11109-11021-1-PB

download 11109-11021-1-PB

of 5

description

Aula

Transcript of 11109-11021-1-PB

  • *Assistente de Medicina Geral e Familiar - UCSP Baro do Corvo II (Afurada) - ACeSGrande Porto VII - Gaia**Assistente de Medicina Geral e Familiar USF Espinho ACeS Grande Porto VIII Espinho/Gaia

    INTRODUO

    Opedido de anlise sumria de urina umacto rotineiro, realizado diria e repetida-mente. O seu uso visa o rastreio de bacte-riria assintomtica, hematria e/ou pro-

    teinria e inclui o exame fsico, qumico e microscpi-co da urina. So vrios os parmetros analisados, comoa colorao, a densidade, o pH, a hematria, protein-ria, leucocitria e glicosria, entre outros. As diferen-tes alteraes no exame podero ser atribudas ao usode frmacos e a inmeras patologias, entre as quais adiabetes mellitus, a tuberculose, a doena renal (glo-

    Rev Port Med Geral Fam 2013;29:244-8

    244 revises

    Carla Lopes da Mota,* Helena Paula Bea**

    Anlise sumria de urina derotina: porqu e para qu?

    RE SU MOObjectivo: Determinar qual o benefcio da anlise sumria de urina no rastreio de adultos assintomticos, luz da melhor evi-dncia disponvel.Fontes de dados: Cochrane Library, Trip Database, Dare, National Guideline Clearinghouse, Finland Evidence Based Medicine Gui-delines, PubMed, UpToDate, Index de Revistas Mdicas Portuguesas e nas citaes relacionadas.Mtodos de reviso: Foi realizada uma pesquisa nas bases de dados citadas, utilizando os termos MeSH urinalysis e mass scree-ning. A pesquisa foi limitada aos artigos publicados at Maro de 2012, em ingls e portugus. Para avaliar o nvel de evidn-cia e a fora de recomendao foi utilizada a taxonomia SORT (Strength of Recommendation Taxonomy) da American Academyof Family Physicians.Resultados: Foram encontrados 459 artigos e seleccionados, por cumprirem os critrios de incluso, uma reviso sistemtica,dois artigos originais, duas normas de orientao clnica e um artigo de reviso. Aps a sua anlise, verifica-se que, apesar deser um exame frequentemente pedido, a alterao orientao clnica previamente definida ocorre em menos de 5% dos ca-sos, implicando nestes a realizao de novos exames complementares de diagnstico mais onerosos e invasivos sem benefciorelevante para a maioria dos utentes.Concluses: O uso da anlise sumria de urina, como teste de rastreio em adultos assintomticos, no demonstrou benefcio,pelo que no est recomendado (SOR A). A evidncia contra o seu uso sistemtico clara, consistente e tem j vrias dcadas,como comprovado pela data de realizao dos estudos apresentados e pela inexistncia de estudos recentes. No entanto, emPortugal mantm-se a realizao deste teste nas mais diferentes circunstncias, como rotina ou estudo pr-operatrio, peloque se sugere a definio de novas regras na sua utilizao.

    Palavras-chave: Anlise Sumria de Urina; Rastreio.

    merulopatias) e a neoplasia e as doenas infecciosas doaparelho urinrio (cistite, pielonefrite).1 Apesar do seubaixo custo, o nmero de exames efectuados anual-mente pode ter um impacto significativo nos encargosassociados sade e na qualidade de vida dos indiv-duos, porque os frequentes falsos positivos acarretaminvestigao adicional, o que aumenta os custos e im-plica riscos para o doente.

    A Confederao Europeia de Medicina Laboratorial,atravs do European Urinalysis Group, publicou em2000 uma guidelinena qual estabelece que a anlise su-mria de urina deve ser apenas solicitada por indica-o clnica.2 O seu uso sistemtico em determinadaspopulaes deve ser sempre analisado numa perspec-tiva custo/benefcio.2 Poder ser discutvel, por exem-plo, nos doentes hipertensos ou diabticos, j que ac-tualmente a determinao da microalbuminria o

  • Rev Port Med Geral Fam 2013;29:244-8

    245revises

    parmetro mais importante e esta poder ser efectua-da recorrendo a uma determinao especfica (dosea-mento da razo albuminria/proteinria).3-4 Tambm,nos indivduos com factores de risco para a neoplasiada bexiga (fumadores, exposio a carcinogneos qu-micos, entre outras condies) e, de acordo com a U.S.Preventive Services Task Force, parece no existir evi-dncia de diminuio da mortalidade e/ou morbilida-de com o rastreio atravs da anlise sumria de urina,pelo que este no recomendado.5

    Perante estes dados, qual ser ento o benefcio darealizao da anlise sumria de urina, de forma siste-mtica, em adultos aparentemente saudveis e sem fac-tores de risco, no que se refere diminuio de morbi--mortalidade e melhoria da qualidade de vida?

    Com este trabalho pretendeu-se determinar qual obenefcio da anlise sumria de urina no rastreio deadultos assintomticos, luz da melhor evidncia dis-ponvel.

    MTODOSFoi realizada uma pesquisa bibliogrfica de meta-

    -anlises, revises sistemticas, ensaios clnicos alea-torizados e controlados, normas de orientao clnicae artigos de reviso, nas bases de dados Cochrane Li-brary, Trip Database, Dare, National Guideline Clea-ringhouse, Finland Evidence Based Medicine Guideli-nes, PubMed, UpToDate, Index de Revistas Mdicas Por-tuguesas e nas citaes dos artigos encontrados, utili-zando os termos MeSH urinalysis e mass screening. Apesquisa foi limitada aos artigos publicados at Marode 2012 em ingls e portugus. Para avaliar o nvel deevidncia e estabelecer a fora de recomendao foiutilizada a taxonomia SORT (Strength of Recommenda-tion Taxonomy) da American Academy of Family Physi-cians.6

    Foram seleccionados os artigos que incluam indiv-duos adultos, assintomticos, que tinham realizado aanlise sumria de urina sem indicao clnica. Os out-comesavaliados foram a percentagem de anlises anor-mais, alterao na conduta clnica (acarretando maisexames, por vezes invasivos), efeitos adversos para odoente e diagnstico precoce com melhoria da morbi-mortalidade. Foram excludos os artigos repetidos ouque no cumpriam os critrios de incluso no que serefere populao, comparao ou outcomes.

    RESULTADOSForam encontrados 459 artigos e seleccionados, por

    cumprirem os critrios de incluso, uma reviso siste-mtica, dois artigos originais, duas normas de orienta-o clnica e um artigo de reviso (Quadro I).

    A reviso sistemtica, de Munro J et al (1997), incluiu11 estudos. Em sete destes a amostra era constituda porindivduos adultos, sendo que em todos foi analisada apercentagem de resultados anormais, em cinco a alte-rao da conduta clnica e em dois os efeitos adversospara os indivduos com resultados anormais. Dois tra-balhos foram realizados na admisso a um servio deurgncia de medicina e os restantes em condies pr--operatrias. De uma forma global foram realizados6740 testes, sendo apresentados os resultados no qua-dro I. Analisando-os, verifica-se que em cerca de umtero dos casos foram encontrados resultados anor-mais, sendo que a grande maioria destes foi ignoradapelos mdicos, uma vez que a alterao na conduta cl-nica foi rara (0,1% a 2,8%). Esta diferena, entre o n-mero de resultados anormais e as intervenes subse-quentes, poder estar relacionada com a heterogenei-dade da populao estudada, assim como com as pos-sveis classificaes de resultados anormais utilizadas.Outra explicao poder ser a importncia dbia atri-buda pelos clnicos a este exame como rastreio dedoena. Nenhum dos estudos demonstrou qualquerevidncia de que uma anlise sumria de urina anor-mal, pr-operatria, esteja associada com algum even-to adverso peri ou ps-cirurgia, no sendo preditivo decomplicaes.7 Apesar de no ser objecto desta reviso,destaca-se o facto de ausncia de benefcio parecer serindependente da idade, de acordo com este trabalho.

    Quanto aos artigos originais, Ruttimann S et al (1994)comparou a realizao da anlise sumria de urina come sem indicao clnica, na admisso a uma clnica deMedicina Interna (que inclua actividades preventivase servio de urgncia). Consultando o quadro I, verifi-ca-se que, em 427 doentes, apenas 0,7% foram subme-tidos a alterao da conduta clnica (3 doentes).8No se-gundo artigo original, Pashayan N et al (2002) realizouum estudo retrospectivo referente ao uso da anlise su-mria de urina com e sem indicao clnica na admis-so a um servio de Medicina e Cirurgia no Lbano,onde as actividades preventivas esto sub-desenvolvi-das e a prevalncia de doena renal parece ser diferen-

  • Rev Port Med Geral Fam 2013;29:244-8

    revises246

    te da registada no ocidente, de acordo com os autores.Participaram 462 doentes, tendo sido alterada a con-duta clnica em apenas 2 doentes que realizaram o exa-me como rastreio e em 26 que o fizeram com indicaoclnica. Comparando com a realizao por rastreio, aanlise sumria de urina efectuada por suspeio cl-nica apresentava uma probabilidade duas vezes supe-rior de ser anormal, trs vezes maior dessa anomalia ser

    investigada e 19 vezes superior de produzir um novodiagnstico.9

    No que diz respeito s normas de orientao clnica,as Finland Evidence Based Medicine Guidelines (2010)estabelecem que a anlise sumria de urina deve ser umteste considerado de forma individual, de acordo coma indicao clnica, com uma fora de recomendaoA.10 O Institute for Clinical Systems Improvement (2010)

    Tipo de Exposio/Autor, ano estudo /Comparao Outcomes Resultados NE/FR

    Munro J, Reviso Realizao de anlise Percentagem de resultados Resultados anormais em 1et al,7 sistemtica sumria de urina (ASU) anormais e de resultados 1 a 34,1% dos doentes1997 11 estudos no pr-operatrio anormais clinicamente Alterao da conduta

    (n = 147 a significativos clnica em 0,1 a 2,8% 3987) Alterao da conduta clnica dos doentes

    Incidncia de efeitos adversos Efeitos adversos em nos doentes com teste anormal 0-0,6% dos doentes com

    teste anormal

    Ruttiman Estudo coorte Realizao ASU com Alterao da conduta clnica ASU sem indicao 2S, et al,8 prospectivo indicao clnica versus Percentagem de resultados clnica em 70% dos1994 (n= 610) sem indicao clnica anormais casos

    Resultados anormais em 17%Alterao da conduta clnica em 0,7% dos doentes

    Pashayan Estudo coorte Realizao de ASU com Frequncia de ASU sem ASU sem indicao 2N, et al,9 retrospectivo indicao clnica versus indicao clnica clnica em 70% dos casos2002 (n= 462) sem indicao clnica Investigao de resultados 37% resultados anormais,

    anormais apenas 22% investigadosAlterao na conduta clnica Alterao teraputica

    em 1%

    Autor, ano Tipo de estudo Recomendao NE/FR

    Finland Evidence Based Norma de A ASU deve ser considerada de forma individual de acordo com a AMedicine Guidelines,10 2010 Orientao Clnica indicao clnica

    Institute for Clinical Systems Norma de Contra o pedido de ASU sem indicao clnica AImprovement,11 2010 Orientao Clnica

    Kiel D, et al,12 1987 Artigo de reviso No existe evidncia na literatura que suporte o pedido de ASU 3no sistemtica em indivduos assintomticos

    QUADRO I. Resultados.

    Legenda: ASU anlise sumria de urina; FR fora de recomendao; NE nvel de evidncia.

  • considera que no existe evidncia que suporte o usoda anlise sumria de urina sem indicao clnica, emi-tindo uma recomendao contra o seu pedido comoteste de rastreio (fora de recomendao A).11

    O artigo de reviso includo, de Kiel D et al (1987), re-fere que no existe evidncia na literatura que suporteo pedido de anlise sumria de urina em indivduos as-sintomticos (Nvel de evidncia 3).12

    CONCLUSESA anlise sumria de urina um teste simples, no

    invasivo e pouco dispendioso, o que pode contribuirpara a sua realizao de forma rotineira e sem critrioclnico e para explicar o reduzido investimento em es-tudos recentes que determinem o benefcio real desteteste em indivduos assintomticos. No entanto, apsa anlise dos resultados obtidos nesta reviso, a evi-dncia contra o uso sistemtico da anlise sumria deurina est claramente demonstrada em estudos reali-zados h vrias dcadas. Foi tambm perceptvel o bai-xo valor que os clnicos atribuem a este exame, igno-rando na grande maioria os seus resultados, indepen-dente de anormais ou no.

    No entanto, so ainda necessrios mais estudos paraclarificar se o uso da anlise sumria de urina diminuia morbi-mortalidade em populaes seleccionadas,como os diabticos ou os hipertensos, assim como de-terminar se a ausncia de benefcio independente daidade, como parece demonstrar a literatura.7

    Como em Portugal persiste a sua realizao, muitasvezes sem critrio clnico adequado, sugere-se a defi-nio de novas orientaes no seu pedido.

    Em concluso, o uso da anlise sumria de urinacomo teste de rastreio em adultos assintomticos notraz qualquer benefcio, pelo que no est recomenda-do (SOR A).

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS1. Simerville JA, Maxted WC, Pahira JJ. Urinalysis: a comprehensive review.

    Am Fam Physician 2005 Mar 15; 71 (6): 1153-62.

    2. European Confederation of Laboratory Medicine. European urinalysis

    guidelines. Scand J Clin Lab Invest Suppl 2000; 231: 1-86.

    3. Direo-Geral de Sade. Norma de Orientao Tcnica n 037/2011:

    Exames laboratoriais na gravidez de baixo risco. Lisboa: DGS; 2011.

    4. Direo-Geral de Sade. Norma de Orientao Tcnica n 08/2011:

    Diagnstico sistemtico de nefropatia diabtica. Lisboa: DGS; 2011.

    5. U.S. Preventive Services Task Force. Guide to Clinical Preventive Ser-

    vices. Rockville, MD: Agency for Healthcare Research and Quality; 2012.

    6. Ebell MH, Siwek J, Weiss BD, Woolf SH, Susman J, Ewigman B, et al.

    Strength of recommendation taxonomy (SORT): a patient-centered ap-

    proach to grading evidence in the medical literature. Am Fam Physi-

    cian 2004 Feb 1; 69 (3): 548-56.

    7. Munro J, Booth A, Nicholl J. Routine preoperative testing: a systemat-

    ic review of the evidence. Health Technol Assess 1997; 1 (12): 1-62.

    8. Rttimann S, Clmenon D. Usefulness of routine urine analysis in

    medical oupatients. J Med Screen 1994 Apr; 1 (2): 84-7.

    9. Pashayan N, Khogali M, Major SC. Routine urinalysis of patients in hos-

    pital in Lebanon: how worthwihle is it? J Med Screen 2002; 9 (4): 181-

    6.

    10. Finland Evidence Based Medicine Guidelines. Urinalysis and bacterial

    culture. 2010. Disponvel em: http://ebmg.onlinelibrary.wiley.com/

    ebmg/ ltk.koti [acedido em 01/03/2013].

    11. Institute for Clinical Systems Improvement (ICSI). Preventive Service

    for Adults. Bloomington (MN): ICSI; 2010.

    12. Kiel DP, Moskowitz MA. The urinalysis: a critical appraisal. Med Clin

    North Am 1987 Jul; 71 (4): 607-24.

    CONFLITO DE INTERESSESAs autoras so editoras da Revista Portuguesa de Medicina Geral e Fami-

    liar e no participaram no processo de edio deste artigo.

    ENDEREO PARA CORRESPONDNCIACarla Lopes da Mota

    Rua 37

    4500-333 Espinho

    E-mail: [email protected]

    Recebido em 18/06/2012Aceite para publicao em 08/02/2013

    Rev Port Med Geral Fam 2013;29:244-8

    247revises

  • Rev Port Med Geral Fam 2013;29:244-8

    revises248

    ABSTRACT

    ROUTINE URINALYSIS: WHY AND WHEN?Objectives: To determine the benefit of urinalysis in screening asymptomatic adults from the best evidence available.Data Sources: Cochrane Library, Trip Database, Dare, National Guideline Clearinghouse, Finland Evidence Based Medicine Guide-lines, PubMed, UpToDate, Index of Medical Portuguese Journals and related citations.Review Methods: Search for articles and related citations using the MeSH terms urinalysis and mass screening, published un-til March of 2012, in English and Portuguese. The Strength of Recommendation Taxonomy (SORT) scale of the American Acade-my of Family Physicians was used for assigning levels of evidence and the strength of recommendation.Results: The search produced a total of 459 articles. Six met the inclusion criteria. These included one systematic review, twooriginal studies, two clinical practice guidelines, and one review article. Although urinalysis is frequently ordered, a change inmanagement occurs in less than 5% of the cases after the test. It may lead to the ordering of other more expensive and inva-sive diagnostic tests.Conclusions: Urinalysis as screening test in asymptomatic adults is not beneficial for patients. It is not recommended as ascreening test (SOR A). The evidence against systematic use has been clear for several decades. In Portugal it is commonly re-quested as a routine or preoperative test. In the light of published evidence, new guidelines seem necessary.

    Keywords: Urinalysis; Screening.