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Pede-se permuta

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Pede-se permuta

A REVISTA ATITUDE - Construindo Oportunidades tem por fi nalidade a produção e a divulga-ção do conhecimento nas áreas das ciências aplicadas produzido particularmente pelo seu corpo docente e colaboradores de outras instituições, com vistas a abrir espaço para o intercâmbio de ideias, fomentar a produção científi ca e ampliar a participação acadêmica na comunidade. O Conselho Editorial reserva-se o direito de não aceitar a publicação de matérias que não estejam de acordo com esses objetivos. Os autores são responsáveis pelas matérias assinadas.

É permitida a cópia (transcrição) desde que devidamente mencionada a fonte.

Endereço para permuta:Rua Mal. José Inácio da Silva, 355 Passo D’Areia - Porto Alegre - RS

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Porto Alegre, 2010

REVISTA ATITUDE – Construindo Oportunidades Periódico da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre - Ano IV - Nº 7 - Janeiro a Junho de 2010 Porto Alegre - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre.

ISSN 1809-5720

Diretor/DirectorProf. Dr. Pe. Marcos Sandrini - [email protected]

Editor/EditorProf. Dr. Marco Antonio Fontoura Hansen - [email protected]

Comissão Editorial/Editorial BoardProfa. Dra. Aurélia Adriana de Melo - [email protected]

Prof. Ms. José Nosvitz Pereira de Souza - [email protected]. Dr. Luís Fernando Fortes Garcia - [email protected]

Prof. Ms. Luiz Dal Molin - [email protected]. Dr. Marco Antonio Fontoura Hansen - [email protected]

Comissão Científi ca/Scientifi c CommitteeAvaliadores ad-hoc/Ad-hoc reviewers

Prof. Ms. Aécio Cordeiro Neves (FDB/Porto Alegre, RS)Profa. Dra. Angela Beatrice Dewes Moura (FDB/Porto Alegre, RS)

Prof. Dr. Bachir Hallouche (UNISC/Santa Cruz do Sul, RS)Profa. Ms. Beatriz Stoll Moraes (FDB/Porto Alegre, RS)

Pesq. Ms. Camila Cossetin Ferreira (INPE-CRS/Santa Maria, RS)Prof. Dr. Carlos Garulo (IUS/Roma, Itália)

Prof. Dr. Erneldo Schallenberger (UNIOESTE/Cascavel, PR)Prof. Dr. Fábio José Garcia dos Reis (UNISAL/Lorena, SP)

Prof. Dr. Friedrich Wilherm Herms (UERJ/Rio de Janeiro, RJ)Prof. Dr. Geraldo Lopes Crossetti (FDB/Porto Alegre, RS)

Prof. Dr. José Néri da Silveira (FDB/Porto Alegre, RS)Profa. Dra. Letícia da Silva Garcia (FDB/Porto Alegre, RS)

Pesq. Dr. Manoel de Araújo Sousa Jr. (INPE-CRS/Santa Maria, RS)Prof. Dr. Pe. Marcos Sandrini (FDB/Porto Alegre, RS)Profa. Dra. Marisa Tsao (UNILASALLE/Canoas, RS)

Prof. Dr. Nelson Luiz Sambaqui Gruber (UFRGS/Porto Alegre, RS)Prof. Dr. Osmar Gustavo Wöhl Coelho (UNISINOS/São Leopoldo, RS)

Pesq. Ms. Silvia Midori Saito (INPE-CRS/Santa Maria, RS)Prof. Dr. Stefano Florissi (UFRGS/Porto Alegre, RS)

Pesq. Dra. Tania Maria Sausen (INPE-CRS/Santa Maria, RS)Profa. Ms. Viviani Lopes Bastos (UCS/Caxias do Sul, RS)

Publicação e Organização/Organization and PublicationRevista Atitude - Construindo Oportunidades

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Revisão:Cristiane Billis – MTb 26.193

Os artigos e manifestações assinados correspondem, exclusivamente, às opiniões dos respectivos autores.

Revista Atitude - Construindo Oportunidades – Revista de Divulgação Científi ca da FaculdadeDom Bosco de Porto Alegre

Ano IV, Volume 4, número 7, jan-jun 2010 – ISSN 1809-5720

Sumário

Apresentação ...................................................................................................................... 7

CIÊNCIAS SOCIAIS E APLICADAS ................................................................................... 9

1. John Rawls: uma análise da antropologia, da sociedade e da justiça ................... 11 Adroaldo Junior Vidal Rodrigues

2. Considerações sobre o controle político da administração pelos parlamentos .... 19 Dr. Gustavo Vicente Sander

3. O uso de hipóteses na construção do conhecimento científi co .............................. 27 Walter Guilherme Hütten Corrêa

4. Infl uência dos elementos linguísticos contextualizadores na compreensão leitora por acadêmicos de administração ................................................................... 33 Maria Cristina dos Santos Martins e Tanise dos Reis

5. O poder de controle nas sociedades anônimas brasileiras........................................ 47 Prof. Dr. Silvio Javier Battello Calderon

6. Repensando a mídia ..................................................................................................... 67 Dr. Osvaldo Biz

CIÊNCIAS TECNOLÓGICAS .............................................................................................. 73

1. Uso de telhados verdes no controle quantitativo do escoamento superfi cial urbano ......................................................................................................... 75 Andréa Souza Castro e Joel Avruch Goldenfum

2. Tratamento de chorume de aterro empregando a drenagem ácida de minas como fonte de ferro para a reação de Fenton ............................................ 83 R.M.S. Fagundes, J.C.S.S. Menezes, I.A.H. Schneider

3. Hidrólise ácida, alcalina e enzimática ......................................................................... 89 Carlos Atalla Hidalgo Hijazin, Aline Tonial Simões, Diogo Rhoden Silveira

4. Comparativo entre os métodos de custeio por absorção e custeio baseado em atividade - a importância da escolha do método em uma indústria .................. 95 Filipe Martins da Silva, Marco Antônio dos Santos Martins, Frederike Monika Budiner Mette

ApresentaçãoA Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre faz parte de um núcleo maior chamado IUS, ou

seja, Instituições Salesianas de Educação Superior. Presente nos cinco continentes, seu ob-jetivo é criar redes a partir da missão comum. Não se trata de uma organização, mas de um movimento sinérgico em torno do ideal de Dom Bosco (1815-1888) de acolher e promover as novas gerações.

É dentro deste esforço e desta visão maior que se coloca esta Revista. Ela abre possibilidade a profi ssionais para divulgar suas refl exões e pesquisas. Aqui há intuições de educadores e educandos... Publicada semestralmente com muita fi delidade, mantém uma linha editorial de acolher transdisciplinarmente o que for importante para promover a cidadania dentro de cada uma das áreas de abrangência de sua atuação.

Da área de ciências sociais aplicadas temos seis artigos.

Adroaldo Junior Vidal Rodrigues, jovem professor, aprofunda as concepções de John Rawls numa visão muito crítica sobre suas concepções éticas.

Gustavo Vicente Sander, numa época de consolidação da democracia brasileira, contribui especialmente projetando a atuação do parlamento, no que é e no que deveria ser, para con-trole político da administração. Este estudo é importante, sobretudo nesta época de descrédito do parlamento e dos políticos.

Walter Guilherme Hütten Correa, docente de metodologia científi ca, aborda o tema complexo das hipóteses na construção do conhecimento científi co.

Maria Cristina dos Santos Martins, também docente de metodologia científi ca, sempre atenta à docência efi ciente e efi caz, constrói um texto a partir de uma pesquisa realizada com acadêmicos do curso de Administração da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. Seu ob-jetivo é comparar acadêmicos ingressantes e acadêmicos concluintes sobre a compreensão dos mesmos textos.

Osvaldo Biz, batalhador na leitura crítica dos Meios de Comunicação Social, apresenta alguns elementos para um repensar da mídia, sobretudo em nosso país com grande concen-tração de poder nas mãos de poucas famílias. Aí avulta a necessidade de educar consumidores de comunicação críticos e criativos.

Sílvio Calderón, pesquisador competente, compenetrado e perseverante, aborda a complexa questão do controle nas sociedades anônimas brasileiras. A partir de uma visão comparatista, se analisa a regulamentação legal do instituto, a distinção com o direito de propriedade e as diversas formas ou espécies de controle societário.

Da área de ciências tecnológicas temos quatro artigos. Andrea Souza Castro e Joel Avruch Goldenfum, jovens doutores, preocupados com a sustentabilidade e responsabilidade ambien-tal, aprofundam o tema do uso de telhados verdes no controle quantitativo do escoamento superfi cial urbanos.

Carlos Atalla Hidalgo Hijazin, docente de nossa Faculdade, acompanhou um projeto de

iniciação científi ca com os acadêmicos Diogo Rhoden Silveira e Aline Tonial Simões. O tema foi a questão da hidrólise. O grau de pesquisa e o de aprofundamento do tema são apenas citados no artigo. Maiores aprofundamentos só consultando os autores.

Rosângela M. S. Fagundes, J. C. S. S. Menezes e I. A. H. Schneider aprofundam a questão do tratamento de chorume de aterro numa região coureiro calçadista do Rio Grande do Sul. Não é mais possível conviver com tanta poluição e, ao mesmo tempo, não é mais possível desperdiçar tanta possibilidade de aproveitamento de resíduos. O artigo é um apelo e uma indicação nesta direção.

Filipe Martins da Silva, Marco Antonio dos Santos Martins e Frederike Monika Budiner Mette procuram comparar duas metodologias de alocação de custos para satisfazer suas necessida-des de gestão de estoques, de modernização do processo produtivo e redução de desperdícios.

Nossa Revista não é monotemática, mas interdisciplinar. Ela foi feita com muita garra e determinação na certeza de que somos novos como instituição, mas participamos de uma Rede de Educação Superior mais que centenária. Nosso objetivo é educar as novas gerações na dimensão da cidadania ativa e empreendedora. Daí nosso nome, Atitude, construindo oportunidades.

Conselho Editorial da Revista Atitude – Construindo Oportunidades

Ciências Sociais e Aplicadas

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Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010

John Rawls: uma análise da antropologia, da sociedade e da justiça

Adroaldo Junior Vidal Rodrigues1

Resumo: O artigo aborda a teoria da justiça do jusfi lósofo norte-americano John Bordley Rawls. Num primeiro momento, descreve-se sua obra a partir de três elemen-tos: a antropologia, a sociedade e a justiça. Num segundo momento, apresenta-se algumas críticas a cada um desses elementos, utilizando-se da corrente chamada comunitarista, destacando Alasdair MacIntyre, Michael Sandel e Charles Taylor.

Palavras-chave: John Rawls, Liberalismo, Comunitarismo, Alasdair MacIntyre.

Abstract: The aim of this article is to discuss the theory of justice of North-American John Bordley Rawls. Firstly, it is described his work from three elements: anthropology, society and justice. Secondly, it is presented some criticism to each of those elements, using communa-lism theory of Alasdair MacIntyre, Michael Sandel and Charles Taylor.

Key-words: John Rawls, Liberalism, Comunitarism, Alasdair MacIntyre.

IntroduçãoO presente trabalho possui como objetivo

geral explorar as relações entre a concepção de ser humano, sociedade e justiça de John Rawls, sendo dividido em dois momentos. Primeiro, verifi caremos que a antropologia rawlsiana corresponde ao autointeresse, a sociedade liberal à neutralidade e a justiça liberal à imparcialidade.

Para isso, utilizamos a leitura da obra Uma Teoria da Justiça como principal guia para a extração dos conceitos de Rawls, muito embora, e com certa frequência, invocamos outras de suas produções, não só para complementar o sentido de seu pensamento como também, para termos uma visão geral sobre seus escritos.

Optamos por elaborar uma refl exão a partir da seguinte problemática, cristalizada pela interrogação: a teoria da justiça de John Rawls é realmente capaz de constituir

uma sociedade justa? Para testarmos a viabilidade dessa interrogação invocaremos a tese contrária, chamada de comunitarista, e que será ilustrada, aqui, por Alasdair MacIntyre, Michael Sandel e Charles Taylor. Por óbvio, um diálogo se formará – o que acreditamos ser benéfi co para a ponderação sobre a teoria de Rawls.

Este trabalho possui dois objetivos específi cos: um, expor alguns argumentos presentes nas discussões entre liberais e comunitaristas, tendo em vista a contribuição ao adolescente do debate brasileiro sobre esse tema; dois, fomentar estudos em torno da teoria da justiça (que é um tema vinculador das disciplinas de fi losofi a do direito, fi losofi a política e ética), contribuindo, assim, para a interdisciplinaridade dos estudos sobre as ciências jurídicas. A metodologia aplicada é a própria da pesquisa fi losófi ca, qual seja, a análise conceitual.

1 Mestre em Teoria Geral do Direito pela UFRGS. Professor de Filosofi a do Direito na Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. Membro do Instituto Brasileiro de Filosofi a do Direito (IBFD).

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1. A Teoria da Justiça de John Rawls – Análise

1.1. A Antropologia Rawlsiana

Sem individualismo não há liberalismo.Norberto Bobbio

Os indivíduos, dentro do modelo de socie-dade proposto por Rawls, necessariamente vão buscar os seus interesses. Isso fi ca evi-dente quando nas primeiras páginas da sua teoria da justiça, Rawls considera que: “se a inclinação dos homens ao interesse próprio torna necessária a vigilância de uns sobre os outros, seu sentido público de justiça torna possível a sua associação segura.” (RAWLS, 1997, p. 5). Assim, o autointeresse torna a justiça necessária e esse sentido de justiça torna-a possível.

A teoria liberal de Rawls não engloba a todos ou a felicidade do maior número pos-sível, como é para o utilitarismo; ao contrá-rio, prioriza o homem na sua individualidade. Nesse contexto, ainda que haja uma “asso-ciação segura” entre os homens, é indubitá-vel que os proveitos buscados por cada um visam a vantagens para si próprios.

O liberalismo rawlsiano é tão dependente dessa concepção de homem “onde os indi-víduos buscam os seus fi ns particulares de modo competitivo” (BARZOTTO, 2001, p. 141) que, sem esta, a teoria se descaracte-rizaria completamente. Ou seja, a sociedade liberal e o papel da justiça principalmente, que será tratado mais adiante, seriam muti-lados, tendo em vista que somente poderão ser compreendidos a partir de uma linha de raciocínio que se inicia com a compreensão desta concepção antropológica.

Para John Rawls, ao contrário, o homem é apenas “associal”, isto é, tem sua identida-de extraída à margem da sociedade. Neste contexto, devemos considerar dois pontos importantes. Um é que o restante dos ho-mens deve ser ignorado, porque não trariam benefício algum ao “meu” interesse. O outro é que se “eu” me aproximar de alguém, será para usá-lo como meio para atingir o fi m que quero.

Diante desta visão liberal de homem, Norberto Bobbio dispõe que essa possibili-dade de eleger valores de per si, fomenta a quebra de padrões objetivos quando pensa que “esta defesa da autonomia moral do in-

divíduo provoca uma concepção de relati-vismo [...]” (BOBBIO, 1997, p. 701). Se as escolhas morais dos indivíduos causam um relativismo é natural que eles estejam em constante confl ito e, por isso, o altruísmo seja substituído pelo seu avesso.

Outra característica igualmente impor-tante da concepção antropológica de Rawls é o modo como o indivíduo é defi nido den-tro da sociedade liberal, a saber, a priori. O indivíduo é defi nido sem se levar em conta os bens que elege para sua boa vida. Em outras palavras, são considerados de um modo atomista e possuem uma igualdade que é compartilhada de maneira absoluta entre todos os membros que compõem a sociedade.

Para Rawls, o homem é caracteriza-do de modo alheio à proposta de vida de cada um, ou seja, não há importância se, por exemplo, Tiago é membro de um parti-do político “x”, possui determinado emprego e família. Os bens que Tiago escolhe para sua vida são infecundos para a formação da identidade liberal.

Nesse aspecto, o comunitarista Michael Sandel afi rma: “o ‘eu’ é anterior aos fi ns que busca.” Na sua teoria, John Rawls é explíci-to em considerar que o ser humano rompe com a sociedade, tornando-o um ser alheio e pontuando a diferença entre eles, quando diz que: “a aplicação consistente do prin-cípio da oportunidade equitativa exige que consideremos as pessoas independente-mente das infl uências de sua posição so-cial.” (RAWLS, 1997, p. 568).

Assim, existindo confl itos de interesses na sociedade liberal, dada a concepção de homem já trabalhada acima, resta-nos fa-zer uma análise sobre a concepção de so-ciedade e descobrir como ela é, tendo em vista que uma é a sequência lógica da ou-tra. Nas palavras de Rawls: “Assim sendo, desde o começo, a concepção de pessoa é considerada parte de uma concepção de justiça política e social [...]” (RAWLS, 2000, p. 36). Para, por fi m, chegarmos à análise da sociedade liberal.

1.2. A Sociedade LiberalA sociedade liberal deve ser concebida

como se um mercado fosse, porque a sua antropologia individualista forja um dissenso sobre a concepção de vida boa.

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A sociedade deve ser neutra para que cada indivíduo busque de forma competitiva com relação aos outros os bens que escolheu para a realização da sua concepção particular de vida boa.

E, essa ausência de consenso sobre o plano racional de vida ocorre devido ao pluralismo de valores que é inerente a cada pessoa. Nesse sentido, pensa Rawls: “Como consequência disso, os indivíduos não só têm planos de vida diferentes, mas também existe uma diversidade de crenças fi losófi cas e religiosas, e de doutrinas políticas e sociais.” (RAWLS, 1997, p. 138)

Então o justo para o liberalismo rawlsiano será que a sociedade forneça, de maneira neutra, elementos para que cada cidadão cristalize a sua felicidade plena. A ideia de Rawls é que: “por exemplo, podemos pensar que a justiça igual signifi ca que a sociedade deve oferecer a mesma contribuição proporcional para que cada pessoa realize o melhor plano de vida que é capaz de formular.” (RAWLS, 1997, p. 566)

Dado que a sociedade forneça determinados bens de forma igual e imparcial para cada pessoa, “fi ca obviamente a cargo do próprio agente decidir o que ele mais quer e julgar a importância comparativa de seus vários objetivos”. (RAWLS, 1997, p. 461)

Nessas circunstâncias, a questão da felicidade e do bem fi cam atrelados ao sucesso da realização do plano racional de vida de cada ser humano nesta sociedade. John Rawls os defi niu, respectivamente, deste modo: “um homem é feliz quando é mais ou menos bem-sucedido na maneira de realizar seu plano.” (RAWLS, 1997, p. 98)

Por óbvio, a sociedade liberal não possui uma fi nalidade, um bem que lhe é próprio, ao passo que cada cidadão elege para si o que julga ser o melhor para estruturar o seu projeto de vida desejável. Assim, John Rawls no seu livro que leva em consideração a globalização, é explícito, caso haja alguma dúvida: “a resposta é que uma sociedade liberal com regime constitucional não tem, como sociedade liberal, uma concepção abrangente do bem. Apenas os cidadãos e associações dentro da sociedade cívica no caso nacional possuem tais concepções.” (RAWLS, 2001, p. 44.)

Diante disso, surge uma questão inquietante: como os cidadãos vão construir

a sua concepção de boa vida, já que cada um possui uma diferente da outra? Rawls, então, utiliza a seguinte ferramenta para poder dar conta desse problema: os chamados bens primários – que visam satisfazer as necessidades mínimas de qualquer projeto de vida. Logo, esses bens primários ajudam, quando não contribuem muito, dependendo do plano racional de vida, para a implementação da felicidade de cada indivíduo. É como se fosse um aparato indispensável para se poder desenvolver um estilo de vida.

E quais são esses bens? Rawls os chama, também, de “valores sociais” e que devem ser distribuídos de forma igualitária entre todos os membros da sociedade liberal. Há duas passagens claras em Uma Teoria da Justiça que abordam esta questão, e cremos, uma complementa a outra. A primeira é quando Rawls diz que: “Para simplifi car, suponhamos que os principais bens primários à disposição da sociedade sejam direitos, liberdades e oportunidades, renda e riqueza.“ (RAWLS, 1997, p. 66) John Rawls destaca, ainda, os “bens naturais” (que fi cam à margem do controle pretendido por sua teoria) que são: a saúde e o vigor, a inteligência e a imaginação. E a segunda passagem do livro é esta (que sublinha um dos bens primários como de vital importância): “o fato de a liberdade e a oportunidade, a renda e a riqueza, e, acima de tudo, a autoestima, serem bens primários deve realmente ser explicado pela teoria restrita”. (RAWLS, 1997, p. 480)

Com essa visão é impossível haver qualquer perspectiva comunitária e, além disso, esta hipótese é negada por Rawls quando diz literalmente que: “em resposta, dizemos que a justiça como equidade abandona, de fato, o ideal de comunidade política [...]”. (RAWLS, 2000, p. 250)

1.3. A Teoria da JustiçaA justiça liberal é entendida como imparcia-

lidade. E isto ocorre porque a antropologia que subjaz a ela é apriorística, não sendo defi nida pela adesão a um bem específi co. Ou seja, é concebida numa ótica de imparcialidade, bem como a sociedade liberal que é neutra, assim é natural que a justiça em Rawls também a seja.

Ademais, para registrar de forma explí-cita este ponto (em que a justiça liberal é derivada de uma concepção antropológica

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autointeressada), vejamos as suas palavras: “Podemos supor, portanto, que a mais estável concepção de justiça é aquela que é evidente para o nosso entendimento, congruente com o nosso bem, e fundada não na abnegação, mas na afi rmação do eu.” (RAWLS, 1997, p. 554)

Esta visão de que a concepção de homem liberal conduz a tal concepção de justiça é compartilhada, da mesma forma, por José Nedel, quando afi rma que: “traz no âmago a ideia de imparcialidade, porquanto as partes elegem os princípios através de procedimento imparcial.”

Outro ponto sobre a teoria da justiça de Rawls é a construção do seu fundamento sob a guarda de princípios. No Liberalismo Político, Rawls afi rma que: “Na justiça como imparcialidade, alguns desses grandes valo-res – os valores da justiça – são expressos pelos princípios de justiça para a estrutura bá-sica – entre eles, os valores de igual liberdade política civil.” (RAWLS, 2000, p.185)

Mas como são estabe-lecidos estes princípios de justiça? Como eles adquirem forma na sociedade liberal? A partir do que Rawls chama de “posição original” e, através do contratualismo. Rawls de-fi ne a posição original como sendo o “status quo inicial apropriado para assegurar que os consensos básicos” possam ser concretizados de uma forma equitativa.

Então, essa convenção possui a intenção de iniciar o pensamento, as construções das questões relativas à teoria da justiça, entendi-da de uma forma imparcial. E o contratualismo é liame da posição original. Trata-se de uma espécie de reedição do contratualismo de Jean-Jacques Rousseau, Immanuel Kant e John Locke. E Rawls deixa claro tal inspira-ção quando diz que: “explico a partir do que dissemos, é claro que a posição original deve ser considerada um artifício de representação e, por conseguinte, todo acordo estabelecido pelas partes deve ser visto como hipotético e a-histórico.” (RAWLS, 2000. p. 67)

No entanto, para que esse acordo social seja feito de tal forma que conduza a uma justi-ça imparcial, é necessário que os participantes estejam num pé de igualdade; isso quer dizer que se deve excluir desde as desigualdades

sociais aos dons naturais. Observa Rawls, so-bre a situação em questão, que a efetividade da posição original deve situar os participantes num ponto de partida igual.

Entra aí o véu de ignorância, que tem a fi nalidade de congelar as pessoas numa situ-ação de igualdade. Nas palavras do próprio Rawls: “e o que chamei de ‘véu de ignorância’ signifi ca que as partes não conhecem a po-sição social, ou a concepção do bem (seus objetivos e vínculos particulares), ou as capa-cidades e propensões psicológicas realizadas, e muito mais, das pessoas que representam”. (RAWLS, 2000, p. 359)

Postos os cidadãos num âmbito de igual-dade, cabe agora extrair os princípios. Só que estes princípios são buscados através de uma norma chamada de maximim, que consiste em colher a pior proposta entre as melhores, mas a melhor entre as piores. Rawls põe nestes termos: a regra maximim determina que clas-sifi quemos as alternativas em vista de seu pior

resultado possível: devemos adotar a alternativa cujo pior resultado seja superior aos piores resultados das outras.

Depois de passar por essas etapas temos, por fi m, os princípios que vão esta-belecer a justiça imparcial. Mais que isso, vão permear a vida de cada indivíduo, já que será a principal (senão a única) observação que deve

ser respeitada.São dois os princípios da justiça, sendo o

segundo dividido em duas partes: o primeiro diz que cada indivíduo deve ter direito a uma igual liberdade básica ou que “cada pessoa deve ter um direito igual ao mais abrangente sistema total de liberdades básicas iguais que seja compatível com um sistema semelhante de liberdades para todos” (RAWLS, 1997, p. 333); o segundo prevê que as desigualdades sociais e econômicas devem satisfazer duas condições. A primeira, é que traga o maior benefício possível para os menos favorecidos; a segunda, que “sejam vinculadas a cargos e posições abertos a todos em condições de igualdade equitativa de oportunidades”. (RAWLS, 1997, p. 333)

Igualmente importante para a aplicação dos princípios é a obediência à ordem léxica, ou seja, ao fato de que o primeiro princípio

A regra maximim determi-na que classifi quemos as alternativas em vista de seu pior resultado pos-sível: devemos adotar a alternativa cujo pior resul-tado seja superior aos pio-res resultados das outras.

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possui superioridade em relação ao segundo e a primeira parte do segundo tem preferên-cia à segunda parte. Esses são, enfi m, os princípios de justiça necessários para uma teoria da justiça liberal. Cremos que com isso temos as principais passagens das obras de Rawls para cristalizar uma visão unitária de seu pensamento.

2. A Teoria da Justiça de John Rawls – Crítica

2.1. A Antropologia RawlsianaComo vimos antes, para a antropologia

liberal rawlsiana, o indivíduo é um ser autointeressado, e a justiça somente é invocada para efetivar o interesse de cada um. Vejamos como Rawls descreve essa relação do indivíduo com a justiça: “Cada membro da sociedade é visto como possuidor de uma inviolabilidade fundada na justiça, ou, como dizem alguns, no direito natural, que nem mesmo o bem-estar de todos os outros pode anular.” (RAWLS, 1997, p. 30).

Assim, percebemos que o interesse de cada pessoa “fundada na justiça”, ou como diria Ronald Dworkin, os “trunfos” que o indivíduo possui e que podem ser invocados contra a sociedade, determinam a exclusão dos interesses de outras pessoas, a partir de uma perspectiva do “meu” em contraposição ao “teu”. Nas palavras de Michael Sandel: “Este supuesto se parece supercialmente a um presupuesto psicológico – estipula que las partes no tienen interes em los intereses de las demás [...]”. (SANDEL, 2000, p. 77)

Isso quer dizer que a justiça liberal disponibiliza ao indivíduo uma proteção que tem extensão não só contra outra pessoa que venha a violar seus direitos, como também, contra todos, ou seja, a própria sociedade. Vejamos outra afi rmação de Sandel: “La justicia tiene primacía sobre los demás valores porque sus princípios se derivan independientemente” (SANDEL, 2000, p. 77).

As circunstâncias da justiça podem conduzir a uma total exclusão de valores fraternos e contribuir para a formação de indivíduos egoístas racionais. Eis o que afi rma Sandel: “[...] introducen um sesgo individualista, y que rechazan o desvirtúan de alguna manera motivos tales como la benevolência, el altruísmo y los sentimientos comunitários” (SANDEL, 2000, p. 77).

Esses direitos individuais são

considerados muito importantes, a ponto de serem opostos a todos os outros membros da sociedade. Ocorre que nem sempre haverá um ambiente de harmonia. Macintyre diz: “Naturalmente, ocorre frequentemente que as preferências de indivíduos e de grupos de indivíduos diferentes entram em confl ito”.

Então, o indivíduo posto numa ordem liberal para saber como deve agir, com o intuito de concretizar a sua vida feliz deve fazer a seguinte pergunta: Qual regra eu devo seguir? Rawls escreveu em Uma Teoria da Justiça sobre a relação entre os princípios e o homem: “na interpretação contratualista, tratar os homens como fi ns em si mesmos implica, no mínimo, tratá-los de acordo com os princípios com os quais eles consentiram em uma posição original de igualdade” (RAWLS, 1997, p. 195).

Nesse sentido, o raciocínio de MacIntyre é valioso para o entendimento desta questão: Por conseguinte, na perspectiva moderna, a justifi cação das virtudes depende de uma justifi cação anterior das normas e dos princípios; e se estes últimos se tornarem radicalmente problemáticos, como têm se tornado, as primeiras também se tornam (MACINTYRE, 2001, p. 206).

Outra refl exão sobre a concepção de homem liberal é no que tange a sua característica de ser tomado a priori. Aquilo que MacIntyre chama de “antropologia de fantasmas”, na qual o indivíduo é visto do lado de fora da relação social. E MacIntyre aprofunda esta descrição quando afi rma que: “os indivíduos são vistos como possuindo identidade e capacidades humanas essenciais independente e anteriormente à sua participação numa ordem social e política particular.”

E John Rawls confi rma a análise de MacIntyre quando diz que: “mais ainda, admito que as partes não conhecem as circunstâncias particulares de sua própria sociedade” (RAWLS, 1997, p. 147). No entanto, é inviável que este tipo de caracterização do indivíduo possa alimentar qualquer sociedade, isto porque a identidade humana é dada a partir de uma rede de interações. Valores comunitários, contrários aos individuais, existem numa sociedade liberal, ainda que se adote essa concepção de indivíduo com fi m em si mesmo. Michael Sandel declara sobre essa hipótese:

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“Probablemente os valores comunitarios existirían, al igual que todos los demás valores que los indivíduos pueden decidir adoptar, e incluso posiblemente fl orecerían en una sociedad gobernada por los principios de la justicia” (SANDEL, 2000, p. 85).

Charles Taylor, crítico de Rawls, assegura que: “o puro autointeresse esclarecido nunca moverá um número sufi ciente de pessoas com força bastante para constituir uma real ameaça a déspotas e putschistas potenciais” (TAYLOR, 2000, p. 213). Existe, então, uma identidade social que quando é ultrajada, por exemplo, é vista de forma clara por todos na forma de uma reação. Taylor comenta sobre isso e exemplifi ca: “É esse sentido de identidade, e o orgulho que o acompanha, que é ultrajado pelas ações ocultas de um Watergate, e é isso o que provoca a reação irresistível” (TAYLOR, 2000, p. 213).

Outro argumento diz res-peito ao valor do patriotismo. Taylor o defi ne do seguinte modo: “o patriotismo é uma identifi cação comum com uma comunidade histórica fundada em cer-tos valores” (TAYLOR, 2000, p. 213). Esse valor, o patriotismo, brota neste terreno indi-vidualista com a diferença de que esse valor não é erradicado, pelo contrário, e muitas ve-zes é superior à própria concepção individual.

Embora Taylor tenha escrito estas palavras antes do exemplo que darei, não há como negar que serviu como uma luva. É o seguinte: o ataque de 11 de setembro de 2001 em Nova Iorque; ali se viu, de maneira clara, que um valor comunitário como o patriotismo foi superior a qualquer ato individual. Houve a limitação inclusive de direitos individuais, o que Rawls afi rmou ser ilícito. Assim, o fato não faz com que o argumento esteja errado, mas é um forte indício para a sua revisão.

Outra observação é sobre a relação antropológica e as comunidades que visam o bem antes do justo. É o caso das comunidades teleológicas, em contraste com as sociedades liberais, que visam o justo antes do bem, também chamadas deontológicas, e que são negadas por John Rawls. Eis as suas palavras: “embora, estritamente falando, a subordinação de todos os nossos objetivos

a um único objetivo superior não viole os princípios da escolha racional (pelo menos não os princípios de cálculo), ela ainda nos parece irracional ou, mais provavelmente, insana” (RAWLS, 1997. p. 617). Mas talvez os princípios de justiça levem as sociedades liberais a buscar um único bem: o estilo liberal de vida.

2.2. A Sociedade LiberalNão havendo uma concepção comparti-

lhada de vida, a sociedade é vista como um mercado em que os indivíduos interagem de forma competitiva em busca da concretização dos bens que escolheram. John Rawls é ex-

plícito ao abordar a questão: “Assim, como notei no iní-cio, embora uma sociedade seja um empreendimento cooperativo para a vantagem mútua, ela é tipicamente marcada por um confl ito e ao mesmo tempo por uma identi-dade de interesses” (RAWLS, 1997. p.136).

Por conseguinte, esta sociedade liberal “[...] que tenta realizar, no maior grau

possível, certos bens ou princípios de direito” não possui um bem que lhe é próprio, a saber, o bem comum. E o bem comum é o fi m de uma comunidade, pois ela nada mais é que o “bem de todos, naquilo que todos temos em comum”. (SOUZA Jr., 2002, p. 29). Mas Rawls nega que a sociedade seja uma comunidade: “Uma sociedade democrática bem-ordenada não é uma comunidade, nem, em termos mais gerais, uma associação”. Este raciocínio nos remete a duas características. A primeira, é que Rawls reforça a ideia de que a sociedade é entendida como um mercado, já que ela não possui nada em comum, a não ser um conjunto de regras que preservam espaço na busca da autonomia dos interesses dos indivíduos.

Com outras palavras, a sociedade é mon-tada a partir dos direitos individuais. Taylor co-menta sobre isso: “O liberalismo procedimental não pode ter um bem comum no sentido estrito porque a sociedade tem de ser neutra no tocante à questão da vida boa” (TAYLOR, 2000, p. 210).

A segunda, diz respeito à observação feita por Charles Taylor, quando se sustenta que a sociedade liberal não é totalmente viável,

Rawls reforça a ideia de que a sociedade é enten-dida como um mercado, já que ela não possui nada em comum, a não ser um conjunto de regras que preservam espaço na bus-ca da autonomia dos in-teresses dos indivíduos.

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pois “embora o estado liberal procedimental possa de fato ser neutro diante de (a) crentes e não-crentes em Deus, ou de (b) pessoas com orientações homossexual e heterossexual, ele não pode sê-lo entre (c) patriotas e não patriotas” (TAYLOR, 2000, p. 214).

E de fato, não é. Um exemplo disso foi o julgamento do cidadão norte-americano que lu-tou do lado dos Talibãs no Afeganistão. Nesse caso, ignorou-se a suposta neutralidade da so-ciedade à concepção de vida boa; afi rmando-se um estilo coercitivo liberal de vida.

Além disso, outro ponto que pode ser destacado é a questão das sociedades desordenadas, ou que esta-riam excluídas do modelo de sociedade liberal, que Rawls descreveu no segundo capítulo do seu livro O Direito dos Povos como sendo uma “socie-dade onerada por condições desfavoráveis”. Parece-nos que uma sociedade, que pode ser considerada, como tantas outras, onerada por condições desfavoráveis, sem dúvida, é o Brasil. Ou seja, o nosso país não serve para a aplicação do projeto liberal.

2.3. A Teoria da JustiçaA justiça liberal é uma invocação a normas

e princípios para consubstanciar o valor indi-vidual. Assim, seu objetivo é saber quais as regras que se deve buscar para uma socieda-de justa. O que pressupõe uma concepção de homem autointeressada. É o que afi rma Rawls: “Como cada pessoa é livre para planejar a sua vida como quiser (contanto que suas in-tenções sejam consistentes com os princípios da justiça); não se exige unanimidade sobre os padrões de racionalidade” (RAWLS, 1997, p. 495).

Com isso, abre-se espaço para avaliarmos que se a justiça de John Rawls é imparcial, considera-se o valor da igualdade como uma das características principais. Mas, não há um retrospecto do que levou, por exemplo, as partes em confl ito, na posição original, a chegarem a tal ponto. Isso é ignorado, e se faz “[...] justiça numa questão de modelos presen-tes de distribuição para os quais o passado é irrelevante“ (MACINTYRE, 2001, p. 416).

Postas essas considerações iniciais, faça-mos uma refl exão sobre a aplicação da justiça liberal entendida como norma, que nos remete

aos princípios de justiça de Rawls. O caso é o dos índios Wanpanoag de Massachusetts, Estados Unidos, descrito por MacIntyre no capítulo XII de seu livro Depois da Virtude. Por meio de uma ação judicial, os índios Wanpa-noag reclamaram que suas terras foram ilegal-mente e inconstitucionalmente expropriadas. Detalhe: existe uma cidade em cima delas de nome Mashpee.

Considerações FinaisAs características expos-

tas por Rawls apresentam problemas que podem com-prometer a sua teoria da jus-tiça. Primeiro, porque numa linha antropológica a sua concepção de homem é con-taminada por circunstâncias

que permitem extrair elementos substantivos de uma natureza humana – o que é constan-temente negado, sobretudo quando aponta, por exemplo, como necessária a existência de seres racionais para a sua teoria, o que evita o risco frente à teoria maximim. Além disso, a identidade de cada indivíduo é dada por uma rede de interações que pressupõe o outro, e não o exclui.

Segundo, pois a sociedade liberal não pode ser completamente neutra como se pretendia no projeto original. Vimos que é preciso en-dossar o patriotismo como aspecto relevante, e os pontos de partida são sempre liberais. Terceiro, a justiça liberal, também, não é de todo imparcial, já que possui como prioridade implícita a manutenção da ordem liberal.

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Para não deixar dúvidas, MacIntyre aponta ainda que a origem da doutrina liberal que se propõe a ser impessoal, de fato não o é.

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Considerações sobre o controle político da administração pelos parlamentos

Dr. Gustavo Vicente Sander1

Resumo: O presente artigo aborda os meios de controle político à disposição dos Parlamentos para infl uenciar e fi scalizar a atuação da Administração pública. O artigo situa este objeto sobre o pano de fundo mais amplo, referente à delimitação entre atividades técnicas – típicas da Administração – e atividades políticas – típicas dos Parlamentos, apontando também as inter-relações entre ambas.

Palavras-chave: Parlamento, Controle, Administração Pública.

Abstract: This article regards the means used by Parliaments to oversee and in-fl uence the activity of public Administration. The article frames this subject within the larger framework concerning the differences between technical activities – typical of the Administration – and political activities – typical of Parliaments – indicating also the inter-relations between them.

Key-words: Parliament, Authority, Civil Service.

IntroduçãoO gigantismo da máquina administrativa

no Estado contemporâneo, sua intrusão sobre os mais variados aspectos da vida dos cidadãos e a ameaça potencial que isto representa para a fruição das liberdades públicas, leva-nos a fi xar os limites do objeto material deste trabalho em questões atinentes à efi cácia do controle político exercido sobre a Administração pelos principais órgãos de representação política nas sociedades democráticas, os seus respectivos Parlamentos.

O objeto formal do trabalho, isto é, a angulação específi ca sob a qual o objeto material será tratado, buscará explorar, ao lado da abordagem jurídico-formal do controle parlamentar da Administração, os

aportes que a sociologia e a ciência política trazem à compreensão da dinâmica relação entre política e administração, sem os quais uma análise deste tema corre o risco de resultar na construção de castelos de areia, cuja integridade depende de mantê-los hermeticamente isolados da realidade que pretendem esclarecer.

O plano do trabalho que desenvolveremos aborda, em uma primeira parte, o surgimento e agigantamento do aparelho administrativo, para, em seguida, tratar das relações que, hoje em dia, travam a política e a administração, buscando esclarecer o campo específi co de cada uma delas na estrutura do Estado. A terceira e última parte será dedicada à análise dos mecanismos formais de controle e de seus limites.

1 Doutor em Direito do Estado pela Faculdade de Direito da USP e professor das cadeiras de Direito Constitucional, na Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre, RS e de Teoria do Estado e Direito Econômico, no Centro Universitário Ritter dos Reis de Porto Alegre, RS. E-mail: [email protected]

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1. O desenvolvimento da administração independente no estado moderno

Não é novidade que um dos pilares do constitucionalismo liberal do século XVIII foi, e continua a ser no constitucionalismo contemporâneo, o princípio da separação de poderes. Na formulação original de MONTESQUIEU – inspiradora do sistema de governo por nós adotado desde a Proclamação da República – isto significava distribuir as funções do Estado entre três poderes2: o poder legislativo, o poder executivo e o poder judiciário.

Este sistema foi concebido para tolher a ação do Executivo, procurando impedi-lo de pôr em prática intervenções generalizadas sobre o domínio econômico e social, o que estava de acordo com a cosmovisão liberal que o inspirou, a qual propunha deixar aos próprios indivíduos a persecução de seu bem individual, garantindo-se, pela ação da “mão invisível”, que do conjunto destas ações chegar-se-ia ao melhor arranjo possível do bem comum3 . Não haveria, assim, necessidade de frequentes intervenções governamentais.

Os arranjos institucionais que foram implementados com inspiração no ideário liberal não permaneceram intactos por muito tempo. Já em meados do século XIX, a chamada “questão social” tornava clara a necessidade de intervenção estatal para mitigar os efeitos adversos da industrialização sobre a estrutura socioeconômica. O impacto de tal demanda sobre os sistemas de governo é também conhecido: desenvolveu-se, a partir da prática institucional britânica – recolhida nas refl exões de CONSTANT – o chamado sistema parlamentar, com a divisão do Executivo em dois ramos: a chefi a de governo,

entregue a políticos apoiados pela maioria parlamentar e encarregados de apresentar e conduzir os programas interventivos; e a chefi a de Estado, que deveria assumir posição de neutralidade perante os conflitos políticos4,

motivo pelo qual deveria, idealmente, ser entregue a um monarca hereditário.

Encaminhada a solução para o problema institucional, a necessidade imperativa de intervenção esbarrou, porém, na inefi ciência do aparelho administrativo que então equipava os Estados nacionais. Com efeito, diz FINER que não foi senão no século XIX que ganhou força o movimento de profi ssionalização da Administração, visando dotá-la de neutralidade e eficiência no cumprimento dos objetivos governamentais:

O ideal de um serviço público desinteressado e devotado é principalmente um fenômeno de fins do século dezoito e do século dezenove na Europa e na América. Até então, era dado como certo que alguém ia para o serviço público para ali ganhar dinheiro. Os efeitos da consequente corrupção dis-seminada eram os de distorcer e até mesmo frustrar as intenções do governo. O que o governo queria e o que ele obtinha eram duas coisas bem diferentes5.

De fato, a primazia na organização de um serviço público isento e profi ssionalizado

coube, uma vez mais, aos ingleses, que começaram a implantá-lo antes do fi nal do século XIX. O exemplo britânico repercutiu nos Estados Unidos, país onde a inefi cácia do spoil system já vinha se manifestando há algum tempo. O trabalho teórico de WOODROW WILSON assentou os

princípios que deveriam nortear a implantação de um civil service profi ssionalizado e tinham como pedra de toque a separação entre Política

Não foi senão no século XIX que ganhou força o movimento de profissionalização da Administ ração, v isando dotá-la de neutralidade e eficiência no cumprimento dos objetivos governamentais.

2 Neste sentido, é eloquente o Art. 16 da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão: “Tout societé dans laquelle la garantie des droits n’est pás assurée, ni la separation des pouvoirs determine, n’a point de constitution.”

3 “Na verdade, Montesquieu via na separação de poderes uma doutrina política, um meio de o poder deter o poder, como apontara mais atrás. Não via mal algum na inação. Isto se compreende, se se lembrar que, a seu tempo e certamente para o seu pensamento, o papel do Estado não era o de promover o bem-estar do povo, mas sim o de criar condições – mormente de segurança – para que cada um cuidasse dos próprios interesses.” FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Princípios Fundamentais do Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 253.

4 cf. SOUZA JUNIOR, Cezar Saldanha. O Tribunal Constitucional como Poder – Uma nova teoria da Divisão dos Poderes. São Paulo: Memória Jurídica, 2002. p. 69 e segs.

5 “The ideal of selfl ess, devoted public service is largely a late eighteenth – and nineteenth – century European and American phenomenon. Till then it was taken for granted that one went into government service in order do make money out of it. The effect of the consequent widespread corruption was to distort or even frustrate de intentions of government. What government wanted and what it got where very different things.” FINER, Samuel E. The History of Government. Oxford: University Press, 1999. Vol. III, p. 1616.

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e Administração6. Essa separação projetava-se em duas dimensões: (a) de um lado como instrumento para corrigir as disfunções do spoil system, visando coibir a interferência política no funcionamento da administração; (b) de outro, visava construir uma ciência da administração dedicada ao estudo e aplicação de técnicas administrativas isentas de conteúdo político ou ideológico.

Outro autor que deve ser lembrado pela insistência na necessidade de separação entre Política e Administração, como condição necessária para o bom funcionamento da última, é MAX WEBER, o qual considerava a aparição da administração pública profi ssional como o gérmen do Estado Moderno no ocidente, pois a avaliava – com acerto – como instrumento imprescindível para a condução administrativa das sociedades de massas:

Toda nossa vida cotidiana está tecida dentro deste marco. Pois se a Administração Burocrática é em geral – caeteris paribus – a mais racional desde o ponto de vista técnico-formal, hoje é, ade-mais, nitidamente inseparável das necessidades da Administração de Massas (pessoais ou materiais). Tem-se que eleger entre a burocratização e o diletantismo da Administração; e o grande instru-mento da superioridade da administração burocrá-tica é este: o saber profissional especializado...7

Uma nota distintiva em seu pensamento está no olhar apurado de sociólogo, que não deixou de reconhecer o próprio corpo burocrático do Estado como um ente dotado de poder político, ao qual deve ser contraposto o poder político dos representantes eleitos para que seja possível compatibilizar a efi cácia administrativa com o princípio democrático:

Os políticos devem ser o contrapeso ao poder dos funcionários públicos. Mas a ele resiste o afã

de poder das instâncias dirigentes de um governo puramente burocrático de funcionários públicos, que sempre tendem a apropriar-se de uma liberda-de de movimentos a mais incontrolada possível...8.

Esta observação do sociólogo alemão permaneceu quase ignorada até após a segunda guerra mundial, quando o tamanho, a intrusividade e a influência da máquina administrativa sobre o processo político decisório não puderam mais ser ignorados e a questão da extensão do controle dos órgãos representativos sobre ela foi novamente posta na ordem do dia.9 Com efeito, a perda de controle sobre a iniciativa governamental e a crescente tecnicalização dessas decisões colocaram os Parlamentos na berlinda, em situação que não deixa de suscitar dúvidas quanto a sua capacidade de exercer alguma infl uência sobre elas.

2. As fronteiras entre a política e a administração

A complexidade dos problemas, cuja solução atualmente recai sobre os ombros do Governo, torna indispensável o recurso aos quadros especializados da Administração pública na busca de soluções factíveis e coloca nas mãos destes quadros – admita-se ou não – margens maiores ou menores de discricionariedade no planejamento e na implementação das decisões políticas:

O Administrador ascende de seu papel secundário e se confi gura como um co-decisor, passa da ‘implemen-tação’ à ‘complementação’ e em casos extremos de blo-queio político chegará inclusive a realizar um trabalho de ‘suplementação’, já que passará a substituir a falta de im-pulso político. A formulação política inicial funciona como força motriz que está longe de ser automaticamente apli-cada pelo executor cujo papel político-criativo cresce.10

6 cf. MASEDO, Laura Román. Política e Administración. Algunas notas sobre el origen y la evolución del debate teórico. Madrid: Revista de Estudios Políticos. Vol. 98 (nueva época). Oct. - Dic. 1997. p. 121.

7 “Toda nuestra vida cotidiana está tejida dentro de ese marco. Pues si la administración burocrática es en general – caeteris paribus – la más racional desde el punto de vista técnico-formal, hoy es, además, sencillamente inseparable de las necesidades de la administración de masas (personales o materiales). Se tiene que elegir entre la burocratización y el diletantismo de la administración; y el gran instrumento de la superioridad de la administración burocrática es éste: el saber profesional especializado…” WEBER, Max. Economía y Sociedad. 2. ed. esp. Madrid: Fondo de Cultura Económica, 2002. p. 178.

8 “Los políticos deben hacer de contrapeso al poder de los funcionarios. Pero a ello se resiste el afán de poder de las instancias dirigentes de un gobierno puramente burocrático de funcionarios, que siempre tienden a acaparar la libertad de movimientos lo más incontrolada posible…”. WEBER, Max. Escritos políticos. Madrid: Alianza, 1991. p. 173, apud, MASEDO, Laura Román. op. cit. p. 120.

9 cf. MASEDO, Laura Román. op. cit. p. 126. 10 “El administrador asciende de su papel secundario y se confi gura como un codecisor, pasa de la ‘implementación’ a

la ‘complementación’ y en casos extremos de bloqueo político llegará incluso a realizar un labor de ‘suplementación’ ya que pasará a sustituir la falta de impulso político. La formulación política inicial funciona como fuerza motriz que está lejos de ser aplicada automáticamente por el ejecutor cuyo papel político-creativo crece.” CALVO, José Lopez. Organización y Funcionamiento del Gobierno. Madrid: Tecnos, 1996. p. 99/100.

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O aporte de opiniões e a execução das decisões, contudo, não são sempre marcados pela isenção técnica. Lembramos acima, com WEBER, que a Administração, enquanto corpo dotado de poder, frequentemente utiliza-o no mais amplo escopo possível a favor de seus próprios interesses corporativos.11 Outro pioneiro da sociologia, ROBERT MICHELS, chega à conclusão semelhante, no sentido de que todo o organismo burocrático tende a criar interesses particulares, independentes daqueles para cuja promoção foi constituída:

...é uma lei social inelutável que qualquer órgão da coletividade, nascido da divisão do trabalho, cria para si, logo que estiver consolidado, um interesse es-pecial, um interesse que existe dentro de si e para si. 12

A pedra de toque sobre a qual WILSON pretendia erigir uma Administração efi ciente e imparcial mostra-se, afi nal, menos sólida do que o pretendido. É necessário reconhecer que os interesses particulares dos diversos órgãos que formam a Administração e as disputas internas por fatias de poder, agregados à simples extensão do aparato administrativo, à multiplicidade de entidades que a compõem, às diferentes perspectivas com que um mesmo problema é abordado e aos diferentes atores do jogo político que são por ele afetados13, fazem com que a decisão política seja informada por uma miríade de posições divergentes que

precisam ser devidamente ponderadas em outra instância, de horizonte mais extenso que o técnico-administrativo.

N e s t e p o n t o , p o d e -se ver com mais clareza a impossibilidade de dispensar a arbitragem política na tomada de decisões sobre os objetivos governamentais e sobre meios de alcançá-los. Pois na confusão de interesses dissonantes, de opiniões contraditórias, de horizontes reduzidos a particularismos, de dissenso e disputa, onde se poderá conciliá-

los razoavelmente em prol de um bem maior, comum a todos, que é, afinal, a razão de existir do Estado e de suas instituições? A esfera política é o local apropriado para fazê-lo, uma vez que o fi m específi co da atividade política é precisamente prover pelo bem comum, resolvendo os confl itos de visões e de interesses, construindo o consenso necessário ao encaminhamento de soluções aos problemas que a todos atingem. Vale transcrever as palavras de FREUND:

Qual é o bem específico da atividade política? Ver-se-á que não se trata de um bem unicamente próprio dos par-ticulares e nem mesmo da soma dos bens particulares, seja dos indivíduos, seja dos agrupamen-tos subordinados, tal como da família ou de alguma associação prof iss ional econômica, nem é o bem do Estado enquanto Estado, mas da colet iv idade total no meio da qual os indiví-duos são integrados a título de membros que se dão um Estado como inst i tuição.14 (gri famos)

O autor acrescenta mais adiante:

A Administração, en-quanto corpo dotado de poder, frequentemente utiliza-o no mais amplo escopo possível a fa-vor de seus próprios in-teresses corporativos.

O fi m específi co da atividade política é precisamente prover pelo bem comum, resolvendo os confl itos de visões e de inte-resses, construindo o consen-so necessário ao encaminha-mento de soluções aos pro-blemas que a todos atingem..

11 É a lição perspicaz e universalmente válida exposta por MONTESQUIEU: quem tem poder tende a dele usar até que encontre limites.

12 MICHELS, Robert. Sociologia dos Partidos Políticos. 1. ed. Brasília: UNB, 1982. p. 234.13 Conforme observa MOULIN: “...en virtud de su misma amplitud, toda macrodecisión afecta a todos los sectores

de la vida social; porque provoca la intervención de un gran número de datos, todos ellos heterogéneos y siempre contradictorios; porque implica la existencia de aproximaciones y puntos de vista técnicos diferentes y casi siempre opuestos entre sí; porque, por defi nición, y a menos de caer en el ‘josefi nismo’ de los déspotas ilustrados, debe, además, tener en cuenta una multitud de elementos afectivos, irracionales e imprevisibles…” La Tecnocracia, Tentación y Espantajo del Mundo Moderno. Madrid: Revista de Estudios Políticos, Vol. 123. Mayo-Junio 1962. p. 104/105.

14 “Que est alors le bien spécifi que de l’activité politique ? Il va de soi qu’il ne s’agit pas d’un bien propre uiniquement aux particuliers ne même de la somme des biens particuliers, soit des individus, soit des groupements subordonnés, tels de la familie ou toute outre association professionnelle économique, ni son plus du bien de l’État en quant État, mais de celui de la collectivité totale ou sein de laquelle les individus sont integrés à titre de membres que se donnent un État comme institution.” FREUND, Julien. L’Essence du Politique. Paris: Syrei, 1965. p. 651.

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É, assim a ela [à política] que incumbe in-tervir quando os confl i tos entre os grupos in-ternos arriscam produzir desordens ou quando os bens particulares ameaçam o bem comum.15

Podemos também aduzir, em favor desta posição, elementos oriundos das circunstâncias vitais em que a pessoa humana atua e desenvolve seus potenciais. Com efeito, o político costuma estar, por vocação, por experiência e pela posição que ocupa, melhor aparelhado que o técnico, normalmente recluso em seu campo específi co do saber, a tomar decisões de ampla repercussão, em que é essencial aperceber-se dos múltiplos elementos e facetas que compõe um dado problema e sua solução, inclusive os de cunho afetivos, irracionais, que não costumam entrar no cálculo dos “espíritos geométricos”16 . Não por acaso, ISAIAH BERLIN assim sumariza as características distintivas do julgamento político:

A habilidade de que falamos abrange, sobretudo, uma capacidade para a integração de um vasto amál-gama de dados constantemente em mudança, multico-loridos, evanescentes, perpetuamente sobrepondo-se uns aos outros, são muitos, muito ligeiros, muito en-tremeados para serem capturados, reconhecidos e ro-tulados, como se fossem borboletas individualizadas.

(...)Como nós chamamos esse tipo de habilidade?

Sabedoria prática, talvez razão prática, um senso do que “vai funcionar” ou do que não vai. É uma habilidade, em primeiro lugar, para a síntese, mais do que para a análise, para o conhecimento no

sentido em que um amestrador conhece os seus animais, ou os pais suas crianças, ou maestros suas orquestras, antagônica ao sentido em que os quími-cos conhecem o conteúdo dos tubos de ensaio.” 17

Fique claro que tal abordagem não implica a defesa do obscurantismo. O conhecimento técnico é imprescindível à boa condução dos negócios de Estado. Tudo aquilo que pode ser dissecado, analisado e articulado em uma análise científi ca deve sê-lo, trata-se,

no entanto, de reconhecer que esse processo tem limites e imperfeições que não autorizam alimentar a ilusão de que seríamos melhor governados por uma tecnocracia politicamente irresponsável porque dotada de conhecimento “científi co” incontestável.18

Desse modo, ainda que a decisão política não

prescinda da informação por critérios técnicos, a competência última para sua tomada deve recair, nos regimes democráticos, sobre o Governo e o Parlamento, isolados ou conjuntamente, i.e., sobre órgãos politicamente responsáveis perante a nação. Estando assente que em uma democracia a Administração não deve operar alheia ao controle dos órgãos representativos, cumpre explorar os mecanismos formais pelos quais o Parlamento pode exercer este controle.

3. Os mecanismos de controle e seus limites

Dentre as diversas funções exercidas pelos Parlamentos, a que hoje tende a

15 “C’est aussi à elle [à política] qu’il incombe d’invervenir quand les confl its entre des groupements internes risquent de provoquer des désordres ou lorque les biens particuliers menacent le bien comum. ” FREUND, Julien. L’Essence... p. 659.

16 A expressão é de MOULIN, que a contrapõe ao “espírito fi no ”, característico dos políticos. Segundo o cientista político belga, “Existe una racionalidad específi ca de la política que reclama el arte específi co del político, y la observación, específi ca, del estudioso de la política. Pero ‘racionalidad’ no signifi ca en este caso ni objectividad científi ca, ni tecnicidad absoluta. En primer lugar es inútil querer ‘despasionalizar’ los problemas políticos en un regímen como el democrático, que habla el idioma de la pasión, necesariamente, y hace sufrir a los hechos simplifi caciones extremas y extremas distorsiones.” op. cit. p. 106.

17 “The gift we mean entails, above all, a capacity for integrating a vast amalgam of constantly changing, multicolored, evanescent, perpetually overlapping data, too many, too swift, too intermingled to be caught and pinned down and labeled like so many individual butterfl ies.

(...) What do we call this kind of capacity? Practical wisdom, practical reason, perhaps, a sense of what will ‘work’, and

what will not. It is a capacity, in the fi rst place, for synthesis rather than analysis, for knowledge in the sense in which trainers know their animals, or parents their children, or conductors their orchestras, as opposed to that in which chemists know the contents in their tubes… ”. BERLIN, Isaiah. Political Judgement. In: The sense of reality.[s.e]. London: Pimlico, 1996. p. 46/47.

18 É oportuno lembrar o trabalho de MAURICE DUVERGER, que demonstra como a crença no determinismo científi co deságua, no plano político, em regimes totalitários. Les Orangers du Lac Balaton. Paris: Seuil, 1980, passim.

Esse processo tem limites e imperfeições que não autori-zam alimentar a ilusão de que seríamos melhor governados por uma tecnocracia politi-camente irresponsável por-que dotada de conhecimen-to “científi co” incontestável.

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destacar-se não é a legislativa, pois, cada vez mais, o Executivo dispõe de meios para liderar o processo decisório e legislar por conta própria (vide o exemplo brasileiro das Medidas Provisórias). Assim, o que sobreleva é a função de controle, fi scalizadora19 . Sua força varia, antes de tudo, conforme o sistema de governo adotado, tendendo a ser maior nos regimes parlamentaristas onde a sustentação do Governo depende do apoio da maioria parlamentar. Nos regimes presidenciais ele tende a ser mais fraco, mas ainda assim existe e as Constituições não deixam de prever instrumentos que possibilitam efetivá-lo.

Em qualquer caso, a natureza deste controle é sempre política, pois, conforme salienta ANNA CÂNDIDA, ele atua por instrumentos políticos, visando resultados políticos, com o Parlamento agindo dentro dos marcos constitucionais e das regras regimentais por ele mesmo estabelecidas, com plena autonomia para determinar a oportunidade e a conveniência do seu exercício.20

3.1. Os Mecanismos de Controle no Brasil.

No Brasil, a Constituição de 1988 prevê, no Art. 49, X, um controle genérico, a posteriori, sobre a Administração, inclusive indireta, e sobre o Governo:

“Art. 49. É da competência exclusiva do Con-gresso Nacional:

(...)X – fiscalizar e controlar, diretamente, ou por

qualquer de suas Casas, os atos do Poder Exe-cutivo, incluídos os da administração indireta;” Silencia o dispositivo, todavia, quanto

aos meios de controle, sendo, por isso, de se entender que o Congresso o pratica de acordo com os meios previstos no próprio texto constitucional, como, por exemplo,

aqueles inscritos no Art. 50 e respectivos parágrafos da CRFB/88 (convocação de Ministros de Estado, pedido de informações por escrito etc).

Ao lado deste controle genérico, incidente sobre qualquer ato da Administração, temos os controles específi cos, incidentes sobre atos determinados do Poder Executivo21, que concentra em sua estrutura o comando de toda a Administração pública. A previsão

normativa para este controle pormenorizado encontra-se dispersa em diversos incisos do Art. 49 de nossa Carta Magna22, e podem ser atos de controle a posteriori, incidentes sobre o ato já praticado, como, por exemplo, a sustação de atos normativos

do Poder Executivo que exorbitem o Poder regulamentar (inc. V), ou a priori, hipótese em que determinado ato só pode ser praticado após apreciação e concordância do Congresso Nacional. É o caso da autorização para exploração de recursos hídricos e minerais em terras indígenas (inc. XVI) e para a aprovação da alienação ou concessão de terras públicas com área superior a dois mil e quinhentos hectares (inc. XVII). Note-se que o controle prévio, justamente por ocorrer antes do fato consumado, costuma ser dotado de maior efetividade.

Insere-se, também, entre os meios de controle da atuação do Executivo, o poder de controle das contas, exercido pelo Parlamento com o auxílio do Tribunal de Contas. Compete-lhe a fi scalização completa da execução orçamentária, acompanhando pari passu todo o ato ou despesa, examinando-lhe a legalidade e conveniência perante o interesse público.23

Recurso poderoso de controle são as comissões de inquérito (Art. 58, §3º, da CRFB/88), cuja origem foi contemporânea à origem dos Parlamentos, apontando-se, uma vez mais, a Inglaterra como o país

19 cf. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 34. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 161.20 CUNHA FERRAZ, Anna Cândida. Confl ito entre Poderes. São Paulo: RT, 1994. p. 154.21 CUNHA FERRAZ, Anna Cândida. Confl ito... p. 162.22 Nos regimes presidencialistas, a reunião, em uma só pessoa, da Chefi a de Estado, da Chefi a do Governo e da

Chefi a da Administração, refl ete-se no conteúdo dos atos passíveis de controle elencados no Art. 49. Nem todos dizem respeito a funções administrativas do Presidente da República. Os casos de apreciação da decretação do Estado de Sítio, de Defesa e de intervenção Federal são típicos de controle sobre o exercício de competências atinentes à Chefi a de Estado ou de Governo.

23 cf. CAGGIANO, Mônica Herman Salém. Controle Parlamentar da Administração. São Paulo: Revista de Direito Público, n° 96. Out. – Dez. 1994. p. 150.

O controle prévio, jus-tamente por ocorrer an-tes do fato consuma-do, costuma ser dotado de maior efetividade.

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de procedência destes organismos.24 De acordo com nosso texto constitucional, estas comissões possuem poderes investigatórios equivalentes aos da autoridade judicial25, mas não possuem poder de julgar e aplicar penas, mesmo de natureza política, uma vez que sua função precípua, como lembra FERREIRA FILHO, é a de colher matéria útil ao desenvolvimento dos trabalhos legislativos26. Caso sejam detectados ilícitos durante os trabalhos, suas conclusões devem ser encaminhadas (a) às autoridades judiciais para que estas promovam a responsabilização civil ou criminal das autoridades investigadas e/ou (b) aos órgãos com competência para aplicação de sanções políticas.

Finalmente, o impeachment, o mais poderoso de todos os meios de controle, uma vez que através dele o Parlamento pode destituir do cargo o próprio Presidente da República. Suas origens remontam, novamente, ao direito inglês, onde era empregado como meio não apenas de destituir funcionários da Coroa, como também de aplicar-lhes pena. No Brasil, aplica-se quanto aos crimes de responsabilidade cometidos pelo Presidente da República (Art. 85, da CRFB/88). Em virtude da complexidade de seu mecanismo, da gravidade da sanção e da turbulência que provoca na vida política da nação, seu emprego é raríssimo, a ponto de, no Brasil, antes do caso Collor, boa parte da doutrina considerá-lo uma peça de museu.

3.2. Limites do ControleO exercício do controle parlamentar sobre

as atividades do Governo e da Administração não é feito, por óbvio, indiscriminadamente. Encontra um limite natural nos meios que a Constituição coloca à disposição do Parlamento. Todos estão à sombra do princípio da separação de poderes, o que signifi ca que sua utilização deve ater-se aos contornos fi xados pelo texto constitucional27,

sem que sua utilização transborde para ingerências indevidas no funcionamento de outro Poder.

Com efeito, assim como é vedado à Administração criar ou suprimir direitos ou obrigações através da edição de normas com caráter geral e abstrato – atividade que é típica prerrogativa da função legislativa – é igualmente vedado, ao Parlamento, a pretexto de controle, emitir ordens diretas e concretas aos órgãos administrativos de outros poderes. Não há aqui relação de subordinação direta entre o Executivo e o Parlamento, pois a fi scalização que este exerce sobre aquele se dá em uma relação entre Poderes dotados da mesma hierarquia constitucional. Confi gura o que LOEWENSTEIN classifi cou de controle inter-órgãos28.

ConclusõesDo exposto no curso deste trabalho é

possível extrair as seguintes conclusões:I. A Administração pública desenvolveu-

se como corpo autônomo e profi ssionalizado no intuito de coibir as ingerências políticas no curso de ação determinado pelo governo. A complexidade dos problemas governamentais, no entanto, praticamente obriga a que esta ingerência ocorra em algum grau.

II. A criação de uma burocracia forte e independente levou ao afl oramento de interesses políticos particulares aos órgãos que a compõem e que intervêm ativamente no jogo político. O crescimento e multiplicação destes órgãos, somado à indispensabilidade de dados técnicos para informar a decisão política, torna imprescindível a mediação, na arena política, dos interesses e opiniões discrepantes da Administração pública.

III. Como órgão colegiado de representação e deliberação, o Parlamento é um locus privilegiado onde esta mediação pode ser feita. Isto por si só já constitui,

24 cf. CAGGIANO, Mônica Herman Salém. Controle... p. 151.25 São recorrentes os debates quanto à extensão destes poderes. A posição que nos parece mais equilibrada é aquela

expressa por ANNA CÂNDIDA, a qual lembra, referindo-se a FERREIRA FILHO, que mesmo as autoridades judiciais atuam ao abrigo de normas legais. Caberia, pois, ao regimento interno do Congresso indicar quais destas normas, presentes, por exemplo, no CPC, podem ser invocadas pelas Comissões de Inquérito. Cf. Confl ito... cit. p. 181.

25 Curso... cit. p. 162.27 CAGGIANO, Mônica Herman Salém. Controle... p. 152.28 “Cuando las instituciones de control operan dentro de la organización de un solo detentador del poder, son

designadas como controles intraórganos. Cuando, por otra parte, funciona entre diversos detentadores del poder que cooperan en la gestión estatal, se les designa como controles interórganos.” (grifamos) Teoría de la Constitución. 2ª ed. española. Barcelona: Ariel, 1976. p. 232.

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pensamos, um meio de controle político sobre a atividade Administrativa naquilo em que esta intervém enquanto poder politicamente interessado.

IV. Os variados mecanismos formais de controle postos à disposição do Parlamento devem ser utilizados dentro dos limites recomendados pelo princípio da separação de poderes. Ademais, viu-se que há diferenças ontológicas, de natureza estrutural, entre a função técnico-administrativa e a função política, o que, igualmente, não recomenda que o controle parlamentar chegue ao ponto de sobrepor-se à função administrativa.

V. Juntos, o controle de caráter geral que o Parlamento naturalmente impõe às demandas políticas da Administração ao absorvê-las no debate e confronto com demandas de outros setores e o emprego efetivo dos mecanismos formais que a Constituição coloca ao alcance do Poder Político, abrem caminho para que o Congresso Nacional exerça um efetivo controle sobre a atividade administrativa.

ReferênciasBERLIN, Isaiah. Political Judgement. In:

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1 Bacharel em Direito (UFRGS, 1999), mestre em Sociologia (UFRGS, 2001), professor de metodologia da pesquisa científi ca no curso de Direito da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. [email protected]

O uso de hipóteses na construção do conhecimento científi co

Walter Guilherme Hütten Corrêa1

IntroduçãoEste ensaio pretende responder a um

desafi o: demonstrar a importância e o uso de hipóteses explícitas na pesquisa científi ca, especialmente nas ciências sociais. Frequen-temente pesquisadores iniciantes posicionam-se frente à pesquisa científi ca confi antes que tendo definido um problema de pesquisa relevante, uma lista de livros pertinentes e algumas horas de leitura, farão um trabalho científi co. A pesquisa científi ca é associada ao estudo aprofundado.

Consideramos primeiramente que toda a

pesquisa científi ca tem fundamento na possi-bilidade que o homem possui de apreender a realidade e construir conhecimento com base na experiência; e que o uso que fazemos das hipóteses, no processo de pesquisa, revela a concepção que temos da possibilidade e da forma de conhecer.

Tendo base na teoria do conhecimento desenvolvida por Popper, a hipótese tem papel fundamental, “pois só com as nossas hipóteses aprendemos que tipo de observações deve-mos fazer: para onde devemos dirigir nossa atenção; onde ter um interesse.” (POPPER,

Resumo: Frequentemente pesquisadores iniciantes são levados a pensar que um estudo aprofundado de um tema corresponde à produção científi ca. O caráter científi co de um trabalho não reside nisso, mas na construção e teste de hipóteses racionalmente elaboradas. Tem-se a contribuição de Karl Popper para a teoria do conhecimento como marco para a constituição de uma postura científi ca que as-sume todo o conhecimento teórico como hipotético, válido enquanto for sufi ciente para explicar o mundo. Fazer ciência exige uma atividade de construção prévia das verdades científi cas possíveis (hipóteses) que são contrastadas com a realidade empírica no experimento científi co. A hipótese funciona como um guia para a rea-lização da pesquisa. Dirige a atenção do pesquisador, destaca os elementos que julga importantes, estabelece critérios de seleção das informações disponíveis e faz a ligação entre teoria e fatos.

Palavras-chave: Conhecimento científi co, Hipótese, Karl Popper.

Resumé: Les chercheurs débutants sont souvent encouragés à penser qu’une étude approfondie d’un thème correspond à la production scientifi que. Le caractère scientifi que d’une œuvre ne réside pas ici, mais dans la construction et les tests d’hypothèses rationnellement conçues. La contribution de Karl Popper à la théorie de la connaissance comme référence pour la formation d’une approche scientifi que qui prend toutes les connaissances théoriques comme hypothétique, valide depuis qu’assez pour expliquer le monde. Science nécessite une activité de construction préalable de possibles vérités scientifi ques (hypothèses) qui sont confrontés a la réalité empirique dans l’expérience scientifi que. Hypothèse fonctionne comme un guide pour la conduite de la recherche. Elle dirige l’attention de le rechercheur, met en évidence les éléments qu’il pense importants, établit les critères de sélection des informations disponibles et fait le lien entre la théorie et les faits.

Mots-clés: Connaissance scientifi que, Hypothèse, Karl Popper.

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1975, p. 318). Mais do que um guia, a hipó-tese tem o papel principal no constante jogo de refutação e corroboração que constitui a evolução do conhecimento científi co.

A formulação de hipóteses não é apenas possível, mas necessária em grande parte dos estudos científi cos. As pesquisas que buscam teorias explicativas necessariamente utilizam hipóteses. Já os trabalhos descritivos podem, genericamente, prescindir do seu uso, espe-cialmente quando são estudos exploratórios. Ainda assim, podemos pensar que o estudo exploratório tem por base alguma teoria que é indiretamente testada através de hipóteses subjacentes, não expressas, sobretudo quanto à validade da teoria de base da pesquisa.

1. Uso de hipóteses sob a perspectiva popperiana

Uma questão fundamental na discussão sobre ciência e pesquisa científi ca é a possibi-lidade de o ser humano apreender a realidade.

Se vivêssemos em um planeta onde nada jamais mudasse, haveria pouca coisa a fazer. Não haveria nada a ser calculado e nenhum ímpeto para a ciência. E se vivêssemos em um mundo imprevisível onde as coisas mudassem ao acaso ou de maneiras muito complexas, não seríamos capazes de calcular nada. Mais uma vez não haveria ciência. Porém, vivemos em um universo limitado, onde as coisas mudam de acor-do com padrões, regras, ou podemos chamá-las de leis da natureza. Se eu atirasse uma vareta para o ar, ela cairia. Se o Sol se pusesse no oeste, sempre surgi-ria na manhã seguinte no leste. Deste modo é possível calcularem-se os fatos. Podemos fazer ciência e com ela melhorar nossas vidas. (SAGAN, 1984, p. 46)

Justamente no estudo destas regularidades e na busca das causas dos fatos observáveis está o objetivo da ciência, em sentido amplo, e este conhecimento produzido é científi co na medida em que tem base em métodos válidos.

Sugiro que a meta da ciência é encontrar explica-ções satisfatórias de qualquer coisa que nos impressio-ne como necessitando de explicação. Por explicação (ou explicação causal) entende-se um conjunto de asserções por meio das quais uma delas descreve o estado de coisas a ser explicado (o explicandum) en-quanto as outras, as asserções explicativas, formam a ‘explicação’ no sentido mais estreito da palavra (o explicans do explicandum). (POPPER, 1975, p. 180)

Karl Popper desenvolveu uma teoria do conhecimento, que levou à elaboração do mé-todo hipotético-dedutivo, tendo base em que o conhecimento se constrói a partir do teste de

teorias e hipóteses frente aos fatos observá-veis. Esta teoria é explicada resumidamente no ensaio “O balde e o holofote: Duas teorias do conhecimento” (POPPER, 1975, apêndice, p. 313-32).

A “teoria do balde” parte da doutrina persuasiva de que, antes de podermos conhecer ou dizer qualquer coisa acerca do mundo, devemos primeiro ter tido percepções – experiências dos sentidos. Supõe-se decorrer desta doutrina que o nosso conhecimento, a nossa experiência, consiste de percepções acumula-das (empirismo ingênuo) ou então de percepções as-similadas, separadas e classificadas (concepção man-tida, por Bacon e, de maneira mais radical, por Kant).

Os atomistas gregos tinham uma noção um tan-to primitiva deste processo. Admitiam que átomos se desprendiam dos objetos que percebemos e penetravam em nossos órgãos dos sentidos, onde se tornavam percepções; e com eles, no decurso do tempo, se montava nosso conhecimento (como um quebra-cabeças de armar que se montasse a si mesmo). De acordo com essa concepção, assim, nossa mente se assemelha a uma vasilha – uma espécie de balde – em que percepções e conheci-mento se acumulam (POPPER, 1975, p.313), ou seja, o mundo material, acessível aos sentidos é absorvido na sua essência, pouco a pouco, pelas experiências individuais e, quando suficientemen-te acumulada a essência do mundo na mente, surgem as correlações e explicações do mundo.

Popper critica esta concepção, e aponta a diferenciação que faz entre observação e percepção.

Na ciência, a observação, em vez da percepção, é que desempenha o papel decisivo. Mas a obser-vação é um processo em que nós desempenhamos papel intensamente ativo. Uma observação é uma percepção, mas uma percepção que é planejada e preparada. Não “temos” uma observação (como podemos “ter” uma experiência de sentidos) mas “fazemos” uma observação. (...) Sempre uma obser-vação é precedida por um interesse em particular, uma indagação, ou um problema – em suma, por algo teórico. Afinal de contas, podemos colocar qualquer indagação em forma de uma hipótese ou conjectura a que acrescentamos: “É assim? Sim ou não?” Deste modo, podemos afirmar que cada obser-vação é precedida por um problema, uma hipótese (ou seja o que pudermos chamá-lo; de qualquer modo, por algo que nos interessa, por algo teórico ou especulativo. Por isto é que as observações são sempre seletivas e pressupõem alguma coisa como um princípio de seleção (POPPER, 1975, p.314).

O princípio de seleção é o sistema de expectativas do pesquisador, ou seja, as hi-póteses com que trabalha de modo mais ou menos consciente. Ao realizar uma observa-ção, o pesquisador espera encontrar um dado

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resultado, não age com a mente vazia, mas no centro de um horizonte de expectativas. Deve-mos entender expectativa como algo intrínseco à postura do pesquisador. Este horizonte de expectativas serve de moldura, conferindo signifi cado às experiências e observações. “Essas expectativas podem ser formuladas em forma de quesitos; e a observação será usada para obter uma resposta confi rmadora, ou cor-retiva, para as expectativas assim formuladas.” (POPPER, 1975, p. 316).

As observações, ao colidirem com certas expectativas, podem derrubar o horizonte de expectativas, forçando o pesquisador a reconstruí-lo, desta vez num plano superior, num todo coerente que resiste à refutação pelas observações iniciais. A sucessão de construção de expectativas, colisão com as observações e reconstrução das expectativas, incorporando o observado, é o processo de evolução do conhecimento científi co, o que Popper chama de “teoria do holofote”, em contraposição à “teoria do balde”.

Podemos dizer que o teste de uma lei (lei científi ca) frente aos fatos observáveis pode levar à negação da lei ou parte dela (os fatos que a lei prevê não se realizam). Confi gura-se um problema de pesquisa. A investigação implica em substituição desta lei, para que se adeque aos fatos, adquirindo a capacidade de explicá-los. Esta nova lei científi ca será construída a partir de sucessivos testes de hi-póteses até obter-se uma hipótese que resista à refutação pelos fatos observados.

Popper entende que as hipóteses ocupam papel central na pesquisa. As observações funcionam como teste da hipótese em de-senvolvimento. Se a hipótese não passar no teste, se for falseada pelas observações, o pesquisador deve buscar uma nova hipótese. A nova hipótese surgirá depois de já conhecer aquilo que refutou a hipótese anterior, sendo já dirigida à superação deste problema. Isto não afasta a importância da hipótese refutada, pois ela foi o passo necessário à construção da nova hipótese.

A hipótese funciona como um guia para a realização da pesquisa. Dirige nossa atenção, destacando os elementos que julgamos impor-tantes, estabelecendo critérios de seleção das informações disponíveis e fazendo a ligação entre teoria e fatos.

Concentrando o olhar sobre a metodologia de pesquisa em Ciências Sociais, esta postura

frente ao conhecimento já se mostra na afi r-mação de Cohen e Nagel, citados por Selltiz et. al. (1974):

Não podemos dar um único passo adiante em qualquer pesquisa, se não começarmos com uma explicação ou solução sugeridas para a dificuldade que provocou a pesquisa. Tais explicações provi-sórias nos são sugeridas por algo no objeto e por nosso conhecimento anterior. Quando formuladas como proposições são denominadas hipóteses. (Cohen e Nagel, apud Selltiz et. al., 1974, p. 42-3)

Sobre a função da hipótese, prossegue:

A função de uma hipótese é orientar nossa busca de ordem entre os fatos. As sugestões formuladas na hipótese podem ser as soluções para o problema. Sa-ber se o são é a tarefa da pesquisa. Não é necessário que qualquer das sugestões conduza ao nosso obje-tivo. E, frequentemente, algumas das sugestões são incompatíveis entre si, de forma que nem todas podem ser soluções para o mesmo problema. (Cohen e Na-gel, apud Selltiz et. al., 1974, p. 43) (grifos no original)

Talvez este posicionamento seja muito radical ao afi rmar que a pesquisa não pode começar sem formulação de hipóteses. Os próprios autores criticam Cohen e Nagel neste sentido. As pesquisas exploratórias colocam a formulação de hipóteses como um objetivo e não como uma etapa prévia. Em Ciências Sociais é comum o pesquisador encontrar-se frente a um problema de pesquisa com poucos elementos para prosseguir. A teoria adotada pode ser excessivamente geral ou excessi-vamente específi ca para dirigir a pesquisa empírica, ou não há pesquisas suficiente-mente semelhantes para permitir a crítica das técnicas utilizadas, ou ainda, não há dados disponíveis, ou em quantidade ou qualidade adequados para a formulação de hipóteses consistentes, ou mesmo para verifi car a exis-tência de um efetivo problema de pesquisa onde o pesquisador intuiu haver.

A pesquisa exploratória pode ser uma fase do processo de pesquisa, justamente da construção do problema de pesquisa e das hipóteses, ou pode constituir-se em uma pes-quisa de maior fôlego, que adquire autonomia e, por si só, tem valor científi co. Nesta situação a pesquisa parte sem hipóteses expressas, pois não objetiva comprovar a ideia que temos de algo, mas busca justamente constituir uma ideia sobre algo. Contudo podemos encontrar hipóteses subjacentes, não expressas, que estão guiando a pesquisa.

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Se iniciarmos uma pesquisa apenas com uma pergunta: “o que é isto?” ou “que conse-quências tal fato tem sobre tal aspecto da vida de tal grupo na presença de tais condições?” estaremos na verdade supondo que existe uma resposta signifi cativa, que os elementos colocados na pergunta são signifi cativos (a ausência de um elemento implica na alteração da resposta) e temos uma expectativa de resposta, visí-vel pela direção que tomamos ao tentar respondê-la.

A pesquisa parte de uma sus-peita, de uma hipótese que o pes-quisador acredita encontrar eco na observação dos fatos. A hipótese pode vir a ser confi rmada, bem como infi rmada. Os dois resultados são igualmente interessantes para a ciência, ainda que, humanamente, esperemos a confi rmação. Este é um dos pontos em que Popper signifi cou um crescimento. Na sua perspectiva devemos buscar a negativa da hipótese, a falsea-bilidade, pois é mais fácil negar uma hipótese que corroborá-la.

O desejo, de fundo emo-cional, para a confirmação das hipóteses, associado a um sentimento negativo na even-tual negativa da hipótese, gera uma pressão sobre o modo de o pesquisador interpretar os fatos e a teoria, reduzindo sua qualidade científi ca. Entender como igualmente valorosa (no sentido de mé-rito pessoal) a confi rmação ou a negação da hipótese é importante na medida em que se compreende que o verda-deiro desafi o é a construção de hipóteses signifi cativas, onde se lança o espírito criativo do pesquisador.

Para a construção de hipóteses signifi cativas con-tribuem a leitura disponível, a experiência e a habilidade criativa do pesquisador. A leitura disponível implica uma ampliação da gama de alternativas em temas correlatos, polêmicas e discussões sobre o tema pes-quisado, conhecimento dos processos de pesquisa já realizados, de modo a construir um cenário mental mais ou menos rico para lançar-se ao trabalho. A experiência na pes-quisa contribui para a avaliação da viabilidade

dos diversos caminhos possíveis no desenvol-vimento de uma pesquisa, permitindo escolhas mais econômicas e realizáveis. A habilidade criativa permite ao cientista enxergar aquilo que no senso comum não existe, ou está oculto. O cientista estabelece novas ligações entre fatos, entre fato e teoria, pensa no im-

pensado. Consiste em enxergar sinais, relações, hipóteses, onde o observador comum vê apenas um amontoado de informações. Mais que isso, é encontrar no inesperado uma possível resposta ao problema proposto.

Estes elementos devem estar dosados entre si, pois um excesso de criativi-dade pode levar o pesquisador a formular suas hipóteses com base mais na sua intuição (ain-da que fundamental) que na teoria, nas leituras ou na experiência, levando a uma redução da viabilidade do projeto. Já o excessivo apego

às teorias consagradas, em detrimento da inovação criati-va, conduz à mera reprodução do conhecimento, perdendo caráter científi co.

ConclusãoO conhecimento científi co

é construído através de seu método, que o diferencia das

demais formas de conhecer. Tendo por referên-cia a teoria do conhecimento de Karl Popper, assume-se que o conhecimento científi co é produzido no teste de hipóteses, levando à corroboração ou negação de teorias explicati-

vas. Nesta perspectiva toda pesquisa científica possui hipóteses, ainda que não ex-pressas, e ainda que o pes-quisador não as tenha torna-do conscientes. Reforça-se que é papel do cientista ser o mais consciente possível das hipóteses que utiliza.

A pesquisa qualitativa em ciências sociais, sobretudo quando de caráter exploratório, é dita destituída de hipóteses. Não entendemos assim, pois, mesmo em uma exploração, já estão presentes na própria questão proposta os elementos para a hipó-tese. Já estão razoavelmente (ainda que não defi nitivamente) delineados os fatores que o pesquisador entende capazes de infl uir sobre

A hipótese pode vir a ser con-firmada, bem como infi rmada.

Para a construção de hipóteses signifi cativas contribuem a leitura disponível, a experiên-cia e a habilidade cria-tiva do pesquisador.

O excessivo apego às teo-rias consagradas, em detri-mento da inovação criativa, conduz à mera reprodu-ção do conhecimento, per-dendo caráter científico.

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Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010

os resultados (elementos signifi cativos) e a direção em que pretende seguir em busca da resposta (há uma expectativa de resposta).

A construção de uma hipótese constitui um processo fundamentalmente criativo, mas que exige em alguma medida o domínio dos temas a serem abordados, a fi m de evitar hipóteses inconsistentes e inviáveis. Contudo a falta de ousadia na construção de hipóteses pode levar a um retardamento do processo de constru-ção de conhecimento científi co. O cientista deve buscar um ponto entre a segurança do conhecimento sedimentado e a ousadia do impensado.

ReferênciasPOPPER, Karl R. Conhecimento obje-

tivo: uma abordagem evolucionária. Trad. Milton Amado. Belo Horizonte: Itatiaia, São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1975.

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Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010

1 Mestra em Linguística Aplicada e Especialista em Linguística do Texto. Professora da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre, da Faculdade SENAC de Porto Alegre e FTEC de Novo

Hamburgo, RS. e-mail: [email protected] Acadêmica do Curso de Administração da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre.

Infl uência dos elementos linguísticos contextualizadores na compreensão leitora por

acadêmicos de administração Maria Cristina dos Santos Martins1

Tanise dos Reis2

IntroduçãoO presente trabalho ocupou-se da leitura,

mais especifi camente da compreensão leitora de um texto explicativo. Fundamentou-se na Psicolinguística – ciência que analisa a in-fl uência dos processos cognitivos de produção e recepção da linguagem verbal e as relações entre essas infl uências.

A atividade leitora se faz presente em todos os níveis educacionais das sociedades letradas. Tal presença, sem dúvida marcante e abrangente, começa no período de alfabeti-zação, quando a criança passa a “compreen-

der o signifi cado potencial” de mensagens registradas através da escrita. Após esse período, o adolescente encontra-se com os mais variados estilos de livros-textos que irão acompanhá-lo ao longo de sua trajetória acadêmica. Então, durante a etapa do Ensino Superior, infelizmente, percebe-se a realidade, ou seja, o aluno “fi ngiu” que aprendeu a ler-interpretar textos, e o professor “fi ngiu” que ensinou. O papel do docente, desde o Ensino Fundamental, deveria ter sido o de criar opor-tunidades que desenvolvessem o processo cognitivo de leitura e compreensão do texto

Resumo: Este estudo teve por objetivo analisar, através do procedimento “cloze”, a infl uência dos elementos linguísticos contextualizadores na compreensão leitora de um texto explicativo (VOCÊ/S.A.), por sessenta e três universitários do 1º e 8º se-mestres do curso de graduação de Administração da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre – FDB, que realizaram três instrumentos de testagem: teste de avaliação do conhecimento prévio, teste cloze de avaliação da compreensão leitora, questionário de percepções do aluno sobre sua atuação como sujeito da pesquisa. Os resultados mostraram que os alunos não invocam os elementos linguísticos contextualizadores como elementos que colaboram para a otimização da compreensão leitora, porque desconsideram a relevância desses elementos como perspectivas interpretativas.

Palavras-chave: Leitura, Compreensão, Elementos linguísticos contextualizadores, Texto Explicativo.

Abstract: This study had as objective, to analyse through the “cloze” procedure, the infl uence of contextualized linguistic elements on the reading comprehension of a explanatory text (VOCÊ/S.A.), of sixty three students from the 1st and 8th semes-ters of the Business Graduation Course at Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre – FDB –, that underwent through three testing instruments: previous evaluation of knowledge, cloze test evaluation of the reading comprehension, questionaire of the students perceptions on his performance as subject of this study. Results show that students do not invoke the contextualized linguistic elements that help with reading comprehension optimization, because they do not consider the relevance of such elements as interpretative perspectives.

Key-words: Reading, Comprehension, Contextualized linguistic elements, Explanatory text.

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escrito, salientando que essas oportunidades poderiam ter sido melhor criadas na medida em que o processo fosse conhecido.

A compreensão de texto parece amiúde tarefa fácil, porque o objeto é complexo, isto é, abrange muitas das possíveis dimensões do ato de compreender; contudo, a seguir será examinada algumas facetas dessa complexa tarefa.

E, fi nalmente, como não há quantidade signifi cativa de pesquisas relacionadas com essa abordagem global de texto, e que privi-legie o texto explicativo – (Revista VOCÊ/SA, revista voltada ao público executivo brasileiro). Considera-se esse tipo de leitura importante meio de informação, instrução prática e/ou de atualização relacionada à vida cultural deste tipo de leitor) –, optou-se, por isso, em dedicar-se a este estudo.

1. Revisão da LiteraturaA leitura é uma habilidade para a qual há

necessidade de um aprendizado contínuo, pois quanto mais o homem toma conhecimento de seu mundo e de novas palavras, mais apto ele será no conhecimento delas.

A capacidade de se comunicar bem é uma das competências mais valorizadas no merca-do de trabalho hoje. Na era do conhecimento, profi ssionais de sucesso são aqueles que sa-bem obter, processar e divulgar as informações capazes de fazer as coisas acontecerem.

Assim, acredita-se ser dever da universida-de propiciar ao estudante uma formação que lhe dê condições de desenvolver uma leitura efi caz, principalmente no que tange à leitura técnico-científi ca, que é primordial no futuro desempenho profi ssional desse estudante. (WITTER, 1996, 1997).

1.1. Compreensão LeitoraA compreensão na atividade de leitura não

é um processo simples nem uniforme, por isso tem constituído um desafi o para estudiosos da área. Ao observar o modo como diferen-tes leitores compreendem um mesmo texto, percebe-se que os resultados dificilmente são idênticos, que leitores podem interpretar de forma diversa os fatos apresentados. As diferenças de interpretação que se evidenciam de um leitor para outro falam de bagagem cog-nitiva armazenada durante o percurso de vida de cada um, de acordo com Trevisan (1992).

Importantes considerações a esse respeito

são apresentadas por GOODMAN, 1976 e 1991; SMITH, 1983, 1989 E 1999; LEFFA, 1996; POERSCH e AMARAL, 1991; KINTS-CH, 1984; BROWN e YULE, 1984; KLEIMAN, 1989; FOUCAMBERT,1994; KATO, 1999 e 2000; SOLÉ, 1998.

Tanto Smith (19883) quando Goodman (1991) reforçam que a compreensão é um processo ativo que se estabelece entre leitor e texto. O leitor interage com o texto e com o autor, valendo-se tanto de informações visuais apresentadas pelo texto (pistas grafofonoló-gicas), quanto de informações não-visuais (pistas semânticas), que estão em seu cérebro, por intermédio de pistas sintáticas. Conse-quentemente, o signifi cado que os leitores constroem não reside na estrutura de superfí-cie (ou no texto em si), mas é sempre relativo àquilo que os leitores já sabem ou àquilo que desejam saber.

Marcuschi (1985) afi rma que, apesar de pouco sabermos a respeito do problema da compreensão de textos, já emerge como fundamental um consenso, ou seja, que os co-nhecimentos individuais afetam decisivamente a compreensão, de modo que o sentido não reside no texto. Assim, embora permaneça como ponto de partida para a sua compreen-são, o texto só se tornará uma unidade de sentido na interação com o leitor.

1.1.1. O que é ler?O termo “leitura” pode receber inúmeras de-

fi nições, pois, nas últimas décadas houve uma explosão de conhecimentos relacionados com a leitura, principalmente, com a compreensão leitora em diversas áreas.

Contudo, para o embasamento deste trabalho, e segundo os autores estudados, no processo de compreensão, o leitor decodi-fi ca palavras, construindo seu signifi cado na memória. A estrutura gramatical da sentença, sobre a qual o leitor aplica regras semânticas a fi m de interpretá-las, também é identifi cada. Como o signifi cado é construído, frequente-mente o leitor faz inferências para resgatar informações implícitas. Para a recuperação e a compreensão do signifi cado, o leitor faz uso de conceitos e conhecimentos previamente ad-quiridos. Estes favorecem a acomodação e a integração das novas informações do texto às que o leitor já possuía, segundo POERSCH e AMARAL, 1989; KATO, 1999; KLEIMAN, 1989; MARCUSCHI, 1996; SMITH 1989 e 1999.

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1.1.2. PreditibilidadeA preditibilidade é um instrumento que o

leitor utiliza para antecipação do conteúdo do texto. O processo se dá através de pistas formais. Os pesquisadores Goodman (1976 e 1993) e Smith (1978 e 1999) empregam este termo para caracterizar os diversos compor-tamentos hipotetizados no leitor durante o processo de ler. Para ambos, a estratégia de predição, ou adivinhação, é fundamental numa leitura signifi cativa. Resumindo, na elaboração da hipótese de leitura, é necessário ativar conhecimento prévio do leitor sobre o assun-to, pois quanto mais o leitor souber sobre o assunto, mais seguras serão suas predições.

Para intensifi car a compreensão e a lem-brança do que lê, assim como para detectar e compensar os possíveis erros e falha na leitura, o leitor se utiliza de estratégias – pro-cedimentos – que passam a ser tratadas a seguir.

1.1.3. Estratégias de Leitura As estratégias de leitura, observadas sob

o ponto de vista cognitivo, referem-se aos processos mentais que os indivíduos utilizam quando estão envolvidos em uma tarefa de leitura. Elas são divididas em dois tipos: es-tratégias cognitivas – designam os princípios que regem o comportamento inconsciente e automático do leitor, e seu conjunto serve essencialmente para construir a coerência local do texto – e estratégias metacognitivas – referem-se às atividades planejadas, refl e-xivas e intencionais de processar o sentido do texto. Essas estratégias caracterizam o com-portamento do leitor maduro, pois derivam do controle planejado e deliberado das atividades que levam à compreensão.

1.1.4.Variáveis que interferem no Proces-samento da Compreensão Leitora

Como já foi dito anteriormente, o leitor constrói o signifi cado do texto, isto é, o sig-nifi cado de um escrito para o leitor não é a tradução do signifi cado que o autor quis lhe dar, mas uma construção que envolve o texto, os conhecimentos prévios e seus objetivos.

Portanto, a leitura é o processo através do qual se compreende a linguagem escrita. Nessa compreensão, intervêm tanto o texto, sua forma e conteúdo, como o leitor, suas expectativas e conhecimentos prévios. Esses aspectos são analisados nos itens a seguir.

1.1.4.1. Objetivo da LeituraOs objetivos do leitor com relação a um tex-

to podem ser muitos e variados, dependendo da situação e do interesse do momento. Os objetivos da leitura determinam a forma como o leitor se situa frente a sua leitura.

Solé (1998, p. 93) cita várias fi nalidades da leitura, todas consideradas na situação de ensino: ler para obter uma informação precisa, para seguir instruções, para obter informação de caráter geral, para aprender, para revisar um escrito, para comunicar um texto a um auditório, para praticar a leitura em voz alta e para se verifi car o que foi aprendido.

Em consonância com Solé, Kleiman (1992) afi rma que há evidências inequívocas de que a capacidade de processamento e de memória do leitor melhoram signifi cativamente quando é fornecido um objetivo à leitura.

1.1.4.2. Conhecimento PrévioO conhecimento prévio é um conjunto

de informações que está armazenado na memória do leitor e é formado pela interação dos níveis de conhecimento: conhecimento de mundo, conhecimento linguístico e co-nhecimento textual – Kleiman (1999). Como são utilizados conhecimentos que interagem entre si, a leitura é considerada um processo interativo. Leffa (1996) compara o leitor e o texto a duas engrenagens; se não houver encaixe nas engrenagens, o leitor e o texto se separam e fi cam rodando soltos.

O conhecimento prévio, portanto, constitui todo conhecimento que o indivíduo adquiriu ao longo de sua vida e envolve, como já foi dito, três tipos:

• conhecimento linguístico;• conhecimento textual: refere-se ao con-junto de noções sobre texto, ou seja, todo o saber acerca das tipologias textuais, isto é, a estrutura característica de cada tipo de texto (poema, narrativa, reportagem, receita, bula, etc.);• conhecimento de mundo (ou enciclopé-dico).Todos esses três sistemas de conhecimen-

to são acessados durante o processamento textual, a fi m de possibilitar a compreensão.

1.1.4.3. Tipos de Textos e Expectativas do Leitor

Um leitor comporta-se diferentemente, segundo a natureza dos textos que lhe são

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apresentados, ou seja, autor, conteúdo, legi-bilidade, estrutura, etc.

Segundo os autores Alliende e Condema-rín (1987), Solé (1998), Goodman (1991) e Smith (1999), os alunos devem estar expostos constantemente a diversos tipos de textos que fazem parte do mundo em geral. Para esses autores, é importante que os professores revelem pistas que possam levar os alunos à compreensão desses textos, pois o leitor pode ser ensinado a utilizar as mesmas “chaves” que o autor utilizou para formar o signifi cado do seu texto.

1.1.5 Avaliação da Compreensão Leitora – Procedimento Cloze

Desde seu surgimento, o cloze tem sido utilizado no desenvolvimento de pesquisas re-lacionadas à compreensibilidade de materiais impressos, à compreensão geral de leitura, à linguagem, a aspectos metodológicos do procedimento em si e suas possibilidades no processo ensino-aprendizagem.

Criado por Taylor (1953), como uma nova medida de leiturabilidade, o cloze possui, ainda, a capacidade de medir a compreensão leitora. É interessante esclarecer que Taylor, ao elaborar o procedimento cloze, entendeu que, assim como as pessoas tendem a com-pletar um círculo que esteja parcialmente fechado, também o leitor, ao deparar-se com uma estrutura linguística incompleta, tende a completá-la com o elemento sintático e semântico adequado. Taylor alerta para o fato de que o procedimento em questão não é uma fórmula de leiturabilidade, nem uma fórmula do familiar teste de completar senten-ças. Para o autor, o procedimento é um novo instrumento psicológico para medir a efi cácia da comunicação.

1.2 O Texto ExplicativoNeste trabalho, o tipo de texto escolhido

foi o texto explicativo, pois o mesmo tem sido pouco estudado em todos os níveis escolares. Além disso, a escolha se deve ao fato do aluno conviver com ele diariamente, quer através de leituras de livros didáticos, artigos, revistas especializadas, entre outras. Neste estudo, o texto explicativo é abordado como um gênero textual que apresenta soluções para um pro-blema da ordem do saber.

Acredita-se que o fato de haver poucas pesquisas sobre gênero textual seja um dos

motivos da falta de incentivo a sua prática e, por isso mesmo, os alunos ignorarem as suas especificidades. Embora sua escrita seja exigida desde uma simples resposta a uma questão de prova ou a trabalhos mais complexos que são desenvolvidos no decorrer das disciplinas, ainda assim, é imprescindível que se trabalhe sistematicamente com ele através da leitura e da escrita.

O texto explicativo consiste em um gênero textual que faz compreender um problema da ordem do saber. Segundo Coltier (1987), diante de um problema relacionado com o saber, o texto explicativo questiona o real em duas circunstâncias. A primeira refere-se à existência de um paradoxo, que causa um certo estranhamento com o sistema estabe-lecido de explicação de mundo; faz aparecer uma incongruência. A segunda circunstância em que o texto explicativo questiona o real, conforme a citada autora, ocorre na investiga-ção de uma evidência, que consiste em um questionamento sobre um fenômeno normal que se torna objeto de investigação, sem que haja contradição.

Nos dois casos apresentados, tanto na existência de um paradoxo, quanto na investi-gação de uma evidência, esse gênero constrói enigmas a serem explicados a um interlocutor, mediante um raciocínio lógico, conduzindo a uma conclusão.

Ainda, segundo a autora, no texto ex-plicativo, normalmente, os enunciados são compostos por três categorias: os enunciados descritivos, os explicativos e os balizados. Os enunciados descritivos apresentam o fenôme-no a ser explicado. O enunciador, como mero observador, registra os fatos de modo objetivo. Os verbos normalmente estão no presente ou no imperfeito do indicativo. Há a ausência dos pronomes em primeira e segunda pes-soa. Os enunciados explicativos oferecem uma solução. A escolha dos tempos verbais dependerá do modo como se processa a explicação. Em caso de antecipação de hipó-teses, ou da retomada de certas explicações, ocorre frequentemente o emprego do futuro do pretérito (poderia, ocasionaria). Quando se vai para a solução, o enunciado compreende uma sequência de asserções no presente do indicativo (ocasiona, resulta). Por sua vez, os enunciados balizados comentam o desen-volvimento do texto, assinalando as diversas etapas. Pode haver o emprego dos pronomes

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(eu, nós, se); de fórmulas imperativas; de ver-bos no futuro do presente e por expressões que orientam o leitor (primeiramente, agora, em segundo lugar, depois, fi nalmente). No texto explicativo, a progressão das ideias é fundamental para a solução da questão.

Por fi m, este gênero textual sempre tem em mente quem é o seu interlocutor, qual o seu nível sociocultural, qual é a sua idade, quais são os seus interesses, entre outros, o que determinará as escolhas lexicais e o grau de abstração. Se a explicação for dirigida para um especialista de determinada área, a linguagem será mais complexa; se for para um interlocutor comum, o vocabulário será fácil e a sintaxe, simples. Normalmente, as interroga-ções são diretas, mas as indiretas também são empregadas ao propor uma questão. Pode também haver a presença de tabelas, gráfi cos, ilustrações para servir de complementação. Os recursos visuais complementam o texto e lhes conferem uma maior concretude.

1.3. Elementos Linguísticos Contextua-lizadores - ELC

Conforme Marcuschi (1983), os ELC são elementos que propiciam alternativas de com-preensão, podendo ser de dois tipos:

• a) contextualizadores propriamente ditos – que ajudam a “ancorar o texto na situa-ção comunicativa;• b) perspectivos ou prospectivos – que avançam expectativas sobre o conteúdo e também a forma do texto.Também Kleiman (1989, p. 43) refere-se

aos ELC, não só como alternativa de aborda-gem textual, mas também como portadores de alto grau de informatividade. A autora afi rma que através desta abordagem a leitura passa a ter um caráter de verifi cação de hipóteses, revisão, confi rmação, refutação, que envol-vem uma série de estratégias necessárias à compreensão.

1.3.1. Elementos Linguísticos Contextu-alizadores Propriamente Ditos – ELC

Os ELC propriamente ditos ajudam a “an-corar” o texto na situação comunicativa. Eles podem ser

• assinatura: não tem, em geral, a mes-ma posição. Quando este item não está presente no texto, sua ausência pode nos levar a várias inferências possíveis. (ex.: carta anônima).

• localização: diz de onde veio o documen-to, sendo esta uma informação relevante; no caso do texto explicativo, temos a loca-lização pelo veículo de informação.• data: é um fator fundamental que localiza o documento num determinado tempo.• elementos gráfi cos: é o “design”, organi-zação do texto como fonte para a situação do universo textual.

1.3.2. Elementos Linguísticos Contextua- lizadores Perspectivos – ELC Os ELC Perspectivos têm a função de alavancar uma perspectiva de inter-pretação possível, contextualiza o leitor, gerando expectativas. Eles podem ser classifi cados como:• título: o título de um texto, geralmente, tem o poder de avançar comunicativa-mente elementos cognitivos em termos de expectativas. Ele é um ponto decisivo de partida ou abandono da leitura pretendida. Muitas vezes ele pode desorientar o leitor, para levá-lo justamente à leitura do texto, como nas manchetes de vários jornais, fi lmes, livros.• autor: o autor é um dos motivos que po-dem fazer com que leitores optem ou não pela leitura do texto. O fato de tomarmos conhecimento do nome do autor do texto pode ativar muitas suposições e expec-tativas com relação ao texto. Conforme Marcuschi (1983), a expectativa criada pelo conhecimento do autor terá repercussões inclusive no grau de aceitabilidade que será conferido ao texto, caso ele “burle” convenções do sistema. • início: quanto ao início de textos, o autor afi rma não haver uma regra que diga como iniciar um texto, mas enfatiza que seu início cria raios de dependência com um certo al-cance, isto é, a primeira sentença pode ser curta ou longa, tudo dependerá dos efeitos que o autor deseja obter e das expectativas que deseja suscitar no possível leitor.Cabe salientar que muitos outros pesquisa-

dores em Linguística também desenvolveram estudos – ainda que contemplando um ou ou-tro elemento – sobre os ELC, a saber: COSTE, 1978; MARTINS-BALTAR, 1978; HARWEG, 1968, 1977 e 1980; LOFFER-LAURIAN, 1975; SOUZA, 1996; CORACINI, 1989; van DIJK, 1992, TERZI, 1992; MENEGASSI, 2000; SMITH, 1989bock, 1980; MARCUSCHI, 1986.

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Já que o texto não tem inscrito em si todos os sentidos objetivamente, segundo Marcuschi (1999), o leitor deve ser ativo, produtivo e criativo em sua ação individual de ler.

Por fi m, pretendeu-se com este trabalho contribuir para o avanço dos estudos do processo cognitivo da leitura e da compreen-são leitora; uma vez que os profi ssionais de administração, na sua maioria, desconhecem a abordagem de leitura e compreensão leito-ra como processos que estão intimamente relacionados, que a linguagem permeia ambas as atividades e que a construção do sentido – “mensagem” – se dá tanto num processo quanto no outro e o texto é o elemento intermediário. Além disso, através deste estudo, pre-tendeu-se, ainda, oferecer subsídios para uma prática profi ssional mais “efi ciente e efi caz”, por parte dos professores de Língua Portuguesa e Português Instrumental dos Cur-sos de Administração, pois é de conhecimento destes docentes, que atividades que exigem leitura e compreensão de textos são conside-radas, pelos discentes, como muito comple-xas, desinteressantes, desnecessárias, por isso, costumam realizá-las mecanicamente, isto é, utilizam-se de cópia.

Assim, a presente pesquisa teve como objetivo analisar, através do procedimento “cloze”, a infl uência dos elementos linguísticos contextualizadores na compreensão leitora de um texto explicativo (VOCÊ/S.A.), por sessen-ta e três universitários do 1º e 8º semestres do Curso de Graduação de Administração da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre – FDB.

2. Método2.1. Sujeitos A população da pesquisa abrangeu alunos

que frequentavam o 1º e 8º semestres do curso de Administração da Faculdade Dom Bosco – uma instituição particular de Porto Alegre/RS. O fato de o universo abranger alunos que frequentam o Ensino Superior do curso de Administração justifi cou-se por se supor que esses discentes já estejam aptos a ler-interpretar textos mais complexos, publi-cados em revistas especializadas, dirigidas a sua área de atuação.

A amostra foi constituída de sessenta e três

sujeitos, distribuídos em duas turmas (Inician-tes – alunos do 1º semestre – e Concluintes – alunos do 8º semestre). Cabe salientar que a disciplina de Português faz parte do primeiro semestre do currículo do curso de Administra-ção, sendo uma disciplina obrigatória. O plano de curso da disciplina contempla o seguinte conteúdo: análise textual, produção textual, constituintes textuais, coesão e coerência textuais, pontuação, estudo do parágrafo, resumo e resenha.

2.2. InstrumentosEsta pesquisa confi gu-

rou-se como estudo de caso qualitativo e quantitativo, tendo como instrumentos: teste de avaliação do co-nhecimento prévio do alu-no (TCPrévio), teste cloze TCloze), questionário de percepções do aluno sobre

sua atuação como sujeito da pesquisa (QPA-tuação).

Teste de Conhecimento Prévio (TCPrévio) – foi utilizado para avaliação do conhecimento prévio do aluno sobre o tema: RESILIÊNCIA. Os discentes responderam a cinco questões de escolha simples (V ou F). Como “texto de apoio”, para emparelhamento do conhecimen-to prévio, foi pedido aos alunos que lessem o texto “Afi nal, o que é resiliência?” (2008), retirado do Portal da Administração (www.administradores.com.br).

Teste Cloze (TCloze) – foi utilizado um texto de Max Gehringer (2005) intitulado “O que é resiliência”. O texto continha aproxi-madamente 400 vocábulos, do qual se omitiu sempre o quinto vocábulo, sendo que para o espaço deixado entre cada palavra, adotou-se um padrão.

Questionário de Percepções do aluno sobre sua atuação como sujeito da pesquisa (QPAtuação) – foi utilizado para obter infor-mações adicionais sobre a importância da presença dos Elementos Linguísticos Con-textualizadores – ELC, para a otimização da compreensão leitora. Dez questões compu-seram o questionário.

2.3. ProcedimentoOs instrumentos foram aplicados em uma

sessão, em horário de aula previamente cedido pelo professor, em dias alternados

A população da pesquisa abran-geu alunos que frequentavam o 1º e 8º semestres do curso de Administração da Faculdade Dom Bosco – uma instituição particular de Porto Alegre/RS.

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para cada turma, aplicados pela bolsista. As disciplinas nas quais foram aplicados os testes são as seguintes: Matemática (1º semestre), Gestão de Projetos e Orçamento Empresarial (8º semestre). Os alunos, no dia da aplicação, receberam primeiro o Texto de Apoio para a leitura; após, responderam ao TCPrévio. Em seguida, foi-lhes pedido que preenchessem todas as lacunas do TCloze e, por fi m, res-pondessem ao questionário sobre sua atuação como sujeitos da pesquisa – QPAtuação. Para a aplicação dos instrumentos, os sujeitos das turmas foram divididos em grupos, a saber:

A.• Iniciantes: turma do 1º semestre. Essa turma foi dividida em dois grupos – Co-mELC e SemELC.• Grupo ComELC de alunos que receberam o teste cloze com a presença dos elemen-tos linguísticos contextualizadores;• Grupo SemELC de alunos que receberam o teste cloze sem a presença dos elemen-tos linguísticos contextualizadores.

B.• Concluintes: turma do 8º semestre. Essa turma foi dividida também em dois grupos ComELC e SemELC, a saber: • Grupo ComELC de alunos que receberam o teste cloze com a presença dos elemen-tos linguísticos contextualizadores;• Grupo SemELC de alunos que receberam o teste cloze sem a presença dos elemen-tos linguísticos contextualizadores.O procedimento adotado para a contagem

dos escores do TCloze foi o método da pala-vra exata, sendo consideradas corretas as respostas que corresponderam exatamente às palavras apagadas.

3. Resultados 3.1. Análise dos dados obtidos através

do teste de avaliação do conhecimento prévio do aluno (TCPrévio)

A análise dos dados obtidos através do teste de avaliação do conhecimento prévio do aluno (TCPrévio) possibilitou observar que o maior índice de acertos verifi cou-se na turma dos alunos Concluintes, ainda que tenha sido por uma diferença pouco signifi cativa. Como os índices de desempenho entre as duas turmas foram bastante próximos, isso parece mostrar que, de forma geral, os alunos enten-

deram o texto.

Iniciantes ConcluintesQuestões Acertos %acertos Acertos %acertos

1 30 85,7 27 90,02 24 68,6 24 80,03 33 94,3 25 83,34 33 94,3 27 90,05 12 34,3 19 63,3

A questão número 1 tratava da origem do termo que era também o tema central do texto de apoio, ou seja, a origem do termo RESILIÊNCIA. A turma Concluinte obteve me-lhor desempenho, isso parece mostrar certa familiaridade, por parte dos alunos de fi nal de curso, com o tema relacionado à sua área de estudo, além de uma possível maturidade lin-guística, isto é, maior capacidade de distinguir informação principal das secundárias.

A questão número 2 tratava diretamente do significado da palavra RESILIÊNCIA. Também nesta questão a turma Concluinte obteve melhor desempenho. O que confi rma as conclusões ditas anteriormente.

Já na questão 3, obteve melhor desem-penho a turma dos Iniciantes. Essa questão, assim como a questão anterior, referia-se à palavra RESILIÊNCIA, contudo era neces-sária maior atenção para interpretá-la. Como se observou certa impaciência e pouco com-prometimento em participar desse tipo de atividade por parte da turma dos Concluintes, o resultado passa a não ser surpreendente.

A questão 4 relacionava o conceito de RESILIÊNCIA aos exemplos do texto. Nessa questão, também o desempenho da turma dos Iniciantes foi melhor, ainda que por uma margem pouco signifi cativa.

Por fi m, a questão 5 tratava do signifi cado do termo RESILIÊNCIA na área da física. A turma dos Concluintes obteve resultado bastante signifi cativo em relação à turma dos Iniciantes, isso talvez se deva ao fato de os alunos terem entendido, de forma mais clara, o que vem a signifi car este vocábulo.

Assim, como houve uma diferença pou-co signifi cativa entre as turmas, esse fato possibilita que se chegue a duas conclusões interessantes. Primeiro, o fato de os alunos terem recebido como “material de apoio” um texto, isso parece evidenciar que trabalhar

Tabela 1 – Desempenho dos sujeitos no TCPrévio

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com o texto na íntegra e o contato com o mesmo pode favorecer o bom desempenho discente. Segundo, o material de apoio pare-ce ter homogeneizado as turmas quanto ao conhecimento prévio.

3.2 Análise dos dados obtidos através do teste de avaliação da compreensão leitora do aluno (TCloze)

O maior índice de acertos verifi ca-se na turma dos Concluintes SemELC (elementos linguísticos ausentes): 48,6%. É possível observar, através dessa tabela, que as diferenças entre as médias dos quatro grupos é sutil. Constata-se, também, que as médias entre os grupos, em cada turma, não apresentam grandes diferenças. Esses dados nos conduzem para as seguintes conclusões: primeiro, os ELC, quando presentes no texto, parecem não ser invocados pelos alunos para auxiliar na

compreensão; segundo, quando os ELC são omitidos no texto, essa ausência parece não ser percebida pelos alunos.

A maior nota é observada na turma dos Iniciantes ComELC e a menor na turma dos Concluintes SemELC. Como dito antes, observou-se certa impaciência e pouco comprometimento em participar desse tipo de atividade por parte da turma dos Concluintes,

ao contrário da turma dos Iniciantes que demonstraram evidente comprometimento, por isso, entende-se, que o resultado passa a não ser surpreendente. Quanto à amplitude (a maior nota subtraída da menor), percebe-se maior disparidade na turma dos Concluintes, acredita-se pelas razões ditas há pouco.

A tabela 2, quanto aos ELC infl uenciarem na compreensão leitora, pelos dados apresentados, parece que esses elementos tendem a não exercer grande infl uência,

ComELC SemELCIniciantes Concluintes Iniciantes Concluintes

% a

certo

s

37,5 40,3 54,2 31,9

50,0 56,9 44,4 55,6

44,4 51,4 45,8 54,2

44,4 55,6 48,6 43,1

68,1 41,7 50,0 51,4

41,7 36,1 45,8 50,0

54,2 51,4 48,6 56,9

40,3 37,5 55,6 59,7

48,6 47,2 45,8 45,8

41,7 22,2 31,9 40,3

59,7 30,6 50,0 38,9

47,2 38,9 54,2 41,7

58,3 * 41,7 *

62,5 * * *

Média 48,1 45,3 45,7 48,6

Desvio padrão 9,5 11,3 8,2 8,3

Maior 68,1 61,1 55,6 59,7

Menor 33,3 22,2 25,0 31,9

Amplitude 34,7 38,9 30,6 27,8

Número 17 15 16 15* alunos que não quiseram devolver o instrumento de pesquisa respondido

Tabela 2 – Desempenho das turmas dos alunos Iniciantes eConcluintes dos grupos ComELC e SemELC

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observados até mesmo pela semelhança entre as médias. Como os resultados dos dados parecem sutis, foram realizadas outras análises como, por exemplo, o ANOVA – Análise de Variâncias, apresentados a seguir.

A tabela 3 mostra a variação de desempenho entre os grupos da turma dos Iniciantes. É possível observar que a variação é maior no grupo ComELC. Cabe lembrar que a turma recebeu como material de apoio um texto para leitura e o TCloze foi entregue com os ELC presentes neste grupo.

Observa-se que o fator F não está na região crítica. Portanto, não há evidência, a 5%, de que as diferenças sejam signifi cativas. Parece importante lembrar o que afi rma Coste (1978): o levantamento e a compreensão de diferentes elementos textuais – títulos, subtítulos, diagramação, etc. – devem levar o aprendiz a construir algumas hipóteses preliminares e interpretações com respeito ao sentido e à construção do texto. No entanto, a familiaridade quanto ao domínio e à existência de elementos co-textuais não são próprias a leitores em geral.

É possível observar na tabela 5 variação de desempenho entre os grupos da turma dos Concluintes. É possível observar também que a variação é maior no grupo ComELC. É provável que a percepção individual dos ELC como detentores de informação tenha auxiliado para a variação de desempenho.

Percebe-se que o fator F não está na região crítica. Assim, não há evidência, a 5%, de que as diferenças sejam signifi cativas.

A tabela 7 mostra a variação de desem-penho entre as turmas do TCloze dos grupos ComELC. A turma dos Concluintes mostra maior variação da média. Esse fato pode es-tar relacionado ao fato de que os alunos do fi nal de curso se mostraram pouco receptivos a desenvolver esse tipo de atividade que não

RESUMOGrupo Contagem Soma Média Variância

ComELC 17 589 34,64706 46,74265SemELC 16 527 32,9375 34,8625

Tabela 3 – Resultados do TCloze dos grupos ComELC e SemELC da turma dos Iniciantes

ANOVAFonte de variação SQ gl MQ F valor-P F crítico

Entregrupos

24,08924 1 24,08924 0,587626 0,449137 4,159615

Dentro dos grupos

1270,82 31 40,99419

Total 1294,909 32

Tabela 4 – Resulta-do do TCloze dos grupos ComELC e SemELC da turma dos Iniciantes

RESUMOGrupo Contagem Soma Média Variância

ComELC 15 489 32,6 66,54286SemELC 15 525 35 35,28571

Tabela 5 – Resultado do TCloze dos grupos ComELC e SemELC da turma dos Concluintes

ANOVAFonte de variação SQ gl MQ F valor-P F crítico

Entregrupos

43,2 1 43,2 0,848485 0,36485 4,195972

Dentro dos grupos

1425,6 28 50,91429

Total 1468,8 29

Tabela 6 – Resultado do TCloze entre os grupos ComELC e SemELC da turma dos Concluintes

RESUMOGrupo Contagem Soma Média Variância

ComELC 17 589 34,64706 46,74265SemELC 15 489 32,6 66,54286

Tabela 7 – Resultados do TCloze das turmas dos Iniciantes e dos Concluintes dos grupos

ComELC

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reverteria em nota para a disciplina.

Observa-se que o fator F não está na região crítica. Portanto, não há evidência, a 5%, de que as diferenças sejam signifi cativas. Este resultado surpreende, pois se esperava que os alunos Concluintes obtivessem melhor desempenho considerando o estágio de escolaridade no qual se encontravam, isto é, fi nalizando o curso.

A tabela 9 mostra a variação de desempenho entre as turmas do TCloze dos grupos SemELC. A população das turmas apresenta um desempenho mais padronizado. Cabe lembrar que esses alunos receberam o texto sem a presença dos ELC.

É possível observar que o fator F novamente não está na região crítica. Assim, não há evidências, a 5%, de que as diferenças sejam signifi cativas. Parece importante aqui

lembrar o que Duran (1981) e Cardoso (1994) afi rmaram sobre a conclusão da Educação Superior, isto é, ela não é sinônimo de oportunidade de emprego bem remunerado, já que é sabido que grande parte desses alunos chegam ao fi nal do curso com sérias defi ciências no conhecimento,

resultado de uma baixa habilidade em leitura.

3.3 Análise dos dados obtidos através do Questionário de Percepções do Aluno sobre sua Atuação como Sujeito da Pesquisa (QPAtuação)

Os alunos, após responderem o TCloze, receberam da bolsista o QPAtuação para ser respondido. O questionário continha 10 questões do tipo abertas.

O objetivo da questão 1 era saber quantos alunos haviam cursado a disciplina de Língua Portuguesa que faz parte das disciplinas obrigatórias do 1º semestre. Entre os Concluintes e Iniciantes, apenas 15 sujeitos dos 63 não tinham cursado a disciplina, esse dado é relevante para a pesquisa já que textos explicativos são contemplados no plano de curso

A questão 2 indagava sobre a facilidade ou difi culdade na leitura do texto. A maioria dos alunos Concluintes considerou o texto fácil e a maioria dos alunos Iniciantes considerou-a difícil ou regular, ou seja, os alunos de fi nal de curso parecem mais familiarizados com

este tipo de texto.Já com relação à

questão 3 que tratava do vocabulário do texto e de sua interpretação, a maioria dos sujeitos revelou não ter encontrado difi culdade em entendê-la.

Quanto à falta de algum conhecimento

necessário para o preenchimento das lacunas, na questão 4, a maioria dos alunos expressou não ter sentido falta de nenhum tipo de conhecimento e apenas 14 sentiram

ANOVAFonte de variação SQ gl MQ F valor-P F crítico

Entregrupos

33,39265 1 33,39265 0,596481 0,445966 4,170877

Dentro dos grupos

1679,482 30 55,98275

Total 1712,875 31

RESUMOGrupo Contagem Soma Média Variância

ComELC 16 527 32,9375 34,8625SemELC 15 525 35 35,28571

Tabela 9 – Resultados do TCloze das turmas dos Iniciantes e Concluintes dos grupos SemELC

Tabela 8 – Resultados do TCloze das turmas dos Iniciantes e dos Concluintes dos grupos ComELC

ANOVAFonte de variação SQ gl MQ F valor-P F crítico

Entregrupos

32,93347 1 32,93347 0,939163 0,340507 4,182964

Dentro dos grupos

1016,938 29 35,06681

Total 1049,871 30

Tabela 10 – Resultados do TCloze das tur-mas dos Iniciantes e Concluintes entre os

grupos SemELC

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necessidade de exercitar mais a leitura.Sobre as informações presentes no texto

que foram relevantes para o preenchimento das lacunas do TCloze, questão 5, as respostas foram variadas, sendo que predominaram as respostas dos alunos que levaram em consideração todas as informações do texto ou o conceito de resiliência presente no texto de apoio e no texto do TCloze.

A questão 6 era importante para esta pesquisa, pois fazia referência aos ELC. A maioria dos alunos das turmas de Iniciantes e Concluintes SemELC expressou que não faltavam informações no texto. Apenas um sujeito disse estar faltando o título do texto. Através desta questão esperava-se que o grupo expressasse ter percebido a falta dos ELC, para auxiliar na compreensão leitor. Pode-se concluir, então, que além dos discentes não perceberem que esses elementos não estavam presentes, não sentiram a falta dos mesmos, para possibilitar alternativas de compreensão. Esse fato parece evidenciar não uma difi culdade dos alunos em relacionar os elementos às informações do texto, mas sim completo desconhecimento desses elementos como “detentores” de informação.

Quanto à apresentação do texto explicativo, tratada na questão 7, os alunos, na sua grande maioria, responderam não notar nada de diferente neste tipo de texto em relação a outros já lidos. Apenas 7 discentes expressaram como diferença em relação aos outros textos lidos, o fato deste tipo de texto apresentar uma explicação para um termo ou dúvida apresentada na introdução.

O objetivo da questão 8 era saber se os alunos sabiam reconhecer as características de um texto explicativo. As respostas a essa questão foram variadas. Embora os conceitos tenham sido expressados de forma incompleta pelos alunos, 17 mostraram ter noção do que vem a ser um texto explicativo. Contudo, a grande maioria, 46 discentes, não sabia conceituá-lo nem parcialmente. Este é um dado importante e preocupante considerando o nível de escolaridade no qual se encontram e/ou encontravam-se esses alunos, principalmente por ser um tipo de texto visto facilmente em revistas de cunho cultural e em revistas especializadas na área de atuação desses profi ssionais.

A questão 9 tratava da familiaridade do aluno, em aula, com o texto explicativo, pois indagava em quais disciplinas eles haviam trabalhado com este tipo de texto. A grande maioria dos alunos disse não ter trabalhado, em aula, com este gênero de texto. Já 20 alunos disseram ter trabalhado com este gênero textual, nas seguintes disciplinas: português (11); fi losofi a (2); ciências políticas (1), metodologia (2); sociologia (1); mercadológica (2); recursos humanos (1).

Por fi m, a questão 10 perguntava se os discentes consideravam ter compreendido o texto. Os alunos, na sua grande maioria, consideraram tê-lo compreendido, sendo que 11 expressaram não tê-lo entendido, isto é, 5 Iniciantes e 6 Concluintes.

4. Discussão e conclusão Esta pesquisa teve como objetivo analisar

a infl uência dos elementos linguísticos contextualizadores na compreensão leitora. Nesse sentido, os escores obtidos através do Teste de Avaliação da Compreensão leitora do aluno (TCloze) e as respostas ao Questionário de Percepções do Aluno sobre sua atuação como sujeito da pesquisa (QPAtuação) constituíram-se em dados fundamentais para o propósito deste trabalho.

Esperava-se que os discentes do início do curso de Administração apresentassem certa familiaridade com os textos apresentados, uma vez que os mesmos abordavam temas da área, publicados em veículo de massa, de fácil acesso (Revista VOCE/SA). Principalmente, por ser o autor dos textos um profi ssional reconhecido na área por sua atuação (Max Gehringer: escritor, consultor de carreira e palestrante), tanto na revista em questão como na televisão (emissora Rede Globo), no programa “Emprego de A a Z”, do Fantástico, aos domingos. Nesse dia da semana, o escritor também trata de temas relacionados ao mundo do trabalho, pois este programa tem seu foco direcionado, segundo o consultor (conforme contato por e-mail), para o “mercado de trabalho” e a revista para “o público corporativo”.

Por outro lado, esperava-se que o resultado do teste de compreensão leitora, com discentes do último semestre do curso de Administração, fosse ainda mais positivo, uma vez que esses alunos, acredita-se, estão familiarizados com o tema dos textos,

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são alunos que foram expostos a gêneros textuais variadas ao longo do Curso – (in-clusive textos explicativos, ainda que a terminologia não tenha sido empregada) – e, além disso, conhecedores do vocabulário da área.

Através da observação e análise dos dados fornecidos pelo ANOVA, pareceu ter fi cado evidente que um dos problemas da compreensão é considerá-la, na maioria dos casos, uma simples e natural atividade de decodifi cação de um conteúdo objetivamen-te inscrito no texto. Esse aspecto já havia sido apontado por Marcuschi (1999). Para o autor, compreender um texto envolve mais do que o simples conhecimento da língua e reprodução de informações. Atividades des-se tipo parecem, ainda, ser o estilo de ativi-dade trabalhada em aula no que se refere à compreensão leitora. Através da pesquisa foi possível constatar este fato, já que os alu-nos, além de não levarem em conta as informações presentes nos ELC, não percebem sua ausência, como se fosse possível dispensar a inclusão des-ses elementos que são al-ternativas que auxiliam na compreensão em leitura.

Por tudo isso, cabe frisar que a compreensão em leitura, essencial para o sucesso no Ensino Superior, está associada à maturidade em leitura, que pode (e deve) ser implementada por atividades efi cazes em aula e em todas as disciplinas, além de serem necessários programas específi cos de intervenção, no âmbito das várias disciplinas, garantindo a oportunidade de superação de eventuais limitações.

Não se pode também ignorar a hipótese de a baixa pontuação no TCloze estar relacionada à falta de comprometimento do aluno, principalmente de fi nal de curso, ao responder ao instrumento de pesquisa, visto que a tarefa não reverteria em pontuação para a disciplina (nota). Fato não observado de forma signifi cativa entre os alunos ingressantes no curso.

Ainda, conforme observam Cardoso (1994) e Witter (1997), a compreensão em leitura é um tema de grande importância dentro do contexto universitário tendo em

vista que esse estudante ingressará em um mercado de trabalho competitivo, devendo possuir uma qualifi cação técnica que lhe será exigida. Os dados aqui apresentados e as conclusões discutidas apontam para a necessidade de realização de novas pesquisas sobre o tema, de forma a elucidar as questões aqui levantadas.

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A compreensão em leitura, es-sencial para o sucesso no En-sino Superior, está associada à maturidade em leitura, que pode (e deve) ser implemen-tada por atividades efi cazes em aula e em todas as disciplinas.

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O poder de controle nas sociedades anônimas brasileiras

Prof. Dr. Silvio Javier Battello Calderon1

Resumo: O presente trabalho aborda a problemática do poder de controle nas sociedades anônimas brasileiras. Desde uma visão comparatista, e tomando como referência os aportes da doutrina norte-americana, se analisa a regulamentação legal do instituto, a distinção com o direito de propriedade e as diversas formas ou espécies de controle societário.

Palavras-chave: Sociedade Anônima, Propriedade, Poder de Controle.

Abstract: This paper discusses the problem to the legal control in Brazilian corpo-rations. From a comparative view, and taking as reference the contributions of U.S. doctrine, analyzes the legal regulation of the institute, distinction with property rights and the various forms or types of corporate control.

Key-words: Corporation, Ownership, Control Power.

1Bacharel em Direito (UNC, Argentina); advogado na Argentina e no Brasil; Especialista em Direito Empresarial (PUC-RS); Doutor em Direito (UFRGS); Pós-doutorando em Direito (UBA, Argentina); professor da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. E-mail: [email protected]

Introdução

Situado diante de qualquer instituição organizada, seja uma fábrica, prefeitura ou ainda uma entidade religiosa, o observador provavelmente se perguntará: quem comanda essa organização? Como fez para chegar ao poder? Qual é o alcance do mesmo? Embora constituam perguntas comuns, suas respostas fi cam longe de ser simples, e podem substan

cialmente ser conforme o tipo de instituição. Comandar uma prefeitura é diferente de co-mandar ou controlar um time de futebol ou uma entidade religiosa. O presente trabalho pretende responder às perguntas, limitando-se ao âmbito societário brasileiro, especial-mente às sociedades anônimas.

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Cabe destacar que, do ponto de vista semântico, o termo “controle” possui duas acepções: uma de origem francesa, utilizada no sentido de fi scalização, inspeção, inter-venção; e outra de origem inglesa, sinônimo de comando, domínio ou preponderância. No direito societário, quando se faz referência ao controle ou ao poder de controle, sem nenhum tipo de esclarecimento ou comentário, se lhe está atribuindo o segundo signifi cado – domí-nio societário. Também são utilizados como sinônimos os termos dominação ou infl uência dominante, todos para designar o exercício do poder. As legislações também não são coinci-dentes, ao determinar o conceito, recorrendo a expressões variáveis2. Diante da difi culda-de de conceituação do “controle societário”, De Aguinis afi rma que “o poder nas ciências sociais é como a energia na física: não se defi ne, mede-se por seus efeitos. Decidir po-líticas fi nanceiras, de pessoal, de marketing, do destino das utilidades, de investimentos, da comercialização, tudo isso é a expressão cotidiana e verdadeira do exercício do controle societário” (DE ANGUINIS, 1996, p. 19).

A autonomia do conceito de poder de con-trole apareceu na primeira metade do século passado, evidenciado pelo estudo dos pro-fessores Adolf A. Berle e Gardiner C. Means (1940). Desde então foi ganhando cada vez mais espaço nas bibliografi as societárias de todo o mundo3. A preocupação acadêmica também teve efeitos no âmbito legislativo. No Brasil, a atual Lei de Sociedades Anôni-mas4, a diferença da anterior, preocupou-se em tratar o poder de controle como instituto próprio, determinando seu signifi cado e suas consequências jurídicas.

Nosso estudo centra-se na descrição do poder de controle no Direito Brasileiro. Foge do alcance deste trabalho o aprofundamento sobre as consequências jurídicas da sua con-

fi guração. O plano está dividido em duas par-tes. Na primeira, se estudam as características do poder de controle à luz do direito brasileiro. Já a segunda parte se propõe a sistematizar as diversas peculiaridades do poder através das formas de seu exercício.

I. Características

A) Propriedade e controle societário

É comum pensar que quem exerce o poder numa companhia é seu dono. O proprietário das riquezas produzidas por uma indústria ou comércio deve ser, em princípio, quem possui o poder de comando ou controle. Entretanto, o conceito de riqueza sofreu profundas mudan-ças no decorrer do século XX. Ser proprietário de grandes extensões de terras, de milhares de cabeças de gado ou de uma fábrica foi, em tempos passados, as principais exteriori-zações de poder e dinheiro.

Esse paradigma de riqueza começou a mudar, e os antigos bens que a representa-vam (todos eles materiais) começaram a fi car atrás de outras fontes, de caráter imaterial, tais como os contratos de software, trans-ferências de know-how, títulos de diversas espécies, ações, marcar, patentes de inven-ção, propriedade intelectual, etc. Basta pensar em Bill Gates, que se converteu no homem mais rico do mundo, não por possuir grandes fazendas ou inúmeros imóveis, mas sim por ser o pai do Windows, sistema operacional de computadores que mudou radicalmente a sociedade mundial.

As novas formas de riqueza (títulos de diversas espécies, transferência de know how etc.) apresentam uma característica comum, a abstração. Nenhum deles possui por si só um signifi cado claro ou completo; são termos representativos, relacionados a bens imate-

2 Por exemplo, o art. 33 da Lei de Sociedades Comerciais Argentina e o art. 2.359, 2, do Código Civil Italiano utilizam o termo “infl uência dominante”. Para uma análise comparativa e evolutiva dos conceitos, veja-se: ALONSO, Felix Ruiz. “Holding” no Brasil. Revista de Direito Comercial. v. 10, São Paulo, p. 77-96. 1952. 3 Uma boa resenha bibliográfi ca pode ser consultada nas obras de: COMPARATO, Fabio Konder. O poder de controle na sociedade anônima. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1976; a mesma obra com atualização de Calixto Salomão Filho. Rio de Janeiro: Forense, 2005; FERREIRA DE MACEDO, Ricardo. Controle não Societário. Rio de Janeiro: Renovar, 2004; MANÓVIL, Rafael M., Grupos de Sociedades en el derecho comparado. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1998. 4 A seguir denominada Lei das S.A.

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riais, intangíveis, frutos do avanço da ciência jurídica para acompanhar a nova realidade econômica. A realidade negocial pode ser facilmente dimensionada em termos econômi-cos, mas difi cilmente em termos jurídicos. O sistema clássico de propriedade, baseado no ideal do senhorio do titular sobre seus bens, demonstra-se insufi ciente para conceituar e delimitar os avanços econômicos do último século5 .

O conceito de propriedade necessitou transformar-se, tornando-se mais elástico6. O que consideramos como principais atri-butos do direito de propriedade, isto é, seu caráter absoluto, exclusivo e irrevogável7, não é aplicável às novas fontes de riquezas, ou, pelo menos, com o alcance que têm em relação aos bens materiais. Se, por exem-plo, analisamos o conceito de Propriedade Industrial, verifi camos que se aplicam a este as condições de absoluta e exclusiva, mas não podemos dizer o mesmo de seu caráter

irrevogável, visto que o direito de patente é eminentemente temporário8.

O mesmo acontece com a propriedade acionária. Com a evolução do direito, torna-se complexa, a ponto de que as condições ou atributos antes referidos não mais se adequam à realidade atual, isso, em virtude do enfraquecimento do caráter exclusivo da propriedade. Nos dias de hoje, o “proprietário” de ações não é necessariamente quem con-trola ou comanda a empresa.

A posse de ações não implica como coro-lário natural o exercício de poder na empre-sa. Existem várias categorias de acionistas sem poder de controle, como é o caso dos possuidores de obrigações negociáveis, cer-tifi cados de inversão e tantos outros papéis comerciais de sociedades. Assim, a própria técnica jurídica é a encarregada de outorgar a esses acionistas uma propriedade excluída da posse e da disposição dos bens da empresa, ou, como afi rma Comparato, uma proprieda-

5 Para uma análise mais detalhada, veja-se: DE AGUINIS, Control de Sociedades. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1996, em especial o cap. I; GALGANO, Francesco. Historia del Derecho Comercial, Barcelona: Laia, 1980, capítulos II e III. 6 A evolução do conceito de propriedade foi muito bem exposta por Ihering, que, adiantando-se no tempo, afi rmava: “Nuestra vida jurídica, se sabe, conoce numerosos derechos que el lenguaje ha extendido el término propiedad, aún cuando no tengan la cosa como objeto. Es así que se dice: propiedad literaria, propiedad de misivas, de letras de cambio, entendiendo por tal, no la propiedad del manuscrito, de las copias o del trozo de papel sobre el cual está escrita la carta o la letra de cambio, sino el derecho al contenido intelectual del papel, es decir, la disposición propia, independiente, exclusiva, concerniente a dicho papel, y por consiguiente, el derecho a interdecir su disposición a los demás (derecho de prohibición) que conforma el corolario indispensable. Es en este sentido, también, que pueden ser materia de propiedad ‘comercial’ los nombres y marcas de fábrica. Este lenguaje usual es criticado en la doctrina, y desde el punto de vista didáctico, el profesor hará bien en prevenir al alumno contra el peligro de considerar estos derechos como constitutivos de una propiedad en el sentido propio de la palabra. Pero una vez hecha esta observación, estimo que no hay nada que objetar contra el empleo de estas expresiones. Yo las tengo, por el contrario, por las más precisas y las más exactas y estoy convencido de que, precisamente por este motivo, el lenguaje no deberá dejarse apartar por ese escrúpulo jurídico, Pronto, yo pienso, esas expresiones serán usadas por la ciencia, y se asistirá al fenómeno que ya hemos visto se produjo en el Derecho Romano: las acciones y las formas que originariamente estaban referidas a ‘la cosa’ transladadas a los derechos mismos. Todos los actos, todas las relaciones de derecho patrimonial han tenido originariamente por objeto la cosa; la cosa visible, palpable, formando el objeto primero y natural del Derecho y de toda disposición jurídica. Empero, desde este punto de partida material, el Derecho es elevado poco a poco a una concepción inmaterial, espiritualista, que coloca a las res incorporalis en la misma línea de la res corporalis. Las nociones y las palabras creadas para estas últimas, en adelante, en todas partes donde se pueda, son transladadas a los derechos. Así la noción de habere, realizado por la venta de una cosa se extiende a la venta de los créditos, de las sucesiones, del usufructo. Así, aun aquéllos de lacatio rei se extienden a la locación de la renta (es decir al ejercicios de los derechos). La noción de jus in re, ella misma se translada de la cosa a los derechos, el derecho de prenda y el usufructo son extendidos a los créditos y a los patrimonios enteros”. In: Actio Injuriam, des Lésions injurieuses en Droit Romain (et en Droit Français), traduit et annoté par O. De Meuleneare, Marescq, Paris, 1888, pag. 145. Citado e traduzido para o espanhol por DE AGUINIS, Control..., p. 9-10. 7 Sobre esses conceitos, veja-se: MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. 16 ed. São Paulo, 1980, p. 88 e ss. 8 Sobre o conceito e alcance da Propriedade Industrial veja-se: MICHELLI DE ALMEIDA, Marcus Elidius. Propriedade Industrial frente à concorrência desleal. In: Adalberto Simão Filho e Newton de Lucca (org.) Direito empresarial contemporâneo. 2 ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004, p. 111-141.

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de estática, de mera fruição (COMPARATO, 2005, p. 41). Por sua vez, o management e a moderna tecnoestrutura societária criaram sua própria fonte de poder (acordo de acionistas, leveraged, etc.), que não obedece ao sistema organicista e democrático sob o qual se fun-daram as bases das legislações societárias. Assim, a propriedade da riqueza separou-se do controle da riqueza9. Se atualmente o po-der de controle não mais se identifi ca com a propriedade, como distingui-lo?

Para o professor Comparato, querer colo-car o poder de controle dentro do direito de propriedade é uma herança do direito burguês e revolucionário francês, que visava suprimir o domínio eminente da terra – a propriedade estática – e tornar absoluto o domínio útil – a propriedade dinâmica – dos que efetivamente cultivavam a terra e possuíam os instrumentos de trabalho, convergindo num único direito de propriedade sobre o qual se edifi caram a maior parte das legislações pós-napoleô-nicas10, inclusive o Código Civil Brasileiro de 2002, quando estabelece:

Art. 1228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, de direito de reavê-la do poder de quem quer que injusta-mente a possua ou detenha.

Art. 1231. A propriedade presume-se plena e exclusiva, até prova em contrário.

Ser proprietário de ações não signifi ca ter o poder de controle da companhia, mas um direito subjetivo para proteger sua proprieda-de, utilizando-o sempre em interesse próprio. Deve-se destacar que a proteção de seus di-reitos está intimamente vinculada com a ação

judicial para seu reconhecimento, o chamado “direito em pé de guerra” como geralmente é conhecido. É o próprio titular quem o exerce perante terceiros, valendo-se da proteção dada pela lei. Assim, o direito do proprietário integra-se com a ação judicial, e é por força dessa ação que o proprietário poderá conse-guir a reivindicação da propriedade acionária, contestar a ação de seu credor, executar o devedor, etc.11

Quem exerce o poder de controle está numa situação objetiva, constituída por direi-tos e deveres. Trata-se de uma faculdade de produzir efeitos jurídicos pela manifestação de vontade de seu titular e não da propriedade sobre a coisa. De forma mais taxativa: um “autêntico iusum super partes, comportando a suprema determinação da atividade empresa-rial e o consequente poder de disposição dos bens da empresa” (COMPARATO, 1976, p. 106).

A faculdade de produzir determinados efeitos jurídicos, em virtude do poder de controle, deve ser exercida em benefício de outrem – neste caso, da empresa – ou, pelo menos, não exclusivamente por aquele que exerce o poder. Dessa forma, os confl itos são de interesses – e não confl itos surgidos do âmbito convencional – entre quem representa o poder e aquele que está representado. Para aquele que o exerce, existem deveres corre-latos, que servem para limitar ou restringir o poder. Como bem ensina De Aguinis, o poder de decidir sobre os bens de outrem é limitado pelo dever de não causar dano, de não enri-quecer sem justa causa. É uma questão de lealdade, que não gera vínculos jurídicos (DE AGUINIS, 1996, p. 29).

Ante a violação dos respectivos deveres por parte do titular do poder, existe a possi-

9 A frase, atribuída a Galgano, é citada por DE AGUINIS, Control..., p. 19.10 Para esta afi rmação, o autor cita a Jean Carbonnier: CARBONNIER, Jean Droit Civil, vol. 3, 7 ed. Paris, 1973, p. 88, apud COMPARATO, O poder..., p. 101.11 Para o desenvolvimento destes conceitos, veja-se ROUBIER, Paul. Droits Subjetifs et Situations Juridiques. Paris: Dalloz, 1963.

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bilidade da ação judicial daquele que tenha sofrido o dano. A intervenção jurisdicional so-mente aplicará a sanção se verifi cado o dano ou o enriquecimento sem causa, bem como a legitimidade do autor da pretensão. A principal diferença com a ação do titular do direito de propriedade reside no fato de não ser o poder de controle uma situação pré-determinada, “é a própria ação de responsabilidade que faz aparecer a situação jurídica. Não há direito anterior” (DE ANGUINIS, 1996, p. 31). Importa destacar que a divisão teórica entre a proprie-dade acionária e o poder de controle socie-tário apresenta-se, na prática, muitas vezes confundida em relações jurídicas complexas que misturam direitos, poderes, deveres, obrigações e prerrogativas de diversa índole.

Falar de “poder de controle” sugere, em primeiro lugar, a existência de um binômio: se existe controle é porque alguém exerce esse poder sobre outrem, neste caso, uma sociedade. A sociedade controlada é o sujeito passivo necessário sobre a qual se atua ou se exerce o poder. Em nenhum caso o controle se manifesta sobre pessoas, o que confi guraria um caso de escravidão. O exercício do poder não é absoluto, já que sempre estará limitado pelos deveres correlatos, pelas circunstâncias e também pela vontade de quem dispõe dele. O direito brasileiro, a partir da Lei das S.A. de 1976, qualifi ca e regulamenta o controle no âmbito societário, e precisamente sobre esta lei nos deteremos adiante.

B) Sistema normativo

A Lei das S.A., lei nº 6.404, de 15-12-1976, faz referências específi cas sobre o poder de controle e sua titularidade. A sistemática legal é elogiável, visto que, na época da sua pro-mulgação, os direitos da Família Continental limitavam-se a reconhecer o poder de controle dentro da estrutura interna societária12 ou como matéria conexa à regulamentação dos

grupos de sociedades13. A Lei das S.A. inovou ao regulamentar a posição do acionista con-trolador e da sociedade controladora.

a) Acionista controlador

O conceito de acionista controlador surge do art. 11614 da Lei das S.A., que trata clara-mente das situações em que se confi gura o poder de controle. O caput da norma defi ne os possíveis sujeitos destinatários da con-fi guração legal, podendo ser tanto pessoas físicas como jurídicas, ou ainda um conjunto de pessoas que componham a maioria e usem as prerrogativas estabelecidas na norma. O poder manifesta-se nas deliberações sociais e na eleição da maioria dos administradores. É importante destacar que legislador não exige a “propriedade” de um percentual mínimo de ações com direito a voto para caracterizar a fi gura do controlador. Preferiu, diferente-mente, identifi car o controlador caso a caso, analisando quem é a pessoa que comanda a empresa, fazendo prevalecer suas decisões nas assembleias e escolhendo os adminis-tradores. Dessa forma, o legislador abre a possibilidade de que um não-acionista possa ser considerado titular do poder sempre que obtenha a maioria dos votos nas assembleias gerais. Porém, para que a confi guração legal seja efetiva, há outras duas condições, uma temporal e outra factual.

A condição temporal é a da letra “a” do refe-rido artigo, ao exigir que o poder do titular dos direitos de sócio na garantia dos resultados das deliberações da assembleia geral ou no permanente poder de escolha dos administra-dores da companhia. E como determinar essa permanência? Trata-se de uma questão de fato, e quem alega deve provar15. Entretanto, o Banco Central estabeleceu em 1976, com a Resolução n. 401, item IV (hoje revogada) um critério que ainda hoje pode ser utilizado16. A

12 Por exemplo, o art. 366 e ss. da Lei de Sociedades Francesa de 1966 e os artigos 2.359 e 2.360 do Código Civil Italiano de 1942.13 Por exemplo, o art. 311 e ss. da Lei Alemã das Sociedades por Ações de 1965.14 Art. 116. Entende-se por acionista controlador a pessoa, natural ou jurídica, ou o grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, ou sob controle comum, que: a) é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembleia-geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia; e b) usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia.15 Estabelece o art. 333 do Código de Processo Civil: O ônus da prova incumbe: I – ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito. 16 Neste sentido, COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 5. ed. Vol. 2. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 280.

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regulamentação determinava que se deveria considerar permanente a manifestação do poder de controle, se o acionista titularizas-se ações que lhe asseguravam a maioria absoluta de votos, ou, caso não existisse tal possibilidade, se essa pessoa obtivesse a maioria nas três últimas assembleias gerais.

A condição factual, estabelecida na letra “b”, exige que o controlador use efetivamente o poder. A existência de condição temporal, isto é, da permanência, por si só não é su-fi ciente para que o sujeito fi que enquadrado como controlador. Requer, ainda, que utilize tal poder dirigindo a empresa e guiando os órgãos da companhia. Se ambas condições não são verifi cadas, não é possível verifi car o controlador ou os controladores. As possíveis consequências legais ou responsabilidades a ele deverão estender-se a todos os sócios e, se for o caso, também aos administradores.

O parágrafo único do mesmo artigo17 mos-

tra os deveres que limitam esse poder. Como se afi rmou no ponto anterior trata-se de uma questão de lealdade, que não gera vínculos jurídicos. O exercício efetivo do poder aparece limitado pelos deveres de lealdade comer-cial, de diligência, de um atuar previdente. A norma não faz outra coisa senão colocar na lei o princípio geral da conduta de um bom

homem de negócios. O art. 11718, por sua vez, enumera, de forma exemplifi cativa, as modalidades do exercício abusivo do poder em virtude das quais o controlador deverá responder pelos danos causados. Nenhum dos artigos pertinentes, tanto o art. 116 como o art. 117, determinam quais são os sujeitos legitimados para solicitar a intervenção juris-dicional, caso se verifi que algumas dessas hipóteses, cabendo ao próprio interessado provar os extremos da litis: a existência do dano e o interesse legítimo de agir19.

b) Sociedade controladora

Se quem exerce o controle é outra socie-dade, o conceito é fornecido pelo art. 24320. A diferença com o art. 116 é sutil. Esse último, para qualifi car o acionista como controlador, exige que o mesmo tenha a maioria dos votos na assembleia de acionistas, enquanto que, para a sociedade controladora, a norma requer que tenha preponderância nas deliberações sociais. Sobre o tema, Rubens Requião afi rma que “O uso dessa expressão ‘preponderância’ se deve à circunstância de o controle poder ocorrer entre sociedades de diferentes tipos, como a sociedade por cota de responsabili-dade limitada, quando evidentemente não se menciona ‘acionista’ ou ‘maioria de votos’. Preponderância foi a melhor expressão que o

17 Art. 116, Parágrafo único. O acionista controlador deve usar o poder com o fi m de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender.18 Art. 117. O acionista controlador responde pelos danos causados por atos praticados com abuso de poder. § 1º São modalidades de exercício abusivo de poder: a) orientar a companhia para fi m estranho ao objeto social ou lesivo ao interesse nacional, ou levá-la a favorecer outra sociedade, brasileira ou estrangeira, em prejuízo da participação dos acionistas minoritários nos lucros ou no acervo da companhia, ou da economia nacional; b) promover a liquidação de companhia próspera, ou a transformação, incorporação, fusão ou cisão da companhia, com o fi m de obter, para si ou para outrem, vantagem indevida, em prejuízo dos demais acionistas, dos que trabalham na empresa ou dos investidores em valores mobiliários emitidos pela companhia; c) promover alteração estatutária, emissão de valores mobiliários ou adoção de políticas ou decisões que não tenham por fi m o interesse da companhia e visem a causar prejuízo a acionistas minoritários, aos que trabalham na empresa ou aos investidores em valores mobiliários emitidos pela companhia; d) eleger administrador ou fi scal que sabe inapto, moral ou tecnicamente; e) induzir, ou tentar induzir, administrador ou fi scal a praticar ato ilegal, ou, descumprindo seus deveres defi nidos nesta Lei e no estatuto, promover, contra o interesse da companhia, sua ratifi cação pela assembleia-geral; f) contratar com a companhia, diretamente ou através de outrem, ou de sociedade na qual tenha interesse, em condições de favorecimento ou não equitativas; g) aprovar ou fazer aprovar contas irregulares de administradores, por favorecimento pessoal, ou deixar de apurar denúncia que saiba ou devesse saber procedente, ou que justifi que fundada suspeita de irregularidade. h) subscrever ações, para os fi ns do disposto no art. 170, com a realização em bens estranhos ao objeto social da companhia. § 2º No caso da alínea e do § 1º, o administrador ou fi scal que praticar o ato ilegal responde solidariamente com o acionista controlador. § 3º O acionista controlador que exerce cargo de administrador ou fi scal tem também os deveres e responsabilidades próprios do cargo.19 Para mais informações sobre a caracterização do abuso do poder, as provas necessárias e as medidas judiciais cabíveis, veja-se: CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. Vol. 2, 3 ed., São Paulo: Saraiva, 2003, p. 494-512.20 Art. 243 § 2º Considera-se controlada a sociedade na qual a controladora, diretamente ou através de outras controladas, é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, preponderância nas deliberações sociais e o poder de eleger a maioria dos administradores.

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legislador encontrou para, neste caso, traduzir a ideia de uma sociedade sobre a outra, nem todas do tipo sociedade anônima” (REQUIÃO, 2000, p. 248).

Além da semelhança, existem algumas diferenças. Por que o art. 243 § 2º não exige o uso efetivo do poder, como o inciso b) do art. 116? Sobre este questionamento não cabe outra afi rmação a não ser se tratar de uma omissão legal. Portanto, o requisito de uso efe-tivo do poder deve ser considerado implícito na defi nição do art. 243, § 2º. Também cabe perguntar: por que não se faz referência “ao grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, ou sob controle comum”, como no caput do art. 116? Tal situação fática seria também possível no caso de sociedades controladoras, e não existe nenhum argumento legal que o proíba, sempre que respeitadas as exigências do art. 118 da Lei das S.A.21.

Outra diferença entre o acionista contro-lador e a sociedade controladora é o esta-belecimento da responsabilidade. Afi rmamos que contra o sócio controlador não existem condições para o exercício da ação. Em con-trapartida, para a sociedade controladora, o art. 24622 da Lei das S.A. determina quem são as pessoas legitimadas para solicitar a repa-ração do dano: acionistas que representem cinco por cento do capital social ou qualquer acionista sempre que preste cautio judicatum solvi. Sendo procedente a ação, a norma de-termina que a sociedade controladora deva, tendo como base o valor da indenização, as custas; os honorários de advogado, até vinte por cento, além do prêmio de cinco por cento

ao autor da ação. A ação de responsabilida-de delitiva não impede que sejam aplicadas outras sanções vinculadas com o atuar do agente, tais como a anulação de votos ou de atos da assembleia. O prazo prescricional é de três anos, conforme art. 287, II,b.

Ainda sobre as sociedades controladoras, a Lei das S.A. regulamentou, no capítulo XXI, os grupos societários de direito, com o intuito de fomentar a colaboração empresarial e o desenvolvimento econômico do país. Os redatores da Lei tomaram como inspiração para a regulamentação dos grupos de socie-dades brasileiros o Zaibatsu Japonês, forma peculiar de organização ou concentração fi nanceiro-industrial-comercial, com estrutura em forma de estrela, com um banco no centro. Apareceram no Japão com a restauração da Dinastia Meiji (fi ns do século XIX), sendo as principais referências destes agrupamentos a Mitsu, Mitsubishi, Sumitomo e Yasuda. Como o sistema japonês é completamente diferente dos paradigmas ocidentais, e apesar de ter servido de fonte de inspiração para o legisla-dor brasileiro, copiou-se o sistema alemão23.

O Konzern alemão pode caracterizar-se como um grupo de empresas juridicamente in-dependentes, mas que obedece a uma gestão central ou unitária. A utilização destas políticas unifi cadas por parte das empresas alemãs foi anterior a qualquer tipo de regulamentação legal. Aliás, as primeiras disposições para sua regulamentação tinham como escopo impedir que as empresas nacionais criassem grupos econômicos centralizados, utilizando-se para isso normas punitivas. Sendo infrutíferos os intentos do governo de coibir essa praxe em-

21 Nesse sentido: COMPARATO, Fábio Konder. Titularidade do poder de controle e responsabilidade pela concessão abusiva do crédito. In: Direito Empresarial. Estudos e Pareceres. São Paulo: Saraiva, 1990, p. 65-73; EMBID IRUJO; José Miguel. El derecho de los grupos de sociedades en el Brasil – su signifi cación y repercusión en el ordenamiento jurídico español. Revista de direito mercantil industrial, econômico e fi nanceiro, ano XXVII, n 71, p. 5-46, jul./set. 1998.22 Art. 246. A sociedade controladora será obrigada a reparar os danos que causar à companhia por atos praticados com infração ao disposto nos artigos 116 e 117. § 1º A ação para haver reparação cabe: a) a acionistas que representem cinco por cento ou mais do capital social; b) a qualquer acionista, desde que preste caução pelas custas e honorários de advogado devidos no caso de vir a ação ser julgada improcedente. § 2º A sociedade controladora, se condenada, além de reparar o dano e arcar com as custas, pagará honorários de advogado de vinte por cento e prêmio de cinco por cento ao autor da ação, calculados sobre o valor da indenização.23 Sobre a infl uência do sistema japonês na Lei das S.A., veja-se: CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. Vol. 2, 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 295 ss.

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presarial, a legislação alemã deu soluções diferentes conforme se trate de Konzern de fato e de Konzern de direito. Para os primeiros, os grupos de fato, o tratamento legal continua tendo o caráter punitivo das primeiras regu-lamentações, tentando com isto dar maior impulso ao Konzern de direito, para os quais se cria um sistema de normas reguladoras e de publicidade24. É o sistema alemão dos Konzern de direito que serviu de base para a Lei de S. A. brasileira.

O art. 265 da Lei das S.A.25 dispõe que a sociedade controladora e suas controladas podem constituir grupos de sociedades26, sempre que a controladora seja brasileira e que exerça seu poder, direta ou indiretamente, como titular de direitos de sócio e acionista, ou mediante acordo com outros sócios e acionis-tas. Para o presente estudo, a regulamentação do artigo em questão, assim como as normas vinculadas, não precisa de maiores esclare-cimentos, já que, da mesma forma que para o conceito de sociedade controladora do art. 243 § 2º, ao defi nir a sociedade controladora, exige a titularidade de direitos de sócio.

O legislador brasileiro errou ao pretender que esse tipo de associação fosse adotado pelos empresários brasileiros não habituados a este tipo de prática. Criou-se, ao invés, um sistema híbrido, próprio e inefi ciente. Isso ocorreu porque somente a controladora, com suas controladas, podem criar grupos de so-ciedades, exigindo-se, ainda, o adimplemento das formalidades exigidas na Lei, artigos 265

a 277. Trata-se, na verdade, de uma forma de exercício do poder da sociedade dominante sobre suas dominadas, de pouquíssima utili-dade prática.

c) Normas extra-societárias

Dentro do sistema legal brasileiro, existem outras normas que complementam ou inte-gram o direito societário nacional, trazendo importantes regras sobre o poder de controle. É o caso da Constituição Brasileira, que, por questões de interesse público e segurança nacional, estipula que determinadas ativida-des econômicas devem ser realizadas por empresas constituídas por parte ou total do capital em poder de brasileiros.

Exemplo disso é a Lei 10.610 de 20 de de-zembro de 2002, que disciplina a participação de capital estrangeiro nas empresas jornalísticas e de radiodifusão sonora e de sons e imagens, de que trata o § 4o do art. 222 da Constituição Federal27. A lei estabelece:

Art. 2º: A participação de estrangeiros ou de brasileiros naturalizados há menos de dez anos no capital social de empresas jornalísticas e de radiodifusão não poderá exceder a trinta por cento do capital total e do capital votante dessas empresas e somente se dará de forma indireta, por intermédio de pessoa jurídica constituída sob as leis brasileiras e com sede no País.

E no § 1º determina que “as empresas efetivamente controladas, mediante encade-amento de outras empresas ou por qualquer outro meio indireto, por estrangeiros ou por brasileiros naturalizados, há menos de dez

24 Sobre o Konzern Alemão, e sua importância no Direito Comparado, veja-se: MANÓVIL, Grupos..., p. 421 ss. 25 Art. 265. A sociedade controladora e suas controladas podem constituir, nos termos deste Capítulo, grupo de sociedades, mediante convenção pela qual se obriguem a combinar recursos ou esforços para a realização dos respectivos objetos, ou a participar de atividades ou empreendimentos comuns. § 1º A sociedade controladora, ou de comando do grupo, deve ser brasileira, e exercer, direta ou indiretamente, e de modo permanente, o controle das sociedades fi liadas, como titular de direitos de sócio ou acionista, ou mediante acordo com outros sócios ou acionistas. § 2º A participação recíproca das sociedades do grupo obedecerá ao disposto no artigo 244.26 Sobre os grupos de sociedades, a exposição de motivos da lei das S.A. explica que constitui uma forma evoluída de inter-relacionamento das sociedades que, mediante aprovação pelas assembleias gerais de uma convenção de grupos, dá origem a uma sociedade de sociedade.27 Art. 222. A propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens é privativa de brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, ou de pessoas jurídicas constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sede no País. § 1º Em qualquer caso, pelo menos setenta por cento do capital total e do capital votante das empresas jornalísticas e de radiodifusão sonora e de sons e imagens deverá pertencer, direta ou indiretamente, a brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, que exercerão obrigatoriamente a gestão das atividades e estabelecerão o conteúdo da programação. § 2º A responsabilidade editorial e as atividades de seleção e direção da programação veiculada são privativas de brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, em qualquer meio de comunicação social. § 3º Os meios de comunicação social eletrônica, independentemente da tecnologia utilizada para a prestação do serviço, deverão observar os princípios enunciados no art. 221, na forma de lei específi ca, que também garantira a prioridade de profi ssionais brasileiros na execução de produções nacionais. § 4º Lei disciplinará a participação de capital estrangeiro nas empresas de que trata o § 1º. § 5º As alterações de controle societário das empresas de que trata o § 1º serão comunicadas ao Congresso Nacional.

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anos, não poderão ter participação total su-perior a trinta por cento no capital social, total e votante, das empresas jornalísticas e de radiodifusão” (grifo nosso).28

Sobre o tema, Carmen Tibúrcio afi rma que “a regra geral da igualdade (dos estrangeiros) não se aplica aos chamados direitos econômicos – que, de resto, não são considerados funda-mentais, por boa parte dos operadores jurídicos. Segundo o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais, e Culturais, em vigor no Brasil, os países em desenvolvimento (levando em consideração os direitos humanos e a situa-ção econômica nacional) podem determinar em que medida garantirão os direitos econômicos reconhecidos no Pacto àqueles que não sejam seus nacionais. Assim, nessa área específi ca, o estrangeiro pode receber tratamento distinto do nacional, mesmo que não haja uma razão expressa para isto, e o Estado não precisa justifi car tal atitude na esfera internacional.”29

Estas exceções já foram mais abrangen-tes. Antigamente também era restringida a participação de empresas estrangeiras em atividades de mineração (art. 176, §1), e em empresas de navegação (art. 178, § 2), exce-ções revogadas pela EC nº 6, de 15 de agosto de 1995. De qualquer forma, e salvo os casos de exceção, a empresa estrangeira que cria uma subsidiária com personalidade jurídica própria para sua atuação no Brasil não ofe-rece maiores difi culdades, pois, tratando-se de sociedades juridicamente independentes da controladora, a elas se aplicam na íntegra o regime geral das sociedades nacionais.30

II. Formas de Controle

As formas ou tipos de controle societário dizem acerca do modus como se efetiva tal poder. Devido à complexidade do conceito em questão, diversas classifi cações ou sistemati-zações podem ser propostas31. Centraremos nossos esforços na distinção entre controle interno, tipicamente societário, e o externo, de-rivado geralmente de uma relação contratual32.

A) Controle interno

O controle interno, isto é, o controle exerci-do por meio de votos dentro da própria estru-tura societária, pode ser analisado sob duas perspectivas: primeiro, um estudo doutrinário dedicado às distintas espécies apontadas pela doutrina nacional; e, em segundo lugar, as técnicas legais para sua obtenção no marco da Lei das S.A..

a) Diversas espécies

No trabalho dos professores americanos Adolf A. Berle e Gardiner C. Means, entitulado The Modern Corporation and Private Property, já referido, os acadêmicos da Universidade de Colúmbia chegaram à conclusão, base-ando-se em dados estatísticos das empresas americanas do ano 1929, de que era possível dissociar a propriedade acionária do poder de comando empresarial. Foi à luz dessa reali-dade que propuseram uma classifi cação do controle interno em cinco espécies: a) controle

28 A Uma disposição semelhante, porém lacunosa e com aplicação duvidosa, é o § 3, do art. 199 da Constituição Federal: “ É vedada participação direta ou indireta de empresas ou capitais estrangeiros na assistência à saúde no País, salvo nos casos previstos em lei”. Afi rma-se que a norma é de aplicação duvidosa porque é contrária ao caput do mesmo art. 199: “A assistência à saúde e livre à iniciativa privada.”29 Citada por DOLINGER, Jacob. Direito Internacional Privado, Parte Geral. 7 ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 510-512.30 Mesmo que todos os acionistas sejam estrangeiros, trazendo recursos do exterior e constituindo uma sociedade empresarial com sede da administração no território nacional, essa sociedade será considerada brasileira para todos os efeitos jurídicos. Maiores informações sobre as sociedades estrangeiras são encontradas em DOLINGER, Direito..., p. 506 ss.31 Por exemplo, cita-se a distinção entre controle de fato e de direito, na medida em que exista ou não tipicidade legal. O controle de direito foi analisado na primeira parte do trabalho, com referência exclusiva ao direito brasileiro. As situações de controle de fato surgem da infl uência dominante exercida fora do âmbito societário ou legal. Para um estudo aprofundado do controle de fato, veja-se o excelente trabalho de FERREIRA DE MACEDO, Ricardo. Controle não societário. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. 32 Nesse sentido, RICHARD, Efraín Hugo; MUIÑO, Orlando. Derecho Societario. Buenos Aires: Astrea, 1997, p. 154.

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fundado na posse da totalidade das ações da companhia; b) controle fundado na posse da maioria dessas ações; c) controle exercido pelos sócios minoritários; d) controle gerencial ou administrativo; e) controle obtido por meio de expedientes legais. O professor Compa-rato, no referido trabalho sobre O Poder de Controle na Sociedade Anônima, reduz esta classifi cação no direito brasileiro para quatro33:

Totalitário: cem por cento do capital com direito a voto está representado no controle societário. Portanto, nenhum acionista é excluído do poder de dominação na socieda-de. Esta forma de controle é a mais comum naqueles mercados que não estão comple-tamente desenvolvidos, como é o caso dos latinoamericanos. Nestes, a maior parte das empresas são de tipo familiar fechado (totali-tárias) ou empresas estatais.

Majoritário: Quando é exercido por aqueles que detêm a maioria das ações com direito a voto. É neste tipo de controle onde começa a se evidenciar o efetivo exercício do poder. Um ou alguns sócios conseguem impor suas decisões sobre o resto, dando forma ao antagonismo do grupo majoritário contra o minoritário. Exemplo desta dicotomia entre majoritários e minoritários pode se dar quando os primeiros decidem não distribuir os lucros gerando confronto entre os pequenos inves-tidores, que querem obter algum resultado do capital investido e o sócio (s) majoritário (os) que, talvez por estarem no exercício da administração societária, não precisem ou não desejem tal distribuição. Este controle, no dizer de Comparato, pode ser majoritário simples ou majoritário absoluto, conforme exista ou não uma minoria qualifi cada.

Minoritário: O controle minoritário é co-mum naquelas companhias que possuem centenas ou milhares de acionistas, isto é, as grandes empresas, geralmente internacionais. O número de acionistas costuma ser enorme, e o patrimônio social está tão diversifi cado que possibilita a uns poucos acionistas com direito a voto tomar decisões no que respeita aos destinos da empresa. Esta não é a realidade

no âmbito empresarial brasileiro, visto que as empresas nacionais obedecem ao padrão totalitário ou majoritário, sendo, ainda, as so-ciedades de grande dispersão de capital, uma situação mais teórica do que prática.

Gerencial: Da mesma forma que no con-trole minoritário, o gerencial somente é viável nas grandes companhias abertas, com inúme-ros acionistas de participação acionária míni-ma em relação ao total do capital social. Aqui as decisões não são tomadas pelos acionistas e sim pelos altos executivos da sociedade, que possuem o conhecimento técnico necessário para decidir acerca do futuro da empresa. Constitui um controle completamente desvin-culado da titularidade acionária. O managment consegue impor o comando societário devido ao abstencionismo da maior parte dos sócios (somente interessados nos lucros) e pela re-presentação que podem obter de acionistas pouco interessados nas assembleias.

Confrontando esta classifi cação com o conceito de controlador estabelecido pela Lei das S.A., percebe-se que a Lei somente positiva o poder exercido pela assembleia de acionistas, isto é, o controle totalitário, majori-tário e minoritário. Contudo nada diz acerca do gerencial ou do controle exercido por meio de outros expedientes legais. Sobre o gerencial, não signifi ca que tal controle não exista. E mais, mesmo sem colocar os administradores nas condições de sócios controladores, aplica-se a eles toda a secção IV da Lei, sobre os deveres e responsabilidades dos administra-dores, regulamentando o dever de diligência (art 153); a fi nalidade das atribuições e desvio de poder (art. 154); o dever de lealdade (art. 155); o confl ito de interesses, (art. 156); o dever de informar (art. 157); e a responsabi-lidade do administrador, (art. 158). Enfi m, as mesmas condições exigidas no art. 116, para os acionistas controladores.

E a quinta forma de controle ilustrada por Berle e Means? Não existe no direito brasilei-ro? A Lei das S.A. não trata do voting trust, isto é, da forma mais comum de controle exercido por expedientes legais? Não, sem dúvida, no direito brasileiro não existe a fi gura do voting

33 A Para um estudo mais aprofundado desta classifi cação, veja-se: COMPARATO, O poder...., p. 37-65;. Essa classifi cação é seguida, dentre outros, por REQUIÃO, Curso...,p. 130; BERTOLDI, Marcelo. Curso avançado de direito comercial. v. 1, 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003; p. 340-342.

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alienante, sua esposa ou fi lhos). Eles têm um equitable estate, existente de acordo com a equity36. O cestui que trust goza do benefício real da disposição. É para seu proveito que o trust foi constituído e funciona. Por isso, para os tribunais que exercem a jurisdição da Equity, o “proprietário legal” (trustee) está subordinado aos direitos do “proprietário-equi-tativo” (cestui que trust), que é quem goza dos benefícios reais da disposição, sendo o trust constituído em seu proveito. Pode afi rmar-se que sua propriedade é de caráter econômica, benefi ciária, mais substancial.

A utilização da fi gura do trust para o con-trole societário teve seu apogeu nos primeiros anos do século passado. O caso mais famoso foi o de Rockefeller, que conseguiu, por este instituto jurídico, concentrar noventa por cen-to da capacidade de refi no do petróleo dos Estados Unidos. Como a prática facilitava a criação de monopólios, feria-se diretamente o Sherman Act, de 1890, que tornava “ilegais ‘every contract, combinations in the form of trust or otherwise, or conspiracy, in restraint of trade’ e ‘monopolization’, considerando tais violações como infrações à lei, sem, porém, defi ni-las.” (OLIVEIRA; RODAS, 2004, p. 6) Foi em virtude dessa lei, no famoso processo Standard Oil Co. of New Jersey v. U.S. (1911), em que o magnata em questão foi obrigado a dividir sua companhia.

As legislações romano-germânicas não conhecem um sistema semelhante. Os direitos reais são limitados ou restritos. Não podem existir sobre o mesmo bem dois titulares com idêntico direito de propriedade. Poderá existir condomínio, usufruto, uso, habitação, mas nunca dois direitos de propriedade. Fa-bio Ulhoa Coelho ensina que, “no Brasil, as companhias sempre foram, e ainda são, muito diferentes das dos Estados Unidos no que diz respeito ao poder de controle. De um lado, é

trust, ou pelo menos com o signifi cado ou al-cance que a fi gura possui nos países da Com-mon Law. Alguns autores tentam enquadrar o trust como um simples acordo de acionista ou colocam-no como a forma mais de controle minoritário34. Não parece correto. O trust é um negócio jurídico complexo e próprio da cultura jurídica da Common Law, que surgiu na Idade Média inglesa, sob os desígnios do Lord Chancellor para solucionar, ex aequo et bono, questões para as quais os tribunais da Common Law não tinham respostas35.

Na evolução do instituto, criou-se um conceito de propriedade que é desconhecida pelos sistemas jurídicos da Família Romano-Germânica. Podemos resumir o funcionamen-to do instituto da seguinte forma: o proprietário de um determinado bem (por exemplo, ações), denominado settlor, transfere sua propriedade a um terceiro denominado trustee (adminis-trador da mesma empresa das ações ou um banco), mas, com a condição de que esse bem transferido seja utilizado em benefi cio de outra pessoa ou grupo de pessoas (que poderá ser o próprio alienante, sua esposa, fi lhos etc) denominados cestui que trust (ou benefi ciaries). A peculiaridade do instituto está em que, após a transferência, o settlor não é mais o proprietário do bem, e nem o trustee nem cestui que trust adquirem a propriedade plena do antigo settlor. Criam-se duas proprie-dades ou state sobre o bem.

Uma propriedade ou um estate pertencente ao trustee (administrador ou banco). Ele é o proprietário real ou efetivo do bem. Tem o legal state, respaldado pelas regras da Common Law. Mas suas prerrogativas são limitadas pelo ato constitutivo do trust e pelas regras da Equity. Tem o que poderia dizer-se de uma propriedade formal, exterior. Outra proprieda-de ou estate sobre o mesmo bem pertencente ao cestui que trust ou benefi ciaries (o próprio

34 Entre outros, REQUIÃO, 2000, p. 130; COELHO, 2002, p. 278. 35 Sobre o trust veja-se, DAVID, René. O Direito Inglês. São Paulo: Martins Fontes, 2000; CLARET y MARTI, P. De la Fidúcia y del Trust. Barcelona: Bosch , 1946.36 Para uma melhor compreensão do equitable estate ou do interest, bem como dos princípios que lhes são aplicáveis, veja-se: HAAR, Charles; LANCE, Liebman. Property and Law. Boston: Littl. Ed. Brown and Company., 1977, p. 21-31.

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Esse fato pode ocorrer de diversas formas:

1.1. Pelo próprio nascimento da sociedade: quando se cria ou se estabelece a estrutura do controle em função da subscrição inicial de ações (EMBID IRUJO, 1988, p. 15), cuja hipótese não justifi ca maiores considerações;

1.2. Pela criação de uma nova sociedade por outra empresa: conhecida no Brasil como subsidiária integral (art. 251 a 253). O sistema legal permite a fundação de uma sociedade anônima com capital subscrito, em sua to-talidade, por outra sociedade, com a única condição que a constituinte seja brasileira. Cabe destacar que a Lei das S.A. prevê duas formas de constituição de subsidiária integral: a criação de forma originária, mediante escri-tura pública, que é a hipótese em questão; e também pode ser pela absorção do capital de uma sociedade pré-existente, mas esta última hipótese não confi gura uma forma originária de controle. Aplicam-se à sociedade controla-dora as regras do acionista controlador.

1.3. Pela cisão societária: como técnica de reorganização que possibilita o surgimento de uma nova sociedade controlada. Neste ponto, somente nos interessam as hipóteses de cisão parcial, isto é, nos casos em que da sociedade cindida são constituídas uma ou várias novas sociedades, mantendo a primeira sua própria personalidade jurídica. Não possuem o mes-mo caráter da aquisição originária os casos de cisão total, em que a sociedade cindida se dissolve por completo; ou os casos de cisão imprópria, quando o patrimônio da sociedade cindida é diluído entre outras companhias já existentes (EMBID IRUJO, 1988, p. 44).

2. Aquisição derivada: dentro desta clas-sifi cação se englobam todas as técnicas que permitam obter controle societário já existente. Neste grupo a obtenção pode acontecer:

signifi cativa a presença de subsidiárias de empresas sediadas nos países centrais do sistema capitalista. O seu capital representa, basicamente, o investimento da multinacional no país, e, assim, encontra-se sob controle totalitário da matriz. Por outro lado, as compa-nhias constituídas por iniciativa de capitalistas brasileiros costumam reproduzir a cultura empresarial centralizadora e assumem, mui-tas vezes, a forma de empresas familiares, em que se sobrepõem laços de parentesco e relações societárias (...). Não se encontra, no Brasil, número signifi cativo de companhias sob controle minoritário, e nenhuma sob o gerencial”. (COELHO, 2002, p. 278-279).

Essas formas de controle, na prática, não aparecem de forma tão clara. A realidade das companhias, tanto nacionais quanto estran-geiras, demonstra que as diversas formas de infl uência dominante enunciadas estão muitas vezes misturadas, convivem umas com outras de forma sucessiva, alternada ou conjunta. Para uma melhor compreensão, resulta de grande utilidade analisar quais são as técnicas legais ou as formas jurídicas permitidas pelo direito societário brasileiro para a obtenção do controle.

b) Técnicas legais de obtenção

Para analisar as técnicas jurídicas utiliza-das pelo legislador brasileiro na obtenção do poder de controle, nos valemos da sistemática proposta pelo professor espanhol José Miguel Embid Irujo (1988), para quem a aquisição do poder de controle, sempre que se trate das técnicas de controle interno, pode ser dividida em duas principais categorias:

1. Aquisição originária: quando há simulta-neidade na constituição da sociedade e na ob-tenção do poder (EMBID IRUJO, 1988, p. 14).

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recebendo em contraprestação, além do valor das ações, um plus pelo preço do controle.

A transferência instantânea do controle pode, sem dúvida, lesar os acionistas mino-ritários, privados desse plus econômico que gera a alienação do poder. Neste contexto, a lei vem para limitar o exercício de tais mano-bras, estabelecendo, para o caso, uma série de requisitos necessários40 , sob a autorização e fi scalização da Comissão de Valores Mobi-liários, art. 254-A, §1º e 2º41 . A consequência jurídica da efetivação do negócio se traduz em uma repartição proporcional dos benefí-cios da alienação, permitindo que os sócios minoritários alienem seus títulos em condições semelhantes à do sócio controlador, (art. 254-A, caput) ou, existindo oferta do adquirente, permaneçam na companhia recebendo um prêmio equivalente à diferença entre o valor do mercado de ações e o valor pago por ação in-tegrante do bloco de controle, art. 254-A §4º.42

2.1. Por sucessão de atos: A compra sucessiva de ações pode transformar um acionista minoritário num acionista contro-lador37 . Talvez se apresente como a forma mais comum de adquirir o controle de forma derivada. Não justifi ca maiores explicações.

2.2. De forma instantânea: Adquire-se o controle societário de forma derivada e ins-tantânea pela cessão do controle (artigos 254 a 256), ou pela oferta pública de aquisição de ações, (artigos 257 a 263). Estas modalida-des são regulamentadas exclusivamente no âmbito das sociedades anônimas abertas, ine-xistentes regras semelhantes para anônimas fechadas ou outro tipo societário.

2.2.1. A Cessão do Controle aparece regulamentada na seção VI do capítulo XX da Lei das S.A., sob o título de “alienação de controle”38. Pode-se interpretar o conceito de alienação de controle, dado pelo parágrafo 1º do art. 254-A 39, como sendo o negócio jurídico pelo qual os acionistas detentores do poder de controle societário, independente do título em virtude do qual o possuem, alienam tal poder,

37 O prof. Embid Irujo, em seu trabalho El Derecho de los grupos..., cit., em p. 17 e nota nº 43, coloca nesta categoria a aquisição do controle através de contratos. Afastamos-nos deste posicionamento, e colocamos a utilização dos contratos como forma de obter o controle “externo”, forma que será analisada com maior atenção no ponto “B” desta Segunda Parte. 38 A Lei 6.404/76 determinava, no art. 254, a obrigação dos controladores de promover a oferta pública aos demais acionistas em caso de alienação em bloco das ações de comando a terceiros, isto é, sempre que se trata de sociedade anônima aberta. O intuito da Lei era impedir que as ações dos controladores sejam cotadas a um valor muito superior à dos acionistas sem esse poder, visto que o controle da companhia é algo que gera um plus que deve benefi ciar a todos os acionistas e não a alguns deles. A sistemática legal foi abandonada com a Lei 9.457/97, que revogou o artigo em questão, permitindo que o sobre-preço pago pelas ações dos controladores fi casse nas mãos destes, o que foi fortemente criticado pela doutrina. No entanto, a Lei 10.303/2001 faz renascer, com pequenas alterações, o antigo art. 254, agora denominado 254-A.39 Art. 254-A § 1º Entende-se como alienação de controle a transferência, de forma direta ou indireta, de ações integrantes do bloco de controle, de ações vinculadas a acordos de acionistas e de valores mobiliários conversíveis em ações com direito a voto, cessão de direitos de subscrição de ações e de outros títulos ou direitos relativos a valores mobiliários conversíveis em ações que venham a resultar na alienação de controle acionário da sociedade. 40 Art. 254-A. A alienação, direta ou indireta, do controle de companhia aberta somente poderá ser contratada sob a condição, suspensiva ou resolutiva, de que o adquirente se obrigue a fazer oferta pública de aquisição das ações com direito a voto de propriedade dos demais acionistas da companhia, de modo a lhes assegurar o preço no mínimo igual a oitenta por cento do valor pago por ação com direito a voto, integrante do bloco de controle. (griffo nosso). 41 Art. 254-A §2º. A Comissão de Valores Mobiliários autorizará a alienação de controle de que trata o caput, desde que verifi cado que as condições da oferta pública atendem aos requisitos legais. § 3o Compete à Comissão de Valores Mobiliários estabelecer normas a serem observadas na oferta pública de que trata o caput. 42 Para um estudo detalhado da alienação de controle, veja-se, entre outros: BERTOLDI, Marcelo. Curso Avançado de Direito Comercial. v. 1, 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 345 ss.; ALBINO DE OLIVEIRA, Fernando A. A Alienação do Controle Societário na Lei das S.A. In: Fusões e aquisições: Aspectos Jurídicos e Econômicos. Jairo Saddi (org.) São Paulo: IOB, 2002, p. 221-232; EIZERIK Nelson.

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2.2.2. A Aquisição de Controle Mediante Oferta Pública de Ações, seção VII, do capí-tulo XX da Lei das S.A., permite a obtenção do poder pelo pagamento em dinheiro (oferta de compra, art. 258), ou em títulos de outra sociedade (oferta de permuta, art. 259), de uma parte ou de todas as ações de uma ou de várias classes de ações43. Importa desta-car que feita a oferta, a mesma se considera irrevogável, art. 257§2º. Para Fran Martins, “a oferta pública para a aquisição do controle tende a benefi ciar os acionistas minoritários que, desse modo, poderão participar da ope-ração em igualdade de condições com os acionistas majoritários, no que diz ao preço dado às ações dos primeiros” (MARTINS, 1978, p. 377).

Sobre as vantagens deste sistema de aquisição, Comparato afi rma que para o grupo oferente, a oferta pública oferece a grande vantagem da concentração do ataque e do efeito de surpresa, como autêntica blitz rieg. Ao contrário do que sucede na aquisição sem oferta pública, o oferente aqui goza das van-tagens da rapidez e da economia de recursos na superação de qualquer eventual oposição ou manobra especulativa. Para os acionistas da sociedade visada, é inegável que uma take over-bid oferece a vantagem de lucro patrimonial imediato, pois as ofertas públicas são sempre lançadas por um valor unitário de ação superior no mínimo 20% à colocação bolsística. E mais, oferece a garantia de um tratamento rigorosamente igualitário, evitando pactos entre o grupo de adquirente das ações e a diretoria da sociedade visada, ou alguns de seus acionistas, para a venda do controle (COMPARATO, 1976, p. 134-135).

B) Controle externo

O controle externo, também referido como subordinação contratual, verifi ca-se quan-do exercida uma infl uência dominante nas decisões da companhia, em virtude de atos

ou negócios celebrados entre o controlador (pessoa física ou jurídica) e a sociedade controlada, independentemente de qualquer vinculo societário. Esses vínculos contratuais geram situações objetivas de controle, de-monstradas pela dependência econômica que efetivamente se verifi ca no desenvolvimento das atividades negociais.

Além do vínculo contratual, o controle externo exige que o dominante exerça infl u-ência de forma estável e continuada no fun-cionamento da sociedade controlada. Requer, ainda, que a controlada realize suas atividades utilizando os meios previstos pelo controlador, de forma que esses sejam indispensáveis para a realização de seu objeto social.

Não fazem parte desta forma de controle as relações pessoais que possam existir entre controladores ou administradores da socieda-de controladora e a controlada. Tais vínculos, conhecidos como interlocking directories, não são mais do que o refl exo do controle societário, obtido tanto por contratos externos como por mecanismos societários típicos (DE AGUINIS, 1996, p. 52).

Uma sociedade pode utilizar diversas for-mas contratuais como ferramentas idôneas para dirigir as empresas vinculadas a esses contratos, gerando um verdadeiro controle, ainda que sem ser titular de uma só ação de tais companhias. Exemplo comum pode ser as montadoras de carros, empresas de hardware ou software. Resulta fácil perceber que a matriz de uma montadora (ex: Ford, GM, Toyota), assim como as empresas detentoras de patentes de invenção de peças de alta tecnologia (Intel, IBM, NEC), podem exer-cer sobre o conjunto de companhias a elas relacionadas uma infl uência tão importante que inclusive a própria existência dessas fi ca sujeita àquelas. O motivo dessa sujeição não decorre da posse das ações. O controle é dado pela força de contratos, sejam para pro-

Oferta Publica de Aquisição na Alienação de Controle de Companhia Aberta. In: Fusões e aquisições: Aspectos Jurídicos e Econômicos. Jairo Saddi (org.) São Paulo: IOB, 2002, p. 233-248. 43 Por crise fi nanceira, entendemos as situações de descompasso na cadeia de pagamentos, mas que de forma alguma se traduz numa situação de inadimplemento defi nitivo. Existe simplesmente uma “demora” na honra das obrigações contraídas. Diferente constitui o caso da crise econômica ou econômica fi nanceira, em que, independente da demora, o ativo patrimonial não é sufi ciente para cobrir o passivo, determinando necessariamente uma situação falimentar.

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Os vínculos contratuais que possibilitam dominação dão origem a três espécies de controle externo:45

a) Financeiro

A atividade de comando é exercida por uma instituição fi nanceira, que, pelos meca-nismos do crédito, acaba-se transformando em controladora de companhia solicitante. O controle fi nanceiro pode ser tanto por ques-tões contingentes, que leve a empresa ao en-dividamento, como por questões estruturais.

O controle fi nanceiro decorrente de en-dividamento coloca a instituição fi nanceira numa situação de superioridade em relação à empresa solicitante do crédito. Poderá a primeira exigir, além do capital e dos juros pactuados, comportamentos específi cos da devedora ou atribuir-se prerrogativas que lhe permitam tomar conhecimento do exercício das atividades desenvolvidas destinadas a garantir o pagamento. Essas prerrogativas e comportamento exigidos podem acabar trans-formando o vínculo contratual num vínculo de gestão, de verdadeiro controle, direcionando a atividade empresarial aos desígnios da institui-ção fi nanceira. O modus dessas prerrogativas apresenta-se variável, existindo tantas formas possíveis quanto as partes possam negociar em seus contratos. Entre as práticas mais comuns, Ricardo Ferreira de Macedo destaca que “essas prerrogativas são ordinariamente modeladas através das conhecidas cláusulas de negative pladge, cross default e através de cláusula genérica de disclosure” (FERREIRA DE MACEDO, 2004, p. 161-162).

Acrescentamos que tais mecanismos de controle somente são possíveis naquelas companhias que possuem um capital social pequeno em relação ao crédito solicitado. Empresas com sólido patrimônio solicitam fi nanciamentos sem maiores inconvenientes, já que o capital é garantia sufi ciente para os

duzir com exclusividade, ou por transferência de tecnologia, frutos da licença para utilização da marca, ou por contratos de distribuição, etc. Evidencia-se, nestes casos, um controle extra-societário, exterior à estrutura da companhia controlada, mas que produz uma verdadeira situação de domínio.

A relação entre empresas dominadas e dominantes pode surgir por contratos de di-versas categorias: fornecimento, concessão, agência, franchising, transferência de tecno-logia; contratos de endividamento fi nanceiro direto; contratos de garantias pessoais, reais, cauções, ou outras formas fi nanceiras para a garantia de dívidas alheias, etc. Dentre es-sas diversas formas contratuais, existe uma coincidência: as empresas dominadas apre-sentam como elemento relevante a submissão econômica frente à dominadora. Os contratos acabam-se tornando instrumentos de controle, porque sem eles as controladas não teriam os meios necessários para exercer sua ativida-de, condicionando a viabilidade econômica empresarial. O motivo ou circunstâncias pelas quais esses contratos são assinados obedece a diversas causas, que podem ser tanto con-tingentes como estruturais.

Dentre as causas contingentes, as mais comuns são as crises fi nanceiras44. Uma em-presa, por motivos vários (crises energética, grandes secas, problemas de geopolítica, etc.), pode precisar recorrer ao auxílio de instituição fi nanceira. Pode acontecer que o empréstimo pecuniário transforme a institui-ção fi nanceira em uma verdadeira diretora dos negócios do solicitante. Já as causas estruturais, diferentemente das anteriores, são intrínsecas à atividade da sociedade domina-da. Por exemplo, os contratos de distribuição ou de transferência de tecnologia são causa e efeito do mesmo poder. Sem eles, não so-mente inexiste dominação, como tampouco seria possível o exercício de atividade da sociedade controlada.

44 Por crise fi nanceira, entendemos as situações de descompasso na cadeia de pagamentos, mas que de forma alguma se traduz numa situação de inadimplemento defi nitivo. Existe simplesmente uma “demora” na honra das obrigações contraídas. Diferente constitui o caso da crise econômica ou econômica fi nanceira, em que, independente da demora, o ativo patrimonial não é sufi ciente para cobrir o passivo, determinando necessariamente uma situação falimentar. 45 Também utiliza esta classifi cação, ORCESI DA COSTA, Carlos Celso. Controle externo nas companhias. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico, Financeiro, nº 44, São Paulo, 1981, p. 70 e ss.

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bancos. Mas, se a empresa possui um capi-tal exíguo, a instituição fi nanceira somente viabilizará o crédito se prestadas, além das garantias reais e pessoais necessárias, algu-mas das prerrogativas citadas em seu favor.

Existindo cláusula de negative pledge, “a empresa captadora obriga-se, perante a fi nanciadora, a não onerar seus ativos, ou parte deles, até satisfação do debt, o que – desnecessário dizer – comprime a aptidão da tomadora do fi nanciamento para novas captações e incrementos de sua estrutura de alavancagem”. (FERREIRA DE MACEDO, 2004, p. 161-162). Neste caso, o controle se verifi ca na perda do poder de gestão fi nanceira da empresa tomadora, que translada a com-petência decisória em assuntos econômicos ao fi nanciador. Esse poder não se limita ao veto para contratação de novos empréstimos, mas compreende, ademais, qualquer tipo de gravame que possa ferir a capacidade de pagamento.

Sobre o cross default, “a empresa capta-

dora estará sujeita ao vencimento antecipado de seu débito (ou qualquer outra sanção con-tratual), caso incorra em impontualidades na satisfação de qualquer outro débito assumido junto a outros fi nanciadores” (FERREIRA DE MACEDO, 2004, P. 165). O dispositivo gera um constrangimento para a atividade fi nancei-ra da empresa solicitante. Sua operatividade fica comprometida através da cláusula e, caso existam outros passivos, estes deveram prorrogar-se até a total quitação com a insti-tuição fi nanceira que gerou o cross default. Essa imposição é, na verdade, uma forma de controle por constrição da aptidão fi nanceira da empresa contratante

Acerca das cláusulas de disclosure, as mesmas “obrigam a empresa fi nanciada a manter um fl uxo de informações, muitas de-las estratégicas, em favor de seu fornecedor de exigíveis, que, nessa medida, passa a ter condições de avaliar e monitorar a performan-ce de manutenção de solvabilidade de sua devedora” (FERREIRA DE MACEDO, 2004, p. 166). Em regra, este tipo de cláusulas não é apto para gerar dominação, visto que so-

mente existe um dever de “informar”, inexiste qualquer outra obrigação. Mas os estudos empíricos realizados por Gilson e Vetsuypens, em 199446, demonstraram a possibilidade de que esse tipo de cláusula se torne ferramen-ta de controle, quando o tomador do crédito requer, para continuar trabalhando, de novos fi nanciamentos. Nestes casos, a instituição fi nanceira transforma-se de uma simples for-necedora de capital, com direito a informação, a uma verdadeira dominadora da companhia, utilizando a mesma informação para rene-gociar novos fi nanciamentos, determinando, assim, o caminho fi nanceiro a ser percorrido.

O controle financeiro não é necessa-riamente decorrente do endividamento da companhia. A dominação pode existir indepen-dentemente de problemas de caixa. Bancos de fomento, fundos de pensão, instituições fi nanceiras especializadas em determinados setores, dentre outros, podem alavancar ativi-dades empresariais. À diferença dos casos an-teriores, o fi nanciamento de bens ou serviços é motivo determinante do empreendimento empresarial. Esse é o caso das ofertas de pro-dutos de uso doméstico com grandes campa-nhas publicitárias, que oferecem pagamento em várias parcelas. Uma simples calculadora demonstrará que o bem ou o serviço não é o mais valioso, e que o intuito do fornecedor não é prover esse bem ou serviço. Trata-se, na verdade, de oferta de crédito mediante a utilização de empresas intermediárias, simples vitrines de suas controladoras: as instituições fi nanceiras.

b) Comercial

O controle externo também pode ser determinado pelos vínculos contratuais da atividade comercial. As modernas formas mer-cadológicas de comercialização possibilitam o controle de uma companhia utilizando como ferramenta fi guras contratuais. Contratos de franchising, distribuição, concessão de venda com exclusividade, etc. são utilizados por for-necedores ou fabricantes para explorar novos mercados ou afi ançar os já existentes. A so-ciedade que se submete a esses instrumentos

46 Citado por FERREIRA DE MACEDO, Controle..., p. 168.

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legais fi ca vinculada a uma relação comercial peculiar, visto que de tais contratos surgem deveres e obrigações que lhe impedem exer-cer sua atividade livremente, fi cando sempre sob a direção de outra empresa, geralmente o fornecedor. Certamente esse acatamento não é gratuito, receberá, em contrapartida, uma relativa segurança de êxito comercial fundada em estratégias de marketing, venda de produtos exclusivos, formas especiais de comercialização, etc. Para a empresa con-troladora, o sistema traz vantagem, pois não precisa preocupar-se com a burocracia de abrir novos locais comerciais, investimentos, contratação de pessoal, clientela, etc.

Apresenta-se curiosa a regulamentação brasileira acerca da concessão comercial entre produtores e distribuidores de veículos automotores de via terrestre, presente na Lei nº 6.729, de 28-11-1979. O art. 16, I, estabe-lece a vedação para “prática de atos pelos quais o concedente vincule o concessionário a condições de subordinação econômica, jurídica ou administrativa, ou estabeleça inter-ferência na gestão de seus negócios.” A norma é interessante porque evidencia o agir corri-queiro, no setor automobilístico, das grandes fábricas ou montadoras de carros sobre suas concessionárias ou filiadas, impondo-lhes diretivas de comercialização. Infelizmente, os fatos demonstram que a fi nalidade legislativa de coibir essa prática resultou inefi ciente.

Pode-se destacar outra forma de controle comercial fora da cadeia de comercialização. Nos últimos tempos, a realidade operacional das empresas evidenciou uma crescente terceirização de seus trabalhos. Quando as empresas crescem, começam a surgir problemas de logística, gestão, controle de qualidade, concorrência internacional, etc. Um dos mecanismos para fazer frente a esses problemas é a divisão do trabalho em setores especializados, células independentes, muitos das quais, pela própria engenharia organiza-cional, podem estar, desde o ponto de vista societário, desvinculadas da empresa matriz. Quando essas áreas ganham autonomia, se transformam em prestadoras de serviços

autônomas, consultoras, controladoras de qualidade, serviços de pós-venda, etc.

Outro motivo pelo qual as empresas utili-zam trabalho terceirizado é por permitir uma redução dos confl itos trabalhistas. A uma em-presa com elevado número de dependentes, pode ser mais proveitoso diminuir o número de funcionários em troca de alguns contratos de prestação de serviço ou fornecimento de material assinados com empresas alheias à companhia-mãe. Em todos os casos, a empre-sa matriz exerce uma infl uência dominante so-bre as terceirizadas, impondo diretivas gerais, formas de prestação dos serviços, delimitando as condições de trabalho etc. Em resumo, um verdadeiro controle externo fruto dos vínculos contratuais mantidos.

c) Tecnológico Da mesma forma que no controle comer-

cial, aqui também se utilizam mecanismos contratuais para obter uma infl uência domi-nante numa empresa. Porém, neste caso, com a peculiaridade de ser o fator tecnológico a principal causa de subordinação.

Assim, as empresas que dependem para seu exercício de know-how específi co, licen-ças de uso ou transferências de tecnologia condicionam sua viabilidade econômica a duas regras: primeiro, a existência de tecnolo-gia, patente determinante ou condicionante da atividade empresarial; e segundo, as diretivas da empresa detentora desses fatores à qual a controlada se submete pela via contratual. Inexistindo a tecnologia ou perdendo seu ca-ráter de exclusividade, a empresa contratante pode deixar de existir pela falta de tecnologia ou por ausência de mercado, ou pode se transformar numa empresa completamente autônoma, sem nenhum tipo de dever ou obrigação relacionado à tecnologia. Não aten-dendo às diretivas impostas pela fornecedora da tecnologia, a viabilidade econômica se vê comprometida por causa do inadimplemento contratual.

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Essa dependência tecnológica fi cou cla-ramente evidenciada no caso Power-Tech/Matel, julgado pelo CADE47. A representante, Power-Tech Teleinformática, denunciou a re-presentada, Matel Tecnologia de Informática Ltda., por se negar a vender peças de um modelo determinado de central telefônica. O CADE reconheceu o pedido e condenou a representada ao pagamento de multa. Dentre as práticas anticoncorrenciais citadas pelo conselho, estão as previstas nos artigos 20, IV (Exercer de forma abusiva posição dominante) e 21, VI (Impedir o acesso do concorrente às fontes de insumo, matérias-primas, equipa-mentos ou tecnologia, bem como os canais de distribuição), ambos da Lei 8.884/94. E como consequência verifi ca-se, no caso em concreto, a existência de um poder de controle externo tecnológico.

Conclusão

O estudo do poder de controle no âmbito jurídico é delicado. Os avanços da economia e da ciência jurídica fi zeram do poder de controle societário um instituto complexo e de difícil delimitação. Contudo, a radiografi a feita para o caso do direito brasileiro permite obter algumas conclusões.

O direito de propriedade sobre ações de sociedade anônima brasileira não confere necessariamente a seu possuidor o poder de comando na companhia. No Brasil, deve-se distinguir o direito dos donos de ações (por exemplo, o direito de fruição) dos poderes e deveres que aparecem como consequência do exercício do poder de comando daquelas pes-soas que determinam os rumos da atividade empresarial, isto é, os detentores do poder de controle. Para se identifi car os controladores, utiliza-se como critério norteador o exercício

de infl uência dominante na assembleia geral, estabelecido no art. 116 da Lei das S.A.. Cir-cunstância que não prejudica a possibilidade de o controlador ser outra pessoa jurídica, art. 243 da mesma Lei, e ainda, a possibilidade de que o controlador e suas controladas possam criar maiores vínculos jurídicos através da criação de um grupo de direito.

Também destacamos que durante a vida de uma companhia, o poder controle pode apresentar diversas formas. Devido à cultura e à tradição legal brasileira, as companhias nacionais geralmente respondem a controles totalitários ou majoritários, sendo raros os casos de controle minoritário ou gerencial. Contudo, a confi guração do poder não é es-tática. Muito pelo contrário, a própria dinâmica dos mercados pode determinar mudanças nas estruturas internas de poder. É por isso que a mesma Lei das S.A. oferece uma série de fer-ramentas jurídicas para que essas mudanças possam acontecer, seja de forma originária ou derivada. Além do controle interno, também foi caracterizada a importância crescente das for-mas de controle extrassocietário – o controle externo que nasce de formas contratuais. Sem regulamentação específi ca na Lei das S.A., a infl uência dominante que surge dos contratos pode dar lugar a controles de tipo fi nanceiro, comercial ou tecnológico, cada um com suas respectivas qualidades.

Estabelecidas as características e formas do poder de controle, resta aos operadores jurídicos determinar, no caso concreto, as consequências jurídicas de sua confi guração. Seja para o estabelecimento de consequên-cias positivas (limites de atuação, formas de transferências, etc.) ou negativas (regime de responsabilidade, abuso de poder, desconsi-deração da personalidade jurídica, etc.).

47 Processo administrativo nº 08012.000172/1998-42, conselheiro relator Celso Campilongo, data do julgamento 26 de março de 2003, 283 Sessão Ordinária do CADE. Publicação no DOU de 4-04-2003, seção 1, nº 66, p.53, acórdão no DOU em 13-05-2003, seção 1. nº 90, p. 40. Mais informações sobre o caso In: www.cade.gov.br. Especifi camente sobre o Direito Concorrencial no Brasil: OLIVEIRA, Gesner; RODAS, João Grandino. Direito e Economia da Concorrência. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. De forma mais abrangente, e sob uma perspectiva comparatista: JAEGER JUNIOR, Augusto. Liberdade de Concorrência. Na União Européia e no Mercosul. São Paulo: LTr, 2006.

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Repensando a MídiaOsvaldo Biz1

Resumo: O artigo Repensando a Mídia tem por objetivo prestar algumas informações a respeito do modo como são divulgadas certas notícias pelos “Donos da Mídia”. Lembrar aos leitores sobre a necessidade de descobrir interesses escondidos em muitas das informações veiculadas. Desse modo, é possível crescer no senso de análise, buscando caminhos para uma nova comunicação.

Palavras-chave: Mídia, Consciência crítica, Concessão, Hegemonia

Abstract: The aim of the article rethinking the media is to inform about the way in which certain news are spread by ‘media’s owners’. To recall readers over the necessity to disclosure the hidden interests by spreading information. Thus, it is possible to increase analyses, searching for ways towards a new kind of communication.

Key-words: Media, Critical consciousness, Concession, Hegemony.

1 Jornalista. Mestre em História e Doutor em Comunicação Social pela PUC/RS. Acadêmico de DIreito da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre.

IntroduçãoUma refl exão sobre mídia é inerente a

todas as pessoas que afi rmam e reafi rmam sua cidadania, já que mídia está presente em todos os aspectos de nossa vida cotidiana. É fundamental não ignorá-la, bem como é pre-mente aprofundar um olhar crítico sobre ela.

Nossa jornada diária implica movimento pelos diferentes espaços midiáticos e para dentro e fora do espaço da mídia. A mídia nos oferece estruturas para o dia, pontos de referência, pontos de parada, pontos para olhar de relance e para a contemplação, pontos de engajamento e oportunidades de desen-gajamento. Os infinitos fluxos da representação da mídia são interrompidos por nossa participação neles.(SILVERSTONE, 2002, p.24)

No modo de produção capitalista, funda-mentado no lucro, não se trata só de produzir bens, o que pode ser considerado relativa-mente fácil. Há um complicador: a comercia-lização. Aí entra a publicidade, inserida nas mídias que darão como retorno, a permanên-cia de suas empresas no mercado e a possi-bilidade de concretizar novos negócios.

É híbrida a relação entre os donos dos meios de comunicação e os do capital. Por conseguinte, não é difícil concluir que a co-

municação subjaz ao mercado. Mídia e capi-talismo caminham juntos.

Herbert de Souza alerta que o capitalis-mo não atinge apenas a esfera da produção. “Ele invade tudo, todas as relações. Em sua caminhada, é como um líquido derramado: vai molhando e penetrando por onde passa, tingindo, sujando, encardindo.” (1990,p.6)

O que se está exigindo é o cumprimento da Constituição Brasileira de 1988, que em seu artigo 220, parágrafo 5º prescreve que os meios de comunicação social não podem direta ou indiretamente ser objeto de mono-pólio ou oligopólio.

Enquanto não chegam as mudanças na legislação, urge criticar e denunciar os mono-pólios existentes na comunicação. Crescer no espírito crítico é uma tarefa diária, não é algo que nasce de forma automática.

A pergunta que a descrição deste quadro suscita é a seguinte: onde fi ca a pluralidade de informações, o contraditório, a diversida-de de opiniões, o direito de dizer sua palavra, principalmente na linha do telejornalismo, que constitui a principal fonte de informação?

Edward Murron, na Convenção da Asso-ciação dos Diretores de Rádio e Telejornalis-

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mo, dos Estados Unidos em 15 de outubro de 1958, pronunciou uma frase muito feliz: “Eu gostaria que a TV produzisse algumas pílulas de coceira no lugar desta efusão sem fi m de tranquilizantes”.

A informação acaba sendo apenas um detalhe. Não existe explicação sobre as razões de determina-do acontecimento, a contextualização da notícia, a extradiscur-sividade e suas conse-quências. Estas reali-dades essenciais para a compreensão do que é repassado fi cam de lado. Permanecemos na primazia do texto, do óbvio, do singular, não reconhecemos a importância do particular, ou seja, das infor-mações a mais de que dispomos.

Os meios de comunicação podem, para-doxalmente, informar desinformando, ocultar mostrando, em outras palavras, apresentam as notícias de variedades, de comportamen-to, ainda assim, somente as que formam consenso, deixando de lado o que realmen-te é importante, mostrando, de acordo com Bourdieu,

uma coisa di ferente do que ser ia preciso mostrar caso se f izesse o que supostamente se faz, isto é, informar; ou ainda mostrando o que é preciso mostrar, mas de tal maneira que não é mostrado ou se torna insignif icante, ou construindo-o de tal maneira que adquire sentido que não corresponde absolutamente à realidade.(1997, p.24)

Se no passado, a mídia (Silverstone, 2002) podia ser pensada como apêndice do processo político e até como o quarto poder, agora, a política não existe fora de uma es-trutura midiática. Ela exerce, cada vez maior infl uência na decisão da escolha das pesso-as. É o que afi rma Libânio:

A mídia cria art i f ic ialmente a imagem dos pol í t icos, for ja-os do nada e joga-os na are-na ele i toral , conseguindo elegê- los indepen-dentemente dos valores ét icos, quer da pes-soa do político quer dos meios para elegê-los.(1995, p.29)

O jornalista não é apenas transmissor,

mas verdadeiro construtor de conteúdos. De uma mesma informação é possível apresen-tar resultados totalmente diferentes. Depen-de de quem dá “forma” a essa informação. Ela deve localizar as contradições, os inte-resses que os proprietários defendem, uma

vez que sempre há algo para ser descoberto. E o receptor deve deixar de lado a ideia de ser um mero leitor ou es-pectador.

É fácil concluir en-tão, que não existe uma mídia impressa ou ele-trônica, independente, neutra, apartidária, em que o leitor é sua razão de ser, como gostam de lembrar, continua-mente, os proprietários

de veículos eletrônicos.

A educação para o espírito críticoQual deve ser o nosso trabalho? Já que a

comunicação é composta de condições obje-tivas e subjetivas? Interpretar o fator subjeti-vo, observando não só o conteúdo, mas as entrelinhas, os sinais, as marcas e pegadas deixadas, o não-dito, o indizível na vida so-cial, a ideologia que é repassada.

Umberto Eco, um dos dez intelectuais mais citados no mundo nos adverte: “a mídia, não pode eximir-se de críticas, é condição de saúde para um país democrático que ela possa colocar-se em questão”. (2001, p.56).E Herbert de Souza segue na mesma linha ao igualar a participação dos cidadãos na democracia à participação dos cidadãos na comunicação.

Editar uma notícia é escolher e, essa escolha já é uma tomada de posição. Se o veículo de informação não é neutro, o desti-natário também pode não sê-lo. Entretanto, este precisa ter uma visão abrangente das mensagens que a ele chegam. Só assim há de crescer seu discernimento o que lhe pos-sibilitará uma interpretação crítica. A postura crítica do receptor oferece condições de lo-calizar as contradições, os interesses que os proprietários da mídia defendem.

A educação para a mídia é um campo vas-to de ensino e aprendizado que proporciona a desconstrução das mensagens veiculadas

No modo de produção capitalis-ta, fundamentado no lucro, não se trata só de produzir bens, o que pode ser considerado relati-vamente fácil. Há um complica-dor: a comercialização. Aí entra a publicidade, inserida nas mí-dias que darão como retorno, a permanência de suas empresas no mercado e a possibilidade de concretizar novos negócios.

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pelos meios de comunicação, de modo a oportunizar a compreensão de como se ope-ra a formação de opinião, gostos e valores.

Frente a uma sociedade que aparece pronta, acabada, entra a necessidade da análise, da capacidade que o indivíduo tem de intervir, de interpretar, para provocar as mudanças. Com tal postura, novas alternati-vas se abrem à prática histórica.

Na festa literária Internacional de Paraty, Rio de Janeiro, no ano de 2003, o historia-dor inglês Eric Hobsbawm insistiu em olhar a história de modo global. Para ele, narrar os fatos que ocorrem sem referir, minimamente, as razões que os constituem é tomar o todo pela parte, é destituí-los de sua natureza complexa.

A mídia (Natali, 2004) delicia-se com ce-lebridades e não com personalidades. A ce-lebridade vira um “fetiche”, “ídolos” e atrai lei-tores e telespectadores, ávidos por fofocas. É a pauta única de determinadas revistas es-pecializadas e das colunas sociais, preocu-padas muito mais em falar do comportamen-to das pessoas, das cirurgias plásticas, das colunáveis siliconadas, dos novos namoros de atores, atrizes, modelos2. Vale o glamour, as extravagâncias, a superfi cialidade.

A vida privada virou consumo público. Um dos exemplos clássicos é o programa da Rede Globo “Big Brother”. Os “atores” saem do anonimato de suas vidas privadas para expô-las publicamente. Não há passado. O futuro é desconhecido. Vale o presente. E um pouco mais adiante, voltam para o ano-nimato, donde saíram. A imprensa brasileira parece uma imensa coluna social.

É lamentável que informações sobre comportamento, celebridades, novelas, va-riedades, “reality Shows” ganhem grandes espaços na mídia, que sejam esperadas e consumidas com avidez pelo público, a pon-to de levá-lo à excitação. Este mundo é o da superfi cialidade.

O mesmo vale para atividade política. A mídia se preocupa com a vida privada dos detentores do poder; e sua atividade como

homens públicos frente à realidade brasileira como fi ca?

Entretanto, a existência dos “reality Sho-ws” pode suscitar outras considerações. As regras do jogo podem ser comparadas às do próprio sistema capitalista e a doutrina neoli-beral que grassa na sociedade mundial. Vale a competitividade, o individualismo, em que a tônica é a eliminação do concorrente. Nin-guém deve ser ajudado.

Se não foi possível vencer, é porque fal-tou-lhe empenho. O importante é começar de novo. Mais adiante você poderá triunfar. Este é, na verdade, o grande chamariz e sedução do Neoliberalismo. Todos têm oportunidade de vencer. Desaparece, então, o que pode-ria ser o contraponto às regras capitalistas: a solidariedade, uma vez que a luta é pela exclusão dos concorrentes.

Este formato de programa pode suscitar outras considerações.

Segundo o Geógrafo e colunista da Folha de São Paulo, Demétrio Magnoli.

O sucesso dos “reality shows”, medido pela au-diência como pela crescente complacência dos inte-lectuais, parece indicar uma crise profunda do mundo privado e um esgarçar da noção de intimidade. O fenô-meno não pode ser isolado do recuo geral da privaci-dade, nessa época de fabricação midiática de celebri-dades efêmeras e despudoradas, de vigilância eletrô-nica de hábitos, gostos e preferências, de comerciali-zação empresarial de dados pessoais. Mas ele ocupa um lugar de vanguarda nessa ofensiva da barbárie. (2005, A2)

O que chama também atenção neste Programa é o interesse pelo público em par-ticipar através de telefonemas para confi r-mar ou retirar do Programa (paredão) o seu amigo ou desafeto. Milhões de ligações são feitas, colaborando ainda mais com o caixa da Rede Globo. Afi nal, em determinados mo-mentos do Big Brother 5, as ligações ultra-passaram a casa dos 22 milhões.

Na interatividade pós moderna do “Big Bro-ther”, todos os antigos atos do otário foram reu-nidos do impulso emotivo único de digitar teclas de telefone. A rapinagem é direta, implacável,

2 Dados da Ipson/Marplan, empresa especializada em estudos de marketing e consumo mostram quais são os principais grupos consumidores: Pelo menos 38% da população brasileira com mais de 13 anos tem interesse por gente famosa. 12% da população pesquisada tem o hábito de ler revistas de celebridades/fofocas. Mulheres (74%), as classes A e B (54%) e pessoas de 20 a 34 anos (39%). Folha de São Paulo, São Paulo, 8 de junho de 2004, E6.

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brutal. Existem leis contra isso, e temos até um Ministér io da Just iça. Mas quem se importa.(MAGNOLI, 2005, E4)

Mas isto não é de estranhar, numa so-ciedade que se preocupa muito mais em co-nhecer e falar sobre as celebridades, ler re-vistas especializadas que tratam da área do comportamento das pessoas, das plásticas feitas, das colunáveis siliconadas, dos novos namoros de atores, atrizes, modelos.

Magnoli critica aquilo que ele chama de crescente complacência dos intelectuais, a respeito do sucesso dos “reality shows”. O jornalista está chamando a atenção sobre aquilo que parece ser uma unanimidade. Na verdade, está faltando refl exão, função prin-cipal de um intelectual. O “Big Brother’ é a inversão das coisas. Eles não estão na tele-visão por serem importantes. É o contrário. Eles são celebridades porque estão apare-cendo na televisão .

Responsabilidade social da Mídia A mídia constrói a realidade. As pesquisas

mostram que mais de oitenta por cento de tudo o que as pessoas falam durante o dia, seja no trabalho, no trânsito, em casa, é pau-tado pela mídia. Os meios de comunicação são os que dão a agenda da discussão como também a suprimem. O que não está na mí-dia não está no mundo. Ela exerce cada vez maior infl uência na decisão das escolhas das pessoas. O que signifi ca que determinados assuntos não chegam a se constituírem em realidade.

A Responsabilidade social pode ser de-fi nida como a consciência e a prática das dimensões políticas e éticas. No desenvol-vimento das comunicações é possível cons-tatar a falta, muitas vezes, da ética, que de acordo com Márcio Fabri dos Anjos (1996) deve ser compreendida como uma instância crítica e propositiva.

Se observamos como a realidade é mos-trada na mídia, verifi camos que ela é apre-sentada como algo acabado, pronto, absolu-tizado, invariável, desenraizado do passado, sem antecedentes. Necessário se faz então, a busca de ações e relações objetivando dar respostas a uma nova visão de homem, de sociedade, do agir humano e das suas trans-formações. Por isso, a ética é imprescindível

também na mídia. Na análise das instituições duas teorias

se notabilizam: a teoria positivista-funcio-nalista para a qual o máximo que podemos fazer é tirar uma radiografi a da sociedade, descrevê-la como é, como funciona, mas a partir de si mesma; e a teoria histórico-crítica, que além de nos mostrar como se estrutura, traz elementos que nos faz compreender por que ela é assim. Procura buscar as causas.

Temos, então, a infra-estrutura, capital e trabalho, e as superestruturas representadas pela família, escola, igrejas, meios de co-municação. São desejos, ideias, aspirações pensados pelos responsáveis destas institui-ções, que, até certo ponto se materializam e reproduzem determinadas formações so-ciais.

Mas essas instituições nunca se cristali-zam de maneira absoluta. Contêm sempre um espaço de contradição, apesar de se tor-narem hegemônicas e, até certo ponto, es-táveis dentro de um determinado grupo. No caso em foco, a mídia, é uma instituição que responde às tensões existentes na estrutu-ra dessa sociedade, representando, como regra geral, os interesses e os valores dos grupos dominantes.

A tolerância e a aceitação das diferenças são princípios de uma democracia. Ora, é sabido que os grupos mais poderosos en-contram espaços para difundir suas ideias, já que o rosto da mídia é o poder. E a po-pulação como fi ca? Daí a necessidades de se buscar outros caminhos para a comunica-ção, que combata a intolerância com os ex-cluídos em nível econômico, político e cultu-ral. É urgente radicalizar quando o objetivo é a publicação de uma imprensa alterna-tiva, um jornal de bairro, por exemplo. A divulgação de jornais alternativos - sejam semanais, quinzenais, mensais, e seus empreendedores - é inerente ao processo democrático.

Estudar a mídia é torná-la mais inteligível. Progredir na análise de conjuntura é obser-var as articulações e as dimensões locais, re-gionais, nacionais dos fenômenos midiáticos, dando-se conta como os meios de comuni-cação funcionam. O objetivo é provocar uma intervenção, ou seja, propor o surgimento de

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uma nova sociedade, mais justa, mais demo-crática, mais igualitária, mais participativa.

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Ciências Tecnológicas

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Uso de telhados verdes no controle quantitativo do escoamento superfi cial urbano

Andréa Souza Castro1

Joel Avruch Goldenfum2

Resumo: Os telhados verdes são estruturas que se caracterizam pela aplicação de cobertura vegetal nas edifi cações, utilizando impermeabilização e drenagem adequadas. Os telhados verdes são estruturas que surgem como uma alternativa de cobertura capaz de proporcionar várias vantagens sobre as coberturas conven-cionais, dentre as principais podemos citar: diminuição da água de escoamento que seria direcionada ao pluvial, melhoria nas condições de conforto ambiental das edifi cações e visual paisagístico. O presente artigo procura avaliar o escoamento superfi cial proveniente de um experimento composto por quatro módulos. Neste estudo é feita uma comparação entre telhado e terraço com a utilização de cobertura vegetal e terraço e telhado convencional. Os resultados preliminares mostram que para os eventos estudados, os telhados verdes conseguiram reduzir o escoamento superfi cial em 50% para o telhado e em 100% no terraço, para as primeiras três horas após o início da chuva. Após seis horas após o início da chuva, a eliminação do escoamento superfi cial ocorre em 50% dos eventos no telhado e de 63% no terraço. Passando 12 horas do início da chuva, a cobertura verde continua retendo o escoamento superfi cial, sendo os valores de 25% no caso do telhado e 63% no terraço.Os dados preliminares indicam que os usos de coberturas vegetais podem propor-cionar uma melhor distribuição do escoamento superfi cial, diminuição da velocidade de liberação do excesso de água e redução nos volumes escoados.

Palavras-chave: Telhados verdes, Escoamento superfi cial.

Abstract: Green roofs are structures that use plant coverage in buildings, including appropriate waterproofi ng and drainage devices. These structures that can provide several advantages compared to the conventional roofs, including: reduction of the water fl ow that would be directed to pluvial dranage systems; improvement of buil-ding environmental conditions; amelioration of visual landscape of the buildings. The present article seeks to assess the runoff from an experimental green roof structure comprised of 4 modules. A evaluation of inclined roofs and terraces, comparing the use of plant cover and conventional roof, is presented. Preliminary results show that, for the studied events, the green roofs were able retain up to 50 % of the runoff on the inclined roofs and 100% reduction on the terrace, for the fi rst 3 hours after the onset of rain. After 6 hours of the start of rainfall, 50% of runoff reduction was observed on the inclined roofs, and 63% in the terrace. After 12 hours of the rainfall start, green coverage continues retaining the runoff, with 25% reduction in the case of inclined roofs and 63% in terrace. Preliminary data indicates that the uses of green roofs can provide a better distribution of runoff, slow release of excess water and reduction in the disposed volumes.

Key-words: Green roofs, Run-off

1 Aluna de Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Professora da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre.

2 Professor Adjunto do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Project Manager - Greenhouse Gas (GHG) Research International Hydropower Association.

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Mentens et al. (2006), Connelly e Liu (2005), Wan Woert et al. (2005), Villarreal (2005), Mo-ran (2004); Simmons et al. (2008) citam o uso de telhados verdes no controle do escoamento superfi cial.

Mas, pouco se conhece sobre o efeito dos telhados verdes sobre o escoamento pluvial no Brasil. Sendo assim, é de extrema importância o estudo para verifi car a aplicabilidade e os efeitos dessas estruturas no escoamento superfi cial urbano.

ObjetivosEste trabalho tem como objetivo verifi car a

efi ciência do uso de telhados verdes no con-trole quantitativo do escoamento superfi cial urbano.

Materiais e MétodosO módulo experimental telhado verde foi

instalado no IPH/UFRGS. É um dispositivo composto por quatro módulos de 4 m2 cada, sendo a estrutura cedido pela empresa Ecotelhado©. A fi gura 1 mostra o módulo experimental.

Os módulos que constituem o experimento são:

• Módulo horizontal com telhado verde (terraço);• Modulo horizontal sem telhado verde (terraço);• Módulo com declividade de 15o (graus) com presença de telhado verde (telhado);• Módulo com declividade de 15o (graus) sem presença de telhado verde (telhado).Neste experimento um módulo de telha-

do e um módulo de terraço são constituídos

IntroduçãoA urbanização que ocorre com o cresci-

mento das cidades provoca uma diminuição na cobertura vegetal, modificando o ciclo hidrológico, através de alterações nas quan-tidades de água envolvidas nos processos constituintes do ciclo. O am-biente impermeabilizado passa a direcionar maior parcela de água pluvial a um escoamento superficial, dada a redução da interceptação vegetal, in-fi ltração e evapotranspiração pela retirada da sua proteção natural. A consequência deste processo é um aumento nos volumes escoados, ao mesmo tempo em que ocorre a redução do tempo de concentração, provocando assim hidrogramas de cheias cada vez mais críticos.

Os telhados verdes são estruturas que se caracterizam pela aplicação de cobertura ve-getal nas edifi cações. Consistem basicamente em uma camada da vegetação, uma camada de substrato (onde a água é retida e a vegeta-ção é escorada) e uma camada de drenagem responsável pela retirada da água adicional.

Os telhados verdes são estruturas que surgem como uma alternativa de cobertura capaz de proporcionar várias vantagens sobre as coberturas convencionais. Dentre as prin-cipais podemos citar: controle do escoamento superfi cial; melhoria nas condições de conforto ambiental das edifi cações e visual paisagístico; proteção do telhado contra a luz do solar e grandes fl utuações de temperatura, melhoran-do assim a vida útil do telhado.

Os efeitos dos telhados verdes no escoa-mento superfi cial consistem em: diminuição da água de escoamento que seria direcionada ao pluvial, já que o telhado verde é composto por plantas que têm a capacidade de reter água e atraso no pico do escoamento, pois ocorre absorção da água no telhado verde.

Algumas desvantagens podem surgir com a adoção de coberturas verdes, tais como: custo de implantação, problemas de infi ltração e umidade (caso o sistema não seja aplicado de forma correta), aumento de carga na estrutura da edifi cação.

Esse tipo de tecnologia está sendo usado em diversos países na Europa e Estados Unidos, onde é adotado não só em empreendi-mentos residenciais como também comerciais e industriais. Vários autores internacionais,

Figura 1 – Módulo experimental instalado no IPH/UFRGS.

Os telhados verdes são estruturas que se caracterizam pela apli-cação de cobertura ve-getal nas edificações.

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vatório irá captar o excesso de água que não é retido pelas plantas. Já no lado que simula um telhado convencional a água cap-tada será a que escorre diretamente para o sistema público de águas pluviais. Sendo assim será possível fazer o balaço hídrico para verifi car a efi cácia da estrutura na re-tenção de água da chuva. Uma visão geral do experimento é apresentada na fi gura 3.

Resultado e Discussão

Análise quantitativaPara o presente estudo foram analisa-

dos o comportamento da estrutura para oito eventos de precipitação durante os meses de maio a setembro de 2008. Os dados so-bre as características de cada evento, tem-pos para o início do escoamento e os vo-lumes acumulados nos reservatórios para os quatro módulos experimentais são mos-trados nas tabelas 1 e 2. Na análise dos eventos de chuva, o presente artigo avalia comportamento da cobertura vegetal até as primeiras 12 horas do início da chuva. Logo, a intensidade média da chuva apresentada na tabela 1 foi calculada também para as primeiras 12h de precipitação. A exceção ocorreu nos eventos dos dias 20/06/2008 e 01/08/2008 (duração da precipitação menor que 12h), nos quais a média apresentada na tabela 1 é a precipitação média do evento.

As tabelas 3, 4 e 5 apresentam os va-lores dos volumes escoados na estrutu-ra após 3, 6 e 12 horas do início da chuva.

por ecotelhas. Além das ecotelhas, o módulo do telhado verde é composto por duas mem-branas, uma para a retenção de água e nu-trientes e outra antirraízes. A membrana para a retenção de raízes é colocada abaixo da membrana de retenção de água e nutrientes.

A fi gura 2 mostra em detalhe a instalação da ecotelha, que se encontra entre a mem-brana para retenção de água e nutrientes e membrana para a retenção de água.

A ecotelha é um conjunto formado por substrato rígido, um substrato leve e as plantas. Agrega nutrientes essenciais que proporcionam retenção de água e drena-gem do excedente. Cada ecotelha possui 35 cm de largura, 68 cm de comprimen-to e 6 cm de espessura. A ecotelha já vem plantada e enraizada, pronta para o uso.

Neste experimento, para cada módu-lo existem dois reservatórios de coleta de água com capacidade de 200 litros cada. O primeiro reservatório está ligado diretamen-te através de tubulações a um dreno. Este dreno está localizado na parte mais baixa do módulo, para que a água seja conduzi-da por gravidade ao primeiro reservatório. O segundo reservatório foi interligado ao primeiro, para servir como vertedouro no caso de o primeiro reservatório extravasar. Sensores de níveis ligados a um datallo-ger estão instalados no primeiro reserva-tório, permitindo assim que se monitore a quantidade de água da chuva que o telha-do verde consegue segurar, além do tempo em que começa o escoamento do mesmo.

No lado que possui a ecotelha, o reser-

Figura 2 – Instalação do telhado verde noIPH/UFRGS. Figura 3 – Cobertura verde instalada no

IPH/UFRGS

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Data do Evento Início da Chuva Total Prec. (mm) Duração totak da chuva (h:mm:seg)

28/05/2008 13h 66,33 34:55:0007/06/2008 13h55 71,58 55:00:0020/06/2008 6h 11,87 05:30:0020/07/2008 5h 21,44 48:00:0027/07/2008 3h55 139,54 71:50:0001/08/2008 21h40 38,30 8:00:0016/08/2008 13h40 72,70 71:40:0005/09/2008 4h 100,37 33:10:00

Tabela 1 – Características da precipitação para os seis eventos estudados.

Data do EventoInício do escoam. c/ telhado verde Início do escoam. s/ telhado verde

Terraço Telhado Terraço Telhado28/05/2008 17h40 (4:40:00) 14h40 (1:40:00) 13h10 (00:10:00) 13h10 (00:10:00)07/06/2008 2h40 (12:45:00) 15h20 (0:25:00) 14:00:00 (00:05:00) 15h (01:05:00)20/06/2008 S/ escoamento S/ escoamento 6h05 (0:05:00) 6h05 (0:05:00)20/07/2008 S/ Escoamento 7h35 (2:35:00) 5h10 (0:10:00) 5h10 (0:15:00)27/07/2008 15h40 (12:05:00) 14h15 (10:40:00) 3h40 (0:05:00) 1h15 (4:50:00)01/08/2008 1h30 (3:50:00) 0h25 (2:45:00) 21h50 (10min) 23h20 (1:40:00)16/08/2008 17/08/2008

15h10 (25:30:00)17/08/2008 15h05

(25:25:00) 14h15 (00:35:00) 14h20 (00:40:00)

05/09/2008 15h20 (11:20:00) 9h45 (5:45:00) 4h00 (0:00:00) 4h05 (0:05:00)

Tabela 2 – Horário de início do escoamento superfi cial e tempo para início do escoa-mento do início da chuva para os 4 módulos experimentais.

Data do EventoIntensidade da chuva para as primeiras 3hs

(mm/h)

Dias antece-dentes sem

chuva

Vol. Escoado (mm) após 3h (c/cobertura verde)

Vol. Escoado (mm) após 3h(s/cobertura verde)

Terraço Telhado Terraço Telhado

28/05/2008 6,27 14 0 4,53 12,76 13,2007/06/2008 2,95 4 0 0,58 6,26 3,1120/06/2008 3,28 5 0 0 7,02 7,1220/07/2008 1,68 11 0 0,16 3,31 3,9027/07/2008 0,75 4 0 0 1,36 1,7101/08/2008 5,84 1 0 0,29 12,07 11,5116/08/2008 2,78 3 0 0 6,21 6,3205/09/2008 1,26 11 0 0 3,02 3,13

Tabela 3 – Volumes escoados nos 4 módulos experimentais após 3 horas do início da recipitação.

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Data do EventoIntensidade da chuva para as primeiras 12h

(mm/h)

Dias antece-dentes sem

chuva

Vol. Escoado (mm) após 12h (c/cobertura verde)

Vol. Escoado (mm) após 12h(s/cobertura verde)

Terraço Telhado Terraço Telhado

28/05/2008 4,19 14 4,61 27,16 31,52 32,3307/06/2008 1,35 4 0 10,79 11,36 10,74

20/06/2008 0 (evento já fi nalizado) 5 0 0 8,68 8,62

20/07/2008 0,74 11 0 0,57 6,28 6,7927/07/2008 2,52 4 0 8,91 19,33 20,2601/08/2008 0 (evento já

fi nalizado) 2 9,84 2,50 26,27 25,7416/08/2008 0,74 3 0, 0 6,39 6,4605/09/2008 3,16 11 2,21 16,66 27,34 27,64

Tabela 5 – Volumes escoados nos 4 módulos experimentais após 12 horas do início da precipitação

Data do EventoIntensidade da chuva para as primeiras 6h

(mm/h)

Dias antece-dentes sem

chuva

Vol. Escoado (mm) após 6h (c/cobertura verde)

Vol. Escoado (mm) após 6h(s/cobertura verde)

Terraço Telhado Terraço Telhado

28/05/2008 7,37 14 3,75 21,09 28,03 28,6907/06/2008 2,28 4 0, 7,39 10,52 10,6920/06/2008 0 (evento já

fi nalizado) 5 0 0, 8,50 8,5620/07/2008 0,84 11 0,12 0 3,68 3,8927/07/2008 0,38 4 0, 0 1,89 1,9501/08/2008 6,09 1 7,.67 2,04 25,15 24,6816/08/2008 1,39 3 0, 0, 6,27 6,2605/09/2008 1,77 11 0 0,14 8,88 8,80

Tabela 4 – Volumes escoados nos 4 módulos experimentais após 6 horas do início da precipitação.

Os resultados preliminares do módulo terraço com cobertura vegetal mostram que, para os oito eventos estudados não houve escoamento superfi cial nas primeiras três horas após o início da chuva. Já para o módulo telhado com cobertura vegetal, houve escoamento superfi cial nas primeiras três horas após o início da chuva somente para quatro eventos, sendo os volumes escoados bem menores em comparação com um telhado sem cobertura vegetal.

Após seis horas do início da chuva ocorreu escoamento superfi cial no terraço

com cobertura vegetal somente para três eventos. Já para o telhado, houve escoamento superfi cial para quatro eventos após seis horas do início da chuva.

Após 12 horas do início da chuva, o terraço com cobertura vegetal continua retendo todo o escoamento superfi cial em 63% dos eventos analisados. Já o telhado retém a totalidade do escoamento em 25% dos eventos. Os volumes escoados no módulo telhado com cobertura vegetal são ligeiramente maiores do que no terraço com cobertura vegetal em 63% dos eventos que

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geram escoamento após 12hs do início da chuva.

Os resultados preliminares mostram que, para os eventos estudados, os telhados e terraços com cobertura vegetal têm uma redução no escoamento superfi cial de até 50 e 100% respectivamente nas primeiras três horas após o início da chuva. Já seis horas após o início da chuva, a redução no escoamento superfi cial diminui, com uma taxa de 63% a 100% no terraço e de 50 a 100% no telhado, dependo do evento de chuva.

Após 12 horas após o início da chuva, houve redução da capacidade de retenção do escoamento, para o telhado e terraço. Mesmo assim, a cobertura verde retém a totalidade do escoamento superfi cial em 25% dos eventos analisados no telhado e em 63% no terraço.

Para os oitos eventos analisados, os dias antecedentes sem chuva parecem não contribuir pra a diminuição dos volumes escoados. Os eventos que possuem os maiores números de dias antecedentes sem chuva não correspondem aos menores volumes de escoamento superfi cial.

Nas primeiras três horas do início da chuva, a intensidade média parece não ter infl uencia nos volumes escoados superfi cial-mente. É importante considerar que para os eventos analisados a intensidade média de chuva (3h do início da chuva) foi menor do que 7 mm/h. A infl uência da intensidade mé-dia da chuva passa a ser percebida a partir das 12h do início da chuva, quando as maio-res intensidades correspondem aos maiores volumes acumulados.

ConclusõesOs dados indicam que terraços e telhados

com cobertura vegetal fazem um controle adequado do volume de escoamento superfi cial, mesmo passando 12 horas do início da chuva.

Os resultados sugerem um melhor desempenho hidrológico dos terraços em relação aos telhados na maioria dos eventos estudados. Isso indica que a inclinação do telhado pode ter infl uência nos volumes escoados.

Os dados preliminares indicam que o uso

de coberturas vegetais pode proporcionar uma melhor distribuição do escoamento superfi cial ao longo do tempo através da diminuição da velocidade de liberação do excesso de água retido nos poros do substrato. Além disso, os dados demonstram uma redução no volume de água escoado, já que o telhado verde é composto por plantas que têm a capacidade de reter água.

Para os oito eventos analisados, a intensidade da chuva parece ter maior

infl uência nos volumes de escoamento superfi cial se comparados com os dias antecedentes sem chuva.

AgradecimentosAo CNPq que concedeu

fi nanciamento da pesquisa, bolsa de doutorado à primeira autora (Andréa Souza Castro) e bolsa de produtividade em pesquisa para o segundo autor (Joel Avruch Goldenfum). Daiane M. Lino contribuiu para o trabalho e recebeu bolsa de iniciação científi ca da FAPERGS.

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Os dados demonstram uma redução no volume de água escoado, já que o telhado verde é composto por plantas que têm a capacidade de reter água.

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Tratamento de chorume de aterro empregando a drenagem ácida de minas como fonte de ferro

para a reação de FentonR.M.S. Fagundes1

J.C.S.S. Menezes1

I.A.H. Schneider1

Resumo: Este trabalho teve como objetivo verifi car a efi ciência do processo Fenton (H2O2/Fe) no tratamento do lixiviado do aterro sanitário de Campo Bom – Vale do Sinos utilizando uma solução de drenagem ácida de minas (DAM) como fonte de ferro. Foram realizados ensaios considerando diferentes misturas de chorume e DAM, com e sem a adição de H2O2. O efeito de coagulação, em ambos os casos, melhorou as características do efl uente em termos de carga orgânica e nutrientes. Porém, quando foi adicionado o H2O2 (Reação de Fenton), o efl uente fi nal apresentou melhores resultados em relação a cor, COT (Carbono Orgânico Total) e, principalmente, em termos de bactérias do grupo coliforme. Os resultados demonstram que a drenagem ácida de minas, especialmente as mais concentradas e ricas em Fe+2, podem ser empregadas a baixo custo como fonte de ferro para a Reação de Fenton

Palavras-chave: Drenagem ácida de minas, Lixiviado de aterros sanitários, Reação de Fenton, Tratamento de efl uentes.

Abstract: The aim of this work was to study the treatment of landfi ll leached in the Vale dos Sinos - RS using the acid mine drainage (AMD) as a source of iron for Fenton´s Oxidation Process (H2O2/Fe). The experiments were carried out considering different levels of mixture of the wastewater and AMD, with and without the addition of H2O2. The coagulation effect, in both situations, improved the wastewater characteristics in terms of organic load and nutrients. However, when the H2O2 was added (Fenton´s Reaction), the fi nal effl uent showed better results in terms of collor, COT and bacteria of the coliform group. The results demonstrates that the AMD, especially the most concentrated and rich in Fe+2 , can be used as low cost source of iron for the Fenton´s Reaction.

Key-words: Acid mine drainage, Municipal landfi ll leachate, Fenton´s Reaction, Wastewater treatment

1 LEAmet - Laboratório de Estudos Ambientais para a Metalurgia. Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Minas, Metalúrgica e Materiais - Centro de Tecnologia - Campus do Vale - Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

E-mails: [email protected], [email protected], [email protected]

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O objetivo do presente tra-balho foi estudar o trata-mento de um chorume de aterro sanitário via proces-sos Fenton, utilizando a DAM como fonte de Fe total e Fe2+.

IntroduçãoA disposição de resíduos sólidos

urbano em aterros sanitários é uma prática bastante comum em países desenvolvidos e subdesenvolvidos. Devido à própria natureza dos resíduos, com grande quantidade de matéria orgânica e em função das infi ltrações de água nestes aterros, uma variedade de poluentes orgânicos e inorgânicos é dissolvida e transportada, gerando o chamado percolado de aterro sanitário ou, simplesmente, chorume. As características do chorume gerado variam em função do regime pluvial, do clima da região, da idade do aterro, da composição do resíduo (maior ou menor quantidade de matéria orgânica), das condições hidrogeológicas e de operação do aterro.

O tratamento do chorume em plantas de tratamento clássicas é raramente praticado devido à natureza e concentração dos poluentes presentes (DQO elevada, baixa biodegradabilidade, metais pesados, patogênicos, etc. – Tzaoui et al., 2007). Os tratamentos empregados hoje utilizam combinações dos seguintes processos: coagulação/fl oculação, biológico – anaeróbicos e aeróbicos, oxidação, oxidação avançada, membranas, recirculação do chorume ao aterro, banhados construídos, entre outros. A escolha de um fl uxograma de tratamento depende principalmente do custo de operação e investimento (custo efetivo) e da legislação ambiental local.

Tratamentos oxidativos e oxidativos avançados são atrativos para o tratamento de chorume devido ao potencial de oxidação da matéria orgânica e de diminuição da presença de patogênicos. Ainda, estes processos têm sido utilizados em conjunto com outros processos como pré e pós-tratamento de chorume (Zhang et al., 2006).

Entre os processos oxidativos avançados o processo Fenton se destaca devido ao baixo custo efetivo e facilidade operacional (Lee e Shoda, 2007). Durante a reação Fenton, peróxido de hidrogênio é catalisado em meio ácido (pH 3-5) por íon ferroso para produzir radical hidroxila (equação 1), que apresenta elevado potencial de oxidação –

2,8 V (Metcalf & Eddy, 2006).

A fonte mais utilizada para dosagem de Fe2+ é o sulfato ferroso - FeSO4 (Barros et al., 2005; Lee e Shoda, 2007). Entretanto, ao considerar a alta concentração de ferro (total

e na forma de iônica Fe2+) em águas provenientes da drenagem ácida de minas (DAM), é de interesse científi co e ambiental a avaliação do uso de DAM como fonte de Fe2+ no tratamento de efl uentes via processo Fenton.

Assim, o objetivo do presente trabalho foi estudar o tratamento de um chorume de aterro sanitário via processos Fenton, utilizando a DAM como fonte de Fe total e Fe2+. Avaliou-se a redução de carga orgânica (DBO5 e DQO) e desinfecção (coliformes totais e Escherichia Coli) do chorume e a possível concentração residual de metais pesados.

Materiais e MétodosA amostra de chorume foi coletada no

Aterro Sanitário do Município de Campo Bom (Figura 1). Neste aterro, o chorume gerado no aterro é armazenado em lagoas, o que permite um processo de biodigestão. Quando a lagoa encontra-se no limite de sua capacidade, o chorume é tratado por coagulação e descartado. A amostra empregada no presente trabalho foi retirada da lagoa de armazenamento, preservada a 4oC e utilizada nos experimentos em um período inferior a 24 horas da coleta.

A DAM utilizada é proveniente de drenagem de área de mineração de carvão na região de Criciúma - SC e foi caracterizada quanto a pH e metais pesados. A determinação da fração de Fe total e na forma de Fe2+ foi realizada pelo método titulométrico de dicromato de potássio (Jeffery et al, 1989).

O reagente H2O2 (32-36,5%) fornecido pela Nuclear® foi utilizado na reação de Fenton. H2SO4 e NaOH a 5% foram utilizados no ajuste do pH.

Os ensaios de tratamento do chorume iniciaram com a caracterização da DAM utilizada como fonte de ferro. A dosagem de

(1)

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Fe total necessária para efi ciente coagulação/precipitação e clarifi cação do chorume foi defi nida em 1000 mg.L-1. O tratamento foi realizado utilizando alíquotas de 1 L e foram divididos nas seguintes etapas:

Coagulação Simples: (a) adição de DAM na dosagem de 1000 mg.L-1 e ajuste do pH

para 3,5; (b) agitação em jar-teste por 3 horas; (c) ajuste do pH à 8,7; (d) separação sólido/líquido por fi ltração (papel fi ltro de 8 µm).

Reação de Fenton: (a) adição de DAM na dosagem de 1000 mg.L-1, ajuste do pH para 3,5 e adição de H2O2, com razão H2O2/ Fe2+ previamente defi nida em 0,0825 g Fe2+/mL H2O2 (Barros et al., 2005); (b) agitação em jar-teste por 3 horas; (c) ajuste do pH à 8,7; (d) separação sólido/líquido por fi ltração (papel fi ltro de 8 µm).

Análises físico-químicas foram realizadas no efl uente bruto e tratado. As análises de tubidez, cor e pH foram realizadas, respectivamente, com as técnicas de nefelometria (NTU), colorimetria (Hz) e membrana de íon seletivo. A concentração residual de H2O2 foi estimada com uso de teste de tiras – QUANTOFIX® Peroxide 100 (0 – 100 mg.L-1). A massa de lodo gerada em cada ensaio foi avaliada por diferença de massa do papel fi ltro (8 µm) antes e após fi ltragem. O fi ltro foi pesado à massa constante. A determinação do carbono orgânico total – COT foi realizada com a transformação do carbono da amostra, em chama ionizante, a CO2 e a concentração obtida por leitura em espectrofotômetro UV. A amostra, volume de 500 µL, primeiramente

foi tratada com ácido fosfórico 1 M à pH 2 e gás oxigênio para eliminação do carbono inorgânico. As demais análises, DBO, DQO, N, P, Fe total, Al total, Mn total e Zn total foram realizadas seguindo metodologia indicada pelo Standard Methods for the Examination of Water and Wastewater (APHA, 2005).

Resultados e discussão

Caracterização do Chorume e da DAMA Tabela 1 apresenta os resultados

das análises químicas realizadas para caracterização do chorume e da DAM. A carga orgânica do chorume (DQO) é bastante elevada e a biodegradabilidade (DBO/DQO = 0,3) bastante baixa. Estas características apontam para provável baixa efi ciência de tratamento por processos biológicos - lodo ativado, por exemplo (Russell, 1943). A DAM apresenta baixo pH e altíssima concentração de Fe total. A razão Fe2+/Fe total é próxima a 65 %, fazendo esta DAM um reagente bastante interessante como insumo do processo Fenton.

Tratamento do chorumeA Tabela 2 apresenta o resultado da

caracterização das amostras coletadas após realização dos ensaios de tratamento do chorume com o processo Fenton e com

Figura 1 – Aterro Sanitário do Município de Campo Bom.

Fonte: Prefeitura de Campo Bom.

Parâmetros Chorume DAM

pH 7,37 1,07S.Suspensos, mg.L-1

44 0,0

DBO, mg.L-1 979 -DQO, mg.L-1 3264 -COT, mg.L-1 1240 -Col.Totais 110000 -Sulfato total, mg.L-1 47,4 -N, mg.L-1 284,2 -P, mg.L-1 4,19 -Zn, mg.L-1 0,18 -Al, mg.L-1 0,59 -Mn, mg.L-1 2,55 -Fe total, mg.L-1 25,4 19.544.00Fe2+, mg.L-1 - 30.172.00

Tabela 1 – Características do chorume eda DAM

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o processo de coagulação/precipitação. Os resultados apontam para uma efi ciência de redução de DQO de aproximadamente 35% para o processo Fenton e de 45% para o processo de coagulação/precipitação, atingindo valores fi nais de DQO próximos a 2000 mg.L-1.

A razão DBO/DQO de ambas as amos-tras é de aproximadamente 0,3, igual a do chorume sem tratamento, o que mostra que não houve aumento da biodegradabilidade do chorume. Entretanto, os resultados de DQO e DBO5 do ensaio Fenton podem es-tar alterados devido a concentração residual de H2O2 (Lee e Shoda, 2007), que é de 30 mg.L-1.

A menor concentração residual de COT e o menor valor de cor para a amostra Fenton mostram que este processo é efetivamente mais efi ciente na destruição de carga orgânica dissolvida. Os resultados de Coliformes totais e Escherichia Coli confi rmam a maior efi ciência de desinfecção do processo Fenton.

Quanto à emissão do clarifi cado dos ensaios a corpos hídricos, os resultados mostram que a efi ciência de tratamento não é sufi ciente. Os parâmetros acima das exigências federais e estaduais de emissão são DQO, DBO5 e nitrogênio. Por outro lado, a concentração residual de metais pesados em ambos os ensaios é menor que a exigida par descarte. A massa de lodo seco gerada no ensaio Fenton foi um pouco maior que a gerada no ensaio de coagulação/precipitação.

Na Figura 2 é possível visualizar a alteração no aspecto visual do chorume tratado via Fenton. Este resultado foi possível principalmente pela redução signifi cativa dos compostos orgânicos presente na amostra.

Parâmetros Reação de Fenton Coagulação/precipitação

CONAMA 357/05CONSEMA 128/06

pH 8,06 8,32 5-9S.Suspensos, mg.L-1 25 25 -DBO, mg.L-1 649 530 80DQO, mg.L-1 2163 1770 300COT, mg.L-1 800 1140 -Turbidez, NTU 11 12 -Cor, NTU 339 457 -Col. Totais, NMP/100 mL < 1,8 240 104E. coli, NMP/100 mL < 1,8 4 -N, mg.L-1 214,5 209 20P, mg.L-1 0,21 0,01 3Zn, mg.L-1 < 0,05 < 0,05 5Al, mg.L-1 0,79 0,49 -Mn, mg.L-1 < 0,05 0,09 1Fe2+, mg.L-1 3,02 1,5 15

H2O2, mg.L-1 30 - -

Massa de lodo seco g.L-1 3,4 3,0 -

Tabela 2 – Características do chorume tratado via Fenton e coagulação/precipitação e parâmetros de descarte de efl uentes no Brasil e no Rio Grande do Sul.

Condições dos ensaios: Fenton – 1000 mg.L-1 Fe total, 663 mg.L-1 Fe2+, 7,63 mL.L-1 H2O2; Coagulação/precipitação - 1000 mg.L-1 Fe total, 663 mg.L-1 Fe2+

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ConclusõesOs resultados mostram que o tratamento

de chorume utilizando a DAM como fonte de ferro apresenta efi ciência na redução de carga orgânica e bactérias do grupo coliformes totais. Ao confrontar os processos Fenton e coagulação simples, pode-se observar superioridade do processo Fenton na redução de COT e cor e também na desinfecção do efl uente. Quanto à emissão, o tratamento é insufi ciente para enquadrar o efl uente nas exigências de DQO, DBO e nitrogênio, exigindo etapas posteriores de tratamento. Por outro lado, a concentração de metais pesados no efl uente após o tratamento através deste processo atende às exigências.

Com base no trabalho realizado, pode-se atestar a efi ciência do Processo Oxidativo Avançado como tratamento do chorume, onde se pode constatar a remoção da maioria dos parâmetros exigidos pelo CONSEMA 128/2008, além dos aspectos de cor e turbidez da amostra. O processo mostrou-se efi ciente também para redução de sólidos suspensos e microrganismos, o que comprova que houve efetiva ação do radical hidroxila, gerado pelo Fe+2 presente na DAM e o peróxido de hidrogênio.

AgradecimentosOs autores agradecem ao CNPq pelo

apoio fi nanceiro à pesquisa (Edital Universal Processo 484881/2007-8), à Prefeitura Municipal e à Central de Tratamento de Resíduos Domésticos de Campo Bom (RS), pela amostra de Chorume, e à Carbonífera Criciúma S.A (SC) pela amostra de drenagem ácida de minas.

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Figura 2 – Resultado do tratamento utilizando a Reação Fenton

Ao confrontar os proces-sos Fenton e coagulação simples, pode-se observar superioridade do proces-so Fenton na redução de COT e cor e também na desinfecção do efl uente.

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Hidrólise ácida, alcalina e enzimáticaProf. Ms. Carlos Atalla Hidalgo Hijazin1

Aline Tonial Simões2

Diogo Rhoden Silveira3

Resumo: A hidrólise é uma reação química em meio aquoso, em que a água sofre dupla decomposição em um composto, e é um processo que geralmente se mostra efi ciente na solubilização de proteínas. Neste artigo de revisão bibliográfi ca aborda-se e exemplifi ca-se os três métodos químicos principais utilizados para obtenção de hidrolisados, que são as hidrólises alcalina, ácida e enzimática. Com a crescente preocupação com o desenvolvimento de tecnologias limpas, que busquem o desenvolvimento sustentável, as hidrólises enzimática, alcalina e ácida mostram-se como uma alternativa.

Palavras-chave: Hidrólise, Alcalina, Ácida, Enzimática, Tecnologias limpas.

Abstract: The hydrolysis is the chemistry reaction in water, in which water performs a dual erosion in one compound, and it is a process mostly effi cient for the solubilization of proteins. In this bibliographic review article we have the aim to approach and exemplify the three principal chemical method of hydrolysis, what are acid, alkaline and enzymatic. With the growing worry about development of clean technology, that view sustainable development, the acid, alkaline and enzymatic hydrolysis seem like a alternative.

Key-words: Hydrolysis, Acid, Enzymatic, Alkaline, Clean technology.

1 Mestre em Engenharia de Minas, Metalúrgica e de Materiais pela UFRGS (2003). Professor do ensino médio, técnico e professor titular da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre, onde é orientador de projeto IC. Tem experiência na área de Engenharia Química, com ênfase em Processos Industriais de Engenharia Química.

E-mail: [email protected] Bolsista de Iniciação Científi ca e graduanda do curso de Engenharia Ambiental e Sanitária da Faculdade Dom Bosco

de Porto Alegre. E-mail: [email protected] 3 Bolsista de Iniciação Científi ca e graduando do curso de Engenharia Ambiental e Sanitária da Faculdade Dom Bosco

de Porto Alegre. E-mail: [email protected]

IntroduçãoO termo reação química, segundo

Rozemberg (2002), pode ser generalizado como todo o fenômeno que é processado com uma substância ou mais, e que acarreta a transformação destas em uma ou mais substâncias diferentes das primeiras. Já uma solução é uma mistura homogênea de duas ou mais substâncias, que é composta por soluto e por solvente. As reações que ocorrem entre o soluto (espécie em menor quantidade) e o solvente (espécie em maior quantidade) são conhecidas, de acordo com

Rozemberg, como reações de solvólise; dessas, a hidrólise é um caso particular em que o solvente é a água. Segundo Mano e Seabra (1969), de acordo com o solvente que reage, a designação também pode ser alcoólise (com álcoois), amonólise (com amônia), aminólose (com aminas) e etc.

A hidrólise é, portanto, uma reação química em meio aquoso, em que a água sofre dupla decomposição em um composto: um hidrogênio da molécula de água é transferido para um dos produtos, e o grupo OH é transferido para o outro produto. A

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reação de hidrólise é representada abaixo:

A hidrólise é aplicada em reações orgânicas e inorgânicas e segundo Barcza (p.2), “na química orgânica, hidrólise inclui, entre outras reações, saponifi cação de ácidos graxos e outros ésteres, inversão de açúcares, quebra de proteínas (hidrólises enzimáticas)”. Segundo Mano e Seabra (1969), a hidrólise tem grande importância na química orgânica, pelo fato de que é utilizada em processos de preparação de álcoois e ácidos partindo de ésteres, preparação de ácidos partindo de nitrilas, dentre outras utilidades. Ainda de acordo com Mano e Seabra (1969), “a hidrólise de produtos naturais, como amido, glicosídios, proteínas etc. é processo importante em química industrial, e pode muitas vezes ser realizada por via enzimática” (MANO e SEABRA,. 1969, p.95). A palavra hidrólise, conforme teoriza Barcza:

“significa decomposição pela água, mas são raros os casos em que a água, por si mesma, sem outra ajuda, pode realizar uma hidrólise completa. Neste caso é necessário operar a temperaturas e pressões elevadas. Para que a reação seja rápida e completa é sempre indispensável um agente acelerador, qualquer que seja o mecanismo da reação. Os mais importantes são álcalis, ácidos e enzimas” (BARCZA, 2010, p.3).

Ribeiro (2003) afi rma que de acordo com a UTRESA o processo de hidrólise da cadeia protéica do couro é uma destinação fi nal para estes resíduos que não envolve uma tecnologia alta e nem grandes investimentos. Ainda segundo Ribeiro (2003), estudos anteriores apontam que “a separação e recuperação de cromo e proteínas através da hidrólise tem se mostrado uma alternativa viável para tratamento destes resíduos” (RIBEIRO 2003 p.11).

A hidrólise é, portanto, um processo que geralmente se mostra efi ciente na solubilização de proteínas. Existem cinco

diferentes tipos de hidrólise, e neste artigo de revisão bibliográfi ca temos o objetivo de abordar e exemplifi car os três métodos químicos principais utilizados para obtenção de hidrolisados, que são as hidrólises alcalina, ácida e enzimática. Para tal, foram feitas leituras de revistas, artigos científi cos, livros e dissertações envolvendo o assunto.

Hidrólise ácidaSabe-se que os ácidos “são substâncias

moleculares que, em solução aquosa, sofrem ionização, fornecendo como cátions íons H3O+ (hidroxônio)” (POLITI, 1982, p. 43). A hidrólise ácida ocorre quando se usa um

ácido mineral (ácido obtido a partir de substância mineral inorgânica) em solução aquosa, podendo ser esta diluída ou concentrada. De acordo com Barcza (2010), ela ocorre com os compostos orgânicos ésteres, amidas, açúcares, dentre outros. Os ácidos mais utilizados

nessa reação hidrolítica são, ainda segundo Barcza, o ácido sulfúrico (H2SO4) e o ácido clorídrico (HCl).

A hidrólise ácida pode ser utilizada como uma alternativa para o tratamento de alguns resíduos sólidos. Segundo Hijazin (2003), a serragem de rebaixadeira (que é um resíduo de couro cromado) muitas vezes não é descartada corretamente, sendo armazenada em depósitos ou disposta aleatoriamente no solo sem um tratamento prévio. Existem, entretanto, alternativas viáveis para o tratamento deste resíduo, como a separação do cromo da proteína, que pode ser feita, por exemplo, através de descromagem ácida. Hijazin (2003) afi rma que:

“Côrrea et al. (1998) realizou um estudo de hidró-lise ácida em resíduos de couro cromados, utilizando ácido sulfúrico e sulfato de alumínio com injeção de vapor em recipiente fechado por 60 min. O hidrolisado obtido foi utilizado como banho de piquel, no processo de curtimento, constatando a viabilidade deste uso, sem prejuízo das peles obtidas” (HIJAZIN, 2003, p.19).

Assim pode-se considerar que o processo de hidrólise ácida contribui para o desenvolvimento de tecnologias limpas e é uma das alternativas para combater a

Figura 1 – Reação de Hidrólise. Fonte: www.dequi.eel.usp.br/~barcza/Hidrolise.pdf

O processo de hidrólise ácida contribui para o desenvolvi-mento de tecnologias limpas e é uma das alternativas para combater a crescente preo-cupação com a disposição fi nal dos resíduos sólidos.

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crescente preocupação com a disposição fi nal dos resíduos sólidos.

Hidrólise alcalinaAs bases, conforme Politi (1962), “são

substâncias iônicas que, em solução aquosa, sofrem dissociação, fornecendo cátions diferentes de H3O+ e ânions diferentes de OH-“ (POLITI, 1962 p. 45). Também conhecida como hidrólise básica, a hidrólise alcalina é uma reação hidrolítica em que um álcali (ou base) é utilizado no lugar da água, fazendo com que no fi nal se obtenha como produto um sal alcalino e um ácido. A reação é exemplifi cada abaixo:

Segundo Barcza, a hidrólise alcalina possui classes, que são: o uso de baixas concentrações de álcali na hidrólise, e que é usado, por exemplo, nas reações de ésteres; a fusão de materiais orgânicos com potassa ou soda cáustica; e o uso de álcali sufi ciente em alta concentração e sob pressão.

Ribeiro (2003), baseada em outros autores, explica que a hidrólise alcalina utilizada para tratamento de resíduos de couro (serragens cromadas), por exemplo, consiste de adição de um hidróxido ao resíduo com elevação de temperatura, e com esse processo:

“pode-se dissolver uma parte da serragem e também extrair gelatina, mas apenas até uma quantidade muito limitada.O uso de enzimas proteo-líticas pode melhorar o processo de decomposição das serragens cromadas” (RIBEIRO, 2003 p.11).

Percebe-se, então, que a hidrólise alcalina também é uma alternativa para ajudar no desenvolvimento de tecnologias limpas.

Hidrólise enzimáticaAs enzimas (“zyme”, em grego, signifi ca

levedura) são proteínas complexas que, conforme Reddy (2007), reduzem a energia de ativação (que é a energia necessária para iniciar a reação) requerida numa reação. Assim, ainda de acordo com Reddy (2007), as

enzimas funcionam como catalisadores dos processos biológicos e são responsáveis por várias fases do metabolismo. Elas ajudam, portanto, na aceleração da velocidade das reações, e “são componentes fundamentais da vida das plantas, dos animais e dos microorganismos” (REDDY, 2007, p.1). Esse aumento na velocidade das reações químicas pode ser do valor de até cerca de 1 milhão de vezes, sem modifi car a constante de equilíbrio químico e com regeneração da enzima ao fi nal da reação. De acordo com a Revista Aditivos e Ingredientes (2009), a atividade catalítica de enzimas vem sendo utilizada pelo homem durante milhares de anos, em processos como fabricação de queijo e pão e fermentação do suco de uva para obtenção de vinho. Contudo, ainda segundo a revista:

“estas eram apenas aplicações práticas, uma vez que o conhecimento do modo de ação dos catalisadores biológicos só foi elucidado recen-temente, precedido por uma série de fatos que culminaram nos conhecimentos para utilização de enzimas em diferentes ramos da atividade huma-na” (Revista Aditivos e Ingredientes, p. 43, 2009).

Segundo Reddy (2007), “o uso de enzimas cresceu drasticamente nos últimos anos. As enzimas podem ser aplicadas nas comidas, nos produtos de limpeza, em indústrias farmacêuticas, em indústrias de couros, entre outras” (REDDY, 2007, p.2).

De acordo com Ribeiro (2003), há um tipo de enzimas conhecidas como protease ou proteolíticas, e essas enzimas:

“[...] catalisam a quebra das ligações pep-t í d i c a s e m p r o t e í n a s e a c e l e r a m a v e l o -c idade da reação, sem part ic ipar dela como reagente ou produto” (RIBEIRO, 2003 p. 11).

Alguns estudos atuais utilizam-se da enzima pepsina para realizar hidrólise enzimática de resíduos de couro, com o objetivo de criar soluções alternativas para uma destinação adequada desses resíduos sólidos ricos em cromo. Essa enzima é encontrada no suco gástrico, e conforme Freire e Lopes (1995), está presente no estômago de todos os vertebrados, com exceção das carpas, e pertence ao grupo das anteriormente citadas proteases.

A hidrólise enzimática ocorre por quebra de proteínas. Segundo Zavareze et al.

Figura 2 – Hidrólise alcalina. Fonte: www.dequi.eel.usp.br/~barcza/Hidrolise.pdf

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(2009), o uso de proteases específi cas tem algumas vantagens se comparado com as hidrólises alcalina e ácida; estas vantagens seriam a especifi cidade, o controle do grau de hidrólise, as condições moderadas de ação, a menor quantidade de sal no hidrolisado obtido no fi nal da reação e a possibilidade que as enzimas geralmente têm de serem empregadas em concentrações muito baixas, sendo desnecessária a sua remoção. O processo de hidrólise enzimática, conforme teoriza Dors (2006 apud PEREIRA, 2004), precisa de dois requisitos para a operação: formação de interface lipídeo/água e adsorção da enzima nesta interface; quanto maior a interface, maior vai ser a quantidade de enzima adsorvida, levando a velocidades de hidrólise mais elevadas. As etapas da reação de hidrólise enzimática de óleos e gorduras são exemplifi cadas na fi gura abaixo:

As enzimas podem ser aplicadas como uma alternativa para tratamento de resíduos sólidos. Segundo Gutterres (2005), a biotecnologia (que é o processo tecnológico que usa material biológico para fi ns industriais) “já tem propiciado lançamento de vários produtos no mercado mundial com o

desenvolvimento, produção e aplicação de enzimas” (GUTTERRES, 2005, p. 4). Gutterres ainda afi rma que a hidrólise enzimática pode ser utilizada no tratamento de resíduos, como aparas e farelos de couro, para

produzir colágeno hidrolisado; esse colágeno resultante possui habilidade de formar gel, propriedades de absorção de água e óleo, adesividade, e pode ser usado em cosméticos, preparação de adesivos, dentre outras utilidades.

ConsideraçõesA reação de hidrólise pode ser utilizada

em muitos processos, como por exemplo na criação de alternativas tecnológicas que combatam o crescente descaso com o meio ambiente. O desenvolvimento de estudos que visem ao alcance de tecnologias limpas é extremamente importante nos dias de hoje, em que cada vez mais se fala em proteção aos recursos naturais. O problema da disposição inadequada de resíduos sólidos, dentre tantos outros, é um exemplo real que precisa ser considerado.

Portanto, através do levantamento bibliográfi co e consulta a pesquisas já realizadas acerca das hidrólises alcalina, ácida e enzimática, podemos considerar que as reações hidrolíticas vêm se mostrando de grande importância no estudo de soluções alternativas que contribuam para o desenvolvimento sustentável.

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Figura 3 – Hidrólise enzimática de óleos e gorduras.

Fonte: DORS, 2006, p.25.

As enzimas podem ser aplicadas como uma al-ternativa para tratamen-to de resíduos sólidos.

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Comparativo entre os métodos de custeio por absorção e custeio baseado em atividade – a importância da escolha do método em uma

indústriaFilipe Martins da Silva1

Marco Antônio dos Santos Martins2

Frederike Monika Budiner Mette3

Resumo: O gerenciamento dos custos se constitui em um processo de múltiplas variáveis, envolvendo aspectos operacionais como a gestão de estoques, a modernização do processo produtivo, a redução de desperdícios. Dentro desse contexto, as indústrias estão em busca de uma metodologia de alocação de custos que satisfaça suas necessidades. Dentre os mecanismos de alocação utilizados pelas empresas brasileiras destacam-se a aplicação do Custeio por Absorção e o do Custeio Baseado em Atividades (ABC). O presente artigo se propõe a comparar os resultados da aplicação de ambos os métodos em uma empresa industrial, e após a execução do estudo de caso, verifi car qual modelo melhor se aplica na empresa em análise.

Palavras-chave: Método de custeio, ABC, Absorção.

Abstract: The administration of the costs is constituted in a process of multiple variables, involving operational aspects as the administration of stocks, the modernization of the productive process, the reduction of wastes. Inside of that context, the industries are in search of a methodology of allocation of costs that satisfi es their needs. Among the allocation mechanisms used by the Brazilian companies stand out the application of the Costing for Absorption and the one of the Costing based on Activities (ABC). The present article intends to compare the results of the application of both methods in an industrial company, and after the execution of the case study, to verify which better model is applied in the company in analysis.

Key-words: Method of costing, ABC, Absorption.

1 Bacharel em Ciências Contábeis pela Unifi n. E-mail: fi [email protected] Doutorando em Finanças pelo PPGA/UFRGS, Mestre em Economia pela UFRGS e Bacharel em Ciências Contábeis

pela Faculdade São Judas Tadeu Professor da ESPM e Unifi n E-mail: [email protected] Mestre em Finanças pelo PPGA/UFRGS, Especialista em Economia e Finanças pela UFRGS e Bacharel em Ciências

Atuariais pela UFRGS Professora da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre e ESPM E-mail: [email protected]

IntroduçãoNo mercado atual, a competitividade

está cada vez mais acirrada. Neste contexto é preciso buscar um diferencial nos produtos ofertados, seja na qualidade ou no custo destes. Em algumas situações este

diferencial defi ne a aceitação e permanência do produto no mercado, fazendo com que os consumidores optem pelo produto que apresenta a melhor relação custo-qualidade.

Em última análise, pode-se dizer que o mercado acaba por defi nir o preço da

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maioria dos produtos, ou seja, quanto os consumidores estão dispostos a pagar por um determinado item ofertado. Assim, cabe às organizações gerenciarem sua estrutura de custos e despesas, visando minimizá-los, como forma de aumentar a margem sem afetar a competitividade.

O adequado gerenciamento dos custos se constitui em um processo de múltiplas variáveis, envolvendo aspectos operacionais tais como a gestão de estoques, a modernização do processo produtivo, a redução de desperdícios etc. Além disso, é preciso alocar adequadamente os custos incorridos no processo produtivo aos respectivos itens fabricados.

Dentro desse contexto, as indústrias estão permanentemente em busca de uma metodologia de alocação de custos que satisfaça as suas necessidades. Dentre os mecanismos de alocação utilizados pelas empresas brasileiras destacam-se a aplicação do Custeio por Absorção e o do Custeio Baseado em Atividades (ABC). A escolha de um destes métodos tem se gerado uma farta discussão não só na academia como também no setor industrial.

O presente artigo se propõe a comparar os resultados da aplicação do método de custeio por Absorção e o ABC em uma empresa industrial, fabricante de MDF Cru, mediante a realização de estudo de caso.

A escolha do estudo de caso está fundamentada no fato de que Yin (1989) defi ne que o estudo de caso é uma inquirição empírica que investiga um fenômeno contemporâneo dentro de um contexto da vida real, quando a fronteira entre o fenômeno e o contexto não é claramente evidente e onde múltiplas fontes de evidência são utilizadas.

Para atingir o objetivo proposto, o artigo está estruturado em seis seções além desta. Na primeira seção será apresentado um pequeno retrospecto da evolução das metodologias de alocação de custos. A segunda seção será dedicada à construção de referencial teórico capaz de conceituar e defi nir os dois principais métodos de custeamento. Já na terceira seção serão apresentados alguns achados e conclusões de trabalhos acadêmicos dedicados à aplicação dos métodos. Na quarta seção encontra-se a aplicação do estudo de caso e seus resultados. A análise dos resultados será

apresentada na quinta seção. Finalmente, a última seção é dedica às considerações fi nais.

Contabilidade de CustosA diferenciação entre custos e despesas é

importante, pois os custos são incorporados aos produtos (estoques), ao passo que as despesas são levadas diretamente ao resultado do exercício. Para Souza e Diehl (2009), custos “são o valor monetário despendido pelo consumo de recursos”. Os autores complementam afi rmando que estes custos são divididos geralmente em três: materiais diretos, mão-de-obra direta e custos indiretos, podendo ser resumido na seguinte equação:

Custo = Material Direto + Mão-de-obra Direta + Custos Indiretos

Segundo Martins (2003), o custo é reconhecido como gasto, ou seja, desembolso de recursos fi nanceiros, porém, somente é considerado um custo no momento da utilização destes fatores que geraram esse desembolso, podendo ser bens ou serviços, para a produção de um produto ou execução de um serviço. Como exemplo citamos a compra de matéria-prima, que entra no estoque no momento de sua compra no ativo de sua empresa, porém só é transferida para o custo (resultado) no momento de sua utilização. Podemos defi nir estes custos da seguinte maneira:

Matéria-PrimaPara Garrison, Norreen e Brewer

(2007), as matérias-primas são os materiais incorporados ao produto fi nal, correspondendo a qualquer material usado no produto fi nal. Souza e Diehl (2009) incluem neste item também as embalagens dos produtos.

Segundo Martins (2003), estes custos são perfeitamente apropriados aos produtos já que é possível identifi car quanto foi utilizado e para quantos produtos produzidos foram, caso seja produzido mais de um item.

Mão-de-Obra DiretaEste termo é reservado para os custos de

mão-de-obra que são facilmente associados a unidades individuais de produto, ou seja,

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fácil identifi cação da relação entre quanto produziu e quanto gastou para produzir. Ainda Garrison, Norren e Brewer (2007) informam como exemplo que o custo desta mão-de-obra são os salários dos operários, carpinteiros e pedreiros, pois participam do processo produtivo ou, no caso de empresas prestadores de serviços, o salário de quem executa a atividade principal da empresa.

Custos IndiretosSegundo Garrison, Norren e Brewer,

(2007) incluem-se neste item todos os outros custos da empresa, abrangendo itens como matéria-prima indireta, mão-de-obra indireta, manutenção de equipamentos de produção, energia elétrica, aluguel etc.

“Um custo indireto é aquele que não pode ser fácil ou convenientemente identifi cado com o particular objeto de custo de discussão” (GARRISON, NORREN E BREWER, 2007, p. 40).

Os custos indiretos vêm sendo os grandes vilões da Contabilidade de Custos, por serem de difícil alocação, pois muitas vezes, são difíceis de mensurar e de alocar entre os produtos.

1.1 Métodos de CusteioUm dos grandes problemas em

contabilidade é encontrar a metodologia adequada para apropriar os custos indiretos aos produtos. Santos, Schimidt e Pinheiro (2006) acrescentam que o Custeio está intimamente relacionado à defi nição de análise das informações para se adequarem às necessidades da empresa.

Ao longo dos anos vários métodos de custeio foram sendo desenvolvidos, dentre eles os que ganharam maior destaque pela sua aplicação estão os métodos de do Custeio por Absorção, Custeio Variável, ABC e RKW.

Custeio por AbsorçãoConforme Fleishman (1996, apud

Carvalho 2002 p. 50), possivelmente a primeira aparição do método de custeio por absorção tenha ocorrido na França do século XIX, pois, naquela época, uma fi gura contábil chamada prix de revient, um equivalente francês para o custo dos produtos vendidos, originalmente, incluía apenas os custos diretos de produção. Mas no ano de 1817,

Anselme Payen, um magistrado que abrira uma fábrica de açúcar de beterraba, reconheceu que também deviam ser incluídos os custos indiretos de fabricação.

Conforme Silva (2005, p. 27) sobre o Custeio por Absorção:

Consiste na apropriação de todos os custos de produção aos bens elaborados, e só os de produção aos bens elaborados: todos os gastos relativos ao esforço de fabricação são distribuídos para todo os produtos feitos, fixos e variáveis. Esse sistema leva a empresa a fazer uma distinção entre custos e des-pesas gerais, simplifica os processos de custos e usa critérios subjetivos de rateio dos custos fixos aos pro-dutos, além de considerar os estoques de produtos em elaboração como custos e não como investimentos.

Segundo Crepaldi (2004), o Custeio por Absorção é um método derivado da aplicação dos princípios fundamentais de contabilidade, pois estão de acordo com o regime de competência e confrontação receitas e despesas do período. Este método é inclusive adotado pela legislação Comercial e Fiscal no Brasil.

Martins (2003) diz que este método de custeio é basicamente baseado na apropriação de todos os custos de produção sendo distribuídos aos bens elaborados ou serviços feitos. Este método é muito útil principalmente para empresas que produzam poucos produtos.

Para Santos, Schimidt e Pinheiro (2006), esse método de custeio tem como principais características:

• É um sistema de custos que apropria aos produtos ou serviços todos os custos diretos e indiretos ocorridos na atividade de produção ou prestação do serviço.• Este método de custeio trabalha com a fi gura do “Custo Total do Produto”.• Este sistema apura um resultado para o produto.• É voltado mais para um enfoque interno, por considerar o preço de venda uma função predominantemente de custos e não de mercado. Os autores ainda fazem algumas críticas

sobre este método, tais como: • É um sistema bastante infl exível para efeitos de estratégia de preços, notada principalmente em situações de recessões ou situações competitivas.• Demonstra uma ilusória segurança, na medida em que são apropriados todos os

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custos e despesas aos itens ou serviços ofertados, pois há uma aparente garantia na cobertura dos custos através do preço de venda apurado, podendo esta garantia não se realizar dependendo do volume atingido.

Exemplifi candoNo segundo trimestre de 2002, a Indústria

Alfa de Produtos Fabris concluiu a produção de 600 unidades do item X2, tendo logrado vender 400 dessas unidades, ao preço unitário de 120,00. No mesmo período foram coletadas as seguintes informações.

• Custo Variável Unitário: 20,00• Total de Custos Fixos: 18.000,00• Despesas Variáveis de Vendas Unitária: 2,00• Inexistência de estoque inicial no períodoCom base nessas informações, calcule

pelo Custeio de Absorção o Custo dos Produtos Vendidos, o Estoque Final do Período e o Lucro Líquido do Período:

Resolução:Custeio Direto ou Variável

Conforme Johnson e Kaplan (1996, apud Carvalho 2002 p. 56), há um consenso, entre os historiadores da área, de que o método do custeio variável pode ter sido a primeira forma encontrada de apropriar custos a produtos. O autor ainda acrescenta que as primeiras organizações comerciais americanas a desenvolverem sistemas de contabilidade gerencial foram da área de tecelagens de algodão mecanizadas e integradas, surgidas após 1812, utilizando as informações dos

custos para avaliar a mão-de-obra direta e custos de despesas gerais na conversão matérias-primas em fi os e tecidos acabados. Uma das primeiras se deu na Lyman Mills, uma tecelagem de algodão integrada e movida a força hidráulica, construída no fi nal da década de 1840, em Holyoke, cidade do oeste de Massachussetts. O autor complementa que essa informação ao custeio variável também evoluiu para custeio por absorção.

Conforme Ferreira (2009), em razão dos problemas existentes no uso do sistema de custeio por absorção no que diz respeito à apropriação dos custos fi xos, surge o sistema de custeio variável, que segundo Martins (2003), só é alocado ao produto os custos variáveis, separando os fi xos, conside-rando-os como despesas, classifi cando-os diretamente no resultado do período, enquanto os variáveis serão demonstrados no estoque. Este método não é aceito pelo Fisco, justamente por diminuir o resultado do período por considerar os custos fi xos como despesa, somente então ser usado para análises internas. Para Santos, Schimidt e Pinheiro (2006), esse método de custeio como principais características:

• Este sistema só apropria ao produto ou serviço ofertado os custos e despesas variáveis ocasionados para que os mesmos sejam ofertados ou comercializados.• Apura uma “Margem de Contribuição” dos produtos, mercadorias e serviços.• O sistema é voltado para o mercado, considerando o preço de venda, predominantemente, uma função do mesmo.Ferreira (2009) ainda acrescenta que se

caso toda a produção iniciada e acabada no período for vendida, o lucro bruto pelo custeio variável será maior que o apurado pelo custeio por absorção, justamente por não ser apropriado o custo fi xo ao produto, porém o lucro líquido será igual nos dois métodos, pois os custos fi xos integrarão o custo dos produtos vendidos (CPV) no custeio por absorção e estarão entre as despesas operacionais no custeio variável.

Porém, para Santos, Schimidt e Pinheiro (2006), esse sistema não permite uma visualização individualizada do produto ou serviço, exigindo assim um planejamento com

Custo Fixo Unitário ( 18.000,00/600 unidades)

30,00

Custo Variável Unitário 20,00Custo Total Unitário 50,00Custo Total dos Produtos Vendidos (50,00 X 400 Un.)

20.000.00

Estoque Final (600 Prod – 400 Vend = 200 X 50,00)

10.000,00

DREReceita (400 x 120,00) 48.000.00CPV (20,000,00)Lucro Bruto 28.000,00Despesas Variáveis (400 x 2,00) 800,00Lucro Líquido 27.200,00

Fonte: Curso Básico de Contabilidade de Custos, página 226

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enfoque global na relação custo x volume x margem. Os autores acrescentam que esse sistema não é aceito pela legislação para efeitos de apuração de estoque, sendo usado então somente gerencialmente, que apesar de bastante fl exível, ele é voltado mais para o aspecto mercadológico externo da empresa.

Exemplifi cando:Uma indústria, elaborando um único

produto, tem a seguinte movimentação:

Resolução:Custeio Integral

Para Júnior e Klippel (2002), na primeira metade do século XX começou a surgir a teoria do Custeio Integral, propugnando que todos os custos deveriam ser repassados aos produtos, implicando na geração de bases de rateio para o repasse dos custos fi xos aos produtos.

Para Santos, Schimidt e Pinheiro (2006) o Custeio Integral é o método em que todos os custos fi xos e variáveis são imputados ao produto. Nesse sistema, além dos custos, aos produtos são imputadas as despesas, ou seja, todos os insumos envolvidos na produção da receita são considerados custos

dos produtos. Para Santos, Schimidt e Pinheiro (2006)

outro conceito importante obtido através do Custeio Integral é o de despesas de vendas (DV), que representam os gastos que surgem após a realização do ato de venda, como por exemplo, os impostos sobre vendas, descontos bancários e comissões do vendedor. Dessa forma, as respectivas parcelas são calculadas como percentagem do preço, de maneira que também se podem considerar as DV como sendo uma redução proporcional do preço. Assim, a diferença entre o preço de venda e as despesas de vendas representa o preço líquido do produto.

Exemplifi cando:Suponha que a empresa Ômega não

possua estoques inicias de produtos prontos, em processo e nem em elaboração, e os dados sejam os seguintes:

Resolução:

Custos Variáveis Unitários 30,00Matéria-Prima 20,00Energia 4,00Materiais Indiretos 6,00

Custos Fixo 2.100.000,00Mão-de-Obra 1.300.000,00Depreciação e Impostos 400.000,00Manutenção 300.000,00Diversos 100.000,00

Preço de Venda 75,00Quantidade Produzida 60.000,00Quantidade Vendida 40.000,00

RESUMO DOS RESULTADOSVendas (40.000 x 75,00) 3.000.000,00Custo Variável (40.000 x 30,00) (1.200.000,00)Margem de Contribuição 1.800.000,00Custos Fixos (2.100.000,00)

Lucro (300.000,00)Estoque Final (60.000 – 40.000 = 20.000 x 30,00)

600.000,00

Fonte: Contabilidade de Custos, página 199

Receita de Vendas 100.000,00Consumo de Matéria-Prima 15.000,00Mão-de-Obra Direta 25.000,00Custos Indiretos de Fabricação Variáveis

10.000,00

Custos Indiretos de Fabricação Fixos

2.000,00

Despesas Indiretas de Administra-ção

7.000,00

Despesas Indiretas de Distribuição 3.000,00Despesas de Vendas 11.000,00

Matéria-Prima 15.000,00Mão-de-Obra Direta 25.000,00Custos Indiretos de Fabricação (Variável + Fixo = 10.000 + 2.000)

12.000,00

Custo de Produção 52.000,00

Despesas Indiretas de Administra-ção

7.000,00

Despesas Indiretas de Distribuição 3.000,00Despesas de Vendas 11.000,00Despesas Totais 21.000,00

Custo Total dos Produtos (52.000 + 21.000)

73.000,00

Receita de Vendas 100.000,00Custo Total dos Produtos (73.000,00)Resultado 27.000,00

Fonte: Fundamentos de Gestão Estratégica de Custos, página 62

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Método de Centro de Custos ou RKW (Reichskuratorium für Wirtschaftlichtkeit)

Para Martins (2003), este método surgiu no início do século XX, disseminado na Alemanha por um órgão similar ao CIP (Conselho Interministerial de Preços), fundamentado na ideia de que para formar o preço de venda devemos saber qual é o valor dos nossos custos.

Martins (2003) ainda descreve que o método de trabalho deste modelo consiste no rateio dos custos e despesas (incluindo as fi nanceiras), semelhante a outras já estudadas, ou seja, são feitas as alocações de todos estes custos e despesas aos departamentos da empresa, para somente depois, serem transferidos para o produto, chegando-se assim, ao custo de “produzir e vender” e “administrar e fi nanciar”, nos dando assim o gasto completo do processo de obtenção de receita.

Como o principal objetivo deste método é formar o preço, para Martins (2003), para formar este preço apenas acrescenta-se a margem de lucro desejada ao valor do custo.

Para Seronatto, Rigotto e Gimenes (2006), o RKW não é recomendado por sua metodologia de formação de empresa, porém sempre que uma empresa fi xar seu preço com base nos custos estará empregando alguma forma variante do RKW.

Exemplifi cando:Uma empresa do ramo calçadista utiliza

o método de RKW (centro de custos) para o cálculo e controle dos seus custos de trans-formação. Para facilitar o controle de seus custos, a empresa foi dividida em quatro departamentos (centro de custos): adminis-tração geral, manutenção, corte/pesponto e

montagem/acabamento. A administração é um centro muito amplo, porque realiza um número variado de atividades distintas; po-rém, a atividade principal é de controle de administração de pessoal. A manutenção tra-balha basicamente para manter os equipa-mentos de corte/pesponto e de montagem/acabamento, mantendo um nível de ativi-dade média de 1.000 horas de manutenção por mês. O centro de custo corte/pesponto está relacionado com a produção dos pa-res de calçados que serão fi nalizados no centro de custo de montagem/acabamento; ambos os centro de custos têm capacidade de 1.000 horas por mês. Os itens de custos foram classifi cados em salários e encargos, energia elétrica, depreciação e matérias de consumo. Em um determinado mês, os cus-tos de transformação totalizaram 60.000,00, sendo classifi cados da seguinte forma:

• Salários e Encargos: 30.000,00;• Energia Elétrica: 10.000,00;• Depreciação: 15.000,00;• Material de Consumo: 5.000,00.A empresa produz dois tipos de calçados:

calçados masculinos e calçados femininos, que passam pelos centros de custos produtivos (corte/pesponto e montagem/acabamento) com os tempos padrões apresentados na tabela abaixo:

Neste mês, o setor de controle estatístico de processo (CEP) da empresa apresentou os valores evidenciados na fi gura a seguir:

Calçados Tempo de Corte/Pesponto (h)

Tempo de Montagem/

Acabamento (h)Masculino 0,5 0,6Feminino 0,4 0,5

Dados Administração Manutenção Corte/pes-ponto

Montagem/Acabamento

Potência Instalada 10 25 50 30Valor Equipamento 2.000 15.000 40.000 20.000

Materiais Requisitados 500 3.000 4.000 2.500Salários e Encargos 10.000 3.000 9.000 8.000

Número de Empregados 10 3 18 15Tempo de Manutenção - - 600 400

Produção Calçado Masculino/pares - - 5.000 5.000Produção Calçado Feminino/pares - - 6.000 6.000

Tempo Utilizado (h) 200 150 200 195Retrabalho Calç. Masculino/Pares - - 10 15Retrabalho Calç. Feminino/Pares - - 12 10

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Com base nesses dados foi possível de-terminar os custos por centro de custos, con-forme apresentado na tabela a seguir:

Considerando que a unidade de trabalho dos dois centros de custo diretos e o tempo de produção e tomando os tempos unitários dos produtos nos centros e os volumes produzidos, chegamos à conclusão que no corte/pesponto foi produzido o equivalente a 4.900 horas (0,5 x 5.000 pares + 0,4 x 6.000 pares) e na montagem/ acabamento o equivalente a 6.000 h (0,6 x 5.000 pares + 0,5 x 6.000 pares). A tabela abaixo demonstra o cálculo dos custos unitários dos centros diretos e dos custos unitários dos dois produtos obtidos pela multiplicação dos custos unitários dos centros pelos tempos unitários de passagem.

Para chegar ao Custo Unitário (Custo

de transformação) do par de calçado foi efetuado o seguinte cálculo.

• Sapato masculino: (7,19 x 0,5 h/un)

+(4,13 x 0,6 h/un.) = 6,07 por unidade;• Sapato feminino: (7,19 x 0,4 h/un) + (4,13 x 0,5 h/un.) = 4,94 por unidade;

Custeio Baseado em Atividades (ABC)Conforme Martins (2003, p. 87):

Com o avanço tecnológico e a crescente complexi-dade dos sistemas de produção, em muitas indústrias os custos indiretos vêm aumentando continuamente, tanto em valores absolutos quanto em termos relativos, comparativamente aos custos diretos (destes, o item Mão-de-Obra Direta é o que vem mais decrescendo).

Para Nakagawa (2001), o ABC já era conhecido e usado por contadores entre os anos de 1800 e 1900. Seu uso está intimamente relacionado ao bom senso e ao fomento de criatividade. Podemos considerar inclusive o método de RKW um percursor do ABC. O autor acrescenta que entre os estudiosos que contribuíram para o ABC, através de seus estudos de tempos e movimentos da organização de trabalho estão Taylor, Fayol e Elton Mayo. No Brasil, as pesquisas se iniciaram em 1989 no Departamento de Contabilidade e Atuária da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP.

Um dos fatores que contribuíram para o aparecimento do Custeio ABC foi, segundo Santos, Schmidt e Pinheiro (2006), a evolução tecnológica, alterando assim a composição dos custos dos fatores de produção,

Item $ Base de Distrib. Adm. Manut. Corte/

PespontoMontagem/

AcabamentoSalários e Encar-

gos 30.000 Diretto 10.000 3.000 9.000 8.000

Energia Elétrica 10.000 Potência 870 2.174 4.348 2.608

Depreciação 500 Valor 390 2.922 7.792 3.896

Mat. Cons. 5.000 Requisição 250 1.500 2.000 1.250Total 11.510 9.596 23.140 15.754

Rateio 1 – Número de Empregados- 959 5.755 4.796

Total- 10.555 28.895 20.550

Rateio 2 – Tempo de Manutenção- 6.333 4.222

Total 32.228 24.772

Custos Unitários dos Centros DiretosCentro de

CustosCentro de

CustosCentro de

CustosCustos Totais Custos Totais Custos Totais

Produções Equivalentes

Produções Equivalentes

Produções Equivalentes

Custo Unitário Custo Unitário Custo Unitário

Custos Unitários dos ProdutosProduto Produto ProdutoCalçado

MasculinoCalçado

MasculinoCalçado

MasculinoCalçadoFeminino

CalçadoFeminino

CalçadoFeminino

Fonte: SANTOS; SCHMIDT; PINHEIRO, 2006, p. 259.

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tornando-se assim, mais signifi cativos os custos indiretos e menos signifi cativos o custo da mão-de-obra direta.

Porém, como Brimson (1996 apud SCHMIDT, SANTOS, LEAL, PERINAZZO 2009, p. 6) descreve, em muitas empresas, a Contabilidade de Custos era encarada como um mal necessário, que visava atender às exigências contábeis – fi scais, deixando de ser explorada como ferramenta gerencial, devido a defi ciências, principalmente relacionadas com agilidade e confi abilidade das informações, que consequentemente perdiam a utilidade como ferramenta de gerenciamento e tomada de decisão. Sob este aspecto, os velhos conceitos da contabilidade de custos devem ser substituídos por novos conceitos, como os que serão apresentados pelo ABC.

Nakagawa acrescenta que o ABC é um dado que poderá tornar-se uma poderosa ferramenta de alavancagem de atitudes das pessoas envolvidas no processo de mudança da empresa, porém requer uma mudança na cultura da empresa, buscando o envolvimento e o comprometimento das pessoas, contribuindo inclusive para a mudança da cultura organizacional.

Martins (2003) descreve que o ABC é um método de custeio que tem como objetivo a redução das distorções provocada pelos rateios arbitrários dos custeios indiretos, porém, o ABC também pode ser aplicado nos Custos Diretos. Nakagawa (2001) diz que o objetivo da metodologia do ABC é facilitar a análise estratégica dos custos ao relacionarmos com as atividades que impactam com consumo de recursos da empresa.

Conforme Schmidt, Santos, Leal e Perinazzo (2009, p. 5):

A perseguição ao menor custo, sem afetar a funcionalidade e a qualidade dos produtos e serviços, deve ser um objetivo permanente nas empresas que buscam a excelência empresarial. Dentro deste conceito, o ABC representa muito mais que um novo sistema de custeio, significa o “estado da arte” no gerenciamento de custos, com várias aplicações dentro das empresas, pois permite uma análise detalhada e compreensiva de custos de qualquer natureza, sempre sob o enfo-que das atividades desenvolvidas e a respectiva contribuição (agregação de valor) para o negócio.

Segundo Nakagawa (1994 apud LEONE

2000, p. 255), no ABC, devemos assumir que os recursos da empresa são consumidos por atividades e não por produtos que são fabricados, sendo os mesmos, uma consequência das atividades necessárias para a execução da atividade principal da empresa.

Para Souza e Diehl (2009), o ABC preocupa-se basicamente em identifi car quais são as atividades desenvolvidas, permitindo responder o porquê dos custos ocorreram, levando ao entendimento da razão de sua ocorrência, permitindo assim agir sobre eles, aumentando a efi ciência operacional. Os autores ainda acrescentam que os custos são causados pela execução das atividades, pois são as mesmas que geram o consumo dos recursos, e não necessariamente as mesmas são proporcionais ao volume vendido ou produzido, critério esse utilizado para outros métodos de custeio, sendo assim, seus direcionadores serem das mais diferentes naturezas (ex.: setups, número de lotes de produto, etc.).

Motta e Pamplona (1999) acrescentam que o uso do ABC consiste na sistemática de apropriação dos custos às atividades, usando direcionadores de custos de primeiro estágio e dos custos das atividades para os produtos através dos direcionadores no segundo estágio, reduzindo efeitos prejudiciais destas alocações através de critérios subjetivos dos métodos anteriores, proporcionando cálculos de custos mais precisos, possibilitando assim uma gestão adequada dos custos.

Exemplifi cando: Suponha que a Fábrica de Pomadas

Milagrosas São Francisco fabrique dois produtos: Pomada A (200 pacotes) e Pomada B (200 pacotes). A contabilidade determinou que o total dos custos e despesas relacionado à atividade tem uma relação signifi cativa com os movimentos dos materiais (6 movimentos para a pomada A e 14 movimentos para a Pomada B).

Resolução:Taxa de Aplicação dos

MovimentosTotal dos Custos e Des-

pesas 3.600,00

Total de Movimentos (A + B = 6 + 14 = 20 movi-

mentos)20

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Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010

Estudo de CasoUma determinada empresa do ramo de

madeira trabalha com dois produtos: MDF de Carvalho e MDF de Castanho. Cada um dos dois produtos leva o mesmo tempo de produção e as máquinas despendem o mesmo esforço para produzi-los.

Sendo assim, podemos identifi car como custos diretamente ligados à produção de ambos os produtos:

MDF de Carvalho

MDF de Castanho

A empresa incorre ainda nos seguintes custos indiretos de produção:

No período analisado foram produzidas e vendidas as seguintes quantidades:

A empresa em questão está em dúvida sobre qual método de custeio deverá utilizar: Custeio Direto ou Custeio ABC. Primeiro ela verifi cou o custeio Direto, em cuja situação os custos indiretos de produção foram rateados em função das proporções da produção dos produtos unitariamente:

Custo por Movimentos 180,00

Distribuição dos Custos

Pomada A (6 movimentos x 180,00) 1.080,00

Pomada B (14 movimen-tos x 180,0) 2.520,00

Total 3.600,00

Fonte: SANTOS; SCHMIDT; PINHEIRO, 2006, p. 101.

Custo Uni ICMS PSI/CO-FINS

Valor Uni-tário

Valor Líquido Índice

Madeira ton 0,00% 9,25% 40,00 36.30 1,20

Resina ton 12,00% 9,25% 1.400,00 1.102,50 0,10

Energia Elétrica Kw 18,00% 9,25% 360,00 261,90 0,15

Aditivos Químicos ton 17,00% 9,25% 2.000,00 1.475,00 0,01

Embalagens un. 17,00% 9,25% 10,00 7,38 1,00

Biomassa un. 17,00% 9,25% 35,00 25,81 0,50

Depreciação un. 0,00% 9,25% 15,00 13,61 1,00

Mão-de-Obra MDF R$/m³ 0,00% 0,00% 30,00 25,00 1,00

Custo Uni ICMS PSI/CO-FINS

ValorUnitário

Valor Líquido Índice

Madeira ton 0,00% 9,25% 55,00 49,91 1,70

Resina ton 12,00% 9,25% 3.600,00 2.835,00 0,20

Energia Elétrica Kw 18,00% 9,25% - 331,74 0,35

Aditivos Químicos ton 17,00% 9,25% 1.590,00 1.172,63 0,05

Embalagens un. 17,00% 9,25% 10,00,00 7,38 1,65

Biomassa un. 17,00% 9,25% 55,00 40,56 0,36

Depreciação un. 0,00% 9,25% 15,00 13,61 1,00

Mão-de-Obra MDF R$/m³ 0,00% 0,00% 35,00 35,00 1,00

Custo Valor

Pintura 210.000,00

Acabamento 460.000,00

ProdutoQuan-tidade (un.)

% (un.)Quan-tidade (Ton.)

KW Uti-lizados

MDF de Carvalho 60.000 71% 42.000 15.000

MDF de Castanho 25.000 29% 14.000 25.000

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Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010

Custo ValorMemória de

Cálculo – MDF Carvalho

MDF CarvalhoMemória de

Cálculo – MDF Castanho

MDF Castanho

Pintura 210.000,00 210.000x71% 148.235,00 210.000x29% 61.765,00

Corte 460.000,00 460.000x71% 324.706 460.000x29% 135.294

Os custos diretos, para serem alocados aos produtos, seguiram basicamente a seguinte fórmula: Valor dos Custos Unitário X Quantidade Produzida X Índice de Produção. Um detalhe importante: o item “Quantidade Produzida” tem relação direta com a unidade de produção do custo. O preço de venda dos produtos MDF de Carvalho e MDF de Castanho são de 400,00 e 450,00 por unidade. Após analisadas essas informações, o modelo de cálculo através do custeio direto chegou aos seguintes resultados:

Para aplicarmos o custeio ABC, mantendo os dados já utilizados, precisaremos da seguinte informação: quais são as atividades que geraram os custeios indiretos, e quantas vezes essa atividade foi executada por produto. Através de pesquisas com os técnicos responsáveis, chegamos às seguintes conclusões:

O primeiro passo será descobrir quanto custa executar cada atividade, lembrando que cada atividade é executada por produtos unitários:

Logo após, verifi caremos quanto foi o total do custo de cada atividade em cada produto:

MDF de Carvalho

MDF de Castanho

Os demais cálculos dos custos diretos se mantêm. Então, logo após a execução dos cálculos acima, chegamos aos seguintes resultados através do custeio ABC:

MDF Carvalho MDF Casta-nho

Madeira 1.829.520 1.187.918

Resina 4.630.500 1.543.500

Energia Elétrica 589.275 2.902.725

Aditivos Químicos 309.750 103.250

Embalagem 442.500 184.375

Biomassa 774.375 180.688

Depreciação 816.750 180.688

Mão-de-obra 1.500.000 875.000

Custo Com Pintura 148.235 61.765

Custo com Corte 324.706 135.294

CUSTO TOTAL 11.365.611 7.355.201Quantidade Produzi-da/Vendida 60.000 25.000

CUSTO UNITÁRIO 189 294

Preço de Venda 400 450

Lucro 211 156

% Lucro 53% 35%

Lucro Total 12.634.388.82 3.894.798.68

ProdutoPintura (Quan-tas Vezes por

Produto)

Corte (Quan-tas Vezes por

Produto)MDF de Carvalho 0,5 0,5

MDF de Castanho 5 6

Custo Total do Custo

Total Produ-

zidoTotal de

AtividadeCusto

Por Ativi-dade

Pintura 210.000,0060.000+25.000=85.000

85.000x(0,5+5)=467.500

2,226

Corte 460.000,0060.000+25.000=85.000

85.000x(0,5+6)=552.500

1,201

Custo Custo por Atividade

Quanti-dade da Ativida-de por

Produto

Quantida-de Produ-

zidaCusto Total

Pintura 2,226 0,5 60.000 40.645,00

Corte 1,201 0,5 60,000 76.667,00

Custo Custo por Atividade

Quanti-dade da Ativida-de por

Produto

Quantida-de Produ-

zidaCusto Total

Pintura 2,226 0,5 25.000 169.355

Corte 1,201 0,5 25,000 383.333

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Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010

ConsideraçõesAo analisarmos ambos os métodos de

custeio (Direto e ABC), nota-se que os produtos de MDF de Carvalho mantiveram-se basicamente os mesmos, ocasionando apenas uma pequena variação de 1% do lucro total. No produto MDF de Castanho, porém, ocorreu uma variação mais signifi cativa de 4% do seu lucro.

Esta variação ocorre basicamente por causa do custo indireto de produção com corte, por, no método de custeio direto, estar sendo rateado com base na produção e não suas atividades, subvalorizando seu custo assim. Ao identifi carmos as atividades que ocasionaram estes custos indiretos, fugimos da subjetividade do critério de rateio, uma vez que ao identifi carmos as atividades, alcançamos um resultado mais exato do custo de produção deste período.

Conforme Rinaldi (2008, p. 3):

O sistema ABC surgiu para fornecer informações mais precisas. Esta metodologia permite um controle mais efetivo dos gastos, e os custos indiretos não são tratados mais por produtos, mas, sim, por atividade. Esse sistema traz informações gerenciais mais se-guras por meio da utilização do rateio, sendo mais

adequado para as empresas que prestam serviços, pelas dificuldades que têm na definição de seus custos, gastos e despesas. Tendo essas empresas menor necessidade de imposição de seus rateios.

Apesar das vantagens anteriormente mencionadas, uma das grandes desvantagens, mencionadas por diversos autores estudados, a implantação do custeio do ABC é trabalhoso, caro e de complicada implantação, devido a, primeiramente, serem necessárias diversas entrevistas com os setores geradores de custos da empresa. Logo após implantado, porém, será de grande valia para o gestor, fazendo assim com que tenha um resultado mais exato e que sua tomada de gestão seja baseada em uma ferramenta que possibilite uma maior administração dos custos e atingir o objetivo principal da entidade: maximizar o lucro e administrar os seus custos.

ConclusãoCom o presente artigo, chegamos à

conclusão de que não basta à empresa conhecer bem os seus custos para alcançar o lucro. Ela deve conhecer também onde está sendo gerado o custo, qual atividade executa que gera custo bem como de que maneira deve alocar os custos comuns ou indiretos aos produtos, qual método de custeio deve utilizar.

Um dos grandes problemas identifi cados nas empresas ultimamente é a utilização de critérios subjetivos, e muitas vezes, sem relação causa x efeito do custo com o produto analisado, muitas vezes, supervalorizando ou subvalorizando o custo do produto ofertado, afetando assim, o resultado da empresa. Existem situações em que essa variação entre os resultados, comparando os diferentes métodos de custeio, muitas vezes acaba por não ser relevante.

Para diminuir esse grau de subjetividade dos critérios de rateio surgiu o Método de Custeio através das Atividades (ABC), visando um controle maior das atividades geradoras de custos para melhor identifi car quais atividades geram custos bem como para qual produto esta atividade está relacionada.

Esse gerenciamento de métodos de custeios acabou por se tornar um diferencial competitivo no mercado atual, pois o mesmo afetará diretamente a competitividade no

MDF Carvalho MDF Casta-nho

Madeira 1.829.52 1.187.918

Resina 4.630.50 1.543.500

Energia Elétrica 589.275 2.902.725

Aditivos Químicos 309.750 103.250

Embalagem 442.500 184.375

Biomassa 774.375 180.688

Depreciação 816.750 180.688

Mão-de-obra 1.500.000 875.000

Custo Com Pintura 40.645 169.355

Custo com Corte 76.667 383.333

CUSTO TOTAL 11.009.9 7.710.831Quantidade Produzi-da/Vendida 60.000 25.000

CUSTO UNITÁRIO 183 308

Preço de Venda 400 450

Lucro 217 142

% Lucro 54% 31%

Lucro Total 12.990.00 3.539.169,33

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mercado, afetando assim diretamente o preço de venda. No estudo de caso utilizado, acabou-se por não se tornar relevante percentualmente a diferença entre os resultados. Em matéria de valores, porém, tornou-se relevante entre os métodos, cabendo à empresa analisar outros fatores para a escolha de qual dos dois métodos acaba por ser o melhor, sendo que, entre os fatores, deve-se analisar qual quantidade vendida do produto, deve ser considerada o carro chefe, com mais aceitação no mercado, entre outros.

Bibliografi aCARVALHO, Dalmy Freitas, A Contabili-

dade de Custos e os Métodos de Custeio – Uma Análise da Utilização Gerencial da Informação da Contabilidade de Custos pelas Indústrias de Autopeças da Região Metropolitana de Belo Horizonte. 2002. Dissertação (Pós-Graduação em Ciências Contábeis) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. Disponível em <www.dalmycarvalho.pro.br>. Acesso em: 11 out. 2009.

CREPALDI, Silvio Aparecido, Curso Básico de Contabilidade de Custos. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2004.

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publicação fi nal, já que a dimensão das menores letras e símbolos não deve ser inferior a 2 mm depois da redução. Ilustrações em cores são aceitas, mas o custo de impressão é de responsabilidade do autor.

• As citações no interior do texto devem obedecer as seguintes normas: um autor (Lin-sen, 1988); dois autores (Vergara e Vermonth, 1960); três ou mais autores (Larrousse et al., 1988). Trabalhos com mesmo(s) autor(es) e mesma data devem ser distinguidos por sucessivas letras minúsculas (Exemplo: Scouth 2000a,b), o mesmo ocorrendo com trabalhos de múltiplos autores que tenham em comum o primeiro deles. Não utilizar op. cit. nem apud. Devem ser evitadas citações a informações pessoais e de trabalhos em andamento.

• Os artigos deverão ser enviados em CD, acompanhado de duas vias impressas ou via e-mail, em arquivo eletrônico anexo, desde que não ultrapasse a 8 Mb. O autor receberá a confi rmação de recebimento.

• Os artigos serão selecionados de acordo com a sua relevância, originalidade e quali-dade científi ca. Toda submissão deverá estar adequada às normas da revista ATITUDE e aprovada por todos os autores do trabalho.

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• Os artigos que tiverem recomendação de alteração serão remetidos ao autor para as devidas providências e será necessário o reenvio de nova cópia impressa em um mês e outra em disquete ou CD ou e-mail para a Comissão Editorial.

• A aceitação fi nal do manuscrito será condicionada à concretização das modifi cações so-licitadas pelo pareceristas ou com a devida justifi cativa do(s) autor(es) para não fazê-la. O Conselho Editorial da Revista Atitude fará revisões de linguagem no texto submetido, quando necessário.

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THE ATITUDE JOURNAL is an open access, biannual scientifi c journal that publishes original scientifi c papers on the Social Sciences, Technological Sciences and their ap-plications. Manuscript submission is spontaneous and free of charge, and the papers se-lection is based on recommendation by ad-hoc reviewers, using peer-review process.

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submission must meet the journal’s format expectations. Each authors needs to approve of the article’s content. The submitted papers will be analyzed primarily by one of the members of the Editorial Committee to assess whether if it is appropriate for the journal. Then the manuscript will be sent to at least two reviewers. The reviewers will evaluate the manuscript according to the following criteria: conformity to the expected format and style; its fi t with the particular area of the Journal; quality and relevance of the fi ndings; scholarly content of the review; scientifi c adequacy; coverage of current literature; clarity of the study aims, methods and results; ade-quate correspondence between results obtained and discussion and scientifi c review. The fi nal decision can be: accepted without modifi cations; accepted with modifi cations or refused. The author(s) will be informed of the fi nal decision in a timely manner. The fi nal manuscript acceptan-ce will depend upon the authors’ revision of the paper according to the modifi cations suggested by the reviewers or with an adequate author(s) report justifying why the suggested modifi cations were not performed. The Editorial Committee of Atitude Journal of Dom Bosco Faculties from Porto Alegre, RS, Brazil will make language revisions in the submitted text, when necessary.