11 - A Alcoviteira
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A Alcoviteira (Brízida Vaz)
As Alcoviteiras dedicavam-se a fazer casamentos, a desencaminhar mulheres
casadas e solteiras e a lançar rapariguitas na prostituição. Como esta profissão estava
proibida por lei, para não caírem na alçada da justiça, fingiam que se dedicavam a
bordar e a fabricar perfumes e cosméticos. O povo tachava-as de bruxas ou feiticeiras.
É o tipo que nos aparece, neste auto, com mais elementos distintivos e
caracterizadores. É um autêntico carregamento deles: além das moças que prostituía,
transportava consigo seiscentos virgos postiços, jóias e vestidos roubados. Para poder
montar o negócio no outro mundo, levava ainda uma casa movediça, um estrado de
cortiça e dous coxins.
A linguagem que a Alcoviteira emprega, nomeadamente com o Anjo, funciona
também como elemento distintivo. Trata-se de uma linguagem melíflua, lisonjeira,
repleta de termos carinhosos, embora empregados hipocritamente. É de notar como a
Alcoviteira tenta cativar o Anjo, chamando-lhe mano, meus olhos, minha rosa, meu
amor, minhas boninas, olhos de perlinhas finas, etc. seria certamente com esta lábia que
ela conseguia atrair as jovens à chamada vida fácil.
A defesa arquitectada e posta em prática pela Alcoviteira revela mentira,
hipocrisia, descaramento. Considera-se uma mártir por ter sido açoitada diversas vezes e
compara a sua missão à dos apóstolos. Chega até a afirmar que converteu mais moças
do que Santa Úrsula, que nenhuma delas se perdeu e que todas se salvaram. Trata-se de
uma linguagem ambígua, em que os termos converter, salvar e perder-se, frequentes em
textos religiosos, saem dos seus lábios com um significado chulo (ela atraiu (converteu)
muitas raparigas para a prostituição, tirou-as (salvou-as) de uma vida de pobreza e todas
tiveram sucesso/clientes (nenhuma se perdeu)).
Nesta cena faz-se também uma crítica ao clero (“Eu sou aquela preciosa / que
dava as moças a molhos, / a que criava as meninas / pêra os cónegos da Sé…” Note-se
que, no século XVI, meninas era o nome reservado às raparigas burguesas, ricas e
educadas. Segundo a Alcoviteira, estas eram reservadas aos clientes pertencentes a
classes sociais altas (nobreza e clero). As moças eram raparigas do povo, pobres,
muitas vezes com grandes dificuldades económicas, vivendo na miséria e serviam para
satisfazer as classes sociais mais baixas (Brízida Vaz diz que “salvou” muitas moças da
miséria, mas acabou por convertê-las a uma miséria ainda maior – a prostituição).
“A Alcoviteira” na época de Gil Vicente
Alcoviteiro – o que auxilia em relações amorosas; mexeriqueiro; intriguista; o que vive
à custa de prostitutas (alcovitar + eiro).
Lê atentamente o texto:
“A Alcoviteira é um dos tipos mais interessantes do teatro vicentino. Estas mulheres
dedicavam-se a fazer casamentos, a desencaminhar mulheres casadas e solteiras e a
lançar rapariguitas na prostituição. Como esta profissão estava proibida por lei, para não
caírem na alçada da justiça, fingiam que se dedicavam a bordar e a fabricar perfumes e
cosméticos. O povo tachava-as de bruxas e feiticeiras.”
Mário Fiúza, Auto da Barca do Inferno: Edição didáctica, anotada e comentada
Elementos cénicos
1. Brízida Vaz traz consigo vários elementos cénicos que representam a sua
actividade. Associa cada um deles ao vício que simboliza.
a) “Seiscentos virgos postiços
e três arcas de feitiços”
b) “Três almários de mentir, roubo
e cinco cofres de enleos”
mentira
c) “e alguns furtos alheos,
assi jóias de vestir, prostituição
guarda-roupa de encobrir”
feitiçaria
d) “um estrado de cortiça
com dous couxins d´encobrir.”
e) “A mor cárrega que é:
essas moças que vendia.”
2. Selecciona os adjectivos que melhor caracterizam a actuação da
Alcoviteira:
a) tímida
b) bondosa
c) despachada
d) sincera
e) descarada
f) hipócrita
g) sedutora
h) altiva
i) sensata
j) mentirosa
Mais uma vez, Gil Vicente critica a sociedade em que vive.
A existência da profissão imoral de Brìzida Vaz e a sua pertinência na sociedade
revela a decadência e a devassidão dos bons costumes no séc. XVI. O próprio clero,
que simboliza de alguma forma a castidade e os bons costumes, é denunciado.
Discurso Argumentativo
A Alcoviteira pretendendo convencer o Anjo de que merecia ir para o céu
usa uma linguagem persuasiva:
- O Anjo é tratado por “mano”, “meus olhos”, “minha rosa”, “meu amor”, “minhas
boninas”, “ olhos de perlinhas finas”.
- A Alcoviteira usa léxico de cariz religioso como “converter”, “salvar”, e “perder-se”,
embora com um sentido diferente (“converter” significa levar as moças para a
prostituição, “salvar” com sentido de livrar as moças da penúria e “perder-se” no
sentido de não conseguir clientes).
Para saber
Quando queremos convencer uma pessoa a aceitar ou a consentir aquilo que
defendemos, precisamos de argumentar, ou seja, de apresentar razões, provas,
exemplos, etc., que a levem a aceitar a nossa posição.
Habitualmente, o discurso argumentativo apresenta a seguinte estrutura:
o Introdução: exposição de tese, ou seja, apresentação do assunto e opinião
sucinta sobre o mesmo.
o Desenvolvimento: enumeração das provas, e argumentos a favor ou contra a
tese exposta. Os argumentos podem ser complementados com exemplos de
estudos realizados por outros autores, outros casos concretos, etc., de modo a
comprovar a tese.
o Conclusão: reforço final, ou reafirmação da tese inicial.
Arcaísmos e Formação de palavras
1. No seu discurso, a alcoviteira usa palavras que, hoje em dia, já não se dizem e
não se escrevem da mesma forma. Chamamos a essas palavras arcaísmos.
Associa a cada arcaísmo a sua forma actual.
Arcaísmos Forma actual
giolhos
almários
mor
mártela
angelada
2. Relembra os processos de formação de palavras. Qual o processo utilizado na
formação da palavra mentirosa?
a) Palavra derivada por sufixação
b) Palavra derivada por prefixação
c) Parassíntese
d) Palavra derivada por prefixação e por sufixação
3. Completa o quadro com as palavras que se encontram na lista seguinte:
Classe Morfológica Forma de Base Palavra Actual
“apostolada” adjectivo
“angelada” anjo
“martelada” martirizada
4. “E prove Àquele do Ceo”.
Substitui a expressão sublinhada por um só substantivo e indica qual o
recurso estilístico usado.
a) Deus EUFEMISMO
b) Anjo PERIFRASE
c) Diabo IRONIA
5. Atenta no seguinte verso: “olho de perlinhas finas!”. A palavra “olho” proveio
de “oculum”, assim como “óculo”. Indica o nome que se dá a estas palavras que
têm origem no mesmo étimo, mas que apresentam formas diferentes
a) Palavras divergentes
b) Palavras convergentes
6. Explica a evolução fonética do signo linguístico “alienum”.
Alienu síncope do (n) e nasalação do (e)
Alheno palatalização do grupo (li)
Alh~eo ditongação
Alheo desnasalação
Alheio apócope
Prof. Maria Filomena Ruivo Ferreira