense / Henry Levi Kaminski. – Curitiba, 2013. 199 f. Orientador: Prof. Dr. Ricardo Costa de Oliveira Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná. 1. Elites políticas. 2. Parentesco. 3. Poder judiciário – Paraná. 4. Poder (Ciências sociais). 5. Genealogia. 6. Sociologia política. I. Título. CDD 320.98162

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TERMO DE APROVAÇÃO

HENRY LEVI KAMINSKI

ELITES E PARENTESCO NO SISTEMA JUDICIAL PARANAENSE

Dissertação aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em

Sociologia, Programa de Pós-graduação em Sociologia, Departamento de Ciências

Sociais, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do

Paraná, pela seguinte banca examinadora:

Orientador: _______________________________________

Prof. Dr. Ricardo Costa de Oliveira Membros:

_______________________________________ Prof.ª Dr.ª Maria Tarcisa Silva Bega

_______________________________________

Prof. Dr. José Antônio Peres Gediel

Curitiba, _____ de _______________ de 2013.

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De fato, a família tem um papel determinante na manutenção da ordem social, na reprodução, não apenas biológica, mas social, isto é, na reprodução da estrutura do espaço social e das relações sociais. Ela é um dos lugares por excelência de acumulação de capital sob seus diferentes tipos e de sua transmissão entre as gerações: ela resguarda sua unidade pela transmissão e para a transmissão, para poder transmitir e porque ela pode transmitir. Ela é o sujeito principal das estratégias de reprodução.

Pierre Bourdieu

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente, rendo grande homenagem aos meus pais, Janete Kaminski e Algacir

Francisco Kaminski, pela paciência, estímulo e pelas demonstrações de afeto e

encorajamento nos momentos mais desafiadores na elaboração do presente

trabalho.

Com a mesma gratidão, agradeço ao meu orientador Ricardo Costa de Oliveira, pela

autonomia e liberdade que me outorgou no comando da minha investigação e

elaboração do meu trabalho, contudo sempre se fazendo presente com o seu

profundo conhecimento nos momentos de incerteza, sem esquecer os momentos

descontraídos e as discussões proveitosas.

Aos professores Maria Tarcisa Silva Bega e José Antônio Peres Gediel, pelas

opiniões e ponderações quando da realização do exame de qualificação, e que

muito enriqueceram o resultado final desta dissertação.

Aos meus familiares Lina, Francine, Florence, Nicole, Julia e Peter. Aos meus

amigos de sempre e aos novos amigos formados na classe de mestrado de

sociologia da Universidade Federal do Paraná de 2011/2012.

E, a Deus, muito obrigado.

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RESUMO

O objeto de estudo do presente trabalho é a estrutura de parentesco formada no

sistema judicial do Paraná (Desembargadores, Juízes, Procuradores de Justiça,

Promotores de Justiça, Cartorários, Advogados etc.), em razão da existência de

alguns casos de propagação de determinados grupos familiares, os quais ocupam

posições dominantes, desde o período da colonização do país até os dias atuais.

Procura-se investigar um fenômeno da nossa realidade local e compreender os

mecanismos de formação, reprodução e manutenção dessas famílias apesar das

diversas mudanças da conjuntura sociopolítica. Para tanto, é feita uma análise

utilizando o método de pesquisa prosopográfico de acordo com a apreciação das

biografias (método genealógico) restrita a três famílias exponenciais do sistema

judicial paranaense, que constituem um clã jurídico. Portanto, tornou-se essencial a

nossa pesquisa à verificação das informações básicas dos biografados, isto é, datas,

trajetórias de vida, relação de parentesco, locais, educação, profissão, itinerário

social, econômico, cultural, político. E a instituição do patrimônio como dinâmica do

empreendedorismo e das relações econômicas e políticas do ator social e o seu

lugar na estrutura social de poder.

Palavras-chave: Elites do sistema judicial do Paraná. Genealogia. Estruturas de

poder. Relações de parentesco.

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ABSTRACT The study object of this work is the kinship structure created in the judicial system of

Paraná (Supreme Court Judges, Judges, Attorneys for Justice, District Attorneys,

Notary, Lawyers etc.), reason for the existence of numerous cases of spread of

certain family groups occupying positions dominant since the period of colonization of

the country to the present day. It seeks to investigate a phenomenon of our local

reality and understand the mechanisms of formation, reproduction and maintenance

of these families despite several changes of sociopolitical conjuncture. For both, an

analysis is made using the research method prosopographical according to the

assessment of biographies (pedigree method) restricted to three families exponential

judiciary of Paraná, which constitute a legal clan. Therefore, it became essential to

our research to check the basic information of biographees, namely, dates, life

trajectories, kinship, local, education, profession, itinerary social, economic, cultural,

political. Institution heritage as dynamics of entrepreneurship and economic n´

political relations of the social actor and his place in the social structure of power.

Key-words: Elites of the judicial system of the Paraná. Genealogy. Structures of

power. Kinship relations.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 9

CAPÍTULO I .............................................................................................................. 14

I. A sociedade colonial e o sistema judicial. ........................................................... 14 II. O estabelecimento na colônia da estrutura burocrática do poder judiciário ....... 27 III. A interação entre os magistrados e a sociedade colonial brasileira ................. 39 IV. O ensinamento jurídico em Coimbra e o surgimento das Academias de Direito em Olinda-Recife e São Paulo e a manutenção do pensamento reacionário ........ 45 V. O pensamento liberal e o bacharelismo ............................................................ 63 VI. Criação do Paraná, imigração, erva-mate e a organização do sistema judicial73 VII. Início da República, Revolução Federalista e a formação do Poder Judiciário Paranaense. .......................................................................................................... 91

CAPÍTULO II ........................................................................................................... 108

I. Elites do Sistema Judicial Paranaense ............................................................. 108 II. Família Macedo ............................................................................................... 118 II.1. Raízes do Poder ........................................................................................... 119 III. Família Azevedo Portugal ............................................................................... 125 III.1. Raízes do Poder .......................................................................................... 126 III.2. Família Macedo Portugal ............................................................................. 134 III.3. Família Azevedo Macedo ............................................................................ 138 III.4. Família Sotto Maior ...................................................................................... 140 III.5. Família Marés de Souza .............................................................................. 143 III.6. Família Rotoli de Macedo ............................................................................ 144 III.7. Família Pereira de Macedo .......................................................................... 146 III.8. Família Riquelme de Macedo ...................................................................... 147 IV. Família Albuquerque Maranhão ..................................................................... 148 IV.1. Raízes do Poder .......................................................................................... 149 IV.2. Luiz de Albuquerque Maranhão .................................................................. 170 IV.3. José Pinheiro de Albuquerque Maranhão ................................................... 172 IV.4. João Malta de Albuquerque Maranhão. ....................................................... 173 IV.5. Família Cavalcanti de Albuquerque ............................................................. 178

CONCLUSÃO .......................................................................................................... 181

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 188

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INTRODUÇÃO

A motivação para elaboração dessa dissertação emergiu de uma frase

constante na contracapa do livro O Silêncio dos Vencedores – Genealogia, Classe

Dominante e Estado do Paraná de autoria de Ricardo Costa de Oliveira, cujo

conteúdo de aludida frase dizia: “Uma das maiores alienações é o desconhecimento

da própria história familiar. Nada mais silencioso que uma genealogia”.

Em referida obra o autor esquadrinha a gênese da formação da classe

dominante política do Paraná, sendo que em uma das passagens declara que “os

bacharéis eram filhos da grande propriedade e herdeiros das tradicionais famílias da

classe dominante do Paraná. A diferença entre eles e os grandes agentes

econômicos é marcada pela idade, geração e formação. Ambos pertencem aos

mesmos grupos familiares”. (OLIVEIRA, 2001, p.154).

Munidos dessas informações, o interesse sobre o assunto passou a ser

considerável, iniciando-se por uma inquirição mediante consulta a algumas obras

que apresentassem a estrutura histórica do poder judiciário local. Ao término dessa

investigação constatou-se que vários membros pertencentes ao quadro dessa

instituição são filhos, netos, bisnetos de membros do sistema judicial do Estado, por

conseguinte vinculados às tradicionais famílias da classe dominante, possuindo em

alguns casos conexão com o legislativo e o executivo local.

Entende-se que a sustentabilidade e continuidade de algumas famílias

históricas do estado não estão baseadas no mero acaso; as relações entre as

estruturas de poder e de parentesco são articuladas mediante processos de

reprodução e de dominação econômica de longa duração. Ou seja, essa ampla

“rede social e política muitas vezes são acumuladas ao longo de diversas gerações,

servindo como forma direta e indireta de controle do fluxo de informações, capitais e

privilégios essenciais para a reprodução ampliada da classe dominante”. (OLIVEIRA,

2009, p.6 e 45).

Portanto, retoma-se, o estudo da sociologia das elites, entretanto com foco

nas elites do sistema judicial do Estado e nas relações de parentesco. A designação

de ‘elite’1 pode ser utilizada para se referir ao grupo hierarquicamente superior

1 Todos aqueles que se encontram no topo da hierarquia social e aí exercem funções importantes, as quais são valorizadas e reconhecidas publicamente através de rendas importantes, diferentes

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pertencente à organização burocrática ou, até mesmo aos grupos que ocupam

posições sociais superiores como no caso das classes sociais. A classe dominante

se estrutura em torno de complexos familiares, é pequena o suficiente para que

possa conservar uma possibilidade de comunicação rápida entre seus membros.

(DORIA, 1994, p.29).

A opção por essa abordagem justifica-se, pois poucas regiões do Brasil

apresentam perenidade histórica tão significativa na retenção do poder político na

mão de pequenos grupos familiares tão antigos quanto o Paraná e, via de

consequência, opondo-se à imagem de unidade modelo. Ademais, busca-se

investigar de que maneira a família ainda influencia no sistema judicial paranaense.

Para tanto, apesar dos vários componentes que constituem o sistema judicial local a

pesquisa recairá somente sobre três famílias tradicionais paranaenses, que formam

o denominado clã jurídico, no conceito de Oliveira Viana2: ‘Macedo’, ‘Azevedo

Portugal’ e ‘Albuquerque Maranhão’. São sobrenomes que em dias atuais continuam

comum entre as classes dominantes.

Com o intuito elucidativo, e buscando demonstrar a relevância da

investigação, transcreve-se abaixo excerto retirado da obra Genealogia de Manoel

Ribeiro de Macedo (1998, p.24), em que o próprio biógrafo apresenta uma relação

de posições sociais de destaque que foram ocupadas pelos descendentes da família

Macedo:

mantinha parentes na Interventoria no Governo do Estado, na Política Estadual Federal, no Tribunal de Justiça, Tribunal de Alçada, Tribunal de Contas, Assembléia Legislativa, Prefeituras de diversos municípios, Reitoria, Universidade Federal do Paraná, nas secretarias do Estado, no Magistério Público, no antigo Tesouro do Estado, nas Funções Públicas e Privadas, na Indústria e no Comércio, sempre honrando o nome da família. Nestes 108 anos de Associação Comercial do Paraná, 37 foram presididos por pessoas descendentes ou ligados diretamente à família de Manoel Ribeiro de Macedo.

Nota-se a necessidade de um exame das origens desse poder e a sua

perpetuação ao longo dos anos. Para tanto, utiliza-se o método de pesquisa

formas de privilégio, de prestígio e de outras vantagens oficiais ou oficiosas. (BUSINO, 1992, p.117).

2 Solidariedade parental/solidariedade de classe.

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prosopográfico3/genealógico. Para aqueles que não estão ambientados com essa

técnica de pesquisa, exige-se a “construção da biografia coletiva de um determinado

setor da classe dirigente, com base numa estratégia de exposição e análise que se

vale do exame detido de casos exemplares, alçados à condição de tipos ideais, e,

com base nesse corpus de evidências, de inferências qualificadas acerca do grupo

ou do setor de classe na mira do pesquisador”4.

A genealogia é a ciência da história das famílias e fornece uma metodologia

de pesquisa fundamental para a sociologia dos ricos e poderosos, revelando

estruturas de parentescos, amizades, padrões de interação e as relações de

parentesco entre diferentes indivíduos e famílias ao longo do tempo.

A investigação dessas estruturas familiares deve recair sobre os dados

básicos de sua biografia, deve revelar as conexões de interesses, cargos ocupados,

títulos, parentesco, compadrio, as relações matrimoniais, o nascimento dos filhos e a

etapa final do falecimento, isto é, essa busca deve ser gerida como um mecanismo

de difusão de origens sociais, posições sociais, capitais sociais e patrimônio entre as

sucessões posteriores.

A revisão de literatura será elaborada utilizando como obra paradigma o livro

de autoria de Ricardo Costa de Oliveira, denominada O Silêncio dos Vencedores.

Genealogia. Classe Dominante e Estado do Paraná, no tocante à tese de que a

classe dominante histórica no Brasil foi composta preponderantemente por grupos

familiares que transmitiram a sua posição em complexos mecanismos de

reprodução, por vezes, extremamente longos no passado.

Logo, fundar-se-á a revisão da literatura na investigação e problematização

da tese acima aludida. Primeiramente, indagando se essa tese ainda se aplica aos

grupos familiares locais. Segundo, questionando se esse entendimento pode ser

aplicado às elites do sistema judicial. Terceiro, averiguando a origem dessas

famílias. Quarto, deslindando de que forma esses grupos familiares permanecem e

se renovam. E, por fim, analisando se existe uma interrelação entre as elites

paranaenses, sejam elas oriundas do sistema judicial ou da política.

3 STONE, Lawrence. Prosopography. Rev. Sociol. Polit. [online]. 2011, v. 19, n. 39, p.115-137. ISSN 0104-4478. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rsocp/v19n39/a09v19n39.pdf>.

4 MICELI, Sérgio. Biografia e cooptação (o estado atual das fontes para a história social e política das elites no Brasil). Em Intectuais à brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.

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Por fim, a revisão da literatura servirá como ponto de inflexão para análise

da tese apresentada na obra de referência em relação à problemática proposta

nesse trabalho.

Como referencial teórico utilizar-se-á a perspectiva relacional e sistêmica de

Pierre Bourdieu, e suas principais categorias analíticas: espírito de família, habitus,

campo, capital (social, econômico, político, cultural e simbólico). E, também as

relações de parentesco de Francisco Antonio Doria (1994), elites jurídicas de José

Murilo de Carvalho (2003), Raymundo Faoro (2001), e clãs parentais de Oliveira

Viana (1982). Contudo, não será dispensada a consulta e análise da literatura já

publicada sobre o tema em textos, revistas, livros, publicações avulsas ou

disponíveis na internet.

Objetivando clarificar as exposições das ideias do trabalho, a dissertação

divide-se em dois capítulos, sendo que o primeiro capítulo está constituído de

aspectos gerais referentes ao modelo de colonização e a disseminação cultural

adotado pela Coroa na colônia. A utilização da ocupação espacial mediante a

concessão de capitanias hereditárias para grandes senhores, agregados do trono e

fidalgos com fortunas próprias, ou seja, a predominância da iniciativa privada no

emprego da colonização do país. O exercício privado da justiça concedido aos

donatários e as relações sociais de dependência que se desenvolviam nas grandes

propriedades rurais. A característica fundamental do patriarcalismo adotada por

essas famílias, que utilizam o enlace matrimonial como ferramenta estratégica, visa

a constituir laços de parentesco com linhagens importantes e, com isso, instituir uma

rede de relacionamentos sociais, econômico e de interesses. A utilização do

casamento como instrumento de defesa de suas posições sociais, mas, também,

como elemento de integração e de ascensão social.

Abordar-se-á o conflito entre a chegada da burocracia estatal com a

instauração do poder judicial na colônia e o poder jurisdicional de fato dos grandes

latifundiários, do fazendeiro, do senhor de engenho e dos coronéis. A violação do

tipo ideal burocrático e a interpenetração com a estrutura patriarcal local, ou seja, o

ingresso dos magistrados na elite local. Por fim, tratar-se-á da formação ideológica e

intelectual da nova camada burocrático-administrativa, herdeiros do grande

latifúndio, que irá gerenciar o país, realizada nas arcadas de Coimbra e depois São

Paulo e Olinda-Recife.

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Apresentar-se-á o fenômeno do bacharelismo e o ideário iluminista. A ideia

liberal implantada às avessas pelos bacharéis. Migração de uma sociedade

escravista para o modelo capitalista tendo o bacharel em direito como espinha

dorsal do estado brasileiro. A migração do interesse da elite rural dos meios de

produção para o controle dos meios burocráticos do Estado, buscando manter sua

hegemonia e sua posição social. E, também, a influência dos bacharéis em direito

nos grandes acontecimentos políticos sociais da história nacional. Tratar-se-á da

criação da província do Paraná e seus efeitos políticos e sociais, chegada da mão

de obra especializada de outras regiões do país, imigração da mão de obra livre,

erva-mate e a organização do sistema judicial no Paraná. Os primeiros ouvidores e

comarcas. A instituição do Tribunal de Justiça e os primeiros desembargadores.

Ainda, discutir-se-á a instauração da República, Revolução Federalista e seus

efeitos, a formação do poder judiciário do estado e o fim da República Velha.

No segundo capítulo, efetuar-se-á uma investigação de aludidas famílias

percorrendo todos os fatos históricos utilizando como termo inicial a colonização do

país e termo final os dias atuais já que as conexões e os capitais sociais e políticos

são incorporados ao longo de muitos anos e distintas gerações. Analisaram-se

informações básicas dos biografados, isto é, as datas, as trajetórias de vida, os

locais, a educação, a profissão, o itinerário social, econômico, cultural, político, a

construção do patrimônio como dinâmica do empreendedorismo e das relações

econômicas e políticas do ator social e o seu lugar na estrutura social e, então, as

considerações finais.

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CAPÍTULO I

I. A sociedade colonial e o sistema judicial.

Torna-se impossível estudar a estrutura burocrática do direito no Brasil sem

antes efetuar uma análise da forma e do tipo de colonização implantada por Portugal

e, também, da cultura disseminada pela Metrópole no período da colonização, que

fincou raízes tão profundas que atualmente ainda se vivenciam fatos do cotidiano

que nos remontam ao período acima citado.

Primeiramente, iniciando o século XV, Portugal já havia se convertido num

país de base mercantil, superando a fase da monarquia agrária já que a “cidade

toma o lugar do campo” (FAORO, 2001, p.33) e, com a Revolução de 1383

conseguira o fortalecimento do estado nacional, fato este precursor na Europa;

assim, diante dessa precocidade, passou a desbravar os mares:

[...]. O capitalismo comercial, politicamente orientado, só ele compatível com a organização política estamental, sempre gradativamente burocrática, ajusta a si o direito, limita a ideologia econômica, expande-se em monopólios, privilégios e concessões. Os parceiros da jornada da África, Ásia e América se entendem e se ajudam, estabilizando a economia, nela intervindo íntima e diretamente, sob a tutela do soberano. O Brasil, de terra a explorar, converte-se, em três séculos de assimilação, no herdeiro de uma longa história, em cujo seio pulsa a Revolução de Avis e a corte de dom Manuel (FAORO, 2001, p.87).

No Brasil5, a acumulação originária do capital se processou no âmbito do

escravismo colonial e tendo este como a fonte da própria acumulação. A transição

5 O início da ocupação econômica do território brasileiro é em boa medida uma consequência da pressão política exercida sobre Portugal e Espanha pelas demais nações européias. Nestas últimas prevalecia o princípio de que espanhóis e portugueses não tinham direito senão àquelas terras que houvessem efetivamente ocupado. Dessa forma, quando, por motivos religiosos, mas com apoio governamental, os franceses organizam sua primeira expedição para criar uma colônia de povoamento nas novas terras – aliás a primeira colônia de povoamento do continente - , é para a costa setentrional do Brasil que voltam as vistas. Os portugueses acompanhavam de perto esses movimentos e até pelo suborno atuaram na corte francesa para desviar as atenções do

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entre o escravismo colonial e o modo de produção capitalista presencia alterações

nas práticas e na origem das mercadorias negociadas pela burguesia mercantil que

convive e se beneficia do escravismo colonial. (GORENDER, 1986, p.11).

O predomínio de mencionada cultura e a natureza de sua produção

desempenharam grande influência na formação da sociedade, dos padrões de vida

e na administração do governo no Brasil colonial. Assim, deixou-se de produzir

valores e, passou-se para a exploração, transporte e aquisição, sendo este o

verdadeiro sentido da colonização dos trópicos do qual o Brasil fez parte, do qual se

retira a justificação dos elementos essenciais, tanto na formação e evolução

histórica da sociedade e da economia brasileira.

Nessa perspectiva, impende destacar que fomos constituídos para “fornecer

açúcar, tabaco, alguns outros gêneros; mais tarde, ouro e diamante; depois algodão

e, em seguida, café para o comércio europeu”. (PRADO JUNIOR, 2008, p.23).

Diante do espírito empreendedor europeu e do modelo de colonização exploratória,

a produção brasileira estava consolidada na conversão do cultivo da terra numa

empresa extrativa destinada a fornecer produtos primários para a Europa.

Houve tolerância com relação a algumas atividades produtivas, mas desde

que ela fosse realizada de maneira restrita sem sobrepujança, para que não gerasse

concorrência com a Metrópole, lembrando que a colônia obrigatoriamente deveria

adquirir todos os produtos ofertados por Portugal.

Essa exploração agrária nos trópicos realizar-se-ia em larga escala, isso é,

em grandes unidades produtoras – fazendas, engenhos, plantações (as plantations

das colônias inglesas) – que reunissem cada qual, um número relativamente

avultado de trabalhadores. Em outras palavras, para cada proprietário (fazendeiro,

senhor ou plantador), haveria muitos trabalhadores subordinados e sem

propriedade. (Idem, p.21).

Convencido de que a colonização permanente do território brasileiro poderia

resguardá-la de possíveis rivais estrangeiros, principalmente dos franceses, Dom

João III dividiu o território da colônia em 15 (quinze) partes que foram doadas a 12

(doze) fidalgos6. Diante das dificuldades em realizar o povoamento de uma costa tão

Brasil. Contudo tornava-se cada dia mais claro que se perderiam as terras americanas a menos que fosse realizado um esforço de monta para ocupá-lo permanentemente. (FURTADO, 2007, p.27).

6 Doze foram os donatários: mas verdadeiramente quinze os quinhões, visto que os dois irmãos Sousa tinham só para si cento e oitenta léguas, distribuídas em cinco porções separadas, e ao em

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extensa, a Metrópole procurou compensar os donatários que desejassem enfrentar

esse desafio.

Repartiu-se a costa brasileira em setores lineares com extensões entre 30 e

100 léguas (cada légua corresponde a aproximadamente 06 (seis) quilômetros) e,

juntamente com a carta de doação que o donatário recebia, passavam a gozar de

imensas regalias e poderes soberanos:

[...] larga alçada civil e criminal a ser exercida por pessoas por ele nomeadas: um ouvidor, e demais oficiais de justiça necessários; escrivães, tabeliães e meirinhos. Um segundo ouvidor poderia ser apontado, de acordo com o crescimento da população. O ouvidor podia presidir a audiência de causas em primeira instância, oriundas do território compreendido no raio de dez léguas de sua residência; e examinar recursos das decisões de juízes menos categorizados (SCHWARTZ, 1979, p.21).

As donatarias7, distribuídas a grandes senhores, agregados ao trono,

fidalgos e com fortunas próprias para colonizá-las, constituíram verdadeiras

províncias. Eram “imensos quinhões com dezenas de léguas encrestadas sobre o

mar e penetrando terra adentro até onde topassem com a linha das Tordesilhas”

(RIBEIRO, 2006, p.77).

Para António Manuel Hespanha (2006, p.303), na categoria geral de

donatários da coroa, cabiam situações diversas8, nem todas subsumíveis na

duas inteiriças. Com razão deviam eles de ser, pelos serviços importantes que acabavam de prestar no próprio Brasil, os mais atendidos na partilha: 1.º) Duarte Coelho, doze milhares; 2.º) Pêro Lopes, sete milhares e meio; 3.º) Francisco Pereira, sete milhares; 4.º) Figueiredo, quase o mesmo; 5.º) Tourinho, seis milhares e meio; 6.º e 7.º) Barros e Cunha, quase o mesmo cada um; 8.º) Vasco Fernandes, cinco milhares e meio; 9.º) Martim Afonso, pouco mais de dois e meio; 10.º) Pêro de Góis, menos de dois; 11.º) Fernando Álvares, menos de milhar e meio; 12.º) Antônio Cardoso, pouco mais de seiscentas léguas. (...). (VARNHAGEN, 1959, p.57)

7 O espírito latifundiário foi introduzido pelo Regimento de 17 de dezembro de 1548, de Tomé de Souza, trata-se da concessão de terras para a construção de engenhos de açúcar e estabelecimentos semelhantes; reclamam-se ao pretendente de concessões dessa natureza posses bastantes para fazê-lo e anda para elevar as torres e fortificações necessárias à defesa contra o gentio (CIRNE LIMA, 1954, p.36).

8 Assim, podia haver: (i) pessoas a quem o rei tinha concedido, em propriedade, bens não incluídos nos bens da coroa (requengos, lezírias (terra alagadiça), sesmarias, morgados, capelas); eram proprietários plenos (ou alodiais), podendo livremente transmitir a outrem, inter vivos ou mortis causa, o domínio pleno ou domínio útil destes bens.

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situação de senhorio (chamam-se senhores aqueles que estão constituídos em

alguma dignidade ou poder; a quem foi concedida alguma terra, jurisdição ou

império; ou em relação aos quais o povo é súdito. Nesta definição, o elemento chave

é poder ou os seus equivalentes na linguagem jurídico-política da época – iurisdictio,

imperium).

A competência judicial do donatário9 e do ouvidor era extensa e ampla,

aproximando-se do capitão-mor Martim Afonso de Sousa que era extremamente

(ii) pessoas a quem o rei tinha concedido, em enfiteuse, bens da coroa ou não, contra o pagamento de um foro, com finalidade de exploração agrícola (ad habitandum ou ad excolendum); tratava-se de situações enfitêuticas normais, reguladas pelo direito comum e não pela Lei Mental; (iii) donatários, não enfitêuticos, de bens da coroa (tais como foros e outras rendas perpétuas, direitos de foram, monopólios, relêgos, barcagens e portagens, tributos, direitos de padroado); tratava-se, então, de donatários da coroa sujeitos ao regime estabelecido na Lei Mental; (iv) donatários de jurisdições, comportando, nomeadamente, o poder de julgar; tratava-se, aqui sim, de senhorios. (v) donatários de bens das ordens militares; não sendo bens da coroa, apesar da incorporação nesta da administração das ordens militares nos meados do século XVI, discutia-se, ainda na segunda metade do século XVII, sobre se estavam sujeitas à Lei Mental; já na segunda metade do século XVIII, entendia-se que as comendas eram bens da coroa, sujeitos ao regime da Lei Mental; por vezes, as comendas continham, para além de dízimas e terças, capitanias de castelos e jurisdição civil e militar. Neste último caso, podiam ser consideradas como senhorios. (HESPANHA, 2006, p.304).

9 O donatário da terra poderia perpetuamente: (I) Chamar-se capitão e governador dela. (II) Possuir na mesma uma zona de dez e, alguns, até dezesseis léguas de extensão de terra sobre a costa, contanto que fossem em quatro ou cinco porções separadas entre si duas léguas pelo menos, e nunca juntas, sem pagarem outro tributo mais que o dízimo. Cativar gentios para seu serviço e de seus navios. (III) Mandar deles a vender a Lisboa até trinta e nove (a uns mais que a outros) cada ano, livres da sisa que pagavam todos os que entravam. (IV) Das sesmarias, segundo as leis do reino, aos que as pedissem, sendo cristãos; não ficando estes obrigados a mais tributo que o dízimo. Competia-lhe: (I) O direito das barcas de passagem dos rios maios ou menos caudais. (II) O dízimo do quinto dos metais e pedras preciosas. (III) O criar vilas, dando-lhes insígnias e liberdades e, por conseguinte, foros especiais e nomeando para governá-las, em nome dele donatário e de seu sucessor, os ouvidores, meirinhos e mais oficiais de justiça. (IV) Prover, em seus nomes, as capitanias de tabeliães do público e judicial, recebendo de cada um quinhentos réis de pensão por ano. (V) Delegar a alcaidaria ou governo militar das vilas nos indivíduos que acolhessem, tomando-lhes a devida menagem ou juramento de fidelidade. (VI) O monopólio das marinhas, moendas de água e quaisquer outros engenhos, podendo cobrar tributos dos que fizessem com a sua licença. (VII) A meia dízima ou vintena de todo pescado; exceto Duarte Coelho, a quem foi concedida a outra meia dízima. (VIII) Redízima dos produtos da terra ou o dízimo de todos os dízimos. (IX) A vintena do produto do pau-brasil, ido da capitania, que se vendesse em Portugal. Alçada, sem apelação nem agravo, em causas crimes até morte natural, para os peões, escravos e até gentios; dez anos de degredo, e cem cruzados de pena às pessoas de maior qualidade; e nas causas cíveis, com apelação e agravo só quando os valores excedessem a cem mil-réis. (X) Conhecer das apelações e agravos de qualquer ponto da capitania. Influir nas eleições dos juízes e mais oficiais dos conselhos das vilas, apurando as listas dos homens bons, que os deviam eleger; e anuindo ou não às ditas eleições dos juízes e mais oficiais,

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vasta e estava em harmonia com a tradição de autoridade militar concedida ao

comandante supremo:

[...]. As causas cíveis que não ultrapassassem os 100 mil réis e não contassem com recurso; e as causas criminais que requeressem pena de morte. [...]. Os fidalgos podiam ser julgados sem apelação nas causas cíveis que envolvessem menos de 100 cruzados e, nas causas criminais, sentenciados e um máximo de 10 anos de exílio. Nos casos de blasfêmia, heresia, sodomia e falsificação, nem mesmo os fidalgos podiam apelar da pena de morte. (SCHWARTZ, 1979, p.21).

Então, outorgou-se aos donatários a legitimidade de exercício privado da

justiça, exceto na área fazendária, ou seja, em síntese, entregava-se ao donatário

ou ao funcionário indicado na esfera judicial, no caso o ouvidor, a jurisdição sobre o

crime e o cível10. O donatário possuía total autonomia nas questões judiciais, em

razão de se impedir o acesso das autoridades judiciais nas capitanias para verificar

o desempenho dos donatários ou de seus prepostos na aplicação da jurisdição11,

permanecendo esse cenário entre 1530 até 1548 quando o poder dos donatários no

campo judicial e teórico ficou limitado com a instituição do governo-geral.

Diante das enormes distâncias e da falta de comunicação, a vida social

desenvolvia-se e concentrava-se nas propriedades rurais12. Além da ocupação do

litoral iniciava-se o desbravamento do sertão que levava novos grupos de pessoas a

se fixar em terras novas e, assim a vida econômica e social dividia-se entre várias

zonas.

A expectativa principal da ocupação litorânea repousava na cultura da cana-

de-açucar que se tornava viável economicamente somente em grandes plantações

que se chamariam pelo dito capitão e governador, apesar do que em contrário dispunham as ordenações do reino. (XI) O soberano prometia além disso que nunca entrariam nas capitanias os seus corregedores, com alçada de natureza alguma, nem jamais seria o donatário suspenso ou sentenciado, sem ter sido primeiro ouvido por ele próprio soberano, que para isso o faria chamar à sua presença”. (VARNHAGEN, 1959, p.58-59).

10 No Brasil os ouvidores exerciam, de acordo com os regimentos, as funções atribuídas aos corregedores na Metrópole (SALGADO, 1986, p.74).

11 Os limites do arbítrio do donatário estavam demarcados pela própria legislação. Porém, como até esse momento não cabia a qualquer pessoa estabelecida na Colônia o direito de fiscalizar a atuação do donatário, este exercia de fato um poder quase absoluto. (Idem, p.74).

12 “... os latifúndios tomavam, quase inteiramente, as zonas populosas, e com organização social e econômica já delineadas” (CIRNE LIMA, 1954, p.43).

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conjugada com o clima altamente favorável e, também, na criação das primeiras

cabeças de gado. Contudo, foram poucas as donatarias que conseguiram fixar-se

numa base de povoamento na colônia.

Duas capitanias foram criadas sobre o litoral paranaense: a de São Vicente,

na região entre a barra de Paranaguá, para o norte, até a de Bertioga, doada a

Martim Afonso de Souza (Carta Régia de 28 de setembro de 1532), e a de

Sant´Ana, desde a barra de Paranaguá, para o sul, até onde fosse legítima a

possessão portuguesa, doada a Pero Lopes de Souza (Carta Régia de 21 de janeiro

de 1535). (CARDOSO E WESTPHALEN, 1986, p.24).

O desenvolvimento das primeiras vilas no Brasil foi extremamente vagaroso,

com exceção das vilas litorâneas do Norte (Olinda/Recife) e, do Sul (São

Vicente/Santos), que obtiveram êxito em razão de escoarem a produção do açúcar.

O comércio local, também, não se desenvolvia de forma célere, tendo em vista os

longos trechos percorridos pelos comerciantes ambulantes para abastecer os

engenhos de produtos e mercadorias.

Eventualmente, alguns “comerciantes conseguiam enriquecer e

permaneciam na terra, logo adquiriam engenhos e passava a agricultor” (QUEIROZ,

1976, p.40); dessa forma, procuravam congregar-se à aristocracia rural. No entanto,

o mais comum eram aqueles que após enriquecer retornavam para o Reino,

substituídos por outros que desejavam fazer fortuna.

O lucro não é o único incentivo às explorações agrícolas nessa época. O

que se procura antes de tudo é a situação social que da posse de um latifúndio

decorre, as regalias que dele provêm, a força, o prestígio, a respeitabilidade.

Defrontada por uma burocracia limitada e obscura e um comércio mal cotado e

rudimentar, a alta classe colonial volta-se naturalmente para a lavragem das terras.

(VIANA, 1982, p.85).

A aristocracia colonial edificou-se como uma sociedade agrária, tendo a

agricultura como base econômica, devidamente vinculada à grande propriedade e à

monocultura da cana-de-açúcar. Ressaltando-se que a Metrópole mantinha o

monopólio do comércio que objetivava impossibilitar que outras nações europeias

colocassem em risco a restrição comercial que era extremamente benéfica

financeiramente para os comerciantes portugueses.

Em segundo plano, a atividade pecuária estava subordinada às atividades

principais da grande lavoura, no entanto tornar-se-ia responsável pela satisfação das

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necessidades alimentares da população colonial e, também, representaria um

instrumento indispensável na colonização e ocupação de novos territórios.

A pecuária foi relegada ao interior da colônia, em razão da cultura açucareira

ter-se desenvolvido nos férteis terrenos do litoral. Apesar das condições

desvantajosas, as fazendas de gado propagaram-se de “forma rápida, estendendo-

se, embora numa ocupação muito rala e cheia de vácuos, por grandes áreas”

(PRADO JUNIOR, 2008, p.45).

As fazendas de gado, na região norte, iniciaram suas atividades a partir da

Bahia e Pernambuco, expandindo-se, principalmente, para a região norte e noroeste

em direção do rio São Francisco, além do interior dos atuais Estados da Paraíba e

do Rio Grande do Norte. A rapidez com que se alastraram no sertão nordestino

explica-se pelo consumo crescente do litoral, onde se desenvolvia ativamente a

produção açucareira e o povoamento, diante da pequena densidade econômica e do

pequeno rendimento da indústria e, também, pela facilidade com que se

estabeleciam as fazendas.

O abastecimento dos núcleos coloniais do Sul (Rio de Janeiro, São Vicente),

formam outras regiões criatórias. O abastecimento do Rio de Janeiro, na primeira

etapa da colonização, será feito pelos chamados “Campos dos Goitacases, que

ficam a leste do antigo estado da Guanabara, margeando o baixo curso do rio

Paraíba. São Vicente – e subsidiariamente também o Rio de Janeiro – recebem seu

gado dos Campos Gerais estendidos para o sul dos atuais estados de São Paulo e

Paraná”. (Idem, p.46).

Diante dessa realidade fática, a mão de obra escrava apresentava-se como

a opção mais rentável para exploração dos latifúndios, primeiro diante da tentativa

frustrada de escravização dos silvícolas e, segundo, pois caso fossem importados

homens livres, estes poderiam tornar-se donos de um pedaço das terras devolutas

que existiam em abundância. “Além disso, aos traficantes era lucrativo trocar

‘negros’ por produtos tropicais que comercializavam na Europa”. (WOLKMER, 2006,

p.37).

Para a Metrópole a substituição da mão de obra escrava indígena pela

utilização da mão de obra escrava negra não representava maiores dificuldades, em

razão de já se utilizar escravos, “desde meados do séc. XV, traficavam com pretos

escravos adquiridos nas costas da África e introduzidos no reino europeu onde eram

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empregados em várias ocupações: serviços domésticos, trabalhos urbanos pesados,

e mesmo na agricultura”. (PRADO JUNIOR, 2008, p.37).

Assim, a colônia foi se expandindo, entretanto esse sistema desenvolveu-se

de maneira mais efetiva a partir da chegada de Martin Afonso de Sousa13, pois foi

responsável pela recepção de “quatrocentos povoadores, dentre eles nove fidalgos

cavaleiros, sete cavaleiros afidalgados, além de dois moços da Câmara Real,

representando a maior injeção de nobreza que o Brasil recebeu. De seus bagos veio

a pretensiosa nobreza nativa, quase toda fracassada”. (RIBEIRO, 2006, p.78).

Juntamente com os degredados, cristãos-novos14, aventureiros, náufragos,

traficantes de escravos, algumas famílias portuguesas avaliaram a grande

oportunidade para tentar recuperar-se vindo para o país. Tinham como característica

fundamental o patriarcalismo e, em terras brasileiras, encontraram um “cenário ideal

para perdurar-se, representadas pelo latifúndio e pela escravidão, que tornava o

chefe de família senhor sobre grande extensão de terra mal policiada e sobre grande

quantidade de gente”. (QUEIROZ, 1976, p.45).

A partir de 1532, a colonização portuguesa do Brasil, do mesmo modo que

“a inglesa da América do Norte e ao contrário da espanhola e da francesa nas suas

Américas, caracteriza-se pelo domínio quase exclusivo da família rural ou semi-rural.

Domínio a que só o da Igreja faz sombra, através da atividade, às vezes hostil ao

familismo, dos padres da Companhia de Jesus” (FREYRE, 2006, p.80).

Além do marido, esposa e de seus filhos legítimos, agregavam-se a essa

família patriarcal um grupo heterogêneo de pessoas15, entre elas: os escravos,

agregados, afilhados, no qual se incluíam as concubinas do chefe familiar e seus

filhos ilegítimos, a saber, a maioria das pessoas de um grupo familiar provinha do

mesmo tronco, podendo ser legalmente ou por via bastarda.

A família era a mola propulsora essencial para o desenvolvimento

econômico, político e preenchimento espacial do país no séc. XVI:

13 Trouxe Martim Afonso de Souza para o Brasil, na expedição de 3 de dezembro de 1530, três cartas régias, das quais a primeira o autorizava a tomar posse das terras que descobrisse e a organizar o respectivo governo e administração civil e militar; a segunda lhe conferia os títulos de capitão-mor e governador das terras do Brasil; e a última, enfim, lhe permitia conceder sesmarias das terras que achasse e se pudessem aproveitar. (CIRNE LIMA, 1954, p.32).

14 Eram pessoas que passaram a aceitar o batismo e a prática cristã. 15 Esta concepção alargada da família, fundada em princípios generativos e linhagísticos – e a que

sensível sobretudo, o grupo nobiliárquico – corresponde, basicamente, ao conceito de linhagem. (HESPANHA, 2006, p.161).

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[...] a família, não o indivíduo, nem tampouco o Estado nem nenhuma companhia de comércio, é desde o século XVI o grande fator colonizador no Brasil, a unidade produtiva, o capital que desbrava o solo, instala as fazendas, compra escravos, bois, ferramentas, a força social que se desdobra em política, constituindo-se na aristocracia colonial mais poderosa da América. Sobre ela o rei de Portugal quase reina sem governar. Os Senadores de Câmara, expressões desse familismo político, cedo limitam o poder dos reais e mais tarde o próprio imperialismo ou, antes, parasitismo econômico, que procura estender do reino às colônias os seus tentáculos absorventes. (FREYRE, 2006, p.81).

Essa colonização desenvolvida pelas famílias que por aqui desembarcaram,

muito mais que a ação oficial, foi responsável pela fusão de raças, desenvolvimento

da agricultura latifundiária e a escravidão, tornando possível, baseado nesse tripé, a

fundação e o desenvolvimento do Brasil colonial. E para o entendimento do

funcionamento da sociedade patriarcal16 e aristocrática no período colonial faz-se

necessário analisar a teia complexa de relacionamentos sociais e econômicos que

representa “a trama da existência colonial” (SCHWARTZ, 1979, XII), sendo

necessário um exame detalhado das ligações comerciais, pessoais, matrimoniais e

de amizades.

Para o chefe dessa família patriarcal eram as alianças matrimoniais que

iriam constituir laços de parentesco com outras famílias importantes, as quais eram

tão estimadas quanto os laços de sangue. Assim como, o compadrio promovia a

união entre “padrinhos e afilhados, quanto os compadres entre si, de modo tão

estreito quanto o próprio parentesco carnal” (QUEIROZ, 1975, p.164-165).

Nesse sentido, importante realçar que o enlace matrimonial era uma poderosa

ferramenta nas mãos dessas famílias patriarcais e aristocráticas para difusão de

suas prerrogativas e dilação de sua influência, poder e prestígio, logo, sopesando as

uniões matrimoniais passa-se a compreender a dinâmica de parentesco, poder e

fortuna na sociedade colonial.

O matrimônio era questão de grande importância para defesa da propriedade

rural, aumento de poder ou prestígio e manutenção de sua posição social:

16 Em Portugal, as Ordenações deserdavam as filhas menores (de 25 anos) que casassem contra a vontade dos pais (Ord. fil., IV, 88,1); e, em complemento, puniam com degredo quem casasse com mulher menor sem autorização do pai (ib., v. 18). Demonstrando o controlo paterno das estratégias de reprodução familiar. (HESPANHA, 2006, p.164).

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[...]. Os pais escolhiam cuidadosamente as alianças ou para reforçar os laços de parentesco e resguardar a propriedade de mãos estranhas – uniões com primos, tios17, etc. – ou para aumentar poder e prestígio, indo se unir a outras famílias de particular nomeada ou fortuna. A nova família ficava estreitamente ligada às anteriores, quer do noivo, quer da noiva, tendo valor tanto o parentesco por linha paterna quanto por linha materna; os filhos casados ora continuavam morando com os pais, ora em casa que estes lhes dessem. O grupo familial não se limitava então aos pais, filhos, agregados e escravos; era muito maior. (QUEIROZ, 1976, p.45).

17 Com a abolição definitiva do Morgadio, pela Lei de 19 de Maio de 1863, os casamentos dentro da família ganham importância. Segundo Gonçalves e Rosendahl, “a instituição do morgadio foi regulada pela primeira vez na Lei de 15 de setembro de 1557 (D. Sebastião). Era como que uma concessão perpétua, pura ou condicional, feita por um instituidor, por acto entre-vivos ou de última vontade, aos primogénitos varões da sua descendência, a fim de que os respectivos bens se conservassem indivisos e inalienáveis na posse da família, e esta com a primitiva grandeza. Tais bens passavam ao filho primogénito varão, o possuidor, que por isso se chamava Morgado”. O morgadio era instituído mediante contrato ou testamento, “a principal razão da instituição dos morgadios era a conservação e o engrandecimento da nobreza para melhor defender e servir o seu soberano (Ordenações Filipinas)” (CALDEIRA, 2007, p.26), já que em várias oportunidades o Rei buscava na nobreza financiamento e reforço para o seu exército. Muitas famílias buscavam com a instituição do morgadio o aumento do poder e do seu prestígio, ou, “adquirir ou manter o lustre social” (HESPANHA, 2006, p.174). Era instituído na pessoa do herdeiro varão e primogênito, por primogenitura do morgadio entendia-se “o direito do filho mais velho suceder em certos bens da família, designados e retirados dos restantes bens da herança pelo instituidor, e que ficavam vinculados e sujeitos a certa ordem de sucessão da família, e a certos deveres e obrigações de natureza familiar, econômica e social” (CALDEIRA, 2007, p.27). Foi com a Lei Mental (Ord. man., n, 17; Ord. fil., II, 35), que se estabeleceu como regra na sucessão dos bens da Coroa, o direito de primogenitura e a masculinidade. Insere-se numa tradição jurídica européia, com precedentes próximos no direito das Partidas (costume de Espanha) e com precedentes longínquos na dogmática do ius commune. Todas as suas disposições (inalienabilidade, vinculação, indivisibilidade, sucessão por primogenitura e varonia) se integram nos modelos clássicos que esta literatura propôs às conjunturas sociais e políticas européias desde o século XII ao século XVIII. (HESPANHA, 2006, p.314-315). De acordo com António M. Hespanha citando, Miguel de Reinoso (Observationes practicae..., Olyssipone 1625 (ult. ed. 1725), “daí que, em geral, se excluíssem as mulheres da sucessão dos morgados, dada a sua incapacidade para transmitir o nome: a família aumenta pelos varões em dignidade e honra e destrói-se e extingue-se pelas mulheres; e por isso se diz que as mulheres são o fim da família”. A maioria dos bens ficava na posse de um único proprietário – o Morgado, que também buscava ampliar esses bens por meio do casamento. Em razão disso que as relações familiares eram tão importantes, pois significava um “bom casamento”, o que na prática se traduzia em aumento dos bens. Aparentemente, apenas o filho mais velho se beneficiava da herança e dos bens, mas isso não é exatamente verdade. Existiam determinados bens que beneficiavam o resto da família e os filhos segundos recorriam com frequência aos bens maternos que contribuíram para a fundação do morgadio. O Morgado tinha obrigação de alimentar e dotar os irmãos de ambos os sexos e nalguns casos os netos (CALDEIRA, 2007, p.40). O caráter “civil” e não “natural” dos morgados é realçado ainda mais na literatura pós-iluminista, que propende fortemente a considerá-los “antinaturais”, justamente por ofenderem a igualdade de diretos entre todos os filhos que, ele também, decorria do princípio natural da unidade da família, embora entendido de outro modo. (HESPANHA, 2006, p.173). A instituição dos morgados acabou sendo extinta definitivamente pela Lei 19 de Maio de 1863. Informações retiradas do trabalho: A influência do morgadio no Povoamento: O caso da freguesia de Cernache do Bonjardim, de autoria de: Gonçalves, Marta Marçal; Rosendahl, Stefan. Disponível em: < http://pluris2010.civil.uminho.pt/Actas/PDF/Paper334.pdf >. Acesso em: 17 de janeiro de 2013. Além da obra de: Caldeira, João Luís Cabral Picão. O Morgadio e a Expansão no Brasil, Tribuna da História, Lisboa, 2007.

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Os nobres aqui aportados, não desprezavam a oportunidade de unir-se às

grandes famílias territoriais, inclusive vão buscar de preferência, para esposas, as

ricas herdeiras dos opulentos senhores rurais. Estes podem dar em dote às filhas

muita terra, índios e pretos. (VIANA, 1982, p.84).

A ligação matrimonial fora utilizada de três formas distintas, no entanto, com

o mesmo desígnio: I- realizado entre membros da mesma família, com o objetivo de

evitar que o patrimônio fosse para mãos de estranhos; II- realizado entre membros

de outras famílias poderosas, resultando numa aliança de forças familiares, políticas

e econômicas; III- e, por fim, o matrimônio poderia ocorrer com um rapaz pouco

favorecido financeiramente, desde que suas virtudes pessoais fossem garantia de

expansão do patrimônio.

Destarte, os grupos familiares empregavam o enlace matrimonial para

defesa de suas posições sociais, mas também, como meio de integração e de

ascensão social. Os casamentos também eram realizados entre grupos distantes

geograficamente, dessa forma estabelecia-se uma possibilidade de interferência em

negócios ou na política de outros locais e evitava-se o isolamento total dos criadores

e cultivadores em suas fazendas. Assim, os vínculos “que se estabeleciam entre os

vários grupos familiares se tornavam independentes de localização destes no

espaço geográfico, de sua vizinhança ou de seu distanciamento” (QUEIROZ, 1975,

p.173).

Os conjuntos familiares compunham um influente sistema que possuía como

intenção a dominação política, econômica e a conquista e manutenção de poder e

prestígio. Já aquelas pessoas que não estavam vinculadas a nenhuma família

poderosa, dificilmente conseguiam progredir e tornar-se venturosos.

Conceitualmente, os grupos dominantes são “conexões de interesses envolvendo,

basicamente, empresários e cargos políticos no aparelho de Estado, no executivo,

legislativo e no judiciário, e, também, em outros espaços de poder buscando

assegurar vantagens e privilégios para os participantes”. (OLIVEIRA, 2009, p.09).

Então, essas famílias passaram a ter o controle político e econômico dos

seus municípios, o “homem bom” era o homem pertencente ao “grupo familial de sua

aldeia18” (QUEIROZ, 1976, p.45). A aliança das características de grande

18 Aldeias são antiquíssimos núcleos urbanos com fundação anterior à nação portuguesa, e de grande importância histórica. Erguem-se normalmente em terras altas, pois constituíam núcleos de

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proprietário de terras com a liderança do chefe familiar originou o espírito local,

tendo em seu entorno os interesses da política municipal.

Basicamente, a política nesse período desenvolveu-se tendo como ponto

central o regionalismo, em razão das dificuldades que a Metrópole encontrou em

dominar e povoar as vastas extensões territoriais da nova colônia. Assim, a Coroa

fez com que se fomentasse a grande influência social e a independência dos

grandes latifundiários que dominavam esses pequenos centros.

O poder hegemônico dos latifundiários na vida colonial era absoluto e

estendia-se à sociedade local, recebiam honrarias, títulos honoríficos e privilégios

em razão do florescimento da indústria do açúcar na região costeira que proviam

altas receitas para a metrópole, além de solucionar a questão da ocupação do

espaço físico da colônia e resguardá-las da cobiça das demais nações.

Logo, o latifundiário passa a assumir uma posição dominante que tornava

submissa a autoridade administrativa e, em algumas situações a religiosa, de cuja

vontade e benevolência todos dependiam. A sua família configurava um padrão ideal

de organização familiar naturalmente intangível.

A existência local de estruturas oligárquicas e personalizadas de poder faz

irromper o chamado mandonismo, que “em função do controle de algum recurso

estratégico, em geral a posse da terra, exerce sobre a população um domínio

pessoal e arbitrário que a impede de ter livre acesso ao mercado e à sociedade

política” (CARVALHO, 1997, p.03). Esse mandonismo, “não se confunde com a

visão moderna do clientelismo, posto que, este, incide sobre a estrutura política,

envolvendo a oferta de benefícios materiais”. (FILHO, 1994, p.227).

Mandar, e não governar, será o alvo – mando do homem sobre o homem, do

poderoso sobre o fraco, e não o institucionalizado comando, que impõe, entre o

súdito e a autoridade, o respeito a direitos superiores ao jogo do poder. (FAORO,

2001, p.357).

A importância do poder regional se manteve durante o Império; “no

município, se o mandão local se desgostava com a Corte, a autoridade do governo

tornava-se pouco mais do que nominal: em vão promulgava os seus éditos, não

eram obedecidos”. (QUEIROZ, 1976, p.19-20).

defesa das populações que nelas se estabeleceram, ainda antes da dominação romana. Disponível em: < http://www.memoriaportuguesa.com >. Acesso em: 07 de janeiro de 2013.

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O poder que essa elite exercia na região em que se estendia o seu domínio

era enorme, chegando ao cúmulo de se provocar o desmembramento de uma

extensão de terra em dois municípios, pois era alvo de interesse de dois poderosos

locais, confirmando com esse fato que os interesses privados estavam intimamente

ligados aos interesses públicos.

Aqueles que chegavam numa determinada região acabavam atrelados

fortemente ao poderoso local caso desejassem ter um apoio. Assim, “a escravidão,

reforçando o poder do proprietário rural, deu mais ênfase a estas relações. E tudo

isto junto formou o nódulo duro e resistente do mandonismo local no Brasil”.

(QUEIROZ, 1976, p.19).

Contribuição riquíssima para o entendimento da cultura do mando foi

apresentada por Gilberto Freyre (1963, p.51). Para esse autor, ela seria

internalizada pelos meninos e adolescentes mediante o contexto das suas vidas:

[...]. Transformava-se o sadismo do menino e do adolescente no gosto de mandar dar surra, de mandar arrancar dente de negro ladrão de cana, de mandar brigar na sua presença capoeiras, galos e canários – tantas vezes manifestado pelo senhor de engenho quando homem-feito; no gosto de mando violento ou perverso que explodia nele ou no filho bacharel quando no exercício de posição elevada, política ou de administração pública; ou no simples e puro gosto de mando, característico de todo brasileiro nascido ou criado em casa-grande de engenho [...] Mas esse sadismo de senhor e o correspondente masoquismo de escravo, excedendo a esfera da vida sexual e doméstica; têm-se feito sentir através da nossa formação, em campo mais largo: social e político.

Outro autor que tratou de referido tema foi Sergio Buarque de Holanda

(1963, p.9-11), no entanto sua opinião sobre a origem cultural do mando seria

diferente, teria origem na falta de coesão e de princípios de hierarquia na vida social:

[...]. Nas nações ibéricas, à falta dessa racionalização da vida, que tão cedo experimentaram algumas terras protestantes, o princípio unificador foi sempre representado pelos governos. Nelas predominou, incessantemente, o tipo de organização política artificialmente mantida por uma força exterior, que, nos tempos modernos, encontrou uma das suas formas características nas ditaduras militares [...] À autarquia do indivíduo, à exaltação extrema da personalidade, paixão fundamental e que não tolera compromissos, só pode haver uma alternativa: à renúncia a essa mesma personalidade em vista de

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um bem maior. Por isso mesmo que, rara e difícil, a obediência aparece algumas vezes, para os povos ibéricos, como virtude suprema entre todas. Então é estranhável que essa obediência – obediência cega, e que difere fundamente dos princípios medievais e feudais de lealdade-tenha sido até agora, para eles, o único princípio político verdadeiramente forte. A vontade de mandar e a disposição para cumprir ordens são-lhes igualmente peculiares.

A Metrópole tinha conhecimento destas disputas entre os poderosos locais,

sendo que ora assumia posição moderadora, ora participava da luta ao lado de um

dos grupos postulantes, condenando o outro grupo como culpado. Neste entremeio,

saindo vencedora a parte que a Coroa considerava adversária, automaticamente

esse mesmo governo a ela aderia e a sustentava.

O desenvolvimento interno do país foi ocorrendo mediante acomodações

sucessivas com este “poder de fato” dos poderosos locais, que pode-se dizer “se

impôs à Metrópole durante a colônia, governou sob o manto do parlamentarismo

durante o Império e abertamente dirigiu os destinos do país durante a Primeira

República”. (QUEIROZ, 1976, p.21).

Não obstante, essa estrutura política focada nos grandes latifundiários

(poderosos locais) passou a desagradar a Metrópole diante da insolência do

patriarcado rural. Logo, a brandura que inicialmente envolveu o relacionamento entre

Metrópole e senhores rurais foi substituída pela maior rigidez e severidade, já que

objetivava manter o seu controle, defender seus interesses e abafar as pretensões

locais, principalmente após a localização das minas auríferas e de diamantes.

Assim, foi encaminhada ao Brasil uma estrutura burocrática profissionalizada

de agentes públicos, denominados de “juízes de fora”, para exercer um embate

entre a jurisdição local e a jurisdição real.

II. O estabelecimento na colônia da estrutura burocrática do poder judiciário

Um dos principais motivos para que a Metrópole enviasse os juízes de fora

para a colônia seria inicialmente manter o seu domínio sobre a extensão territorial, e,

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28

além disso, resguardar os seus benefícios e proveitos buscando minimizar o caráter

patriarcal regional, identificável no mando do fazendeiro, do senhor de engenho e

nos coronéis.

Diante das exonerações judiciais e permissões especiais cedidas aos

donatários, quando da concessão das capitanias, enfatizava-se o objetivo de

colonização e ocupação do litoral brasileiro, já que a Metrópole reconhecia a

necessidade de estabelecer uma estrutura judicial nos locais de sesmarias.

O prestígio, a ascendência, o poder desses donatários é de formação

puramente nacional e tem uma base inteiramente local e está assentado sobre as

sesmarias, o domínio rural, sobre o latifúndio agrícola e pastoril. (VIANA, 1982,

p.84).

Logo, pode-se afirmar que o aparelho judicial na colônia teve sua gênese

decorrente da aplicação jurisdicional dos donatários, que “detinham poder para

estabelecer atividades econômicas e organizar a vida civil” (LIMA LOPES, 2011,

p.242).

Os donatários, pessoalmente, não podiam exercer a jurisdição e nem

julgamentos, para tanto nomeavam os ouvidores que eram seus representantes

judiciais, ressaltando que para assegurar a autonomia, privilégio e o poder dos

donatários, as autoridades reais (correição19) somente podiam ter acesso às

capitanias mediante prévia autorização do proprietário.

Logo, nesse prisma, os donatários tinham liberdade para alterar as leis que

regiam a estrutura colonial de acordo com os seus interesses e arruinavam

eventuais novos poderes que tentassem levantar-se em seu desfavor ou fazer-lhes

concorrência. Ademais, juntamente com o ouvidor podia analisar a relação de

cidadãos que desejavam ser eleitos para servir no conselho/câmara municipal,

19 O diploma que vem modificar radicalmente esta situação é a Lei de 19 de Julho de 1790, completada, depois, pelo Alvará de 7 de Janeiro de 1792. A primeira lei: - abole as isenções de correição anteriormente concedidas a donatários (cerca de um terço das terras do Reino tinham este regime, embora, no século XVIII, a maior parte pertencesse a senhorios unidos à coroa – Casa da Rainha, Casa do Infantado, Casa de Bragança, mestrados das ordens militares) (artigo iii); - substitui os ouvidores dos grandes donatários (rainha, infantado, Bragança, ordens militares, arcebispo de Braga) por corregedores, nomeados (rainha, infantado) ou apresentados (arcebispo de Braga) pelos donatários (artigos xxiii, xxxii e xxxvii), embora, como corregedores, estes deixem de gozar da faculdade de conhecer das apelações (artigos xx e xxvi); - extingue as restantes ouvidorias, substituindo os ouvidores por juízes de fora apresentados pelos donatários ou por juízes ordinários por ele nomeados (artigos xxxviii e xxxix), autorizando-os também a confirmar as vereações; (O conjunto dos vereadores em uma câmara municipal). - extingue os coutos (terras privilegiadas) e honras onde não possa haver juízes próprios. (HESPANHA, 2006, p.334).

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29

porém, eles exerciam considerável controle sobre a escolha e confirmação do

funcionário municipal, tendo em vista que, normalmente, o juiz ordinário estava entre

esses funcionários, ou seja, diante desse expediente o juiz ordinário ou de vintena

tornava-se um mero caudatário do poderoso local.

Esses latifundiários, também denominados de ‘homens bons’20, elegiam dois

juízes ordinários (não eram letrados e remunerados, eleitos pelo povo de acordo

com o processo previsto nas Ordenações) e três vereadores21 para participar das

assembleias do conselho/câmara, os eleitos tinham mandato de 01 ano, podendo

ser reeleitos 03 anos depois de terminado seu primeiro mandato. Os juízes

ordinários eram selecionados nos estratos superiores dos locais, excluídos dessa

escolha ficavam os judeus, mouros22, cristãos-novos e trabalhadores braçais, e a

triagem recaía sobre os ‘homens bons’, portanto, sobre aqueles que se opunham à

modernização do Estado, pois representavam mudanças contrárias aos seus

interesses de dominação e centralização do poder na colônia.

Os juízes ordinários e os juízes de vintena são eletivos e estão mais

intimamente em contato com a população dos campos em razão de atuarem em

aldeias, vilas e povoações pouco densas, porém quem os elege são os ‘homens

bons’ dentre os principais nomes do seu clã; logo, esses cargos públicos tornam-se

instrumentos de impunidade ou de vingança, conforme tem diante de si um amigo ou

um adversário. (VIANA, 1982, p.150).

Os temas confiados ao conselho/câmara diziam respeito à ordem local, não

implicando a sua natureza, seja ela de natureza administrativa, policial ou judiciária.

20 Homens-Bons: termo empregado na Península Ibérica, particularmente em Portugal, durante a idade Média, para caracterizar homens que se faziam notar pela sua respeitabilidade, riqueza e honradez dentro de cada aldeia ou povoado. Originalmente herdeiros de proprietários, os homens-bons passaram a designar a burguesia de modo geral. [...] Os cargos municipais, na sua quase totalidade, eram monopolizados por esses personagens, que decidiam sobre a maioria das questões judiciárias e administrativas. (AZEVEDO, 1990, p.210).

21 Os vereadores eram eleitos pelos homens bons do concelho pelo sistema dos pelouros (bolinhas de cera nas quais se metia um papelinho com o nome de um conjunto de juízes, vereadores, etc) descrito nas Ordenações, embora a prática se afastasse, por vezes, do sistema legal. Basicamente, o sistema era o seguinte: seis “eleitores”, escolhidos de entre os mais aptos pela elite local, elaborava uma lista das pessoas “que mais pertencentes lhes parecerem para os carregos do concelho (juízes, vereadores, procuradores, tesoureiro etc)”. Confrontadas as listas e apurados os que mais votos tinham para cada magistratura ou ofício, os seus nomes eram escritos numa nova lista (“pauta”) e tirados à sorte os conjuntos de magistrados ou oficiais. Como se vê, este sistema garantia aos notáveis locais a ocupação ou distribuição das magistraturas por apaniguados seus. (HESPANHA, 2006, p.257).

22 Os Mouros e os Judeus, que em nossos Reinos andarem com nossa licença, assim livres, como cativos, trarão sinal, para que sejam conhecidos, convém a saber, os judeus carapuça ou chapéu amarelo e os Mouros uma luva de pano vermelho de quatro dedos, cosida no ombro direito, na capa e no pelote (Livro V, título 94). (CASTRO, 2008, p.285).

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30

Não havia, pois, “divisão de poderes e, mesmo entre a esfera local e a geral, os

limites não eram muito fixos, visto que os conselhos/câmaras tinham o direito de

nomear procuradores à Corte para tratar de negócios da localidade ou da Colônia

em geral, passando por cima dos capitães-gerais e dos governadores” (LEAL, 1949,

p.39).

Os conselhos/câmaras municipais refletiam a imagem do poderio dos

latifundiários e seu interesse no governo local, tanto que o seu interesse particular

estava:

[...] inextrincavelmente confundido com o interesse municipal, tendo em vista que as resoluções adotadas pelo conselho/câmara Municipal não refletiam somente a preocupação do senhor rural em defender seus interesses privados. Não havia separação entre uns e outros porque a realidade econômica, política e social da Colônia eram os proprietários rurais”. (QUEIROZ, 1976, p.43).

Esse espírito de parcialidade e facciosismo da estrutura judicial colonial

imprime-se em todos os julgados e prevalece sobre o mecanismo processual, logo,

“essa máquina, tão complexa, funciona mal, é fácil ver a sua fraqueza, a sua

falibilidade e, mesmo, a sua inutilidade. Tudo são embaraços, e tropeços, e

decepções para os que pretendem defender-se”. (VIANA, 1982, p.151).

Grande parte dos proprietários de capitanias pertencia à pequena nobreza e

só possuíam habilidade militar, logo, faltava-lhes treino e vontade para

desempenharem os deveres judiciais. Deste modo “os resultados foram

desastrosos. Embora exista muito pouca informação sobre o período anterior a

1550, relatórios retrospectivos indicam a freqüência dos abusos e a falta de respeito

pela lei”. (SCHWARTZ, 1979, p.22).

Outro equívoco cometido pela Coroa, e que gerou influxos na administração

da justiça no Brasil, reside na centralização do poder nas capitais e sedes, deixando

a mercê o restante do território, assim a administração não chegava de forma

eficiente a todas as localidades:

[...].

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31

Centralizar o poder e concentrar as autoridades; reuni-las todas nas capitais e sedes, deixando o resto do território praticamente desgovernado e a centenas de léguas muitas vezes da autoridade mais próxima. Naturalmente a extensão do país, a dispersão do povoamento, a deficiência de recursos tornavam difícil a solução do problema de fazer chegar a administração, numa forma eficiente, a todos os recantos de tão vasto território. [...]. Na maior parte da colônia a administração e justiça não tinham autoridade alguma presente ou acessível, ou então se entregavam, nos melhores dos casos, à incompetência de leigos como eram os juízes ordinários. (PRADO JUNIOR, 2000, p.312).

Perturbado pelo fracasso dos donatários na aplicação jurisdicional e diante

da luta política travada pela Coroa com os estamentos patrimoniais, o Rei Dom João

III resolveu centralizar o governo do Brasil criando o encargo de governador-geral,

exercido originariamente por Tomé de Sousa23. Conjuntamente, foi fornecida a esta

nova forma de governo os oficiais de justiça necessários que auxiliavam no exercício

de suas funções, tais como os juízes de fora, os escrivães (para escrever os autos

do processo), tabeliães (para garantir a validade dos documentos), meirinhos (para

fazer diligências e prender suspeitos) e eventualmente os inquiridores (tomavam os

depoimento e inquiriam as testemunhas), já a administração judicial ficou sob a

responsabilidade do ouvidor geral, no caso desembargador Pero Borges.

A burocracia é uma das espécies weberianas de dominação legítima, e que

está baseada no caráter racional, ou seja, fundamentada de acordo com a “crença

na legitimidade das ordens estatuídas e do direito de mando daqueles que em

virtude dessas ordens, estão nomeados para exercer a dominação (dominação

legal)”. (WEBER, 1991, p.141). Entretanto, o modelo adotado na colônia não se

adequava ao definido por Weber, já que não se utilizava o sistema meritório, e as

nomeações e promoções eram muitas vezes feitas à base de apadrinhamento.

A finalidade do envio dos juízes de fora e os corregedores residiu na

necessidade de ingerência régia nas autonomias locais, os quais recebiam essa

denominação, pois eram juízes de fora das câmaras locais, todavia eram “letrados

nomeados pelo rei para o exercício da jurisdição que competia com a dos juízes

ordinários, leigos e eleitos pelas Câmaras” (LIMA LOPES, 2011, p.239).

23 O insucesso da formação das capitanias, péssimos veículos de colonização que se revelaram, cedo levou, no entanto, a metrópole a cogitar de plano diverso para esse fim. E, Tomé de Souza, trouxe em seu Regimento de 17 de dezembro de 1548 os germes da transformação, que lentamente viria a operar-se na legislação das sesmarias, sob a influência do meio colonial (CIRNE LIMA, 1954, p.35).

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Além dos juízes de fora, vintena, ordinário, havia ainda os juízes de órfãos,

sob responsabilidade de quem estavam às questões de órfãos, defuntos, ausentes,

escravos, irmandades ou associações religiosas leigas e as casas de misericórdia, e

que zelavam pelos bens e testamentos dos que faleciam e dos que deixavam filhos.

Os juízes de fora levavam consigo uma vara (bastão) de cor branca quando

estavam em público, para diferenciá-lo perante a sociedade e identificar a sua

profissão, ou seja, as pessoas tinham de se vestir de acordo com o seu grupo social

ou estamento24. (Idem, p.239).

Assim, consoante Graça Salgado (1985, p.75-76), a distribuição da

administração judicial na colônia estruturou-se basicamente da seguinte forma:

a) juiz de vintena, eleito anualmente pela Câmara Municipal mais próxima

entre os moradores do local, atuava nas localidades mais longínquas com

população entre vinte e cinqüenta habitantes e que não constituíam um

município. Cabia-lhe julgar em processo verbal, sem apelação nem agravo

as questões de pequena monta, excluindo-se as relativas a bens imóveis e

infrações a posturas municipais;

b) nos municípios, os juízes ordinários que eram eleitos pela Câmara

Municipal, tinham alçada para solução de todas as demandas ocorridas

nesse local. Os ocupantes deste cargo não eram ‘letrados’, isto é, não

tinham formação jurídica.

c) almotacéis, em número de dois para cada município competia-lhes:

questões sobre servidões urbanas e nunciações de obras novas (CASTRO,

2008, p. 311);

d) juiz de órfãos, eram eleitos ou nomeados se o município possuísse mais

de 400 vizinhos e cabia-lhe processar e julgar inventários, partilhas, causas

decorrentes deles ou em que fosse parte deles menores ou incapazes,

assim como as causas envolvendo tutela e curatela (Idem, p. 311);

24 Vale lembrar que na sociedade daquele tempo todos deviam vestir-se com roupas que os distinguissem ou identificassem por estamento, ou profissão, ou grupo social (as leis regulavam esta apresentação pública): nobres como nobres, clérigos como clérigos e juízes como juízes, distinguindo-se pela vara ou bastão que completava o traje. O regimento de 1609, do Tribunal da Relação da Bahia, por exemplo, impunha que os desembargadores não usassem vestidos de cor, mas se apresentassem trajados com roupas usadas pelos desembargadores de Lisboa, no tribunal ou na cidade. (LIMA LOPES, 2011, p.239).

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e) juiz de fora, era nomeado pelo poder central e substituía o juiz ordinário

nas causas cíveis cujo valor não ultrapassasse mil réis nos bens móveis e

nas localidades de até 200 casas, bem como tinha a competência para

causas de bens móveis com valor de até 600 réis e bens imóveis até 400

réis (Idem, p. 311);

f) juiz de sesmarias: cuja função era o julgamento de questões envolvendo

terras (Idem, p.275);

g) nas comarcas25, divisões judiciais das capitanias, as atribuições

jurisdicionais eram exercidas pelo ouvidor, que eram nomeados pelos

donatários no caso das capitanias hereditárias, ou pelo rei, a partir do alvará

de 5 de março de 1557, nas capitanias da Coroa. Julgavam os recursos das

decisões dos juízes ordinários e, conheciam processos por ação nova de

questões surgidas até dez léguas ao redor de onde estivesse;

h) O governador-geral tinha como autoridade máxima da justiça na Colônia

o ouvidor-geral, subordinado administrativamente apenas àquele,

responsável por julgar recursos vindos dos ouvidores das capitanias e

dispunha de poderes para investigar a aplicação da legislação em todas as

localidades. Acima dele, mas no Reino, encontrava-se a Casa da

Suplicação, para onde se dirigiam as apelações e agravos das sentenças

proferidas. Daí cabia recurso ao Desembargo do Paço, que apresentava ao

rei a decisão final.

Outro fato importante ocorrido nesse período, além da tentativa de

diminuição do controle dos donatários, foram as correições ou fiscalizações da

atuação dos funcionários responsáveis pelo governo e pela justiça; via de

consequência, houve um aumento do poder dos agentes da Coroa sobre a

administração particular.

Entretanto, em que pese tal decisão, o sistema de capitanias foi alterado

sem aboli-lo, gerando um sistema híbrido de controle exercido pelo rei e pelo

donatário e que o tornava ilógico e muitas vezes inoperante, já que a figura do

ouvidor-geral foi inserida de forma sobreposta à estrutura já existente de

magistrados municipais e ouvidores designados pelos donatários.

25 No século XVIII cada capitania possuía apenas uma comarca, exceto Minas Gerais e Bahia, que detinham quatro, e São Paulo e Pernambuco, com três.

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Essa ideia cristaliza-se com o relatório expedido pelo ouvidor-geral abalizado

nas primeiras impressões encontradas na colônia, em que ele sustenta que a

inaptidão e o excesso administrativo estavam disseminados pela colônia (1550).

Sugeriu em inúmeras ocasiões que a Metrópole exigisse que os donatários

selecionassem seus ouvidores dentre aqueles treinados para aplicação da lei, em

razão do “braço da lei não chegar a áreas remotas e a esparsa colonização tinha

como resultado a falta de pressão comunitária para apoiar a moralidade e o respeito

pela lei”. (SCHWARTZ, 1979, p.25).

Juntamente com a atividade jurisdicional foi estendida ao ouvidor geral a

responsabilidade fiscal no Brasil, isto é, acrescentando aos seus deveres de ouvidor

geral aqueles de provedor-mor da fazenda, obviamente que diante dessa realidade e

do acúmulo de responsabilidade administrativa adicional ao cargo, a tentativa de

aprimorar a qualidade da lei e da ordem acabou fracassando:

A legislação portuguesa, no período colonial do Brasil (...) demarcava imperfeitamente as atribuições dos diversos funcionários, sem a preocupação – desusada na época – de separar as funções por sua natureza. Daí a acumulação de poderes administrativos, judiciais e de polícia nas mãos das mesmas autoridades, dispostas em ordem hierárquica, nem sempre rigorosa. A confusão entre funções judiciárias e policiais perdurará ainda por muito tempo. (LEAL, 1949, p. 181).

Somando-se a isso têm-se, também, as grandes distâncias a serem

percorridas entre a sede da ouvidoria e as aldeias, vilas, povoações e comarcas,

sobre as quais o ouvidor tinha jurisdição, porém a extensão era exageradamente

ampla, tornando o trabalho do ouvidor praticamente inoperante.

Assim, parte da responsabilidade pelo fracasso da administração judicial

régia recai sobre as tarefas adicionais que o ouvidor-geral precisava cumprir e as

longas distâncias que precisava percorrer, desviando sua atenção do cumprimento

dos poderes judiciais e as prerrogativas próprias do seu cargo como juiz, sem

esquecer os inúmeros embates com outras fontes de autoridade existente no

período colonial, como no caso dos poderosos locais e o clero.

Essa conjuntura leva ao povo em geral, mas principalmente às classes

inferiores, a incredulidade no poder reparador da justiça, na sua força, no prestígio

da sua autoridade. Diante desse “desamparo legal, todos os desprotegidos, fracos,

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pobres tendem a abrigar-se, por um impulso natural de defesa, à sombra dos

poderosos locais”. (VIANA, 1982, p.151).

Na década de 1580, o Rei de Espanha Filipe II, um burocrata convicto e

portador de profundo senso de responsabilidade administrativa, assume o reinado

em Portugal planejando analisar as deficiências judiciais da colônia e,

posteriormente, instituindo essenciais melhorias administrativas e burocráticas. Esse

entremeio ficou caracterizado pela intensa atividade de reforma das estruturas

judiciais e administrativas portuguesas26, sendo que o reflexo dessas mudanças27

teve efeito não somente em Portugal, mas também, em suas colônias.

Diante do aumento da expansão territorial e da importância econômica, a

colônia estava tornando-se estrategicamente importante para a Metrópole, seja

como base de defesa militar ou, economicamente como fonte de exportação de

produtos. Por conseguinte, houve um crescimento populacional e do comércio com a

consequente ampliação dos litígios e, conforme já mencionado, o ouvidor-geral não

disponibilizava de um período de tempo suficiente e adequado para solução dos

conflitos em virtude de suas inúmeras responsabilidades.

Para melhor garantir esse controle, “a Coroa ibérica projetou criar um

tribunal na Colônia, semelhante, na sua estrutura, à Casa da Suplicação de Lisboa e

formado por desembargadores designados pela Metrópole”. (SALGADO, 1985,

p.76). Destarte, em 1605, sob o reinado de Filipe III, o Conselho da Índia faz

renascer a criação na colônia do Tribunal Brasileiro de Apelação ou Relação da

Bahia, tendo em vista que desde 1588 tentou-se estabelecê-lo como segmento da

reforma administrativa e judicial geral.

26 O primeiro problema era o de codificação das leis. O corpus de lei portuguesa era complexo. Tinha se desenvolvido a partir de códigos romanos e visigodos, enriquecidos e complicados pelas concessões e doações reais e pela pressão exercida pela lei do hábito. A codificação tinha se iniciado no século XV com as Ordenações Afonsinas (1446) que haviam sido revistas no século XVI por Dom Manoel nas Ordenações Manuelinas (1514-1521). Desde essa época, contudo, um considerável corpo de legislação fora promulgado. Por outro lado, hábitos e costumes locais às vezes diferiam das formas legais prescritas. Vázques observou que algumas leis eram antiquadas ou injustas, enquanto outras eram boas, porém desrespeitadas na prática. No entanto, dizia Vázques, “La verdad ES que La falta no está em lãs leyes sino en La poça fuerça que aqui tienen y poça ynclinación los jueces aguardarllas com yntegridad”. Continuava ainda dizendo que os letrados e magistrados reais eram mal treinados, mal pagos e tinham má vontade em relação aos seus deveres. (SCHWARTZ, 1979, p.38).

27 Os portugueses tinham reivindicado a reforma do encaminhamento de processos; seleção de juízes; redução no número de desembargadores; e aumento de salário dos funcionários do judiciário. O último pedido foi feito na esperança de que um salário adequado colocasse os juízes acima da tentação de suborno. (ibid., p.38).

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A Relação da Bahia seria composta por 10 (dez) magistrados, residindo na

colônia, dentre aqueles homens letrados e experientes: um chancelar, três

desembargadores de agravos, um ouvidor-geral do Cível e Crime, um juiz dos feitos

da Coroa, Fazenda e Fisco, um provedor de defuntos e resíduos, dois

desembargadores extravagantes e o governador-geral.

A seleção dos escolhidos foi feita pelo vice-rei de Portugal conjuntamente

com o Desembargo do Paço28, antecessor histórico do Supremo Tribunal Federal,

tendo como base as informações procedentes de três fontes: “a opinião e

designação do Desembargo do Paço; os comentários do vice-rei; e o regimento e as

designações do Conselho da Índia”. (SCHWARTZ, 1979, p.50).

Deste modo, foi criada a Relação da Bahia29, baseada no modelo da Casa

de Suplicação da Coroa, porém, com uma única exceção, o Tribunal brasileiro não

possuía um regedor designado para presidi-lo, sendo que tal posto foi ocupado pelo

governador-geral. Nessa função o governador-geral poderia:

[...] assistir às sessões quando lhe aprouvesse mas não podia votar ou condenar. Era dever do governador providenciar para que os magistrados fossem pagos a tempo e, embora não podendo nomear em caráter permanente, podia designar membros ad hoc. De três em três anos o governador devia apontar um desembargador para visitar as outras capitanias a fim de conduzir a residência de seus donatários e ouvidores. Se fossem descobertas infrações, deveria submeter o assunto ao

28 O Desembargo do Paço tinha como objetivo apreciar questões cíveis relativas à liberdade do indivíduo, tais como graça, perdão, indulto, privilégios etc. (CASTRO, 2008, p.275). Era costume do Desembargo do Paço acompanhar o rei e reunir-se com ele todas as tardes de sexta-feira para discutir a formulação e a correção das leis, a designação de magistrados, e a condição política e legal do país. O Desembargo do Paço apontava os magistrados reais, promovia-os e avaliava-lhes o desempenho por meio da residência (investigação) levada a efeito ao fim da correição. Quando a ocasião se apresentava, o Desembargo do Paço conduzia devassas especiais ou revisões e, algumas vezes, resolvia conflitos de competência entre tribunais subordinados ou magistrados. Os vários postos da magistratura real, desde o mais novo juiz de fora até o mais experiente magistrado do reino, estavam sujeitos à escrutinização, revisão e devassa por parte do Desembargo do Paço. Isto valia tanto para as colônias quanto para a metrópole (SCHWARTZ, 1979, p.9-10).

29 Os magistrados do novo Tribunal brasileiro gozavam dos mesmos direitos e privilégios que os desembargadores dos outros Tribunais e seus salários eram iguais aos dos membros integrantes da Relação do Porto. O voto e o assento deveriam usar roupas escuras tanto na corte quanto na cidade para representar a dignidade do cargo. O vestuário vaidoso era proibido. No entanto, a lei não os obrigava ao uso de longas barbas para representar a autoridade dos senadores romanos, costume este seguido na Relação do Porto. O regimento também especificava que a manutenção e moradia dos desembargadores não devia onerar ou incomodar de forma nenhuma os habitantes da Bahia e do resto da colônia. Era uma tentativa de mitigar atritos entre a corte e os colonizadores.Os custos da corte deveriam ser pagos pelas penalidades financeiras taxadas pelo Tribunal. Esta fonte deveria também prover os salários de um capelão e de um médico para cuidarem do corpo e do espírito dos magistrados (Idem, p.52).

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procurador da Coroa para que fosse julgado. Na Bahia, a cada três anos deveria haver, em separado, uma investigação semelhante. Na categoria de autoridade civil suprema no Brasil, o governador deveria preservar as prerrogativas reais de justiça frente a transgressão eclesiástica. A esse respeito, o governador deveria proceder de acordo com o regimento da Relação da Índia. (Idem, p.51).

Possuía como alçada a fiscalização da Câmara de Salvador, juízes e oficiais

de justiça, assim como era um agente de correição, procedia a ‘residências’

(investigação), isto é, tomada de relatório do tempo de exercício do cargo por

determinados oficiais, como os ouvidores de capitanias e governadores respectivos,

por iniciativa do governador da Relação. Exercia, além da função jurisdicional de

solução dos litígios, o poder inspetivo (poder de polícia), o que gerou a insatisfação

dos poderosos locais. (LIMA LOPES, 2011, p.244).

A Relação se deparou com a hostilidade dos chefes locais principalmente

em relação ao choque de interesses e à tentativa de diminuição da autonomia da

justiça privada exercida pelos poderosos locais, mas, também, problemas de

ausência de desembargadores, em algumas situações não conseguindo fechar

quórum para deliberações que era de 06 (seis) desembargadores, sendo que entre

1685 e 1687, uma epidemia de febre amarela ceifou a vida de 05 (cinco) juízes.

Com o advento da invasão holandesa, a Relação da Bahia acabou sendo

dissolvida mediante alvará datado de 05 de abril de 1626, voltando a ser

restabelecida em 12 de setembro de 1652, com apenas 08 (oito) desembargadores.

Em que pese à concepção do novo Tribunal na colônia, o cargo de ouvidor-

geral não foi extinto, foi adicionado na estrutura da corte e suas funções30 passaram

a ser assemelhadas às desenvolvidas pelo corregedor da corte da Casa da

Suplicação31.

30 Três vezes por semana, às segundas, quartas e sextas-feiras, o ouvidor presidia a audiência das causas cíveis e criminais. Nas demandas cíveis, que envolvessem soma inferior a quinze mil-réis em bens imóveis ou vinte mil-réis em bens pessoais, ele só podia presidir as audiências em primeira instância e proferir sentenças sem direito a recurso. Se assim o desejasse, o ouvidor tinha competência sobre as ações criminais na capitania da Bahia ou no lugar onde residisse temporariamente; tinha também competência recursal em todo o Brasil. O ouvidor geral tinha igualmente competência sobre as ações cíveis e criminais que envolvessem destacamentos e soldados ou oficiais das tropas (SCHWARTZ, 1979, p.52).

31 A Casa da Suplicação embora não fosse geralmente considerada como parte do aparato administrativo colonial, exerceu na realidade alguma influência no Brasil. Sua estrutura serviu de modelo para os tribunais brasileiros posteriores e, como Tribunal de Apelação, examinou certas causas provenientes das colônias. Assim, algumas das decisões mais importantes que afetaram a vida dos colonizadores foram tomadas nas câmaras da Casa da Suplicação. Infelizmente, quase nada sabemos a respeito da possível influência política deste tribunal sobre o processo de tomada de decisão da Coroa (Idem, p.9).

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Em razão da transferência do centro do poder econômico para região sul-

sudeste da colônia, pelo alvará de 13 de outubro de 1751, foi criada a Relação do

Rio de Janeiro para atender às demandas da população da parte sul do estado do

Brasil. A Relação da Bahia32 tornou-se responsável pela administração da justiça na

região norte-nordeste, contudo no decorrer da história ainda foram criados os

Tribunais de Relação no Maranhão, em 1812, e em Pernambuco em 1821.

A Relação do Rio de Janeiro surge diante do aumento populacional e,

também, em razão das demandas judiciais decorrentes da mineração no interior da

Colônia e, pelo fato do porto da capitania do Rio de Janeiro ser o mais importante

para escoação de metais preciosos e, mais tarde, do café produzido em Minas

Gerais.

A sua competência recaia sobre as seguintes comarcas: Rio de janeiro, São

Paulo, Ouro Preto, Rio das Mortes, Sabará, Rio das Velhas, Serro Frio, Cuiabá,

Paranaguá, Espírito Santo, Itacazes (Campos dos Goitacazes) e ilha de Santa

Catarina, que poderiam operar como juízes de primeira instância em determinados

casos ou em segundo grau conhecendo e julgando recursos.

O governador da capitania do Rio de Janeiro estava incumbido de sua

administração; em 1808, passou a ser denominada de Casa de Suplicação do Brasil,

sendo considerada à época o Superior Tribunal de Justiça.

Já em 18 de junho de 1765, foram criadas as Juntas de Justiça onde quer

que houvesse ouvidores de capitania, ademais, contariam com um ouvidor (que

seria o seu presidente e relator) e dois adjuntos (letrados) ou dois bacharéis

(nomeados pelo ouvidor). (LIMA LOPES, 2011, p.247), para sentenciar

sumariamente em certas localidades da colônia.

32 A instalação de dois tribunais da Relação na colônia, um na Bahia em 1609 e outro no Rio de Janeiro em 1751 é um reflexo de medidas centralizadoras. Ainda que o objetivo oficialmente invocado seja o de tornar mais céleres e eficazes as instituições judiciárias na região colonial, a implementação desses órgãos representou, sobretudo, ações visando à centralizadora em prol da Coroa, que queria estender seu poderio a regiões nitidamente marcadas por autonomia política e, em frequentes casos, pela ingovernabilidade. A instalação da Relação do Rio de Janeiro, por exemplo, surgiu como uma necessidade de controlar e intervir mais na região mineradora, em que a justiça e administração eram bastante caóticas e desordenadas. (MOTA, 2006, p.159).

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39

III. A interação entre os magistrados e a sociedade colonial brasileira

A Metrópole mantinha uma autoridade rígida sobre sua colônia em relação

ao controle intelectual, já que o Brasil não possuía autonomia para estabelecer suas

próprias instituições de ensino. Então, inicialmente, importou-se durante muito tempo

mão de obra intelectual da Metrópole (magistrados, funcionários públicos etc.) para

preencher os principais cargos estratégicos dentro da estrutura burocrática estatal.

Esses burocratas da magistratura constituíam um pequeno grupo

especializado e profissionalizado, que representava os interesses da autoridade real.

Logo, esses cargos eram de fundamental importância, sendo preenchidos

inicialmente somente por portugueses continentais. Dentre esses magistrados

poucos provinham da nobreza, já a maior parte era derivada da pequena burguesia

e da classe dos burocratas portugueses.

O recrutamento dos magistrados obedecia a um padrão modelo, porém

diretamente atrelado a apadrinhamentos. Além disso, a formação na Universidade

de Coimbra era requisito essencial, além de ter pelo menos 02 anos de prática

profissional.

A Coroa desenvolveu um manual ou regimento de instruções idealizadas do

comportamento considerado adequado aos funcionários que compunham os cargos

e instituições da estrutura administrativa portuguesa; todavia, o comportamento

esperado pela Metrópole constantemente discrepava do tipo ideal burocrático

previsto em aludido manual.

Buscou-se, também, alçar os magistrados acima da sociedade, pois

estavam representando a autoridade real e somente dessa forma os poderosos

locais obedeceriam à lei e acatariam as decisões proferidas. Investiu-se, também, no

pagamento de altos salários, gratificações financeiras e isenções tributárias

buscando unicamente garantir a dignidade do magistrado e isolá-lo da sociedade

local.

Nesse prisma e diante da relevância do cargo, foram inclusive criadas regras

utópicas, no seguinte sentido: “os desembargadores eram nomeados por apenas 06

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40

anos para o mesmo lugar; eram proibidos de casar sem licença especial33; eram

proibidos de exercer o comércio ou possuir terras dentro da área de sua jurisdição,

todavia, na prática essas normas não eram sempre seguidas”. (CARVALHO, 2003,

p.173).

Pode-se dizer que com a chegada dos primeiros desembargadores ao país,

iniciou-se um “governo magistrático no Brasil” (SCHWARTZ, 1979, p.55). A

Metrópole passa a estender a burocracia real à colônia, num período em que o país

estava em franco desenvolvimento econômico diante da produção açucareira.

Essa magistratura letrada, por seu saber, por seus enredos, sua atividade,

sua loquela e a proteção que lhe davam as Ordenações34, redigidas por indivíduos

de sua classe, veio, pelo tempo adiante, a predominar no país. E até a alistar-se no

número de seus primeiros aristocratas, depois de haver em geral hostilizado a

classe, antes de chegar a ela. (VARNHAGEN, 1959, p.63).

Compreende-se, entretanto, que a meta buscada pela Coroa de um

judiciário totalmente impessoal e independente dos interesses da sociedade local

não vingou, prevalecendo o aspecto mais surpreendente no Brasil “que foi a

interpenetração das duas formas supostamente hostis de organização humana: a

burocracia e as relações sociais de parentesco”. (Idem, p.251).

Preceitua Raymundo Faoro (1985, p.736), mediante forte influência

weberiana, que a característica principal desse período será a do predomínio do

estamento, que de aristocrático, se burocratiza progressivamente, em mudança de

acomodação e não estrutural:

[...]. O domínio tradicional se configura no patrimonialismo, quando aparece o estado-maior de comando do chefe, junto à casa real, que se estende sobre o largo território, subordinando muitas unidades políticas. Sem o quadro administrativo, a chefia dispersa assume caráter patriarcal, identificável no mando do fazendeiro, do senhor de engenho e nos coronéis. Num estágio inicial, o domínio patrimonial desta forma constituído pelo estamento, apropria as oportunidades econômicas de desfrute dos bens, das concessões, dos cargos, numa confusão entre o setor público e o privado,

33 O alvará de 22 de novembro de 1610 impedia o casamento com moças brasileiras, contudo havendo pedido, a Coroa fazia exceções (SCHWARTZ, 1979, p.139).

34 Embora as ordenações não tivessem muito que ver com o que hoje entendemos ser uma constituição, o facto é que, em certos aspectos, elas eram consideradas como uma “lei fundamental”, na medida em que, por exemplo, não podiam ser revogadas ou dispensadas sem uma expressa menção. (HESPANHA, 2006, p.36).

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41

que, com o aperfeiçoamento da estrutura, se extrema em competências fixas, com divisão de poderes, separando-se o setor fiscal do setor pessoal.

Ou seja, passou a vigorar na colônia a chamada dominação weberiana

tradicional patrimonial-estamental35, “já que sua legitimidade repousa nos poderes

senhoriais tradicionais” (WEBER, 1991, p.148). A tradição é que determina o contido

nas ordens, cuja transgressão desconsiderada pelo senhor poria em perigo a

legitimidade do seu próprio domínio.

Isto é, constitui-se o Poder Judiciário na colônia mediante a intersecção

entre a burocracia e a estrutura patriarcal dos poderosos locais. “Os magistrados

partiam de Portugal a fim de ocuparem os postos no Poder Judiciário local.

Burocratas que eram, tinham por finalidade representar os interesses da Metrópole e

não as aspirações locais”. (CRISTIANI, 2007, p.359).

Contudo, os magistrados ao chegarem à colônia eram devidamente

cortejados pela elite local, tendo em vista que os últimos miravam o poder e a

posição social que os magistrados poderiam revestir-lhes. Essa harmonização de

interesses com os agentes burocráticos do judiciário era favorável à elite dominante

e, por outro lado, também, benéfica às pretensões dos magistrados.

Os mandões locais (elite) procuravam consolidar o status quo vigente à

época e os esquemas formados de corrupção, já os magistrados buscavam garantir

privilégios para si e para seus pares. (ibid., p.359).

Essa manobra de convencimento realizado pela elite local não se mostrou

árduo ou difícil, ao revés, foi um encontro de interesses e de troca de benefícios

recíprocos. Os atrativos “oferecidos pelos grupos e indivíduos da colônia e os

desejos dos magistrados davam início ao processo de interpenetração”

(SCHWARTZ, 1979, p.252).

De outro norte, a aspiração dos desembargadores que por aqui

desembarcavam era de se equiparar à posição social da nobreza, para tanto

passaram a desejar benefícios e adquirir símbolos que somente a nobreza dispunha,

no entanto, para atingir esses bens materiais utilizava-se de tráfico de influência.

35 Isto significa que a posição social, o status, e o conjunto de direitos e deveres de cada indivíduo dependem de sua pertença a um estamento. O estamento é um grupo social da identidade atribuída pelo nascimento ou por alguma qualidade individual adquirida. Assim, nasce-se nobre ou plebeu (fidalgo ou vilão), judeu ou cristão, livre ou escravo. (LIMA LOPES, 2009, p.109).

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Acabou se implantando na colônia uma administração baseada nos critérios

de pessoalidade, amizade, parentesco, retribuição e privilégio associada ao modelo

jurídico estabelecido na Metrópole:

[...] a impunidade estava intimamente associada ao modelo jurídico que prevaleceu no Estado luso. [...]. Os vícios do Reino foram transplantados para a Colônia como estruturas éticas gravadas nas consciências dos servidores públicos e dos emigrados acrescidas, posteriormente, de antivalores desenvolvidos a partir da realidade colonial. Assim implantou-se uma espécie de administração calcada nos critérios de pessoalidade, amizade, parentesco, retribuição, privilégio e em disposições legais carentes de objetividade, sendo que a ordem pública que se instituiu veio marcada pelo acaso e pelo arbítrio do Rei e de seus prepostos. (ZANCANARO, 1994, p.146-147).

Os operadores do direito e a classe dominante também utilizaram o enlace

matrimonial como principal ligação social entre magistrado e sociedade. Para os

magistrados era um acesso eficiente para fazê-los ingressar na elite local, e de

manutenção de sua posição social vigente no país e, para as famílias esperava-se

incorporar o prestígio do desembargador na trama familiar:

[...]. Aos desembargadores, tal união matrimonial representava a oportunidade de adquirirem riqueza e propriedades que estivessem de acordo com a posição social a que tanto aspiravam. Para as famílias locais, tal união mostrava-se também muito proveitosa, pois propiciava a ocasião de efetivarem relações de parentesco com os operadores jurídicos do Poder Judiciário. (CRISTIANI, 2007, p.361).

Fato deveras significativo são os enlaces matrimoniais dos

desembargadores com herdeiras da aristocracia açucareira de Pernambuco, criando

laços de parentesco com a elite local:

[...]. Do primeiro grupo de dez desembargadores, dois se casaram no Brasil, e o tipo de família para a qual eles entraram pode nos dar uma idéia das ligações que tais uniões criavam. Ambos os desembargadores esposaram filhas da aristocracia açucareira de Pernambuco. Antão de Mesquita recebeu permissão real para contrair matrimônio com Antônia Bezerra, filha de Paulo Bezerra, um senhor de engenho e, mais tarde, vereador da

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Câmara de Olinda. O Desembargador Manoel Pinto da Rocha também encontrou sua esposa na aristocracia pernambucana. Casou-se com Catherina de Frielas (Lopes) a 28 de junho de 1612 na catedral de Olinda. Era o segundo casamento de Catherina e aparentemente criava para Pinto da Rocha ligações familiares com os Bezerra Barriga que, por sua vez, tinham laços de parentesco com Antão de Mesquita. Esta foi uma das grandes linhagens de Pernambuco que teve sua origem em Paredes de Viana do Castelo ao norte de Portugal. (SCHWARTZ,1979, p.143).

Outro método eficaz, nesse período, de se instituir ligações sociais entre os

desembargadores e a sociedade local era o chamado compadrio. “O fato de ser

padrinho de batismo ou de casamento estabelecia obrigações mútuas e aceitas,

sancionadas pela religião, entre os indivíduos. Tais relações expandiam a

genealogia social, ou o somatório do sangue da pessoa, do ritual e dos laços

pessoais para além dos limites do parentesco biológico ou por afinidade” (Idem,

p.143).

Além da carreira da magistratura os desembargadores aventuraram-se em

outras atividades econômicas dentre elas a aquisição de escravos, “o livro que

registra os escravos vindos de Angola sob o contrato de Antônio Fernandes de

Elvas, mostra que os desembargadores Rui Mendes de Abreu e Afonso Garcia

Tinoco compraram escravos africanos” (Idem, p.140). Adquiriram engenhos,

fazendas de cana-de-açúcar e, investiram na pesca da baleia ansiando obter uma

condição elevada, assemelhando-se ao da classe dominante.

Os operadores do direito mantinham afinidades com as estruturas de

apropriação econômica e de dominação política, legalizando os interesses das

classes dominantes:

[...] os profissionais da lei, enquanto categoria social, mantinham irrefutáveis compromissos com as estruturas de apropriação econômica e de dominação política, e finalmente, se aceitavam que ordem jurídica estava formalmente organizada sob inspiração de princípios liberais, seus fins concretos estavam voltados para a “legalização” dos interesses das classes dominantes. (ADORNO, 1988, p.20).

Apesar de todo o controle exercido pela Metrópole em face dos

desembargadores, a mesma não logrou êxito na tentativa de separar o interesse

público do privado, prevalecendo os interesses dos poderosos locais em detrimento

do restante da população. “Já nos fins do século XVI, a magistratura tinha se

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tornado uma classe semi-autônoma e um tanto autoperpetuadora, geração

sucedendo geração a serviço do rei”. (SCHWARTZ, 1979, p.58).

Os poderosos locais passaram a controlar “os aparelhos de justiça, os

delegados de polícia e as corporações municipais, são eles que amparam o homem

comum de todos esses controles sob a proteção do clã”. (SALES,1993, p.04).

À medida que crescia a população, “a administração da justiça no interior se

tornava difícil”. (CARVALHO, 2003, p.173). Diante da crescente demanda de

profissionais letrados para ocupação desses cargos, a Coroa portuguesa passou a

disponibilizar uma quantidade considerável de bolsas de estudo para os brasileiros

que quisessem estudar na Universidade de Coimbra em Portugal, além disso, uma

minoria realizava seus estudos na França.

Via de consequência e, pelo facilitador do idioma em comum, a elite

brasileira do período colonial apodera-se dessas vagas e, passa a realizar sua

formação intelectual na Universidade de Coimbra, onde a grande maioria dos

brasileiros que desejava cursar o ensino superior escolhia o curso de direito e, uma

parcela muito menor, os cursos de engenharia e medicina.

Tendo em vista que existia um número significativo de bacharéis em direito

formados pela Universidade de Coimbra, logo não se justificava a instalação de

cursos jurídicos no Brasil, além do que a formação em Coimbra consistia em

eficiente método de controle ideológico que beneficiava a classe dominante:

[...]. A formação de juristas não era urgente. A Universidade de Coimbra forneceu-nos bacharéis em Direito em número suficiente (...). A relação de nossos estadistas, magistrados e professores é toda de bacharéis de Coimbra. Todo o Brasil político e intelectual foi formado em Coimbra, único centro formador do mundo português. Era um ponto básico da orientação da Metrópole essa formação centralizada. (LACOMBE, 1985, p.361).

Entrementes, neste período o ensino superior resumia-se à formação militar

e às outras áreas consideradas técnicas, a exemplo da engenharia, economia e

medicina. Diante da abrangência de conteúdo ministrado nos cursos de Ciências

Jurídicas e Sociais, servindo como curso de cultura geral, passou a ser praticamente

obrigatório para todos os alunos e não somente para aqueles que desejavam seguir

a carreira jurídica (advogado ou juiz).

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Além de que, tornou-se eficaz para aqueles que desejavam seguir na

carreira política ou, até mesmo para aqueles que pretendiam suceder o genitor no

comando do grande latifúndio:

[...]. Em terra onde os doutores gozavam de tanta consideração e tão boa posição social, os alunos afluíram logo. Os cursos médicos e de engenharia forneciam ensinamento técnico, enquanto os de Ciências Jurídicas e Sociais eram encarados não apenas como o preparo para a carreira de advogado e juiz, e sim também como cursos de cultura geral, que ampliavam e completavam os conhecimentos; eram, pois, os cursos indicados para quem queria seguir carreira política; e sendo considerados cursos de aperfeiçoamento e cultura geral, mesmo quando o rapaz se destinava a continuar o pai na fazenda, tornou-se de praxe adquirisse antes o diploma de bacharel. (QUEIROZ, 1976, p.87).

Enfim, diante da essencialidade que o curso de ciências jurídicas assume na

vida social, cultural e política e diante da necessidade de ampliação dos quadros da

magistratura surge a necessidade de uma produção mais numerosa de bacharéis

em direito e nessa esteira instalam as Academias no Brasil.

IV. O ensinamento jurídico em Coimbra e o surgimento das Academias de Direito em

Olinda-Recife e São Paulo e a manutenção do pensamento reacionário

Com efeito, ao tratar do processo cultural do ensino jurídico não se pode

deixar de mencionar a importância da Universidade de Coimbra e, na colônia da

Companhia de Jesus surgida na esteira da “contra-reforma, tornou-se uma grande

empresa educacional e, no Brasil, mais do que em qualquer outra parte, como o

principal elemento de formação cultural” (VENÂNCIO FILHO, 1982, p.02); contudo,

diante do alcance do presente trabalho, apresentar-se-á apenas alguns aspectos

principais.

No Brasil, diferentemente das colônias espanholas que estabeleceram suas

primeiras Universidades a partir do ano de 1538, em São Domingos, isso somente

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46

irá ocorrer após a proclamação da independência, exatamente no ano de 1827 com

a criação dos cursos jurídicos de São Paulo e Olinda-Recife36:

[...]. Já em 1538 cria-se a Universidade de São Domingos. A de São Marcos, em Lima, com os privilégios, isenções e limitações da de Salamanca, é fundada por cédula real de 1551, vinte e um anos apenas depois de iniciada a conquista do Peru por Francisco Pizarro. Também de 1551 é a da Cidade do México que, em 1553, inaugura seus cursos. Outros institutos de ensino superior nascem ainda no século XVI e nos dois seguintes, de modo que, ao encerrar-se o período colonial, tinham sido instaladas nas diversas possessões de Castela nada menos de vinte e três universidades, seis das quais de primeira categoria (sem incluir as do México e Lima). Por estes estabelecimentos passaram, ainda durante a ocupação espanhola, dezenas de milhares de filhos da América que puderam, assim, completar seus estudos sem precisar transpor o Oceano (HOLANDA, 1963, p.64-65).

A Universidade de Coimbra surge vinculada diretamente à igreja Católica em

09 de agosto de 1290; ressalte-se que originariamente os estudos jurídicos estavam

concentrados em duas disciplinas: de direito canônico e direito romano, cujos

professores que lecionavam em Coimbra foram fornecidos pela Universidade de

Bolonha, fundada no século XI.

O conservadorismo da Igreja Católica em relação ao ensino estenderá seus

efeitos para a Universidade de Coimbra37, tanto que as mudanças sociais ocorridas

pela contrarreforma não serão absorvidas por ela. Durante os séculos XVI até a

primeira metade XVIII, período em que foi regida pela Companhia de Jesus,

conservou-se insensível às transformações que se processavam no continente

europeu. As ideias inovadoras de Epicuro sobre os átomos, Galileu, Descartes ou

Newton não eram toleradas, devendo prevalecer unicamente o sistema escolástico

sob a inspiração de Aristóteles e que atingiu seu apogeu com Tomás de Aquino

(Tomista).

36 Olinda e São Paulo somente irão perder o monopólio do ensino jurídico com o advento da Primeira República, com a criação das faculdades livres de direito nas capitais dos demais estados. (LIMA LOPES, 2009, p.429).

37 Por oportuno, transcreve-se o relato do insigne político Bernardo Pereira de Vasconcelos, sobre o conservadorismo que predominava na Faculdade de Coimbra: “O direito de resistência, este baluarte da liberdade, era inteiramente proscrito; e desgraçado de quem dele se lembrasse! [...] [A Universidade de Coimbra] está inteiramente incomunicável com o resto do mundo científico. Ali não se admite correspondência com outras academias; ali não se conferem os graus senão àqueles que estudaram o ranço de seus compêndios; ali estava aberta continuamente uma inquisição pronta a chamar às chamas todo aquele que tivesse a desgraça de reconhecer qualquer verdade ou na religião, ou na jurisprudência, ou na política (CARVALHO, 2003, p.85).

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Este famoso laço de dependência não era neutro, nem indiferente. Foi um

eficiente mecanismo de imposição de uma teoria oficial. Acrescentando em seguida

que os últimos brasileiros que cursaram suas aulas vieram a ser toda a

intelligentsia38 do Império. Os regentes, os ministros, os parlamentares, mas também

os revolucionários receberam a marca de Coimbra. (LACOMBE, 1985, p.361).

O controle intelectual exercido pela Metrópole era extremamente rígido,

tanto que quando as câmaras municipais de Minas Gerais se propuseram a criar um

centro de formação de médicos à sua custa, opinou contrariamente o Conselho

Ultramarino, em documento básico para compreensão da política cultural:

[...] que poderia ser questão política, se convinham estas aulas de artes e ciências em colônias..., que podia relaxar a dependência que as colônias deviam ter do reino; que um dos mais fortes vínculos que sustentava a dependência das nossas colônias era a necessidade de vir estudar a Portugal; que este vínculo não se devia relaxar;...que [o precedente] poderia talvez, com alguma conjuntura para o futuro, facilitar o estabelecimento de alguma aula de jurisprudência... até chegar ao ponto de cortar este vínculo de dependência (LACOMBE, 1985, p.361).

Com o progresso colonial, houve uma elevação no número de alunos que

foram estudar direito na Universidade de Coimbra, já no “século XVI formaram-se 13

(treze) brasileiros; no século XVII formaram-se 354 (trezentos e cinquenta e quatro);

no século XVIII, 1.754 (mil, setecentos e cinquenta e quatro) e de 1781 a 1822 ali

estudaram trezentos e trinta e nove brasileiros” (VENÂNCIO FILHO, 1982, p.8).

Os filhos das famílias de recursos, que chegavam a cursar o ensino superior,

tinham como origem a formação com tutores particulares, em seguida o liceu,

seminário ou, preferencialmente, pelo Pedro II e, enfim, iam para a Europa39 ou

escolhiam entre as quatro escolas de direito e medicina. Todas cobravam anuidades

e a duração dos cursos variava entre cinco anos (direito) e seis anos (medicina).

Outra opção plausível para essas famílias seria a Escola Naval, sucessora da Real

Academia de 1808, onde, “apesar da gratuidade do ensino, era mantido um

38 A seleção dos altos funcionários da Coroa passava ao largo dos grandes aristocratas, pois estes achavam ofensivo à sua nobilidade enviarem os filhos primogênitos a Coimbra. Desse modo, apenas os filhos segundos, que alcançaram os títulos por falecimento do primogênito tornavam-se recrutáveis, e era aí que se escolhiam os presidentes dos conselhos, os quais, por sua vez, compunham exclusivamente o Conselho de Estado, órgão máximo do sistema institucional (MOTA, 2006, p.79).

39 Os estudantes brasileiros também foram formados em Montpellier, Rouen, Estrasburgo, Paris e Edimburgo. (MOTA, 2006, p.67).

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recrutamento seletivo baseado em mecanismos discriminatórios, o mais importante

dos quais a exigência de custosos enxovais”. (CARVALHO, 2003, p.74).

Deve-se destacar, também, que neste período histórico as principais

carreiras profissionais escolhidas pela elite não recaiam somente sobre o direito e a

medicina, ter um filho padre ou militar (exército ou marinha) era uma das aspirações

da classe dominante já que eram instituições importantes e de grande prestígio.

No tocante à origem social dos membros do clero, “havia sem dúvida,

restrições a pessoas vinculadas a ofícios mecânicos, a filhos ilegítimos, a mulatos. E

muitos filhos de famílias ricas40 eram destinados por elas ao sacerdócio como

carreira de prestígio” (Idem, p.182). Diversamente oposto à magistratura, o

recrutamento do clero era mais democrático, em razão da diferença dos altos custos

financeiros necessários para se estudar em Coimbra, contudo não tornava o seu

acesso predominantemente popular.

A última etapa do processo de habilitação para recrutamento eclesiástico

denominava-se ‘processo de patrimônio’, o qual define a espécie e o montante de

capital que o habilitando e/ou sua família está em condições de ofertar à Igreja41.

Aqueles que se veem materialmente impossibilitados de arcar com tal contribuição

patrimonial são instados a solicitar sua admissão às ordens sacras com o título de

‘servidores da Igreja’. A espécie e o montante da contribuição estipulada (terras,

40 Interessante frisar que a religião católica era a religião oficial do Brasil Imperial, os não católicos eram tratados como cidadãos de segunda classe. Tão estreita era a relação entre Igreja e Estado no Brasil de então, que algumas funções tipicamente estatais eram atribuídas à Igreja Católica, como a realização de casamentos, haja vista, que naquela época não existia casamento civil, de modo que para o Estado brasileiro só existia um tipo de casamento oficial, que era o católico; não existia uma certidão de nascimento expedida pelo Estado, os registros de nascimento eram representados pelo batistério, que era um documento expedido exclusivamente pela Igreja Católica. A partir dessas informações, não é difícil perceber que as elites econômicas, culturais e políticas eram católicas e que a presença significante de padres nos parlamentos durante o Primeiro e Segundo Reinados não constitui nenhuma novidade a partir de tal contexto. AGUIAR, Cristina Fernandes Moreira. Representação Política no Poder Legislativo cearense: a influência dos padres no Período Monárquico. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH, São Paulo, julho 2011, p.09.

41 Destaque-se que a instituição eclesiástica foi utilizada por antigos setores proprietários declinantes como estratégias defensivas no intuito de preservar as chances derradeiras de realocar os seus em postos e carreira de refúgio em organizações de feitio ‘previdenciário’, dispensando essas famílias dos investimentos necessários ao ingresso nas profissões liberais prestigiosas. Parcela considerável dos futuros prelados descendia de famílias de proprietários rurais, residentes em fazendas ou em pequenos lugarejos, quase sempre a braços com proles numerosas, destituídos de qualquer formação especializada nas profissões liberais da época e distanciados dos setores políticos e cultos da classe dirigente. Alguns dos filhos, mormente aqueles mais jovens desencorajados em suas pretensões de herança do patrimônio e da posição social paterna, estiveram sujeitos a um processo de feminização ainda mais intenso e radical do que aquele sofrido pelos intelectuais, com a agravante de não disporem de trunfos escolares capazes de garantir sua sobrevivência fora da organização eclesiástica. (MICELI, 1988, p.90).

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49

sítios, casas de aluguel, terrenos urbanos, ações, títulos públicos, gado, dinheiro

vivo, etc.) permitem uma avaliação, conquanto grosseira, da situação material do

habilitando e de sua família. (MICELI, 1988, p.33-34).

Outro contraste entre a magistratura e a burocracia eclesiástica reside no

comportamento político dos padres, enquanto os magistrados se colocavam quase

sistematicamente ao lado da monarquia, da ordem, da unidade nacional, os últimos,

ou pelo menos alguns deles, se encontravam quase sempre entre os participantes

de movimentos rebeldes e entre a oposição liberal (constante conflito com o Estado,

baseado no combate ao absolutismo, em defesa das liberdades políticas e da

democracia). Com a proclamação da República o clero é eliminado da política e da

própria burocracia mediante a separação da Igreja e do Estado (Idem, p.187).

Em relação aos militares faz-se necessário tratar de duas outras instituições

de ensino essenciais para a formação da elite brasileira, a Real Academia de

Marinha e o Colégio dos Nobres criado por Pombal, sendo ambas dedicadas à

formação militar dos nobres. O Colégio foi criado com a finalidade explícita de dar

aos filhos da nobreza uma alternativa para o serviço do Estado que não fossem as

carreiras eclesiástica e judiciária. Saliente-se que a grande maioria dos oficiais

portugueses no Brasil à época da Independência passara ou pelo Colégio dos

Nobres ou pela Academia de Marinha ou tinha sido cadete. Contudo, a origem social

do oficialato no exército foi modificando aos poucos sendo que antes da

Independência podiam alistar-se cadetes os filhos de oficiais de milícias e

ordenanças, privilégio estendido em 185342 aos filhos de oficiais da Guarda

Nacional. Ao final do Império, os oficiais, provinham sobretudo, de famílias militares

e de famílias de rendas modestas. Em contrapartida, a Marinha, “diante da exigência

de enxovais caros, cerrou suas fileiras aos candidatos de menores recursos,

mantendo-se o padrão aristocrático de recrutamento durante todo o período”. (Idem,

p.69-188).

42 Desde a década de 1850 já se formava entre os jovens oficiais uma mentalidade que entrava em aberto conflito com a elite dos bacharéis. Além de reclamações contra as discriminações que sofriam os militares, havia divergências relativas à política geral do governo. Os jovens militares pregavam a ênfase na educação, na industrialização, na construção de estradas de ferro, na abolição da escravidão. Após a Guerra do Paraguai houve um aumento do envolvimento político dos militares, já agora sob a racionalização de uma ideologia específica, o positivismo. Diferentemente do que aconteceu com magistrados e padres, o setor militar da burocracia não só não pôde ser absorvido e eliminado como constituiu o principal elemento da destruição do sistema imperial, agindo de dentro do próprio Estado. (CARVALHO, 2003, p.190).

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50

No tocante aos bacharéis, em relação aos números, pode-se constatar,

mediante análise da tabela abaixo, que a grande maioria dos alunos que cursaram a

Universidade de Coimbra no período de 1772-1872, provinha da região nordeste e

sudeste do país:

TABELA 1 – Estudantes Brasileiros Matriculados em Coimbra, por Província, 1772-1872, e Distribuição Provincial da População, 1823.

Capitania/Província % de Estudantes % da População Pará 3,70 3,13

Maranhão 8,78 2,41

Piauí 0,08 2,84

Ceará 0,40 6,40

Rio G. do Norte 0,08 2,01

Paraíba 1,21 3,64

Pernambuco 11,52 11,73

Alagoas 0,08 3,20

Sergipe 0,24 3,13

Bahia 25,93 15,44

E. Santo 0,24 2,13

Rio de Janeiro 26,81 10,70

Minas Gerais 13,61 15,11

São Paulo 3,70 9,21

Santa Catarina 0,00 1,69

Rio G. do Sul

1,53 5,07

Mato Grosso 0,40 0,85

Goiás 1,21 1,31

Cisplatina 0,48 ?

TOTAL 100,00

(N = 1.242)

100,00

(N = 2.813.351)

FONTE: CARVALHO, José Murilo de. 2003. p.73.

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51

Esse quadro da educação superior colonial somente receberá alterações

com a transmigração da Corte em 1808. Via de consequência, foram criadas a Real

Academia dos Guardas-Marinhas (1808), Academia Real Militar (1810). Em seguida

as Escolas de Medicina do Rio de Janeiro (1813) e de Salvador (1815), a Academia

de Belas-Artes e, após a Independência, são criadas as escolas de direito dedicadas

explicitamente à formação da elite política.

As mudanças passam a surgir por volta da metade do século XVIII quando

as ideias consideradas heréticas passam a fazer parte dos clubes literários e

filosóficos, criados por pensadores interessados pela filosofia moderna. Essa

agitação então servirá de base para o processo reformador do pensamento

português e, por conseguinte, será utilizado para Reforma dos Estatutos da

Universidade de Coimbra.

A reforma pombalina43 objetivava utilizar uma orientação diversa para o

fortalecimento do Estado-Nação e justapor Coimbra com as academias jurídicas

europeias vinculadas ao pensamento iluminista. Para reafirmá-lo necessitava de

outro instrumento ideológico. Neste instante retira-se da Companhia de Jesus o

controle sobre a Universidade de Coimbra, em seguida os jesuítas foram expulsos

da Metrópole e da Colônia, sendo que a reforma pombalina vai ser responsável por

subverter esse sistema educacional paralisado, influenciando a cultura da Metrópole

e gerando influxo na colônia.

Essa reforma iniciada por Pombal tendo como fundamento a abertura aos

avanços da ciência e da cultura, na reforma do ensino e da máquina administrativa

e, na desestruturação da força jesuítica, favorece as condições para o advento do

liberalismo português. Esses ecos do iluminismo e do liberalismo seriam sentidos no

Brasil, no fim do século XVIII e ao longo do século XIX. (WOLKMER, 2006, p.45).

Em que pese tais reformas, os influxos que atingiram a colônia não

produziram grandes transformações em relação à aproximação do estudante de

direito com a realidade social brasileira, já que os portugueses enxergavam a colônia

43 Para António Manuel Hespanha (2006, p.45), “é muito claro que, a partir da década de oitenta do séc. XVIII, o reformismo jus-racionalista se afirma como cultura política dominante nos círculos que pensam, e que ocupam o novo espaço público da literatura acadêmica, dos jornais, das academias, das repartições da nova “administração ativa” reformista. Já não se trata de estrangeirados solitários e no exílio (exterior ou interior), mas de gerações inteiras que se formam nas novas instituições de ensino surgidas com o pombalismo. Ou a Universidade de Coimbra, reformada no sentido de um racionalismo e experimentalismo voltado para a ação prática, ou o Colégio dos Nobres e outras escolas militares, onde domina o mesmo espírito reformista de base cientista. A ação formativa destas escolas era continuada na Academia Real das Ciências”.

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52

somente com olhos exploradores, fortalecendo uma realidade que se “repetiria

constantemente na história do Brasil: a dissociação entre a elite governante e a

imensa massa da população” (Idem, p.49).

Note-se que a formação dos bacharéis em Coimbra contribuía para a

submissão da colônia à metrópole, inclusive em Coimbra, a formação em Direito era

um processo de socialização destinado a criar um senso de lealdade e obediência

ao rei. Havia, na época colonial, uma deliberada política de centralização na

formação acadêmica dos quadros burocráticos (o que via de regra ocorria na

Universidade de Coimbra), coibindo a formação de qualquer instituição superior em

ultramar. Era estrategicamente importante para Portugal que as colônias não

tivessem centros de formação superior, de modo que toda a burocracia colonial

deveria ter uma formação totalmente portuguesa. (FONSECA, 2005, p.97).

É bastante significativo que, durante os trezentos anos em que o Brasil foi

colônia de Portugal, Coimbra fosse a única Faculdade de Direito dentro do império

português. Todos os magistrados do império, tivesse ele nascido nas colônias ou no

continente, passavam pelo currículo daquela escola e bebiam seu conhecimento em

Direito e na arte de governar naquela fonte44.

Convém frisar o grande valor da Companhia de Jesus no Brasil colônia no

desenvolvimento cultural mediante a propagação de centros educacionais, além do

que desempenharam um papel ideológico e burocrático de maior relevância para a

Metrópole.

Segundo Fernando Azevedo45 as regras pedagógicas aplicadas pela

Companhia de Jesus na colônia, estavam baseadas na Ratio Studiorum de 1559,

que previa o curso de letras humanas como antecessor do futuro bacharel em

direito:

[...]. A Ratio Studiorum, publicada em 1559, de autoria do Padre Geral Cláudio Aquaviva, e em que se corporificam as regras pedagógicas da Companhia, o plano completo dos estudos devia abranger o curso de letras humanas, o de filosofia e ciência e o de teologia e ciências sagradas. Esses três cursos eram completados nos estabelecimentos mais importantes da Companhia na Europa, por dois anos de especialização, reservado à preparação de

44 OLIVIO, Luis Carlos Cancellier. In: RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Ensino Jurídico para Que(m)?, p.56.

45 AZEVEDO, Fernando. In: FILHO, Alberto Venâncio. Das Arcadas ao Bacharelismo. 2ª ed., São Paulo: Editora Perspectiva, p.04.

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53

lentes da universidade, e primeiro o de Letras Humanas, dividido em três classes (gramática, humanidade e retórica). Foi o curso de Letras Humanas o curso que mais propagou nos colégios dos padres jesuítas durante a colônia. O primeiro colégio instalou-se na Bahia, e já no século XVII possuíam os jesuítas, além de escolas para meninos e outros colégios menores, onze colégios, do Pará, de São Luís do Maranhão até Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo.

A figura do bacharel em letras, “formado nos colégios dos jesuítas a partir de

1582 seria, assim, o precursor do futuro bacharel em direito da época da

Independência”46. Os jesuítas incutiram na sociedade colonial, desde muito cedo, o

gosto pelo diploma de bacharel e de ascensão social:

[...] os jesuítas criaram muito cedo, com a tendência literária e o gosto que ficou tradicional pelo diploma do bacharel, o desprezo pelo trabalho técnico e produtivo e fizeram de seus colégios canais de circulação horizontal, do campo para as cidades, e de ascensão social e, portanto, elementos poderosos de urbanização. (SANCHES, 1982, p.04).

Do ponto de vista interno da Colônia, a reforma pombalina representou uma

verdadeira catástrofe, pela destruição do único sistema organizado do ensino, mal

substituído por um arremedo de professores de aulas régias. Esse sistema não

funcionou de forma satisfatória, em razão de o subsídio não ser cobrado de forma

correta ou acabar desviado para Portugal, diante dos baixos salários os melhores

professores não permaneciam no posto e o número de aulas era extremamente

precário. (BRAGA, 1982, p.06).

Não se pode deixar de mencionar que Pombal deixa o governo em 1777

após a morte do Rei D. José I, iniciando-se uma reação contrária a sua reforma. Na

Universidade abandona-se a ênfase nas ciências naturais retrocedendo o ensino do

direito ao antigo cenário, episódio esse que ficou conhecido como Viradeira.

A ideia de se instituir escolas de ensino superior no Brasil começou a ser

ventilada com a transmigração da família real47 e a corte portuguesa em 180848,

46 SANCHES, Antônio Ribeiro. In: FILHO, Alberto Venâncio. op. Cit., p.04. 47 Com enormes dificuldades, tentou-se liquidar o passado da colônia e criar um Estado-Nação

moderno. Fundou-se o Banco do Brasil, a Biblioteca Nacional, a Imprensa Nacional e, embora ainda decalcada do modelo da ex-capital, uma rede de órgãos governamentais. (MOTA, 2006, p.81).

48 Durante as guerras napoleônicas a Corte mudou-se para este lado do Atlântico, ocasionando a conversão das capitanias em províncias de um reino pela primeira vez: O Reino do Brasil. Antes

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54

apesar de que, mesmo com a premente necessidade de preenchimento de funções

e cargos do Estado (bacharéis), não se suscitou de imediato a formação de novos

quadros.

A criação dos cursos jurídicos no Brasil era uma exigência da elite

sucessora49 da dominação colonial que gerenciaria o país:

[...]. A implantação dos dois primeiros cursos de Direito no Brasil, em 1827, um em São Paulo e outro em Recife (transferido de Olinda, em 1854), refletiu a exigência de uma elite, sucessora da dominação colonial, que buscava concretizar a independência político-cultural, recompondo, ideologicamente, a estrutura de poder e preparando uma nova camada burocrático-administrativa, setor que assumiria a responsabilidade de gerenciar o país. (WOLKMER, 2006, p.80).

Para Sérgio S. Staut (2009, p.104), “a tentativa era estabelecer as bases

adequadas que permitissem o desenvolvimento de um pensamento jurídico e

político próprios”, que significava o rompimento cultural entre o Brasil e Portugal.

Todavia, trazia encoberta em seu âmago o princípio de instituir uma classe

administradora da burocracia do Estado em construção, com o escopo de perpetuar

a dominação exercida pela elite nacional, que continuou a defender seus próprios

interesses. E para atingir esse objetivo a estratégia política utilizada estava

empregada no adestramento administrativo e no controle pedagógico.

Não se pode perder de vista que os grandes códigos legais do Império foram

todos redigidos pela geração de Coimbra. Estão nesse caso, o Código Criminal,

Código de Processo Criminal50, Código Comercial (1850), Consolidação das leis

disso, o Brasil era um domínio ou um estado subordinado à coroa de Portugal. De fato, não havia no Brasil unidades políticas além das câmaras (municipais). Sendo que as capitanias eram apenas divisões administrativas, militares e fiscais. (LIMA LOPES, 2009, p.264).

49 Ou seja, a criação das Academias de Direito, objetivavam somente a formação de elites para manter em funcionamento o Estado herdado e, não para articular e mobilizar a sociedade civil. Esta idéia se cristaliza na introdução da proposta de Estatuto para o curso jurídico de lavra do visconde da Cachoeira: “Tendo-se decretado que houvesse nesta corte, um curso jurídico para nele se ensinarem as doutrinas de jurisprudência em geral, a fim de se cultivar este ramo de instrução pública, e se formaram homens hábeis para serem um dia sábios magistrados e peritos advogados, de que tanto se carece; e outros que possam vir a ser dignos deputados, e senadores, e aptos para ocuparem os lugares diplomáticos, e mais empregos do Estado [...]”. (MOTA, 2006, p.136).

50 O Código de Processo Penal, a mais avançada obra liberal e a mais duramente criticada nos dez anos seguintes, deu fisionomia nova aos municípios, habilitando-os a exercer, por si mesmos,

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55

civis de Teixeira de Freitas (1857), além da própria Constituição e suas reformas.

(CARVALHO, 2003, p.55).

A formação de uma elite homogênea e conservadora favoreceu a

implementação de uma política cujo objetivo era o da construção de um Império

centralizado:

[...]. A formação de uma elite homogênea, educada na Faculdade de Direito de Coimbra e, a seguir, nas faculdades de Olinda-Recife e de São Paulo, com uma concepção hierárquica e conservadora, favoreceu a implementação de uma política cujo objetivo era o da construção de um Império centralizado. A circulação dessa elite pelo país, ocupando postos administrativos em diferentes províncias, integrou-a ao poder central, reduzindo sua vinculação com os diferentes interesses regionais. (FAUSTO, 2011, p.100).

Deste modo, a definição do estabelecimento dos cursos jurídicos gerou um

grande alvoroço entre os políticos, já que cada um deles pedia a preferência para

sua província. Levaram-se em consideração vários requisitos entre eles os

seguintes: “situação geográfica, topográfica, clima, salubridade, produção, custo de

vida, população, estética, cultura, tradição, tendências políticas, vida social e até a

língua que ali se fala” (VENÂNCIO FILHO, 1982, p.17). Assim, as primeiras

Academias de Direito51 no Brasil surgiram somente em 11 de agosto de 1827,

quando o império brasileiro escolheu e instituiu as faculdades de direito de Olinda-

Recife e São Paulo, servindo, também, como junção da parte norte e da parte sul do

país.

A escolha recaiu sobre São Paulo e Olinda visando manter os estudantes

distantes da Corte. Veja-se:

[...]. A intenção em manter os estudantes longe da Corte foi um dos motivos de instalação dos Cursos Jurídicos em São Paulo e Olinda. Ao mesmo tempo em que se teria um curso destinado a criar uma elite de bacharéis, aptos a ocuparem cargos públicos – e, desde 1827, se verifica um grande apego ao positivismo jurídico, criava-se uma elite pensadora e crítica. (ALMEIDA FILHO, 2005, p.41).

atribuições judiciárias e policias, num renascimento do sistema morto desde o fim do século XVII. (FAORO, 2001, p.351).

51 A criação dos Cursos Jurídicos confunde-se com a formação do Estado nacional não, evidentemente, do Estado que poderíamos ou deveríamos ter tido, conforme a preferência do leitor, mas, com certeza, do Estado nacional que a elite dirigente projetou e procurou forjar. (MOTA, 2006, p.143).

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56

A reforma pombalina influenciou diretamente a organização dos cursos

jurídicos brasileiros, e assim “garantiu uma continuidade na formação pedagógica do

bacharel que norteou a própria organização do Estado-Nação”. Outro ponto que

merece destaque é que a característica marcante das “Faculdades de Olinda e São

Paulo, que por sinal possuíam os mesmos Estatutos, é a semelhança encontrada,

em termos curriculares e, portanto, filosóficos, com os Estatutos da Universidade de

Coimbra”. (VENÂNCIO FILHO, 2008, p.2)

Pombal almejava a criação de um estado laico; este ideal estava presente

nas transformações implementadas por ele na Universidade de Coimbra. Este

ideário de laicificar52 o ensino jurídico chegou ao Brasil. Para António Manuel

Hespanha (2004, p.33), “boa razão53 era, desde logo, o padrão geral a que qualquer

norma jurídica se devia conformar. O ensino do direito tinha que ser mudado

correspondentemente. Assim, os estatutos da Universidade de Coimbra, reformados

em 1772, criaram uma cadeira de “Direito natural, público e universal, e de Direito

das gentes”, comum às duas Faculdades jurídicas (Leis e Cânones).

O estatuto organizado em 1825 pelo visconde da Cachoeira (Luís José de

Carvalho e Melo) represente bem essa ideia, embora esse estatuto não tivesse se

transformado em lei. Essas indicações foram aceitas como regulamento dos cursos

52 A reforma dos Estatutos das Universidades, foram feitas após o estudo de uma comissão, o que gerou a Carta de Lei de 28 de Agosto de 1772, que introduziu as cadeiras de Direito Natural, História do Direito Romano e do Direito Pátrio, Direito Público Universal e Direito das Gentes, o que representou um marco para a época” (CASTRO, 2008, p.293). Outro significativa contribuição de Pombal para a modernização da ordem jurídica portuguesa, foi a edição da Lei da Boa Razão em 18 de agosto de 1769, que deixou de considerar o Direito Romano como direito subsidiário para sua interpretação, estabelecendo que o regime jurídico deveria ser interpretado de acordo com as características nacionais e o estudo dos costumes, baseado numa análise racional que levasse em conta as situações concretas. A Lei da Boa Razão constituía uma abertura, embora não revogasse a vigência das Ordenações Filipinas (que por sua vez baseavam-se no essencial das Ordenações Manuelinas de 1515), que vigoraram durante todo o Antigo Regime, e mesmo depois de 1834 como fonte de Direito (MOTA, 2006, p.25).

53 Aprofundando o tema da Lei da Boa Razão, António Manuel Hespanha (2006, p.141) afirma que “a lei acaba com a relevância do direito canônico nos tribunais civis (embora não ponha termo aos privilégios eclesiásticos de foro), reduz fortemente o domínio de aplicação do costume, do direito romano e do direito comum (a opinião comum dos doutores) e limita a força vinculativa dos precedentes judiciais aos “assentos” da Casa da Suplicação. No tocante ao ensino jurídico, ao insistir na vinculação da política do direito ao “uso moderno do direito romano” e às soluções consagradas nas ordens jurídicas das “nações polidas e civilizadas”, o legislador pombalino abre a porta à influência do novo direito iluminista (e, posteriormente, liberal) dos Estados alemães e italianos e, mais tarde, da França, cujos códigos tiveram uma aplicação direta em muitos domínios até à entrada em vigor do Código Civil do Visconde de Seabra (1867)”.

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57

no Brasil, o qual determinava que as doutrinas eclesiásticas não fossem lecionadas

no curso, dando ênfase para as ciências naturais:

[...] não entrará o ensino da Faculdade de Cânones no Curso Jurídico que se vai instituir. Esta ciência toda composta das leis eclesiásticas, bem como a Teologia, deve reservar-se para os claustros dos seminários episcopais, como já se declarou pelo alvará de 10 de maio de 1805 § 6°, e onde é mais próprio ensinarem-se doutrinas semelhantes, que pertencem aos eclesiásticos, que se destinam aos diversos empregos da Igreja, e não a cidadãos seculares dispostos para empregos civis. (VENÂNCIO FILHO, 1982, p.97).

Alguns dos benefícios que as academias trariam para a colônia seriam o da

educação e da instrução pública em “relação ao conhecimento do direito natural,

público e das gentes, e das leis do Império, com o objetivo de obter para o país

futuros magistrados e acautelando a notória falta de bacharéis formados para os

lugares da magistratura” (VENÂNCIO FILHO, 1982, p.19). Contudo, a instalação dos

cursos jurídicos enfrentou várias barreiras principalmente vinculadas à carência de

quadros humanos, estrutura, custo da matrícula, equipamento material, dentre

outros.

As instituições eclesiásticas ficaram responsáveis por acolher tanto a

academia de São Paulo quanto a de Olinda, já que o Império jamais se preocupou

em providenciar prédios condignos aos cursos, permanecendo em instalações

precárias. Foram utilizadas as instalações do Convento de São Francisco para

abrigar a academia de São Paulo. Já os religiosos beneditinos do Mosteiro de São

Bento forneceram o salão e mais dependências para alojar a academia de Olinda,

até 1852, sedo acolhida no Palácio dos Governadores, mais tarde. Já em 1854, os

cursos foram denominados de Faculdades de Direito, com o curso de Olinda sendo

transferido para Recife.

A duração do curso seria de 05 anos, no entanto a falta de professores era

algo que preocupava sobremaneira os diretores das academias, com o risco

inclusive de ter que encerrar as aulas gerando prejuízo enorme para os alunos.

Escrevia-se em 30 de setembro de 1830 ao Ministro do Império:

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58

Permite V. Exa. que eu, nesta ocasião, lembre: 1º, que aqui só há seis lentes, não contando com o Dr. Moura, ocupado na Câmara dos Deputados; 2º, que se vão abrir aulas do quarto ano, sendo necessário, para os quatro anos, sete lentes, além dos indispensáveis para substitutos nas faltas; 3º, que três estudantes, regressados de Coimbra, acabam de fazer aqui seus exames de quarto ano, e que será duro que fiquem parados uma ano inteiro, se não houverem mais lentes para se abriram as aulas do quinto ano. Por onde parece, que é tempo de se nomearem todos os lentes substitutos, determinados na lei; acrescente a isto que o Dr. Varela está a partir para essa cidade, a curar-se, e é muito natural que não possa vir até março. Eu espero que V. Exa. se não descuidará um momento desse negócio, que é de tanto interesse do bem público. (Idem, p.44).

Além disso, o ofício de professor representava um grande prestígio social,

entretanto, desde o estabelecimento dos cursos de direito, os professores foram mal

remunerados preferindo muitos deles seguir a carreira da magistratura que era muito

mais lucrativa e proporcionava maiores perspectivas para o futuro.

As dificuldades para se instalar e fazer funcionar os cursos jurídicos era

somada à indisciplina dos alunos tanto em São Paulo quanto em Olinda. Inclusive

esse assunto era recorrente nas comunicações feitas pelos diretores para o Governo

Central:

De minha parte só posso dizer a V. Exa. que, segundo voz pública, tem havido aprovações não merecidas. Os estudantes bons são os primeiros que acusam aos que deviam ser reprovados. Os moradores da cidade, que os conhecem e que vêem alguns passeando de dia e de noite, admiram-se quando lhes diz que foram aprovados. Sem meter em linha de conta as cartas do patronato que daí vêm e que sempre houveram e hão de haver, desculpo dos lentes em uma coisa, e é o estado de insubordinação em que se acham os estudantes atacando aos lentes nas folhas periódicas. Nem todos têm um caráter de sofrer isto e cumprir rigidamente o seu dever. Os meus mestres de Coimbra podiam ser exatos no tempo do despotismo em que os estudantes, nem em particular se atreviam a atacar os lentes, mas hoje estamos em outro tempo. Convém, contudo, pôs as coisas no estado de os discípulos respeitarem aos Mestres e estes fazerem o seu dever, não aprovando os que não querem estudar e vêm aqui gastar o dinheiro de seus pais superfluamente. (Idem, p.45).

Outro assunto polêmico e, passível de diversas reclamações, são os valores

da taxa de matrícula, cobrada por ambas as escolas, que inicialmente era de 51.200

réis (no primeiro ano de funcionamento) e, que inviabilizava a matrícula de muitos

alunos por ser o valor considerado muito alto para o período e, muitos deles.

Aqueles que não provinham de famílias de recursos, deixaram de cursar a Academia

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59

por escassez de renda suficiente para o pagamento da matrícula, além das

despesas para sua manutenção nas localidades, pois muitos alunos não residiam

em São Paulo ou Olinda:

Em 24 de maio de 1828, comenta ser elevada a taxa de matrículas. De 51200 réis, visto que nem todos podem contribuir com uma taxa tão pesada, tanto assim que, com mágoa, vê-se deixarem de matricular-se alguns alunos do 1º ano do curso jurídico, por falta de meios de a satisfazer solicitando, afinal, que ato legislativo a reduza à metade o qual, sendo feito por uma corte abundante e rica, parece não ser, nisto, aplicável a uma província em que há tanta gente pobre (Idem, p.43).

A qualidade de ensino também sofria duras críticas dos diretores das

academias, pois muitos “professores agiam com desleixo, incúria e eram pouco

assíduos nas suas atividades laborais perante o curso, indiferentes à falta de

frequência dos seus discípulos e fazendo aprovações imerecidas” (Idem, p.49). Além

disso, os professores deveriam ser mais precisos e exatos no cumprimento dos seus

deveres perante o curso, o que não ocorria nos cursos no Brasil.

Seguindo essa vertente, o nível dos alunos que ingressavam nos cursos de

direito também recebeu severas críticas, principalmente pela péssima qualidade do

ensino secundário, mas também, pela falta de interesse daqueles, já que muitos

seguiam a carreira jurídica por falta de outras academias, conforme alerta, José

Bento da Cunha Figueiredo54 sobre o excessivo número de bacharéis em direito

nesse período:

Pode ser que o mau sucesso escolar de alguns moços provenha da falta de muitas e diversas academias em que possam ser bem empregadas as inteligências que não tiverem pendores para a jurisprudência. Este fato é, na verdade, desanimador, e tem assaz concorrido para o descrédito da faculdade de Direito; assim como para formar miríades de bacharéis que, sem emprego público, que não chega para todos, vão se amontoando nas capitais mais populosas, trocando as pernas por falta de trabalho e carpindo, sem remédio, o tempo perdido que poderia ter sido aproveitado em outra profissão que, com mais segurança, lhes desse o pão de cada dia e a independência.

54 FIGUEIREDO, José Bento da Cunha. In: FILHO, Alberto Venâncio, op. Cit., p.127.

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60

Assim, diante de todas essas desventuras e adversidades foram sendo

concebidas as primeiras gerações de bacharéis produzidas no Brasil, fornecendo

dessa maneira os quadros políticos e burocráticos que o Império carecia, ou seja, as

faculdades de direito foram rapidamente convertidas “em sedes das elites rurais

dominantes”. (SCHWARCZ, 1993, p.142).

A Faculdade de Direito de Recife foi responsável pelo advento do movimento

denominado de Escola do Recife, que representa uma “abertura de horizontes, uma

entrada de novos ares e, sobretudo, a atualização da cultura do país com as

grandes correntes do pensamento moderno, libertada do exclusivismo da cultura

portuguesa e francesa” (Idem, p. 95). Esse movimento culturalista foi encabeçado

por Tobias Barreto55 e aprimorado por vários juristas do calibre de Sílvio Romero,

Clóvis Bevilacqua, Martins Junior dentre outros.

A propósito, em contrapartida, a Faculdade de São Paulo, com exceções,

caracteriza-se pelo pertencimento a uma elite econômica de ascensão recente.

Acabou trilhando na “direção da reflexão e da militância política, no jornalismo e na

‘ilustração’ artística56 e literária57." (WOLKMER, 2006, p.82-83). O jornalismo

acadêmico, seja na sua feição literária, seja na sua feição política, despertou sempre

o maior interesse entre os estudantes dos cursos jurídicos.

As duas escolas possuíam projetos bastante coincidentes e harmônicos ora

quando se tratava de defender a hegemonia da prática do Direito, ora quando se

buscava garantir uma certa hierarquia. Contudo, divergiam em vários outros temas,

por exemplo, no caso da teoria racial:

No entanto, no caso das escolas de direito, se existiam concepções partilhadas, a amarra institucional não chegou a encobrir diferenças teóricas fundamentais: o argumento racial construído por Recife, contrastou com a interpretação liberal da academia paulista. De fato, partiam de Recife as

55 Ao lado de Sílvio Romero foi um autêntico representante do grupo germanista no Brasil, enquanto a maioria da intelectualidade nacional, pouco antes da proclamação da República, filiava-se à escola positivista de origem francesa. Foi um dos precursores na literatura penal brasileira, filósofo do direito e um dos agitadores intelectuais da “Escola de Recife”, opondo-se à continuidade da filosofia do direito natural na cultura jurídica brasileira. (LIMA LOPES, 2009, p.306).

56 O teatro foi outra atividade a que se dedicaram, como derivativo, os estudantes no Norte e no Sul (VENÂNCIO FILHO, 1982, p.140).

57 Na atividade literária predominava a poesia, a que todo jovem se arrogava o direito de praticar, considerando-se desprestigiado quem não o fizesse. Essa importância fica devidamente cristalizada quando mais tarde a Faculdade de Direito de São Paulo inscreve no frontispício de suas arcadas não o nome de três jurisconsultos, mas o nome de três poetas: Álvares de Azevedo, Castro Alves e Fagundes Varela (Idem, p. 144).

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61

leituras germânicas sobre as determinações das raças e a defesa – que consagrou a figura de Silvio Romero – de uma mestiçagem moral e física enquanto recurso de unidade nacional. Já a escola paulista analisava com cautela a introdução dos modelos darwinistas sociais. Revelador é o debate sobre a entrada de imigrantes asiáticos e africanos, tônica central da várias sessões na Câmara de Deputados e de outras instâncias atuantes durante os anos 80 do século passado. Com efeito, partiu de São Paulo a política mais restritiva e que propôs graves entraves à introdução de mão-de-obra negra e oriental. Nesse caso, São Paulo demonstrou na prática o quanto era permeável às conclusões teóricas racistas e darwinistas sociais, tão populares em Recife. Sempre em nome de um projeto eugênico de depuração das raças, a bancada paulista “composta pelos digníssimos bacharéis da escola paulista de Direito”, limitou a admissão a apenas alguns países, criticando duramente o que chamava ser “as características amorais dos africanos e dos chins”. Dessa maneira, enquanto na Escola de Recife um modelo claramente determinista dominava, em São Paulo um liberalismo de fachada – cartão de visitas para questões de cunho oficial -, convivia com um discurso racial, prontamente acionado quando se tratava de defender hierarquias, explicar desigualdades sociais. (SCHWARCZ,1994, p.142).

Já em outra obra, Lilia M. Schwarz (1993, p.96) afirma que, enquanto Recife

educou, e se preparou para produzir doutrinadores, “homens de sciencia” no sentido

que a época lhe conferia, São Paulo foi responsável pela formação dos grandes

políticos e burocratas de Estado [...]. Acima das divergências intelectuais, que de

fato existem, está um certo projeto de inserção, este sim, bastante diverso. De

Recife vinha a teoria, os novos modelos – criticados em seus excessos pelos juristas

paulistas; de São Paulo partiam as práticas políticas convertidas em leis e medidas.

Os cursos de São Paulo e Olinda formaram vários juristas, mas poucos

deles dedicaram-se ao magistério e, menos ainda deixaram obras escritas sobre o

direito. A maior parte optou pela carreira política. Dentre aqueles que se destacaram

oriundos de São Paulo pode-se citar: José Antônio Pimenta Bueno (Marquês de São

Vicente), Agostinho Marques Perdigão Malheiros, Américo Brasiliense, Paulino José

Soares de Sousa (Conselheiro), Conselheiro Lafayette Rodrigues Pereira, Aureliano

Tavares Bastos, entre outros. Já da escola de Olinda e Recife podemos citar

Augusto Teixeira de Freitas, Zacarias de Góes e Vasconcelos, Braz Florentino,

Tobias Barreto, dentre outros.

Já no período Imperial e na República citam-se várias figuras das mais

ilustres no cenário da política e das letras, como: Francisco Otaviano, Ouro Preto,

Rui Barbosa, Assis Brasil, Rodrigues Alves, Afonso Pena, Rio Branco, Pinheiro

Machado, Campos Sales, João Pinheiro, Afonso Arinos, Pedro Lessa, Venceslau

Brás, Bernardino de Campos, David Campista, Washington Luís, Afrânio de Melo

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62

Franco, Antônio Carlos, Altino Arantes, Artur Bernardes, Vergueiro Steidel, Macedo

Soares e outros. (VENÂNCIO FILHO, 1982, p.149).

Diante desse cenário, as funções públicas do Estado passam a ser

inundadas pelas presenças dos bacharéis, para isso vale apontar alguns dados

levantados no período compreendido entre 1830 e 1870:

A proporção de bacharéis que presidiram as Províncias do Império entre 1830 e 1870, comparada com Presidentes formados em outras áreas, chega a 60,05%. Em algumas Províncias, como Bahia, Goiás, Piauí e Pernambuco, a porcentagem de bacharéis que exerceram o cargo executivo chegava, respectivamente a 70,73%, 75,00%, 82,84% e 90,47%. Soma-se a esses dados, o fato de que muitos bacharéis presidiram mais de uma Província. Segundo o levantamento que fizemos, dos 478 bacharéis que presidiram Províncias entre 1830 e 1870, 99 (20,71% atuaram em mais de uma. (SILVA, 2003, p.10).

Logo, o plano de uniformização política era indissociável da concentração

cultural e, via de consequência, transpassa toda a pedagogia que foi implantada nas

referidas Academias. Essa política unitarista vai utilizar o curso jurídico como uma

nascente geradora de uma elite esclarecida.

Importante realçar que os “funcionários públicos, administradores,

burocratas, conselheiros, parlamentares, entre outros, constituíram-se em uma

“casta” ilustrada” (SILVA, 2008, p.02), educada na sua maioria nos cursos de Olinda

e São Paulo, criados à imagem do predecessor coimbrão.

Ou seja, na prática, essas faculdades foram responsáveis pela formação de

profissionais que ocuparam os cargos públicos, contudo não formaram uma elite

intelectual coesa e preparada:

As faculdades de direito prestaram-se mais a distribuir o status necessário à ocupação de cargos públicos de um quadro burocrático que já se expandia, que a propiciar efetivamente a formação de uma elite intelectual razoavelmente coesa e preparada. (KOZIMA, 2007, p.376).

Os cursos jurídicos foram, assim, no Império, o celeiro dos elementos

encaminhados “às carreiras jurídicas, à magistratura, à advocacia, e ao Ministério

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63

Público, à política, à diplomacia, espraiando-se também em áreas afins na época,

como a filosofia, a literatura, a poesia, a ficção, as artes e o pensamento social”.

(VENÂNCIO FILHO, 1982, p.273).

A ideologia jurídica nacional originou-se a partir dessas duas academias,

além de ter sido responsável pela formação da elite dirigente (estadistas,

magistrados e professores), compacta na medida do possível e que deverá

consolidar o projeto de Estado Nacional.

O exclusivismo das duas escolas para o ensino jurídico no Brasil começa a

sofrer um abrandamento diante da descentralização iniciada em 1900, com a criação

de mais quatro escolas, e que, “até 1930, faria aparecer outras seis, das existentes

no período atual, sem falar de numerosas outras que apareceram e desapareceram

em pouco tempo, por força das facilidades trazidas pela Reforma Rivadávia Correa

(1911)”. (Idem, p.201).

No estado do Paraná, a criação do curso jurídico ocorreu em 19 de

dezembro de 1912, beneficiada pela Reforma positivista de Rivadávia Correa,

associado aos cursos de engenharia, farmácia, odontologia, obstetrícia e comércio,

como curso de Medicina funcionando em 1914. Posteriormente, com a Reforma

Carlos Maximiliano (decreto n.º 11530, de 18 de março de 1915), a Universidade foi

dissolvida, e os cursos iniciais passaram a constituir três faculdades: a de Direito, a

de Engenharia e a de Medicina, sendo que a faculdade de direito foi a primeira a ser

reconhecida, já em 1920, e, a primeira turma em 1913, estava composta de 29

alunos matriculados. (Idem, p.212).

V. O pensamento liberal e o bacharelismo

Ao se estudar a emancipação política do Brasil, faz-se necessário analisar

os limites do liberalismo presentes nos fundamentos ideológicos do movimento da

independência capitaneado pelas elites proprietárias e pelos bacharéis. Ressalte-se

que as bases materiais do colonialismo estavam fixadas no parentesco, no

escravismo e nos interesses definidos pela grande propriedade rural.

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Esse padrão de relações sociais persistiu durante várias décadas, somente

principiou por ser alterada “à medida que as academias de direito fixavam suas

bases no cenário político nacional e cultural regional e à proporção que as relações

intra-acadêmicas se politizavam”. (ADORNO, 1988, p.28).

Inicialmente, os movimentos pela independência extrapolaram as diferenças

de classe e da heterogeneidade social, unindo interesses totalmente avessos que

conectavam a população livre em geral e as elites locais. A luta pela emancipação

fortaleceu vínculos até então inexistentes entre esses grupos sociais, porém que se

opunham à dominação portuguesa. Assim, o compromisso liberal significava para as

“elites proprietárias rurais a liberdade, progresso, modernização e civilização e, para

a população representava o fim da miséria, diferenças de cor, de privilégio, de

fortuna e de ocupação de cargos preferenciais” (Idem, p.34).

O cenário vivenciado pela população colonial desprovida da propriedade da

terra estava diretamente vinculado à pobreza e penúria, por conseguinte,

deteriorando-se as condições sociais dessa parcela da população em razão do

recrudescimento da política de restrição imposto pela metrópole. Em contrapartida,

apesar de todos os privilégios, a opressão lusitana tornou-se perniciosa aos

interesses dos grandes proprietários rurais, que desejavam abolir o monopólio sobre

a produção e comercialização de produtos primários, restauração da sua autoridade

perante as Câmaras municipais e, o mais importante, instituir a sociedade brasileira

originando-se do seu interior e mediante seus interesses.

A população livre participou do processo de emancipação, no entanto a

direção do movimento coube às elites locais, assim, em que pese à distinção dos

interesses das classes sociais, o movimento emancipatório acabou logrando êxito.

Três fatores foram determinantes para que isso ocorresse: I – estratificação social; II

– acirramento da repressão política; e, III – emergência do “espírito revolucionário”.

(ADORNO, 1988, p.39).

Um dos responsáveis pela introdução, difusão e infiltração na consciência

dos cidadãos brasileiros do ideal iluminista foram os intelectuais58 brasileiros

58 Para Maria Odila da Silva Dias (1968, p.106), os estudantes brasileiros na Europa não se deixaram influenciar com as idéias democráticas “ciosos como eram de seus privilégios de aristocratas”. Porém, acreditavam que a mecanização seria uma forma de livrar os escravos de seus sofrimentos.

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formados em Coimbra59 e, também, na França e Inglaterra. Nesse ambiente, os

estudantes originários das camadas mais ricas e privilegiadas da população

brasileira estabeleceram vínculos mais próximos com as ideias liberais, alguns dos

quais futuros estadistas e construtores da nação brasileira.

Acresce notar que após o intento libertário, as formas liberais de poder

determinaram a manutenção do status quo ante, isto é, o pressuposto liberal

originário do movimento separatista foi substituído paulatinamente por um

liberalismo regressista. Assim, o Estado brasileiro originou-se mediante um

liberalismo conservador exercido por minorias hegemônicas e antidemocráticas.

Os liberais no poder convertem-se em conservadores, em guardiões do país

contra a anarquia, “sendo este o primeiro drama do liberalismo brasileiro, ideologia

de oposição, demolitório, incapaz de governar de acordo com seu programa,

transformado, no poder, em conservador” (FAORO, 2001, p.345).

Logo, o liberalismo regressista fundava-se numa concepção de democracia

que negava60 as camadas urbanas pauperizadas e desprivilegiadas à capacidade de

participação, “o gosto pela liberdade de poucos sufocou o grito pela condição de

igualdade de muitos”. (ADORNO, 1988, p.47).

As ideias iluministas trazidas com o bacharelismo tornaram-se vazias de

conteúdo, já que existia uma curiosa contradição entre discurso e prática:

[...] Contrapondo-se à este, o liberalismo implantado no Brasil servia para garantir os interesses das oligarquias e dos grandes latifundiários, que eram a classe dominante na época, detentoras da propriedade privada e dos meios de produção de riqueza. (WOLKMER, 2006, p.78).

59 A independência provocou a formação de duas gerações distintas de políticos, uma formada em Portugal (Coimbra), a outra formada no Brasil (São Paulo e Olinda/Recife). A primeira dominou os dois primeiros períodos e ainda era importante no terceiro, mas desapareceu totalmente após 1853, isto é, a geração de Coimbra predominou exatamente durante a fase de consolidação política do sistema imperial. (CARVALHO, 2003, p.80).

60 Para Caio Prado Júnior (1987, p.52-53), “a Independência se fez por uma simples transferência política de poderes da metrópole para o novo governo brasileiro. E na falta de movimentos populares, na falta de participação direta das massas neste processo, o poder é todo absorvido pelas classes superiores da ex-colônia, naturalmente as únicas em contato direto com o regente e sua política. Fez-se a Independência praticamente à revelia do povo; e se isto lhe poupou sacrifícios, também, afastou por completo sua participação na nova ordem política. A Independência brasileira é fruto mais de uma classe que da nação tomada em conjunto”.

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Ou seja, no Brasil, “fez-se uma reforma absolutista centrada nas bases

colonialistas e no conservadorismo, em que o bacharel em direito tornou-se, assim,

a espinha dorsal do Estado brasileiro” (SCHWARTZ, 1979, p.110), a quem coube

sempre o papel de consolidar e garantir a manutenção do modelo e, não a sua

ruptura. Isto é, segundo Faoro (2001, p.331), o regime colonial não se extingue,

apenas moderniza-se.

Conceitua-se o fenômeno do bacharelismo como o predomínio de bacharéis

na vida política, social e cultural do país, exercendo papel central na estruturação do

Estado-nação e, preenchendo os principais cargos públicos e irradiando-se por

todos os poderes seja no Império ou na República, “as faculdades de direito eram

ante-salas da Câmara”. (NABUCO, 2000, p.22).

Em quase todos os grandes acontecimentos políticos sociais da história

nacional, os bacharéis estiveram envolvidos; inclusive a Inconfidência Mineira e as

revoluções pernambucanas foram revoluções de bacharéis:

A Inconfidência Mineira foi uma revolução de bacharéis – pelo menos de clérigos que eram antes bacharéis de batina do que mesmo padres, alguns educados em Olinda, no seminário liberal de Azeredo Coutinho, em todos os principais ramos da literatura, própria não só de um eclesiástico, mas também de um cidadão que se propõe a servir o Estado – como foram as duas revoluções pernambucanas preparadas por homens também do século XVIII: a de 1817 e a de 1824. (FREYRE, 1981, p.960).

O “prestígio do ‘título de bacharel’ e de ‘doutor’ veio crescendo nos meios

urbanos e mesmo nos rústicos desde o começo do Império. [...] principiaram desde

os primeiros anos do século XIX a anunciar o novo poder aristocrático que se

levantava, envolvido nas suas sobrecasacas e nas suas becas de seda preta, que

nos bacharéis – ministros, ou nos doutores – desembargadores, tornavam-se becas

“ricamente bordadas e importadas do Oriente”. Vestes quase de mandarins. Trajos

quase de casta”. (FREYRE, 1981, p.966).

Para alguns pesquisadores estadunidenses61 essa semelhança entre a elite

política e o mandarinato mencionado por Freyre não estava somente no vestuário,

mas abrange toda a essência do sistema político:

61 Eul-Soo Pang e Ron L. Seckringer. Mandarins do Brasil Imperial. University of California Press, 1972.

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Decidido que o bacharel em Direito fosse entrar na política, seus primeiros contatos eram feitos através do sistema familiar; as ligações políticas e econômicas de seu pai eram especialmente importantes em determinar as oportunidades do jovem. Alguns futuros mandarins recebiam nomeações imperiais importantes logo após a formatura. [...]. As posições comumentes indicadas para os jovens bacharéis eram as de juiz municipal, juiz de Direito, promotor público, delegado de polícia e vários outros cargos menores em órgãos provinciais e centrais. [...]. Após o início da carreira política, o bacharel progredia de acordo com a combinação de personalidade, carisma, talento, laços de casamento, ligações familiares e sorte política.

Em suma, os cargos públicos foram utilizados pelos herdeiros dos

poderosos locais para que pudessem ingressar na esfera burocrática estatal de

preferência junto ao poder judiciário, mantendo dessa forma a perpetuação do seu

domínio local.

O próprio sistema produzia escolas para gerar letrados e bacharéis para

compor a burocracia estatal. O intento seria o emprego e, por via dele, o estamento

burocrático, “num processo de valorização social decorrente do prestígio do mando

político” (FAORO, 2001, p.446). O caminho a ser percorrido pelos postulantes tinha

início na escola, depois nos casarões dos jesuítas, em seguida por Coimbra e,

também, pelas academias de Olinda, São Paulo e Recife.

A supremacia dos bacharéis em direito na política era tanta que a função de

Ministro do Império foi ocupada por 211 (duzentas e onze) pessoas; total 147 (cento

e quarenta e sete) eram diplomados em direito, 49 (quarenta e nove) eram formados

nas academias militares, 07 (sete) não possuíam formação superior, 06 (seis) eram

médicos, 01 (um) era clérigo, e 01 (um) era engenheiro ou matemático.

TABELA 2 – MINISTROS DO IMPÉRIO. Formação Profissional Quantidade Porcentagem Bacharéis em Direito 147 68%

Escolas Militares 49 23%

Sem diploma superior 07 4%

Medicina 06 3%

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Clérigo 01 1%

Engenharia Civil ou Matemática 01 1%

TOTAL 211 100%

FONTE: Carvalho, José Murilo de. 2003. Organizado pelo autor da dissertação.

O predomínio dos bacharéis espraiou-se, também, para as funções de

Presidente do Conselho no período imperial. De acordo com a historiografia o cargo

foi ocupado por 24 (vinte e quatro) pessoas, das quais 18 (dezoito) eram bacharéis

em direito, 03 (três) em Engenharia Civil ou Matemática, 01 (uma) em medicina e 02

(duas) eram formadas em Escolas Militares.

TABELA 3 – PRESIDENTES DO CONSELHO. Formação Profissional Quantidade Porcentagem Bacharéis em Direito 18 74%

Engenharia Civil ou Matemática 03 16%

Escolas Militares 02 7%

Medicina 01 3%

TOTAL 24 100%

FONTE: Carvalho, José Murilo de. 2003. Organizado pelo autor da dissertação.

Desse total de bacharéis que foram Presidentes do Conselho, 06 (seis)

cursaram a Universidade de Coimbra, 04 (quatro) frequentaram a Academia de São

Paulo e, 08 (oito) a Academia de Olinda-Recife. O cargo público, a velha realidade

do estamento, será o único foco de poder, poder que dá prestígio, enobrece,

propicia e legitima a riqueza.

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TABELA 4 – PRESIDENTES DO CONSELHO/FORMAÇÃO JURÍDICA.

Formação Quantidade Coimbra São Paulo Olinda-Recife Bacharéis em Direito 18 06 04 08

TOTAL 100% 33% 22% 45%

FONTE: Carvalho, José Murilo de. 2003. Organizado pelo autor da dissertação.

Durante esse período histórico a elite brasileira passa a ser hegemonizada

pelos bacharéis em direito, contudo preservando-se o conservadorismo e o

reacionarismo das elites dominantes. Não se pode esquecer que tiveram papel

importantíssimo na manutenção do território nacional, tendo em vista que seu

objetivo elementar residia na manutenção geográfica, ou seja, constituição do

“estado nacional” (PASE, 2006, p.98), contudo essas mudanças tinham alcance

extremamente limitado, já que não envolvia a implantação do liberalismo

democrático.

Assim sendo, essa migração de uma sociedade escravista para sociedade

capitalista terá na figura do bacharel em direito o ponto central, pois se torna

indispensável para a incursão dos cargos da burocracia estatal.

Todavia, diante da grande oferta de bacharéis em direito, passou-se a gerar

um desequilíbrio entre oferta e demanda de graduados que acabavam não sendo

absorvidos pela magistratura; em consequência e diante do desenvolvimento do

país, foram surgindo oportunidades de emprego no campo da advocacia. Segundo

José Murilo de Carvalho (2003, p.86), “a própria elite política ao final do período era

composta predominantemente de advogados, enquanto no início dominavam os

magistrados”.

De acordo com as informações constantes do censo de 1872, havia no país

968 juízes e 1.647 advogados, num total de 2.642 pessoas. Somente a escola de

Recife formara, entre 1835 e 1872, 2.290 bacharéis. Esse excesso de profissionais

gerou uma procura desesperada por emprego público, “o que iria reforçar também o

caráter clientelístico da burocracia imperial”. (Idem, p.86).

Assim, aquelas famílias oligárquicas que arruinaram suas fortunas advindas

da escravidão e do controle do latifúndio, notaram uma grande oportunidade de

elevar-se e manter a sua condição social migrando a sua cobiça para a estrutura

burocrática por meio do bacharelismo.

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Esse fenômeno de encampação dos cargos públicos pelos descendentes

das famílias ricas e fidalgas ficou conhecido como ‘funcionalismo’. Neste caso a

estrutura burocrática estatal passou a representar um porto seguro para as antigas

famílias oligárquicas arruinadas economicamente:

[...]. O funcionalismo é, como já vimos, o asilo dos descendentes das antigas famílias ricas e fidalgas, que desbarataram as fortunas realizadas pela escravidão... as profissões chamadas independentes, mas que dependem em grande escala do favor da escravidão, como a advocacia, a medicina, a engenharia, têm pontos de contato importantes com o funcionalismo, como sejam os cargos políticos, as academias, as obras públicas. (NABUCO, 1949, p.158-159).

Contextualizando, deve-se assinalar que com a decadência econômica

alguns grupos de famílias pertencentes à elite rural e oligárquica transferiram a sua

ambição dos meios de produção para o controle dos meios burocráticos do Estado,

buscando manter sua hegemonia e sua posição social.

Além da educação superior, outro fator que contribuiu para que a elite

imperial tivesse uma unidade foi a chamada - ocupação. Essa ocupação,

principalmente se “organizada em profissão, pode constituir importante elemento

unificador mediante a transmissão de valores, do treinamento e dos interesses

materiais em que se baseia” (CARVALHO, 2003, p.95). Caso o recrutamento dessa

elite política recaia sobre um número pequeno de membros, aumenta-se o índice da

homogeneidade ideológica e de habilidades e interesses (Idem, p.95).

Nesse mesmo prisma, a burocracia estatal ansiava por profissionais

formatados dentro de uma cultura ideologicamente determinada, conveniente ao seu

intento:

[...]. A burocracia estatal demandava profissionais, e desejava tê-los preparados dentro de uma cultura ideologicamente controlada, cujas origens fossem seguramente determinadas, e cujas inspirações fossem necessariamente convenientes e proporcionais à docilidade esperada do bacharel em Direito. (BITTAR, 2001, p.68).

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A estrutura burocrática, fundada no “sistema patrimonial do capitalismo

politicamente orientado, adquiriu o conteúdo aristocrático, da nobreza da toga e do

título. A pressão da ideologia liberal e democrática não quebrou, nem diluiu, nem

desfez o patronato político sobre a nação” (FAORO, 1985, p. 747-748), tornando-se

impermeável ao interesse da maioria.

As próprias características da sociedade capitalista favoreciam a prevalência

da classe dominante sobre a classe dominada, já que diante desse cenário

mantinham o controle do aparelho do Estado. A burocracia estatal nos remete para a

luta de classes:

[...] se o burocratismo e a burocracia estão em relação com o Estado capitalista, isso vai remeter-nos para o problema das relações da burocracia com a luta de classes numa formação capitalista. Só essa relação pode nos revelar-nos a autonomia relativa da burocracia face às classes dominantes nessa formação que, juntamente com a sua unidade própria, a constitui em categoria específica. (POULANTZAS, 1971, p.201).

O ideário liberal propagado pelos burgueses na Europa, em razão do

combate à monarquia, estendeu-se para o mundo todo, chegando até o Brasil e

auxiliando na proclamação da Independência. Porém, o ideal liberal implantado

neste país acabou se transfigurando quando comparado ao europeu.

Seguindo nessa perspectiva, e complementando a discussão acima

expendida, faz-se necessário traçar algumas linhas sobre a composição dos partidos

políticos surgidos nesse período imperial, de sua ideologia e sua origem social.

Esses pequenos agrupamentos locais, depois de 1832, passaram a filiar-se

a associações mais vastas, que são os partidos políticos, de base provincial primeiro

e, depois, de base nacional – o Partido Conservador e o Partido Liberal. (VIANA,

1982, p.504).

A formação desses dois grandes partidos, que subjugaram a vida política do

período imperial até o seu término, ocorreu em consequência do Código de

Processo Criminal de 1832 e pelo Ato Adicional de 1834.

O Código de Processo, baseado em sua democracia municipalista, forçava

os poderosos locais ao diálogo e à formação de alianças entre si para elegerem as

autoridades locais, como os juízes de paz, os juízes municipais, os vereadores e os

oficiais da Guarda Nacional, sendo que esses cargos eram eletivos e de grande

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importância para os “clãs feudais ou parentais” (Idem, p.505). Além disso, “é nesta

fase de sincretização dos clãs rurais que começam a definir-se e a estabilizar-se os

“clãs eleitorais’ – clãs já agora de base municipal e não mais feudal puramente,

como os clãs dos domínios. Este movimento de concentração se processa,

primeiramente, em torno da autoridade provincial e opera-se entre 35 e 40 e vai até

à Lei de 3 de dezembro de 1841” (Idem, p.505).

Após a proclamação de referida lei, surge a grande centralização do Império,

que vai se prorrogar até o ano de 1889, com o advento da proclamação da

República, e, via de consequência, operando-se a agremiação em nível nacional

destes clãs.

Ou seja, os partidos passam a despontar em decorrência de pretextos

pessoais, que estavam vinculados sempre em ambições, vaidades e nas

preocupações de prestígio de famílias, que possuíam um único objetivo que era de

aliar-se ao governador. Na hipótese de insucesso, buscavam depô-lo, empregando

nesse intento as forças militares, tropas de linha ou milícias, originando tantos

motins no primeiro império e na Regência.

A gênese do partido conservador acontece da arregimentação de ex-

moderados e ex-restauradores sob a “liderança do ex-campeão liberal Bernardo

Pereira de Vasconcelos”. (CARVALHO, 2003, p.204). Objetivavam a reforma das leis

da descentralização, num movimento chamado pelo próprio Vasconcelos de

Regresso; já aqueles que defendiam as leis descentralizadoras associaram-se ao

partido denominado liberal.

Os conservadores perseguiam o fortalecimento do poder central, o controle

centralizado da magistratura e da polícia, o fortalecimento do poder moderador,

tendo como seus principais representantes dois magistrados, Bernardo Pereira de

Vasconcelos, e seu discípulo político, Paulino José de Sousa (Visconde do Uruguai),

“sendo que todas as leis do Regresso tiveram a marca desses dois líderes” (Idem,

p.206).

Em contrapartida, os liberais postulavam maior descentralização; a partir da

década de 1860, foram inseridas novas reivindicações referentes às liberdades civis,

participação política e reforma social. Para estes, o Estado não deveria substituir-se

à sociedade, devendo limitar-se ao controle da justiça, polícia, ordem e impostos.

Tendo como principais expoentes, Teófilo Ottoni, Paula Souza, Vergueiro e Silveira

da Motta.

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Para arremate, diante do alijamento dos magistrados e do enfraquecimento

das regiões de agricultura de exportação, o partido conservador acaba perdendo

força. Já o partido liberal acaba “perdendo substância com a debandada para o

Partido Republicano dos líderes das antigas regiões marginais, agora colocadas na

ponta da nova agricultura de exportação, e dos liberais urbanos”. (Idem, p.225). E,

correndo por fora, o setor militar da burocracia que por não estar atrelado a nenhum

dos grupos civis em ascensão, realizou uma aliança tática com o partido

conservador, consolidando a República.

Enfim, os bacharéis passam a ser essenciais para a composição da

estrutura burocrática exigida pelo Estado, ainda mais pelo fato de as classes

dominantes brasileiras terem interesse na estrutura de burocratização estatal para o

prevalecimento de seus interesses em detrimento dos demais, e para isso utilizaram

o bacharel em direito para tal desiderato, isto é, os bacharéis tornam-se meros

administradores das pretensões das elites locais.

VI. Criação do Paraná, imigração, erva-mate e a organização do sistema judicial

Ao tratar-se da organização judiciária no Paraná, faz-se necessário efetuar

uma reconstrução dos dados históricos pretéritos e que interessam ao presente

estudo. Ressalte-se que não se trata, de descrever a história do Paraná, mas

somente apontar alguns episódios e momentos significativos da construção de uma

história regional.

Resta cediço o entendimento de que Portugal utilizou o sistema de

colonização denominado capitanias hereditárias, diante do alto custo das

expedições às terras descobertas, para que os particulares a colonizassem e

preservassem. Diante desse cenário, duas capitanias são fundamentais a nossa

pesquisa: “São Vicente, doada a Martin Affonso de Souza, desde a barra de São

Vicente ou de Santos até 12 léguas ao sul da ilha da Cananéia, isto é, até a barra

setentrional da enseada de Paranaguá; e a de Santo Amaro, doada a Pero Lopes de

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Souza62, que se estendia da Barra de Paranaguá até ao sul da Laguna”. (MARTINS,

1995, p.201).

Com o passar do tempo, as duas capitanias foram transmitidas para Lopo

de Souza, a de São Vicente diante de sucessão hereditária e a de Santo Amaro por

doação da sua prima D. Isabel Miranda, entretanto D. Álvaro Pires de Castro e

Souza63 reivindicou judicialmente a de Santo Amaro vindo a obter êxito. Porém, em

razão da longa demanda, surgiu uma série de complicações na administração de

ambas as capitanias, o que levou D. João V a adquiri-las em 1709-1711.

Até metade do século XVII, o litoral paranaense esteve unido

jurisdicionalmente à Capitania de Itanhaém que havia sido criada pela condessa de

Vimiero, irmã de Lopo de Sousa, após ter perdido a disputa judicial pela capitania de

Santo Amaro.

Em 1656, o Marquês de Cascais64deu origem à capitania de Nossa Senhora

do Rosário da Capitania de Paranaguá, nomeando Gabriel de Lara como capitão-

mor, ouvidor e alcaide-mor da vila. Em oposição, a Câmara local resistiu em dar

posse a Lara nesses cargos, somente o fazendo em 15 de março de 1660.

A tarefa confiada a Gabriel de Lara, que era procurador do Marquês de

Cascais, era solucionar as disputas familiares entre D. Álvaro Pires de Castro e

Sousa (Marques de Cascais) e D. Luís Carneiro (Conde da Ilha do Príncipe), ambos

herdeiros de Pero Lopes de Sousa (havia naufragado na foz do Rio da Prata). Em

26 de dezembro de 1648, Gabriel de Lara ordenou uma convocação na porta de sua

residência, e na presença dos habitantes do povoado leu a Carta Régia da

Instalação da Vila. Em seguida procedeu, diante da concordância de todos, à

escolha dos eleitores entre os “homens bons”, constituídos por proprietários e chefes

de família, os demais moradores eram chamados de “pés rachados”, e, por serem

pobres não tinham direitos políticos. Empossando, após o juramento dos Santos

Evangelhos, os seguintes eleitos: para juízes foram escolhidos, João Gonçalves

Peneda e Pedro de Uzeda; para vereadores, Domingos Pereira, André Magalhães e

Manoel Coelho; para procurador do Conselho, o eleito foi Diogo Braga, e, Antônio

Lara para escrivão.

62 Filho de Martin Affonso de Souza (MARTINS, 1995, p.202). 63 Bisneto de Pero Lopes de Souza. (MARTINS, 1995, p.202). 64 D. Luiz Alvaro de Castro e Souza. (Idem, p.203).

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75

Contudo, em 1655, o Conde da Ilha do Príncipe nomeou Diogo Vaz de

Escobar Capitão-Mor e Ouvidor da Vila de Paranaguá, e a Câmara parnanguara

acolheu o documento e deu posse, permanecendo com dois capitães-mores ao

mesmo tempo, fato inédito na história do Brasil.

Diante desse impasse, o termo de Paranaguá chegou a ser separado, por

ordem do Marquês de Caiscais, criando outra Capitania, denominada de Paranaguá

e, nomeando Gabriel de Lara como Capitão Mór, Ouvidor e Alcaide-mór da Vila

(dada a influência política, e social desse personagem). Entretanto, em 30 de

novembro de 1660, a Vila de Paranaguá recebeu a visita do Governador do Rio de

Janeiro, Salvador Correia de Sá e Benevides, para inspecionar as minas de ouro.

Observou que o escasso rendimento da mineração era devido ao litígio envolvendo

os herdeiros de Pero Lopes de Souza, por meio de seus prepostos, produzindo

efeitos reflexos negativos na vida econômica da Vila econômica. Diante dessa

realidade, determinou que ela permanecesse em nome del-rei de Portugal não se

reconhecendo o direito dos donatários, pois havia dúvidas quanto aos seus direitos:

[...]. Resolveu então, que a mesma se conservasse em nome del-rei de Portugal, da mesma forma como se tinha criada. Resolveu ainda, que não se reconhecesse o direito dos donatários pleiteantes à sua posse, visto haver dúvidas quanto aos seus direitos. Entretanto, permitiu que a Vila continuasse constituída de todos os órgãos políticos: O Legislativo – representado pela Câmara Municipal; O Judiciário – pela Justiça Ordinária. O Executivo – pela Capitão Mór e Alcaide Mór. Dessa data em diante, Gabriel de Lara, em seus editais, assinava: “Povoador da Vila de Nossa Senhora do Rosário de Paranaguá, em nome de Sua Alteza Real e com os mesmos poderes de lugar-tenente e Procurador do Marquês de Cascais, na Vila de 40 léguas da parte Sul” (Essa era a extensão da costa que se pretendia fosse correspondente à doação feita a Pero Lopes de Souza). (VIANA, 1976, p.14).

Antonio Vieira dos Santos (1952, p.27), relata que “até 1700 havia só um

ouvidor para as Capitanias do Rio de Janeiro, São Vicente e Espírito Santo, sendo

que até o ano de 1675 não consta que tivesse vindo do Rio de Janeiro a Paranaguá

para fazer correição”.

A partir de então, na capitania de Paranaguá, o poder legislativo era

representado pela Câmara, já o poder judiciário pela justiça ordinária na investidura

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76

do ouvidor65 e o executivo na do capitão-mor e alcaide-mor, porém obedecendo à

jurisdição dos governadores-gerais do Rio de Janeiro.

Em data de 22 de junho de 1700, criou-se a ouvidoria-geral com sede em

São Paulo e sua competência capilarizava-se a todas as capitanias do sul, contudo

as longas distâncias e os obstáculos na comunicação foram entraves para a devida

administração da justiça. Já em 21 de fevereiro de 1720, desmembrou-se a

Capitania de São Paulo e Minas, com isso, todo o sul do país passou a pertencer a

São Paulo.

Rafael Pires Pardinho foi nomeado ouvidor-geral para as capitanias do Sul

em 1719, realizando a primeira correição em 1721 em Curitiba e Paranaguá. Nas

suas andanças observou a dificuldade que o ouvidor residente em São Paulo teria

para uma correta administração da justiça em toda a vasta extensão de sua

jurisdição. Chegou a percorrer vários locais em que jamais o ouvidor estivera antes,

assim postulou ao Conselho Ultramarino a necessidade de dividir um pedaço da

ouvidoria de São Paulo e criar uma nova com sede em Paranaguá.

Em 21 de agosto de 1724, foi nomeado o primeiro ouvidor, o Dr. Antônio

Alves Lanhas Peixoto, cuja jurisdição estendia-se por toda a parte sul do Brasil, “até

ao Rio da Prata, a oeste ia até as Furnas”, no sertão povoado e no “que estava por

descobrir e povoar” a linha que em Iguape tinha a sua baliza, prolongada para Oeste

dividiria “as inovadas povoações”. (MARTINS, 1995, p.209). A Ouvidoria de

Paranaguá estava compreendida num gigantesco território, incluindo os atuais

65 Requerimento para criação das Justiças: “Sr. Capp. am Povoador, Os moradores todos asistentes nesta povoação de Nossa Senhora da Luz e Bom Jisus dos Pinhais que atendendo ao serviço de Deos e o de Sua Majestade, que Deos Guarde, paz, quietasão e bem comum deste povo, e por ser já oje mui crecido por pasarem de noventa homens, e quanto mais cresce a gente se vão fazendo mores desaforos, e bem se vio esta desta andarmos todos com as armas na mão, e apoleirou-se dos outros mais e outros ensutos de roubos, como He notório e constante pelos casos que tem susidido e daqui em diante será pior, o que tudo causa o esta este dito povo tão desenparado do governo e desiplina da justiça. E atendendo nós, que ao dyante será pior por não aver a dita justiça e por ser já decrépito e não lhe obedeserem, seja servido promitir a que aja justisa nesta vila, nela a gente bastante para eyxerser os cargos da dita justisa que faz nomero de três povos, e pela ordenasão ordena Sua Majestade que avendo 30 homens se eleja justiça, e demais de que consta Vmc, por duas vezes procurou aos Cappitalis mores das capitanias de bayxo lhe viessem criar justiça na dita povoasão, sendo que não era nesesário por ter ávido já aqui justisa em algum tenpo criada pelo defundo Cappam-mór Gabriel de Lara, que levantou Pelourinho em nome do donatário o Sr. Marquez de Cascais - ; Pello que requeremos a Vmç. da parte de Deos e d´el-Rei que visto o que alegamos e o nosso pedir ser justo e bem comum de todo este povo, mande ajuntar e fazer alejsão e criar justisa na camara formada pêra que assim aja temor de Deos e d´el-Rei e por as coisas em caminho. E receberá Mercê. Despacho: Junte-se o povo. Referireis o que ao que pedem. Pinhais 24 de Março de 1693. – Leme. (WACHOWICZ, 2010, p.86).

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Estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e a República do

Uruguai.

Entretanto, após a expedição do alvará de 16 de dezembro de 1812, criava-

se a Comarca de São Pedro do Rio Grande e Santa Catarina, vindo a ser dividida

somente em 12 de fevereiro de 1821, originando-se a Comarca do Rio Grande do

Sul e a Comarca da ilha de Santa Catarina. Enfim, em 19 de fevereiro de 1812, a

ouvidoria de Paranaguá foi remanejada para Curitiba e, com o advento do Código de

Processo Criminal, em 183266, as ouvidorias foram extintas.

Dentre os ouvidores que exerceram a atividade jurisdicional em Paranaguá

(até 1812) e Curitiba (1812 até 1832) pode-se citar os seguintes magistrados: Dr.

Antônio Alves Lanhas Peixoto67, Dr. Antônio dos Santos Soares68, Dr. Manoel dos

Santos Lobato69, Dr. Gaspar da Rocha Pereira70, Dr. Manoel Tavares de Siqueira e

Sá71, Dr. Antônio Pires da Silva e Melo Porto Carreiro72, Dr. Jeronimo Ribeiro de

Magalhães73, Dr. Antônio Barbosa de Matos Coutinho74, Dr. Francisco Leandro de

66 O Tribunal do Júri foi estabelecido pelo Código de Processo Criminal do Império (1832), na esteira da Constituição Imperial, permitindo que a população julgasse a maior parte dos crimes, constituindo um ataque à elite judicial e servindo como forma de democratização da justiça.

67 Erigiu vila a povoação de Desterro (atual Florianópolis) a 26 de março de 1725, e em maio de 1730 foi morto pelos índios paiaguás na embocadura do rio Jaguari, em Mato Grosso. Mas já então não era considerado ouvidor de Paranaguá, visto ter aceito igual investidura em Cuiabá (MARTINS, 1995, p.210-211).

68 Deu ampla liberdade aos mineradores, permitindo até que qualquer pessoa pudesse explorar catas e faisqueiras que estivessem em abandono, sem obrigação de as comprar. Seu estado de saúde foi precário durante todo o tempo que permaneceu em Paranaguá (Ibidem, p.211).

69 Durante sua jurisdição foram criadas quatro Intendências de Minas na Capitania de São Paulo: em Goiás, Cuiabá, Paranapanema e Paranaguá. Perdeu o cargo de ouvidor por se haver casado, em Paranaguá com dª Antonia da Cruz França pois, pelo Regimento dado ao ouvidor geral do Brasil a 14 de abril de 1628, art. 22 e Carta Régia de 27 de março de 1734, o ouvidor não podia casar nem mesmo ajustar casamento no distrito de sua jurisdição, enquanto esta durasse, sob pena de ficar vago o seu ofício, sem necessidade de processo algum. (Ibidem, p.211).

70 A única informação sobre esse ouvidor é que foi o sucessor do ouvidor Lobato. (Ibidem, p.211). 71 Ex-juiz de fora da vila de Redondo, na Província do Alentejo, em Portugal. Era um nome literário

em evidência, tendo sido secretário da Academia dos Seletos, fundada no Rio de Janeiro em 1752. (Ibidem, p.212)

72 Da Comarca, no seu tempo, foi desanexada Santa Catarina, a 1º de junho de 1750, quando o dr. Manoel Jose de Faria tomou posse da nova Comarca ali criada pela Carta Régia de 20 de novembro de 1749.

73 Desconhece-se quando deixou a Ouvidoria, mas, depois dele, muitos anos levou a Comarca sem ouvidor efetivo, sendo o cargo exercido, na forma da lei, pelo vereador mais velho da sede. Em 1767, escrevia o governador da Capitania de São Paulo ao vice-rei estar a Comarca de Paranaguá, “há muitos anos sem Ouvidor letrado”, o que já havia feito presente a Sua Majestade. (Ibidem, p.212).

74 Em 1777 era ouvidor de Paranaguá, pois o elogiava pelos seus esforços, nesse ano, o governador paulista Martim Lopes Lobo de Saldanha em ofício de 21 de Abril de 1778 a Martinho de Melo e Castro. Em 1779 fez correição na vila de Iguape. (Ibidem, p.212).

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Toledo Rendon75, Dr. Manoel Lopes Branco e Silva76, Dr. João Batista dos

Guimarães Peixoto77, Dr. Antônio de Carvalho Fontes Henrique Pereira78, Dr. João

de Medeiros Gomes79, Dr. José Carlos Pereira de Almeida Torres80, Dr. José de

Azevedo Cabral e Dr. José Verneck Ribeiro de Aguilar81.

Com o advento da extinção das ouvidorias das comarcas, os magistrados

seriam selecionados pelo Imperador, porém os candidatos teriam que preencher

algumas condições, dentre elas: ser formado em direito, ter mais de 22 anos, ser

bem avaliado e ter no mínimo um ano de prática no foro. Incumbia ao magistrado

encaminhar os termos de sua jurisdição norteando os conselhos de jurados; deveria

regulamentar o sorteio dos jurados; iniciar os jurados, repassando informações

sobre os pontos de direito; organizar a polícia das sessões chamando à ordem os

que dela se desviassem; e por fim, administrar o debate das partes, entre outras

atribuições.

Aludida lei determinava ainda que após o transcurso de 04 (quatro) anos da

sua execução os magistrados seriam escolhidos dentre aqueles bacharéis de direito

75 Nomeado a 2 de abril de 1783, era irmão do Tenente General José Arouche de Toledo Rendon, primeiro diretor do Curso Jurídico de São Paulo e de Diogo de Toledo Lara Ordonhes, Desembargador do Paço, Conselheiro de Fazenda, sócio correspondente da Academia Real das Ciências de Lisboa e Alcaide-mor da Vila da Paranaguá por despacho de 22 de janeiro de 1820.

76 Tomou posse a 9 de outubro do ano seguinte. Erigiu vila a freguesia de Nossa Senhora do Pilar da Graciosa, com a denominação de Antonina, “em memória do nome de sua Altera Real o Príncipe Dom Antônio”, a 6 de novembro de 1797. (Ibidem, p.213).

77 Em 1802, foi suspenso do cargo pelo governador paulista Antônio Manoel Castro e Mendonça. Fugiu para Pernambuco de onde era natural, a fim de evitar ser recolhido a São Paulo, conforme lhe ordenara aquele governador. (Ibidem, p.213)

78 Tomou posse do cargo de ouvidor a 9 de fevereiro de 1804. Tomou parte na vereança de Iguape em que se tratou do refazimento da igreja matriz. (Ibidem, p.213)

79 Nomeado por Decreto de 6 de fevereiro de 1810, tomando posse a 19 de março de 1812. Foi o último ouvidor com residência em Paranaguá, pois o Alvará de 19 de fevereiro de 1812 transferiu a sede da Comarca para Curitiba, o que foi cumprido por este ouvidor. O citado Alvará deu a denominação de Comarca de Paranaguá e Curitiba à antiga Comarca de Paranaguá e criou na vila desta denominação um lugar de juiz de fora, ficando daí em diante a vila de Curitiba sendo a cabeça de Comarca e residência dos Ouvidores. (Ibidem, p.214).

80 Contra esse ouvidor o governo provisório de São Paulo representou ao príncipe regente. Durante sua gestão deu-se a desanexação da vila de Lages e seu termo da Província de São Paulo e sua união à de Santa Catarina (Alvará de 9 de setembro de 1820) e da Comarca de Paranaguá e Curitiba a Comarca de Santa Catarina. (Alvará de 1º de fevereiro de 1821). O ouvidor Almeida Torres ocupou, depois, o lugar de ouvidor da Comarca do rio das Mortes, com sede em São João del Rei, em 1824; foi agraciado com o título da visconde de Macaé; eleito Deputado pela Província de São Paulo e senador pela da Bahia, em 1843; duas vezes presidente de São Paulo, em 1829 e 1842 e do Rio Grande do Sul em 1830; ministro do Império em 1844; e presidente do Conselho de Ministros em 1848. (Ibidem, p.214).

81 Empossou-se a 26 de julho de 1824. Foi, depois, desembargador da Relação da Bahia e a seguir da Casa de Suplicação do Rio de Janeiro. Casou-se em Curitiba com dª Ana de Sá Soto Maior, filha do coronel Inácio de Sá Soto Maior. Foi o último ouvidor da Comarca de Paranaguá e Curitiba. (Ibidem, p.215).

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que tivessem servido com dignidade os cargos de juiz municipal ou de órfãos e

promotores públicos ao menos por um período de 04 (quatro) anos completo.

O Paraná era a 5ª (quinta) Comarca de São Paulo e estava dividida em

1842, nos seguintes termos82: Curitiba, Castro, Príncipe (Lapa), Paranaguá,

Guaratuba, Antonina e Morretes, sendo que os “esforços pela elevação do território

meridional paulista em uma nova Capitania e depois em uma nova Província,

duraram cerca de meio século. Tiveram início em 1811, numa representação feita a

D. João VI pela Câmara Municipal de Paranaguá, por intermédio do conde de

Aguiar, findaram em 1853, com a sanção do projeto do Senador Honório Hermeto

Carneiro Leão, marquês do Paraná, a 29 de agosto”. (MARTINS, 1995, p.323).

Frise-se que o ideal separatista pretendido pelos habitantes de Paranaguá e

Curitiba somente reverberou com mais intensidade diante das autoridades

provinciais, no momento em que os ideais liberais83 irromperam por todo o país,

iniciando a guerra dos Farrapos84, em 1835, e, o movimento revolucionário em

Sorocaba, em 1840, chefiado pelo ex-presidente de São Paulo, Rafael Tobias. A

Comarca de Curitiba estava estrategicamente “a meio caminho entre as duas

revoltas, e próxima à Argentina e ao Paraguai, de onde poderiam vir reforços

destinados aos revolucionários” o risco de que os habitantes aderissem a esses

movimentos, ampliando-os, trouxe à tona o debate sobre a separação da Comarca

(BAHLS, 2007, p. 24).

Além da função de fronteira da Comarca de Curitiba com o Rio Grande do

Sul, Argentina e Paraguai, bem como a indefinição dos limites com o território das

Missões, outros argumentos no aspecto econômico eram utilizados para sensibilizar

o Ministro do Império, as relações comerciais com o mercado platino e com o norte

do Brasil, além do papel do porto de Santos como empecilho ao desenvolvimento da

comarca (BEGA, 2001, p.88).

82 Expressão jurídica que serve para designar uma cidade que vai ser abrangida por outra, no caso pela comarca.

83 As manifestações de independência ocorridas, em São Paulo, seriam reflexos do movimento liberal que aconteceu na cidade do Porto, em Portugal, em 1820, quando os portugueses criticavam a permanência da Corte no Rio de Janeiro (BAHLS, 2007, p.23).

84 A Guerra dos Farrapos ocorreu no Rio Grande do Sul quando o Brasil era governado pelo Regente Feijó (Período Regencial). Esta rebelião, gerada pelo descontentamento político, durou por uma década (de 1835 a 1845). O estopim para a revolta foi as grandes diferenças de ideais entre dois partidos: um que apoiava os republicanos (os Liberais Exaltados) e outro que apoiava os conservadores (os Legalistas). Seu líder foi Bento Gonçalves da Silva (Idem, p.24).

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80

Ademais, os habitantes da Comarca de Curitiba apresentavam uma

incontestável apatia política, pois sequer tiveram alguma participação de destaque

no processo de independência da colônia que se alastrava pelo país. Esse

comportamento justifica-se, pois, “era uma das regiões de São Paulo mais leais à

estrutura econômica e social do antigo regime”. (HOLANDA, 1967, p.457).

O Paraná terá com uma de suas características a sintonia com o centro de

gravidade da política brasileira “sempre assumindo o lado das tendências que

constroem o consenso vitorioso nas conciliações políticas brasileiras. O seu destino

em 1894 foi deter no seu território as vanguardas federalistas. Em 1930 abriu a

passagem para o cerco do Catete em Itararé, o que se repetiu em 1932 no

isolamento e derrota da revolução constitucionalista de São Paulo. Em 1964 apoia o

movimento de 1964, e em 1982 endossa a redemocratização do PMDB. (OLIVEIRA,

2001, XXVII).

Inclusive, o ideário liberal, tem “um significado na administração da

estratégia imperial, à medida que os liberais curitibanos deixam de se aliar aos

revolucionários e aderem a uma tática de preservação da unidade hegemônica

imperial” (BELOTO, 1990, p.62). Além disso, outros fatos importantes ocorriam no

país quando da emancipação política do Paraná85, por exemplo, a edição da Lei de

Terras86 e a abolição do tráfico negreiro87.

85 O grande teste para o projeto de emancipação foi a Revolta Liberal de 1842. A classe dominante do Paraná apoiou substantivamente a lealdade imperial. A Comarca separava os revoltosos de São Paulo e do Rio Grande do Sul. Esse apoio foi observado pelo núcleo de estrategistas do Partido Conservador. O retorno liberal de 1844 atrasou o projeto e emancipação. Com o retorno da situação conservadora em 1848 e vencida a praieira, o projeto se viabiliza. Em pleno gabinete Itaboraí, a lei n.º 704 de 29 de agosto de 1853 criava a Província do Paraná. (OLIVEIRA, 2001, XIX).

86 Para Ruy Cirne Lima (1954, p.81-82), o sistema de colonização da Lei de Terras, de 1850, foi influenciado pelo sistema territorial norte-americano (Wakefield), dentre as providencias que foram utilizadas estão as seguintes: 1) importação de trabalhadores, feita pelo governo, fixado, porém, o respectivo tempo obrigatório de serviço; 2) a alienação das terras devolutas por meio de venda, mas fora de hasta pública, e a preço tão elevado quanto bastasse para impedir o trabalhador importado de tornar-se proprietário, demasiado cedo; 3) a aplicação do produto total das alienações de terras a um fundo de imigração, destinado exclusivamente a custear a importação de maior número ainda de trabalhadores. Além disso, o artigo 18 de referida Lei autorizava o governo a importar colonos livres, - “para serem empregados, pelo tempo que for marcado, em estabelecimentos agrícolas ou nos trabalhos dirigidos pela administração publica, ou na formação de colônias, nos logares, em que estas mais convierem”.

87 O Segundo Reinado durou quase meio século (1840-1889). O impacto das mudanças em curso nos países industrializados da Europa atingiu o Brasil, provocando modificações em nossa sociedade e economia. A pressão externa resultaria, em 1850 (Lei Eusébio de Queirós), na abolição do tráfico de escravos, mas apesar disso, os produtores rurais brasileiros continuavam a utilizar a mão de obra escrava, até sua abolição em 1888. Com a revolução Industrial, a Inglaterra procurava ampliar seus mercados consumidores associados, tanto na África como no Brasil. Os escravos não consumiam quase nada daquilo que era exportado pela Inglaterra: a alimentação era

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Após longas negociações, em data de 29 de agosto de 1853, foi sancionada

pelo Imperador a lei de n.º 704, sendo que a comarca de Curitiba88, então

pertencente à província de São Paulo, foi elevada à categoria de província,

recebendo a denominação de Província do Paraná, pela lei de n.º 02, de 06 de julho

de 1854.

A partir do estabelecimento da Província, o fortalecimento das estruturas

estatais tornou-se imprescindível. O presidente89 Zacarias de Góes e Vasconcelos

dividiu a antiga Comarca de forma a facilitar sua administração, já que importantes

funções administrativas, como a de juiz de direito, tornavam-se penosas diante das

longas distâncias a serem percorridas, ora em direção à marinha, ora em direção

dos Campos Gerais. Em virtude disso, criaram-se três comarcas na Província: uma

no litoral, com sede em Paranaguá, e duas nos planaltos, com sede em Curitiba e

em Castro, respectivamente. (BAHLS, 2007, p.27). Além disso, organizou uma

Companhia Policial, determinou a criação de vias de acesso para ligar Curitiba ao

Litoral com a construção da Estrada da Graciosa, escolas primárias, Tesouraria

Geral, agência postal etc.

A escolha de Curitiba como sendo a capital da Província ocorreu somente

em 26 de julho de 1854, correspondendo à orientação do governo imperial, ou seja,

uma imposição política. Além do que, a proximidade de Curitiba das localidades de

serra acima consideradas com menos cultura e adiantamento que as de beira-mar,

concorreria para zelar pelo cumprimento das leis. Também deve-se atentar para o

fato de que a economia de tropas e do mate contribuiu para fortalecer a cidade como

produzida nas propriedades ou trazidas de outras províncias, e a roupa de algodão rústico era feita localmente, logo a pressão inglesa pela abolição do tráfico começara em 1810. Em 1845, o parlamento inglês aprovou o Bill Aberdeen, ato que permitia a repressão aberta ao tráfico. Navios ingleses invadiram portos no litoral do Brasil com o pretexto de perseguir navios negreiros. (MOTA, 2006, p.127-129). Em decorrência destes fatos históricos surgiu o sério incidente com o cruzador britânico Cormorant na Baía de Paranaguá em 1850. Ainda sobre a questão da escravidão, segundo Eduardo Spiller Pena (2005, p.280), “no ano de 1863, Brasil e Inglaterra romperam relações diplomáticas, após toda uma década de sérios desentendimentos e mútuas acusações. Os britânicos, mesmo reconhecendo a dificuldade do atendimento de sua exigência, não esmoreceram, mantendo o seu estilo diplomático de pressão”.

88 Em 1842, o Barão de Monte Alegre, então presidente de São Paulo, escreveu ao ministro do Império, solicitando a divisão das terras. Justificou que havia dificuldade de comunicação das diversas vilas da Comarca com a sede do governo, e de fiscalização desses lugares e de seus habitantes que, na época, somavam quarenta mil. Por último, indicava Curitiba para sediar o governo, por localizar-se na área central da Comarca. (BAHLS, 2007, p.24).

89 Zacarias de Góes e Vasconcelos (1815-1877), era baiano e foi nomeado presidente da Província do Paraná em 17 de setembro de 1853. Fazia parte do corpo de funcionários públicos convidados a vir para o Paraná, quando se constituem o Governo da Província e da Capital. (BEGA, 2001, p.93).

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núcleo de povoamento da região. (BAHLS, 2007, p.28). Para Beloto (1990), a

escolha de Curitiba como capital, deveu-se à posição estratégica que ocupa, ou

seja, um meio termo entre os interesses dos ervateiros do litoral e os fazendeiros de

gado dos Campos Gerais.

Curitiba, em 1853, era uma acanhada vila colonial com apenas 62 mil

habitantes, dos quais 6.500 em Paranaguá e 6.700 em Curitiba. Logo inúmeros são

os relatos de falta de profissionais habilitados, das grandes distâncias a serem

percorridas, isso conjugado às péssimas condições de viagem, tornava-se grandes

barreiras a serem vencidas na distribuição da justiça, permanecendo a maior parte

dos foros judiciários da Província vagos por longos períodos. Numerosas foram as

críticas pela escolha de Curitiba para sede do governo, sendo que alguns políticos

manifestaram-se favoráveis à transferência da capital para Paranaguá, que segundo

eles, apresentavam todos os predicados necessários para acolher a administração

provincial.

Fez-se necessário, no início dos anos 50, atrair funcionários públicos e

profissionais liberais (médicos, advogados, engenheiros, juristas, tipógrafos etc.)90

de outras regiões para compor uma elite burocrática da província. Isso ocorrerá até

o Período da República Velha. A grande maioria proveio da região nordeste,

principalmente Bahia, Sergipe, Pernambuco e Rio de Janeiro, em razão de as

escolas de formação superior estarem localizadas nessa região (Direito: Olinda-

Recife e São Paulo/ Medicina: Salvador e Rio de Janeiro / Engenharia: Minas

Gerais); também, em razão do progressivo declínio da produção açucareira; e, por

fim, em decorrência do deslocamento do poder econômico para a região centro-sul

90 Esses agentes sociais surgem com a mudança de Império para a Província do Paraná. São os quadros jurídicos, médicos, militares e técnicos vinculados ao aparelho de Estado, criados pela transformação e modernização da burocracia. Frise-se que essa elite estatal é um apêndice da classe dominante, pois no século XIX, ter um curso superior e ser membro da elite estatal ainda guarda características e traços senhoriais. Além disso, a elite estatal configurava o destino político de importantes segmentos da classe dominante, isto é, houve o deslocamento do controle dos meios de produção para o controle dos meios burocráticos. (OLIVEIRA, 2001, p.107).

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tendo em vista o início da produção do café91 e que tomava cada vez mais mão de

obra92.

No Paraná, esses profissionais chegaram a ocupar cargos de destaque:

[...] dos 29 desembargadores do Tribunal de Justiça do Paraná entre 1891 e 1929: 15 são do “norte”, 9 paranaenses, 4 paulistas e 1 de naturalidade desconhecida. Entre os procuradores gerais da Justiça, a importância dos bacharéis nordestinos é grande. Dos 19 procuradores entre 1892 e 1930: 07 são nordestinos, 7 são paranaenses, 4 são paulistas e 1 de naturalidade ignorada. (TOURINHO, 1990, p.480/481).

Alguns dos integrantes dessa burocracia estatal ingressam na classe

dominante paranaense por casamento. O matrimônio representava uma importante

aliança entre setores da elite estatal com os grandes proprietários e negociantes da

província. Os quadros de fora nele encontravam boas condições sociais, riquezas

materiais e conexões com parentelas locais importantes. Os tradicionais grupos

dominantes paranaenses também expandiam as suas privilegiadas redes políticas

com o casamento de suas filhas, por conseguinte, ampliavam a sua influência sobre

setores do Estado Imperial. (OLIVEIRA, 2001, p.109).

A imigração estrangeira também representa um fato essencial para o

entendimento da história estadual. Num primeiro momento (período colonial), essas

imigrações eram feitas de forma limitada, mediante permissão obtida por meio de

licenças especiais. Essa imigração93 tinha por objetivo ocupar os espaços vagos

demográficos, sendo que no período da independência essa preocupação se

acentua, visto que buscava solucionar o problema da ocupação efetiva do solo,

necessária à soberania nacional e à sua valorização econômica, inaugurando a

tradição da “porta aberta” para os imigrantes de todas as procedências e culturas.

91 A falta de braços na lavoura foi conseqüência imediata da abolição do tráfico de escravos africanos. O problema da falta de trabalhadores escravos se tornou mais agudo nas províncias do norte e do nordeste. O fim do tráfico traria como resultado o aumento do preço dos escravos: daí os proprietários das províncias do norte e do nordeste venderam seus escravos para os prósperos cafeicultores do sul. Para contar com mais trabalhadores, os proprietários e o governo tentaram atrair imigrantes europeus. Entre 1850 e 1889, 800.000 imigrantes europeus entram no Brasil. (MOTA, 2006, p.130).

92 Com o fim do tráfico atlântico de escravos e a implantação da economia cafeeira, tem início um fluxo de saída de escravos do Paraná para São Paulo. As grandes demandas por mão de obra para as novas regiões cafeeiras de São Paulo e a rentabilidade do negócio acarretam a drenagem de parte dos escravos paranaenses para São Paulo. (OLIVEIRA, 2001, p.91).

93 Para Renato Ortiz (1994, p.16), a política imigratória, além do significado econômico, possui uma dimensão ideológica, que é a do branqueamento das raças, da sociedade brasileira, seja num futuro próximo ou remoto.

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(BALHANA, 1969, p.41). A crença nos atributos dos imigrantes europeus, sobretudo

a crença em sua laboriosidade, sustentava a política provincial da imigração. (LAMB,

1994, p.17).

Assim, em 1816, os açorianos desembarcam no Paraná com a intenção de

formarem colonização94, já em 1829, forma-se a primeira colônia alemã no estado

em Rio Negro sob o patrocínio imperial. Posteriormente, em 1830, tem-se uma

retração no projeto imigratório em curso em razão de alguns fracassos e, também,

pela entrada indiscriminada de imigrantes. Sendo retomada somente, em 1834,

quando pelo Ato Adicional os governos provinciais passaram a ter competência para

promover e estimular a imigração. Essa concessão passa a produzir frutos no

Paraná somente em 1853 com o advento da emancipação. Entretanto, em 1847, por

iniciativa de João Maurício Faivre é fundada a colônia Thereza, composta por

imigrantes franceses, à margem direita do Ivaí, e, por ação de Carlos Perret Gentil,

em 1853, em Superaguy, foram estabelecidos colonos suíços, franceses e alemães.

No entanto, ambas as colônias rurais não conseguiram prosperar, em razão da

inadequação às condições da agricultura local. Assim, passam a se fixar em

Curitiba, desenvolvendo atividades de apoio à industrialização do mate referente à

mecânica, metalurgia, litografia e, também, à força de trabalho braçal95, porém,

permanecendo o empreendedorismo da indústria ervateira aos típicos empresários e

ao capital nacional.

Inseridos nesse contexto de mudanças, os imigrantes possibilitaram a

formação de um novo modelo de população. A imagem do imigrante branco, livre,

pacífico e laborioso estendia-se em nível nacional a promover o “branqueamento”

dos brasileiros, e o trabalho, até então identificado como tarefa subalterna, relegada

aos escravos, também mudou de sentido. (BAHLS, 2007, p.37). Esse contato com o

94 Como salienta a historiadora Altiva Pilatti Balhana (1969, p.39-40), a palavra imigração, no período posterior à Independência, refere-se somente à importação de trabalhadores livres para a lavoura, seja no sistema de parceria, seja sob as diversas formas de salariado. Já a palavra colonização, no mesmo período, foi usada para caracterizar a imigração destinada à formação de núcleos de povoamento e produção agrícola, razão porque, nos três Estados do sul do Brasil, colono significa pequeno proprietário, ou seja, um lavrador independente, ao passo que colônia constitui o agrupamento dessas propriedades agrícolas. No meio rural da grande lavoura de exportação, colono significa trabalhador dependente e colônia constitui a concentração de moradias de colonos assalariados em uma fazenda.

95 [...] assaz notória a contribuição dos russos-alemães para os transportes da erva aos engenhos e até mesmo aos portos de exportação. Outros aprenderam mesmo o preparo da erva cancheada [...]. Nas atividades comerciais propriamente ditas, também entraram os imigrantes. Sobretudo, os alemães do Volga com os seus carroções, indo buscar no sertão, a erva bruta, logo intermediavam o comércio da erva cancheada. (WESTPHALEN, 1999, p.156)

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imigrante europeu serviria para expurgar as máculas da sociedade brasileira e levar

o elemento nacional a produzir. (NADALIN, 2001, p.74).

Nesse período, o planalto de Curitiba registrou outro surto demográfico, em

razão de um fenômeno espontâneo de reimigração de colonos alemães que

provinham de Santa Catarina, mais especificamente, de Joinville96, que “foram

localizando-se na região norte e nordeste da cidade em pequenas chácaras”,

enriquecendo o quadro populacional curitibano. (BALHANA, 1969, p.42).

Ressalte-se que a imigração ocorrida no Paraná diverge de outras

localidades que tinham por estratégia a substituição de mão de obra escrava97

usada na grande propriedade rural. Ao invés de formar grandes contingentes de

mão de obra assalariada como nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro,

constituirão núcleos rurais ao redor de Curitiba, sob a forma de propriedade privada

de pequenos estabelecimentos produtores de alimentos98: cereais, hortigranjeiros e

pequenas criações de gado. Parte desses imigrantes fixará residência nas cidades,

em especial Curitiba, constituindo-se num misto de pequenos e médios industriais e

operários urbanos. (BEGA, 2001, p.107).

Os imigrantes alemães, ingleses99 e franceses, em regra, passam a se

estabelecer na área urbana, resistindo à vida precária nas colônias, já que faltava

96 José Hauer, nasceu em Neualtsmanndorf, próximo a Breslau, Silésia, em 1840. Em 1863 emigrou para a Colônia Dona Fancisca. Pouco depois estabeleceu-se em Curitiba com uma selaria. Passou a se dedicar ao comércio de ferragens, fazendas, armarinhos. Enriqueceu conjuntamente com outros membros da família Hauer, que igualmente vieram da Europa. Dedicou-se à construção de sobrados e outros investimentos na cidade. Os Hauer também adquiriram uma grande extensão de terra no sul da cidade, da estrada velha de São José dos Pinhais até o Portão. Participou do financiamento da empresa de navegação e da primeira Usina de Luz Elétrica para Curitiba. Construiu o Teatro Hauer, um estabelecimento para sessões de cinema. Foi um dos empresários que assinaram a fundação da ACP – Associação Comercial do Paraná em 1890. (OLIVEIRA, 2001, p.61-130).

97 O Paraná tem origem econômica e social assentada no trabalho escravo; mas as condições locais fazem com que a abolição da escravatura não provoque desarticulação da estrutura econômica como em outras regiões do país. (BEGA, 2001, p.106).

98 A chegada de imigrantes ao Paraná trouxe renovações nas técnicas agrícolas, possibilitando maior produtividade e consumo, contribuindo para a formação de um sistema de produção agroalimentar na Província. PARANÁ. Assembléia Provincial. Relatório do presidente da Província João José Pedrosa, à Assembléia Provincial. Curitiba: Tipografia Perseverança, 1881. p.82.

99 Para aquele grupo de ingleses, a experiência de reconstrução de suas vidas na província estava se revelando uma aventura ingrata: os laços pátrios rompidos, a ação punitiva do governo provincial, as notícias desanimadoras trazidas do Assungui por outros colonos, relatando a difícil sobrevivência naquela localidade, ressaltavam-lhes as incertezas de seu futuro. Possivelmente, a ameaça à integridade e à sobrevivência do grupo tiveram, para tais ingleses, uma conotação étnica, já que se confrontavam com as autoridades e com policiais de um país no qual tinham acabado de chegar. (LAMB, 1994, p.19).

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desde alimento até acomodação100 e as terras eram, em geral, improdutivas101.

Diante deste contexto, os imigrantes mais aptos para o trabalho urbano, como era o

caso dos alemães, transferiram-se para a capital, onde se destacaram como

comerciantes e artesãos, e na participação das obras públicas, para desagrado das

elites locais que apoiavam a colonização de imigrantes agricultores. (BAHLS, 2007,

p.38).

A população citadina se eleva, os imigrantes passam a introduzir seus

costumes e hábitos102, gerando uma colisão cultural e os conflitos103 entre os

nacionais e a primeira geração104 de imigrantes em fase de integração passam a ser

comuns, sendo que a política imigrantista é colocada em xeque pela elite local

(habituada a deter o monopólio político e econômico, desde os tempos coloniais),

100 Um relatório de 1875 justifica algumas reclamações dos imigrantes e esclarece o tipo de críticas que punham em sobressalto o Dr. Abranches. Seu autor era um observador enviado à colônia do Assungui pelo então presidente Lamenha Lins. Ele concordava que as condições de instalação dos imigrantes não eram adequadas, informando que as moradias preparadas para receber os colonos eram construídas com uma espécie de palmeira, a guissara, servindo-se da palha para a cobertura, que em pouco tempo apodrecia. As paredes apresentavam grandes fendas, que expunham os colonos às intempéries do vento e das chuvas. Descrevia esta situação como um motivador de queixas. (LAMB, 1994, p.21).

101 Este emissário também afirmava que o solo local não prometia constantes colheitas: "... plantando-se em um mesmo lugar dois ou três anos sucessivamente, é preciso deixar crescer o mato por três ou quatro anos...". Ressaltava, assim, a necessidade de distribuir lotes com maiores áreas individuais, para permitir o descanso da terra. Mesmo aqueles que acreditavam na fertilidade daquela terra previam as dificuldades de adaptação dos colonos europeus. Diziam ser uma região propícia para culturas tipicamente brasileiras, como café, cana e mandioca, geralmente considerando que os terrenos acidentados fossem inacessíveis às culturas de tipo europeu e que não pudessem "... oferecer aos colonos estrangeiros atração que os resolva a permanecer aqui...". (LAMB, 1994, p.21).

102 Inicialmente exaltado pela sua dedicação ao trabalho, bons costumes e vida exemplar os imigrantes passam num segundo momento a serem “representados no imaginário burguês como preguiçosos, anti-higiênicos, doentes, boêmios, desordeiros. E, quando já inseridos no mercado de trabalho, são representados como grevistas ou anarquistas, lançando suas idéias subversivas” (BONI, 1985, p.53).

103 Não foram poucas as ocasiões em que a força pública se envolveu em conflitos com estrangeiros sendo, inclusive, frequentemente acusada de abusos no uso da força e de instigadora da violência através de provocações movidas pelos seus soldados. De agentes da segurança pública para agentes da desordem: para o chefe de polícia, Salvador Pires de Albuquerque, esta passagem teve, muitas vezes, seus motivadores nas questões de nacionalidade. Assim teria ocorrido na noite de 31 de julho de 1873, quando um conflito pôs frente a frente as praças do Esquadrão de Cavalaria e inúmeros imigrantes alemães. Mas a versão produzida pelas praças do Esquadrão, ao relacionar o conflito a uma "questão de nacionalidade", revelava uma interpretação que dava destaque aos critérios étnicos de identificação como motivadores da rivalidade (LAMB, 1994, p.23-28).

104 Novas formas de sociabilidade emergem da convivência permeada por conflitos entre a primeira geração de imigrantes em fase de integração e os nacionais. Os luso-brasileiros, detentores dos espaços econômicos, políticos e culturais, resistem às investidas dos “emergentes”, reafirmando seu domínio. Os imigrantes, por seu turno, ocupam cada vez mais espaços próximos (algumas vezes ao lado) da elite tradicional. Firmam-se como industriais em atividades de apoio à erva-mate; formam também um conjunto heterogêneo de artesãos, de pequenos comerciantes, de profissionais liberais e de operários, com divergências políticas e culturais entre si (BEGA, 2001, p.113).

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que insistirá na atração de camponeses ao invés de citadinos, de grupos

acostumados à labuta no campo105, preferencialmente de hábitos religiosos

católicos. Dessa forma, ao término da imigração já no século XX, encontrar-se-ão os

poloneses como o grupo mais expressivo, seguido dos italianos. (BEGA, 2001,

p.109).

Dessa forma, os embates106 ocorrem, mas nem todos serão legitimados e/ou

fortalecidos pelos membros das comunidades. De maneira geral, há o projeto de

fixação à nova terra, corroborado pela possibilidade de se transformar de

trabalhador avulso em proprietário rural (Idem, p.110), além do fortalecimento de

suas relações pessoais com as autoridades do poder público.

Em que pesem às divergências entre nacionais e imigrantes e seus

descendentes, nota-se que, na década de 1930, elas tinham arrefecido. Por meio da

ascensão econômica e do matrimônio, esses últimos ingressaram na sociedade

paranaense. A partir desse período, indivíduos de sobrenomes estrangeiros também

se apresentavam com mais frequência na política estadual. (BAHLS, 2007, p.43).

No cenário político, durante o período provincial, teve o Paraná ao todo 27

presidentes e 25 vice-presidentes num intervalo de 35 anos. Na sua maioria eram

funcionários de carreira do Império, refletindo o comportamento de rotatividade e

inconstância política característica do período.

Além disso, nesses anos não há registros significativos de oposição entre

Conservadores e Liberais, que destoassem das questões colocadas na pauta

nacional. Continuaram os Liberais com maior controle da máquina legislativa e os

Conservadores cada vez mais com a hegemonia no campo econômico, embora

houvesse clivagens entre as duas posições. Tal hegemonia irá se consolidar

rapidamente à causa republicana, dado que seus interesses, cada vez mais

105 A figura do imigrante adquiriu dupla face: ou o imigrante era laborioso, respeitador das leis e, assim, um "bom" imigrante; ou ele era indolente, agitador e descumpridor do compromisso assumido para com a nação que o recebeu, tendo se mostrado um "mau" imigrante. A oposição entre laboriosidade e indolência revela que o eixo de referência na criação desta concepção era o elemento trabalho: aquele que trabalhava, que não esmorecia ante as dificuldades que a colonização de um território ainda por desbravar pudesse impor, este era o imigrante ansiosamente esperado, o que vinha a estas paragens em busca de "trabalho honesto" e assim concorria para o aumento da riqueza da Província e conseqüente concretização do futuro antevisto; já os maus imigrantes, eram os protagonistas dos distúrbios que freqüentemente aconteciam na capital. (LAMB, 1994, p.36).

106 Mas ainda que tais conflitos grupais fossem ocasionais, caracterizavam expressão de tensões constantes nas relações imigrantes-brasileiros. (LAMB, 1994, p.31)

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burgueses e menos vinculados à oligarquia rural, eram compatíveis com o novo

ideário. (BEGA, 2001, p.89).

Em relação à formação da economia paranaense é o percurso de uma

sociedade de lento crescimento no seu início. Incursões escravocratas pream os

índios carijós, atraindo os primeiros brancos. Pequenos e intermitentes surtos de

mineração107 de significado local atraem povoadores entre o final do século XVI e o

século XVIII. Os pioneiros passam a se dedicar a uma economia de subsistência,

baseada na pecuária, e posteriormente voltam-se ao tropeirismo. No final do século

XVIII e no início do século XIX, articula-se uma pequena estrutura comercial,

montada principalmente no comércio de farinhas do litoral. No decorrer do século

XIX, esta evoluiria e constituiria a base que organizaria a economia da erva-mate108.

A economia da erva-mate é regionalmente fundamental e seria original em sua

história econômica. (OLIVEIRA, 2001, p.63-64).

As relações sociais não diferiam muito do modelo dominante no Brasil,

assentado na propriedade rural, cujo trabalho era executado pela mão de obra

escrava. Este modelo predominou em toda a área de criação de gado, cuja atividade

não possibilitou um incremento populacional significativo e nem fazendas com

escravaria expressiva. Basicamente a extração da erva-mate foi feita utilizando o

emprego do trabalhador livre pobre109, apesar de registros do uso de mão de obra

escrava. (BEGA, 2001, p.91).

Com o impacto da economia da erva-mate110 a estrutura produtiva propicia

uma organização social de base urbana, forma-se uma burguesia local111 tendo no

107 O ouro no antigo território do Paraná apresentou uma baixa produtividade em termos gerais, mas não devemos desprezar o seu papel como um dos elementos na gênese da formação da sociedade paranaense e na sua capacidade de criar uma primeira acumulação de riquezas locais (OLIVEIRA, 2001, p.65).

108 Com a presença natural de amplos ervais e a constituição de um mercado de erva-mate, as primeiras atividades de preparo do mate tornaram-se disponíveis para ricos e pobres, velhos e meninos, homens e mulheres das regiões ervateiras. Zacarias de Góes e Vasconcelos, o primeiro presidente da Província do Paraná, já alertava para este efeito democrático da coleta e dos primeiros preparos do mate, cuja simplicidade e fácil acesso afastariam as populações de labutas agrícolas mais conseqüentes e do risco que uma crise poderia acarretar para a economia da Província (Idem, p.75)

109 Em termos gerais, as estatísticas disponíveis para o Paraná não apontam a correlação entre o aumento da taxa de escravos por habitante livre nas décadas de 1820 a 1850, quando ocorre a expansão das atividades ervateiras (OLIVEIRA, 2001, p.76).

110 A Guerra do Paraguai (1865-1870) contribuiu de forma significativa para o desenvolvimento da atividade ervateira, em razão do bloqueio ao acesso do mate paraguaio aos mercados platinos. Na falta de um concorrente forte, o Paraná ocupa gradativamente espaço no mercado, fornecendo 3/5 do mate consumido na América do Sul em 1881 (BEGA, 2001, p.92).

111 Para Ricardo Costa de Oliveira (2001, p.89), “as condições de conceituação da burguesia industrial do mate só apresenta validade para a terceira fase já referida nas situações de

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mate sua principal atividade, mas que não se caracteriza como produtores de um só

produto. Os grandes proprietários dos engenhos de mate são também madeireiros,

com braços industriais nas indústrias de apoio ao mate e, ao mesmo tempo,

comerciantes atacadistas e varejistas. O impacto na sociedade paranaense da

formação da burguesia do mate foi considerável. Em termos nacionais, o Paraná era

uma unidade pequena, logo as transformações regionais representam uma pequena

escala na esfera nacional. Regionalmente, as consequências para o Paraná da

década de 1870 foram imensas. Elementos fundamentais da modernização112 do

Paraná foram lançados naquela conjuntura (Idem, 91).

Socialmente e economicamente pode-se identificar no Paraná um período

de grandes transformações centradas nas décadas de 1870 e 1880. A limitação

progressiva da escravidão, o crescimento do trabalho livre assalariado, a precoce

industrialização do beneficiamento de erva-mate, representam a implantação

hegemônica do modo de produção capitalista na região. Este processo pode ser

personalizado ao se comparar a figura de Ildefonso Pereira Correia, o Barão do

Serro Azul, o maior exportador de erva-mate da década de 1880, com Manoel

Antonio Guimarães, o Visconde de Nácar, o maior exportador de erva-mate nos

períodos anteriores. O perfil burguês e modernizador de Serro Azul contrasta com o

perfil tradicional de Nácar. (OLIVEIRA, 2001, p.67).

Paulatinamente e de forma consistente, a nova província passou a

consolidar-se como unidade autônoma113 e singular da nação brasileira almejando a

construção de uma identidade regional, influenciada por uma paranidade114.

assalariados livres. Apenas nas décadas de 1880 e 1890 os engenhos de erva-mate sofreram inversões em novas forças produtivas, estão mais automatizados e tecnificados e há maior controle sobre os trabalhadores da erva-mate. Somente preenchidos estes critérios, podemos nos referir plenamente à burguesia industrial da erva-mate”.

112 Segundo Temístocles Linhares (1969, p.93), “A economia do mate também estrutura o sistema de transporte do Paraná. A Estrada da Graciosa, a primeira ligação carroçável entre o litoral e o planalto, foi concluída no início da década de 1870. Foi financiada entre o Governo Central e o Provincial graças ao mate. Também a estrada de ferro entre Paranaguá e Curitiba, construída de 1880 até 1885”. Foi responsável pela modernização dos portos paranaenses. Por causa do mate, consulados estrangeiros foram abertos no Paraná, atraindo negócios e imigrantes. O crescimento do comércio leva ao crescimento das embarcações que em quarenta anos (1810) passaram de quatro ou seis de pequena capacidade, para uma frota local de 37 embarcações de todas as classes (OLIVEIRA, 2001, p.86).

113 Em 1854, havia duas cidades (Curitiba e Paranaguá), sete vilas (Guaratuba, Antonina, Morretes, São José dos Pinhais, Lapa, Castro e Guarapuava), seis freguesias (Campo Largo, Palmeira, Ponta Grossa, Jaguariaíva, Tibagi e Rio Negro) e quatro capelas curadas (Guaraqueçaba, Iguaçu, Votuverava e Palmas). Segundo o autor, nessas localidades, existiam de mil a cinco mil habitantes (MARTINS, 1999, p.30). No mais, prevaleciam os campos gerais, florestas e a serra do mar. Segundo o Instituto Geográfico Cartográfico (1995), as capelas curadas são capelas ministradas, em caráter permanente, por um pároco ou cura. São igualadas às paróquias.

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No tocante ao poder judiciário, em 06 de agosto de 1873, entrou em vigor o

Decreto Imperial de n.º 2342, pertencente ao Ministro Manoel Antônio Duarte de

Azevedo determinando as diretrizes para instalação das novas Relações no Império,

levando-se em conta a densidade demográfica das Províncias e a distância para

sediar os Tribunais de Relação, sendo assim distribuídas:

Do Pará a Amazonas – sede na cidade de Belém.

Do Maranhão e Piauí – sede na cidade de São Luiz.

Do Ceará e Rio Grande do Norte – sede na cidade de Fortaleza.

De Pernambuco, Paraíba e Alagoas – sede na cidade de Recife.

Da Bahia e Sergipe – sede na cidade de Salvador.

Do município Neutro, Rio de Janeiro e Espírito Santo – sede na Corte.

De São Paulo e Paraná – sede na cidade de São Paulo.

Do Rio Grande do Sul e Santa Catarina – sede na cidade de Porto Alegre.

De Minas Gerais – sede na cidade de Ouro Preto.

De Mato Grosso – sede na cidade de Cuiabá.

De Goiás – sede na cidade de Goiás.

Já no ano de 1878, a província do Paraná possuía oito comarcas, iniciando

pela Capital, São José dos Pinhais, Campo Largo, Lapa, Paranaguá, Antonina,

Castro e Guarapuava. Com relação à comarca da Capital o presidente Bento de

Oliveira, manifestou-se da seguinte forma em relatório encaminhado ao Conselheiro

Jesuíno Marcondes de Oliveira, “constituída como se acha por demais trabalhosa, e

por melhor vontade que tenha o magistrado que a ocupe, dificilmente poderá

desempenhar o imenso serviço que sobre ela pesa, onerado como ainda se acha

com a vara dos feitos da fazenda e outros serviços especiais”115.

O Paraná ficou atrelado ao judiciário de São Paulo, recebendo seus juízes

por determinação do Tribunal paulista, já que o decreto imperial acima apresentado

ainda permanecia em vigência mesmo após a proclamação da República.

114 Para a historiadora Etelvina Trindade, o persistente esforço pela separação de São Paulo teria criado, no Paraná, condições necessárias para a produção de uma mensagem fundadora da paranidade, que buscava arregimentar aspectos que caracterizassem a região, a fim de incutir na população um sentimento de guarda do território ocupado e de partilha de uma identidade comum.

115 Relatório com que Joaquim Bento de Oliveira Júnior, Presidente da Província do Paraná, passou sua administração ao Conselheiro Jesuíno Marcondes de Oliveira e Sá, em 7 de fevereiro de 1878. Curitiba, Tip. da Viúva Lopes, 1878, p.14.

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VII. Início da República, Revolução Federalista e a formação do Poder Judiciário

Paranaense.

A ideia republicana, inicialmente, não entusiasmou os políticos paranaenses

sendo que o manifesto paulista de 1870 em prol da república não produziu grande

efeito na província paranaense. Segundo Monica Goulart (2008, p.287), “a transição

republicana no Paraná não integrou de maneira imediata a transformação dos

Partidos Monárquicos em Partidos Republicanos. Conforme apontado, a propaganda

republicana no Estado se apresentou bastante acanhada frente outros Estados da

federação, mais significativos para o Império”.

Somente, em 1888, o ideal republicano passou a ser difundido com mais

veemência, quando Vicente Machado que era advogado, ex-juiz e competente

tribuno, aderiu com grande ostentação aos ideais de descentralização administrativa

proporcionando uma maior autonomia em benefício das províncias.

O Senador Generoso Marques representante dos liberais vence as eleições

indiretas, em substituição à junta governativa que dirigia o estado desde 15 de

novembro, para o cargo de presidente do Paraná. Entretanto, permaneceu somente

sete meses no cargo quando foi destituído e substituído por políticos associados a

Vicente Machado116. Nesse intervalo, antes de ser destituído assume o Governo do

Estado o Dr. Joaquim Ignácio Silveira da Motta, tendo como chefe de Polícia (cargo

equivalente ao de Secretário de Segurança Pública) o Dr. Emygdio Westphalen.

Para Rafael A. Sêga (2005, p.165), “a saída de Generoso Marques representou o

início do ostracismo político dos antigos membros do Partido Liberal, cujas

consequências serão sentidas durante a Revolução Federalista”.

A Constituição Republicana de 1891117 foi responsável por algumas

transformações no cenário político, dentre elas o direito de voto foi estendido para os

116 A esse grupo completo pertencia Vicente Machado, Maurício Sink, Ernesto de Campos Lima, Francisco de Almeida Torres, Celestino Junior, Chichorro Junior e Lufrido Costa. O fato era que nesta Comissão ficaria excluída grande parte da classe dominante estadual. (GOULART, 2008, p.304).

117 A Constituição de 1891 reconheceu larga margem de autonomia política aos Estados, mudando a lógica da administração pública imperial. Os Estados (antigas províncias) ganharam, a partir de 1891, posição de destaque no novo desenho institucional brasileiro, ladeando a União e os Municípios como unidades políticas. Sua autonomia política garantia-lhes larga independência tributária, judiciária e legislativa. A grande independência dos Estados não implicou, no entanto,

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homens maiores de 21 anos e alfabetizados, segundo Monica Goulart (2008, p.285),

citando Leoncio Basbaum118, “retirando o elemento do senso econômico”; Ademais,

transformou o judiciário num poder soberano, independente do controle do

imperador, e, além disso, adotou-se o sistema federativo, e o presidencialismo,

“assim a União passou a ser organizada com juízes e tribunais federais, tendo como

órgão de cúpula o Supremo Tribunal Federal, que foi estabelecido quatro dias após

a sua promulgação119”. Diante desse cenário, os estados-membros tinham

autonomia para se auto-organizarem, tendo juízes de comarcas, municípios e

distritos, assim como Tribunais de Apelação, além de muitos deles terem

conservado os juízes de paz.

O federalismo proporcionou o poder dos Estados frente à política nacional e

aprimorou seus mecanismos internos de garantia do grupo dominante que, de certa

forma, ainda era o mesmo do Império. Numa roupagem nova e com objetivos

pautados pelo recente republicanismo, estes grupos procuraram se rearticular,

despojando-se da estrutura anterior para dar continuidade ao seu poder. E o palco

central dessa nova condição de organização política seriam os Estados. A esse

contexto de continuidade política impresso durante a transição republicana, o Estado

do Paraná se pautou em seguir os mesmos mecanismos políticos e partidários que

assolavam o restante do país, ou seja, manteve-se elitista, conservador e

patrimonial. Em se tratando dos partidos políticos regionais, assistiu-se a uma luta

na qual o objetivo maior seria fazer parte do situacionismo no sentido de se garantir

todos os benefícios recebidos quando de ajuste ao governo estadual e deste perante

o governo federal. (GOULART, 2008, p.285-300).

A Assembleia Constituinte do Estado Federal do Paraná votou a lei de n.º 03

de 12 de junho de 1891, que estabeleceu as diretrizes para que o Presidente

Generoso Marques pudesse dar início aos trabalhos de composição do judiciário do

Paraná. Devidamente autorizado, assinou o Decreto n.º 01120; três dias após a

nulidade política da União, cujo papel era, entre outros, assegurar a unidade nacional. Sob esse ponto de vista podem ser entendidas algumas das grandes mudanças na organização judiciária, entre as quais a criação do Supremo Tribunal Federal e a organização da Justiça Federal. (LIMA LOPES, 2009, p.424).

118 História sincera da República (1889-1930). 6. ed. São Paulo: Alfa-Ômega, 1997. 119 CAMBI, Acácio. O Judiciário na História do Brasil e do Paraná. Curitiba: Artes&Textos, 2003, p.54. 120 “DECRETO n.1: O bacharel Generoso Marques dos Santos, presidente do Estado do Paraná,

usando de atribuição que lhe confere a lei n. 3. Do congresso Constituinte do Estado, de 12 de Junho de 1891, decreta:

CAPÍTULO I Da organização Judiciária e Legislação Processual

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assinatura de aludida lei, esse decreto também estabeleceu os parâmetros para o

funcionamento do Ministério Público no estado.

O Tribunal de Appellação do Paraná121 foi criado em 01 de agosto de 1891 e

era composto, originariamente, por cinco membros denominados de

desembargadores e um procurador de justiça. Estava situado no edifício do

Congresso do estado, e, a partir de 26 de setembro, começou a funcionar na Rua

Dr. Muricy, antiga Rua da Assembleia, esquina com Cândido Lopes ao lado do

Teatro São Teodoro. Compunham o quadro de desembargadores os seguintes

nomes Joaquim Ignácio Silveira da Motta Junior122, José Alfredo Correia de

Art.1.º - Continuam em vigor no estado a organização judiciária e legislação processual actuaes, com as modificações estabelecidas neste decreto. [...]. SECÇÃO VII DO MINISTÉRIO PÚBLICO Art.40º - Para representar e defender os interesses do Estado, os da justiça pública, os do órphãos, interdicto e ausentes, perante os juízes e tribunaes, é instituido o ministério público, que terá por órgãos, na primeira instancia, os promotores públicos, na segunda instancia, o procurador da justiça. [...]”.

121 Os vencimentos da magistratura eram anuais, estabelecidos pelo Dec. n.º1 de 1889, obedecendo a seguinte tabela:

Desembargador 7:200$000. Procurador da Justiça 5:000$000. Juiz de Direito 4:800$000. Promotor Público 2:400$000. Adjunto de promotor 600$000. Secretário do Tribunal de Apelação 2:400$000. Porteiro 1:200$000. Contínuo 720$000” (JUSTEN DE OLIVEIRA, 2006, p.68).

Tinha competência para processar e julgar o presidente do Estado e os magistrados vitalícios nos delitos comuns e de responsabilidade; decidir os conflitos de jurisdição entre as autoridades judiciária e entre estas e as administrativas, devendo, neste último caso, fazer parte do Tribunal três cidadãos nomeados pelo presidente do Estado; podiam eleger anualmente o seu presidente, dentre os seus membros; passar diploma de habilitação ao cargo de juiz de Direito e conceder provisão de advogado e solicitador.

122 Filho de Joaquim Ignácio Silveira da Motta e irmão do Desembargador Eusébio Silveira da Motta, nasceu no dia 24 de agosto de 1844, na cidade de Curitiba (PR). Casou-se com a Sra. Maria da Luz Silveira da Motta. Bacharel pela Faculdade de Direito de São Paulo, colou grau em 1865. Iniciou sua vida profissional advogando, sendo eleito Deputado provincial em 1872. Em 1874 foi nomeado juiz de direito para a Cidade da Lapa e neste mesmo ano foi removido para Paranaguá. Em 1866, como juiz de 2ª entrância foi removido para Santa Cristina do Pinhal, no Rio Grande do Sul e, mais tarde para Vitória, no Espírito Santo. Voltando ao Paraná, foi eleito vice-presidente da Província, na chapa de Generoso Marques, que assumiu o governo em 1891. Neste mesmo ano, foi nomeado por Generoso Marques, desembargador do Tribunal de Appellação. Como era um dos chefes da Revolução Federalista, na dissolução do Tribunal de Appellação foi posto em disponibilidade por decreto do Dr. Vicente Machado, substituto do Presidente da Província, Francisco Xavier da Silva, usando a Constituição Federal, e dando aos magistrados então aposentados vencimentos proporcionais ao cargo de juiz. Faleceu em Curitiba no dia 25 de março de 1903. É patrono do Fórum de Porecatu. Disponível em: < http:// www.tjpr.jus.br/desembargadores-tjpr-museu >. Acesso em: 13 jan. 2013.

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Oliveira123, Emygdio Westphalen124, Conrado Caetano Erichssen125 e Augusto Lobo

de Moura126. Já o cargo de Procurador de Justiça foi ocupado por Bento Fernandes

de Barros127, que futuramente iria tornar-se desembargador deste Tribunal.

123 Nascido no estado da Bahia e bacharelou-se pela Faculdade de Direito de Recife, onde recebeu o diploma provavelmente no ano de 1865. Em 1882, mudou-se para o Paraná, foi nomeado juiz de direito da comarca de Castro, onde permaneceu até 1890, quando foi removido para a comarca de Paranaguá. No dia 1° de agosto de 1891 foi nomeado desembargador. Por ser o magistrado mais antigo do estado foi eleito primeiro Presidente de Appellação. Dissolvido o Tribunal de Appellação em maio de 1892 e reinstalado como Superior Tribunal de Justiça, foi convocado e reeleito para a presidência até que no dia 8 de maio de 1894, foi aposentado pelos legalistas da revolução de 1893, a Revolução Federalista. Faleceu em 17 de março de 1929. É patrono do Fórum de Bela Vista do Paraíso. Disponível em: < http:// www.tjpr.jus.br/desembargadores-tjpr-museu >. Acesso em: 13 jan. 2013.

124 Filho de Eugênio Westphalen e de Dona Joanna Francisca Westphalen, nasceu na cidade da Lapa (PR) em 11 de novembro de 1847. Casou-se com a Sra. Januaria Carvalho de Oliveira. Em 1867, formou-se em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito de São Paulo. Seu primeiro cargo público foi o de Promotor Público em Paraíba do Sul (RJ). De volta à cidade natal, exerceu cargos de promotor e vereador. Teve importante papel no Judiciário Paranaense, tendo sido juiz Municipal de Curitiba, juiz de Direito da Comarca da Lapa e um dos primeiros desembargadores do Tribunal de Apelação, para o qual foi nomeado em 1º de agosto de 1881. Foi ,ainda, Deputado Provincial e Chefe de Polícia. No final da carreira, exerceu o cargo de procurador-geral da Justiça de 14 de abril de 1908 até sua aposentadoria em 10 de novembro de 1911. Colaborou com a imprensa da época, com ênfase à defesa da implantação de um governo democrático no país. Colaborou com os jornais "Opinião Liberal", "Commércio do Paraná", "Livre Paraná", "A Reforma" e "Província do Paraná”. Participou da Revolução Federalista entre a década de 1880 e 1892. Em 1884 integrou o governo revolucionário de Nossa Senhora do Desterro, atual cidade de Florianópolis (SC). Este envolvimento acabou gerando imbróglios políticos à época em que sustentou uma decisão de um juiz de primeiro grau, alheio aos interesses republicanos de Vicente Machado, o qual iniciou certa perseguição a Westphalen, alegando que suas convicções liberalistas iam contra a Monarquia e a República, que tantas vezes o haviam designado para importantes cargos. Exilou-se na Argentina e voltou ao Brasil devido à anistia assinada pelo Presidente Prudente de Morais. Em 1911 participou de uma comissão de socorro às vítimas das inundações pelo estado. Ao lado de autoridades como Monsenhor Celso, Affonso Camargo, Victor Ferreira do Amaral e David Carneiro atuou na distribuição de donativos às famílias. Faleceu em Curitiba, em 17 de março de 1923. É patrono do Fórum de Rebouças. Disponível em: < http:// www.tjpr.jus.br/desembargadores-tjpr-museu >. Acesso em: 13 jan. 2013.

125 Filho de Conrado Erichsen, dinamarquês e Emília Brasiliana de Faria Erichsen, nasceu no dia 11 de junho de 1848, na cidade de São Vicente (SP). Casou-se com a Sra. Etelvina Martins Erichsen. Bacharel pela Faculdade de Direito de São Paulo, colou grau no ano de 1868. Iniciou sua vida profissional como Promotor Público na cidade de Castro (PR), sendo mais tarde nomeado juiz de direito para a cidade da Lapa. Em 1891, tomou posse no cargo de desembargador. Foi aposentado compulsoriamente em 1912, voltou ao Superior Tribunal de Justiça, onde atuou como procurador-geral da justiça de 8 de março de 1912 até 13 de março de 1914, quando se aposentou. Faleceu em Curitiba, no dia 29 de abril de 1921. É patrono do Fórum de Alto Paraná. Disponível em: < http:// www.tjpr.jus.br/desembargadores-tjpr-museu >. Acesso em: 13 jan. 2013.

126 Filho de José Joaquim Ferreira Lobo de Moura e de Maria Benedita de Nascimento Moura, nasceu no ano de 1842 em Curitiba (PR). Casou-se em primeiras núpcias com a Sra. Maria de Jesus Moura e em segundas núpcias, com a Sra. Julia do Amaral Moura. Bacharel em Direito, pela Academia de São Paulo, formou-se na turma de 1835. Desempenhou o cargo de juiz de direito em Goiás e Santa Catarina e foi chefe de polícia no Espírito Santo. Quando dirigia a Colônia de Assungui em Curitiba, em 1865, foi nomeado Promotor Público de Guarapuava. Em 1873, assumiu a promotoria de Campo Largo, onde foi juiz de direito. Em 1882, foi convidado para o cargo de chefe de polícia e elegeu-se Deputado provincial em três legislaturas, até 1869. No dia 1 de agosto de 1881, foi nomeado para o cargo de desembargador. Em agosto de 1891 passou a integrar o recém-criado Tribunal de Apelação, que passou a ser chamado Superior Tribunal de Justiça em maio do ano seguinte. Foi aposentado em 8 de maio de 1894 durante a Revolução

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Na sessão de abertura, o desembargador Silveira da Mota Júnior não pode

participar, por estar ocupando o cargo de vice-presidente do Estado em exercício, já

que o presidente Generoso Marques estava em viagem à capital federal. Conforme

a ata dessa sessão, o desembargador José Alfredo Correia de Oliveira foi escolhido

presidente do Tribunal de Justiça por ser o mais velho dentre os demais colegas.

A eleição para a ocupação do poder executivo do estado estava a todo o

vapor. Diante desse cenário, fazia-se imprescindível na política a presença dos

desembargadores Joaquim Ignácio Silveira da Motta e Emygdio Westphalen e para

evitar uma paralisação do poder judiciário foram nomeados para ocupar as duas

vagas disponíveis, o Procurador-geral Bento Fernandes de Barros e o Juiz de Direito

Luiz Pires de Carvalho e Albuquerque128.

Na conjuntura nacional, o vice Mal. Floriano Peixoto foi chamado para

assumir a Presidência da República após a renúncia do Mal. Deodoro, iniciando-se

um dos períodos mais violentos da história do país. Os anos subsequentes à

proclamação da república foram de grande desagrado já que parecia pouco

inovadora.

Deste modo, em 1893, “emerge no Rio Grande do Sul a Revolução

Federalista, resultado da não acomodação das forças políticas locais/nacionais no

pós-89”. (BEGA, 2001, p.85). Para, Ricardo Costa de Oliveira (2001, p.171), o mais

Federalista, por meio de decreto do presidente da província em exercício, Vicente Machado. O acórdão que o afastou de suas atividades foi anulado por sentença judicial, porém Lobo de Moura não foi reconduzido ao cargo, mas posto em disponibilidade. Faleceu sem retomar o cargo, em 3 de novembro de 1903. É patrono do Fórum de Prudentópolis (PR). Disponível em: < http://www.tjpr.jus.br/desembargadores-tjpr-museu >. Acesso em: 13 jan. 2013.

127 Foi o primeiro procurador-geral do Ministério Público do Paraná, nomeado no ano de 1891, na presidência de Generoso Marques. Era filho do Major Miguel Joaquim Fernandes de Barros e de Francisca Josephina de Barros, nasceu em Sobral no estado do Ceará. Bacharelou-se em Direito pela Faculdade de Direito de Olinda em 1853. Casou-se com Joaquina Ribas de Oliveira Franco, que era filha do Brigadeiro Manoel de Oliveira Franco. Sendo nomeado juiz Municipal e de Órfãos do Termo da capital, foi Chefe de Polícia (cargo equivalente ao de Secretário de Segurança Pública) e diretor do Liceu de Curitiba (Colégio Estadual do Paraná), tornando-se Inspetor-Geral da Instrução Pública da Província. Já no ano de 1871 foi juiz de Direito de Guarapuava, depois Inspetor do Tesouro provincial e a advocacia da Câmara Municipal. Em 1875 tornou-se “Chefe de Polícia em Minas Gerais, voltando ao Paraná para se eleger Deputado Provincial para o período 1878-1879. Por fim, em 1891 foi nomeado procurador-geral e no ano seguinte escolhido Desembargador do então Tribunal de Apelação, depois Superior Tribunal de Justiça (1892). Disponível em: < http://memorial.mp.pr.gov.br >. Acesso em: 05 out. 2012.

128 Nascido em Salvador na Bahia, era casado com a Sra. Iria Mariza Ferreira da Luz. Bacharelou-se pela Faculdade de Direito de Recife-Pernambuco, onde colou grau no ano de 1877. Iniciou sua vida profissional no Paraná, no ano de 1879, como juiz Municipal e de Órfãos em São José dos Pinhais. Em 1890, foi nomeado para o cargo de juiz de Direito da Comarca da Lapa, sendo removido no ano seguinte para a comarca de São José dos Pinhais. Em 31 de maio de 1892 foi nomeado desembargador. Foi aposentado por decreto do Dr. Vicente Machado, devido a revolução federalista. É patrono do Fórum de Iporã. Disponível em: < http://www.tjpr.jus.br/desembargadores-tjpr-museu >. Acesso em: 13 jan. 2013.

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grave e violento conflito entre as diferentes frações da classe dominante129 do sul do

Brasil foi seguramente a Revolução Federalista. O confronto deveu-se às

dificuldades dos antigos liberais130 em se integrarem no novo sistema político

republicano. Os liberais que se tornaram a força política mais importante e

hegemônica no sul com o desmantelamento do antigo Partido Conservador, ao

inferirem que a rotatividade entre os partidos no poder não seria possível na nova

forma republicana, criaram-se as condições para a resolução de divergências

políticas no campo militar.

Destaca-se na história estadual como o episódio que alçou o Paraná em

nível nacional, ainda que dividindo posições, entre maragatos131 e pica-paus132, pois

enquanto cidades paranaenses como Tijucas e Lapa lutavam contra os maragatos,

outras localidades do interior manifestavam apoio aos revoltosos. Em Palmas, por

exemplo, os fazendeiros eram partidários dos maragatos, e os agregados chegaram

a unir-se ao grupo. (BAHLS, 2007, p.50-85). O Paraná não foi apenas o local de

importantes combates133, mas a participação e a presença de políticos e de tropas

paranaenses nos dois lados foram elementos decisivos no desenrolar dos

acontecimentos de 1894 que selaram a derrota dos federalistas. A tendência geral

entre as diferentes frações da classe dominante era a de rotatividade no poder

político e de convivência. A conciliação entre os grupos da classe dominante em

projetos políticos comuns como em 1842 (unidade necessária para a emancipação

da comarca) e em 1908 (coligação republicana e criação do novo Partido

129 Apesar das divisões entre as duas principais frações da classe dominante regional do Paraná, refletidas entre os dois partidos imperiais, a convivência política e a rotatividade no poder era a regra geral (OLIVEIRA, 2001, p.171).

130 Puseram em destaque o predomínio político dos membros da burguesia ervateira sobre a aristocracia campeira, na administração estadual. Essa alteração partidária teve seus reflexos na posição de alguns políticos que, desgostosos com a perda de poder com o novo regime, aderiram ao conflito armado. (BAHLS, 2007, p.50).

131 A origem do termo pica-pau se aplicaria aos governistas ou legalistas que tinham como parte de seu uniforme um boné com adereço vermelho acima da aba preta. Daí decorreria a associação com o pássaro. (Idem, p.48).

132 Há quem considere que “maragato” quer dizer “pessoa desqualificada”. Para outros, no entanto, maragato, no Uruguai, era o descendente de imigrantes espanhóis, oriundos da “Maragateria”, território localizado na Província de Leon, Espanha. (Idem, p.48).

133 O território paranaense foi palco das três maiores revoluções que abalaram o país, no Império e na República: A revolução Farroupilha (1835/1845), a Revolução Federalista (1893/1894) e a Revolução Liberal (1930), lembrando também a Sedição de Sorocaba, em 1842, o levante tenentista de 1924, que daria origem à Coluna Prestes na região paranaense de Foz do Iguaçu, a Campanha da Legalidade em prol da posse do Presidente João Goulart e, afinal o movimento militar de 1964. Pelo caráter estratégico da terra paranaense, em todos esses movimentos a participação dos paranaenses em termo de simpatia e apoio aberto, de condenação ou de neutralidade, tiveram importantes conseqüências políticas. (AMARAL E COSTA, 1989, p.33).

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Republicano Paranaense) era mais importante para a classe dominante paranaense

do que os seus enfrentamentos. (OLIVEIRA, 2001, p.172).

A alteração do nome de Tribunal de Appellação para Superior Tribunal de

Justiça ocorreu em data de 07 de abril de 1892, por meio da reforma constitucional,

em que seus membros passaram a ser chamados de ministros. Dessa maneira, ao

se decretar novas eleições para a realização da Constituinte Estadual de 1892 e

também para o governo do Estado, a então agremiação de Vicente Machado passa

a se estabelecer na política regional, não mais com o apoio frágil do governo

provisório, mas sustentada pelo florianismo e pela liderança da situação política

paranaense. “O novo Congresso nulifica tudo que se havia feito e como se nada

tivesse ainda existido – vota nova Constituição, reorganiza de novo todos os

serviços, quase todos já reorganizados: e tudo isto, além da mudança de

autoridades policiais, das câmaras, e de muitos funcionários públicos do Estado e

federais.”134

Em janeiro de 1894, registra-se a invasão do Paraná pelos revolucionários

federalistas vindos do Rio Grande do Sul, “sendo os principais focos da luta armada

no Paraná: Paranaguá, atacada e tomada pela armada de Custódio de Mello.

Tijucas do Sul, defendida por Adriano Pimentel, mas vencida pelas tropas de

Gumercindo Saraiva, e a Lapa. Esta foi sitiada de 17 de janeiro a 11 de fevereiro,

também pelas tropas legalistas comandadas pelo Coronel Antonio Ernesto Gomes

Carneiro, após duros combates e a morte do seu próprio comandante, capitulou com

todas as honras de guerra”. (CARDOSO E WESTPHALEN, 1986, p.60).

Após a vitória dos legalistas, houve uma grande repressão contra aqueles

que foram seduzidos pela causa revolucionária durante a ocupação. Anote-se uma

série de fuzilamentos com várias vítimas, os mais abastados expatriaram-se no

exterior, outros retornaram para o Rio Grande do Sul e, também, alguns buscaram

abrigo na região sudoeste paranaense, território em que mais tarde surgiria a

‘Guerra do Contestado’.

Contudo, um dos episódios mais controvertidos da Revolução Federalista foi

o assassinato de Ildefonso Pereira Correia, Barão do Serro Azul135. Nascido em 06

134 Monica Goulart (2008, p.319), citando o Jornal A Federação, 1892. 135 Em 01º de Setembro de 1894, o advogado Trajano Reis, requereu para o Superior Tribunal de

Justiça, a dilatação do prazo para o inventário do Barão do Serro Azul, nos seguintes termos: “Desembargador Euclides Moura – Diz a Baroneza de Serro Azul, que tendo a infelicidade de cair no estado de viúva, por ter desaparecido de entre os vivos, o seu idolatrado esposo-Barão do

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de agosto de 1845, em Paranaguá (PR), era filho do Comendador Manoel Francisco

Correia ervateiro de renome, e estava vinculado à família tradicional constituída de

grandes comerciantes ligados ao Litoral do Paraná. Firma-se como um legítimo

representante da elite paranaense de então, sendo um dos responsáveis pela

conquista da hegemonia econômica dos ervateiros136 frente aos latifundiários de

gado, cuja atividade econômica e poder político entram em declínio. Buscando

novos mercados e melhoria do produto para exportação, como líder do Partido

Conservador e pelos cargos de representação que detinha, usou todo o seu poder

de decisão no sentido de diminuição dos impostos que grassavam sobre o produto

exportado, bem como, bateu-se por uma política de imigração, de forma a contribuir

com o ingresso de trabalhadores livres137, contrapondo-se aos interesses dos

fazendeiros de gado. Baseado nos seus interesses econômicos, que sinalizavam

para a constituição de uma burguesia moderna e urbana financiará Clubes

Republicanos, jornais que eram porta-vozes das propostas republicanas e

abolicionistas, apesar de extremamente ligado, do ponto de vista político, aos

interesses Imperiais. (BEGA, 2001, p.95-98).

Assim, diante deste contexto, durante a Revolução Federalista, o Barão teria

apresentado um comportamento subversivo segundo a oficialidade, e com a

retomada do governo legalista, foi declarado “monarquista e colaboracionista com os

maragatos, e condenado à morte, apesar de seus esforços em justificar suas

atitudes durante a tomada de Curitiba, como forma de preservar a segurança da

cidade sitiada”. (BAHLS, 2008, p.53). Quando do primeiro governo provisório dos

federalistas, o Barão na condição de maior ervateiro e presidente da Associação

Serro Azul, deixando na orfandade três filhos impúberes, era dever da suplicante na qualidade de cabeça de seu extinto casal, requerer inventário em Juízo de órfãos dentro do prazo marcado na Ordem da lei 1ª do artigo 88 § 4º. Ocorreu, porém, que pelo motivo constante do atestado junto, só depois do dia 6 de agosto último teve a suplicante conhecimento do enorme infortúnio que a ferira e aos seus inocentes filhos e foi por esta razão que nem requereu ela o inventário e nem impetrou deste Egrégio Tribunal a prorrogação dos prazos que lhe é dado conceder. Agora parece, em obediência à lei e conquanto ainda tenha a alma despedaçada e o coração sangrando de dor, vem a suplicante pedir que a falta incorreu por motivos inteiramente estranho a sua vontade, seja-lhe concedido mais um prazo de quatro meses para dar começo ao aludido inventário. [...].

136 Comerciante de erva-mate, presidente e um dos fundadores da Associação Comercial do Estado, ele era considerado um visionário pelos industriais da época, tendo incrementado a economia paranaense, como por exemplo, ao introduzir maquinário moderno para a exploração da erva-mate e da madeira. (ROCHA POMBO, 1980, p.19).

137 Devemos considerar, ainda, a posição dos imigrantes que se mostraram simpatizantes à causa revolucionária, como, por exemplo, os poloneses. Fala-se dos “polacos” do município de Palmeira, que se armaram na luta contra os pica-paus, provavelmente incentivados pelas condições de precariedade em que viviam. Em São Mateus do Sul, eles chegaram a organizar batalhões patrióticos federalistas com membros poloneses. (BAHLS, 2008, p.51).

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Comercial do Paraná, atende ao pedido da Junta Governativa e organiza, junto ao

empresariado local, suprimentos para abastecimento da tropa. Segundo relatos, isto

se deu por uma certa simpatia à causa federalista e pela visão empresarial com que

sempre se pautou. Quando os florianistas retomam o comando da cidade, não

percebe ou subestima os rancores que tal gesto possa ter gerado, culminando com

o seu fuzilamento. (BEGA, 2001, p.102).

Para, Rafael A. Sêga (2005, p.18), a morte do Barão do Serro Azul é

extremamente emblemática, “como se a República tivesse vindo para se impor até

mesmo sobre antigos poderosos do Império”. Neste sentido, afirma Maria Tarcisa

Bega (2001, p.103) que “para quem estivera no controle da situação política por

quase 20 anos, é estranho o não dominar/entender que, com a República, por mais

que as condições infra-estruturais não tenham sido alteradas, o jogo político tornara-

se mais complexo. O ano de 1893 indicava outros tempos. Novos atores políticos

estão em cena e há um projeto republicano a ser consolidado. O ambiente

paranaense vive um clima de guerra, outros personagens estão em cena: e não há

mais lugar para grandes negociações: ou se é aliado ou inimigo!”.

Em razão destes acontecimentos, inicia-se uma etapa crítica para o Tribunal

do Estado, pois no Paraná os principais líderes da revolução eram os

desembargadores Silveira da Motta e Emygdio Westphalen que esperavam o

retorno de Generoso Marques para assumir o governo, no entanto, enfrentaram a

oposição e resistência de Vicente Machado que era aliado do Mal. Floriano Peixoto.

Uma das primeiras medidas adotadas pelo Mal. Floriano ao assumir a

Presidência do Brasil foi afastar do poder todos os governadores e Assembleias

Legislativas que apoiaram o golpe militar, sendo que o estado passou novamente a

ser governado por uma junta militar.

Novas eleições foram convocadas pela junta militar sob um novo

regulamento eleitoral com inspiração republicana (p.ex.: as mesas eleitorais seriam

fiscalizadas pelos partidos interessados; o chefe executivo seria eleito por votação

direta; as minorias teriam representação na Assembleia Legislativa, por meio de 1/3

dos deputados etc.). No pleito eleitoral a chapa formada por Francisco Xavier da

Silva, para presidente do Estado e para Vice, Vicente Machado, sagrou-se vitoriosa

e, por motivo de saúde, o presidente licenciou-se, passando o governo ao Vice que,

não tendo o apoio do Superior Tribunal de Justiça, resolveu dissolvê-lo em data de

08 de maio de 1894, pelo Decreto de n.º 26. Os ministros perderam seus títulos

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adquiridos na reforma constitucional de 1893 e, novamente, foram intitulados como

desembargadores.

Por oportuno, transcreve-se abaixo parte do mencionado Decreto de n.º 26,

que aposentou de forma compulsória os desembargadores do Superior Tribunal de

Justiça, o Juiz da Capital, Arthur Pedreira de Cerqueira, o Juiz de Antonina, Pedro

Vicente Vianna, além de excluir do quadro da magistratura o bacharel Antonio Bley,

Juiz de direito de Tibagi. Ainda foram nomeados os cinco juízes de direito mais

antigos para ocupar as vagas em aberto do Tribunal:

[...]. Considerando que na situação anormal creada para a sociedade política paranaense pela invasão revolucionária que desde 18 de janeiro até a entrada das tropas leais, impedindo o livre funcionamento dos poderes constitucionais, o Poder Judiciário do Estado representado pelo Superior Tribunal de Justiça, seu orgam principal, não se conduzio de modo a resguardar a ordem legal, e pelo contrário, concorreu, a princípio tácita, depois expressamente para a anulação do domínio “da lei”; Considerando ainda que, como poder político do Estado, é um dos guardas da individualidade da Constituição, mesmo contra os excessos dos putros poderes constitucionais, tanto que a mesma Constituição o investio de atribuições de tal latitude na letra – E – do art. 71, que mal interpretadas deram logar a reforma do Cap. III Tit. III, pela lei constitucional de 14 de outubro de 1893. [...] Art. 1 – Ficam aposentados, desde já, com ordenado proporcional ao tempo de serviço na magistratura do Estado, a contar da definitiva organização da mesma magistratura pela lei n.º 15 de 21 de maio de 1892, os desembargadores do Superior Tribunal de Justiça, bacharéis José Alfredo de Oliveira, Augusto Lobo de Moura, Conrado Caetano Erichsen, Luiz Antonio Pires de Carvalho e Albuquerque e Bento Fernandes de Barros; e os juízes de Direito da Capital – Arthur Pedreira de Cerqueira e de Antonina Pedro Vicente Vianna; é excluído do Quadro da magistratura do Estado o bacharel Antonio Bley, Juiz de Direito de Tibagy que fez renuncia das garantias constitucionais, acceitando a investidura revolucionaria de juiz de direito de Castro. Art. 2 – Entrarão provisoriamente, e desde já, para o exercício no Superior Tribunal de Justiça, os cinco juízes de direito mais antigos em virtude da classificação enviada a 12 de janeiro deste anno, em cumprimento da lei n.º 53, de 17 de novembro de 1892, art. 1. [...].

Além disso, os arquivos foram destruídos e a história do Tribunal

interrompida, realizavam-se apenas alguns encontros de poucos juízes por ordem

de Vicente Machado. Porém, assim que o Presidente Francisco Xavier da Silva

reassume o governo, o tribunal retomou suas atividades. Em, 1º de março de 1895,

devidamente constituído, iniciou suas sessões ordinárias e extraordinárias sob a

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presidência do Des. João Antonio de Barros Junior, já na segunda sede, na Rua

Barão do Rio Branco, atualmente Câmara Municipal de Curitiba. (OLIVEIRA, 2006,

p.71).

A lista quíntupla dos juízes de direito mais antigos que faz referência o art. 2º

do Decreto de n.º 26, expedido por Vicente Machado, acima referido, estava

constituída pelos seguintes membros: Dr. João Antonio de Barros Junior138 da

Comarca de Paranaguá, Dr. Euclides Francisco de Moura139 da Comarca da Lapa,

Dr. Joaquim Antonio de Oliveira Portes140 da Comarca de São José dos Pinhais, Dr.

Francisco Itaciano Teixeira141 da Comarca de Ponta Grossa e Dr. Benjamin Américo

138 João Antonio de Barros Junior, era filho de João Antonio de Barros e Dona Clara Rosa de Barros, nasceu no dia 26 de novembro de 1832, na cidade do Rio de Janeiro. Era casado com a Sra. Anna Águida da Silva Barros. Bacharelou-se pela Faculdade de Direito de Recife, onde colou grau no ano de 1864. Iniciando sua carreira profissional como advogado no Rio de Janeiro, para no ano de 1866, ser nomeado juiz Municipal de Paranaguá. Em 1870 pede demissão, retornando ao Recife, porém em 1871 passou a advogar em São Carlos do Pinhal (SP). Em 1872 até 1874, exerceu o cargo de juiz Municipal e de Órfão em Jaú (SP), sendo logo transferido para Iguaçu (SP). Já no ano de 1889, foi nomeado juiz de Direito em Antonina, transferindo-se em 1892 para Paranaguá. Assumiu o cargo de desembargador do Superior Tribunal de Justiça no dia 17 de janeiro de 1895. Jornalista, poeta, romancista e pintor, deixou várias obras dentre as quais, Emilio e Lucíola. Faleceu em Curitiba, em 11 de novembro de 1912. É patrono do Fórum de Santa Mariana. Disponível em: < http://www.tjpr.jus.br/desembargadores-tjpr-museu >. Acesso em: 14 jan. 2013.

139 Euclides Francisco de Moura, era filho de Francisco Antonio de Moura e de Miguelina de Moura, nasceu na cidade de Iguape (SP), em 1837. Casou-se em primeiras núpcias com Sra. Júlia de Carvalho Moura e em segundas núpcias, com a Sra. Catarina Graboswski de Moura. Bacharelou-se pela Faculdade de Direito de São Paulo. Iniciou sua vida profissional no Paraná, como Promotor Público na capital entre os anos de 1883 a 1889, quando solicitou exoneração. Em 1890, foi nomeado Promotor Público da comarca de Antonina, permanecendo até 09 de maio, quando foi nomeado juiz de direito da comarca da Lapa. Em 1893 assumiu a comarca de Paranaguá. Em 1894, com a retirada das tropas federalistas do Paraná, o governo afastou os membros do Superior Tribunal do Estado; em maio desse ano foi designado para servir interinamente como desembargador. Sua efetivação no cargo de desembargador se deu através de nomeação ocorrida em 17 de janeiro de 1895. Faleceu no dia 24 de agosto de 1900 em Curitiba. É patrono do Fórum de Congonhinhas. Disponível em: < http://www.tjpr.jus.br/desembargadores-tjpr-museu >. Acesso em: 14 jan. 2013.

140 Joaquim Antonio de Oliveira Portes, era filho de Antonio Joaquim de Oliveira Portes e Maria Thomazinha de Brito Portes nasceu no ano de 1858, no dia 30 de dezembro, na cidade da Lapa (PR). Casou-se com Sra. Ambrosina Machado de Oliveira Portes. Bacharel pela Faculdade de Direito de São Paulo, colou grau em 1884. Iniciou sua carreira profissional como Promotor Público em 1885. Nomeado juiz de direito, exerceu a função na comarca de Cerro Azul a partir de julho de 1890 e na comarca de São José dos Pinhais, para onde foi nomeado em 28 de maio de 1892. Em meio à Revolução Federalista, desembargadores do Superior Tribunal de Justiça do Estado foram aposentados pelo Decreto nº 26, de 8 de maio de 1894. Nesta ocasião, Oliveira Portes foi designado para servir interinamente como desembargador, sendo efetivado em 17 de janeiro de 1895. Exerceu a presidência do Superior Tribunal de Justiça do Estado de 18 de fevereiro de 1903 a 15 de novembro de 1920. Faleceu no dia 15 de novembro de 1920 em pleno exercício de sua função. É patrono do Fórum de Paraíso do Norte e do Fórum Eleitoral de Matinhos. Disponível em: < http://www.tjpr.jus.br/desembargadores-tjpr-museu >. Acesso em: 14 jan. 2013.

141 Francisco Itaciano Teixeira, era filho de Itaciano Teixeira e Dona Maria Ana Teixeira, nasceu no dia 25 de janeiro de 1860, na cidade de Recife, casado com a Sra. Adelaide Santos Muller Teixeira. Bacharelou-se pela Faculdade de Direito de Recife, iniciando sua carreira profissional no Paraná, em 7 de dezembro de 1880, como juiz Municipal e de Órfãos. Por motivos diversos, só

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de Freitas Pessôa142, este último deixou o exercício do cargo em 31 de agosto por

ter pedido demissão, já que havia sido nomeado Auditor de Guerra, sendo

substituído pelo Juiz de Direito de Palmeira, Dr. Benvindo Gurgel do Amaral

Valente143.

Na denominada Primeira República144, cujos limites se convencionaram

entre os anos de 1889 e 1930, após os governos do Marechal Deodoro e do

assumiu em maio de 1881. Com o advento da República, foi nomeado juiz de Direito para a comarca de Tibagi. Em agosto de 1892, foi transferido para Ponta Grossa, assumindo o cargo de desembargador no dia 17 de janeiro de 1895. Faleceu no dia 29 de janeiro de 1896, na cidade de Curitiba. É patrono do Fórum de Teixeira Soares. Disponível em: < http://www.tjpr.jus.br/desembargadores-tjpr-museu >. Acesso em: 14 jan. 2013.

142 Benjamin Américo de Freitas Pessoa, era filho de Antônio Targino de Freitas e de Dona Francisca da Cruz de Freitas Pessoa, nasceu em 1º de novembro de 1858 na cidade de Bananeiras no estado de Pernambuco. Casado com a Sra. Constância de Faria Pessoa, bacharelou-se pela Faculdade de Direito de Recife, onde colou grau no ano de 1879. Iniciou sua vida profissional logo após sua formatura como Promotor Público de Antonina, tendo ocupado o cargo de juiz de Direito de Antonina e de Campo Largo. No dia 31 de agosto de 1894, foi nomeado desembargador e no mesmo ano pediu demissão para ocupar o cargo de Auditor de Guerra do 5º Distrito Militar. Politicamente foi eleito Deputado provincial por várias legislaturas. O Tribunal havia sido dissolvido por decreto do Dr. Vicente Machado, quando se tentou reconstituí-lo com novas nomeações, o que não foi possível. O primeiro e único desembargador nomeado foi o Bacharel Benjamim A. F. Pessoa. Faleceu em Curitiba em 28 de maio de 1928. É patrono do Fórum de Santo Antônio do Sudoeste. Disponível em: < http://www.tjpr.jus.br/desembargadores-tjpr-museu >. Acesso em: 14 jan. 2013.

143 Benvindo Gurgel do Amaral Valente, filho de Eduardo Gonçalves Valente e de Dona Izabel Gurgel do Amaral Valente, nasceu em Aracati no Ceará, no dia 16 de dezembro de 1861. Casado com a Sra. Honorina Gurgel do Amaral Valente. Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito de Recife, colou grau em 1884. Iniciou sua vida profissional como magistrado na cidade de Silveiras (SP), no ano de 1886, como juiz municipal. Em 1890, foi transferido para Palmeiras (CE), como juiz daquela comarca. Em 1892, assumiu a comarca de Cerro Azul (PR). Em 1893, foi removido para a comarca de Palmeira. Foi nomeado no dia 17 de janeiro de 1895, para o cargo de desembargador, após pedido de demissão o Dr. Benjamim Américo de Freitas Pessoa para assumir a auditoria de guerra do 5° Distrito Militar. Exerceu a presidência do Superior Tribunal de Justiça (como era chamado o Tribunal de Justiça do Estado à época) por três vezes: em 1920, quando completou o mandato do Desembargador Portes; três anos após, quando foi eleito em 28 de dezembro de 1923 até dezembro de 1924; e finalmente, de dezembro de 1927 a dezembro de 1928. Aposentou-se em 15 de janeiro 1931. Faleceu em 23 de junho de 1934, em Curitiba. É patrono do Fórum de Engenheiro Beltrão. Disponível em: < http://www.tjpr.jus.br/desembargadores-tjpr-museu >. Acesso em: 14 jan. 2013.

144 As cinco constituições do período republicano objetivaram organizar o poder judiciário, com exceções das constituições de 1937 (“A polaca”), pois foi baseada na Constituição polonesa de 1926, imposta pelo General Joséf Pilsudski, nesse caso o chefe do poder Executivo exercia forte influência no Judiciário, detendo poderes, inclusive para nomear o presidente do Supremo Tribunal Federal. A Constituição de 1967 manteve a estrutura do Judiciário, “entretanto suspendeu as garantias de vitaliciedade e inamovibilidade, além do presidente da República ter poderes para, mediante decreto, demitir, remover, aposentar os juízes ou colocá-los em disponibilidade” (CAMBI, 2003, p.56). Os Tribunais de Alçada (TA) foram criados pela Constituição Federal de 1946. Segundo palavras de Temístocles CAVALCANTI "cria-se, com isto, a possibilidade do aceleramento das pequenas causas, cuja importância relativa não exija o julgamento por uma instância tão elevada" (CONSTITUIÇÃO, 1956, p.392). Paraná, a história do Tribunal de Alçada (TAPR) teve início com a aprovação da Emenda Constitucional n. 2, à Constituição do Estado do Paraná de 1970. Ele foi criado pelo art. 84, II da EC n.2/1970 que foi regulamentada pelo Código de Organização e Divisão Judiciárias do Estado, aprovado pela Resolução n. 1, de 26 de junho do mesmo ano. A instalação

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Marechal Floriano, o controle da República passou a ser exercido pelas oligarquias

rurais, mais especificamente de São Paulo e Minas Gerais efetivando a política do

café-com-leite.

Diante do prestígio social, político e econômico exercido pelas oligarquias

municipais (mandonismo local), instaura-se e, tem o seu apogeu nesse período, o

fenômeno sócio-político denominado de coronelismo145. Para Nunes Leal (1949,

p.102), estabelecia-se uma rede de compromissos, entre o executivo estadual e as

oligarquias locais, baseada em barganhas; basicamente o controle de cargos

públicos municipais pelo coronel (ressalte-se que o poder do coronel poderia se

espalhar para além dos limites do município sobrepujado), em troca da transferência

do seu prestígio e votos em benefício do governo estadual. Via de consequência, o

governador apoia o presidente da República, desde que este mantenha o domínio

daquele no estado.

Este fenômeno político se configurou no Paraná porque apresentou

condições adequadas para sua manifestação, isto é:

[...] a política paranaense fora marcada pelo: cerceamento da autonomia municipal, reproduzindo os mesmos limites para o poder do coronel (o qual se encontrava cada vez mais dependente das verbas públicas); a

do TA no Paraná foi justificada pelo crescente volume de recursos e de feitos submetidos a julgamento no Tribunal de Justiça, resultante do aumento constante da população e do desenvolvimento econômico do Estado à época. E m 28 de setembro de 1970, o então Presidente do Tribunal de Justiça, Desembargador Alceste Ribas de Macedo o proclamou instalado, com sede na cidade de Curitiba e jurisdição sobre todo o território estadual. O Tribunal de Alçada do Paraná inicialmente funcionou com duas câmaras cíveis isoladas e uma criminal, tendo um quadro de dez membros – os Juízes de Alçada. No ato de instalação do Tribunal, prestaram compromisso de posse os Juízes que constituíram o primeiro quadro: Murilo Eurico Cordeiro Roncáglio, Ossian França, Zeferino Mozzatto Krukoski, Armando Jorge de Oliveira Carneiro, Aurélio Feijó, Jorge Andriguetto, Luis Renato Pedroso, Claudio Nunes do Nascimento, João Cid de Macedo Portugal e Abrahão Miguel. O primeiro Presidente eleito para a gestão de dois anos foi o juiz Zeferino M. Krukoski tendo como primeiro Vice, o juiz Ossian França. a continuidade, a Emenda Constitucional Federal n. 45, de dezembro de 2004, aprovou a fusão dos Tribunais de Alçada e Justiça, unificando novamente a competência até então dividida. Na época, elevou ao cargo de desembargador todos os Juízes do Quadro do TAPR. Seu último Presidente foi o juiz João Luís Manassés de Albuquerque e último Vice, o juiz Tufi Maron Filho. Disponível em: < http://www.tjpr.jus.br/desembargadores-tjpr-museu >. Acesso em: 14 jan. 2013. Somente com a Constituição de 1988 recuperou-se a organização democrática atribuída ao judiciário, assegurando expressamente as garantias da vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos dos magistrados.

145 Nota, Décio Saes (1994, p.87), que o coronelismo designa um conjunto de práticas que caracterizam um modo concreto de funcionamento das instituições políticas burguesas democráticas. Mais precisamente, o coronelismo é um conjunto de práticas político-eleitorais que participam, de modo peculiar, da dupla função do Estado burguês: desorganização das classes trabalhadoras e unificação da classe dominante sob o comando hegemônico de uma das suas frações.

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dependência econômica da população diante do coronel (que, ao menos ainda representava certo prestígio político e econômico, diante da situação de pobreza da massa rural); uma estrutura agrária marcada pela concentração de terras; a extensão de votos a uma parcela maior da população que, paralelamente, votavam conforme os desígnios do coronel; eleições marcadas por fraudes eleitorais, bem como o uso da força física em determinados momentos, conforme descreveremos posteriormente. Outro elemento importante que consolida a importância para o presente estudo é o fato de que a maioria dos membros da Assembléia Legislativa durante a Primeira República era composta pelos próprios coronéis, chefes políticos importantes de seus municípios. (GOULART, 2008, p.48).

Ademais, essa teia de interesses não compreendia somente aqueles

afilhados que dependiam economicamente do chefe local, logo estendia-se para

todos os níveis sociais, visando a benefícios próprios. Sendo que as eleições

tornavam-se legitimações de cima para baixo do partido ou do grupo político no

poder.

De acordo com Décio Saes (1994, p.114), o fenômeno em discussão não

guarda relação direta com o novo federalismo originado com o surgimento da

República, ainda que ambos sejam consequências da formação do Estado burguês

no Brasil.

Seguindo nesta linha, afirma Ricardo Costa de Oliveira (2001, p.234) que o

coronelismo somente é possível em um Estado burguês e na presença de formas de

sufrágio, já que é a prática político-eleitoral dos proprietários de terras locais

enquanto fração subalterna do bloco do poder. Isso, em razão do direito vigente no

período monárquico estar centrado na distinção entre os seres humanos a partir da

existência da escravidão como categoria legítima (aplicada aos escravos) e dos

privilégios (restrito aos que possuíam os plenos direitos políticos e excludentes da

massa de homens pobres livres), isto é, não possuía normas centradas no direito

burguês que afirmassem a igualdade jurídica entre todos.

Assim, o direito real burguês na República teve que se ajustar formalmente

nas áreas rurais pré-capitalistas às relações de dependência pessoal que

caracterizavam a dominação de classe dos proprietários rurais. O poder político nos

executivos regionais passaria da velha burocracia de Estado Imperial para as

nascentes burguesias regionais, que viriam a controlar diretamente o aparelho

regional de Estado. Com as novas autonomias federativas, a dominação por parte

das classes dominantes regionais seria mais direta. (OLIVEIRA, 2001, p.228).

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O conservadorismo social desse período produziu reflexos no direito

penal146, tornando-o responsável pela limpeza urbana e profilaxia social. A

consolidação do positivismo criminal no Brasil foi facilitada pelo fato de esta doutrina

fornecer um ótimo ponto de partida para um controle social seletivo – a postulação

da desigualdade entre “homens bons” e “criminosos” -, sobretudo em uma sociedade

que, por sua recente memória escravista147 era acostumada a discriminar148. Em um

ambiente de aristocratização social como o da República Velha, a busca pelos

criminosos acabava por tomar os sinais aparentes de pobreza como indícios de

propensão à criminalidade. Além disso, o novo capitalismo afetou fortemente o

direito e os juristas da época. Alguns códigos de leis foram alvo de tentativas de

reforma sob o pretexto de um projeto de modernização, cite-se o Código Civil (1916)

e o Código Comercial, além da reforma da Lei de Sociedades Anônimas. (LIMA

LOPES, 2009, p.426-427).

Outra mudança envolveu a transformação do ensino jurídico com a

consolidação do método científico aplicado ao direito, o chamado positivismo jurídico

e a criação das faculdades livres de direito nas capitais dos demais estados.

Durante a República Velha o bacharel continua sendo o protagonista do

cenário político, contudo passa a enfrentar a disputa de outros grupos profissionais

146 O Estado do Paraná também atua na reforma do campo judiciário. A justiça estadual se organiza. Criam-se os Códigos do Processo Civil, Comercial e Criminal. Uma sociedade com novas normas pautada pelo direito burguês em suas características formais. A presença mais acentuada do direito burguês e do burocratismo burguês se reflete na esfera regional do aparelho de Estado, nas leis e na Constituição Estadual. (OLIVEIRA, 2001, p.229-230).

147 Segundo a historiadora Adriana Romeiro (2009), no Brasil, o movimento eugenista esteve profundamente articulado à ideologia do “embranquecimento”. No início do século XX, a classe dominante brasileira via-se diante do dilema de um enorme contingente populacional negro politicamente emancipado, porém, socialmente subalterno. Muito mais importante que essa estranha polêmica era o fato que se discutia, sem nenhuma oposição cultural ou política, a ideologia do “branqueamento” como algo definitivo. Segundo os teóricos da época, o negro iria desaparecer da população brasileira através da miscigenação, que depuraria a raça e a levaria ao embranquecimento. ROMEIRO, Adriana. O debate racial no Brasil do século XIX. Disponível em: < http://historiaartebrasileira.blogspot.com.br/2009/05/o-debate-racial-no-brasil-do-seculo-xix.html >. Acesso em: 23 jan. 2013. Neste sentido afirma Lilia M. Schwarcz (1993), no século XX, nas décadas de 10 e 20, passou-se a pensar a eugenia. A sociedade brasileira por ser uma raça em formação, deveria priorizar as raças boas. Devia-se valorizar a prática de educação física.

148 Para Eduardo Spiller Pena (2005, p.275), “outro tema similar e recorrente nos escritos foi o descarte de qualquer possibilidade de ocorrer uma ‘abolição imediata’ da escravidão no país, Para justificá-lo, alegavam ora a falta de capital financeiro do governo imperial para uma indenização em massa aos proprietários que, se não ocorresse, geraria grandes distúrbios; ora a desorganização total da economia agrária pela escassez da mão-de-obra livre e por acreditarem que os escravos sairiam imediatamente das fazendas e, ‘despreparados’ para a liberdade, migrariam para as cidades, tornado-se ‘ociosos’ e propensos ao ‘crime’.

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(engenheiros, economistas, educadores, cientistas sociais, higienistas)149 na

primazia da governança. Algumas críticas150 afirmavam que o fenômeno do

bacharelismo e a política151 estavam incorporados como sendo sinônimos e

identificados como atividades anacrônicas, dando origem a um discurso retórico

distante da realidade nacional.

Apesar do início de um ambiente hostil em relação à cultura bacharelesca,

durante este período, a Faculdade de Direito permanecia como instância suprema

da produção ideológica, concentrando inúmeras funções políticas e culturais. No

interior do sistema de ensino destinado à reprodução da classe dominante, ocupava

posição hegemônica por força de sua contribuição à integração intelectual, política e

moral dos herdeiros de uma classe dispersa de proprietários rurais as quais conferia

uma legitimidade escolar. (MICELI, 1979, p.35-40).

O autor assevera, ainda, que ao longo da República Velha, os estudantes

dos cursos jurídicos tinham não apenas a pretensão, mas também, a possibilidade

objetiva de ingressar nas carreiras ligadas ao trabalho político e intelectual, ou

então, de serem convocados para os escalões superiores do serviço público, seja ao

nível das administrações estaduais seja no âmbito do governo central. Ainda que

pudessem mobilizar o capital de relações e conhecimentos que facilita o acesso a

esses setores do mercado de trabalho reservado às famílias dirigentes, nem por isso

deixavam de sentir na pele os efeitos da inflação reinante no mercado de títulos em

virtude do crescimento do número de bacharéis “livres” (egressos de faculdades

abertas nas duas últimas décadas).

149 Com a extinção do monopólio do privilégio acadêmico estabelecido em benefício do Poder Público (Reforma Benjamin Constant/Reforma Rivadávia), houve uma disseminação de escolas superiores mantidas por particulares e instituições religiosas. A consequência foi a liquidação da supremacia das faculdades oficiais de São Paulo e Recife na área do direito, do Rio de Janeiro e da Bahia na área da medicina, da Escola Politécnica do Rio de Janeiro e da Escola de Minas de Ouro Preto na área da engenharia. Já em 1932 as escolas superiores nos ramos tradicionais se haviam multiplicado em virtude da ampliação da rede de estabelecimentos privados bem como em consequência da extensão da rede de estabelecimentos públicos. (MICELI, 1979, p.37).

150 A rigidez das linhas do sistema legal e, particularmente, o fato de que o ministério ou o exercício das atividades legais constitui ainda aos olhos do público uma técnica de processos obscuros, dificilmente acessíveis ao entendimento comum, formam uma atmosfera propícia à conservação e perpetuação de hábitos, ritos e tradições, muitas vezes incompatíveis com exigências que em outros sistemas da vida coletiva já determinaram movimentos de reajustamento e de adaptação, ou respostas adequadas satisfatórias. (CAMPOS, 2001, p.185-186).

151 A Lei Bancária de Rui Barbosa, denominada de Encilhamento, foi um dos episódios vinculado ao fracasso do bacharel. A intenção “era de impulsionar o mercado acionário no Brasil, acabou levando à emissão descontrolada de papel-moeda e de certificados de ações, estimulando grandemente a especulação”. (LIMA LOPES, 2009, p.425).

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Ao término da República Velha, o diploma universitário não representará um

símbolo de apreço social como fora para os proprietários de terras, ou então, um

sinal de distinção capaz de validar lucros provenientes de outras atividades

econômicas das famílias dirigentes. Segundo Miceli (19179, p.41), deixara também

de constituir-se em garantia segura para os aspirantes ao exercício de funções

políticas, administrativas e intelectuais.

Com referência ao campo jurídico, os cargos para juiz de Direito e promotor

público152 passam a ser providos por meio de concurso público, de modo a garantir

estabilidade a esses cargos.Os concursos representavam um dos conceitos de

modernização da burocracia estatal, um movimento que acompanhava a expansão

do Estado nos países ocidentais a partir do século XIX. Havia um investimento do

Estado Novo, em implantar esse modelo, de maneira a submeter as elites regionais

à centralização política, quebrando a lógica clientelista local e criando uma

burocracia recrutada sob critérios meritocráticos, por meio do diploma superior e

domínio da técnica. (VIANNA, 2011, p.77).

152 A partir de 1930, o cargo de Promotor Público começou a deixar de ser mero estágio político/jurídico para se tornar uma profissão reconhecida como essencial para a defesa jurídica da sociedade. O momento decisivo dessa mudança ocorreu durante o Estado Novo (1937-1945),quando agentes interessados na autonomia da instituição, acompanhando as transformações que ocorriam na administração pública e no campo jurídico, conseguiram implantar medidas que organizaram a carreira de promotor público e fizeram surgir instâncias de consagração. Com isso, fortaleceu-se a construção de um ethos profissional que unia e orientava seus agentes, os promotores públicos, frente aos concorrentes do campo jurídico e político. (VIANNA, 2011, p.74).

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CAPÍTULO II

I. Elites do Sistema Judicial Paranaense

A família é a estrutura responsável pela acumulação e transmissão de

privilégio, seja ele econômico, cultural ou simbólico. Desempenhando uma função

eficaz na renovação e manutenção da ordem e da estrutura social para as gerações

futuras. A tendência de perpetuação da família e a sua existência, garantindo com

isso sua integração, está associada à perpetuação da integridade de seu patrimônio,

sempre ameaçada pela dissipação ou dispersão (BOURDIEU, 2011, p.127).

Vale-se a partir desta etapa do trabalho da análise das biografias de três

famílias representantes da elite do sistema judicial do Paraná, a ‘família Albuquerque

Maranhão’, ‘família Azevedo Portugal’ e a ‘família Macedo’. A seleção e a

delimitação de referidas famílias153 baseiam-se em uma característica inerente a

todas elas, visto que possuem em comum a forte contribuição para a estruturação

do espaço de poder no estado, além da perenidade histórica extremamente

significativa na retenção do poder político.

No caso da primeira família o seu itinerário remonta ao período de

colonização do país, atravessando o período Imperial, República Velha, Estado

153 Recentemente tivemos o episódio da CPI das falências, como ficou conhecida, em que duas famílias de destaque do judiciário paranaense (Camargo e Macedo) ocuparam os holofotes da mídia. A CPI foi instaurada na ALP sendo que os trabalhos foram conduzidos pelo presidente da CPI, Deputado estadual Fábio Camargo (PTB), segundo o deputado existiria um suposto esquema envolvendo processos de falências de empresas no Paraná. Ainda de acordo com o deputado “o esquema teria o envolvimento do juiz da 1ª Vara de Fazenda Pública de Curitiba, Marcel Rotoli de Macedo, e dos juízes substitutos Augusto Gluszcszak Júnior e Anderson R. Fogaça, além de Rubens Simão e seus filhos Marcelo Simão e Fabio Simão. Disponível em: < http://bandab.pron.com.br/jornalismo/politica/fabio-camargo-acusa-juizes-de-fraudar-falencias-no-parana-22001 >. Acesso em: 24 de nov. de 2012. Em seguida o deputado perdeu o seu direito de exercer a advocacia por decisão da OAB/PR, mediante “denúncia feita por Macedo em outubro de 2011, segundo a qual houve irregularidades no processo de inscrição do parlamentar na Ordem, em 1999. De acordo com a denúncia, o deputado omitiu no momento da inscrição na OAB que era funcionário concursado do TJ. Como o estatuto da Ordem proíbe ocupantes de cargos na Justiça de advogar, o argumento foi acatado pela OAB. Se não conseguir reaver o registro, o parlamentar ficará impedido de disputar a vaga de desembargador do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ), para a qual está concorrendo contra outros 34 advogados no chamado quinto constitucional (cota destinada a advogados no Tribunal) Disponível em: < http://www.mp.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=4226 >. Acesso em: 24 de nov. de 2012.

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Novo e chegando até os dias atuais, já as demais iniciando no período Imperial.

Logo, são famílias estruturadas em um padrão de longa duração, sempre ocupando

posições dominantes no cenário social. Os novos ingressos e as novas formas da

classe dominante se estruturam com o que permanece. A dinâmica de “entradas e

saídas não altera a existência de alguns núcleos de permanência e de continuidade

ao longo dos séculos”. (OLIVEIRA, 2001, p.342).

Ressalte-se que a reprodução de gerações no sistema judicial paranaense

não é fato privativo das famílias154 estudadas neste trabalho, conforme se infere de

alguns exemplos listados abaixo em nota de rodapé155.

A perspectiva relacional e sistêmica de Pierre Bourdieu apresenta um

aspecto teórico especialmente produtivo para compreender os mecanismos de

dominação, isto é, os recursos/capitais utilizados e acionados como forma e

estratégia pelos agentes e as famílias investigadas.

154 Em relação aos grupos familiares, afirma Francisco Doria (1994, p.26), que “De 1500 a 1750 identificam-se na Bahia e nas capitanias vizinhas (Pernambuco e Ilhéus), provindos de Portugal, cerca de duas centenas e meia de grupos familiares que constituirão a elite nordestina durante o período colonial. Destes, quase cinquenta troncos (20%) pertencem a ramos colaterais ou bastardos de famílias no núcleo da elite portuguesa. Este último núcleo, no entanto, constituindo-se de não mais de uns 500 indivíduos, entre grandes titulares, altos funcionários civis e eclesiásticos, e mais juízes da relação e grandes comerciantes, exibe uma composição relativa interna bem menor, da ordem de 5%, para a fração “núcleo da elite”/“total de membros da elite”.

155 Podemos citar alguns outros casos, por exemplo: ex-desembargador Heliantho Guimarães Camargo é pai do desembargador e atual presidente do TJPR, Clayton Coutinho de Camargo e do cartorário Cresus Coutinho de Camargo. Além disso, Clayton Coutinho de Camargo é pai da magistrada paranaense Vanessa Camargo e do Deputado estadual Fábio Camargo; ex-desembargador Francisco da Cunha Pereira, era pai do advogado e jornalista Francisco da Cunha Pereira Filho proprietário do grupo RPC (afiliada a Rede Globo) e do Jornal Gazeta do Povo e, do conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Paraná João Cândido Ferreira da Cunha Pereira e, pela ascendência materna, é neto do Presidente do Paraná João Cândido Ferreira; ex-desembargador Ronald Accioly Rodrigues da Costa é irmão do ex-desembargador Paulo Roberto Accioly Rodrigues da Costa, que é pai da juíza Ana Paula Kaled Accioly Rodrigues; ex-desembargador Segismundo Gradowski é pai do ex-desembargador Eros Nascimento Gradowski, que é pai da cartorária Sylvia Castelo Branco Gradowski; ex-desembargador Jorge Andriguetto é pai da desembargadora Rosana Andriguetto de Carvalho que é casada com o desembargador Joatan Marcos de Carvalho; ex-desembargador Ildefonso Marques era neto do Presidente do Paraná, Dr. Generoso Marques dos Santos (representante da elite dos grandes proprietários); ex-desembargador Edmar Cordeiro Machado é neto do Presidente do Paraná, Dr. Vicente Machado (representante da elite ervateira). A família Camargo também possui uma grande longevidade na ocupação de cargos de comando e destaque: Teve em Antônio de Sá Camargo, o Visconde de Guarapuava, um dos símbolos da política paranaense no império. Affonso Alves Camargo foi presidente do Paraná por duas vezes na República Velha. Affonso Alves Camargo Neto, foi Deputado federal, ex-ministro e ex-senador. Fábio Camargo é Deputado estadual, filho do desembargador Clayton Camargo, neto do desembargador aposentado Heliantho Camargo e irmão da juíza Vanessa de Souza Camargo. É sobrinho de Cresus de Coutinho Camargo, cartorário titular do 04º Tabelionato de Protesto de Títulos de Curitiba (PR). Genro de Rafael Iatauro, que foi ex-Secretário da Casa Civil e ex-presidente do Tribunal de Contas do Paraná. [...]. (OLIVEIRA, 2007, p.161).

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Bourdieu é reconhecido como um dos pensadores que procurou romper com

pressupostos teóricos tradicionais da Sociologia, descartando de sua análise

dicotomias tradicionais das ciências sociais como sujeito/objeto,

indivíduo/sociedade, teoria/prática; suplantando, dessa forma, os limites formais e

familiares da análise sociológica recorrente. (GOULART, 2008, p.13).

Assim, para a melhor compreensão da presente pesquisa torna-se essencial

a utilização de alguns elementos centrais da sociologia bourdieusiana, que são as

suas principais categorias analíticas: capital, habitus (ethos de classe156, aqui

entendido como um “sistema de valores implícitos e profundamente interiorizados”

(BOURDIEU, 2007, p.42)), campo e espírito de família.

Estes recursos acima referidos denominam-se de ‘capital’, e podem decorrer

de distintas esferas: social, simbólica, econômica e, cultural. Essas diversas

espécies de ‘capital’ podem ser acumuladas por indivíduos, portanto, a posição de

mais ou menos privilégio seria definida de acordo com o volume do capital social

que um agente individual possui e a extensão da rede de relações que ele pode

efetivamente mobilizar e do volume do capital (econômico, cultural ou simbólico) que

é posse exclusiva de cada um daqueles a quem está ligado. (BOURDIEU, 1980,

p.01).

Ainda segundo Bourdieu (1980, p.01), os lucros que o pertencimento a um

grupo proporciona estão na base da solidariedade que os torna possível. O que não

significa que eles sejam conscientemente perseguidos como tais, mesmo no caso

dos grupos que, como clubes seletos, são expressamente arranjados com vistas a

concentrar o capital social e obter assim o pleno benefício do efeito multiplicador

implicado pela concentração e assegurar os lucros proporcionados pelo

pertencimento – lucros materiais como todas as espécies de ‘serviços’ assegurados

por relações úteis, e lucros simbólicos tais como aqueles que estão associados à

participação num grupo raro e prestigioso.

156 Bourdieu desenvolveu um modelo gerativo por meio do qual visa restituir a trajetória típica das diversas classes do ângulo da reprodução de seu ethos, e por conseguinte, de seu capital econômico e simbólico. Neste sentido, os conceitos que melhor espelham tal processo são aqueles que encerram uma dimensão temporal explícita: hereditariedade cultural, futuro de classe, carreira, trajetória social, duração estrutural, geração social, biografia construída etc. (MICELI, 2011, XLVI). De acordo com Maria Alice Nogueira (1989, p.04), é em ‘A escola conservadora’ que a idéia de ‘ethos de classe’ posteriormente iria se acrescentar ao conceito de habitus. Conceitualmente, poderia se definir como “o resultado do processo pelo qual os diferentes grupos sociais interiorizam sua situação objetiva, em matéria de probabilidades educacionais, transmutando-a em aspirações, desejos, etc. subjetivos”.

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Por outro lado, a reprodução do capital social também é tributária do

trabalho de sociabilidade, série contínua de trocas além de uma competência

específica (conhecimento das relações genealógicas e das ligações reais e arte de

utilizá-las, etc.) e de uma disposição adquirida para obter e manter essa

competência, um dispêndio constante de tempo e esforços (que têm seu equivalente

em capital econômico) e também, muito frequentemente, de capital econômico. O

rendimento desse trabalho de acumulação e manutenção do capital social é tanto

maior quanto mais importante for esse capital, sendo que o limite é representado

pelos detentores de um capital social herdado, simbolizado por um sobrenome

importante, que não tem que ‘relacionar-se’ com todos os seus ‘conhecidos’, que

são conhecidos por mais pessoas do que as que conhecem e que, sendo

procurados por seu capital social, e tendo valor porque ‘conhecidos’ (cf. ‘eu o

conheci bem’), estão em condição de transformar todas as relações circunstanciais

em ligações duráveis. (BOURDIEU, 1980, p.02-03).

Na ordem social, cada indivíduo, a cada momento, possuiria uma variedade

e volume de recursos advindos da herança familiar ou reunidos ao longo de sua

projeção social que lhe assegura uma posição no terreno social (campo). Este

recurso pode ser investido pelos indivíduos em diferentes mercados (econômico,

trabalho, cultural, escolar, matrimonial) de forma a avalizar sua ampliação e

agregação, ou simplesmente fortalecer os que já possuem buscando a conservação

do seu domínio. Ou seja, a estratégia de preservação do poder está na articulação

desses capitais em cada momento histórico. No entendimento de Saint Martin (1995,

p.1024), somente com a acumulação de diferentes espécies de capital garante-se

proteção contra a desclassificação ou o declínio social.

Entenda-se capital social157 como um conjunto das relações sociais,

parentesco, amizades, contatos profissionais; já o capital econômico em razão do

salário, renda, bens, imóveis; no tocante ao capital simbólico, seria o prestígio,

notoriedade, ‘sobrenome’, ‘nome’, status, participação em círculos sociais

dominantes; e com relação ao capital cultural como sendo o conhecimento, diploma,

saber.

157 Torna-se essencial para a assimilação das estratégias de reprodução social, quando são adotados como objeto de investigação componentes de grandes famílias oriundas da antiga nobreza que utilizam os recursos decorrentes destas origens para a ascensão social. CORADINI, Odaci Luiz. Grandes famílias e elite “profissional” na Medicina no Brasil. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, v. III, n. 3, p. 425-466, 1997.

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Outro elemento da sociologia do autor que complementa a ideia de capital

seria o habitus158, que no presente trabalho será identificado pelo trajeto social das

famílias, e também pelo encadeamento de gerações futuras ocupando posições de

poder na estrutura social. Na visão de Bourdieu (2010, p.199), seria esse princípio

gerador e unificador das condutas e das opiniões que é também o seu princípio

explicativo, já que tende a reproduzir em cada momento de uma biografia escolar ou

intelectual o sistema das condições objetivas de que ele é o produto. Em outra obra

(BOURDIEU, 2010, p.61-62), afirma que o habitus como indica a palavra, é um

conhecimento adquirido e também um haver, um capital (de um sujeito

transcendental na tradição idealista) o habitus, a hexis, indica a disposição

incorporada, quase postural. Espécie de sentido do jogo que não tem necessidade

de raciocinar para se orientar e se situar de maneira racional num espaço. Sair da

filosofia da consciência sem anular o agente na sua verdade de operador prático de

construções de objeto.

Seriam assim esquemas estruturados de percepção, pensamento, ação,

formados a partir dos modos de viver e de pensar das diferentes classes sociais, e

que se traduzem por predisposições ou disposições duráveis em direção à ação, na

análise da ação pedagógica como imposição de um arbitrário cultural (NOGUEIRA,

1989, p.04). A ideia de habitus permite sustentar a existência de uma estrutura

social objetiva, baseada em múltiplas relações de luta e dominação entre grupos e

classes sociais – das quais os sujeitos participam e para cuja perpetuação

colaboram por meio de suas ações cotidianas, sem que tenham plena consciência

158 O habitus seria um conjunto de esquemas implantados desde a primeira educação familiar, e constantemente repostos e reatualizados ao longo da trajetória social restante, que demarcam os limites à consciência possível de ser mobilizada pelos grupos e/ou classes, sendo assim responsáveis, em última instância, pelo campo de sentido em que operam as relações de força. Para além da ‘comunicação das consciências’, os grupos e/ou as classes compartilham das inúmeras competências que perfazem seu capital cultural, como uma espécie de princípio que rege as trajetórias possíveis e potenciais das práticas. É este o único processo, no entender de Bourdieu, em condições de explicar o grau de acordo efetivo de que se revestem as práticas de um mesmo grupo e/ou classe, ‘dotadas de um sentido objetivo ao mesmo tempo unitário e sistemático, que transcende as intenções subjetivas e os projetos conscientes, individuais ou coletivos. (MICELI, 2011, XLII). Ou seja, cada sujeito, em função de sua posição nas estruturas sociais, vivenciaria uma séria de características de experiências que estruturariam internamente sua subjetividade, constituindo uma espécie de ‘matriz’ de percepções e apreciações, que precisariam ser adaptadas pelo sujeito a cada conjuntura específica de ação. Os indivíduos não seriam seres autônomos e autoconscientes, nem seres mecanicamente determinados pelas forças objetivas. Eles agiriam orientados por uma estrutura incorporada, um habitus, que refletiria as características da realidade social na qual eles foram anteriormente socializados. (NOGUEIRA, 2009, p.25-29).

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disso. Agindo como membros de uma classe mesmo quando não possuem

consciência clara disso, exercem o poder e a dominação, econômica, sobretudo,

simbólica, frequentemente, de modo não intencional. As marcas de sua posição

social, os símbolos que a distinguem e que a situam na hierarquia das posições

sociais, as estratégias de ação e de reprodução que lhe são típicas, as crenças, os

gostos, as preferências que a caracterizam, em resumo, as propriedades

correspondentes a uma posição social específica são incorporadas pelos sujeitos

tornando-se parte de sua própria natureza. (NOGUEIRA, 2009, p.26).

Outra categoria analítica bourdieusiana a ser avaliada seria o campo, ou

seja, o espaço social. Segundo Bourdieu (2011, p.50), a dinâmica social se dá no

interior de um campo, logo para o presente trabalho o campo a ser considerado é a

própria sociedade. Este campo possui uma lógica própria, não reproduzida e

irredutível à lógica que rege outros campos, isto é, ao mesmo tempo, como um

campo de forças, cuja necessidade se impõe aos agentes que nele se encontram

envolvidos, e como um campo de lutas, no interior do qual os agentes se enfrentam,

com meios e fins diferenciados, conforme sua posição na estrutura do campo de

forças, contribuindo assim para a conservação ou a transformação de sua estrutura.

Por esta via, a intenção é mostrar o processo histórico das lutas entre classes e

grupos sociais, responsável pela imposição de uma cultura particular. Ademais, seria

um espaço de conflito entre os agentes encarregados de produzir, veicular e

consumir um certo tipo de bem (MICELI, 2011, LIV).

O campo é delimitado pelos valores ou formas de capital que lhe dão

sustentação. A dinâmica social no interior de cada campo é regida pelas lutas que

os agentes procuram manter ou alterar as relações de força e a distribuição das

formas de capital específico. Nessas lutas são levadas a efeito estratégias não

conscientes, que se fundam no habitus individual e dos grupos em conflito. Os

determinantes das condutas individual e coletiva são as posições particulares de

todo agente na estrutura de relações. De forma que, em cada campo, o habitus,

socialmente constituído por embates entre indivíduos e grupos, determina as

posições e o conjunto de posições determina o habitus159.

159 Hermano Roberto Thiry-Cherques. Pierre Bourdieu: a teoria na prática. Rev. Adm. Pública. vol.40 no.1 Rio de Janeiro Jan./Feb. 2006.

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E, por fim, a família para Bourdieu (2011, p.129) é vista como categoria

social objetiva (estrutura estruturante)160 é o fundamento da família como categoria

social subjetiva (estrutura estruturada)161, categoria mental que é a base de milhares

de representações e de ações (casamentos, por exemplo) que contribuem para

reproduzir a categoria social objetiva. Esse é o círculo de reprodução da ordem

social. Aqueles que têm o privilégio de ter uma família adequada podem exigi-la de

todos, sem ter de se perguntar pelas condições, por exemplo, uma certa renda, um

apartamento etc.) de universalização do acesso ao que exigem universalmente.

Esse privilégio é, no concreto, uma das principais condições de acumulação

e de transmissão de privilégios, econômicos, culturais, simbólicos. De fato, a família

tem um papel determinante na manutenção da ordem social, na reprodução, não

apenas biológica, mas social, isto é, na reprodução da estrutura do espaço social e

das relações sociais. Ela é um dos lugares por excelência de acumulação de capital

sob seus diferentes tipos e de sua transmissão entre as gerações: ela resguarda sua

unidade pela transmissão e para a transmissão, para poder transmitir e porque ela

pode transmitir. Ela é o sujeito principal das estratégias de reprodução. (BOURDIEU,

2011, p.131).

Uma das particularidades dos dominantes é a de possuírem famílias

extensas (os grandes têm famílias grandes) e fortemente integradas, já que unidas

não apenas pela afinidade dos habitus, como pela solidariedade dos interesses, isto

é, tanto pelo capital quanto para o capital, o capital econômico, evidentemente, mas

também o capital simbólico (o nome) e, sobretudo, talvez, o capital social (que

sabemos ser a condição e o efeito de uma gestão bem-sucedida do capital coletivo

dos membros da unidade doméstica). (BOURDIEU, 2011, p.133).

Auxiliamo-nos, também, para compreender a lógica da dinâmica social das

classes dominantes em obras que fundam suas análises especificamente nos

estudos dos dominantes, seja ele central ou local, no caso de Oliveira Viana,

Francisco A. Doria, Raymundo Faoro, José Murilo de Carvalho e de Ricardo Costa

de Oliveira.

160 Toma os sistemas simbólicos como estruturas estruturantes, como elementos que organizam o conhecimento ou mais amplamente a percepção que os indivíduos têm da realidade. (NOGUEIRA, 2009, p.29).

161 Analisa os sistemas simbólicos como realidades organizadas em função de uma estrutura subjacente que se busca identificar. (Idem, p.30).

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Logo, em suas origens, as trajetórias profissionais, sociais e políticas das

famílias investigadas neste trabalho evidenciam os capitais/recursos que foram

sendo englobados ao longo de sua caminhada social. Em síntese, esses recursos

concentram-se:

Capital econômico: posse da terra, investimentos, capitanias hereditárias, sesmarias, morgadio, engenho de açúcar, engenho de erva-mate, pecuária, ações, rendimentos, lucros; Capital social: laços de amizade com a Coroa, parlamento, relações de parentesco e outras cuidadosamente cultivadas, compadrio, casamento, rede de pertença, ocupação de cargos nas instituições burocráticas e corporações profissionais do estado; Capital cultural: diploma, saber, conhecimento, bacharelismo, título escolar; Capital Simbólico: títulos nobiliárquicos, nome, sobrenome, patentes, fama, reputação, notoriedade, prestígio e status social. Capital Político: donatário, camarista, deputado de província, governador, Secretário de Segurança, Senador, Presidente de Província, Cardeal.

A fundação da ‘família Albuquerque’ (posteriormente Maranhão) no Brasil

resultou do processo de conquista militar na região nordeste do país, como

recompensa, foi agraciada pela Coroa com uma sesmaria, local onde foi instalado

um engenho de açúcar que perdurou por quase 300 anos. A ‘família Azevedo’

(posteriormente Portugal) também tem a mesma origem de conquista militar no

Paraná (Guarapuava e Palmas), sendo após, recompensada com uma sesmaria,

onde foi instalada uma grande estância de criação. Por fim, a ‘família Macedo’ tem

origem no engenho de erva-mate no Paraná, sendo que o seu patriarca também

ocupou o cargo na burocracia estatal de juiz de paz.

Trata-se, portanto, de famílias que têm como ponto de interseção a grande

propriedade de terra, como é o caso da maior parte da classe dominante do período

em questão. Outro ponto homogeneizador reside na variedade de recursos/capitais

que acumularam, na utilização de matrimônios162 para reprodução e perpetuação

162 A principal e mais eficaz estratégia de reprodução familiar é a baseada no matrimônio. Trata-se de importante instrumento para manutenção e ampliação dos capitais/recursos sociais, simbólicos e econômicos. As alianças matrimoniais unindo descendentes de ‘grandes famílias’ ou multiplicando laços de parentesco já existentes são sem dúvida alguma um recurso ou trunfo que foi e continua, sendo bastante mobilizado para a perpetuação destas ‘grandes famílias’. (SEIDL, 2002).

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social, as práticas educativas principalmente em ciências jurídicas. Por fim, porém

essencial, todas as famílias aqui investigadas souberam diversificar, inovar e

renovar os capitais/recursos (social/político/militar/econômico/simbólico/cultural) que

foram acumulando ao longo de sua trajetória social ou advindos da herança familiar

e, por conseguinte não foram alcançadas pelo declínio social ou desclassificação do

campo/espaço social na análise bourdieusiana. Essa reconversão163 ou

reestruturação do capital exige uma nova readequação às exigências daquele

período sociopolítico vivenciado. Diante desse contexto, as elites preservam-se e

prolongam-se no tempo, conservando as posições preferenciais por várias gerações,

seriam uma espécie de núcleo ‘duro’ de permanência e de continuidade ao longo

dos séculos.

A melhor maneira de se evidenciar esse percurso social, as bases das

relações de reciprocidade, tais como parentesco entre indivíduos e famílias distintas

em diferentes períodos de sua existência, amizades, compadrio, habitus, assim

como os matrimônios, padrões de interação, rede de pertencimento, linhagem,

estrutura de poder, cargos ocupados, reside no rigor genealógico/prosopográfico

com a fina observação política. Assim, poder-se-ia filiar esse trabalho à tradição de

uma história social de um encadeamento de gerações, munido do intuito de

“evidenciar as lógicas de seleção, manutenção e reprodução dessas famílias num

contexto social-político” (CORADINI, 2008, p.13)164. Além de referida metodologia,

utilizou-se ainda a entrevista, pesquisa documental e a revisão da literatura sobre o

tema abordado.

Alguns desafios se impõem ao presente trabalho, primeiramente em razão

do material disponível sobre as famílias ter se mostrado muitas vezes precário. Além

da dificuldade de se obter informações independentes e isentas do trajeto familiar, já

que a maior parte do repositório de material disponível para a reconstrução histórica

social de referidas famílias encontra-se na documentação composta de biografias165,

na sua maioria, elaboradas pelos próprios familiares, portanto sujeitas a um

163 Verificar: SAINT MARTIN, Monique de. Reconversões e reestruturações das elites: o caso da aristocracia em França. Análise Social, vol. XXX (134), p.1023-1039, 1995 (5º).

164 CORADINI, Odaci Luiz (org.). As elites como objeto de estudo. Estudos de Grupos Dirigentes no Rio Grande do Sul. 1. ed., Porto Alegre: Editora UFRGS, 2008.

165 É imperativo que o pesquisador tenha plena consciência de que suas fontes de pesquisa, principalmente aquelas de cunho biográfico, não são produzidas ao acaso, elas ao contrário partem de interesses sociais específicos dos biógrafos. MICELI, Sérgio. Biografia e cooptação (o estado atual das fontes para a história social e política das elites no Brasil). Em Intectuais à brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.

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compromisso afetivo, social e moral com o retratado e sua família e, via de

consequência, dando-se ênfase nos seus predicados e virtudes excepcionais. Diante

deste contexto, buscou-se analisá-las sociologicamente submetendo-as à reflexão

crítica para que o trabalho não se tornasse apenas uma versão laudatória e oficiosa

biográfica.

As informações coletadas foram divididas em duas partes, na primeira delas,

apresentam-se de forma consistente as raízes do poder, assim vê-se a construção,

conservação e a passagem do poder para as gerações que se sucedem, isto é, a

estruturação e reprodução do poder (capital, habitus, campo e espírito de família).

Por conseguinte, compreende-se que a estrutura de poder no país está associada a

um processo político de longa duração, vinculada ao período de formação do país.

Na segunda etapa, apresenta-se o encadeamento genealógico destas famílias, a

origem, atividades desenvolvidas, carreira, casamentos, cargos públicos ocupados,

mobilidade geográfica e social, amizades, compadrios, falecimentos, pretendendo

desvelar a sua complexa trama e, principalmente, demonstrando o atrelamento

direto com o sistema judicial paranaense. Assim, oferece-se um maior dinamismo ao

objeto investigado e enriquece a sua compreensão.

Como consequência, tem-se a oportunidade de observar os efeitos do

conhecimento proveniente da comparação dessa mesma orientação teórica

bourdieusiana a fenômenos de dominação social variados conforme as diferentes

esferas (política, jurídica, burocrática, familiar, econômica).

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II. Família Macedo

Diagrama 01 – Genealogia Família Macedo

Fonte: Macedo, João Noel Azevedo e Bacellar, Enólia Macedo. 1998. Organizado pelo autor da dissertação.

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II.1. Raízes do Poder

A ascendência da família Macedo, tem como berço a Monarquia Portuguesa

do século XI, “com o nobre Gonçalo Annes Borges, décimo primeiro avô de Simão

Borges de Cerqueira, pai de Maria de Cerqueira Leme a qual casou em Itú com o

Fidalgo Duarte da Távora Gambôa, natural de Alhos Verdes, Portugal” (MACEDO E

BACELLAR, 1998, p.25)166. Tiveram uma filha chamada Catharina de Macedo

Baldraga, a qual matrimoniou-se com João Corrêa de Fonseca, sendo este o tronco

da linhagem Macedo no Paraná.

Do enlace matrimonial de João Corrêa e Catharina, tiveram vários filhos

entre eles, Maria Corrêa de Macedo que uniu-se a Manoel Ribeiro Callado, deixando

descendência de seis filhos167, dentre eles, Manoel Ribeiro de Macedo. Logo, a

origem da família Macedo remonta à descendência de Manoel Ribeiro de Macedo,

terceiro filho do casal Manoel Ribeiro Callado e Catharina Ribeiro de Macedo.

O estudo da jornada de vida de Manoel Ribeiro de Macedo instaura-se em

um sítio em Villa de Cananéia (SP), em data de 28 de fevereiro de 1804. Iniciou sua

atividade profissional auxiliando seu pai inicialmente na lavoura e depois no

comércio de tecido. Após o falecimento do seu genitor mudou-se com sua família

para Paranaguá (PR), local em que contraiu núpcias, no ano de 1828, com a filha de

um amigo do seu pai, de nome Leocádia Lourença das Dores Macedo. Tiveram

descendentes, dentre eles, Maria Leocádia de Macedo e Manoel Ribeiro de Macedo

Júnior.

Porém, no ano de 1837, ficou viúvo. Contraindo novas núpcias, em 1839,

com D. Francisca de Paula Pereira, filha do Capitão José Luiz Pereira e da Dona

Anna Maria de Jesus de Lustoza de Andrade. Desse enlace tiveram mais treze

filhos, sendo eles: (1) José Ribeiro de Macedo, (2) Manoel Ribeiro de Macedo, (3)

Antônio Ribeiro de Macedo, (4) Anna Rosa Ribeiro de Macedo, (5) Joaquim Ribeiro

de Macedo, (6) João Ribeiro de Macedo, (7) Agostinho Ribeiro de Macedo, (8)

166 Trata-se de informação baseada no imaginário do biógrafo, sem comprovação documental. 167 Os demais filhos foram:

Bento Ribeiro de Macedo Guimarães, casou-se com D. Thereza Maria dos Passos. Vicente Ribeiro de Macedo Callado, casou-se com D. Balbina Maria da Piedade. Maria Macedo de Oliveira, casou-se com Sr. Jerônimo Francisco de Oliveira. Bernardina de Macedo, casou-se com Sr. Manoel Joaquim Tostes. Joaquim Ribeiro de Macedo, casou-se com D. Mariana de Souza.

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Francisco Ribeiro de Macedo, (9) Manoel Ribeiro de Macedo Júnior, (10) Joaquim

Ribeiro de Macedo, (11) Mari Christina Ribeiro de Macedo, (12) Joaquina Ribeiro de

Macedo e (13) Maria Catharina Ribeiro de Macedo.

Essa migração para outras localidades objetivava encontrar melhores

oportunidades de ascensão profissional, o que ocorreu com Manoel Ribeiro quando

se transferiu para Morretes (PR). Essa mudança foi de extrema importância para sua

inserção nas redes de relações políticas e constituição de capital social168.

Em Morretes (PR), passou a exercer o comércio, além de ocupar o cargo de

juiz de paz, e ser proprietário de engenho de erva-mate, sendo que acabou

convertendo esses recursos para a esfera política e se tornando vereador e, em

seguida, chefe do partido conservador, gozando dessa forma das vantagens

inerentes à proximidade dos espaços de poder político e jurídico locais.

Neste período, as instituições acima referidas caracterizavam-se pelo alto

grau de conservadorismo e elitismo, porém constituíam um proveitoso gerador de

benefícios ao ocupante do cargo, já que assume uma postura de intercessão entre o

poder local/central e a sua região, podendo captar recursos materiais ou imateriais,

concessão de favores, encaminhar pedidos, o que aumenta muito o seu poder e

prestígio.

Com o passar do tempo, as vinculações tornam-se mais diversificadas

(poder político, burocracia estatal, engenho de erva-mate, propriedades), mais

sofisticadas na sua ascensão profissional e social, auxiliando no aumento do seu

capital social e econômico169.

Outro fator que também ajuda a explicar o êxito dentro da política era a

manutenção de íntima relação estabelecida com famílias da elite política. Essa rede

social favoreceu Manoel Ribeiro que, em 1851, beneficiando-se das suas conexões

de amizade, por meio da mediação do “seu compadre e velho amigo Comendador

Manoel Antônio Guimarães (neste período exercia o cargo de Deputado provincial

168 Capital social, são as relações sociais que podem ser revertidas em capital, relações que podem ser capitalizadas (amizades, laços de parentesco, contatos profissionais, etc.).

169 Argumenta, Oliveira Viana (1982, p.148), que os proprietários de grandes latifúndios aparecem sempre, no tablado da nossa história, como chefes de clã. Porém, o nosso clã rural possui um caráter mais patriarcal que guerreiro, mais defensivo que agressivo, e a sua estrutura menos estável.

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de São Paulo), depois Visconde de Nácar” (MACEDO E BACELLAR, 1998, p.27),

que o indicou para administrar a Barreira do Itupava170.

Cabe ressaltar que o Visconde de Nácar neste período era um dos maiores

exportadores de erva-mate do Paraná e dono da maior casa importadora de

Paranaguá. A sua notoriedade estendia-se ao campo político, também, pois exerceu

diversas funções dentre elas camarista e Presidente da Câmara Municipal de

Paranaguá, Delegado de Polícia, juiz municipal e comandante superior da Guarda

Nacional. Foi chefe do Partido Conservador entre os anos de 1850 e 1889, e Vice-

Presidente da província do Paraná, nesse período assumiu a Presidência em duas

oportunidades (1873 e 1877). Foi deputado Geral de 1886 a 1889 e deputado na

assembléia Provincial de São Paulo171.

Essa utilização de relações personificadas com membros ligados às esferas

mais altas do poder político e membros da elite econômica são os principais

recursos e estratégias para ascender à condição de elite, juntamente com o

matrimônio que, segundo Bourdieu (2011, p.131) seria o sujeito principal das

estratégias de reprodução. Além do mais, as carreiras políticas eram profundamente

dependentes desta rede de relações pessoais amparadas por familiares, amigos,

compadres e aliados.

Contudo, em 1854, o Conselheiro Zacarias de Góes e Vasconcelos assumiu

a Presidência da Província, substituindo todos os funcionários que haviam sido

nomeados pelo governo paulista, via de consequência, exonerando-o do cargo.

Após o seu afastamento acabou sendo preso em uma controvertida acusação de

corrupção172.

170 Sabe-se que o caminho do Itupava já era utilizado desde o ano de 1625, visto que era o meio mais ágil de se cumprir o trajeto entre Curitiba e o Litoral. Passou a utilizar o nome de Itupava, em razão da instalação na margem de referido rio, de uma espécie de pedágio, ou barreira, para sua conservação. Ou seja, o dinheiro arrecadado dos tropeiros e viajantes era investido para a conservação do trecho serrano já que era o segmento que mais carecia de estrutura.

171 Informações retiradas do Dicionário histórico-biográfico do Estado do Paraná. Curitiba: Chain; Banco do Estado do Paraná, 1991.

172 De acordo com os autores da obra Genealogia de Manoel Ribeiro de Macedo, a controvérsia residia na inexistência de vidraças, forro nos dormitórios e lugar apropriado para os arquivos na casa onde moraria para administrar a Barreira do Itupava. Afirmam que Manoel Macedo ordenou a colocação do forro e das vidraças nas janelas, sendo que após ser exonerado ofertou as benfeitorias ao futuro administrador Sr. Antônio Francisco Carneiro, porém ele não quis comprar e autorizou a retirada, mas acabou falecendo antes de ser nomeado. Assim, o irmão do falecido, Sr. David Antônio da Silva Carneiro, foi indicado para ser o novo administrador interino, este ao se deparar com a estrutura da casa oficiou os fatos ao Inspetor da Tesouraria, que oficiou o Presidente da Província, pedindo providências e severo castigo. Sendo decretada a prisão do Capitão Manoel Ribeiro de Macedo, após cumprir a pena foi-lhe restituída a liberdade (1998, p.29-30).

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122

Em razão dos negócios não estarem prosperando em Porto de Cima,

Manoel Ribeiro decidiu mudar-se para Campo Largo, em 1861, construindo nova

residência e novo engenho de erva-mate. Em 25 de junho de 1879, veio a falecer.

A política vivenciada em casa, desde a juventude, era elementar no

processo de iniciação (habitus), e a convivência com as redes de relações sociais

estabelecidas pelos pais e familiares era de fundamental importância para a

execução dos primeiros passos. (VIANNA, 2011, p.52).

Logo, o capital de relações sociais, econômicas e o habitus adquirido por

Manoel Ribeiro foi repassado aos seus filhos, tanto que no caso do Comendador

José Ribeiro de Macedo, exerceu o comércio e foi ervateiro. Na esfera política

exerceu o cargo de Presidente da Câmara de Porto de Cima, deputado Provincial,

membro do Partido Conservador, Presidente do Centro de Industriais de erva-mate,

Presidente da Associação Comercial, foi casado com Laurinda Rosa Loyola.

(OLIVEIRA, 2001, p.403).

Já o seu outro filho, o Coronel Antônio Ribeiro de Macedo, exerceu a

profissão de ervateiro. No campo político, ocupou o cargo de Presidente da Câmara

de Porto de Cima, deputado provincial, Provedor da Santa Casa de Antonina,

Prefeito de Antonina, maçom, casado com Sylvia Loyola. (Ibidem, p.403).

Isto é, o grupo familiar passa a usufruir da herança social agregada pelo seu

genitor por meio de titulações de ‘nobreza’ e ocupação de cargos políticos, além da

manutenção dos meios de produção (engenho de erva-mate). Assim, a família está

unida não apenas pela afinidade dos habitus, mas também pela solidariedade dos

interesses, ou seja, tanto pelo capital quanto para o capital, o capital econômico,

evidentemente, mas também o capital simbólico (‘nome’/’sobrenome’) e sobretudo,

talvez, o capital social (que sabemos ser a condição e o efeito de uma gestão bem-

sucedida do capital coletivo dos membros da unidade doméstica). (BOURDIEU,

2011, p.133).

O matrimônio permanece como elemento essencial para reprodução e

consagração social. Por meio da descendência direta, a liderança passa de pais a

filhos, compreendendo ainda os elos de afinidade pelo casamento, que entrelaçam

as principais e mais antigas famílias com outras, constituindo uma teia de laços que

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123

nem sempre é aparente, pois são outros os nomes, embora a linha de parentesco

permaneça173.

Aqueles que não possuíam vínculos matrimoniais com famílias tradicionais

pertencentes à elite, tratavam de estabelecê-lo, assim a sua filha Anna Rosa de

Macedo matrimoniou-se com a importante família do Tenente Coronel James Pinto

de Azevedo Portugal, que vinha a ser filho do Coronel Francisco Pinto de Azevedo

Portugal e, neto de Diogo Pinto de Azevedo Portugal (Conquistador Militar a serviço

da Coroa Portuguesa/ Grande proprietário). A sociologia bourdieusiana afirma que a

tendência, consciente ou não, nas relações sociais é de se privilegiar

relacionamentos com indivíduos com o mesmo capital social ou cultural que o seu e,

dessa forma restringir a mobilidade social. O itinerário social da família Azevedo

Portugal será abordado em maior profundidade na sequência do trabalho.

Desse tronco, que reúne a família Macedo e a Azevedo Portugal terá início a

linhagem mais tradicional do sistema judicial paranaense, constituindo uma estirpe

ou clã de juristas174 composta direta ou indiretamente por sete famílias (ethos de

classe/socialização no interior de uma posição social específica), entre elas a família

Macedo Portugal, Azevedo Portugal, Rotoli de Macedo, Riquelme de Macedo,

Pereira de Macedo, Marés de Souza e Sotto Maior.

A descendência de Manoel Ribeiro de Macedo passou a ocupar os espaços

sociais de decisão e prestígio diretamente vinculados ao poder político (executivo,

legislativo e judiciário) e à burocracia pública. A explicação de Bourdieu para este

fato reside na assimilação de todas as propriedades inerentes à posição social e às

distinções estruturais que a definem, o sujeito herda de sua socialização familiar um

habitus (Nogueira, 2009, p.26-45) tornando-se constitutivo de sua subjetividade.

Tiveram parentes na Interventoria, no Governo do Estado, na Polícia

Estadual e Federal, no Tribunal de Justiça, Tribunal de Alçada, Tribunal de Contas,

Assembleia Legislativa, Prefeituras de diversos Municípios, Reitoria, Universidade

Federal do Paraná, nas Secretarias do Estado, no Magistério Público, no antigo

Tesouro do Estado, nas Funções Públicas e Privadas, na Indústria e no Comércio.

Nestes 108 anos de Associação Comercial do Paraná, 37 foram presididos por

173 Prefácio elaborado por Francisco Iglésias, do artigo: Famílias Governamentais de Minas Gerais de autoria de Cid Rebelo Horta. Disponível em: < http://www.fjp.mg.gov.br/revista/analiseeconjuntura/viewarticle.php?id=24 >. Acesso em: 26 jan. 2013.

174 Solidariedade parental/Solidariedade de classe. (VIANA, 1982, p.156).

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124

pessoas descendentes ou ligados diretamente à Família de Manoel Ribeiro de

Macedo. (MACEDO E BACELLAR, 1998, p.24).

Por fim, diante deste painel, buscou-se apresentar um histórico da origem

dos recursos/capitais enfeixados no percurso social de Manoel Ribeiros e seus

descendentes, e a reconversão desse capital econômico para a esfera de poder

política, cultural e social.

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III. Família Azevedo Portugal

Diagrama 02 – Genealogia Família Azevedo Portugal.

Fonte: Revista Genealógica Latina. Nº 11, vol. 8, p.149-150, 1956. Organizado pelo autor da dissertação.

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III.1. Raízes do Poder

A família Azevedo Portugal tem suas origens no Brasil, iniciadas por Diogo

Pinto de Azevedo175, nascido na vila de São Bartolomeu de Barqueiros, comarca de

Lamengo, província da Beira, em Portugal, pelo ano de 1750. Era filho de Manoel de

Azevedo Pinto e D. Josefa Luiza de Jesus. Ainda jovem, abandonou, para sempre, a

terra onde nascera, partindo para o Brasil, local que viria “exercitar a sua atividade

ao serviço de seu Rei e de sua Pátria”. (FRANCO, 1943, p.10).

Não se tem maiores informações sobre a sua descendência familiar no

material bibliográfico disponível, ou seja, não há relatos sobre o capital social e

econômico herdado dos seus pais, muito provavelmente não estava vinculado a uma

família fidalga ou nobre portuguesa. Outro ponto que reforça esse entendimento,

reside no “recrutamento dos membros do exército, sendo uma tradição entre os

regimes absolutistas europeus que a oficialidade fosse recrutada entre membros da

nobreza176 e os soldados entre os camponeses, e o exército português não fugia a

essa tradição” (CARVALHO, 2003, p.187), e Diogo Pinto ingressou nas fileiras do

exército assentando “praça em Santos em 1772” (NEGRÃO, v.II, 1927, p.338-339),

alcançando com brevidade os postos de Oficialato. (FRANCO, 1943, p.10).

O Oficialato do exército funcionava como centro de integração e socialização

destas elites, sendo boa parte destas relações de reciprocidade concretizadas neste

ambiente, ou seja, um investimento de recurso/capital que teria regresso

futuramente.

Tornou-se Sargento de Infantaria nas Companhias de Santos, e, em

seguida, Primeiro-Tenente de Infantaria da Companhia de Fortes, sendo enviado

para o Rio Grande do Sul, na chamada “Campanha do Sul”, objetivando repelir os

175 Quando residiu em Curitiba exerceu serviços de ordem civil, e, segundo a venerança de 31 de dezembro de 1806 e de 21 de fevereiro de 1807, acumulou as atividades de Comandante de Milícias e Comandante da Vila, além de juiz Ordinário, “para o qual fora eleito. Tomou posse desse cargo em princípio de 1808 e, por acúmulo de trabalhos, resignou o mandato em maio desse ano” (MACEDO, 1995, p.84).

176 A grande maioria dos oficiais portugueses no Brasil à época da Independência passara ou pelo Colégio dos Nobres ou pela Academia de Marinha ou tinham sido cadetes. (CARVALHO, 2003, p.188).

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127

espanhóis. Comandou em 1789, no posto de Tenente, a Vila de Lages177; segundo

alguns historiadores, possuía um caráter autoritário e violento178.

Em razão de sua concepção e vocação frente a sua profissão (capital

cultural) e com a obtenção de êxito em campanhas militares, permitindo-lhe ajuntar

certo prestígio (capital simbólico), passou a ter a possibilidade de desenvolver

gradualmente relações de reciprocidade internas e externas à instituição, as quais

seriam fundamentais para sua ascensão profissional e social. Tanto que, em 1795,

foi indicado pelo Governador da Capitania, Bernardo José de Lorena, para ocupar o

posto na Legião de Voluntários Reais, tornando-se Capitão de Bombeiros. Depois,

promovido pelo Governador de São Paulo, Manoel de Mello Castro e Mendonça, ao

posto imediato de Sargento Mór de Milícias179180, em razão de ter servido “muitos

177 Na Vila de Lages houve um desentendimento entre Diogo Pinto e o Capitão Mor Regente da Vila de Lages, que pode ser entendido da seguinte forma: “necessitando de um animal para a condução de bagagem do destacamento que, sob o seu comando, se recolhia a São Paulo, recorreu Diogo Pinto ao Capitão Mór Regente para que este lhe cedesse uma besta pertencente ao confisco feito aos contrabandistas e criminosos que infestavam aquela região. O Capitão Mór não acedeu ao pedido; não obstante, Diogo Pinto utilizou-se dela para sua viagem de regresso. Em carta de 12 de Dezembro de 1789, aquele Capitão Mór cientificava ao Governador de São Paulo que o Tenente Diogo Pito havia levado “despoticamente” o animal. Em resposta, o Governador determinou que o Capitão Mór fizesse alí arbitrar o valor do animal, para ser descontado dos soldos d´aquele Tenente”. (FRANCO, 1943, p.11).

178 Afirma Romário Martins (1995, p.191) que “seu caráter autoritário e violento fez com que tivesse excusados atritos com povoadores e milicianos a até mesmo com o grande padre Chagas178, o apóstolo do gentio, ídolo dos Camés, glória da catequese”. Neste sentido, afirma Arthur Martins Franco (1943, p.01), que “o Comandante Diogo Pinto de Azevedo Portugal era soldado disciplinador e enérgico”. Já, Augusto de Saint´Hilaire, também, faz referência ao autoritarismo do coronel Diogo, porém afirma que tal comportamento seria necessário diante das dificuldades presente na expedição: “passando por Castro, em trânsito para Guarapuava tinha causado tal pânico, que mais de mil pessoas tinham abandonado o distrito, refugiando-se no Rio Grande do Sul. A abertura da estrada para Guarapuava foi feita pelos moradores, que eram obrigados a trabalhar gratuitamente e tratados com severidade. Segue afirmando o mesmo autor que, eram sacrifícios indispensáveis, pois de outra forma, sem vias de comunicação a conquista de Guarapuava fracassaria, com a anterior. Não podia o tenente-coronel Diogo Pinto lançar mão de outro expediente” (MACEDO, 1995, p.293).

179 Os postos de Ordenanças de mais alta patente eram: capitão-mor, sargento-mor, capitão. Os oficiais inferiores eram os alferes, sargentos, furriéis, cabos-de-esquadra, porta-estandartes e tambor. FILHO, Jorge da Cunha Pereira. Tropas militares luso-brasileiras nos séculos XVIII e XIX. In: Boletim do Projeto: Pesquisa Genealógica Sobre as Origens da Família Cunha Pereira. Ano 03, nº. 12, 01/mar/1998.

180 Para a eleição para os capitães-mores de cada vila, cidade ou concelho do Império Português estipulava-se que em vez de elegê-los diretamente quando vagasse seu posto, os oficiais da Câmara municipal deveriam avisar o ouvidor ou o provedor da comarca, que era obrigado a comparecer à mesma para, juntamente com os camaristas, escolher três pessoas do local “da melhor nobreza, cristandade e desinteresse”. Os nomes e as devidas justificativas eram enviadas ao general ou cabo que comandasse as armas da localidade, que baseado nas informações dadas pelos oficiais da Câmara e pelos funcionários régios encarregados de supervisionarem as eleições, propunha ao Rei – através do conselho de guerra metropolitano – as pessoas mais convenientes para a ocupação do posto. A eleição dos sargentos-mores e capitães-de-companhia passou a se realizar segundo esse mesmo modelo. Diferia apenas na composição do grupo de

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128

anos com boa aceitação de seus superiores, e ter aptidão necessária para este

posto” (FRANCO, 1943, p.16). Assumiu o comando do Regimento de Cavalaria de

Milícias da Vila de Curitiba, por meio do Decreto de 19 de outubro de 1798. Por fim,

foi o responsável pela expedição real181 de conquista dos Campos de

Guarapuava182, quando foi elevado ao posto de tenente-coronel183.

Diante da existência de um homônimo no Corpo de Infantaria da Legião dos

Voluntários Reais da capitania de São Paulo, resolveu adotar o agnome de

“Portugal, que conservou e transmitiu para seus filhos” (AZEVEDO MACEDO, 1995,

p.22).

Estabeleceu, nesse período, mediante seu prestígio no exército, distinção

social e uma rede de relações sociais bem estabelecidas com governadores e o alto

oficialato. Casou-se em segundas núpcias184 com D. Rita Ferreira de Oliveira

Bueno185, filha do sargento-mor Francisco Xavier Pinto (português) e D. Rita Ferreira

Bueno (paulista), “das principais famílias da Capitania de São Paulo”. (Dicionário H.

B. do PR., 1991, p.385-386, NEGRÃO, v.I, 1927, p.338-339). Reforça-se novamente

a ideia bourdieusiana da essencialidade do matrimônio como um instrumento para

escolha: em lugar do ouvidor ou provedor da comarca, a opção pelos três nomes cabia aos oficiais da Câmara municipal em conjunto com o alcaide-mor ou capitão-mor e, na falta destes, recaía obrigatoriamente sobre as pessoas residentes nos limites da vila, cidade ou conselho. A escolha final caberia ao Conselho de Guerra. Este passou a ser responsável por expedir as patentes – assinadas pelo Rei – de capitão-mor, sargento-mor e capitão-de-companhia, que deixaram de ser feitas por provisões, como se praticara até então. (SALGADO, 1986, p.105-106).

181 Dom João indica como Comandante das tropas Diogo Pinto de Azevedo Portugal, que era sargento-mor das tropas de milícia, e que, para tanto, recebe o titulo de Tenente Coronel de Milícias e passa a comandar o regimento que se forma ordenado por Don João. Diogo Pinto era um militar experiente nas escaramuças de combate aos indígenas, que já tinha combatido em outras ocasiões. (MOTA, 199, p.125).

182 A região de Guarapuava mereceu atenção, desde o século XVIII, dos administradores da capitania de São Paulo. Entre os anos de 1768 e 1774, foram feitas as primeiras tentativas de colonização dos vastos territórios entre os rios Ivaí e Uruguai. O propósito de colonização desses sertões ganhou novo fôlego a partir da chegada da família real ao Brasil. Com o príncipe regente, várias frentes de ocupação foram organizadas. Em direção ao Mato Grosso e ao sertão do rio Doce também seguiram expedições. LEITE, Rosangela Ferreira. A política Joanina para a ocupação dos sertões (Guarapuava, 1808-1821). Revista de História (USP). São Paulo, 2008.

183 Todo o Regimento de Milícias de Curitiba se apresentou para a realização desta grande empreitada. Diogo Pinto, experiente soldado foi eficientemente assistido pelo seu sogro e pelo seu cunhado sargento-mor Ignacio de Sá Sotomaior (Casado, em 1785, com D. Maria Ferreira Bueno, deixaram seis filhos. Ela era irmã de D. Maria Rita Ferreira de Oliveira Bueno, casada com o coronel Diogo Pinto de Azevedo Portugal), e, também, pelo padre Chagas, que proporcionou à expedição os mais assinalados serviços.

184 Casado em primeiras núpcias com D. Escolástica da Annunciação, que veio a falecer. 185 Livro de Assentos de Matrimônios de Pessoas Livres da Diocese Nossa Senhora de Belém de

Guarapuava. ADNSBG. Livro I, p. 10, 1812-1855. Freguesia de Nossa Senhora de Belém nos Campos de Guarapuava em 20 de maio de 1814.

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129

constituição de vínculos familiares significativos com outras famílias de destaque

para aumento e cessão de capital (social/simbólico/econômico/político/cultural).

Importante ressaltar que Dona Rita Ferreira Bueno era filha do Sarg. Mor

João Ferreira de Oliveira (português) e sua mulher D. Maria Bueno (paulista), e que

veio morar em Curitiba. Como militar, ao mando de Afonso Botelho, serviu nas

expedições do Tibagi e Guarapuava. Exerceu cargos públicos. Gozou de largo

prestígio. Galgou o posto de sargento-mor. Proprietário de várias fazendas e do sítio

Ferraria, neste residiu habitualmente. Faleceu em 1805. D. Rita Ferreira Bueno era

tetraneta de Amador Bueno da Ribeira, cuja mãe Maria Pires era trisneta do cacique

Piquerobi e cuja mulher Bernarda Luís era trisneta de João Ramalho e tetraneta do

régulo Tibiriça. (AZEVEDO MACEDO,1995, p.65).

Para parcela muito expressiva dos oficiais do Império, a constituição de uma

aliança matrimonial entrelaçando ‘famílias de militares’ detinha espaço importante

entre as estratégias de reprodução social e de ampliação do capital social com base

na família. (SEIDL, 2011, p.16)186. Essa “poderosa engenharia de matrimônios tinha

nos filhos um importante elo de ligação política e econômica” (VARGAS, 2011, p.44),

tanto que os seus filhos casaram com filhas de militares, conforme se constatará

mais adiante no trabalho.

Esse enlace matrimonial entre Diogo Pinto e D. Rita Ferreira revestiu-se de

grandeza, principalmente em razão da importância das famílias envolvidas e,

também, pelo capital social, político e econômico que representavam. Tanto que foi

testemunha do noivo o Capitão General de São Paulo Antonio José da Franca e

Horta e sua esposa Dona Luiza Horta, representados pelo tenente-coronel Manoel

Gonsalves Guimarães e sua filha Maria Clara; foram testemunhas da noiva o

capitão-mor Antonio Ribeiro de Andrade e o guarda-mor Joaquim Mariano Ribeiro

Ribas. (AZEVEDO MACEDO,1995, p.292).

As estratégias, sejam elas políticas, títulos, patentes, visão de

mundo, entre outros aspectos da vida social, possuíam um nítido caráter

familiar. (VARGAS, 2011, p.45). Desse enlace, resultaram os seguintes

progênitos: (1) Coronel Francisco Pinto de Azevedo Portugal, (2) Tenente Antonio

Pinto de Azevedo Portugal, (3) Capitão Diogo Pinto de Azevedo Portugal Filho, (4)

186 SEIDL, Ernesto. Condicionantes sociais na composição do alto oficialato militar brasileiro (1850-1930). p.11-27. In: HEINZ, Flávio M. (org.). História Social de Elites. São Leopoldo: Oikos. 2011.

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Alferes José Ferreira Pinto de Azevedo Portugal e (5) João Pinto de Azevedo

Portugal (faleceu solteiro).

O coronel Diogo faleceu em 1820, em Castro, aos 70 anos de idade, local

em que, juntamente com Guarapuava, possuía grandes fazendas de criação,

recebidas como recompensa pelos serviços prestados à Coroa. O coronel Diogo

teria sido agraciado com “sesmaria de três léguas de campo”. (AZEVEDO MACEDO,

1995, p.288).

Para Bourdieu (2011, p.127), a família permanece como sendo a estrutura

responsável pela acumulação e transmissão de privilégio, seja ele econômico,

cultural ou simbólico, e a descendência de Diogo Pinto incorporou o habitus e os

capitais (social/simbólico/econômico/político/cultural) pertencente à classe

dominante deixados pelo pai. Por conseguinte, passam a agir tendo conhecimento

ou não pleno das consequências objetivas de suas ações, particularmente no

sentido da perpetuação das relações de dominação (NOGUEIRA, 2009, p.27).

Fato que o seu filho, Antonio Pinto de Azevedo Portugal, ocupou postos

políticos eletivos, já que foi vereador e secretário da Câmara Municipal de Curitiba.

Também, foi capitão da Guarda Nacional (é muito mais importante um título da

Guarda Nacional do ponto de vista do seu valor simbólico, como capital político, do

que a sua efetividade militar187), cuja patente foi passada pelo então Presidente da

Província de São Paulo, Brigadeiro Manoel da Fonseca Lima e Silva. Casou-se com

D. Claudiana Cecilia Maria Borba, filha do Sargento Mór Vicente Antonio Rodrigues

Borba e D. Joana Hilaria Morosini Borba.

O seu outro filho, Francisco Pinto de Azevedo Portugal, casado com Maria

Joaquina da Paixão, filha do tenente-coronel Manoel Teixeira de Oliveira Cardoso e

D. Ana Joaquina da Paixão, ao todo deixou sete filhos. Foi proprietário e industrial

em Campo Largo, exerceu os cargos de subdelegado de polícia. Ocupou cargos na

burocracia pública, foi primeiro suplente do juiz municipal em dois quatriênios, juiz

comissário das Terras Públicas, primeiro juiz de Paz em três quatriênios.

Exerceu cargos públicos eletivos, foi Presidente da 1ª Câmara Municipal de

Campo Largo, deputado provincial em três Legislaturas, foi Presidente da

187 A Guarda Nacional era outra forma de mediação entre a classe dominante e do Estado Imperial. A Guarda Nacional nada mais era que a atualização da velha instituição das ordenanças e milícias coloniais. Na realidade, era a militarização da classe dominante, sob o apanágio do Estado. Naquela conjuntura, a Guarda Nacional era mais uma organização paramilitar. Não possuía regulamentos específicos, armas e uniformes padronizados. A sua composição era bastante heterogênea. (OLIVEIRA, 2001, p.173).

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Assembleia, Alferes, Major, Tenente Coronel da Guarda Municipal, exerceu

interinamente o Comando Superior de Curitiba, agraciado com o grau de Oficial da

Imperial Ordem da Rosa, por serviços prestados ao Estado e durante a Guerra do

Paraguai, Vice-Presidente da Província, por ato da Princesa Imperial Regente de 26

de Novembro de 1887 e chefe do Partido Conservador de Campo Largo. Seu filho,

tenente coronel James Pinto de Azevedo Portugal188, irá matrimoniar-se com a filha

de Manoel Ribeiro de Macedo, Anna Rosa de Macedo Portugal189.

José Ferreira Pinto de Azevedo Portugal, casado com sua prima D.

Francisca de Paula Ribas, filha do Guarda Mór Joaquim Mariano Ribas e D. Maria

Rita Ferreira Bueno190. Exerceu os cargos de juiz de Paz, suplente de subdelegado

de polícia, tenente da Guarda Nacional (valor simbólico/capital político), proprietário

e fazendeiro em Campo Largo.

Diogo Pinto de Azevedo Portugal Filho, casado com D. Vitalina Rosa

Ferreira, filha de Antonio Francisco Guimarães e de sua mulher Maria Joaquina

Ferreira, exerceu o posto de juiz de Paz, subdelegado de polícia, negociante em

Campo Largo.

Diante desse exame dos itinerários social e profissional, o presente estudo

ganha sentido e se justifica, ou seja, evidencia-se todo o processo de formação,

composição, reprodução e consolidação de estruturas de poder vinculadas a grupos

tradicionais da classe dominante paranaense como representantes da elite do

sistema judicial do estado.

Nota-se que são práticas sociais reiteradas e praticamente ‘padronizadas’

empreendidas por membros da classe dominante visando ao estabelecimento ou

dilação do poderio e que vão sendo socializadas pelas gerações que se sobrevêm,

eternizando-se em posições e cargos de prestígio e destaque.

Em seguida, busca-se expor a constituição e trajetória das famílias

descendentes da união entre a família Macedo e Azevedo Portugal (Macedo

188 O Tenente Coronel James Pinto de Azevedo Portugal era neto de Diogo Pinto de Azevedo Portugal, e, filho do Coronel Francisco Pinto de Azevedo Portugal, “nascido em Atalaia, na expedição à Guarapuava, a 2 de abril de 1814, casado em Curitiba a 24 de junho de 1834 com Maria Joaquina da Paixão, nascida em Curitiba a 10 de Abril de 1816; por esta, neto materno do Tenente Coronel Manoel Teixeira de Oliveira Cardoso e de sua mulher Anna Joaquina” (NEGRÃO, 1927, p.329).

189 Descendentes: 1) Clotilde de Azevedo Portugal Macedo; 2) Clotelvina de Azevedo Portugal Macedo; 3) Clodomira Portugal Soares; 4) Clotário de Macedo Portugal; 5) Clodoaldo de Macedo Portugal e 6) Clorodico de Macedo Portugal.

190 Filha do Sargento Mór Francisco Xavier Pinto e de sua esposa Rita Ferreira Bueno (FRANCO, 1943, p.33).

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Portugal, Azevedo Portugal, Rotoli de Macedo, Riquelme de Macedo, Pereira de

Macedo, Marés de Souza e Sotto Maior) no sistema judicial paranaense.

Diagrama 03: Genealogia Família Macedo e Azevedo Portugal.

Fonte: Macedo, João Noel Azevedo e Bacellar, Enólia Macedo. 1998. Organizado pelo auto da dissertação.

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Diagrama 04: Cargos ocupados por alguns membros da Família Macedo e Azevedo Portugal no sistema judicial paranaense.

Fonte: Macedo, João Noel Azevedo e Bacellar, Enólia Macedo. 1998. Organizado pelo auto da dissertação.

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III.2. Família Macedo Portugal

Clotário de Macedo Portugal, nascido em 08 de janeiro de 1881, em Campo

Largo (PR), matrimoniou-se com sua prima Sra. Anna de Macedo Portugal191.

Bacharelou-se pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (SP), colando

grau em 28 de novembro de 1905. Iniciou sua carreira em 1906, quando foi

nomeado promotor público de Tibagi. Nomeado juiz de Direito da comarca de União

da Vitória em 10 de abril de 1911, permaneceu acumulando o cargo de magistrado e

promotor.

Foi o 15º Procurador-geral do Ministério Público do Paraná, de 1916 a 1918,

sendo reconduzido em 1921. Já em 15 de abril de 1924, foi nomeado

desembargador, tornando-se Corregedor-Geral do Paraná (1925-1926). Foi eleito

Presidente do Tribunal de Apelação do Estado em 1929, sendo reconduzido em

1933, permanecendo no cargo até o fim do Estado Novo. Foi o primeiro Presidente

do Tribunal Regional Eleitoral do Paraná. Ocupou o cargo de Secretário do Interior,

Justiça e Instrução Pública. Foi professor da Faculdade de Direito da Universidade

do Paraná, na disciplina de Direito Penal, substituindo Emiliano Perneta.

Sucedeu o Interventor Federal no Paraná Manoel Ribas, a partir de 3 de

novembro de 1945, mas, já com a saúde debilitada, transferiu o governo a Brasil

Pinheiro Machado, em fevereiro de 1946. Chegou a reassumir a Presidência do

Tribunal de Justiça, mas faleceu em 10 de fevereiro de 1947, na cidade de Curitiba

(PR)”192.

191 Filha do Coronel João Ribeiro de Macedo e Anna Maria Azevedo Macedo, ela filha de Francisco Pinto de Azevedo Portugal e Maria Joaquina da Paixão, ele filho de Manoel Ribeiro de Macedo e Francisca de Paula Pereira de Macedo. João Ribeiro de Macedo desde sua juventude foi comerciante e industrial de erva-mate. Chefe político na cidade de Campo Largo e um dos fundadores da Vila de Teixeira Soares. Construiu em Teixeira Soares uma Indústria, e entregou a direção para seu filho Manoel Azevedo Macedo, que havia casado com sua prima Leonídia de Macedo em Curitiba à 14 de julho de 1906. Com o desenvolvimento da serraria foi montada uma fábrica de móveis, caixarias, cabos de vassoura e também Engenho de Erva Mate. A energia Elétrica produzida pela indústria era cedida gratuitamente à Prefeitura Municipal de Teixeira Soares para iluminação da Vila. Descobriu a fonte de água e denominou-a “Água Ouro Fino”, no Município de Campo Largo, tendo sido explorada pela família durante muitos anos. Foi Presidente da Associação Comercial do Paraná em 1900 a 1901 e um dos fundadores do Jornal do Comércio do Paraná (MACEDO, BACELLAR, 1998, p.247).

192 Informações retiradas do sítio do Tribunal de Justiça do Paraná. Disponível em: http://www.tjpr.jus.br/desembargadores-tjpr-museu >. Acesso em: 30 de set. de 2012.

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135

Deixaram descendentes: (1) Alice Macedo Portugal, (2) Adilia Macedo

Portugal, (3) Maria Silvia Macedo Portugal, (4) Anita Macedo Portugal, (5) James

Macedo Portugal, (6) João Cid de Macedo Portugal, (7) Clotário de Macedo Portugal

Filho, (8) Ana Portugal Faria, (9) Myryan Clodomira Portugal Bacellar e (10)

Therezinha Portugal Bacellar.

Clotário de Macedo Portugal Filho nasceu em 13 de março de 1918, ainda

quando estudante presidiu a União Paranaense dos Estudantes, ingressando em

1938, no curso de direito da Universidade Federal do Paraná. Matrimoniou-se, em

30 de setembro de 1944, com Eunice, filha de sua prima D. Adalgisa Portugal

Macedo193 e do médico paranaense José de Azevedo Macedo. O casal deixou

descendentes: Celso e José Roberto. Dedicou-se à advocacia, sendo conselheiro da

OAB/PR e Presidente da Associação do Nível Superior do Paraná. Laborou para a

Legião Brasileira da Federação do Mate, Secretaria de Educação e Cultura. Fundou

o Partido Democrata Cristão e lecionou no curso de direito da UFPR.

João Cid de Macedo Portugal, nascido em 09 de julho de 1916, na cidade de

Curitiba (PR). Casou-se em primeiras núpcias com D. Dinorah Barcelar Portugal, e,

em segundas núpcias com D. Dulce Bepler Portugal. Bacharelou-se pela Faculdade

de Direito da Universidade do Paraná, colando grau em 1939. Iniciou sua carreira

como advogando, depois foi nomeado promotor público de Cerro Azul no ano de

1940. Foi feito magistrado pelo quinto constitucional, integrando o Tribunal de

Alçada, no qual chegou à presidência. Em seguida, ascendeu ao Tribunal de Justiça,

onde se aposentou como desembargador chegado à compulsória. É lembrado por

ser um dos responsáveis pela criação e implantação da Escola da magistratura do

Paraná. Faleceu em 07 de abril de 2004.

Alice Macedo Portugal matrimoniou-se com seu primo James Pinto de

Azevedo Portugal, filho de José Ribeiro de Macedo Júnior e D. Clotelvina Portugal

Macedo, nascido em 14 de fevereiro de 1908, na Cidade de Campina Grande do Sul

(PR), bacharelou-se pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná,

colando grau em 1933. Já no ano de 1934, foi designado promotor público da

193 D. Adalgisa Portugal Macedo era filha de D. Clotelvina de Azevedo Portugal Macedo e de José Ribeiro de Macedo Júnior, ele filho de José Ribeiro de Macedo e Laurinda Rosa Loyolla de Macedo. Quando seu pai foi residir em Campo Largo (PR) com sua família ele e seu irmão Antônio, ficam tomando conta do Engenho de Mate de Porto de Cima. Nesta época foi vereador da Câmara Municipal e Presidente da mesma. Em Curitiba foi Presidente da Associação do Paraná em 1893 à 1895, e depois em 1913 à 1917. Faleceu nesta Capital à 27 de julho de 1917. (MACEDO, 1998, p.199).

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Comarca de Campo Largo (PR), permanecendo por cinco anos. Concursado, foi

nomeado juiz de Direito da Comarca de Palmas (PR). Foi nomeado para o cargo de

desembargador, em 6 de março de 1964, falecendo em 19 de novembro de 1979.

Tiveram descendentes: Maria da Luz Portugal Werneck, Marly Macedo Portugal,

Maria Clotelvina Portugal Macedo, Clotário de Macedo Portugal Neto, José Macedo

Neto, James Pinto de Azevedo Portugal Filho.

Clotário de Macedo Portugal Neto, nascido na Capital (PR), em data de 24

de agosto de 1937. Casado com Aglaé Beatriz Vaz da Silva Portugal, com quem

teve dois filhos. Bacharelou-se, em 1962, pela Faculdade de Direito de Curitiba.

Exerceu os cargos de Auxiliar Judiciário no Tribunal de Justiça do Estado do Paraná

e Tribunal Regional Eleitoral. Além disso, advogou por 08 anos e ocupou vários

cargos de confiança no Governo do Estado. Foi chefe de gabinete da

Superintendência da Fundepar – Fundação Educacional do Estado do Paraná e

Assessor de Gabinete da Secretaria de Educação.

Em 1970, ingressou na magistratura, exercendo o cargo de juiz de Direito da

Comarca de União da Vitória (PR). No ano de 1988, foi promovido por merecimento

ao cargo de juiz do Tribunal de Alçada, tornando-se desembargador, em 1995, do

Tribunal de Alçada do Paraná (Decreto Judiciário n. 181/95), aposentou-se em 14 de

setembro de 2007. Foi presidente do Tribunal Regional Eleitoral, corregedor e vice-

presidente194. Deixou descendentes, entre eles o atual magistrado do TJPR, Raul

Vaz da Silva Portugal.

Myryan Clodomira Portugal Bacellar matrimoniou-se com Romeu Felippe

Bacellar195, o qual nasceu em Mafra (SC), em 08 de maio de 1920. Graduou-se em

Direito e Economia pela Universidade Federal do Paraná, sendo nomeado em 01º

de junho de 1952 para o cargo, então vitalício, de Diretor-Secretário do Tribunal de

Justiça do Estado do Paraná, após disputa via concurso público. Foi reconduzido ao

cargo, após sua aposentadoria, pelo então presidente do TJPR desembargador

Alceu Conceição Machado no biênio 1984/1985. Lecionou as disciplinas de Direito

Processual Civil e Direito Internacional Público, na Faculdade de Direito da

Universidade Federal do Paraná. Faleceu em 08 de junho de 1994, deixaram

descendentes: (1) Rui Portugal Bacellar; (2) Romeu Felipe Bacellar Filho; (3)

194 Informações retiradas do sítio do Tribunal de Justiça do Paraná. Disponível em: < http://www.tjpr.jus.br/desembargadores-tjpr-museu >. Acesso em: 07 de out. de 2012.

195 Informações retiradas do sítio do Instituto de Direito Romeu Felipe Bacellar. Disponível em: < http://www.institutobacellar.com.br/patrono.htm >. Acesso em: 07 de out. de 2012.

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Rogério Portugal Bacellar; (4) Rubens Portugal Bacellar; (5) Ricardo Portugal

Bacellar; (6) Ronaldo Portugal Bacellar e (7) Roberto Portugal Bacellar.

Rui Portugal Bacellar casado com Lêda Carazzai Bacellar, são genitores do

magistrado do Tribunal de Justiça do Paraná, Rui Portugal Bacellar Filho.

Romeu Felipe Bacellar Filho casado com Elizabeth Nascimento Bacellar,

graduado em direito pela Faculdade de Direito de Curitiba, no ano de 1970. Exerce a

profissão de advogado e professor da Universidade Federal do Paraná e da

Pontifícia Universidade Católica do Paraná, além de presidente da Associação de

Direito Público do Mercosul, e do Instituto de Direito Romeu Felipe Bacellar, fundado

em Curitiba (PR), em homenagem ao seu pai. Também foi presidente da Associação

Iberoamericana de Direito Administrativo, do Instituto Brasileiro de Direito

Administrativo e do Instituto Paranaense de Direito Administrativo.

Rogério Portugal Bacellar,196 casado em primeiras núpcias com sua parente

Otília Maria Macedo Loyola197, e, em segundas núpcias com sua parente Josana

Arcoverde Bacellar198. Bacharelou-se, em Direito, no ano de 1974, pela Faculdade

de Direito de Curitiba, ingressando na atividade notarial e registral em 1970. Em

1981 foi designado para Curitiba, onde assumiu o posto de tabelião e oficial do

Registro Civil do Cartório do Bacacheri.

É presidente da Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg-

BR) pelo segundo mandato consecutivo, presidente da Carteira de Previdência

Complementar dos Escrivães, Notários e Registradores (Conprevi) e presidente da

Federação Brasileira dos Notários e Registradores do Brasil (Febranor). Estabeleceu

e foi o primeiro presidente da Federação Brasileira dos Notários e Registradores do

Brasil (Febranor), e presidente da Associação dos Serventuários de Justiça do

Paraná (Assejepar). Além disso, instituiu e foi o primeiro presidente da Associação

196 “Foi o instituidor e primeiro presidente e Membro do Conselho Diretor do Fundo de Apoio ao Registro Civil de Pessoas Naturais (Funarpen), adquirente da atual sede da (Anoreg-PR), instituidor da obrigatoriedade legal de repasse de 18% para a Anoreg-PR e de 2% para o Inoreg da arrecadação da Conprevi. Além disso, fundou e foi o primeiro presidente do Sindicato dos Escrivães, Notários e Registradores (Sienoreg) e é sócio-fundador do Cooperativa de Crédito Mútuo dos Escrivães, Notários e Registradores no Estado do Paraná (Credenoreg)”. Informações disponíveis em: < http://www.institutobacellar.com.br/patrono.htm >. Acesso em: 07 de out. de 2012.

197 Trineta de Manoel Ribeiro de Macedo e de sua segunda esposa D. Francisca de Paula Pereira de Macedo. Filha de Jayme Loyola Júnior e Dyrce Macedo Loyola. A sua genitora era bisneta de Manoel Ribeiro de Macedo por parte de pai (Raul de Azevedo Macedo), e, o seu genitor também era bisneto de Manoel Ribeiro de Macedo, por parte de Mãe (Othilia de Macedo Loyola).

198 Pentaneta de Manoel Ribeiro de Macedo e de sua primeira esposa D. Leocádia Lourença das Dores Macedo. O parentesco provém de sua genitora Sonia Machado Arcoverde casada com Ivan Arcoverde.

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dos Notários e Registradores do Paraná (Anoreg-PR), e do Instituto dos Escrivães

Notários e Registradores (Inoreg)199.

Roberto Portugal Bacellar casado com Mônica Regina Ramos Bacellar,

formado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR),

ingressou na magistratura no ano de 1989, exercendo o cargo de juiz de Direito.

Coordenador Nacional do Programa Cidadania e Justiça também se aprendem na

Escola (AMB) e Direitor-Geral da Escola da Magistratura do Paraná (EMAP) e

Presidente da Associação dos Magistrados do Estado do Paraná no biênio

2002/2003.

III.3. Família Azevedo Macedo

Francisco Ribeiro Azevedo Macedo, filho do Coronel João Ribeiro de

Macedo e neto de Manoel Ribeiro de Macedo e, bisneto do Coronel Diogo Pinto de

Azevedo Portugal, visto que sua mãe Anna Maria Azevedo Macedo era filha de

Francisco Pinto de Azevedo Portugal (4º filho do Tenente Coronel).

Nascido em Itaqui, Município de Campo Largo (PR), em data de 05 de julho

de 1872. Bacharelou-se em Direito, no ano de 1893, pela Faculdade de Direito de

São Paulo. Iniciou sua vida profissional ocupando o cargo de oficial de gabinete do

Presidente de Estado, Vicente Machado.

Já no ano de 1894, juntamente com Ermelino de Leão, foi o responsável

pela fundação do Instituto de ensino Curitibano, lecionando as disciplinas de

pedagogia, português, literatura, moral, direito prático, psicologia e história da

filosofia. Foi um dos fundadores da Universidade do Paraná, onde lecionou por mais

de 30 anos a disciplina de Economia Política e Finanças.

Exerceu os cargos de Procurador fiscal, além de Procurador-geral da Justiça

em 1898, foi um colaborador assíduo de vários jornais, publicou livros e pertenceu à

Academia Paranaense de Letras.

199 Informações retiradas do sítio do Tabelionato Bacellar. Disponível em: < http://www.bacellar.not.br/conteudo/21 >. Acesso em: 07 de out. de 2012.

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139

Foi deputado estadual, sendo reeleito por várias legislaturas. Matrimoniou-se

com sua prima Clotilde Portugal Macedo200, vindo a falecer em Curitiba no ano de

1955.

Francisco Ribeiro Azevedo Macedo era irmão de Flávio Azevedo Macedo e

João Ribeiro de Macedo Filho. João Ribeiro uniu-se a sua prima Francisca Adelaide

de Macedo201, sendo os pais do Procurador-geral do Estado do Paraná (1961/1965)

Alceu Ribeiro de Macedo, bacharelou-se em Direito pela Universidade Federal do

Paraná, posteriormente, chegou a exercer o cargo de diretor da Faculdade de

Ciências Econômicas da UFP. Flávio casou-se com Francisca Ribas de Macedo, e

são os genitores do desembargador Alceste Ribas de Macedo. Nascido em Curitiba

(PR), em data de 29 de outubro de 1914, casado com a Sra. Nelly Hellender de

Macedo.

Bacharelou-se em direito, pela Universidade Federal do Paraná, no ano de

1939, iniciando sua carreira profissional com o promotor substituto em Araucária. Já

em 1940, ingressou nos quadros da magistratura paranaense no cargo de juiz

Substituto em São João do Triunfo, Palmeira, São José dos Pinhais e Curitiba. Após,

habilitou-se em concurso para juiz de Direito, iniciando o exercício das atividades em

Rio Negro, São Mateus do Sul, Ipiranga, Apucarana e Curitiba. Auxiliou na fundação

da associação dos magistrados do Paraná – AMAPAR.

Foi nomeado Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, no ano

de 1962, exerceu o cargo, após duas reeleições (1969-1973). No transcorrer da sua

gestão foi instalado o Tribunal de Alçada do Paraná. Aposentou-se

compulsoriamente por decreto do Presidente da República em maio de 1973 e

reverteu ao serviço ativo em outubro de 1980 ao cargo de desembargador, de

acordo com a Lei número 6.683/79 e Decreto número 84.143/79, vindo a reassumir

200 Era filha de Anna Rosa Ribeiro de Macedo (filha de Manoel Ribeiro de Macedo) e do Tenente Coronel James Pinto de Azevedo Portugal (Neto do Tenente Coronel Diogo Pinto de Azevedo Portugal). James Pinto foi industrial de Erva Mate e na sua chácara de Campo Largo teve criação de cavalos de raça, também foi Chefe Político neste Município pelo Partido Conservador. Faleceu em 21 de março de 1902. (Macedo e Bacellar, 1998, p.233).

201 Filha do Coronel Joaquim Pereira de Macedo (12º filho de Manoel Ribeiro de Macedo e Francisca de Paula Pereira de Macedo), nascido em Vila de Porto de Cima (PR), uniu-se a Adelaide Muller de Macedo, filha de José Mathias Muller e Adelaide de Azevedo Muller. Ocupou os cargos de Superintendente do ensino obrigatório na Vila de Porto de Cima (PR), Major Comandante da Guarda Nacional de Palmeira, trabalhou no Engenho de Erva Mate, Coronel Comandante Superior da Guarda Nacional na Capital, Deputado do Congresso Legislativo do Estado e Segundo Vice Governador do Estado e duas vezes Prefeito de Curitiba (PR). (MACEDO E BACELLAR, 1998, p.333).

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em novembro de 1980, em sessão do Tribunal do Pleno. Aposentou-se a pedido, em

dezembro de 1984, falecendo em 26 de novembro de 2000.

O casal deixou descendentes: Josaly Macedo de Moura Ferro, Rosely

Macedo Reblin e Alceste Ribas de Macedo Filho, esse titular do cartório de Registro

Civil, Registro de Imóveis, Títulos e Documentos de Matinhos (PR).

III.4. Família Sotto Maior

A família Sotto Maior também está diretamente envolvida com a família

Macedo e com a família Azevedo Portugal. Cabe informar que o Sargento-Mór

Ignácio de Sá Sotto Maior, casou-se com D. Maria Ferreira Bueno, e dessa união

tiveram ao todo seis filhos. Ele era concunhado do coronel Diogo Pinto de Azevedo

Portugal. Foi uma das peças essenciais na conquista dos Campos de Guarapuava e

Palmas.

Inicia-se a investigação com a união de José Ferreira Pinto de Azevedo

Portugal (filho do coronel Diogo Pinto de Azevedo e Rita Ferreira de Oliveira Bueno),

e D. Francisca de Paula Ribas, filha do Guarda Mór Joaquim Mariano Ribas e D.

Maria Rita Ferreira Bueno202. Exerceu os cargos de juiz de Paz, Suplente de

subdelegado de polícia, tenente da Guarda Nacional, proprietário e fazendeiro em

Campo Largo. (NEGRÃO, v.II, 1927, p.419).

Deixaram descendentes: (1) Maria de Luz Cercal casada com Manoel de

Oliveira Cercal; (2) Geraldo Ferreira Pinto de Azevedo Portugal casado com

Ambrosina Taques, irmã de Balduíno Taques203; (3) Manoel Pinto de Azevedo

Portugal (falecido solteiro); (4) Gertrudes Ferreira Sotto Maior, casada com João de

202 Filha do Sargento Mór Francisco Xavier Pinto e de sua esposa Rita Ferreira Bueno (FRANCO, 1943, p.33).

203 O tenente-coronel Balduíno de Almeida Taques nasceu em Tibagi no dia 1º de julho de 1842. Sua primeira profissão foi a de tropeiro. Foi prefeito de Ponta Grossa de 1895 a 1896, retirando-se do Governo para tratamento de saúde. A pedido de famílias de imigrantes russo-alemães deu permissão para que se construísse na cidade uma escola de língua germânica, também construindo uma de língua nacional. Durante seu breve mandato iniciou as obras de implantação dos trilhos, construção de oficinas, localização e aplainamento de terreno para pátios de manutenção da Chemin du Fer e da Estrada de Ferro São Paulo Rio Grande. Disponível em: < http:// http://www.uepg.br/dicion/verbetes/n-z/taques.htm >. Acesso em: 15 de nov. de 2012.

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141

Abreu Sotto Maior; (5) Maria de Jesus Ferreira Vidal casada com Bento Ferreira

Vidal, (6) Paulina Ferreira de Souza casada com o capitão Firmino Lourenço de

Souza; (7) Maria Magdalena Ruppel casada com Sylvério Ruppel, ele filho de João

José Ruppel e de Virgínia Martins Ruppel; (8) Ana Maria do Carmo Ribas, casada

com o coronel Antonio Firmino Barbosa Ribas; (9) Galdina Pinto Ribas Padilha,

casada com Jose Gonçalves Padilha; (10) Rita, falecida solteira; (11) José Ferreira

de Azevedo Portugal Filho, falecido solteiro; (12) Francisco Ferrreira Pinto de

Azevedo Portugal.

São filhos do casamento entre Gertrudes Ferreira e João de Abreu Sotto

Maior: Ignacio de Sá Sotto Maior (fazendeiro em Foz do Iguaçu (PR)); Maria da

Conceição Sotto Maior Ramos204; Francisca Sá Pereira de Souza; Olympio de Sá

Sotto Maior Sobrinho; Maria da Luz Sotto Maior Ribas; João de Sá Sotto Maior;

Maria da Trindade Sotto Maior Santos; Manoel de Sá Sotto Maior; Mario de Sá Sotto

Maior e Maria Honorina Sotto Maior. (NEGRÃO, v.II, 1927, p.419-439).

Olympio de Sá Sotto Maior Sobrinho casou em segundas núpcias com Elisa

Guimarães Sotto Maior e são os pais de Lélio Guimarães Sotto Maior que por sua

vez foi casado com sua prima Olinda Santos Ruppel, que era filha de Severo

Ferreira Ruppel e Ricardina Santos Ruppel, ressalte-se que Severo Ferreira era filho

de Maria Magdalena Ruppel e Sylvério Ruppel.

Severo Ferreira Ruppel figurava entre os homens que comandavam a

administração pública municipal de Piraquara (PR). Além disso, com o insucesso da

administração do capitão Felippe Antônio, que ocupou o cargo de prefeito por

apenas 49 (quarenta e nove) dias205, após a interferência da Interventoria Federal no

Estado, Severo Ferreira Ruppel foi empossado de forma interina no cargo de

prefeito de Piraquara (PR), em 10 de maio de 1933. Além disso, teve seu nome

homenageado pelo ex-governador Orlando Pessuti, ao inaugurar em Tunas do

Paraná (PR), o Colégio Estadual Severo Ferreira Ruppel e, tornou-se nome de rua

na capital paranaense.

O Procurador de Justiça do Paraná, Olympio de Sá Sotto Maior Neto é filho

do casal Lélio Guimarães Sotto Maior e da professora Olinda Ruppel Sotto Maior, foi

204 Tiveram 10 filhos, entre eles Judith Ramos de Sá, casada com João Enéas de Sá, chefe de secção da Administração dos Correios do Paraná, filho do Coronel Ignacio de Sá Sotto Maior, que foi correcto e competente funccionario da Fazenda, e de sua mulher Januaria de Paula Sotto Maior. (NEGRÃO, V. II, 1927, p.425).

205Disponível em: < http://piraquaraontemhojeesempre.com/biografias/prefeitos/prefeitospartedois.htm >. Acesso em: 03 de nov. de 2012.

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142

casado com Galatéia Fridlund Sotto Maior, tendo dois filhos: Olympio de Sá Sotto

Maior e Flávia de Sá Sotto Maior.

Bacharelou-se em direito pela Universidade Federal do Paraná em 1975,

ingressando mediante concurso público no Ministério Público do Estado do Paraná

em março de 1977. Atuou como promotor de justiça nas comarcas de Castro,

Jaguariaíva, Ribeirão Claro, Congonhinhas, Palmeira, Paranavaí, Ponta Grossa,

Araucária, e em Curitiba, na Vara da Infância e Juventude durante mais de três

anos. Atuou, também, junto à Promotoria de Justiça de Defesa dos Direitos e

Garantias Constitucionais.

Lecionou Direito Penal na Pontifícia Universidade Católica do Paraná e na

Faculdade de Direito Curitiba, assim como Direito da Criança e do Adolescente em

curso preparatório para o ingresso nas carreiras do Ministério Público e da

magistratura.

Foi Procurador-geral de Justiça do Estado do Paraná em quatro

oportunidades (1994/1996, 1996/1998, 2008/2010 e 2010/2012), além de membro

da diretoria da Associação Brasileira de Magistrados e Promotores de Justiça da

Infância e da Juventude. É integrante do Comitê Brasileiro de Juristas Pró-

Convenção Internacional dos Diretos da Criança, bem como da Secção Brasileira do

D.C.I (Defesa das Crianças - Internacional), além de prestar assessoria ao Fórum

Nacional das Entidades de Defesa das Crianças e Adolescentes.

Severo Sotto Maior e Maria Ricardina Ruppel Sotto Maior, irmãos do

Procurador de Justiça do Paraná, ocuparam cargo de destaque na Assembleia

Legislativa do Paraná, ele exerceu a função de Diretor Legislativo, e ela, o cargo em

comissão na Presidência da Casa. A informação consta no próprio Diário Oficial da

Assembleia Legislativa206. O seu primo José Olimpio Sotto Maior Macedo, também,

possuía vínculo empregatício com a Assembleia Legislativa do Paraná.

O ex-promotor Marcílio de Sá Sotto Maior é primo do genitor do Sr. Olympio

de Sá Sotto Maior, e a sua filha Wilma Erichsen de Sotto Maior, casada com o

magistrado Athos Pereira Jorge Junior, também fazem parte dos quadros do

Ministério Público Estadual.

206 Informações retiradas do sítio do Ministério Público do Paraná. Disponível em: < http://www.mp.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=3133 >. Acesso em: 03 de nov. de 2012.

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III.5. Família Marés de Souza

Maria Catharina de Macedo Souza é a décima terceira filha de Francisca de

Paula Pereira e Manoel Ribeiro de Macedo, nascida em 19 de janeiro de 1864, na

Vila de Cima (PR). Matrimoniou-se em 26 de julho de 1885 com Frederico Carlos

Franco de Souza, nascido em 30 de janeiro de 1864, e filho do casal Ten. Coronel

Carlos José de Oliveira e Souza e de Rita Ferreira de Azevedo Souza.

Frederico exerceu a profissão de Delegado de Polícia em Campo Largo e

industrial da Erva Mate e anos depois funcionário Municipal de Curitiba (PR)

(MACEDO E BACELLAR, 1998, p.377). Ao todo, tiveram 08 filhos: Ernestina de

Macedo Souza Côrtes casada com Paulino de Siqueira Côrtes; Astolpho de Macedo

Souza casado com Marina Marés de Souza; Frederico Carlos Franco de Souza

casado com Jovina Franco de Souza; Carlos de Macedo Souza casado com

Palmyra Cunha de Souza; Manoel de Macedo Souza casado com Rita Edith Franco

de Souza; Marieta de Macedo Souza e Nercinda de Macedo Souza, não casaram e,

por fim, Marieta de Macedo Souza e Silva casada com Hannibal Silva.

O casal Astolpho e Marina tiveram ao todo 09 filhos, dentre eles:

Fredericindo Marés de Souza, Lenyr Marés de Souza, Carlos Frederico Marés de

Souza e outros.

Carlos Frederico Marés de Souza era membro do Ministério Público do

Paraná, matrimoniou-se com Odete Pinheiro Machado, “parente do General e

Senador Pinheiro Machado” (CIACCIA, 2000, p.94). Desse consórcio tiveram os

seguintes descendentes: Marina de Souza casada com Heron Arzua, que ocupou o

cargo de secretário da fazenda do Governo Requião, no período de 1991/1994 e

2003/2010, foi Procurador-geral do Município de Curitiba (PR) no período

1972/1978, procurador-geral da Fazenda Nacional em Brasília (DF) no período

1979/1980. Ademais, é formado em Direito pela Universidade Federal do Paraná,

exercendo a profissão de advogado, sendo que já ocupou o cargo de presidente do

Tribunal de Disciplina e Ética da OAB/PR e Conselheiro da OAB/PR207.

207 Informações disponível em: < http://www.bk27.com.br/heronarzua/profissionais.php >. Acesso em: 28 de out. de 2012.

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Carlos Frederico Marés de Souza Filho casado com Maria Dirce Botelho, ele

membro da Procuradoria do Estado do Paraná, sendo que exerceu o cargo de

Procurador-geral do Estado em duas oportunidades, durante o período de

1991/1994 e 2008/2010208. Foi Secretário de Cultura de Curitiba, Presidente da

Fundação Cultural de Curitiba, ex-Presidente da FUNAI, Procurador-geral do INCRA,

Diretor do Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul, membro do

Conselho do Patrimônio Histórico e Artístico do Paraná (2003/2010), professor da

PUC/PR. Permanece como Membro da Diretoria do Instituto Brasileiro de Advocacia

Pública e Sócio fundador do Instituto SocioAmbiental-ISA.

III.6. Família Rotoli de Macedo

Descendem, também, de Manoel Ribeiro de Macedo e de D. Francisca de

Paula Pereira de Macedo os desembargadores Celso Rotoli de Macedo e o seu

irmão Lídio José Rotoli de Macedo.

Ambos são filhos do Procurador de Justiça Nahor Ribeiro de Macedo e de D.

Francisca Bastos Rotoli de Macedo. Ele era filho do coronel Manoel Ribeiro de

Macedo Junior e de D. Iphigênia Gomes de Macedo, ela filha do capitão João

Ferreira Gomes e de Maria Rosa de França. Nascido em Vila de Porto de Cima

(PR), no dia 10 de junho de 1856, foi industrial e proprietário de Engenho de Erva

Mate. No ano de 1900, foi eleito vereador pelo Partido Republicano Federal,

exercendo a Presidência da Câmara Municipal e, via de consequência, em diversas

oportunidades ocupou o cargo de Prefeito de Curitiba (PR). Falecendo em 07 de

julho de 1915.

Lídio José Rotoli de Macedo, casado com Hilda Maria Barrozo de Macedo,

são filhos Lídio José Rotoli de Macedo Filho; Adriana Barrozo de Macedo casada

com Rinaldo Santos e Manoel Rotoli de Macedo.

208 Informações retiradas do sítio da Procuradoria Geral do Estado do Paraná. Disponível em: < http://www.pge.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=7 >. Acesso em: 28 de out. de 2012.

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145

Celso Rotoli de Macedo, nascido em 24 de fevereiro de 1941, em Antonina

(PR), casado com sua prima D. Antônia Marlene Guimarães de Macedo209.

Bacharelou-se pala Faculdade de Direito de Curitiba, no ano de 1966. Ocupou o

cargo de assessor jurídico na Corregedoria-Geral da Justiça do Tribunal de Justiça

do Paraná, ingressando em 1969, por meio de Concurso Público, na magistratura

como juiz substituto da comarca de Londrina (PR). Já em 1971, exerceu o cargo de

juiz de Direito nas comarcas de Chopinzinho, Ibaiti, Foz do Iguaçu e outras.

Em 25 de junho de 1990, foi nomeado juiz do Tribunal de Alçada, onde

exerceu a Vice-Presidência no biênio 1997/1998, e a Presidência no biênio

1999/2000. No dia 29 de janeiro de 2002, foi promovido ao cargo de desembargador

do Tribunal de Justiça do Paraná e exerceu a Presidência da Corte durante o

segundo semestre de 2010210. Exerceu, interinamente, o cargo de governador do

Paraná, em 2010, no intervalo do dia 20 a 30 de agosto, aposentando-se,

compulsoriamente, no dia 24 de fevereiro de 2011.

Possui três filhos: Naor Ribeiro de Macedo Neto, o qual faz parte do quadro

da magistratura do Estado do Paraná, assim como o seu irmão Marcel Guimarães

Rotoli de Macedo, também, pertencente à judicatura paranaense. Já a sua filha,

Mônica Maria Guimarães de Macedo Dalla Vecchia, é cartorária, do Registro de

Imóveis do Foro Regional de Rio Branco do Sul (PR), casada com o magistrado

paranaense Fábio Haick Dalla Vecchia.

209 Antônia Marlene Guimarães de Macedo, é filha de Celina Gracia de Andrade Guimarães e Alcides Teixeira Guimarães. Celina era filha de Tereza de Macedo Gracia Andrade, que por sua vez era filha de Luciano José de Gracia (neto de Manoel Ribeiro de Macedo). Já Luciano era filho de Maria Leocádia de Macedo Gracia (filha de Manoel Ribeiro de Macedo e Leocádia Lourença das Dores Macedo) e Dom Romão José de Gracia, natural da Espanha, de família nobre e filho de Dom Luciano José de Gracia e de Aurora Gracia, o qual veio morar no Brasil, como próspero comerciante e exportador. (MACEDO E BACELLAR, 1998, p.39).

210 Informações retiradas do Memorial do Ministério Público do Estado do Paraná. Disponível em: < http://www.tjpr.jus.br/desembargadores-tjpr-museu >. Acesso em: 20 de out. de 2012.

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146

III.7. Família Pereira de Macedo

O desembargador Eurico Pereira de Macedo é outro membro do quadro da

magistratura paranaense que descende de Manoel Ribeiro de Macedo e D.

Francisca de Paula Pereira de Macedo, pois é filho do coronel Joaquim Pereira de

Macedo, nascido em Vila de Porto de Cima (PR), em data de 16 de fevereiro de

1858. Casado com D. Adelaide Muller de Macedo, filha de José Mathias Muller e

Adelaide de Azevedo Muller.

O coronel exerceu vários cargos, entre eles: “Superintendente do ensino

obrigatório na Vila de Porto de Cima, Major Comandante da Guarda Nacional da

Palmeira, Delegado de Polícia, Vice-Presidente e Presidente da Intendência da

Palmeira. Antes de vir morar em Curitiba trabalhou no comércio e também com

Engenho de Erva Mate. Foi Coronel Comandante Superior da Guarda Nacional a

Capital, deputado do Congresso Legislativo do Estado e Segundo Vice Governador

do Estado e duas vezes prefeito da Capital” (MACEDO E BACELLAR, 1998, p.333).

Eurico Pereira de Macedo nasceu na Capital em 15 de fevereiro de 1913,

matrimoniou-se com a Sra. Dulce Marques de Macedo. Bacharelou-se pela

Faculdade de Direito da Universidade do Paraná, no ano de 1937. Iniciou sua

atividade profissional exercendo a profissão de advogado em Curitiba (PR),

ingressando na magistratura no ano de 1940, no cargo de juiz Substituto na comarca

de São Jerônimo da Serra.

No ano de 1944, foi aprovado em concurso, sendo nomeado juiz de Direito

da comarca de Pitanga. Em 1955 passou pelas comarcas de Palmas e Ponta

Grossa e foi transferido para a capital. Em data de 13 de agosto de 1966, foi

nomeado desembargador do TJPR, aposentando-se em 1969. Exerceu o ofício de

jornalista, sendo redator do jornal Gazeta do Povo, falecendo em 14 de julho de

1978.

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147

III.8. Família Riquelme de Macedo

O Procurador de Justiça do Paraná, Milton Riquelme de Macedo é filho de

Paulo Shleder de Macedo e Zaira Riquelme de Macedo. Ressalte-se que Paulo

Shleder de Macedo é filho de João Pereira de Macedo e Judith Schleder de Macedo,

sendo que João Pereira de Macedo é irmão do desembargador Eurico Pereira de

Macedo.

Nascido em 08 de abril de 1952, em Sertanópolis (PR), formou-se em Direito

pela Universidade Federal do Paraná. Ingressou no Ministério Público em virtude de

habilitação em concurso público no cargo de promotor de justiça substituto de

Bandeirantes no ano de 1977, sendo nomeado Procurador de Justiça no ano de

1993. Foi nomeado Procurador-geral de Justiça do Ministério Público do Paraná

para o biênio 2004/2006 e 2006/2008.

Tendo ocupado os principais cargos do quadro do Ministério Público

Estadual e das associações de classes relacionadas, integrou o Conselho Superior

do Ministério Público em 2000 e 2001, foi Corregedor-Geral do MP entre 2001 e

2003 e ainda presidiu a Associação Paranaense do Ministério Público por três

gestões (1987-1991) e a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público

(CONAMP), de 1993 a 1996, época em que acompanhou discussões de porte, como

a Assembleia Nacional Constituinte (1988), Constituinte Estadual (1989), Lei

Orgânica Nacional do Ministério Público (1993), Revisão Constitucional (1994),

Reformas da Previdência e Administrativa (1995/1996), Estatuto da Criança e do

Adolescente - ECA (1989/90) e Juizados Especiais (1995), entre outras211.

211 Informações retiradas do Memorial do Ministério Público do Estado do Paraná. Disponível em: < http://www.mp.pr.gov.br >. Acesso em: 20 de out. de 2012.

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IV. Família Albuquerque Maranhão

Diagrama 05: Genealogia Família Albuquerque.

Fonte: LACROIX, Maria de Lourdes Lauande, 2006. Organizado pelo autor da dissertação.

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149

IV.1. Raízes do Poder

A história da família Albuquerque Maranhão tem início com a chegada de

Jerônimo de Albuquerque ao Brasil, no ano de 1535, trazido por Dona Brites de

Albuquerque (sua irmã) e Duarte Coelho212, “Fidalgo da Casa Real, 1º Capitão-

Donatário213 da Capitania de Pernambuco” (CASCUDO, 2008, p.43) no início da

colonização brasileira. Segundo Faoro (1979, p.119), a coroa não confiou a empresa

a homens de negócios, entregues unicamente ao lucro e à produção. Selecionou,

para guardar seus vínculos públicos com a conquista, pessoas letradas ou

guerreiros provados na índia, a pequena nobreza, sedenta de glórias e riquezas.

Os Albuquerque214 eram fidalgos215, já que a fidalguia era hereditária,

somente tendo acesso a esse título pessoas que provassem descendência

fidalga216. Nasceu em 1514, em Viana do Castelo, província do Minho, português da

mais fina estirpe, “descendente de D. Diniz217, 6º rei de Portugal (1261-1325), o Rei

Trovador” (MARANHÃO, 1956, p.183)218. Era filho do casal Lopo de Albuquerque219

e Dona Joana de Bulhão (uma das mais prestigiadas famílias lusitanas), era rico e

nobre, sendo destacado aos 21 anos de idade para prestar serviços à Coroa, na

212 Era filho ilegítimo de um Gonçalo Coelho, um não fidalgo de nascimento, foi elevado à nobreza por Dom João III, pelos seus feitos no Oriente. Duarte cumpriu missão na China, no Sião; esteve na expedição descobridora da Conchinchina; lutou na conquista de Malaca, derrotando as forças navais chinesas; como embaixador de Portugal na Tailândia estabeleceu o comércio pacífico dos portugueses em Malaca. Acompanhou seu pai no comando da esquadra guarda-costas do Atlântico Sul e do caminho para o Oriente, visitando o Brasil em 1532. (LACROIX, 2006, p.24).

213 Relembrando que os donatários poderiam fundar vilas, com termo, jurisdição, insígnias, ao longo das costas e rios navegáveis, sendo senhores das ilhas adjacentes até distância de dez léguas da costa. Os ouvidores, os tabeliães do público e judicial seriam nomeados pelos respectivos donatários, que poderiam livremente das terras de sesmarias, exceto à própria mulher ou ao filho herdeiro (ABREU, 1954, p.93).

214 Para alguns, Albuquerque – Albus quercum – é uma palavra de origem italiana, a qual significa, Casa Grande. Para outros, está é uma palavra de origem latina, que quer dizer, Carvalho Branco. (MARAHÃO, 2001, p.58).

215 Fidalgo, abreviação para filho d´algo, isto é, filho de alguém conhecido. Os reis os haviam atraído a seu serviço, estabelecendo os filhamentos e moradias dos infanções na casa real. Ao mesmo tempo criavam novos fidalgos e até às vezes nas conquistas autorizavam os seus delegados a filhar, isto é, a conceder o foro de fidalgo ou a armar cavaleiros e a nomear escudeiros, aos que mais se distinguiam. (VARNHAGEN, 1959, p.102).

216 Havia uma máxima popular, pelo qual o povo demonstrava o valor da fidalguia: “os fidalgos fazem os reis e estes fazem os nobres”. (MARANHÃO, 2001, p.58).

217 D. Diniz fundou as Escolas Gerais, mais tarde transformada na Universidade de Coimbra. 218 Trata-se de informação baseada no imaginário do biógrafo, sem comprovação documental. 219 Filho de João de Albuquerque e de D. Leonor Lopes (filha do Desembargador Lopo Gonçalves).

Índices dos Anais da Biblioteca Nacional. p.222. 1951. Disponível em: < http://www.docvirt.com/WI/hotpages/hotpage.aspx?bib=Anais_BN_WI&pagfis=38871&pesq=&esrc=s&url=http://docvirt.no-ip.com/docreader.net# >. Acesso em: 29 jan.2013.

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150

donataria de Pernambuco, auxiliando dessa forma sua irmã e permanecendo como

braço direito do seu cunhado220.

Foi nesse cenário que a sociedade urbana açucareira começou a ser

constituída entre Pernambuco e Bahia no século XVI, regida por fidalgos como

Tomé de Souza e Duarte Coelho. Nela, senhores de terra se esmeravam em

reproduzir condutas próprias da hidalguía221 (influenciada pela fidalguia espanhola

no período da União Ibérica), ao mesmo tempo em que fundavam canaviais e

engenhos, tecendo relações sociais e práticas culturais que iam configurando aos

poucos um sistema de valores e imaginário próprios. Uma elite em formação que

dependia economicamente do mundo rural, mas que mantinha uma significativa

relação com a urbanidade em vilas fundadas antes dos engenhos.

Já no ano de 1542, Jerônimo222 foi autorizado por seu cunhado223 a edificar

o primeiro engenho de açúcar de Nossa Senhora da Ajuda, tornado-se o fundador

da elite açucareira no Nordeste, nos arredores de Olinda. Porém, em janeiro de

220 Para alguns historiadores, o donatário Duarte Coelho estava à frente de seu tempo, pois, era “contrário às aventuras em busca de ouro e prata, por saber que a atividade extrativa não iria fixar o homem à terra; defensor das liberdades e privilégios dos colonos quando funcionários reais tentaram desconhecer as regalias previstas no Foral da Capitania; desfavorável ao apresamento de índios por navios itinerantes, semeadores de animosidade e perigo aos colonos; avesso à exploração indiscriminada dos recursos naturais, como a derrubada das matas de pau-brasil, por este posicionamento enfrentou várias oposições, lutando contra grupos os mais diversos”. (LACROIX, 2006, p.26).

221 Uma identidade melhor representada pelos hidalgos castelhanos: grupo social que constituía a ampla maioria do estamento nobiliárquico da Espanha nos séculos XVI e XVII, monopolizando importantes ofícios estatais, como os postos de alcaides de fortalezas e presídios, e exercendo papel hegemônico nos tercios da Itália, Flandres e na conquista americana. SILVA. Kalina Vanderlei. Fidalgos, capitães e senhores de engenho: o Humanismo, o Barroco e o diálogo cultural entre Castela e a sociedade açucareira (Pernambuco, séculos XVI e XVII). Varia História. Vol.28, nº 47, Belo Horizonte. Jan./June 2012. Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-87752012000100011&script=sci_arttext >. Acesso em: 29 jan. 2013.

222 Acentua, Maria de Lourdes Lauande Lacroix (2006, p.27), que o português passou a utilizar a força física na resolução das diferenças, sendo uma das maneiras de eliminar o desafeto era aplicar surras, intimidar, subornar, assassinar etc:O português, refratário ao duelo, transportou para a donataria o uso da força na resolução das contendas. Uma das maneiras do superior eliminar o desafeto era mandar aplicar surras, intimidar, subornar, assassinar, dentre outros atos de violência, apoiados pela impunidade. Contra piratas, também, a reação era enérgica. Do confronto entre navios de bandeiras diferentes resultavam morte, aprisionamento, confisco e agressões as mais variadas. Os homens eram sacrificados na maioria das tribos e a antropofagia era praticada em meio a festas rituais.

223 Na capitania de Pernambuco, depois de estabelecido Igaraçu, Duarte Coelho passou algumas léguas mais ao Sul, e assentou a capital de seus domínios em Olinda. O porto de somenos capacidade bastava às pequenas embarcações. A vizinhança dos Tabajaras (Tupiniquins) compensava as investidas constantes dos Petiguares (Tupinambás). A energia do donatário continha a turbulência dos colonos. Nas várzeas surgiam canaviais e engenhos. A lavoura da mantimentos aproveitou os altos: pau-brasil existia no litoral e no sertão. E estando esta capitania, de todas a mais oriental, a menor distância do Reino, aqui mais que alhures freqüentavam os navios de além-mar, e prosperava o comércio (ABREU, 1954, p.100-101).

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1547, enfrentando os Tabajaras224 próximo aos Montes Guararapes, o jovem

português acabou sendo flechado no olho, feito cativo de guerra e levado para a

aldeia.

Durante esse período de convalescência e cativeiro225 acabou se

apaixonando pela princesa Muira-Ubi, filha de Arco-Verde, morubixaba dos

Tabajaras, e a princesa por ele226. Os dois casaram, entretanto Muira-Ubi foi

batizada de acordo com o ritual da religião católica, passando a se chamar Maria do

Espírito Santo Arco-Verde.

Além do fato de pertencer a uma família fidalga, juntamente com a ligação

direta que mantinha com a corte, essa aproximação com os autóctones diante desse

incidente de guerra será sem dúvida um dos maiores trunfos de que dispuseram a

família Albuquerque ‘Maranhão’, em meio ao conjunto de relações sociais e rede de

pertencimento apresentadas e que se tornaram essenciais para a composição, na

visão bourdieusiana, do seu capital social, cultural, político, simbólico e, econômico.

A acumulação e manutenção dessa diversidade de capital garantiram a sua

permanência ocupando cargos de comando desde o período colonial, depois

Imperial, República Velha e Estado Novo, chegando aos dias atuais.

A união entre Jerônimo de Albuquerque e a princesa Muira Ubi não se

constituiu num fato isolado já que outros casos foram registrados. Entre os mais

conhecidos estão os das índias Bartira e Paraguassu, filhas de Tibiriçá e Taparica,

que formaram família com os europeus João Ramalho227, em São Paulo, e Diogo

224 Os conflitos grassavam na donataria, muito em decorrência da relutância dos povos originários à abertura de novas rotas para o interior, com ataque a pessoas, propriedades e povoações, somando-se a isso, a ocupação de Olinda e a instalação dos primeiros engenhos, fazendas de algodão e gado ceifaram a vida de muitas pessoas, sendo essas realizações atribuídas à energia do donatário e a muita crueldade de ambos os lados (MARANHÃO, 1956, p.28).

225 Aliás, observa João D´Albuquerque Maranhão (1956, p.183), que o gentio não sacrificava imediatamente o prisioneiro apanhado de armas na mão, conservando-o até o seu restabelecimento, para depois sacrificá-lo: “O gentio, entretanto, não sacrificava imediatamente o prisioneiro apanhado de armas na mão. Durante muitos adias conservava-o detido na ocara, e, se estava ferido, só era sacrificado, em festas pagãs, quando restabelecido dos seus ferimentos. A nobreza de sentimentos daquele povo leal e valente atingia a perfeição de permitir que o prisioneiro de guerra se defendesse lutando em duelo com o guerreiro indígena, que brandia o tacape, adornado de penas, para cumprir a sua missão fúnebre”.

226 Jerônimo de Albuquerque ficou conhecido pela alcunha de o “Torto” devido a flechada recebida no olho.

227 “Semanas após o encontro com Caramuru, Martim Afonso chegou ao que viria a ser São Vicente e deparou com outro náufrago (ou desertor, ou degredado), chamado João Ramalho. Como no caso do Caramuru, este também estava casado com a filha de um líder nativo (Bartira, filha de Tibiriçá), e de seu passado quase nada se sabe. Nascido em Vouzela, no norte de Portugal, teria naufragado em 1508. Ao retornar do Prata, Martim Afonso parece ter fundado sua vila em São Vicente e não em Cananéia justamente por causa da presença de João Ramalho, que vivia em

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Álvares, o Caramuru228, na Bahia (MARANHÃO, 2001, p.70). Ressalte-se que a

capitania de São Vicente (São Paulo) e os lusitanos beneficiaram-se dessa união,

principalmente em razão do desenvolvimento econômico e prosperidade alcançada

pela capitania. Em Pernambuco, a Coroa também soube tirar proveito desse laço

estabelecido com o gentio, já que os Tabajaras tornaram-se fiéis aliados, fornecendo

apoio decisivo para a conquista de todo o Norte do Brasil, e, por conseguinte, tendo

Jerônimo Albuquerque como o principal agente social/conquistador.

Dessa união com a princesa indígena foram gerados oito filhos, e diante da

boa relação que mantinha com a Coroa, a qual seria mantida e reforçada pelos seus

familiares ao longo de todo o período Imperial. Todos os filhos foram legitimados no

ano de 1561, pelo edito real de Dona Catarina229, via de consequência, gozaram de

todos os direitos dos filhos legítimos, tais como acesso à nobreza, às armas, às

honrarias e às insígnias paternas.

Para Bourdieu (1980, p.68), a rede de ligações é o produto de estratégias de

investimento social consciente ou inconscientemente orientado para a instituição ou

a reprodução de relações sociais diretamente utilizáveis, a curto ou longo prazo.

Após a morte do donatário Duarte Coelho, no ano de 1554, a sua esposa

Dona Brites d´Albuquerque, ou Beatriz, como se referiam a ela os jesuítas, assumiu

o posto de governadora e administradora da capitania (VARNHAGEN, 1959, p.225);

em razão da ausência dos seus filhos230 Duarte231 e Jorge Coelho de Albuquerque

Piratininga, no planalto, traficando escravos para o litoral, Ramalho morreu poderoso e nonagenário em 1581” (BUENO, 2003, p.44). Ressalte-se que São Vicente e Pernambuco foram as únicas capitanias que vingaram, pois houve um laço matrimonial entre o branco e a indígena, celebrando uma espécie de pacto.

228 “Ao desembarcar na Bahia, em 1532, Martim Afonso de Souza deparou com o náufrago Digo Álvares Correia, o Caramuru, vivendo há 22 anos entre os índios. Historiadores debatem sua origem, o significado de seu nome e a data do naufrágio do Caramuru. Diogo Álvares era natural de Viana, ano norte de Portugal, e deve ter naufragado na Bahia por volta de 1509, aos 17 anos de idade. Em Tupi, seu nome significa moréia, pois, como o peixe, foi achado entre as pedras. Casou-se com Paraguaçu, filha de um chefe tupinambá. Responsável indireto pela fundação de Salvador, ajudou ao donatário Francisco Pereira e ao governador Tomé de Souza”. (Idem, p.44).

229 Registra Maria Lacroix (2006, p.36), que o cruzamento de troncos reinóis com mulheres indígenas originou as famílias “autorizadas”, não havendo nenhum estigma social dele resultante: Muito pelo contrário: seus descendentes foram considerados a estirpe povoadora por excelência. Na segunda metade do século XVIII, a família donatarial foi extinta com linhagem, pelo seu absenteísmo, enquanto os Albuquerque permaneceram fazendo parte da nobreza pernambucana.

230 Duarte Coelho de Albuquerque e seu irmão, Jorge de Albuquerque, respectivamente segundo e terceiro donatários, nasceram em Pernambuco, mas foram educados na corte lisboeta, só voltando à Capitania, já adultos, em 1560. SILVA. Kalina Vanderlei. Fidalgos, capitães e senhores de engenho: o Humanismo, o Barroco e o diálogo cultural entre Castela e a sociedade açucareira (Pernambuco, séculos XVI e XVII). Varia História. Vol.28, nº 47, Belo Horizonte. Jan./June 2012. Disponível em: <

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153

que estavam estudando na corte, tornou-se, segundo Gilberto Freyre (2006, p. 56-

57), “na primeira mulher chefe de governo na América”.

Destaque-se que quando o seu segundo filho, Jorge Coelho de

Albuquerque, retorna para Pernambuco, os efeitos desse capital social, político e

econômico estruturado já apresentava seus efeitos, pois seu patrimônio “pessoal

atingiu quarenta e nove mil cruzados, uma verdadeira fortuna, assim constituída:

dezenove mil cruzados, provenientes dos dízimos dos engenhos, vinte mil cruzados,

obtidos da exploração do pau-brasil e dez mil cruzados, de re-dízimos” (MARAHÃO,

2001, p.55).

Foi casado duas vezes, sendo que no segundo casamento desposou a filha

de D. Alvaro Coutinho, filho de D. Francisco Coutinho, conde de Redondo, e vice-rei

da Índia, e de D. Brites da Silva; esse casamento foi o responsável por consolidar os

laços entre a elite açucareira nordestina e a nobreza ibérica.

A utilização deste conjunto de redes sociais e do jogo de alianças fará do

seu filho232, Duarte Coelho de Albuquerque, “Marquez de Basto, conde e senhor de

Albuquerque, gentil-homem da camara de Filippe IV233 e do seu conselho, de quem

se fez particular memória em seu lugar, tornou-se o quarto donatário de

Pernambuco”234. Nascido em Lisboa, juntamente com seu irmão, ambos cresceram

com poucas ligações com a capitania da qual eram herdeiros, mas fortíssimas

relações com a nobreza portuguesa fiel aos Habsburgo, tanto que atuaram como

difusores dos valores da corte. (DUTRA, 1974, p.273-278).

http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-87752012000100011&script=sci_arttext >. Acesso em: 29 jan. 2013.

231 Em 1578, aos 41 anos de idade, Duarte de Albuquerque Coelho faleceu sem deixar herdeiros na batalha de Alcácer-Kibir que objetivava recolocar no trono do Marrocos o aliado português Mulley Maomet, deposto pelo tio, Mulley Abdelmelk, hostil a presença luso na região.

232 Foi casado primeiramente com sua segunda prima, D. Maria de Menezes. Filha de D. Pedro da Cunha e D. Anna de Menezes, em 18 de Dezembro de 1583, teve somente uma filha. Já do segundo, com a filha de Álvaro Coutinho, em 1587, teve três filhos. Além do acima citado, Dona Brites de Albuquerque, sem sucessão e Paulo de Albuquerque Coelho (teve seu nome mudado para Matias em homenagem ao Tio), sem sucessão. Revista Trimensal de Historia e Geografhia ou Jornal do Instituto Historico e Geographico Brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Typographia de João Ignacio da Silva,1864, p.79.

233 E até o reinado de Felipe IV os Habsburgo conseguiram cultivar a lealdade desses nobres portugueses, dentre os quais se encontravam personagens intensamente vinculados à administração e colonização do Brasil, como os Albuquerque Coelho, donatários de Pernambuco. SILVA. Kalina Vanderlei. Fidalgos, capitães e senhores de engenho: o Humanismo, o Barroco e o diálogo cultural entre Castela e a sociedade açucareira (Pernambuco, séculos XVI e XVII). Varia História. Vol.28, nº 47, Belo Horizonte. Jan./June 2012. Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-87752012000100011&script=sci_arttext >. Acesso em: 29 jan. 2013.

234 Revista Trimensal de Historia e Geografhia ou Jornal do Instituto Historico e Geographico Brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Typographia de João Ignacio da Silva,1864, p.79.

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154

Essa herança de redes de relações recíprocas, também permanecerá

inalterada com a prole235 gerada em razão da união entre Jerônimo Albuquerque e

Maria do Espírito Santo Arco-Verde. Promoveram casamentos visando reproduzir a

estirpe local, tanto que os filhos homens236 uniram-se com herdeiras de famílias

tradicionais e exerceram funções importantes, por exemplo, André tornou-se alcaide-

mor de Igaraçu e governante da Paraíba entre 1607 e 1612.

Já as cinco filhas também constituíram matrimônio com herdeiros de famílias

poderosas objetivando a reprodução e manutenção do poder:

[...]. Catarina casou com o fidalgo florentino Felipe Cavalcanti, originando, deste enlace, a família Cavalcanti de Albuquerque; Izabel, com seu primo Felipe de Moura; Antonia, com Gonçalo Mendes Leitão, irmão de D. Pedro Leitão, segundo Bispo do Brasil; Joana, com Álvaro Fragoso, Desembargador do Paço, Cavalleiro na ordem de Christo, fidalgo da Câmara d´El Rei, originando a família Fragoso de Albuquerque; e Brites, com Gaspar Dias de Ataíde e em segundas núpcias, com Sibaldo Lins, parente do duque de Toscana. (LACROIX, 2006, p.36).

Jerônimo de Albuquerque veio a falecer no ano de 1594, em pleno exercício

do seu cargo de governador de Pernambuco (capital político) em substituição ao seu

sobrinho Duarte de Albuquerque Coelho.

Seus filhos deram continuidade ao nome e notoriedade da família, com

destaque ao mameluco Jerônimo de Albuquerque, o terceiro filho do Adão

Pernambucano com a índia Arco-Verde, nascido em 1548, em Olinda. Do período de

convivência com o avô materno Arco-Verde aprendeu a língua tupi, apropriou-se da

cultura e dos costumes nativos (capital cultural e simbólico). De outro lado, aprendeu

a ler e escrever no colégio jesuíta, recebendo, também, formação religiosa.

235 A rainha Dona Catarina de Áustria não aprovava a forma de vida libidinosa de Jerônimo de Albuquerque, determinando que o mesmo se casasse com Felipa de Mello, filha de Cristóvão de Mello, transferido da Corte e destacado a prestar serviços na Bahia, sendo que dessa união tiveram onze filhos. Somando-se os oito filhos do primeiro casamento, onze do segundo e mais nove mestiços e uma branca de ajuntamentos eventuais, ao todo foram vinte e nove filhos do “Adão Pernambucano”, outro apelido dado a Jerônimo de Albuquerque.

236 Jerônimo de Albuquerque casou com Catarina Pinheiro de Mello; Manoel de Albuquerque casou com Maria de Mello e André de Albuquerque casou com Catharina de Mello (1ª núpcias) e com Izabel de Vasconcelos (2ª núpcias).

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155

Lutou para conquistar terras237 e, tendo em vista que transitava com

facilidade por entre diferentes esferas de poder, sempre atuou em posições

dominantes. Além do que, em decorrência dessa aliança mantida com a Coroa

obteve vários títulos nobiliárquicos e nomeações para diferentes postos de comando

na burocracia, inclusive a capitania da Paraíba passou a ser governada por agentes

nomeados pelo rei, dentre eles diversos descendentes238 de Jerônimo de

Albuquerque. Segundo Bourdieu (2011, p.129), os membros de uma família estão

dotados de um ‘espírito de família’ gerador e responsável por generosidades, de

solidariedades, baseadas em trocas comuns e continuadas da vida, trocas de

dádivas, de serviços, de ajuda.

Atuou, também, conjuntamente com o governador da capitania de

Pernambuco, para colonizar o Rio Grande do Norte, com isso libertando a região da

presença dos franceses239 e, fundando a cidade de Natal240. Ocupou o cargo de

primeiro capitão-mor do Rio Grande do Norte, sendo condecorado com o título

nobiliárquico de Fidalgo da Casa Real. Observa-se a sucessão de títulos e de postos

de comando ocupados, mantendo desta forma boas relações militares, sociais,

políticas e realimentando-as.

Relata Paulo Maranhão (2001, p.88) que o “nobre Daniel de La Touché, que

tinha o título nobiliárquico de senhor da Ravardière, se estabeleceu em São Luís241,

no ano de 1594, com a intenção de criar uma colônia batizada de França

Equatorial”. A preocupação da Coroa242 era antiga com essa região e aumentou com

237 Sua linhagem o transformou no homem chave, capaz de manter a estabilização de uma reunião nem sempre amigável entre os conquistadores e o gentil. Ademais, resta inegável, que a ajuda dos índios Tabajara foi decisiva nos primeiros dias do povoamento e da civilização pernambucana para a consolidação da presença portuguesa na região.

238 Antônio de Albuquerque Maranhão filho primogênito de Jerônimo de Albuquerque, Matias de Albuquerque Maranhão, filho de Jerônimo de Albuquerque e os aparentados André de Albuquerque, Francisco Coelho de Carvalho, João do Rego Barros e Inácio Coelho de Carvalho. (Idem, p.85).

239 Os índios foram debelados e os franceses retiraram-se para o norte ainda desabitado e desguarnecido, aportando no Maranhão.

240 Foi responsável pela construção do Forte dos Reis Magos. 241 De acordo com os dados históricos, D. João III havia doado a capitania do Maranhão ao

historiador João de Barros, contudo a esquadra que saiu do Tejo para explorá-la acabou naufragando, escapando desse incidente somente algumas pessoas que retornaram para a corte. Em decorrência deste fato, o donatário originário renunciou à doação, sendo em seguida feita uma nova doação em favor de Luiz de Mello, que também não obteve êxito na exploração da região, pois dos cinco navios que compunham a sua esquadra, salvou-se apenas uma das naus que retornou para Lisboa, não conseguindo aportar nas terras doadas.

242 Deve-se ressaltar a atuação surpreendente dos pernambucanos que foram responsáveis por conquistar e povoar o Maranhão, em razão das dificuldades enfrentadas, já que possuíam um exército numericamente inferiorizado e logisticamente em desvantagem, tornando quase que

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a instalação dos franceses. Sendo nomeado pelo Rei, Jerônimo de Albuquerque243

foi responsável pela expulsão dos franceses. Depois desse episódio passou a adotar

o agnome ‘Maranhão’244.

Buscava-se o favorecimento de seus familiares, parentes e clientes. Desta

forma, uma vez dentro deste ‘círculo dos grandes’, a distribuição de favores para

amigos, parentes e clientes era quase instantânea. (VARGAS, 2011, p.47), tanto que

Jerônimo de Albuquerque, em decorrência da expulsão dos franceses, foi “nomeado

capitão-mor da capitania do Maranhão245, que englobava o Grão-Pará e parte da

região amazônica. Governou por pouco mais de dois anos, tendo sido substituído

pelo filho, Antônio” (MARANHÃO, 2001, p.94).

Em decorrência dos serviços prestados à Coroa foi agraciado com cinco mil

braças quadradas na várzea do Cunhaú e duas léguas246 em Canguaretama, para

formação do engenho que veio a ser batizado de Cunhaú, tornando-se um grande

latifundiário e proprietário de engenho de açúcar247.

Posteriormente, essa doação acabou sendo contestada a mando del-Rei248,

por provisão de 28 de setembro de 1612, por ser considerada exorbitante, o qual

ordenou a sua redução pela metade. A ordem foi executada somente em 1614,

encontrando o engenho construído e as terras cultivadas. Entretanto, em 02 de

impossível a vitória. A preocupação da corte com a presença dos franceses na região era antiga, preceituando inclusive que o governador geral do Brasil fosse residir em Olinda, de onde, pessoalmente, se responsabilizaria pela guerra contra os franceses.

243 No Governo de Gaspar de Sousa projetou-se avançar mais para o Norte. Por sua ordem Jerônimo de Albuquerque partiu de Pernambuco com quatro barcos, em meados de 1613, nomeado capitão-mor da conquista do Maranhão, comandando cem homens brancos e muitos índios. Na passagem pelo Ceará levou consigo Martim Soares Moreno, como lhe foi permitido, e navegou até o Camocim, onde pretendeu fundar um forte. (ABREU, 1954, p.127).

244 Em razão das grandes adversidades no combate aos franceses, a vitória foi considerada um feito espetacular. Sendo transmitida à corte pelos parentes Gregório e Jerônimo Fragoso de Albuquerque, adicionando a partir desse momento o agnome Maranhão, o que foi adotado imediatamente pelos filhos Antonio, Matias e Jerônimo (homônimo do pai e do avô).

245 Diz Mário M. Meireles (1985, p.36), que os cidadãos de São Luís, eram aqueles homens bons da terra, os que tivessem exercido ou fossem descendentes de quem tivesse servido os cargos da república, muito ciosos e orgulhosos dos foros da Infanção, que lhes foram concedidos por Provisão de 15/4/1655, d´El Rei D. João IV, o fundador da dinastia de Bragança, em reconhecimento por terem expulso da terra os holandeses.

246 De acordo com o Dicionário Aurélio, légua era uma antiga unidade de medida de superfície agrária, equivalente a um quadrado de 3.000 braças de lado, ou seja, 4.356ha.

247 A escolha “do local foi muito inteligente, pois o vale do Cunhaú era um dos mais férteis do Rio Grande do Norte, sendo banhado pelo rio Cunhaú247 que é uma continuação do Rio Curimataú”. (MARANHÃO, 1956, p.181).

248 “Dizia já Portugal que os reis adquiriam, pela conquista, o direito de distribuir as terras conquistadas entre os seus vassalos; não, porém, o domínio delas” (CIRNE LIMA, 1954, p.53).

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agosto de 1628, a decisão249 foi reconsiderada confirmando integralmente a

concessão originária.

A autoridade dessa família dominante estendia-se em Pernambuco, Rio

Grande do Norte, Paraíba e Maranhão facilitando o acesso aos recursos/capitais

políticos e econômicos estendidos aos seus herdeiros. Todos os “membros da sua

família exerceram funções administrativas e participaram das contendas militares

contra estrangeiros e nativos” (LACROIX, 2006, p.43), dessa forma acessando e

diversificando os capitais acumulados. Tornando-se proprietário de terras, essa

conotação traz consigo o ser servido, obedecido, respeitado, ou seja, acesso ao

poder. Diante desse prestígio e notoriedade, tornavam-se pessoas poderosas

interferindo nos destinos da sociedade formada em torno do Engenho de Cunhaú.

Jerônimo de Albuquerque Maranhão acaba falecendo em 11 de fevereiro de

1618, aos 70 anos de idade, sendo enterrado em Cunhaú. Transmitiu aos seus filhos

o legado de boas relações pessoais, militares, sociais e a ocupação de postos na

esfera política e na carreira militar. No caso o seu primogênito, Antônio de

Albuquerque Maranhão era Fidalgo Cavaleiro da Casa Real, Comendador da Ordem

de Cristo, foi capitão integrante das forças vindas de Pernambuco para a conquista

do Maranhão, ademais foi Comandante do Forte de S. José do Itapari e, com o

afastamento do pai, tornou-se segundo Capitão-mor do Maranhão; mais tarde

tornou-se governador da Paraíba, porém durante a invasão holandesa foi para a

Corte onde casou com D. Joana Luísa, filha de Dom João de Castelo Branco e tivera

dois filhos250, morrendo em Lisboa no ano de 1667.

Já o filho Matias de Albuquerque Maranhão auxiliou na organização da Casa

de Cunhaú, tomou parte na expulsão dos franceses no Maranhão e regeu os

assuntos relacionados aos silvícolas.

249 Após quatorze anos foi expedido o auto de reconhecimento, que teve o seguinte teor: “Há data sessenta e sinco deu Jerônimo dalboquerque a seu filho Antonio dalboquerque em dous de maio de sis sentos e quatro e a Mathias dalboquerque, a qual data he sinco mil braças de terra quadrada na varze do cunhaú comesando a medir donde entra a ribeira de piquis em caramataú, dest aterra se cuidou no principio pella graneza das várzeas, e boas e muitas aguos que podião fazer nellas sinco ou seis emgenhos de açúcar, Andando ho tempo mostrou a esperiençia não ser a terra toda boa para cannas por s averem plantado na dita várzea em algumas partes sem anser por a çequidão da terra, e outra por ser muito alagada, todavia alem do emgenho que hoje tem feito Jerônimo dalbuquerque e de aguoa se pode ainda fazer outro de agoa tão bem, pêra o qual tem ya atirado o liuel e vay prantar cannas”. Este documento integra o Translado do Auto da Repartição das Terras da capitania do Rio Grande do Norte, páginas 37 e 38. (MARANHÃO, 2001, p.100).

250 Foram pais de: Dona Antônia Margarida de Castelo Branco que casou com Brás Teles de Meneses, Senhor da Vila das Enguias e Lamorosa e, Afonso de Albuquerque Maranhão. (CASCUDO, 2008, p.45).

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Por fim, o filho caçula Jerônimo de Albuquerque Maranhão permaneceu a

maior parte de sua vida em Portugal, falecendo segundo alguns historiadores em

1671, juntamente com o seu Tio Affonso Furtado de Mendonça, “Primeiro Visconde

de Barbacena, designado para o cargo de Governador e Capitão Geral do Brasil”

(LACROIX, 2006, p.42) a bordo do navio, na altura de Pernambuco. Para outros

historiadores teria falecido em batalha no oriente.

Assim, nota-se a dimensão social que permeava as relações políticas

provinciais, pois os ocupantes dos principais cargos políticos e estes oficiais

nobilitados se entrelaçavam nas mesmas famílias.

O Engenho de Cunhaú251 era riquíssimo, possuía dezenas de fazendas,

milhares de cabeças de gado, escravaria incontável e canaviais infindos. Vários

engenhos moviam as vagarosas rodas d´água para aumentar o ouro dos

cunhauzeiros. A propriedade que El-Rei, em 1612, achava longa em cinco mil

braças ia, em 1819, a catorze léguas ao correr da estrada. (Cascudo, 2008, p.50).

Após a expulsão dos holandeses, no início do século XIX, funcionavam nas

terras das sesmarias os seguintes engenhos: Cruzeiro, Estrela252, Outeiro, Ilha do

Maranhão, Boma Assar, Mangueira, Torre, Boa Vista, Sargí, Várzea e o próprio

Cunhaú. As fazendas batiam quase quarenta léguas. Tinha terras na Paraíba e

Pernambuco.

Todos os títulos heráldicos estavam espalhados na família, nada impedia de

utilizar o seu capital simbólico (prestígio/notoriedade) para que seus familiares

fossem agraciados com títulos nobiliárquicos e, portanto, “todos os homens eram

capitães-mores, coronéis de milícia, comandantes de regimentos, compradores

infalíveis de algodão e açúcar, donos de vassalos, com direito natural da lata e baixa

251 Em 1630, os holandeses da Companhia das Índias Ocidentais confiscaram a propriedade, sendo vendida em 1637 ao sargento-mor Baltasar Wintgens e ao conselheiro Joris Gastman Von Werve, pala quantia de 60.000 florins. Depois foi revendida para Willem Beex ou Beck e Hugo Graswinckel. Em 1642, Hugo Graswinckel vendeu a sua parte a Mathijs Becx. (MARANHÃO, 2001, p.107). Retornando aos antigos proprietários somente em 1654, sob o comando de Matias, que havia deixado o governo da Paraíba, voltando a moer e produzir outra vez o açúcar.

252 Era a mais importante propriedade desse conjunto. Ela pertenceu ao coronel André de Albuquerque Maranhão, o herói da revolução de 1817. Passou a ser propriedade do sobrinho, André de Albuquerque Maranhão Arcoverde, o Brigadeiro. Em 1851 estava nas mãos do seu primo, o tenente Julião Lumachi de Albuquerque Maranhão. Nesse mesmo ano de 1851, foi a propriedade mais uma vez vendida agora a Reed Bowen & Cia, por trezentos contos de réis. Em junho de 1911, o coronel Avelino Alves Freire adquiriu a posse à RailWay Finance & Construction Company pelo preço de hum mil duzentos e cinqüenta libras esterlinas (MARANHÃO, 2001, p.111).

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justiça, levada aos réus pelos cabras de confiança na decisão dos bacamartes

trovejantes”. (CASCUDO, 2008, p.50).

Na sociedade brasileira dos oitocentos, um título de nobreza consagrava

uma família, uma vez que tal concessão era fruto de um reconhecimento, por parte

do imperador, por serviços prestados à Coroa e à nação. Em nível local, as famílias

abençoadas com tal honraria ascendiam a outro patamar na escala hierárquica de

sua região. O investimento em títulos de nobreza também representava um retorno

imaterial das perdas materiais efetuadas pelo portador do título. (VARGAS, 2011,

p.49).

Outro instrumento muito utilizado para perpetuação do poder residia nos

enlaces matrimoniais que eram feitos na gens ilustre. A praxe é primo com prima, já

que esta endogamia253 preservava de divisão os feudos e consolidaria o prestígio

social e político dos chefes. (CASCUDO, 2008, p.51). A endogamia é característica

de famílias que se mostram menos dispostas a mudanças e, portanto, mais

conservadoras. (SAINT MARTIN, 1995, p.1036).

As casas-grandes dos engenhos são centros de irradiação positiva na

capitania e província. A parentela alastrava-se pela Paraíba na mesma sintonização

de cargos e de posses. Os primos comendadores eram citados ao lado do tio

Capitão-mor, do mano comandante-superior, do sobrinho doutor [...]. (CASCUDO,

2008, p.51).

Para Gilberto Freyre, que prefaceou a obra História da Casa de Cunhaú de

João D´Albuquerque Maranhão (1956, p.172), referida família constituiu-se em

verdadeira nobreza dirigente das atividades regionais:

Tão dirigente dessas atividades, através do poder político completado pelo econômico, que algumas se extremaram paradoxalmente em elementos revolucionários – nativistas, nacionalistas, regionalistas, e até separatistas – quando se sentiram mais duramente atingidas por influências externas, capazes de diminuir sua autoridade ou reduzir seu prestígio regional.

253 Casamento entre indivíduos do mesmo grupo, seja este definido com base em parentesco, residência, território, classe, casta, etnia, língua, seja por qualquer outro critério. Dicionário Aurélio.

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Matias de Albuquerque Maranhão era casado com D. Isabel da Câmara254,

retirou-se da vida pública e recolheu-se no engenho de Cunhaú, terminando alí os

seus dias em 1685. Cedeu o controle do engenho para o seu terceiro filho, de nome

Afonso de Albuquerque Maranhão255, que assumiu o controle de Cunhaú por

sucessão de seu genitor, nascido na Paraíba, tendo foro de Fidalgo Cavaleiro pelo

Alvará de 20 de dezembro de 1690. Passou a maior parte de sua vida em Cunhaú,

sendo nomeado Sargento-Mor das entradas do sertão256 pelo Capitão-Mor,

Bernardo Vieira de Melo, em 30 de dezembro de 1695.

Afonso matrimoniou-se257 com D. Isabel Barros Pacheco, passando para o

seu quarto filho, Gaspar de Albuquerque Maranhão, a sucessão na chefia da Casa

de Cunhaú. Possuía o título nobiliárquico de Fidalgo Cavaleiro da Casa Real,

“Capitão-Mor de Goyaninha, casou-se com Luzia Vieira de Sá, ela filha de João

Alves Vieira, Cavaleiro da Ordem de Christo e Familiar do Santo Officio e de sua

254 Foram filhos de Matias de Albuquerque Maranhão: Antônio de Albuquerque Maranhão, que foi mestre-de-campo em Pernambuco e faleceu solteiro; Lopo de Albuquerque Maranhão, casou-se na Bahia, não tendo informações mais detalhadas sobre sua vida D. Catarina Simoa de Albuquerque, casou-se com Luís de Sousa Furna, proprietário dos ofícios de juiz de órfãos e de escrivão da câmara da cidade da Paraíba; D. Joana da Câmara de Albuquerque, casou-se com João de Nobalhas Urrêa, proprietário do Engenho de Sibiró e de outros engenhos; D. Bárbara da Câmara de Albuquerque, casou-se com Salvador Quaresma Dourado, proprietário do ofício da fazenda real da Paraíba; D. Mariana da Câmara Albuquerque, segunda esposa de Afonso de Albuquerque Melo, fidalgo da casa real; D. Apolônia da Câmara Albuquerque, casou-se com o seu primo André Gago da Câmara; deixou, ainda, um filho natural, chamado Antônio de Albuquerque que foi comendador da Ordem de Cristo em 1650 diante dos serviços prestados em Pernambuco, contra os holandeses, Jerônimo de Albuquerque, faleceu solteiro e sem sucessão; Pedro de Albuquerque Câmara, faleceu solteiro e sem sucessão e D. Anna Maria da Câmara, faleceu solteira e sem sucessão.

255 Na guerra entre Mascates e Nobreza em Pernambuco, datada de 18 de junho de 1711, Afonso de Albuquerque Maranhão contribui com homens e pólvora para defesa de seus interesses. Sendo o fato histórico mais importante deste movimento a propositura, por Bernardo Vieira de Melo, de fundação de uma república, antecedendo ao gesto de Tiradentes em Minas Gerais. O levante da nobreza foi promovida pelo parentesco. Pais e filhos promoveram a adesão da capitania (Goiana – tinha a maior povoação, o maior número de engenhos, além de residir ali a maior parte da nobreza) ao levante contra Castro e Caldas, com a ajuda da parentela, inclusive do filho homônimo daquele Jorge Cavalcanti de Albuquerque que promovera as alterações do governo de Motebelo, e de Afonso de Albuquerque Maranhão, morgado do Cunhaú e capitão-mor de Goianinha, no Rio Grande do Norte. Outro parente implicado no levante da nobreza era Manuel Cavalcanti de Lacerda, alcaide-mor de Goiana e senhor de Tapirema, em cuja capela homoziara-se Arouche. (CABRAL DE MELLO, 2003, p.349-350).

256 A patente de nomeação refere-se, entre outros serviços prestados por Affonso de Albuquerque, ao fato de “ter êlle prendido ao rei Canindé, chefe de índios e nove de seus companheiros, entregando-os ao capitão-mor Pascoal Gonçalves” (MARANHÃO, 2001, p.122).

257 São filhos dessa união: Luiz de Albuquerque Maranhão, fidalgo cavalheiro da Casa Real, que casou com Dona Úrsula Vieira de Sá, não deixaram sucessão; Affonso de Albuquerque Maranhão, casou-se com Adriana Vieira de Sá; André de Albuquerque Maranhão, casou-se com D. Joana de Barros, na Bahia; Mathias de Albuquerque Maranhão, fidalgo da Casa Real, casou-se nas Alagoas, com Manoela Maria da Penha; Izabel de Albuquerque Câmara, casou-se com Jacinto Freitas Acyoly.

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mulher D. Margarida de Sá”258; segundo relatos “parece ter feito vida de grande

agricultor e criador, conduzindo suas boiadas para o sertão e colhendo as safras no

vale opimo”. (Cascudo, 2008, p.50).

Avaliando o encadeamento de gerações da família Albuquerque Maranhão

nota-se uma continuidade na utilização dos nomes tradicionais, por isso a

quantidade de inúmeros, André, Jerônimo, Afonso, Mathias, Antônio, perpetuando-

se dessa forma na história como um capital simbólico (‘nome’/’sobrenome’), sendo

mais uma estratégia de reprodução familiar, que como se verá, perdura até os dias

atuais. Para Bourdieu (2011, p.131), a transmissão do nome de família, é elemento

primordial do capital simbólico hereditário, sendo uma das principais estratégias de

reprodução. Essa regra também é válida para o patrimônio material.

Diante do falecimento de Gaspar de Albuquerque Maranhão, o controle do

engenho de Cunhaú é transferido para o seu quinto filho chamado, André de

Albuquerque Maranhão, nascido em 1742 e falecido em 1806, era coronel de

cavalaria do Regimento Auxiliar dos distritos de Vila de Arez, Vila Flor e

Tamatanduba. Possuía o título nobiliárquico de fidalgo Cavaleiro da Casa Real,

contraiu matrimônio com sua prima D. Antonia Josepha do Espírito Santo Ribeiro,

dentre a prole gerada encontra-se:

(1) André de Albuquerque Maranhão, homônimo do seu pai;

(2) Luzia Antônia de Albuquerque Maranhão;

(3) Josefa Antônia Albuquerque Maranhão;

(4) Antônia Josefa Albuquerque Maranhão;

(5) João Francisco Regis de Albuquerque Maranhão, que casou com

Adriana de Albuquerque Melo, “filha de Pedro d´Albuquerque Mello,

Capitão-Mor e Governador do Rio Grande do Norte e de sua mulher D.

Maria Correia de Paiva, senhores do engenho de Bujari”259.

258 Índices dos Anais da Biblioteca Nacional. p.18. 1951. Disponível em: < http://www.docvirt.com/WI/hotpages/hotpage.aspx?bib=Anais_BN_WI&pagfis=38871&pesq=&esrc=s&url=http://docvirt.no-ip.com/docreader.net# >. Acesso em: 29 jan.2013.

259 Índices dos Anais da Biblioteca Nacional. p.18. 1951. Disponível em: < http://www.docvirt.com/WI/hotpages/hotpage.aspx?bib=Anais_BN_WI&pagfis=38871&pesq=&esrc=s&url=http://docvirt.no-ip.com/docreader.net# >. Acesso em: 29 jan.2013.

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Neste período, o engenho de Cunhaú, atravessava um período de franca

expansão e prosperidade econômica, “viajava-se doze horas a cavalo sem sair de

uma só propriedade, sendo que quatro municípios atuais260 quase pertenciam aos

cunhauzeiros”. Além do que, o município de Natal não atraia a atenção dos fidalgos

em razão de ser um povoado ainda secundário; então eles se deslocavam até

Recife onde efetuavam as compras da seda espessa, veludo para os calções, as

armas de luxo, baixela de prata, copos, espadins, pistolas trochadas de aço, “aviso

de onipotência morgatícia” (CASCUDO, 2008, p.51).

André de Albuquerque Maranhão261 (homônimo do seu pai) era o 4º neto de

Jerônimo de Albuquerque Maranhão, era o filho mais velho. Para ele coordenam-se

todas as linhas da fortuna com abundância obstinada. As águas da vertente

amoedada correm para ele como para um declive natural.

É a primeira fortuna da Capitania, o grande proprietário, o mais poderoso

dono de escravos, o detentor da maior quantidade de ouro. Não há governador ou

chefe que não o acaricie. Ele levantará um exército e fundará uma cidade quando

queira. (Idem, p.55).

Em 1817262, a figura pacata e tímida de André de Albuquerque263 ganha um

realce imprevisto, uma inusitada ressonância, uma repercussão inesperada e

260 Os quatro municípios são: São José de Mipibu, Arez, Goianinha e Canguaretama, situados nessa ordem, de norte para sul, entre a Cidade do Natal e a fronteira com a Paraíba. O Engenho de Cunhaú pertenceu ao Município de Natal até a década de 1760, quando passou a pertencer ao Município de Vila Flor, criado nessa década, que em 1858, passou a denominar-se Canguaretama (CASCUDO, 2008, p.51).

261 Era fidalgo Cavalheiro da Casa Real, mediante título nobiliárquico, concedido em data de 22 de agosto de 1787, era considerado um democrata, logo, não se manteve distante do movimento revolucionário que seus familiares comandavam em Pernambuco, inclusive contribuía no aliciamento de elementos para a revolução. Visando manter-se mais próximo da cidade do Natal transferiu sua residência para a Vila de Goianinha, mantendo sua família no engenho de Cunhaú. Realizava banquetes e reuniões secretas nos engenhos Belém e Ribeiro, de propriedade de seus parentes, aos quais compareciam o governador Tenente-Coronel José Inácio Borges, o padre João Damasceno, José Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquerque, Sebastião de Melo Póvoas e outros.

262 O dia marcado para o rompimento da revolução, que estava combinado ser no domingo de páscoa do ano de 1817, quando da coroação de D. João VI, aclamado Rei de Portugal e domínios, depois do falecimento da Rainha D. Maria Primeira, a louca, sua mãe, ocorrido em 1816. (MARANHÃO, 1956, p.269).

263 Trata-se de André de Albuquerque Maranhão, Senhor do Engenho das Estivas, em Arez, Cavaleiro da Ordem de Cristo, Capitão-Mor das Ordenanças de Vila Flor e Arez, no Rio Grande do Norte, primo e marido de D. Josefa Antônia de Albuquerque Maranhão, irmã de Senhor de Cunha, preso em 15 de maio de 1817, sendo libertado em 1821. João de Albuquerque Maranhão, Senhor do Engenho de Santo Antônio, Cavaleiro da Ordem de Cristo, Capitão-Mor das Ordenanças da Cidade da Paraíba, era primo do Senhor de Cunhaú, preso em 1817 foi libertado em 1821, era filho de Luís de Albuquerque Maranhão, Senhor do Engenho de Belém, e, por ele, neto de Gaspar e Albuquerque Maranhão, que também foi preso em 1817 e libertado em 1821. Não deve ser

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profunda. O senhor de engenho passa a chefe revolucionário264 (Revolução

Pernambucana), o dono dos maiores latifúndios é o guia das reivindicações

populares de igualdade, o fidalgo cavaleiro da Casa Real, vassalo da Rainha

absoluta, coronel de regimento, é um divulgador da “Liberdade” e por ela morre

como um Girondino (CASCUDO, 2008, p.58).

Porém, consoante relatos, a adesão da elite açucareira com a revolução,

teria ocorrido não por concordância a certas ideias revolucionárias iluministas, “mas

em razão do seu descontentamento com o governo central e por objetivos de

autonomia, tendo em vista a queda internacional do preço do açúcar e do algodão

principais produtos de exportação do nordeste”265. Mesmo aqueles grupos familiares

que fazem novos investimentos, se adaptam e de certa forma promovem a

modernização, buscam com isso manter o poder em suas mãos. (SAINT MARTIN,

1995).

André de Albuquerque Maranhão estava investido do cargo de Presidente da

Junta do governo Provisório e comandante das armas do Rio Grande do Norte,

todavia, acaba surpreendido pelas tropas da contrarrevolução encarregadas de

reprimir o movimento republicano; ferido com uma estocada na virilha acaba

falecendo na fortaleza dos Santos Reis Magos, feneceu solteiro sem deixar

sucessão266.

Diante desse contexto, o engenho de Cunhaú acabou sendo arrematado por

Vicente Ferreira Cardoso e Antônio Manuel Moreira. Coube a D. Luzia Antônia, irmã

do Senhor de Cunhaú, arrendar a propriedade, engenho, fábrica de escravos,

gados, casa de moradia, capela e safras, pelo período de 03 (três) anos. Após

superar o período de dificuldade, os bens foram restituídos, retornando o engenho

de Cunhaú aos seus antigos proprietários.

confundido com seu parente e homônimo João de Albuquerque Maranhão, Senhor do Engenho de Miriri, filho de José Filipe de Albuquerque Maranhão (CASCUDO, 2008, p.61-62).

264 A sociedade maçônica conspirava ativamente para o atingimento do seu desiderato revolucionário, e muitos historiadores afirmam que André de Cunhaú pertencia a “Loja Paraíso”, sociedade maçônica de Recife.

265 MOREIRA, Keila Cruz. Padre Miguelino: O Intelectual, o Professor, o Revolucionário – Vozes que se fazem ouvir. Natal, 2005. Dissertação, (Mestrado) – Departamento de Ciências Sociais Aplicadas, Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

266 Com a sua morte foi aberto inventário, constando ao todo o patrimônio de 173:592$951 e dívidas no importe de 4:954$258, sobejando saldo de 168:638$693. Ainda foram deduzidas mais algumas despesas, restando saldo de 163:662$361, sendo repartido entre a irmã Luzia Antônia e os herdeiros das outras irmãs falecidas.

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D. Luzia Antônia era casada com o seu primo do ramo paraibano da família,

tenente-coronel José Inácio de Albuquerque Maranhão. Tiveram os seguintes

herdeiros: (1) José Inácio de Albuquerque Maranhão Filho267; (2) André de

Albuquerque Maranhão Arco Verde; (3) Maria Cândida268; (4) Emília; (5) Maria

Simoa e, (6) Joana269.

André Arco Verde, ou Dendé Arco Verde, “nasceu no engenho de Cunhaú,

no ano de 1797, foi em idade juvenil para a Europa a título de estudar na Alemanha.

Regressando do continente europeu somente em 1830 e, foi o último Senhor de

Cunhaú” (MARANHÃO, 1956, p.342).

O filho diplomado representava um capital cultural e simbólico de extrema

importância e estava investido de um dos atributos necessários para tornar-se um

mediador, o que poderia ser utilizado para captar recursos/capitais diversos para a

família, incluindo os próprios títulos de nobreza – que eram reconvertidos na busca

de novos recursos. Ademais, os pais reconheciam a possibilidade de ampliar a sua

rede social com o centro do país mediante o diploma do filho, via de consequência,

aumentando as suas possibilidades de sucesso na Corte. (VARGAS, 2011, p.52).

A historiografia considera-o a mais estranha e sugestiva figura da Casa de

Cunhaú:

Dendé é um homem puro da Renascença, sem medo, sem pudor, sem respeito, sem superstição, despido de preconceitos, sem temer a Lei, nem o Imperador, nem a Polícia, nem o gabinete ministerial, nem os inimigos, nem vinganças, nem ódios. Insensível, superior, desdenhoso, atrevido, incapaz de compreender os limites de sua vontade, ciente integral de que seu direito ia até as fronteiras de sua força, ele não tem remorsos nem piedades inferiores. Deliberando, executa com a precisão, a nitidez, a naturalidade de uma função normal. Tudo nele é justamente isso, natural, congênito, próprio. (CASCUDO, 2008, p.78).

Ressentido pela morte e ultrajes aplicados ao seu tio, André de Albuquerque

Maranhão, e a sua família, em decorrência do fracasso da revolução de 1817,

resolveu vingá-los. Quem assumiu a responsabilidade por ter ferido de morte André

267 Residiu nos engenhos de Belém e Estivas. Ocupou cargos eletivos em Vila Flor sendo presidente da Câmara Municipal. Não se casou e não deixou sucessores.

268 Era a senhora do engenho de Outeiro, um dos melhores da região e proprietária de sítios, fazendas, cercados, gados e muito ouro amoedado. Casada com Dr. Amaro Carneiro Bezerra Cavalcanti, então Promotor de Justiça. Morreu como vivera, dominadora e malcriada, orgulhosa do nome, serva fiel e banqueira confiadíssima do marido glorioso (CASCUDO, 2008, p.74).

269 Casada com o seu primo o Comendador Antônio de Albuquerque Maranhão Cavalcanti, senhor de engenho da Ilha Maranhão (Idem, p.74).

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de Albuquerque Maranhão na Revolução Pernambucana foi o português Antônio

José Leite do Pinho270, que inclusive recebeu uma condecoração de Cristo pelo seu

ato e a patente de tenente-coronel de milícias. Contudo foi assassinado em Natal,

em 1831, isto é, 17 anos depois do crime. (MARANHÃO, 1956, p.342). Para, Oliveira

Viana (1983, p.156), seria uma espécie de solidariedade de família, muito tradicional

nos clãs da Córsega ou da Albânia. Quem quer que seja conta sempre para vingá-

lo, quando ofendido, com a assistência material de toda a parentela ou do clã, a que

pertence. Essa assistência é uma força decisiva e temibilíssima.

Dendé Arco Verde e o irmão primogênito, José Inácio tiveram várias

discordâncias, principalmente quando José Inácio foi o inventariante de sua genitora.

Em inúmeras vezes sofreu emboscadas a mando de Dendé, “que terminou

mandando matá-lo em Cunhaú para herdar-lhe os bens fartos” (CASCUDO, 2008,

p.73).

Numa dessas emboscadas, José Inácio já havia levado um tiro no braço, em

seguida fugiu de Cunhaú, vindo a se refugiar em Estivas, na casa do seu tio André

de Albuquerque Maranhão. Apesar de todas as medidas de segurança adotadas por

André de ‘Estivas’ para proteger o sobrinho, José Inácio acabou sendo alvejado com

um tiro e falecendo. Horas depois do cometimento do crime, Dendé Arco Verde

dirigiu-se até o engenho onde foi buscar o corpo do irmão para sepultá-lo na capela

de Cunhaú, herdando-lhe todo o seu patrimônio.

Conforme Câmara Cascudo (2008, p.78), “Dendé dizia o que queria,

mandava avisar a morte, intima que alguém deixe a casa e se mude, chibateia,

surra, tortura, mata a punhal, a tiro, a veneno, comanda um exército de jagunços ou

pratica sozinho o ato sem um arrepio na face imóvel e magnífica de um autêntico

barão feudal”.

O engenho acabava sendo utilizado como refúgio para criminosos, isto é,

seria uma proteção que o sistema da grande propriedade prestava aos seus

agregados. Na ótica de Evaldo Cabral de Melo (2003, p.109):

O engenho como valhacouto de criminosos foi uma realidade de sempre. A prestação desses serviços constituía a contrapartida da proteção que o sistema clientelístico da grande propriedade oferecia aos seus agregados.

270 Mandou um negro e um cabra matarem a faca o coronel Leite do Pinho. Entregou-lhes facas de prata, dizem que envenenadas (CASCUDO, 2008, p.83).

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Negar patrocínio a um morador equivalia a uma violação grave do código tácito que regia suas relações com o senhor, podendo afetar a imagem deste e sua capacidade de recrutar aderentes.

Dendé casou com sua prima, D. Antônia Josefa do Espírito Santo Ribeiro de

Albuquerque Maranhão. Reza a ‘lenda’ que teria sido responsável pela sua morte e

de seu filho em 1836, chamado de André de Albuquerque Maranhão Arco Verde

Júnior. Porém, uma versão mais realista do fato afirma que a esposa faleceu de

febre puerperal e o filho de meningite; em decorrência dessas mortes, Dendé Arco

Verde ficou com as heranças.

Exerceu vários cargos de representação, dentre eles foi juiz Municipal e de

Órfãos em 1853, com alçada no crime, foi deputado provincial duas vezes, político

poderoso, homem de mando271, rico e impetuoso.

Após a morte de sua esposa viveu com diversas mulheres, criando os filhos

em conjunto. Dentre as mulheres, cita-se Maria Leopoldina de Albuquerque272;

Felicidade Flora Brasileira e Costa273, e, por fim, Constância Maria do Espírito

Santo274.

Em relação aos demais parentes, a família ainda permanecia ocupando

cargos de relevância, já que dois sobrinhos275 de André Arco Verde eram deputados

provinciais. Na eleição seguinte, seu cunhado, Antônio de Albuquerque Maranhão

Cavalcanti elegeu-se para a Assembleia Provincial e, também, o deputado geral Dr.

Amaro Bezerra, era íntimo, e, foi seu testamenteiro. As ‘grandes famílias’ funcionam

como clubes seletos; elas são lugares de acumulação e de gestão de um capital que

é igual às somas dos capitais de cada um de seus membros e que as relações entre

os diferentes detentores permite mobilizar, ainda que parcialmente, em favor de

cada um deles. (BOURDIEU, 2011, p.133).

271 Relata Câmara Cascudo (2008, p.84) que “Dendé mandou matar mais de duzentas pessoas, e o lugar preferido dos sacrifícios era a Ladeira do Suspiro, entre Cunhaú e Tamatanduba”.

272 Teve três filhos: Amélia, nascida em 1841, casou-se com Antônio Jerônimo Pinheiro; Afonso filho dileto e herdeiro integral de todos os impulsos paternos, nascido em 1843 e Carolina Amélia, nascida em 1847.

273 Teve apenas uma filha: Luzia Antônia, em 1842, casou-se com João de Albuquerque Maranhão Cunhaú, bastardo de João de Albuquerque Maranhão, sogro de Dendé. Luzia faleceu em 23 de novembro de 1883, deixando casal filhos: André de Albuquerque Maranhão Arco Verde, com 13 anos, e Maria da Conceição, com 5 anos.

274 Teve gêmeas, chamadas de Emília Idalina e Idalina Emília, nasceram em 1848 e faleceram solteiras em 1887.

275 Eram os bacharéis André de Albuquerque Maranhão Júnior, formado em 1851 e Antônio de Albuquerque Maranhão Cavalcanti Júnior, formado em 1854.

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No entanto, em abril de 1857, assume a presidência da província do Rio

Grande do Norte o Dr. Bernardo Machado da Costa Dória, partindo para uma

ofensiva que objetivava prender todos os criminosos de grande porte, dentre eles

Dendé Arco Verde. As tropas já tinham cercado Cunhaú e, impossibilitado de

resistir, acabou envenenando-se ao ingerir cianureto de potássio. Foi encontrado

deitado em sua cama de luxo276 devidamente trajado277.

A família também possui representantes na esfera eclesiástica, no caso, D.

Joaquim Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti278 foi o primeiro cardeal brasileiro e

latino-americano, bem como, D. André Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti.

Havia uma relação direta entre riqueza familiar, formação superior e

conquista de altos cargos políticos. Neste sentido, o diploma e o parlamento

ampliavam o círculo de relações sociais da família, possibilitando uma melhor

captação de recursos materiais, a ampliação das clientelas e a aliança com outras

famílias poderosas por meio dos casamentos e batismos dos filhos. (VARGAS,

2011, p.44).

Contudo, já no final do século XIX e início do XX, três descendentes diretos

do engenho de Cunhaú e, por conseguinte, de Jerônimo Albuquerque e de sua filha

Catarina Cavalcanti de Albuquerque, que num processo de expansão espacial de

famílias, migram para o estado do Paraná. Ressalte-se que alguns fatores

influenciaram para esse deslocamento migratório, primeiramente em razão da

estagnação do nordeste açucareiro, redução do dinamismo econômico em várias

regiões mais antigas do país, a mudança do eixo econômico para a região centro-sul

(café/erva-mate), e, também, a atração de funcionários públicos e profissionais

liberais (médicos, advogados, engenheiros, juristas, tipógrafos etc.) para a recente

província do Paraná, compondo assim uma elite burocrática necessária diante da

carência de mão de obra especializada.

276 Foi sepultado em Cunhaú na capela-mor. Já não sabem indicar onde. A única “recordação do Brigadeiro Dendé Arco Verde é o pavor indizível que causa seu nome sonoro” (CASCUDO, 2008, p.88).

277 Vestiu sua farda de grande gala, com dragonas de ouro e ramalhetes enfestonadores na casaca. 278 D. Joaquim Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti, nascido a 17-01-1850, na fazenda Fundão

(hoje, em Arcoverde), e falecido a 18-04-1930, no Rio de Janeiro. Bacharel em Letras pelo Colégio Pio Latino Americano de Roma, para onde foi em 30-04-1866, doutor em Filosofia e Teologia, pela Universidade Gregoriana de Roma, e ordenado sacerdote a 04-04-1874, na Basílica de São João de Latrão, pelo Cardeal Constantino Patrizi, Vigário Geral de Pio IX. Em 26-08-1892 recebeu do Santo Padre Leão XII o título de Bispo de Argos. Bispo de São Paulo. Arcebispo Metropolitano do Rio de Janeiro, como sucessor de D. João Esberard, por breve apostólico de 31-08-1897.

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Logo, os primos José Pinheiro de Albuquerque Maranhão, João Malta de

Albuquerque Maranhão migraram do Nordeste para o Paraná. Além deles, o primo

Luiz de Albuquerque Maranhão filho de família ilustre do Estado de São Paulo, já

portando título de advogado, também migra nesse período para o Paraná. No estado

passam a se constituir em um elemento importante para a estruturação do espaço

do poder, e sequência de posições sociais privilegiadas e de comando, com forte

vínculo ao sistema judicial paranaense, permanecerá inalterada. Além destes,

apresentar-se-ão de forma sintetizada informações genealógicas sobre outra família

descendente de Cunhaú, a família Cavalcanti de Albuquerque.

Por fim, e pela análise das sucessivas gerações desse grupo familiar, que

segue listada abaixo, consegue-se inferir a concentração de atividades com o poder

político demonstrando-se que esta foi um dos principais troncos formadores dos

grupos superiores tradicionais do Paraná.

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Diagrama 06: Cargos ocupados por alguns membros da Família Albuquerque no sistema judicial e

político paranaense.

Fonte: MARANHÃO, Fernando Wilson Rocha. Os Albuquerque Maranhão: 400 anos de Brasil, 100 anos de Paraná. Curitiba: Vicentina, 2000. http://www.mp.pr.gov.br / http://www.tjpr.jus.br / www.pge.pr.gov.br / http://www.cavalcantidealbuquerque.adv.br/historia.php..

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IV.2. Luiz de Albuquerque Maranhão

Luiz de Albuquerque Maranhão era filho de Luiz Francisco de Paula

Albuquerque Maranhão, que prestou serviços à Força Pública de São Paulo e Dona

Ingrácia de Albuquerque Maranhão, nascido em data de 15 de maio de 1878.

Casou-se com Sra. Alaide da Rocha Kuster Maranhão, filha do Coronel Antônio

Carlos Kuster e de D. Balbina Munhoz da Rocha, prima do Senador e Presidente do

Estado do Paraná Caetano Munhoz da Rocha279. Foram seus irmãos, “D. Cecília

Maranhão de Siqueira, Mariquita de A. Maranhão de Souza, Zulmira de Albuquerque

Maranhão, D. Elvira de Albuquerque Maranhão e Dr. Francisco Henrique de

Albuquerque Maranhão, que foi Ministro Auditor do Tribunal Militar da Força Pública

do Estado de São Paulo” (MARANHÃO, 2000, p.23).

Bacharelou-se pela Faculdade de Direito de São Paulo, iniciando sua

carreira profissional em São Paulo, onde advogou até 1899. Já no estado do

Paraná, começou sua carreira na magistratura no mesmo ano, como juiz Municipal

da Comarca de Campo Largo (PR), depois foi nomeado promotor público de Curitiba

(PR), sendo em seguida nomeado Chefe de Polícia do Estado, cargo equivalente

hoje ao de Secretário de Segurança Pública pelo Governo de Vicente Machado da

Silva Lima. A partir de 1904, foi juiz de Direito nas comarcas de Rio Negro, Palmas,

Guarapuava, Antonina, União da Vitória e Lapa, até 1919, quando foi transferido

para a Capital, aposentando-se pelo Decreto nº. 1.230 de 21 de outubro de 1926.

Já na administração de Afonso Alves de Camargo, no ano de 1919, foi

nomeado interinamente Chefe de Polícia do Estado, exercendo esse cargo até 03 de

novembro do mesmo ano.

Desde o período da Faculdade de Direito, sempre esteve integrado ao

ambiente político estudantil que refletia as lutas partidárias do cenário nacional; após

a sua aposentadoria da magistratura voltou sua atenção para a política.

279 Caetano Munhoz da Rocha nasceu na cidade de Antonina (PR), no dia 14 de maio de 1879, era filho do casal Bento Munhoz da Rocha e D. Maria Leocádia. Formado em Medicina pela Faculdade do Ri ode Janeiro em 1902. Criou uma companhia comercial com o seu irmão em 1905. Deputado estadual em 1904, 1906, 1908, 1910, 1912, 1914 e 1916, quando foi presidente do Congresso. Prefeito Municipal de Paranaguá em 1908-1912. Reeleito para o período seguinte, renunciou em 1915. Vice-presidente do Estado em 1916-1920 e secretário da Fazenda, Agricultura e Obras Públicas. Presidente do estado 1920-1924 e do Departamento Administrativo do Estado. Católico convicto. Faleceu em 1944. (NEGRÃO, v.I, 1927, p.246).

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Nas palavras de seu próprio biógrafo e descendente, era considerado

“homem austero e integro, dono de uma personalidade polêmica e forte, que aliava

conservadorismo político a um impulso criativo”, e, na política “foi expressão viva

daquela oligarquia paranaense que dominou a política do Estado até o advento da

Revolução de 30” (MARANHÃO, 2000, p.23). Ressalte-se que alguns fatores

contribuíram para fortificar a sua vocação política: primeiramente, os laços de

parentesco com Caetano Munhoz da Rocha, a amizade com Afonso Alves de

Camargo e a opção pela magistratura.

A política paranaense estava dividida entre republicanos e liberais, cuja

diferença residia unicamente em rivalidades pessoais do que diferenças

programáticas. Frise-se que a base de manutenção desses partidos era a mesma,

ou seja, oligarquias agrárias, “adotando o mesmo sistema rigoroso de seleção,

voltado para as elites, dentro de um critério de clã, conservador por excelência”

(Idem, p.27).

A partir de sua aposentadoria restituiu o cargo de Chefe de Polícia que vinha

desempenhando desde 25 de fevereiro de 1920. Foi indicado pelo Partido

Republicano do Paraná, sendo eleito Senador Federal, tomando posse a 28 de abril

de 1927. Por fim, renunciou ao mandato de Senador Federal, para ser eleito Vice-

Presidente do Paraná na chapa encabeçada pelo Dr. Affonso Alves de Camargo, até

ser deposto pelo Movimento Revolucionário de 1930.

Deixaram ao todo 09 descendentes: (1) Eurico de Albuquerque Maranhão,

nascido em Curitiba (PR), em 26 de janeiro de 1902. Casado com Marina Guimarães

Faria, exerceu a profissão de Coletor Federal; (2) Carlos Luiz de Albuquerque

Maranhão, nascido em 27 de janeiro de 1904, na cidade de Curitiba (PR), casado

com Maria Elisa Vieira da Costa, era funcionário do Banco do Brasil. Sua filha “Vera

Maria Albuquerque Maranhão casada com o advogado e empresário do ramo de

rádio difusão Caetano Bernardo Filho, e exerce a profissão de Serventuária da

Justiça – Titular do Cartório de Registro de Imóveis de Guaraniaçu (PR)”

(MARANHÃO, 2000, p.54);

(3) José Peres de Albuquerque Maranhão, nascido em Curitiba (PR), em

data de 02 de outubro de 1905, casado com Adelina Portes de Albuquerque

Maranhão, era Oficial do Exército – General de Brigada; (4) Edgard de Albuquerque

Maranhão, nascido em 21 de maio de 1907, em Campo Largo (PR). Casou-se com

Josefina Seiler Rocha, em data de 8 de dezembro de 1937, exercia a profissão de

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advogado. Sua filha Ilka Regina Maranhão Loureiro é casada com o magistrado

estadual aposentado, ex-professor de Direito Constitucional da UFPR, foi diretor do

curso de Direito na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Sansão

José Loureiro; (5) Marina de Albuquerque Maranhão, nascida em Guarapuava (PR),

em data de 28 de julho de 1908. Casada com Renato Leão, exercia a profissão de

professora;

(6) Marcello de Albuquerque Maranhão, nascido em União da Vitória (PR),

em data de 28 de dezembro de 1909, casado com Justina Seiler Rocha, exercia a

profissão de médico; (7) Maria de Albuquerque Maranhão, nascida na Lapa (PR),

em data de 11 de agosto de 1912, era professora; (8) Luiz de Albuquerque

Maranhão Junior, nascido na Lapa (PR), em data de 07 de abril de 1914, casado

com Elfrida Garcez Duarte, pertencia ao quadro de magistrados do Tribunal de

Justiça do Paraná e, por fim, (9) Zulmira de Albuquerque Maranhão, nascida em

Curitiba (PR), em 14 de maio de 1916, casada com Narciso Chaubald Biscaia, ela

era professora e ele contador.

Vários netos e bisnetos de Luiz de Albuquerque Maranhão exercem a

profissão de advogado, entre eles os advogados Fernando Wilson Rocha Maranhão,

Luiz de Albuquerque Maranhão Neto, José Dantas Loureiro Neto, Sérgio Luiz

Maranhão Ritzman.

IV.3. José Pinheiro de Albuquerque Maranhão

José Pinheiro de Albuquerque Maranhão é filho de Amélia Carolina Arco

Verde de Albuquerque Maranhão e do Capitão Antonio Jeronimo Pinheiro, ou seja,

neto de Dendé Arco Verde, já que Amélia Carolina era filha daquele com Margarida

Leopoldina de Albuquerque.

José Pinheiro de Albuquerque Maranhão nasceu em Canguaretama (RN) no

ano de 1866, era casado com Maria Umbelina de Almeida Maranhão, tiveram vários

filhos que estão elencados em nota de rodapé, contudo focando no objeto da minha

pesquisa apresentar-se-á somente a seguinte linhagem: Vladimir Maranhão,

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Bacharel em Economia pela UFPR, casado com Maria Carolina Castanho

Maranhão, os quais tiveram descendência: Leo Maranhão, falecido solteiro; Leda

Maranhão de Carvalho, casada com Ercícilio Bessa de Carvalho, Coronel do

Exército e Laertes Maranhão, advogado bacharelado em Direito pela UFPR, casado

com Maria Apparecida Maranhão.

Do enlace matrimonial entre Leda Maranhão de Carvalho e Ercílio Bessa de

Carvalho, tiveram sucessores, dentre eles Astrid Maranhão de Carvalho Ruthes,

desembargadora do TJPR e ex-professora da Faculdade de Direito da PUC/PR e

Unibrasil, casada com Edson Ruthes.

Laertes Maranhão casado com Maria Apparecida Maranhão, os quais

tiveram os seguintes descendentes: Rui Maranhão, Engenheiro Florestal do IBAMA,

foi casado com Gisele Iwersen, bacharel em Letras Inglês; Deise Maranhão Gubert,

advogada bacharela pela PUC/PR, casada com Carlos Eduardo Gubert, médico

pediatra; Robison Maranhão, advogado bacharel pela Faculdade de Direito de

Curitiba, conviveu com Eleny Desconsi; Clayton de Albuquerque Maranhão,

Procurador de Justiça no MPPR e Professor da Faculdade de Direito da UFPR,

casado com Mara Lúcia Alves Cleto Maranhão, cirurgiã dentista, filha do Procurador

de Justiça aposentado José Julio Amaral Cleto.

IV.4. João Malta de Albuquerque Maranhão.

João Malta de Albuquerque Maranhão descendente de Jerônimo de

Albuquerque, nasceu em Águas Belas (PE), era filho de Manoel Ramos de

Albuquerque Maranhão e Anna Ramos de Albuquerque Maranhão. Matrimoniou-se

com Amélia de Oliveira Maranhão, filha de Miguel Rufino de Oliveira e de Ana Rufino

de Oliveira, ele proprietário de Seringal em Manaus (AM). João Malta chegou a

Capitão do Exército; dando baixa no exército, passou a laborar nos correios e

telégrafos e, também, como presbítero.

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Migrou com sua família para o Paraná, sendo responsável pelo convite feito

para a família do empreiteiro Cecilio do Rego Almeida280 migrar do estado do Pará

para o Paraná. Tornou-se, também, nome de rua na capital paranaense.

Tiveram ao todo 12 (doze) filhos, dentre eles: (1) Guilherme de Albuquerque

Maranhão casado com Jandira Sales; (2) Thamar Cades Maranhão de Loyola

casada com Agostinho Saldanha de Loyola; (3) Jerônimo de Albuquerque Maranhão

casado com Leonor Neves Pires, e (4) Silvio de Albuquerque Maranhão casado com

Marly de Castro Esteves.

Guilherme de Albuquerque Maranhão nasceu a 31 de dezembro de 1915.

Concluiu seus estudos secundários em 1933, bacharelando-se em Direito em 1938

pela Universidade do Paraná. Membro do Ministério Público por mais de 30 anos

ingressou na carreira em 1940 quando foi nomeado adjunto de promotor do distrito

de Reserva. Em 1942 foi nomeado, por concurso, para exercer, em comissão o

cargo de promotor público da Comarca de Foz do Iguaçu. Já em 1943 foi removido

para a Comarca de Palmas e Prudentópolis. Neste mesmo ano, foi nomeado para

exercer o cargo de Delegado de Polícia da Capital e Diretor do Departamento de

Segurança e Chefe de Gabinete da mesma secretaria. Em 1948, foi designado para

a 3ª curadoria da Capital.

Promovido, por merecimento, para o cargo de promotor público da 4ª

entrância, assumiu a 1ª Promotoria da Capital em janeiro de 1950. Em novembro do

mesmo ano assumiu o cargo de 2º Subprocurador Substituto. Em março de 1953 foi

nomeado 4º Subprocurador-Geral do Estado, sendo a partir de então designado

para representar o Ministério Público de superior instância junto às Câmaras do

Tribunal de Justiça. Em março de 1975, foi nomeado Procurador-geral de Justiça,

cargo que exerceu até 1979. Nomeado em 17 de agosto de 1984 para exercer o

280 De acordo com a entrevista concedida ao periódico Caros Amigos - Ano 09 – Ed. 102, p.26-33, pelo empreiteiro Cecilio do Rego Almeida, o Sr. João Malta de Albuquerque Maranhão foi o responsável pela vinda da família de referido empreiteiro para o estado do Paraná. Segue trecho da entrevista: “Seu pai fazia o quê? Meu pai foi carteiro. Minha mãe era dona de casa, aliás, ótima dona de casa. Aqui, a fotografia de um amigo dele dos Correios, João Malta de Albuquerque Maranhão. Esse João veio antes, com onze filhos. Como era muito amigo do meu pai, escreveu uma carta para que saísse do Norte porque em cem anos a nossa família não teria a oportunidade que o Sul dava. Então, viemos e ficamos hospedados na casa dele, em Curitiba. E hoje essa família é como se fosse minha família, e minha família é como se fosse a família Albuquerque Maranhão”.

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cargo de desembargador do Tribunal de Justiça do Paraná, falecendo em 17 de

junho de 1997281.

Deixaram descendentes: (1) Vera Regina Sales de Albuquerque Maranhão;

(2) Mauro João Sales de Albuquerque Maranhão casado com Lenice Peretti; (3)

Carlos César Sales de Albuquerque Maranhão; (4) Hamilton Luis Sales de

Albuquerque Maranhão que faleceu ao nascer; (5) Edson Luis Sales de Albuquerque

Maranhão; (6) Jandira Sales de Albuquerque Maranhão casada com Anibal Khoury

Filho e (7) Christiane Sales de Albuquerque Maranhão.

Mauro João Sales de Albuquerque Maranhão, foi Procurador do Estado do

Paraná, exercendo o cargo de Procurador-geral do Estado no período entre o biênio

1983-1985282. Casado com Lenice Peretti, filha do engenheiro civil Hugo Peretti

(1915 – 1981), fundador da Construtora Hugo Peretti. Possuem descendentes:

Cristina Peretti de Albuquerque Maranhão, advogada, casada com Ricardo

Crachineski Gomyde, ex-deputado federal, ex-assessor do Ministério do Esporte, ex-

vereador e secretário de Estado do esporte do Paraná.

Jandira Sales de Albuquerque Maranhão casada com Anibal Khoury Filho,

ele filho do casal Anibal Khoury (1924 – 1999), deputado estadual e Presidente da

ALEP e Niva Sabóia Khoury. São filhos do casal acima referido: Aníbal Khoury Neto,

falecido; Alexandre Maranhão Khoury; Daniel Maranhão Khoury e Rodrigo Maranhão

Khoury.

Alexandre Maranhão Khoury, nascido em 09 de abril de 1979. Foi eleito

vereador de Curitiba em 2001, e, atualmente, exerce seu terceiro mandato como

deputado estadual do Paraná, já ocupou a 01ª Secretaria da ALEP. Casado com

Paula Pimentel Mussi, ela filha do casal Luís Mussi e Ivone Pimentel Mussi, neta do

ex-governador Paulo Pimentel. Luís Mussi, concessionário de canal de TV,

Presidente do Jockey Club do Paraná, ex-Secretário da Indústria e Comércio e ex-

assessor especial do Governador Requião. Empresário Paulo Pimentel, que, por sua

vez, era genro de João Lunardelli, dono das maiores propriedades de terras e glebas

no Norte do Paraná283. O deputado é primo da desembargadora do Tribunal de

Justiça do Paraná, Ângela Khury Munhoz da Rocha, casada com o médico Eduardo

281 Informações retiradas do Memorial do Ministério Público do Estado do Paraná. Disponível em: < http://www.mp.pr.gov.br >. Acesso em: 30 de set. de 2012.

282 Informações retiradas da Procuradoria Geral do Estado do Paraná. Disponível em: <

http://www.pge.pr.gov.br >. Acesso em: 30 de set. de 2012. 283 OLIVEIRA, Ricardo Costa de. Famílias, Poder e Riqueza: redes políticas no Paraná em 2007.

p.150-169. ano 9, nº 18, Sociologias, Porto Alegre (RS).

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Munhoz da Rocha, novamente tem-se a união de duas grandes famílias da política

paranaense. A desembargadora iniciou sua carreira nos quadros do Ministério

Público do Paraná, após concluir o curso de Direito na tradicional Universidade

Federal do Paraná. Filha de Nipton Khury, já falecido, era irmão do ex-presidente da

Assembleia Legislativa Anibal Khury.

Thamar Cades Maranhão de Loyola, odontopediatra, casada com Agostinho

Saldanha de Loyola, médico sanitarista, irmão do desembargador Acir Loyola.

Tiveram a seguinte sucessão: Carlos Victor Maranhão de Loyola284, desembargador

aposentado do TJPR, casado com Sônia Gomes. Sueli Eleusis Maranhão de Loyola

casada com Ryszard Rezler. Maria da Glória Maranhão de Loyola casada com

Milton José Furtado, Procurador de Justiça do Estado do Paraná, que são pais do

juiz paranaense César Maranhão de Loyola Furtado.

Jerônimo de Albuquerque Maranhão nasceu em Manaus (AM), em 04 de

agosto de 1925. Ingressou no Ministério Público em janeiro de 1952, como promotor

público da Comarca de São João do Triunfo. Em 1954 foi removido para Palmeira,

após para Mallet, Morretes, Tomazina e Bocaiúva do Sul. Em 1957, foi promovido,

por merecimento, para o cargo de promotor público de 2ª entrância da Comarca de

Araucária. Em 1960, foi elevado à 4ª entrância. Em 1963, foi eleito vereador pelo

P.T.B. da cidade de Araucária, exercendo o cargo cumulativamente com a

promotoria do Júri, em Curitiba. Na Capital, desde 1964, ocupou várias promotorias

e curadorias. Foi promovido, em 1966, ao cargo de 3º promotor de entrância

especial. Nos anos de 1966 a 1968, foi por diversas vezes designado para funcionar

no Tribunal do Júri. Promovido, em abril de 1977, ao cargo de Procurador da Justiça,

integrou o Conselho Superior da Instituição por vários períodos. Em novembro do

mesmo ano, foi nomeado para compor, como membro, o Conselho de Curadores da

Fundação Instituto de Terras e Cartografia – ITC, por quatro anos; em dezembro do

mesmo ano, foi nomeado para o cargo de Diretor da Polícia Civil, da Secretaria de

Segurança Pública, no Governo de Jayme Canet Júnior. Nomeado, em 1979,

Corregedor-Geral do Ministério Público. Em dezembro de 1983, foi nomeado Diretor

284 Filho de Agostinho Saldanha de Louola e Thamar Cades Maranhão de Loyola, nasceu no dia 5 de fevereiro de 1946, em Curitiba (PR). Bacharel em Direito da Universidade Federal do Paraná, turma 1968. Aprovado em concurso público de provas e títulos, foi nomeado, em 23 de junho de 1969, para o cargo de juiz Substituto de Comarca de União da Vitória. Foi presidente do antigo Tribunal de Alçada, em 1994. No dia 3 de fevereiro de 1995 foi promovido para o cargo de desembargador do Tribunal de Justiça em função do falecimento do desembargador Jorge Andriguetto. Aposentou-se apedido em 27 de fevereiro de 1996. Faleceu no dia 25 de junho de 2011, em Curitiba (PR).

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177

Geral da Casa Civil no Governo de José Richa. De 1985 a 1989 exerceu a

procuradoria-geral de Justiça, cargo para o qual foi nomeado a 13 de maio. Faleceu

em 14 de maio de 1995285.

Tiveram sucessores, dentre eles Ricardo Pires de Albuquerque Maranhão,

nascido em Curitiba em 20 de fevereiro de 1958. Formado na Faculdade de Direito

de Curitiba, exerce o cargo de Procurador de Justiça no Estado do Paraná. Casado

com Tereza Cristina de Almeida Camargo; Guilherme de Albuquerque Maranhão

Sobrinho, nasceu em Curitiba em 26 de março de 1962. Formou-se na Faculdade de

Direito de Curitiba, exerce o cargo de promotor de justiça no Estado do Paraná, e é

casado com Denise Vieira.

Silvio de Albuquerque Maranhão (1927 – 2005), nasceu em Manaus (AM),

em 21 de agosto de 1927. Em 1951 ingressou na Faculdade de Direito da

Universidade Federal Fluminense do Rio de Janeiro (RJ), bacharelando-se, em

1956. Em 14 de outubro de 1959 foi habilitado em 1º lugar em Concurso de promotor

de justiça substituto do Estado do Paraná. No dia 16 de dezembro de 1959, foi

nomeado para exercer o cargo de promotor público substituto, no quadro da Justiça

do Paraná. Em 16 de junho de 1970, promovido por merecimento a promotor público

de Entrância Final da Comarca de Curitiba (PR). Exerceu cargo de promotor público

da 2ª Vara Criminal de Curitiba. Foi professor contratado da Faculdade de Direito de

Curitiba (Associação de Ensino Novo Ateneu) na cadeira de Direito Civil. Em 11 de

janeiro de 1980, foi promovido por antiguidade do cargo de 2º Curador de Entrância

Final da Comarca de Curitiba ao cargo de Procurador de Justiça. Em 20 de

dezembro de 1989, foi eleito pelo Colégio de Procuradores, Corregedor-Geral do

Ministério Público. Em dezembro de 1990, eleito pelo Colégio de Procuradores para

o Conselho Superior do Ministério Público. Aposentou-se em 12 de agosto de 1992.

285 Informações retiradas do Memorial do Ministério Público do Estado do Paraná. Disponível em: < http://www.mp.pr.gov.br >. Acesso em: 30 de set. de 2012.

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178

IV.5. Família Cavalcanti de Albuquerque

Os membros da família Cavalcanti de Albuquerque do Brasil descendem de

D. Catarina de Albuquerque, filha de Jerônimo de Albuquerque, casada com o

fidalgo florentino Dom Felipe de Cavalcanti, natural de Florença.

Dessa união foram gerados onze filhos, “troncos de uma linhagem de escol,

surgindo uma das mais tradicionais famílias brasileiras” (BITTENCOURT, 1965,

p.149/370). Alguns membros dessa família juntaram o apelido Arco-Verde, inclusive,

de onde provém em linha reta o Primeiro Cardeal da América do Sul. Dom Joaquim

Arco-Verde de Albuquerque Cavalcanti, também, chamado de Cardeal Arco-Verde.

Nascido em 17 de janeiro de 1850, em Cimbres (PE), era filho de Antônio Francisco

de Albuquerque Cavalcanti e de D. Marcelina Dorotéia de Albuquerque Cavalcanti.

Segundo Francisco Antonio Doria (1994, p.56), é uma família consular

florentina, também aparentada aos Médicis grãos duques e aos Acciaiolis.

Remontando ao século XI, deram alguns intelectuais brilhantes, como Guido

Cavalcanti, companheiro de Dante. O pai de Filippo Cavalcanti (que passou ao

Brasil), Giovanni Cavalcanti era ligado a Savonarola.

Dona Brites, esposa de Duarte Coelho, Donatário da Capitania de

Pernambuco, veio para o Brasil com seu irmão Jerônimo de Albuquerque, também

chamado de “Adão Pernambucano” (1538):

1 – Jerônimo, pai de Antônio Albuquerque Maranhão e mais 34 filhos

(segundo alguns historiadores);

2 – Antônio de Albuquerque Maranhão, pai e Antônia Margarida (1550);

3 – Antônia Margarida, mãe de Braz Teles de Menezes (1580);

4 – Braz Teles, pai de Ana de Menezes (1601);

5 – Ana de Menezes, mãe de Braz Teles de Castro Feio (1620);

6 – Braz Teles de Castro Feio, pai de Ana Cavalcanti de Albuquerque

(1652);

7 – Ana, mãe de Francisco Xavier Cavalcanti de Albuquerque;

8 – Francisco Xavier, pai de Teresa Cavalcanti de Albuquerque;

9 – Teresa, mãe de Antônio Balduino de Albuquerque de Aragão;

10 – Antônio Balduíno, pai de José Balduino de Albuquerque (1809);

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11 – José Balduino, pai de Domingos Jesuino de Albuquerque (1820);

12 – Domingos Jesuíno, pai de Antônio Jesuino de Albuquerque.

De acordo com os dados do arquivo do Tribunal de Justiça do Paraná,

encontram-se algumas informações sobre o desembargador Eudoro Cavalcanti de

Albuquerque, que era filho de Manoel Cavalcanti de Albuquerque e D. Henriquieta

Silveira Cavalcanti de Albuquerque. Nascido em 25 de abril de 1880, em Vitória

(PE), matrimoniou-se com D. Amazília Alves Cavalcanti, irmã de Afonso Camargo286

(OLIVEIRA, 2001, p.314). Bacharelou-se em Direito pela Faculdade de Recife, no

ano de 1903, iniciando sua carreira no estado do Paraná em 1904, no cargo de

promotor de justiça em Cerro Azul (PR). Já em 1906, foi designado para ocupar o

cargo de juiz em Santo Antônio da Platina. Foi nomeado desembargador em 01 de

março de 1929, porém devido à revolução de 1930, foi exonerado. Porém, após

conseguiu revertê-la, ficando em disposição até 1949.

Não se pode deixar de mencionar o presidente do Paraná e Senador, Carlos

Cavalcanti de Albuquerque, apesar de não se conseguir identificar o elo familiar com

as famílias acima citadas. Nascido no Rio de Janeiro em 1864, filho do Major

Inocêncio José Cavalcanti de Albuquerque, morto na Guerra do Paraguai, estudou

na Escola de Cadetes de Porto Alegre e seguiu a carreira de engenheiro militar,

estudando na Praia Vermelha. Oficial de gabinete do governador provisório

Inocêncio Serzedello Correia, em 1890. Casou-se com Francisca, irmã de Caetano

Munhoz da Rocha. Seu filho, o tenente Leo Cavalcanti de Albuquerque se casou

com Sarah, filha de Vicente Machado. Deputado constituinte estadual de 1892,

Deputado Federal em 1900, 1903, 1909. Em 1910 renunciou ao seu mandato de

Deputado Federal, protestando contra a política ferroviária federal, que

supostamente favoreceria Santa Catarina. Presidente do Paraná em 1912. Durante

a sua gestão aconteceu a guerra camponesa do Contestado. Faleceu em 1935.

(NEGRÃO, 1927, v.I, p.240; CARNEIRO e VARGAS, 1994, p.155).

286 Nasceu em Guarapuava em 1873. Formado em Direito por São Paulo em 1894. Promotor Público em Curitiba durante o período federalista, lado do qual era simpatizante. Deputado estadual pela oposição em 1898, 1900. Ainda, em 1908, 1912 e em 1914, quando foi presidente do Congresso Estadual. Vice-presidente do Estado (1908-1912) e (1912-1916). Presidente do Estado em 1916. Deputado Federal em 1921, 1º vice-presidente da Câmara dos Deputados. Senador. Presidente eleito novamente em 1928, sendo deposto pela Revolução de 1930. Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil. (NEGRÃO, v.I, p.450).

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Edgard Cavalcanti de Albuquerque também é membro dessa família, filho de

Herculano Cavalcanti de Albuquerque e D. Emilia Pinto Cavalcanti de Albuquerque,

nascido em Manaus (AM), em data de 04 de abril de 1915. Bacharelou-se em Direito

pela Universidade Federal do Paraná, apesar de ter iniciado o curso na Universidade

de Recife. Ainda no período universitário concorreu ao cargo de diretor do Centro

Acadêmico Hugo Simas, juntamente com Francisco da Cunha Pereira, que mais

tarde tornou-se desembargador do TJPR.

Veio transferido por razões políticas, em data de 24 de junho de 1946, de

João Pessoa (PA), onde ocupava o cargo de Superintendente, ou, na época,

Delegado do extinto IPASE, atual INSS.

Casou-se com D. Celina Nascimento, desse consórcio tiveram ao todo cinco

filhos: José Cássio, Edgard Luiz, Neusa Maria, Antonio Celso e Sebastião Carlos

Fundou seu escritório em Curitiba (PR), no ano de 1948, com o colega Antonio

Patitucci, sendo um dos mais antigos do Paraná. Pelos seus quadros já passaram

vários desembargadores do TJPR, dentre eles: “Savatore Astuti, José Carlos

Amaral, Alfredo Garcindo”287.

Atuou na OAB/PR, primeiramente na secretaria pelo período de quatro anos

e, depois sendo eleito presidente no triênio 1963/1965. Cargo, este que também foi

ocupado pelo seu filho Edgard Luiz Cavalcanti de Albuquerque no triênio 1998/2000.

Membro do IAP – Instituto dos Advogados do Paraná e Presidente do Graciosa288

Country Club de Curitiba em três oportunidades distintas, no triênio 1977/1979,

1983/1985 e 1995/1997, entidade que agrega vários segmentos da elite local.

Casado com Marilu Stellfeld289 Cavalcanti de Albuquerque.

287 Informações retiradas do sítio do escritório Cavalcanti de Albuquerque Advogados Associados. Disponível em: < http://www.cavalcantidealbuquerque.adv.br/historia.php >. Acesso em: 21 de out. de 2012.

288 Disponível em: < http://www.graciosa.com.br/novosite/galeria-do-presidentes >. Acesso em: 21 de out. de 2012.

289 Parente de Augusto Stellfeld, que foi o primeiro farmacêutico de Curitiba. Nasceu em Brunswick, Alemanha, a 31 de agosto de 1817. Em 1848 participou da campanha de independência dos ducados de Schleswig-Holstein. A 15 de novembro de 1848 prestou exame de farmacêutico, sendo aprovado e diplomado. Ingressou no exército do ducado, onde chegou a alferes, depois tenente, participando de vários combates. A 1º de maio de 1851 embarcou, com mais 117 imigrantes, no porto de Hamburgo, na barca "Emma e Luize". Seguiu para São Francisco e, a 12 de julho de 1851 aportou à Colônia Dona Francisca, atual Joinville, onde estabeleceu uma farmácia. A 16 de novembro de 1852, casou com Carlota Kalckmann. Depois de ter se instalado em Paranaguá, mudou-se para Curitiba, onde também instalou a primeira farmácia a 8 de abril de 1857. Foi voluntário da guerra do Paraguai. Exerceu vários cargos públicos. Faleceu em Curitiba a 7 de fevereiro de 1894. Dados mais extensos em Cem anos no Brasil: subsídios para a biografia de Augusto Stellfeld, de autoria de Carlos Stellfeld. (Informação retirada do sítio do Patrimônio Histórico e Museológico de Blumenau (SC). Disponível em: <

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CONCLUSÃO

O presente trabalho teve como ponto de partida buscar investigar um

fenômeno da nossa realidade local e compreender os mecanismos de composição,

formação, reprodução e manutenção de grupos familiares durante várias gerações e

mudanças sociopolíticas na ocupação de postos mais elevados da hierarquia social.

Trata-se de uma estrutura de poder de longa duração290 baseada em

relações de parentesco estabelecida no sistema judicial paranaense ocupando os

mais diversos cargos (Desembargadores, Procuradores de Justiça, magistrados,

advogados, cartorários, Promotores de Justiça e Procuradores do Estado), são

verdadeiras dinastias291 de agentes que ocupam posições dominantes.

Essas elites ocupam as posições de poder político, administrativo,

econômico, militar, cultural, religioso. As elites não consistem unicamente na soma

do conjunto dos grupos ou dos atores que ocupam posições dominantes nos

domínios político, econômico e administrativo e não são apenas uma categoria da

estratificação social; elas propõem modelos de comportamento, possuem sistemas

de valores e interesses, constituem grupos de influência e, à vezes, de pressão.

(SAINT MARTIN, 2008, p.48).

O período colonial tem por característica o domínio da política portuguesa,

da Coroa e das classes dominantes portuguesas. Com o advento da independência,

o poder imperial será dominado pelas grandes propriedades escravista e capital

mercantil exportador, e no período republicano o domínio será exercido pela

burguesia industrial, burguesia comercial e burguesia financeira.

As críticas ao despotismo dos Capitães-Generais no comando das

Capitanias nas últimas décadas antes da Independência foram constantes. Com a

http://www.arquivodeblumenau.com.br/pesquisa.php?busca=&categoria=&id=8365 >. Acesso em: 21 de out. de 2012.

290 Para as grandes famílias da aristocracia e da grande burguesia, a duração no tempo é fundamental. Para se entrar no estreito círculo das elites é necessário aquilo que não se pode adquirir, o tempo. (SAINT MARTIN, 2008, p.57).

291 No que concerne às elites, de um modo geral, rupturas ocorrem somente de forma excepcional, como em 1917 na Rússia; as grandes transformações são raras e, com frequência, trata-se de recomposições que podem ser observadas e analisadas. Se não houve uma ruptura maior no recrutamento e na evolução das elites no período contemporâneo quando das mudanças de maioria política, ou quando das mudanças de presidente da República, não deixamos de observar variações. (Idem, p.62-63).

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Independência e a formação de um Estado mais unitário, a esfera regional fica

controlada, presa e submetida ao poder central. Com a República Velha passa a ser

a esfera de disputa das classes dominantes regionais que formam na nova

federação os seus blocos no poder regional. (OLIVEIRA, 2001, p.348).

Primeiramente, conclui-se após análise empírica que os grupos familiares

estudados constituem uma estrutura social que foi sendo reproduzida ao longo do

tempo e das gerações subsequentes iniciando a partir do período Colonial e do

período Imperial. Isso fica mais evidente quando se analisam as raízes do poder e

constata-se que a ‘família Albuquerque Maranhão’ ocupou cargos de comando

desde o período da colonização. No caso da ‘família Azevedo Portugal’ e a ‘família

Macedo’ desde o período imperial. Essa construção do poder político teve

continuidade durante a República Velha, Estado Novo e chegando até aos dias

atuais. As ‘grandes famílias’ da classe dominante há várias gerações formam

complexas redes sociais, redes políticas e redes econômicas.

Outra conclusão apontada nos dados auferidos remete à grande

propriedade da terra. Ou seja, as três famílias têm sua origem ligada ao domínio da

terra, isto é, detentoras do capital econômico, e articulado a este, o capital simbólico

(prestígio, reputação, fama, etc. (BOURDIEU, 2010, p.134)). A ‘família Albuquerque

Maranhão’, como resultante do processo de conquista militar na região nordeste do

país, em seguida sendo recompensada pela Coroa com uma sesmaria, local onde

foi instalado um engenho de açúcar que perdurou por quase 300 anos. A ‘família

Azevedo Portugal’ tem a mesma origem de conquista militar no Paraná, sendo após,

recompensada com uma sesmaria, onde foi instalada uma grande estância de

criação. Por fim, a ‘família Macedo’ tem origem no engenho de erva-mate no Paraná.

Os elementos coletados também comprovam que ambas as famílias

mantiveram relações com o Estado, isto é, os seus membros estiveram inseridos no

ramo político ocupando cargos na burocracia estatal, ou postos eletivos. Ressalte-se

que a noção de Estado que nos interessa advém do conceito faoriano292, ao

representar o Estado como tolhedor da sociedade subjacente. Vários cargos foram

ocupados pelos membros de referidas famílias, em destaque a ‘família Albuquerque

292 Somente a perspectiva histórica superior à sociedade, emancipado do caudal triturador da história, - este o problema não solvido. Quatro séculos de hesitações e de ação, de avanços e de recuos, de grandeza e de vacilação serão a resposta de um passado teimosamente fixado na alma da nação. Estado e nação, governo e povo, dissociados e em velado antagonismo, marcham em trilhas próprias, num equívoco renomado todos os séculos, em contínua e ardente procura própria. (FAORO, 1991, p.93-94).

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Maranhão’, localizam-se os seguintes cargos, Senador, Alcaide-mor, Deputado

provincial, Deputado estadual, vereador, Governador, Capitão-Mor, juiz municipal,

juiz de órfãos, Ministério Público, Tribunal de Justiça. Na ‘família Macedo’

identificam-se os seguintes postos, juiz de paz, camarista, chefia do Partido

Conservador, Deputado provincial, Presidência da Câmara, Prefeitura, Tribunal de

Contas, Tribunal de Justiça, Reitora, Secretarias. Já a ‘família Azevedo Portugal’

desempenhou as seguintes funções: camarista, juiz de paz, juiz municipal, major,

alferes, Deputado provincial, subdelegado de polícia, Vice-Presidente da Província,

presidente da Assembleia, capitão da Guarda Nacional, Tribunal de Justiça.

Destaque-se que esses cargos comprovam a dinâmica espacial e temporal do

controle do poder realizado por esses grupos familiares.

Outra especificidade das famílias investigadas reside no investimento em

educação, basicamente nas ciências jurídicas e sociais. Em razão de o diploma

exercer uma diferenciação social, ou melhor dizendo, seria um capital simbólico e,

atrelado a este, o capital cultural. Era considerado um título nobiliárquico e, portanto,

estava ligado a um status social de distinção. Em outra perspectiva, a formação

jurídica além da ascensão social, representava não apenas a perspectiva

preparatória para as carreiras de advogado e juiz que já eram bastante valorizadas,

trazia em seu bojo uma formação de cultura geral e que por isso era bastante

estimada. Assim, expandiam-se e ampliavam-se os conhecimentos, tornando-se o

curso aconselhado para aqueles que desejavam seguir a carreira política293. Essa

importância do bacharel vai se refletir na estrutura político-institucional, por exemplo,

na Província paranaense um dos critérios que o candidato precisa preencher para

concorrer a uma vaga na Câmara dos Deputados era ser bacharel (dos 12

deputados, nove eram bacharéis em Direito – 09ª Legislatura da Câmara dos

Deputados)294.

293 A independência provocou a formação de duas gerações distintas de políticos, uma formada em Portugal (Coimbra), a outra formada no Brasil (São Paulo e Olinda/Recife). A primeira dominou os dois primeiros períodos e ainda era importante no terceiro, mas desapareceu totalmente após 1853, isto é, a geração de Coimbra predominou exatamente durante a fase de consolidação política do sistema imperial” (CARVALHO, 2003, p.80).

294 1º - Ser bacharel. Dos 12 deputados, nove eram bacharéis em Direito, categoria central para a burocracia Imperial. Dois eram médicos e apenas um não possuía curso superior. 2º - A preferência por “jovens” adultos (mais de trinta anos e menos de cinqüenta), uma especificação da representação política enviada à Corte através dos genros e filhos dos principais agentes econômicos do Paraná. 3º - Pertencer por nascimento ou casamento ao núcleo central das famílias históricas da classe dominante do Paraná Imperial. Apenas Zacharias de Góes e Vasconcelos, que foi o primeiro

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Assim, o fenômeno do bacharelismo representou uma inserção dos

detentores do capital econômico na política e nos cargos burocráticos, acrescendo à

sua trajetória social o capital político. O capital político é uma forma de capital

simbólico, crédito firmado na crença e no reconhecimento, ou mais precisamente,

nas inúmeras operações de crédito pelas quais os agentes conferem a uma pessoa.

(BOURDIEU, 2010, p.187-188) O capital político é formado por capital cultural,

capital social (redes de relações estabelecidas) e capital econômico. Esse capital

“que se adquire nos aparelhos de sindicatos e partidos transmite-se através de

redes de relações familiares que levam à constituição de verdadeiras dinastias

políticas”. (BOURDIEU, 2011, p.31).

Acrescido a isso, outro ponto de destaque pertinente às famílias

pesquisadas reside na utilização do instituto do matrimônio como estratégia de

reprodução familiar. Trata-se de um importante instrumento utilizado como trunfo

poderoso para acumulação, conservação e transferência de capital entre as classes

dominantes e, com isso, ampliando suas relações de parentesco. Ademais, na

aliança matrimonial ocorre a transmissão do nome de família, elemento primordial do

capital simbólico hereditário, o mesmo é válido a respeito do patrimônio material

(BOURDIEU, 2011, p.131). Para compreender a interação mecânica do parentesco,

poder e fortuna, somente mediante a análise dos enlaces matrimoniais das elites.

Não se pode compreender o modo de funcionamento das elites e a

distribuição do poder sem investigar a família. Na visão bourdieusiana (2011, p.130),

a família é uma das principais condições de acumulação e de transmissão de

privilégios, econômicos, culturais, simbólicos. De fato, a família tem um papel

determinante na manutenção da ordem social, na reprodução da estrutura do

espaço social e das relações sociais. Ela é um dos lugares por excelência de

acumulação de capital sob seus diferentes tipos e de sua transmissão entre as

gerações: ela resguarda sua unidade pela transmissão e para a transmissão295, para

poder transmitir e porque ela pode transmitir.

presidente da Província, e o médico baiano Joaquim Dias da Rocha escaparam desta condição. (OLIVEIRA, 2001, p.158).

295 Há a pluridimensionalidade da riqueza nos grupos que ocupam as posições dominantes e as

famílias mais ricas se caracterizam por uma «obsessão pela transmissão»; eles gerem com vigilância a educação, as alianças matrimoniais dos filhos, os espaços de residência e de encontro, as relações. (Idem, p.57).

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Os diferentes grupos de elites acionam estratégias de reprodução diferentes

através das quais procuram manter, ou melhor, melhorar, sua posição e a de seus

filhos na estrutura social (estratégias de fecundidade, estratégias educativas,

matrimoniais, de sucessão). (SAINT MARTIN, 2008, p.57).

Assim ao se adotar a teoria sistêmica e relacional de Bourdieu para

demonstrar a lógica da dinâmica social das classes dominantes, ou seja, o processo

de formação, composição, reprodução e consolidação desse grupo familiar durante

várias gerações, abre-se um caminho promissor para entendê-las. Para tanto,

retomar-se-ão as principais categorias analíticas da sociologia bourdieusiana,

capital, habitus, campo e espírito de família.

Para Bourdieu, os recursos utilizados como mecanismos de dominação

chamam-se capitais, e estes capitais derivam das várias esferas de poder: cultural,

político, econômico, simbólico e social. Eles podem ser acumulados pelo indivíduo

ou grupo de indivíduos ao longo de sua trajetória social ou advindos da herança

familiar que lhes assegura uma posição no terreno social (campo). Logo, a posição

de mais ou menos privilégio na estrutura social (campo) teria relação direta com o

volume global do seu capital e a composição do seu capital. Portanto, quanto maior

a quantidade de capital conservado e a diversidade de espécie deste capital maior

seria o privilégio deste indivíduo ou grupo de indivíduos no terreno social (campo).

Compreende-se por campo como sendo um sistema de relações sociais que

estabelece como legítimos certos objetivos, que assim se impõem ‘naturalmente’

aos agentes que dele participam. Esses agentes, por sua vez, interiorizam o próprio

campo, incorporando suas regras, também de maneira ‘natural’, em suas práticas (o

que Bourdieu chamada habitus)296.

Este capital pode ser investido pelos indivíduos em diferentes mercados

(econômico, trabalho, cultural, escolar, matrimonial) de forma a avalizar sua

ampliação e agregação, ou, simplesmente fortalecer os que já possuem buscando a

conservação do seu domínio.

Por esta via, a intenção é mostrar o processo histórico das lutas entre

classes e grupos sociais, responsável pela imposição de uma cultura particular.

Ademais, seria um espaço de conflito entre os agentes encarregados de produzir,

veicular e consumir um certo tipo de bem. (MICELI, 2011, LIV). Ou seja, a estratégia

296 MIGUEL, Luís Felipe. Capital político e carreira eleitoral: algumas variáveis na eleição para o congresso brasileiro. Revista de Sociologia e Política, n.º 20, june, Curitiba: 2003.

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de preservação do poder está na articulação e diversidade desses capitais em cada

momento histórico, ou seja, no entendimento de Saint Martin (1995, p.1024)

somente com a acumulação de diferentes espécies de capital garante proteção

contra a desclassificação ou o declínio social.

Nessas lutas são levadas a efeito estratégias não conscientes, que se

fundam no habitus individual e dos grupos em conflito. Os determinantes das

condutas individual e coletiva são as posições particulares de todo agente na

estrutura de relações. A dinâmica social no interior de cada campo é regida pelas

lutas em que os agentes procuram manter ou alterar as relações de força e a

distribuição das formas de capital específico.

Isto é, o habitus seria a socialização familiar, ou, melhor dizendo, as marcas

de sua posição social, hereditariedade do poder, os símbolos que a distinguem e

que a situam na hierarquia das posições sociais, as estratégias de ação e de

reprodução que lhe são típicas, as crenças, os gostos, as preferências que a

caracterizam; em resumo, as propriedades correspondentes a uma posição social

específica são incorporadas pelos sujeitos tornando-se parte de sua própria

natureza. (NOGUEIRA, 2009, p.26).

Assim, pode-se concluir que referidas famílias para legitimar a sua posição

de domínio, constituindo a sua estrutura de poder, souberam acumular e

diversificar297 os capitais no transcorrer das gerações298, o que parece ser um trunfo

decisivo. Logo, diante do histórico familiar inicialmente apresentado constata-se que

o capital econômico originariamente acumulado pelas famílias ou advindos da

herança familiar foi reconvertido299 de acordo com as modificações da realidade

sociopolítica e mobilizados para outras esferas de poder, no caso política, cultural,

297 Capital econômico: posse da terra, investimentos, capitanias hereditárias, sesmarias, morgadio, engenho de açúcar, engenho de erva-mate, pecuária, ações, rendimentos, lucros; Capital social: laços de amizade com a Coroa, parlamento, patentes, relações de parentesco e outras cuidadosamente cultivadas, compadrio, casamento, rede de pertença, ocupação de cargos nas instituições burocráticas e corporações profissionais do estado; Capital cultural: diploma, saber, conhecimento, bacharelismo, título escolar; Capital Simbólico: títulos nobiliárquicos, patentes, fama, reputação, notoriedade, prestígio e status social. Capital Político: donatário, camarista, Deputado de Província, Governador, Secretário de Segurança, Senador, Presidente de Província, Cardeal.

298 Essas dinastias se caracterizam pelo acúmulo das diferentes espécies de capitais: capital econômico, escolar, cultural, social, poder simbólico. (SAINT MARTIN, 2008, p.57).

299 As reconversões são o conjunto das ações e reações permanentes através das quais cada grupo social se esforça em manter ou mudar sua posição na estrutura social, e se traduzem em deslocamentos no espaço social de atores ou de grupos de atores, provocados por grandes transformações políticas (queda do muro de Berlim) ou mais estruturais (transformação das formas de propriedade, dos modos de reprodução), com o abandono de posições estabelecidas e o ingresso em novos setores. (SAINT MARTIN, 2008, p.65).

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militar, social e simbólica. Assim, o capital econômico foi reconvertido para capital

escolar/cultural ou, o capital político em capital econômico ou, o capital

escolar/cultural em capital social (rede de relações sociais).

Por fim, em razão do volume global do capital que possuem e diante da

diversidade de espécies referente à composição desse capital, maior será o

privilégio deste indivíduo ou grupo de indivíduos no terreno social (campo). Portanto,

ocupando posição de domínio em face dos demais grupos ou classes durante

diferentes gerações e responsável pela imposição de uma cultura particular. Por

conseguinte, essas famílias permanecem influenciando o sistema judicial

paranaense e decorrem de uma construção e acúmulo de posições de destaque por

longo período, tanto que as novas gerações que estão herdando o capital familiar

acumulado já estão ocupando e realimentando os postos de domínio de suas

famílias.

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REFERÊNCIAS

ABREU, João Capistrano de. Capítulos de História Colonial (1500 – 1800). 4. ed.,

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ADORNO, Sérgio. Os aprendizes do poder: O bacharelismo liberal na política

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