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12 UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E NATURAIS CURSO DE HISTÓRIA ELISANGELA PEREIRA GOMES O MESTIÇO NAS OBRAS DE CELSO MAGALHÃES E ALUÍSIO AZEVEDO São Luís 2007

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO

CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E NATURAIS

CURSO DE HISTÓRIA

ELISANGELA PEREIRA GOMES

O MESTIÇO NAS OBRAS DE CELSO MAGALHÃES E ALUÍSIO AZEVEDO

São Luís 2007

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ELISANGELA PEREIRA GOMES

O MESTIÇO NAS OBRAS DE CELSO MAGALHÃES E ALUÍSIO AZEVEDO

Monografia apresentada ao Curso de História da Universidade Estadual do Maranhão - UEMA, para obtenção do grau de Licenciatura Plena em História. Orientadora: Prof.ª Maria de Lourdes Lauande Lacroix

São Luís

2007

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RESUMO

Este trabalho aborda o estudo do mestiço no Maranhão oitocentista, a partir da

representação que os literatos Celso Magalhães e Aluísio Azevedo fazem em suas obras,

respectivamente, Os Calhambolas e O Mulato.

Na análise literária dessas obras, pode-se perceber a influência das teorias raciais

nelas contidas, bem como o olhar da literatura sobre a sociedade maranhense.

Palavras-chave: Mestiço – Celso Magalhães – Aluísio Azevedo – Análise Literária

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RÉSUMÉ

Ce travail aborde l’étude du métis au Maranhão du XVIIIe siècle à partir de la

représentation que les littérateurs Celso Magalhães et Aluísio Azevedo font dans leurs

oeuvres respectivement, Os Calhambolas et O Mulato.

Dans l’analyse de ces oeuvres, on punt percevoir l’influence des théories raciales

qu’elles contiennent, en plus du coup d’oeil littéraires sur la société du Maranhão.

Paroles-clés: Métis – Celso Magalhães – Aluísio Azevedo – Analyse Littéraire

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SUMÁRIO

P.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES...........................................................................................10

INTRODUÇÃO .............................................................................................................12

1. CELSO MAGALHÃES ...........................................................................................15

1.1 Do Nascimento à Vida Acadêmica ...........................................................................16

1.2 Influências Ideológicas .............................................................................................18

1.3 Trajetória Literária ...................................................................................................21

1.4 Atuação como Promotor Público ..............................................................................25

1.5 Notícias de seu Necrológio .......................................................................................28

2. ALUÍSIO AZEVEDO ................................................................................................35

2.1 A vida no Maranhão .................................................................................................36

2.2 Sua estada no Rio de Janeiro ....................................................................................39

2.3 Embates com o Clero ludovicense ............................................................................41

2.4 Produção Literária ....................................................................................................45

2.5 Carreira Consular .....................................................................................................48

3. O MESTIÇO NA REPRESENTAÇÃO DE CELSO MAGALHÃES EM OS

CALHAMBOLAS E ALUÍSIO AZEVEDO EM O MULATO ..........................................54

3.1 O Mestiço.................................................................................................................55

3.2 Influência das Teorias Raciais no Brasil e no Maranhão ...........................................57

3.3 Os Calhambolas de Celso Magalhães .......................................................................69

3.4 O Mulato de Aluísio Azevedo ..................................................................................74

3.5 O papel dos Romances na Sociedade Maranhense Oitocentista.................................76

CONCLUSÃO ...............................................................................................................83

REFERÊNCIAS.............................................................................................................85

INTRODUÇÃO

O trabalho monográfico O Mestiço nas obras de Celso Magalhães e Aluísio

Azevedo trata de analisar como o mestiço é representado pela intelectualidade maranhense, no

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caso Celso Magalhães e Aluísio Azevedo através da literatura, reconstruindo-se o retrato da

sociedade maranhense oitocentista por meio da sensibilidade desses escritores.

O período em questão, 1870 a 1888, converge para o momento em que as teorias

raciais tornam-se um dos paradigmas explicativos para a idéia de superioridade racial

européia. No Brasil, o período situa-se na conjuntura de esgotamento da ordem escravocrata,

nos debates sobre a idéia de nação e na questão da mestiçagem.

Nesse sentido, o Maranhão escravista de então, torna-se um espaço assaz

interessante para se analisar a interação social entre esse mundo essencialmente híbrido, onde

negros, índios, brancos e mestiços vivenciam diferentes experiências.

O estudo literário tem sua importância para a história, pois é a expressão da

sociedade. Com os romances históricos Os Calhambolas de Celso Magalhães e O Mulato de

Aluísio Azevedo, pode-se abstrair diversos elementos da sociedade maranhense do final do

século XIX, bem como avançar em relação à compreensão da postura ideológica e formação

acadêmica do autor, sendo um fator decisivo para a análise das fontes, conforme o alvo ou a

intenção de quem escreve.

Para tanto, a metodologia utilizada nesta monografia será com base no discurso de

representação de Roger Chartier, um dos expoentes da História Cultural. O estudo das

representações que os escritores maranhenses fazem em suas obras é tão significativo não só

para reconstruir, sob o olhar do escritor, aspectos do Maranhão escravista, como para

compreender os mecanismos de dominação que vão sendo elaborados pela elite, a fim de

assegurar sua supremacia política e econômica.

O primeiro capítulo faz um esboço da vida e obra de Celso Magalhães. Conta-se

onde e como ocorreu o nascimento do literato, em qual escola estudou, sua formação

acadêmica na cidade de Recife, até assumir o posto de promotor público na capital

ludovicense. Mais ainda: as obras que escreveu e seus últimos momentos de vida.

No segundo capítulo, apresenta-se a vida e obra de Aluísio Azevedo. Começando

pela vida no Maranhão e a origem familiar; depois, o período em que esteve no Rio de Janeiro

ao lado de seu irmão Artur Azevedo e, após dois anos, o retorno a São Luís onde trabalhou

como cronista nos jornais, alcançando notoriedade graças ao polêmico romance realista, até o

momento em que ingressou na carreira de Cônsul e faleceu em solo estrangeiro.

A escolha desses escritores maranhenses deve-se muito às suas produções

literárias Os Calhambolas e O Mulato que tiveram repercussão no regime imperial, seja na

divulgação através dos jornais e na venda dos impressos. Eles também possuem seu mérito,

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pela trajetória de vida, atuação na história do Maranhão por suas atitudes revolucionárias e o

legado das letras deixadas por eles, apesar de alguns manuscritos terem se perdido.

O terceiro capítulo aborda precisamente as obras de Celso Magalhães e Aluísio

Azevedo, no que diz respeito à leitura que fazem do mestiço. Antes disso, faz-se uma

discussão do mestiço no período imperial, relacionando-o à questão da identidade nacional na

perspectiva das idéias européias vigentes nesse momento, bem como a influência dessas

teorias no Brasil e, sobretudo no Maranhão. Em seguida, foi feita a análise literária de Os

Calhambolas e O Mulato, considerando a visão dos literatos sobre o mestiço, as influências

das doutrinas que surgem nesse momento e a própria sociedade maranhense.

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Ilustração 1 – Celso Magalhães. In: Livro do Sesquicentenário de Celso Magalhães, de Jomar

Moraes.

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1. CELSO MAGALHÃES

“A rápida biografia de Celso Magalhães conterá ainda alguns lapsos. Mas a sua

figura não é produto da lenda, e sim uma vítima dos amnésicos”. 1 É com esta frase que se

inicia o primeiro capítulo sobre Celso Magalhães, essa figura notável da literatura

maranhense. Contar sua vida e falar de sua obra ou fazer um breve esboço de alguns aspectos

pertinentes de sua existência, é resgatar e rememorar seu papel na sociedade ludovicense e

vianense e, sobretudo, na História do Maranhão.

Celso Magalhães nasceu em berço nobre. Freqüentou universidade na vida

estudantil e escreveu textos. E mais, aqueles que conviveram com ele ou renderam-se à sua

literatura testemunham que era um homem de agudeza espiritual tanto no captar o que ocorria

ao seu redor e transpô-lo ao papel, quanto na capacidade de observar. Enfim, versado

culturalmente, acabou conquistando fama. Fama essa, porém, graças ao triste episódio da

baronesa de Grajaú.

Em termos de referência bibliográfica, serão mencionados alguns autores que

buscaram já conhecer o intelectual de quase trinta anos vividos. Estes autores são: Antonio

Lopes da Cunha, sobrinho do literato e autor de um artigo sobre a vida do tio no jornal

Pacotilha; Graça Aranha que, em O meu primeiro romance, registrou uma situação verídica

presenciada quando criança com Celso Magalhães; Josué Montello que, em Os tambores de

São Luís, fez uma reconstituição do processo criminal de Ana Rosa e da atuação de Celso

Magalhães como promotor público; Washington Cantanhêde, que escreveu Celso Magalhães:

um perfil biográfico; Joaquim Vieira da Luz, em Fran Paxeco e as figuras maranhenses, que

relatou detalhadamente sobre Celso Magalhães; Jean Yves Mérian, que escreveu Celso

Magalhães, poeta abolicionista; Jomar Moraes que, em Livro do sesquicentenário de Celso

Magalhães, como homenagem ao aniversário de cento e cinqüenta anos de nascimento de

Celso Magalhães; Fran Paxeco, no seu discurso de posse que se encontra na Revista da

Academia Maranhense de Letras2, por ocupar a cadeira de nº. 5 de Celso Magalhães; e, por

fim, a contribuição das fontes hemerográficas, os necrológios no jornal O Tempo, incluindo os

1 LUZ, Joaquim Vieira da. Fran Paxeco e as figuras maranhenses. Rio de Janeiro: Livros de Portugal, S.A. Edições Dois Mundos, 1957. p. 246. 2 ACADEMIA MARANHENSE DE LETRAS. Perfis Acadêmicos. São Luís: SIOGE, 1986. p. 22.

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comentários de outros jornais: Paiz, Diário do Maranhão, A Flecha e o Publicador

Maranhense.

1.1 Do Nascimento à Vida Acadêmica

Celso Tertuliano da Cunha Magalhães nasceu em 11 de novembro de 1849, no

município de Viana3 (Maranhão). De família aristocrática, foram seus pais o tenente-coronel

José Mariano da Cunha e D. Maria Quitéria de Magalhães Cunha. “Ele, filho de Antonio da

Cunha Mendonça; ela, filha do português Manuel Lopes de Magalhães, médico pela

Universidade de Coimbra, e de Maria Cecília Duarte Magalhães”. 4

Durante o parto de sua mãe, houve algumas complicações, tanto que uma ama-de-

leite teve que dar à criança os primeiros cuidados necessários. Desse nascimento assistido

pelo avô materno Manuel Lopes de Magalhães, firmou-se um acordo entre filha e médico de

que o recém-nascido seria educado por ele. Depois, já grande e por vontade própria, quis o

menino - com a permissão do pai - ser registrado com o sobrenome Magalhães. Esse fato foi

relatado por Antonio Lopes, sobrinho de Celso Magalhães:

Esteve à morte quando deu à luz, sendo operada pelo cirurgião seu pai. Por algum tempo arrastou-se a convalescença, após uma perturbação séria das meninges, dando isto motivo a que o assistente, muito de caso pensado, conduzisse a criança da localidade onde ocorrera o nascimento para a sua fazenda próxima do ‘Descanso’, onde aquela bebeu o primeiro leite em peitos estranhos. [...] E não só esta circunstância, como a existência de um compromisso, entre filha e pai, de dar aquela a este o primeiro filho varão, que o velho queria educar, concorreram para indissoluvelmente ligar o avô ao neto, que, por vontade própria e com a devida licença paterna, acabou por acrescentar ao nome o sobrenome de Magalhães. 5

Com menos de dois meses de idade, Celso Magalhães foi batizado em 6 de janeiro

de 1850, na igreja matriz de Nossa Senhora da Conceição, em Viana, por frei Ricardo do

Santo Sepulcro, sendo padrinhos o avô paterno Antonio da Cunha Mendonça e a avó materna

3 SEREJO, Lourival. Sesquicentenário de Celso Magalhães. O Estado do Maranhão, São Luís, 25 abr. 1999, p.5. Nesse artigo há uma divergência quanto ao seu nascimento, atribuído na fazenda Descanso, então município de Viana, e hoje de Penalva. 4 CANTANHÊDE, Washington Luiz Maciel. Celso Magalhães: um perfil biográfico. São Luís: AMPEM, 2001. p. 35. 5 CUNHA, Antonio Lopes da. Celso de Magalhães. Pacotilha, São Luís, 10 nov. 1917, p. 1.

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D. Maria Cecília Duarte Magalhães. Tal evento encontra-se registrado no livro de batismos,

número 3, na folha 158, desse lugar, e publicado no jornal já citado.

Passou a infância, até a década de 1868, no lugar natalício, recebendo instrução

primária dos avós maternos, o médico português Manoel Lopes de Magalhães e D. Maria

Cecília, o que lhe possibilitou prestar os exames preparatórios para a Faculdade de Direito,

em Recife (Pernambuco). Nesse intervalo de tempo, estudou na capital maranhense

“humanidades no colégio do educador Perdigão e colaborou em várias folhas juvenis, entre as

quais O Domingo, de Artur Azevedo” 6. Depois, ele escreveu também em outros jornais, tais

como: Semanário Maranhense, O País, O Tempo, todos de São Luís; Gazeta de Notícias, Rio

de Janeiro e Jornal do Recife, de Recife.

Naquele tempo, as famílias ricas costumavam mandar seus filhos estudarem fora

da província, almejando, assim, um futuro promissor ou contínuo para sua descendência, visto

que o trabalho intelectual, sinônimo de projeção social, era bem quisto. No caso de Celso

Magalhães não foi diferente.

Enquanto estudante aproveitou bastante o tirocínio recebido, pois buscava crescer

na profissão e expandir seu conhecimento intelectual. No mesmo ano da morte do avô, Celso

Magalhães viajou para Recife, cidade em que ingressaria na vida acadêmica. Faltava-lhe,

porém, perante o diretor da Instrução Pública fazer as provas para que pudesse se inscrever na

academia da capital pernambucana. Aprovado aos 19 anos, passaria daí em diante, a

freqüentar por cinco anos o curso de Direito.

Aprovado matriculou-se na Faculdade de Direito de Recife, aos 12 de março de 1869. As aulas abriram-se a 15 desse mês e terminavam a 15 de outubro. A 23, seguiram-se os exames, que se estendiam até novembro. Fez exame do 5º ano, passando com plenamente, e recebeu, na mesma ocasião, o grau de bacharel em direito, a 22 de novembro de 1873. 7

Na revista da Academia Maranhense de Letras, Fran Paxeco fez um esboço

bibliográfico desse intelectual no período imperial, detalhando o rigor das melhores

faculdades do país - Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia e Recife - no tocante ao ingresso nelas e

às disciplinas exigidas por elas. “Os atos em questão cingiam-se à geografia, história do

6 Ibid. 7 LUZ, op. cit., p. 235.

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Brazil e bíblica, aritmética, geometria plana, retórica, latim, francêz, inglêz, filozofia. Nem

sequer havia prova de portuguêz.” 8

Decerto, Celso Magalhães tinha muito incentivo e disposição para o saber,

demonstrando interesse em aprender as letras e motivação para conhecer profundamente as

ciências. Segundo Joaquim Luz, “era Celso Magalhães dotado dum pronto talento de

observação, tendo-se educado com estudos fortes e variados”. 9 Tudo o encaminhava para a

jurisprudência, e, cada vez mais, tornava-se um homem culto, versátil e de vocabulário

aguçado. “Detestava o palavreado baloufo, e tinha um estilo condensado, manifestando as

suas idéias com rara lucidez”. 10 Daí a razão pela qual respondeu com êxito aos critérios de

seleção para aqueles que poderiam intelectualmente dar seguimento à profissão no campo

jurídico.

1.2 Influências Ideológicas

Celso Magalhães vinha de uma prole cuja inclinação política era para o Partido

Conservador. Na juventude, lera alguns clássicos como Alfred de Musset, Sand, Victor Hugo,

Lamartine e Almeida Garrett, que muito contribuíram para despertar sua veia poética. Mas,

além da poesia, enveredou também por outros gêneros, como o romance, a novela, o drama, a

crônica, a prosa e a crítica literária.

Em Recife, quando ainda era acadêmico do curso de Direito, entusiasmou-se pela

estética realista, ou melhor, pela maneira como ela encarava cientificamente e com

objetividade a sociedade; pelas ciências naturais, sobretudo a do evolucionismo darwiniano,

para o qual o mundo era concebido como processo de crescimento e evolução; pelo

pensamento filosófico-positivista e pelas teorias raciais importadas do estrangeiro.

Influenciado por essas idéias, ele as transpôs para a capital maranhense, enraizada em seus

costumes e práticas coloniais.

Fervoroso seguidor das teorias de Darwin, Comte e Taine, chocou o ambiente acanhado da São Luís provinciana que modorrava num superado

8 Cf. REVISTA DA ACADEMIA MARANHENSE DE LETRAS (1916-1918). Celso Magalhães: estudo lido a 11 de novembro de 1917, em sessão pública da Academia Maranhense. São Luís: Imprensa Oficial, jan. 1919. p. 79. 9 LUZ, op. cit., p. 241. 10 LUZ, loc. cit.

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romantismo literário e defendia a manutenção da escravatura como principal sustentáculo econômico de uma elite reacionária e preconceituosa. Positivista, lutou contra o clero e a escravidão. 11

Desde cedo, insurgira-se contra o regime escravista, defendendo a abolição e a

instauração da República. Como atitude concreta, em 1869, aos 20 anos, Celso Magalhães

convencera o pai para que libertasse os escravos da fazenda, promovendo-os em trabalhadores

assalariados. A exemplo de Gonçalves Dias e João Francisco Lisboa, que abordaram em seus

escritos o tema escravidão, ele inspirou-se na revolta dos escravos de sua cidade natal para

produzir o poema Os calhambolas. Esta postura em defesa dos desvalidos, na luta contra as

injustiças, se expressa na obra literária Versos, publicada em 1870. Nela está o poema citado.

Em 1870, no teatro recifense - o Recreio Acadêmico -, Celso Magalhães

demonstrou ousadia e coragem ao expor poeticamente sua indignação contra o império e a

base de sustentação econômica. Era a ocasião da visita do general Osório, herói da Guerra do

Paraguai. Estavam presentes: “o fiel amigo do Imperador, o presidente da província, o chefe

de polícia e toda a esfera oficial pernambucana” 12, que ouviram o jovem poeta recitar versos

homenageando o soldado. Entretanto, o conteúdo dos versos também era de crítica ao

imperador D. Pedro II por não libertar os escravos, mesmo ciente de muitos deles derramarem

seu sangue em defesa da pátria.

Maior quem é? Dize-o: O soberano? Não! De grande não tem título Quem nutre a escravidão. A Monarquia? Egrégio Não pode ser o braço Que tem na garra trêmula A ponta do balaço, Que o dente aguço, esquálido, Para morder aguça E tem sob os pés, pálido, Um povo que soluça. Maior quem é? Dizei-o, Maior que a majestade De Osório – o vulto heróico; Só Deus e a Liberdade!13

11 MORAES, Jomar. Apontamentos de Literatura Maranhense. São Luís: SIOGE, 1976. p.125. 12 LOPES, Antonio. Estudos Diversos. São Luís: SIOGE, 1973. p.78. 13 LOPES, loc. cit.

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Contudo, pode-se observar em Celso Magalhães certo paradoxo, porque, se de um

lado, ele lutava pela liberdade dos negros e o fim do trabalho escravo no Maranhão e no

Brasil, de outro lado, sustentava, com base no conhecimento galgado no cientificismo da

época, o complexo de superioridade cultural e racial do europeu em relação às outras etnias,

especialmente os africanos por sua condição jurídica no plano social. Devido a isso,

considerava relevante o estudo da raça.

Para nós, em literatura como em política, a questão de raça é de grande importância, e é ela o princípio fundamental, a origem de toda a história literária de um povo, o critério que deve presidir ao estudo dessa mesma história. 14

No final de 1873, Celso Magalhães voltou novamente à cidade de São Luís, onde

se tornou um dos líderes intelectuais da juventude e bastante conhecido na sociedade, seja

como jurista, seja como escritor. Seus escritos de cunho literário estavam tanto em alguns

periódicos que circulavam na capital, quanto nos que circulavam fora dela. “A fama de que

vinha precedido colocava-o numa evidência sem par, entre os rapazes de seu tempo” 15.

A Celso Magalhães estaria reservado o papel de guia de muitos jovens maranhenses, entre eles, Aluísio Azevedo, Paulo Duarte, João Afonso do Nascimento, Eduardo Ribeiro, Agripino Azevedo e o português Manuel de Bethencourt, a quem depois coube exercer grande influência sobre a geração seguinte, a de nosso terceiro ciclo literário. 16

Pondo-se em defesa das idéias novas, ele era também anticlericalista. Com efeito,

a Igreja opunha-se à doutrina filosófico-positivista que, caracterizada pela orientação

antimetafísica e antiteológica afirmava como critério unicamente válido de verdade a

admissão de conhecimentos fundados em fatos e dados empíricos. Por causa disso, ele foi um

dos principais instigadores da “polêmica com o padre Raimundo Alves da Fonseca, que lhe

replicara pelas colunas do Diário do Maranhão”. 17

A respeito do padre Raimundo Alves da Fonseca18, sabe-se que foi presbítero

secular na diocese de São Luís. Recebeu, por merecimento, uma carta patente com o selo

imperial e assinada por D. Pedro II, em 20 de novembro de 1874, nomeando-o a capelão

14 MAGALHÃES, Celso da Cunha. A poesia popular brasileira. Maranhão: Departamento de Cultura do Estado, 1966. p. 22. 15 CUNHA, loc. cit. 16 MORAES, op. cit., p.119. 17 MONTELLO, Josué. Os tambores de São Luís. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2005. p.493. 18 Essas informações sobre o padre Raimundo Alves da Fonseca encontram-se no documento nº. 6812, de 24 dez. 1881., do Arquivo da Arquidiocese do Maranhão (Arquivo Público do Estado do Maranhão).

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tenente do Corpo Eclesiástico do Exército. Sete anos depois, ocupou a vaga de mestre da

escola da Igreja da Catedral, por falecimento do cônego Luiz Raymundo da Costa Leite, em

24 de dezembro de 1881.

Através do jornal O País, Celso Magalhães debatia idéias positivistas que eram

replicadas pelo clero católico no Diário do Maranhão. Isso inspirou outros jovens escritores,

por exemplo Aluísio Azevedo. Anos mais tarde, esse travaria a grande polêmica entre o jornal

que escrevia O Pensador, e A Civilização, órgão pertencente à Igreja Católica.

“As metódicas indagações de Celso Magalhães representavam uma novidade nos

centros cultos do seu país”. 19 Realista, acreditava na superioridade da raça branca. Defendia a

bandeira do liberalismo, no sentido de que o trabalho dignificava o ser humano, sem acepção,

como para os negros, os quais através da labuta poderiam conquistar sua dignidade como

cidadãos brasileiros. Tal pensamento encontra-se expresso na obra Versos. “Este jogo de

influências explica nele a tendência para o real e humano e o equilíbrio que atesta a sua

organização estética”. 20

1.3 Trajetória Literária

Pode-se dizer que a produção literária de Celso Magalhães é densa pela qualidade

e originalidade de seus escritos. Meritoriamente, pelo trabalho que desenvolveu, tornou-se

pioneiro dos estudos folclóricos no Brasil, sendo citado por Sílvio Romero21, em 1888, nos

estudos sobre a Poesia Popular do Brasil e na História da Literatura Brasileira.

Nem o diploma de bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela faculdade de

Recife distanciou esse homem erudito do mundo artístico. Dedicou-se à carreira como os

outros jovens aristocráticos dessa fase, e também à literatura como poeta, romancista,

novelista, cronista e prosador crítico.

Em termos quantitativos, Celso Magalhães produziu pouco em comparação a

outros intelectuais de notabilidade desse momento, a saber: Aluísio Azevedo, Artur Azevedo,

Nina Rodrigues, Dunshee de Abranches, etc. Por mais ou menos dez anos fez arte,

19 LUZ, op. cit., p. 245. 20 CUNHA, loc. cit. 21 Teórico racial do século XIX que defendia a homogeneização da sociedade brasileira, a partir do mestiço. Destacou-se como crítico e historiador da literatura brasileira. Sua principal obra História da Literatura Brasileira foi publicada em 1888.

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produzindo poesias, romance, contos, crônicas de teatro, artigos para a imprensa, folhetins,

críticas, descrições, em meio à ocupação do cargo público.

No livro Fran Paxeco e as figuras maranhenses, Joaquim Vieira da Luz agrupou

as principais produções do escritor vianense, sendo que as primeiras composições poéticas,

ainda na fase escolar, datam de 1867, seguindo até meados de 1876, quando já era promotor

público.

� 1867 – Poesia: Vem, não tardes, Para ela, O Desânimo, O currupira, Adeus, O

Escravo, O Avaro, Lembras-te, no jornal Semanário Maranhense; publicação

do livreto Poesias, segredos e traduções, com os seguintes versos: Que vida!,

À (Protestos), Fantasia, O meu amor, Lembrança, Desânimo, Encantos da

natureza (tradução de Quinault), Escuta, O gongorista, Cerração em terra e

Desejos.

� 1868 – Poesia: À..., O menino cego (versão de Gout Desmartres) e A minha

casaca, de Sedaine no jornal Semanário Maranhense.

� 1869 – Comédia: Cerração no bolso; Artigo: A liberdade religiosa, inserido no

Oiteiro democrático de Recife.

� 1870 – Poesia: Ela por ela (cenas do campo), usando o pseudônimo de

Giácomo de Martorelo, no jornal maranhense País; tradução da Pórcia, de

Musset; Um pouco de música, de Victor Hugo, no jornal Correio

Pernambucano; Romance: Versos (obra compilada na tipografia B. Matos por

M. F. Pires, na Rua da Paz, 5 e 7, São Luís); Folhetim: Conto (a Artur de

Oliveira), Eumélia e Conto (a Estevão de Carvalho); Crítica: Dois perfis de

mulher - livro de José de Alencar; Uma carta bibliográfica a Plínio de Lima;

Minaturas de Gonçalves Crespo; Novela: Ela por ela, publicada no jornal

País, com o mesmo nome suposto.

� 1871 – Poesia: A Alda, de Viana, Flôres do Natal (A D.Narcisa Amália) e

Angustiosa no jornal Pacotilha; A Ernesto Rossi, Andorinhas e História de

Mário no jornal Correio Pernambucano; Folhetim: A vôo de ave nesse

periódico; Crônica: Uma crônica teatral, sobre Jugar com fuego.

� 1872 – Poesia: Dúvidas, no jornal maranhense Domingo, de Artur Azevedo;

Romance incompleto: Um estudo de temperamento (publicado na Revista

Brasileira em 1881, sobre motivos sertanejos, descritivo e realista, ambientado

em Viana); Folhetim: Carranquinhas, no jornal País; Crônica: Crônica interna

no jornal Movimento; Crônicas de teatro no Jornal do Recife.

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� 1873 – A Poesia Popular Brasileira (estudo lançado no jornal O Trabalho, de

Recife, e no jornal Domingo); Drama: O processo Valadares (anunciada uma

parte na revista Ateneida, em 1912) e prólogo ao drama O Evangelho e o

Sílabus, de Rangel de S. Paio; Novela: Pelo correio, em folhetim no jornal

Diário do Maranhão e no jornal Domingo; Contos: aparentados a romances

portugueses – Jesus mendigo, A madrasta, Jabuti e Saúbas, republicadas no

jornal citado.

� 1874 – Poesia: A Pororoca e No álbum, de Afonso H. A. Melo, no jornal

Correio Pernambucano; Fantasia no jornal País; Folhetim: Caretas (A mulata

recolhida) no jornal País, usando o nome falso de Balcofrio; Artigo: A mulher

e A toilett, extensas notas de viagem.

� 1875 – Poesia: Amor caricato, no jornal maranhense Pacotilha.

� 1876 – Folhetim: Folhetins humorísticos; Questão médico-legal, no jornal

País.

� Indefinição Cronológica - Drama O padre Estanislau e O habeas-corpus

perderam-se os manuscritos de ambos.

A influência romântica perdurou até, mais ou menos, em 1873, quando Celso

Magalhães lançou a obra “A Poesia Popular Brasileira” de tendência antisentimental,

seguindo a estética do realismo em que predominava a ciência na literatura.

Outros autores, como Jomar Moraes e Washington Cantanhêde também nomeiam

as obras do escritor com base em Joaquim Vieira da Luz que oferece uma lista mais detalhada

sobre o que o intelectual escreveu nesse tempo e publicou nos jornais.

Das obras citadas, certamente a de maior expressividade naquela conjuntura tenha

sido o poemeto Versos. A coleção artística constituída de vários poemas, entre eles “Os

calhambolas”, com uma composição de 85 laudas, o autor concentrou seu discurso versífico

nas agruras da escravidão, mais concretamente na luta dos negros por liberdade, discurso esse

inspirado no episódio da sublevação dos escravos na cidade de Viana, em 1867. Contudo,

defendeu a integração da negritude na civilização dos brancos, ignorando a contribuição

cultural do elemento africano.

Apesar da sua atitude de aristocrata defensor da teoria da diferença entre as raças e as críticas muito duras que ele fez contra os índios e os negros, Celso

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Magalhães simbolizava a luta pela abolição da escravidão como jornalista, como poeta, como promotor e como advogado. 22

Elogios não lhe faltaram no lançamento desse livro. Com efeito, nos jornais da

época, como: A Reforma, do Rio de Janeiro, Americano e Correio Pernambucano, do Recife

e País, do Maranhão, o escritor foi bem considerado. Prova disso é que recebeu boas críticas

pelo seu trabalho. O jornal A Reforma, por exemplo, dizia assim: “Versos chama o modesto

autor, Sr. Celso Magalhães, a essa coleção de inspirados cantos, verdadeira poesia, composta

ao ardor do sol equatorial. As pátrias letras muito esperam do jovem maranhense”. 23

Ainda restam, porém, mais escritos a serem descobertos. O que já foi recolhido,

“e não é pouco, bastará para se ajuizar da imensa perda sofrida, com o precoce apagamento

dêsse onímodo espírito, cuja sêde de saber se manifestava insaciável” 24. Pode-se observar

pela datação das obras compiladas, dois momentos na sua trajetória literária: um, de 1867 a

1873, de intensa produção literária quando era ainda estudante; e outro, de 1874 a 1876,

quando concomitante à carreira pública de promotor, escreveu alguns folhetins, artigos e

algumas poesias.

Pelo visto, as obras desse literato podem expressar o seu perfil: versátil, por ter

produzido arte em diversos estilos literários, como romance, comédia e conto; interessado, por

ter traduzido de poesias de origem estrangeira; cuidadoso, por preocupar-se em adaptá-las à

nossa linguagem, à cultura popular; observador e crítico da realidade social, por ter abordado

a temática da escravidão em seus escritos.

O legado das letras também vem desvelar do intelectual seus anseios e

pensamentos, sua crença, seu trabalho social, sua visão de mundo, enfim, sua postura adotada

frente à sociedade de denúncia ou legitimação da ordem vigente. O uso de pseudônimos em

suas obras, tais como: Giacomo de Martorelo, Balcofrio e Simeão da Rua Grande, dava-lhe

um estilo todo interessante.

Celso Magalhães foi um dos mais destacados e requisitados intelectuais de sua

época. O curto espaço de tempo em que viveu desperta admiração pela considerável produção

e pela influência marcante que teve em sua geração.

22 MÉRIAN, Jean Yves. Celso Magalhães, poeta abolicionista. São Luís: Fundação Cultural do Maranhão, 1978. p. 21. 23 A Reforma. In: LUZ, op. cit., p.240. 24 Ibid, p. 254.

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1.4 Atuação como Promotor Público

Em 1874, Celso Magalhães assumia a promotoria da comarca de São Luís. Para

cumprir os trâmites burocráticos, dirigiu-se respeitosamente, como de praxe, em 8 de março,

ao então Presidente de Província José Francisco de Viveiros, a quem o tinha em relevância,

não só pela origem aristocrática, como também pelo talento promissor. Eis suas palavras:

“Comunico a V. Exa. que entrei no exercício do cargo de Promotor da Justiça desta capital,

para o qual fui nomeado por Portaria de 16 de fevereiro, no dia 7 do corrente mês”. 25

No exercício, então, já de suas funções jurídicas, viajou, nesse mesmo ano, para o

município de Turiaçu. Ao lado, porém, de seu compromisso jurídico, mostrou aptidão pela

música, cantando como barítono, de voz intermediária entre o tenor e o baixo, e sendo muito

requisitado em saraus lírico-musicais.

Este pendor é registrado por seu condiscípulo Alfredo Saldanha num artigo do

jornal maranhense O País sobre a paixão do literato pela música e de como era bem recebido

e requisitado em qualquer lugar que freqüentava. 26

No final de 1876, sua vida profissional passou por transformações significativas

que marcaram a capital da província do Maranhão. Ele causou escândalo ao intervir no caso

do assassinato do escravinho Inocêncio, cuja autoria desse crime foi atribuída à senhora Ana

Rosa Viana Ribeiro (esposa do chefe do Partido Liberal). O motivo teria sido por

desconfiança de que o menino fosse fruto do relacionamento de seu marido com uma escrava

de sua senzala.

Pelo visto, o promotor não se intimidou perante a influência das pessoas citadas

no processo criminal, isto é, se era escravocrata ou não. Seu princípio era, sim, a

aplicabilidade da lei por meio de um julgamento coerente dos fatos. Sobrevindo de uma

estirpe que muito logrou com o trabalho escravo, pensava diferente com relação aos escravos.

Em se tratando da escravidão, “era a favor da liberdade dos negros, e não escondia o seu

pensamento”. 27

O ano de 1877 foi decisivo na carreira pública de Celso Magalhães. Tomou

providências em relação a D. Ana Rosa Viana Ribeiro, mulher da fidalguia maranhense

envolvida em processo criminal. Ele recorreu junto “ao Tribunal da Relação, que em 13 de

25 Trecho citado por Celso Magalhães oficializando a nomeação do cargo ao Presidente de Província vigente. Pode ser encontrado no Arquivo Público, na seção de documentos avulsos. 26 SALDANHA, Alfredo apud LUZ, Joaquim Vieira da. Op. cit., p.242. 27 MONTELLO, loc. cit.

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fevereiro reforma a sentença recorrida, por entender, unanimidade, que há veementes indícios

contra a acusada”. 28

Transcorreu o julgamento de D. Ana Rosa Viana Ribeiro, em “22 de fevereiro,

pelo júri popular”. 29 Sobre o momento da audiência civil, Josué Montello, em Os tambores

de São Luís, retratou poeticamente a apreciação do homicídio cometido por essa senhora de

escravos, a defesa da ré e a postura corajosa do promotor Celso Magalhães.

A respeito da declaração da ré fidalga D. Ana Rosa Viana Ribeiro, esta começou

“por declarar seu nome, ter quarenta anos de idade, ser casada, natural do Maranhão, sabendo

ler e escrever. Quanto ao crime de que era acusada, negou que o houvesse praticado,

atribuindo a acusação a inimigos seus e de seu marido”. 30 Demonstrando recato, acusada

perante o júri, afirmou ser inocente de tal atrocidade. Por sua vez, a promotoria manifestou-se

refutando as colocações da outra parte e, ao mesmo tempo, garantindo a intencionalidade do

fato em questão.

A Justiça Pública, pela palavra de seu promotor aqui presente, acusa a ré, dona Ana Rosa Viana Ribeiro, de ter morto o seu escravo Inocêncio, de nove anos de idade, infligindo-lhe sevicias, castigos e maus-tratos, e usando para isso cordas, chicotes e instrumentos contundentes, de que resultaram os ferimentos e ofensas, descritos no corpo de delito. Afirma ainda a promotoria, com base no que consta destes autos, que a ré cometeu o crime com premeditação, isto é, decorrendo mais de 24 horas entre o desígnio e a ação, visto como os castigos aludidos foram repetidamente feitos, com uma intenção que denota insistência contínua em praticá-los. 31

Para convencer o corpo de jurados, a oratória do ilustre promotor público não foi

satisfatória a ponto de driblar as expectativas da defesa. A sorte estava lançada! Mais uma vez

as convenções sociais estiveram acima da justiça, ou melhor, mascaradas de verdade. A ré D.

Ana Rosa Viana Ribeiro terminou por ser eximida da culpa que lhe fora atribuída, vencendo

por concordância de voto dos jurados presentes na sessão.

Em vista da decisão do júri, absolvo a ré dona Ana Rosa Viana Ribeiro da acusação que lhe foi intentada; mando que se risque seu nome do rol dos culpados; que se lhe passe alvará de soltura, se por tal não estiver presa. Pagas as custas pela Municipalidade. 32

28 MORAES, Jomar. Livro do Sesquicentenário de Celso Magalhães. São Luís: AML, 1999. p.13. 29 MORAES, loc. cit. 30 MONTELLO, op. cit., p. 526. 31 Ibid., p.529. 32 Ibid., p.534.

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Insatisfeito com o veredicto em favor da escravocrata, Celso Magalhães recorreu

da decisão judicial, porém sem êxito. “No dia 7 de agosto: o Tribunal da Relação julga

improcedente a apelação do promotor público Celso Magalhães, mantendo, assim, a decisão

do júri popular”. 33

Tal acontecimento representou a vitória da aristocracia maranhense sobre as

classes subalternas. O caso do escravinho Inocêncio revelou a desigualdade na elucidação dos

crimes envolvendo senhores de escravos e escravos. Quando o escravo era réu, simplesmente

bastava declaração do dono para a condenação imediata; se vítima, buscavam-se prerrogativas

ou afrouxamento na punição do dono da peça. Sobre esse processo criminal, expressava-se

assim com indignação o jornal O Imparcial:

A despeito, porém, da independência do caracter e da nobreza de sentimentos de Celso Magalhães, a política, ou melhor, essa política lha de província, sempre mal intencionada e sempre nauseante nos seus intentos de ódio e de vingança, não se arreceiou de ofender, de macular a dignidade de um cidadão zeloso, dos seus deveres e foi arrancar, iníqua a apaixonada, das mãos do honrado obreiro da justiça, o officio no cumprimento do qual elle não media sacrifícios, sob o pretexto esfarrapado e carnavalesco, digamos, assim, de “conveniência de serviço publico”.34

Celso Magalhães lançou-se como candidato às eleições de deputados gerais de 5

de setembro de 1878, representando o Partido Conservador. Segundo Antonio Lopes, ele teria

sido apontado por Gomes de Castro para ser deputado na chapa das eleições para a

Assembléia Geral do Império35, mas não obteve sucesso.

Para seu contentamento, casou-se com D. Maria Amélia Leal, filha de Abel

Francisco Correia Leal, viúva do despachante alfandegário Rodolfo Pereira de Castro. Da

importância desta mulher para o intelectual, Alfredo Saldanha fez um artigo necrológico, no

jornal País, a 8 de julho de 1879, revelando um pouco da intimidade do casal e, sobretudo, do

sentimento que nutriam um pelo outro, no seguinte trecho: “Casado faz bem pouco tempo

com uma senhora a quem se enlaçara por sincero afeto, encontrava, nas santas alegrias do lar,

conforto e refúgio contra os dissabores que lhe infligiam.”36

Para espairecer do sortilégio que o anuviara, Celso Magalhães refugiou-se com a

família fora da capital para tentar esquecer a causa perdida. Antonio Lopes relata que ele

“retirou-se, pois, com a esposa para Viana e ali se demorou largos meses, regressando à

33 MORAES, loc. cit. 34 DAMASCENO, Rubens. Celso de Magalhães. O Imparcial, São Luís, 11 nov. 1928, p. 8. 35 CUNHA, op. cit, p.1 36 SALDANHA, Alfredo apud LUZ, Joaquim Vieira da. Op. cit., p.254.

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capital em 1879, e aqui abriu uma banca de advogado”. 37 Mesmo com o apoio do cônjuge,

sua vida tomaria um rumo sem volta por conta enfermidade.

1.5 Notícias de seu Necrológio

Quando Celso Magalhães veio a falecer, não havia chegado aos trinta anos.

Consorciado há pouco tempo com D. Maria Amélia Leal de Magalhães, não deixou filhos. O

intelectual vianense morreu de febre perniciosa em São Luís, em 9 de junho de 1879, em sua

residência, número 23, um sobradinho situado à Rua das Hortas.38 Antes das circunstâncias de

seu óbito, atesta Antonio Lopes que,

Adoeceu às 5 horas da manhã e expirou às 11 do mesmo dia 9 de junho de 1879. A causa de sua morte foi, sem a menor dúvida, um acesso de febre perniciosa. De uma organização franzina e delicada, abalada por um contínuo esforço mental, não resistiu ao mal, cedendo-lhe à ação do primeiro embate. 39

Com os sintomas característicos da tuberculose, que aos poucos o conduziram à

morte, encontrava-se ele em estado de saúde bastante delicado. Na flor da juventude, partira

Celso Magalhães! O que poderia ter contribuído para abreviar a vida do homem culto, do

poeta e bacharel?

Primeiro, o processo criminal imputado à baronesa Ana Rosa Viana Ribeiro,

acusada pelo assassinato do escravinho Inocêncio, foi um caso delicado para ele. Isso pelo

fato de o processo criminal ter chamado a atenção da sociedade maranhense, haja vista o

embate entre a fidalguia local, sentindo-se desmoralizada, e os excluídos (pobres, mestiços,

negros, etc.), que lutavam por um ambiente social mais justo e humano.

Segundo, a enfermidade abatia o literato. Com base na narrativa do romance

histórico Tambores de São Luís, de Josué Montello, Celso Magalhães estava doente fazia

tempo e com o último trabalho judicial, no qual perdeu a causa, seu estado de saúde passou a

requerer mais cuidados. Na obra supracitada, pode-se saber que, depois do julgamento, o

negro Damião (personagem do romance) chegou à casa de Celso para visitá-lo.

37 CUNHA, loc. cit. 38 MAGALHÃES, op. cit., p. 7. 39 CUNHA, op. cit, p.1

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No dia seguinte ao julgamento, tinha ido à casa do Dr. Celso, com a intenção de visitá-lo. A mulata gorda, que sempre o recebia, viera ao seu encontro, ao meio do corredor, com a notícia de que o doutor chegara com febre, quase de madrugada, e que estava passando o dia na cama, por ordem do Dr. Jauffret. (...) Apanhei esta febre em Viana, ano passado – esclareceu o Dr. Celso. – De vez em quando ela volta. Ontem, a hora em que falava o Dr. Paulo Duarte, senti os primeiros arrepios. Ela voltou, e voltou forte, ameaçando-me com uma vertigem. Cheguei em casa batendo o queixo. E continuo com febre. 40

Em O meu próprio romance, Graça Aranha rememorou como testemunha ocular

dos fatos ocorridos em torno do processo criminal da baronesa. Ao referir-se a ele, citou

carinhosamente um detalhe que não passava despercebido em seu vestuário, sendo sua marca

registrada. Também faz uma descrição física desse intelectual, por ocasião do período em que

esteve envolvido no julgamento polêmico da esposa do chefe do Partido Liberal. Tal

produção literária constitui-se de um relato memorialista de alguém que o conhecera bem de

perto, reconstituindo aquele ambiente de tensão que pairava na cidade.

Os políticos vinham repousar e esperar a sentença na companhia de meu pai, figura considerável do Partido Conservador. Ainda vejo a cena, que eu espiava ardendo de curiosidade. Vejo a figura atraente, fascinante, de Celso Magalhães, o promotor público. Em torno dele, uma admiração entusiástica, comovida, que eu não compreendia, mas cuja intensidade me avassalava. Das impressões que então recebi, ficou-me a imagem de um rapaz muito magro, feio, ossudo, encovado, móvel e falador. Não me lembro como se trajava, apenas me recordo de que trazia na botoeira do paletó uma flor vermelha, lágrima-de-sangue, que por muito tempo se chamou no Maranhão A Flor do Celso. 41

Terceiro, em 1878, a derrota dos conservadores nas eleições para o Partido Liberal

foi desfavorável à carreira pública de Celso Magalhães. De fato, no mesmo ano, com a

ascensão do Partido Liberal ao poder constatou-se que “por ato de 29 de março, o marido de

D. Ana Rosa, Dr. Carlos Fernando Ribeiro, que, na qualidade de 2º vice-presidente da

Província, assumira o Governo no dia anterior, demitiu Celso Magalhães”. 42

As disputas partidárias entre liberais e conservadores não se centravam nos seus

ideais frente ao Estado, mas nas relações com os grupos de famílias que dominavam a vida

política e utilizavam os partidos para satisfazer seus interesses pessoais. A cada nova eleição,

se o Partido da situação fosse derrotado havia renovação no quadro de funcionários. Com a

vitória dos liberais, além da demissão de Celso Magalhães foram exonerados de seus cargos:

40 MONTELLO, op. cit., p. 542. 41 GRAÇA ARANHA, José Pereira da. O meu primeiro romance. São Luís: ALUMAR, 1996. p. 80. 42 MORAES, loc. cit.

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“o delegado de polícia do Termo da Comarca da Capital, Antonio José da Silva e Sá, e o 3º

suplente do mesmo, Antonio Joaquim Ferreira de Carvalho”. 43

Pode-se dizer que a exoneração do cargo de promotor público foi a resposta dada

pela parte acusada - no caso a família Ribeiro, no julgamento do homicídio do escravo - à

ousadia de Celso Magalhães por ter exposto uma senhora da elite, enfim, por ter tido a

coragem de assumir uma atitude humanitária e de adesão à causa anti-escravista, bem como

uma retaliação política, conforme a representação de Montello.

E quem está por baixo, agora, é o nosso promotor – replicou o Policarpo, com um semblante apreensivo, já no largo de São João. O Dr. Carlos Ribeiro, numa roda do Largo do Carmo, bem defronte de minha farmácia, disse bem alto, para quem quisesse escutar que o seu primeiro ato, assim que assumisse a presidência da Província, era exonerar o Dr. Celso da promotoria, e a bem do serviço público. 44

Essa ação premeditada, de acordo com o trecho do romance (na afirmativa do

personagem Policarpo), trouxe dissabores para a vida de Celso Magalhães. Além de ser

demitido da promotoria, ele enfrentou diversas barreiras para o exercício profissional dentro e

fora da capital, pondo à prova o prestígio e a boa reputação que conquistara com ardor e

honestidade, com a recusa aqui e ali para advogar. Terminado o fim de sua vida terrena,

recebeu uma despedida inesquecível do povo maranhense, sobretudo das classes subjugadas

pelo governo provincial, como pode novamente ser retratado na referida produção literária:

O ataúde do Dr. Celso sai pela porta do sobrado, trazido por seis crioulos robustos, para ser posto no alto da imponente carreta negra, que duas parelhas vistosas, de guizos no pescoço e plumas na cabeça, vão lentamente puxar na direção do cemitério, na tarde de junho esplêndida de sol, já crispada pelo si-si-si das primeiras cigarras. (...) Toda gente caminha de cabeça descoberta, o chapéu na mão, a fisionomia pesarosa, com a sensação nítida de que ocorreu na cidade uma catástrofe, e são professores, deputados, senadores, jornalistas, poetas, comerciantes, alunos do liceu, homens e mulheres do povo, e, sobretudo muitos negros, estes na cauda do cortejo, vindos sem que ninguém os chamasse. 45

Notícias de seu falecimento foram publicadas em alguns jornais da época. Criado

em 1878, de propriedade de: Gomes de Castro, Moraes Rego, Manoel Ribeiro da Cunha e

Abílio Ferreira Franco, o jornal político ludovicense O Tempo, uma semana depois do

ocorrido, precisamente em 16 de junho de 1879, homenageou o literato pela contribuição

43 CANTANHÊDE, op. cit., p. 69. 44 MONTELLO, op. cit., p. 547. 45 Ibid., p.549.

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jornalística para o periódico, bem como pela sua atuação no campo das letras e da justiça.

Segundo o jornal, foram de importância capital para a província. O fragmento abaixo não

deixou de enfatizar também o abalo profundo que tivera o literato e a mudança de

comportamento por ter sido afastado do serviço público.

Concluio em 1873 o curso jurídico, em que era graduado, e durante elle à estampa um volume de poesias, que foram devidamente apreciadas. Restituído à província, assumio a redacção da parte litteraria do Paiz e seus escriptos revelaram um talento robusto e copiosa instrucção. Nomeado promotor publico da comarca da capital, exerceu com inexcedível zelo o espinhoso cargo (...). Arrancaram-lhe o emprego, que tão dignamente exercia, e como se não fora bastante para punir-lhe a independência do caracter, deram por pretexto à demissão a conveniência do serviço publico! A injuria magoou cruelmente o brioso mancebo. (...) Trouxe-o a reflexão para as fileiras do partido conservador, e honrando-os com a sua companhia na redacção do Tempo, depoz a penna quando a mão gelada não podia mais empunha-la. 46

O mesmo periódico, na página seguinte, registrou o comentário dos jornais da

província do Maranhão: Paiz, Diário do Maranhão, A Flecha e o Publicador Maranhense, a

respeito do famigerado finado, reconhecendo-lhe a competência, o compromisso e a labuta

diária.

De cunho comercial, paulatinamente abrindo espaço para a política e literatura, o

jornal Paiz escreveu sobre o tempo em que Celso Magalhães colaborou no referido periódico,

distribuindo-lhe elogios, como o caráter incólume no cumprimento da lei sem distinção de

clientela.

Era Celso de Magalhães um vigoroso talento, um nobilíssimo caracter. Exercendo por muitos annos o cargo de promotor, jamais teve a justiça sacerdote mais devotado. Para o rico, para o pobre, para o desvalido, para o potentado foi sempre o mesmo, e embora levantassem-se contra si os protestos dos desgostosos, elle cumpria impassível o seu dever, porque comprehendia a justiça. Também o Paiz, onde muitas vezes o talento do chorado escriptor brilhou como folhetinista, ou em romances originaes, ou em typos tão primorosamente desenhados, ou em paginas traçadas ao capricho de uma rica phantasia, também nós sentimos a mais intima e intensa dor. 47

O jornal Diário do Maranhão, criado em 1855, com publicações de notícias

oficiais do governo da província e transcrições da imprensa estrangeira e nacional, e voltado

para o comércio, indústria e lavoura, frisou o valor dele como jornalista para a imprensa da

46 Celso Magalhães. O Tempo, São Luís, 16 jun. 1879, p.1. 47 Ibid., p.2.

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província e como escritor para a literatura nacional, lamentando sua morte: “Perdeu a

redacção do Tempo um robusto talento e a imprensa maranhense e as lettras patrias um de

seus mais distinctos cultores. Associamo-nos à dor dos colegas do fallecido, e sobre seu

ataúde depomos a nossa coroa de saudades”. 48

Por sua vez, o periódico literário A Flecha fez o seguinte comentário: “A redacção

da Flecha, cheia de profunda magoa, registra o lamentável fallecimento do talentoso Dr. Celso

da Cunha Magalhães, e sentimenta por isso à illustrada redacção do Tempo e à Exm. Família

do finado”. 49

Criado em 1852, a gazeta oficial, política, literária e comercial, assim nomeava-se

o jornal Publicador Maranhense limitou-se às seguintes linhas: “Faleceu ante-hontem,

proveniente de uma febre perniciosa, sendo hontem sepultado, o Dr. Celso da Cunha

Magalhães, que exerceu o cargo de promotor publico da capital, e ultimamente tinha

escriptorio de advocacia nesta cidade. Sentimentamos aos parentes do finado”. 50 Pelas

informações deste jornal, terminara o bacharel seus últimos tempos advogando.

Literato e promotor público, Celso Magalhães constitui uma história de vida que

se observava com freqüência na província: jovem casado, não deixou filhos e subitamente

faleceu. Sua forma de pensar reflete-se nas obras que escreveu. Seu pensamento era o

pensamento dos intelectuais da época (os que seguiam a carreira na faculdade de direto de

Recife).

Celso Magalhães foi um intelectual de atitudes firmes, ao mesmo tempo anti-

escravistas e segregacionistas. Apesar do mórbido preconceito que carregava sua província

natal, não se deixou intimidar pelas circunstâncias, nem se vendera aos influentes e nem se

deixou corromper por eles como já foi dito anteriormente. Colocou seu caráter, suas

aspirações, sua dignidade acima do status.

Assumira uma postura redentora e abolicionista em prol dos escravos, ao discursar

sobre a liberdade, escrever em jornais sobre o assunto e defender a causa do negro perante o

tribunal. No processo da baronesa de Grajaú, a justiça prevaleceu para a classe senhorial

independentemente da culpa atestada ou não do crime cometido. Isso vem confirmar a

influência do poder e dos costumes coloniais sobrepondo-se a quaisquer nuances,

demonstrando tal julgamento, o reflexo de uma sociedade escravagista, decadente e debruçada

48 Ibid. 49 Celso Magalhães. O Tempo, loc. cit. 50 Ibid.

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em suas práticas colonialistas, suas convenções sociais, nos mandos e desmandos dos que têm

posses, prestígio social e que com sua influência podem tudo.

Enfim, Celso Magalhães é um homem bastante lembrado pelas academias atuais,

por seu legado literário e sua atuação pública no Maranhão. Ele é patrono da cadeira nº. 05 da

AML (Academia Maranhense de Letras) e da cadeira nº. 16 da AMLJ (Academia Maranhense

de Letras Jurídicas). Segundo Carlos Lima, pela lei municipal nº. 345, de 14 de janeiro de

1924, uma rua da cidade de São Luís antes conhecida como Rua do Veado, levou seu nome:

Rua Celso Magalhães, localizada entre a Rua da Imprensa (Barão de Itapary) à Avenida Silva

Maia. 51. Sem dúvida, ele deixou sinais impagáveis nas letras maranhenses, na imprensa

escrita e no serviço público como advogado e promotor.

51 LIMA, Carlos de. Caminhos de São Luís: ruas, logradouros e prédios históricos. São Paulo: Siciliano, 2002. p. 170.

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Ilustração 2 – Aluísio Azevedo. In: Aluísio Azevedo: vida e obra (1857-1913), de Jean Yves

Mérian.

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2. ALUÍSIO AZEVEDO

O estudo sobre Aluísio Azevedo é interessante para se entender um pouco da

história do Brasil, sobretudo do Maranhão monárquico. Neste segundo capítulo, tem-se um

breve esboço da vida e obra desse literato, ressaltando os principais aspectos que exprimem

objetivamente o que ele representou para a sociedade da época.

Aluísio Azevedo não foi um aristocrata. Filho de comerciante e uma costureira,

ele não freqüentou faculdade. Despertou cedo o hábito de ler por incentivo dos pais e o talento

para a pintura. No Rio de Janeiro, conquistou fama ao lado de seu irmão Artur Azevedo, seja

produzindo peças teatrais, seja fazendo caricaturas para os jornais da época.

Tornou-se referência no estilo realista, com o lançamento de O Mulato. No

Maranhão, travou embates com o clero principalmente por conta desse romance E seguiram-

se outras obras nessa vertente literária. Quando assumiu as funções de vice-cônsul, sua vida

de escritor mudou completamente. Passou a fazer viagens internacionais, cumprindo os

deveres que o cargo exigia. Depois de algum tempo, morreu na Argentina.

Alguns autores escreveram sobre Aluísio Azevedo e sua produção literária,

destacando: Jean Yves Mérian, em Aluísio Azevedo: vida e obra (1857-1913), que faz um

estudo minucioso dos cinqüenta e seis anos vividos pelo escritor maranhense; Domingos

Barbosa, em A vida de Aluísio Azevedo, fundador da cadeira nº. 2 na AML; Joaquim Vieira da

Luz, em Aluísio Azevedo: discurso pronunciado por Joaquim Vieira da Luz, a 14 de abril de

1921; José Ribeiro de Sá Valle, em Anthologia Maranhense; Raimundo de Menezes, em

Escritores na intimidade; Jacyntho José Lins Brandão, em Presença maranhense na literatura

nacional e Dunshee de Abranches, em O cativeiro, que rememora um detalhe da vida da mãe

de Aluísio Azevedo. E a contribuição de jornais como Pacotilha, Publicador Maranhense, O

Pensador, Suplemento Literário de “A Manhã”, O Imparcial e O Estado do Maranhão.

Diante disso, não é fácil escrever sobre o literato indomável, corajoso e

revolucionário que era Aluísio Azevedo. Isso para dizer, o quanto é extenso e profundo as

informações referentes a ele, sem mencionar as obras do escritor.

Antes, Aluísio Azevedo não era bem-vindo em sua terra natal pela reação ao

realismo, ao positivismo e ao racionalismo impregnados no que escrevia, contrapondo-se aos

costumes da época e ao poder clerical. Em contraposição, foi ovacionado em outros lugares

pelos escritos literários. Agora, ele é motivo de orgulho para os maranhenses, por ser

referência nacional como o foram Gonçalves Dias e João Francisco Lisboa.

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2.1 A vida no Maranhão

Aluísio Tancredo de Azevedo, ou simplesmente Aluísio Azevedo nasceu em 14

de abril de 1857 na cidade de São Luís (Maranhão). Foram seus pais David Gonçalves de

Azevedo e Emília Amália Pinto de Magalhães, ambos portugueses.

Quando os pais de Aluísio Azevedo se conheceram, já haviam tido outro

relacionamento. David Gonçalves de Azevedo tinha “aproximadamente 22 anos quando

chegou ao Brasil”. 52 Era viúvo e não tinha filhos, até constituir uma segunda família, da qual

saiu o ilustre escritor. A profissão que ele exercia era de comerciante, por sinal “muito

estimado e respeitado, não só pela comunidade portuguesa, mas por toda a sociedade

maranhense” 53, pelo papel que havia desempenhado durante a guerra civil da Balaiada,

chefiando as tropas portuguesas. Recebeu o título de vice-cônsul de Portugal em 14 de maio

de 1859. Essa designação que lhe foi conferida só trazia prestígio, porém, não garantia uma

vida luxuosa para si e seus familiares.

Já Emília Amália Pinto de Magalhães foi uma mulher que desafiou os costumes

da época. Ela tinha 15 anos quando veio de Portugal com seus pais Custódio José Pinto de

Magalhães e Maria José Magalhães. Teve uma educação primorosa e um casamento imposto

com Antônio Joaquim Branco, passando a ser chamada de Emília Branco. O casal tinha

muitos problemas que só aumentaram com o nascimento da filha. Emília Branco sofria com a

infidelidade do marido que “tinha como amante uma escrava negra com quem aparecia em

público até mesmo na presença da esposa”. 54

Não suportando mais tal infâmia, Emília Branco fugiu com sua filha, constituindo

tal ato um mau exemplo para as mulheres da sociedade que teriam de conformar-se com o

adultério de seus maridos em silêncio e com resignação. Dignamente, educou e sustentou sua

filha como costureira. Dunshee de Abranches relatou em O cativeiro como e por quem ela foi

acolhida, no caso a família Abranches, depois desse triste infortúnio.

Em certa manhã de maio de 1880, tive assim a felicidade de ser apresentado a D. Emília Branco, amiga dos primeiros anos de minha tia Amância. Tinha esta por ela uma piedosíssima amizade. Conhecera-a no dia mesmo da sua chegada ao Maranhão; e, depois, tendo de acompanhar o seu pai ao exílio, só

52 MÉRIAN, Jean Yves. Aluísio Azevedo: vida e obra (1857-1913). Rio de Janeiro: Tempo e Espaço Banco Sudameris – Brasil; Brasília: INL, 1988. p. 27. 53 Ibid., p. 25. 54 Ibid., p. 30.

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pôde revê-la muito mais tarde. Estava então no apogeu da sua fulgurante formosura. Vivia requestada, perseguida e adulada nas recepções da aristocracia de São Luís. Acompanhou depois com profunda dor as suas desventuras e adversidades dramáticas. E, ao se revoltar contra ela quase toda a sociedade maranhense, não a abandonou com a sua caridosa assistência nesses dias amargurados de sua queda quando alvejava o desprezo de muitos que haviam sido os verdadeiros culpados da sua desgraça. 55

Alguns anos depois, os pais de Aluísio Azevedo resolveram viver juntos. Eles

viveram modestamente, enfrentando barreiras e hostilidades da própria sociedade. Dessa

união, “provieram, além de Aluísio e duas filhas, Artur Nabantino Belo de Azevedo e

Américo Garibaldi Gonçalves de Azevedo”. 56 Segundo Mérian, “seus filhos testemunham

que eles foram um casal exemplar”, 57 educando-os na moral e nos bons valores, mesmo com

poucos recursos.

Sobre a vida estudantil de Aluísio Azevedo, recebeu os primeiros ensinamentos

no convívio familiar. Sua mãe foi a grande incentivadora na leitura. Além disso, “dispunha de

uma boa biblioteca e, sobretudo dos livros do Gabinete Português de Leitura cujo presidente

era o próprio David Gonçalves de Azevedo”. 58Em virtude da dificuldade econômica em que

passava sua família, não teve oportunidade de freqüentar a universidade de Recife ou do Rio

de Janeiro, a exemplo de alguns jovens maranhenses como Celso Magalhães, de famílias

abastadas, que estudavam nesses centros de ensino.

Cursou o ensino primário com os professores Raimundo Joaquim Cezar e José

Antonio Pires. Matriculou-se, depois, em 1870, no colégio Liceu Maranhense onde estudou

até os 13 anos. Lá, o ensino de desenho e pintura ministrados pelo professor italiano

Domingos Tribuzzi despertou-lhe grande interesse, razão pela qual pensou seguir a profissão

de pintor. Percebia-se que ele tinha talento para a arte e era necessário investir nele.

“Infelizmente não tinha meios para ir estudar na Itália, em razão da precária situação

financeira do pai”. 59 Segundo o suplemento literário de A Manhã, ele requereu

insistentemente uma pensão à assembléia maranhense para partir para a dita cidade européia,

a fim de aperfeiçoar seus estudos de pintura, mas isso lhe foi negado. 60

55 ABRANCHES, Dunshee de. O cativeiro. São Luís: ALUMAR, 1992. p. 76. 56 LUZ, Joaquim Vieira da. Aluísio Azevedo: discurso pronunciado por Joaquim Vieira da Luz, a 14 de abril de 1921. São Luís: Edição da Legião dos Atenienses, 1921. p.16. O texto desse autor também consta no jornal O Ateniense, números 6 e 7, de março e abril de 1921. 57 MÉRIAN, op. cit., p. 32. 58 Ibid., p.41. 59 Ibid., p.46. 60 Notícia sobre Aluísio Azevedo. Autores e Livros: suplemento literário de “A manhã”, ABL, v. 2, 5 abr. 1942. p. 167.

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Aluísio Azevedo não foi uma criança tímida ou fechada, sem ter amigos nos

momentos de brincadeira e descontração. “No Maranhão”, um conto autobiográfico que faz

parte do seu livro de contos Demônios (1893) relata um pouco da sua infância. Sem dúvida,

era um menino alegre, cheio de vida, curioso e audacioso para aprender algo. Apreciava o

litoral maranhense e divertia-se, quando menino, em companhia das crianças Luiz e Rosa no

sítio Boa-Vinda, situado à margem do rio Anil, de propriedade dos pais deles Cunha e

Mariana que mantinham boas relações com a família Azevedo, como confirma Sá Valle em

Anthologia Maranhense, onde consta o conto mencionado.

Estes passeios a Boa-Vinda constituíam um dos maiores encantos da minha infância. Criado a beira mar na minha ilha, eu adorava a água; aos doze annos era já valente nadador, sabia governar um escaler ou uma canoa, amainar com destreza a vela num temporal, e meu remo não se deixava bater facilmente pelo remo de pá de qualquer jacumahuba pescador de piabas. Sahiamos quase sempre no segredo da primeira madrugada e chegávamos ao sitio ao repontar do sol. Ah! Que deliciosos passeios! Que bellas manhãs frescas, deslisadas por entre os mangaes, sentindo-se rescender forte o odor salgado das marezias!61

O jovem Aluísio Azevedo teve seu primeiro emprego aos 12 anos como caixeiro

no escritório de um despachante da Alfândega de São Luís, colocado pelo pai. 62Dedicar-se ao

comércio era o caminho para aqueles em que as condições materiais impossibilitavam sonhar

com uma carreira brilhante. Aparentemente, era o caso da família Azevedo. Mas, “a mãe de

Aluísio teria gostado que seus filhos pudessem terminar os estudos secundários”. 63 Em

conseqüência disso, sua formação intelectual ficou interrompida por um tempo.

Até 1875, Aluísio Azevedo permaneceu em sua cidade natal, exercendo os ofícios

de “mestre escola, despachante de alfândega, guarda-livros, desenhista de jornal, cenógrafo,

professor de desenho em casas particulares, jornalista, retratista, e até gerente de hotel” 64. E

também lecionou português no colégio Feillon. Com o apoio da mãe, decidiu transferir-se

para a capital do Império, onde já se encontrava seu irmão Artur Azevedo, a fim de fazer

carreira no mundo das Artes. E é nesse ano, segundo Mérian, que nasceu o interesse em

Aluísio pelo romance. 65

61 Cf. SÁ VALLE, José Ribeiro de. Anthologia Maranhense. São Luís, 1937. p.20. 62 BARBOSA, Domingos. A vida de Aluísio Azevedo. Maranhão: Departamento de Cultura do Estado, 1966. p. 3. 63 MÉRIAN, op. cit., p. 49. 64 MENEZES, Raimundo de. Escritores na intimidade. São Paulo: Livraria Martins, s.d., 1958. p.37. 65 MÉRIAN, op. cit., p. 87.

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2.2 Sua estada no Rio de Janeiro

Em 1876 aos 19 anos, Aluísio Azevedo desembarcou no Rio de Janeiro. Lá,

permaneceu por mais ou menos dois anos. Durante um ano, estudou na Academia Imperial de

Belas Artes, com o pensamento de aperfeiçoar-se em desenho e pintura. Mas, ele freqüentou

essa escola como ouvinte, pois já havia encerrado o período de matrícula. No Maranhão, ele

já demonstrava talento para as artes pictóricas que, sem conhecer ainda regras elementares de

desenho, “pintou – a óleo! – uma truculenta, uma pavorosa cena de barricada, a que não

faltava imaginação, e em que abundavam cores berrantes“. 66

Para isso, exerceu principalmente a atividade de caricaturista “no Fígaro, no

Mequetrefe e na Revista Ilustrada” 67, além de fazer comentários em tom humorístico nas

legendas das caricaturas. Alguns desenhos seus foram publicados em A comédia popular, na

Vida fluminense e no Zig-Zag. O que ele recebia pelos desenhos não era suficiente para

manter-se, vindo a passar por algumas dificuldades; dificuldades essas amenizadas com a

presença e auxílio de seu irmão Artur Azevedo, já estabelecido há dois anos no Rio de

Janeiro.

Artur Azevedo teve uma grande influência sobre Aluísio, tanto no campo do

teatro quanto na leitura. Desde crianças, eles faziam peças teatrais juntos, sendo Aluísio quem

se encarregava da pintura e dos arranjos do cenário. Com o passar do tempo, o irmão de

Aluísio Azevedo acabou por conquistar fama na Corte, como teatrólogo. Isso abriu caminho

para que o jovem Aluísio tivesse espaço naquela sociedade e até conseguir trabalhos nos

jornais.

Assim era o ambiente que Aluísio Azevedo viveu no Rio de Janeiro: modesto,

sem luxo e com pouquíssimos móveis. Segundo Joaquim Luz, no cômodo onde ele morava

havia “uma sala vazia, ao canto uma cama desfeita, uma pequena mêza; do lado oposto, um

vistozo biombo. Eram esses todos os domínios de Aluísio, nesse tempo o intelectual focado, o

romancista da moda, em pleno triunfo fruindo um radiozo êxito”. 68

Em A vida de Aluísio Azevedo, Domingos Barbosa registrou a boa acolhida que

Aluísio Azevedo teve do público fluminense, por ocasião da representação da peça “A filha

de Maria Angú”, de Artur Azevedo.

66 BARBOSA, op. cit., p. 4. 67 Ibid. 68 LUZ, op. cit., p.24.

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Aproveitando a sua “récita de autor” e as estrondosas homenagens que então recebia Artur, chamado várias vezes à cena, travou, em uma delas, da mão de Aluísio, que se achava nos bastidores, levou-o ao palco, e disse à platéia: “Apresento ao generoso público fluminense (naquele tempo ainda não se dizia “carioca”) Aluísio Azevedo, irmão do pai da filha de Maria Angú”. E a platéia ovacionou freneticamente os dois. 69

Entre 1876 e 1877, Aluísio Azevedo colaborou na imprensa do Rio de Janeiro,

fazendo ilustrações com temáticas muito comuns naquele momento: escravidão, monarquia, o

próprio imperador, abolição, república. Ele utilizou-se de alguns pseudônimos, tais como:

Pitribi, Lhinho, Vitor Leal, Gisoflê e Samicúpio dos Lampeões, a fim de não se expor

abertamente como era costume entre aqueles que trabalhavam em jornais e revistas,

denunciando certos problemas da sociedade brasileira.

As caricaturas de Aluísio Azevedo deram-lhe suporte para a produção de textos

literários. Pois, a construção da narrativa e das personagens perpassava pela idealização de

como seriam, pelo desenho e observação de seus movimentos, do aspecto psicológico, enfim,

se eram boas ou más no comportamento e nas atitudes. Era dessa forma que ele escrevia seus

romances. Conforme Jacyntho Brandão:

É sabido como Aluísio costumava, antes de escrever, desenhar suas personagens. E à vista desses retratos é que passava a montar o enredo e os caracteres. A figura, pois, tinha para ele suma importância. E, então, os ideais do Realismo vieram perfeitamente a calhar com suas tendências, já que, baseados nos estudos de Lombroso e dos positivistas, intentavam estabelecer uma correlação entre conformação física e caracterológica. 70

Assim como Celso Magalhães, Aluísio Azevedo era convicto abolicionista,

anticlericalista ardoroso e defensor das idéias positivistas. Através das caricaturas e dos textos

que produzia, ele expressava tais pensamentos. No Rio de Janeiro, em contato com outros

escritores, intelectuais, artistas e homens políticos, especialmente Teixeira Mendes, Lopes

Trovão e José do Patrocínio, “ele aprofundou seu conhecimento da filosofia positivista e

fortaleceu suas convicções abolicionistas e republicanas” 71, já adquirido em São Luís do

Maranhão.

69 BARBOSA, op. cit., p.5. 70 BRANDÃO, Jacyntho José Lins. Presença maranhense na literatura nacional. São Luís: UFMA / SIOGE, 1979. p.49. 71 MÉRIAN, op. cit., p. 96.

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Para os moldes da época, Aluísio Azevedo tomou uma atitude ousada na Corte,

algo novo para o Brasil, bem como para qualquer parte do mundo: a de montar um escritório

exclusivamente para a profissão de escritor, como aponta Jacyntho Brandão. 72 Quem se

dedicava à atividade literária, faltava-lhe incentivos para publicar as obras, a maioria da

população era analfabeta e havia a concorrência das obras portuguesas e francesas.

Dessa forma, pode-se perceber que a necessidade de reconhecimento do

intelectual que publicava obras, escrevia crônicas, romances e folhetins enquanto profissional,

já constituía uma preocupação desde o período imperial no Brasil e um anseio dos homens de

letras que queriam ser reconhecidos e respeitados como tais.

Além de caricaturista, ele desenvolveu também outras atividades no Rio de

Janeiro: “pintou, de colaboração, um pano de boca do theatro Gymnasio, parte do scenario da

Petite mariée do theatro Alcazar, e lecionou em diversos collegios e externatos desenho e

grammatica portuguesa”. 73

Quando Aluísio Azevedo já estava sendo reconhecido pelos trabalhos como

caricaturista pelo público do Rio de Janeiro, recebeu a notícia da morte súbita de seu pai, em 8

de agosto de 1878. Segundo Mérian, ele e seu irmão só tomaram conhecimento do

falecimento dele, 15 dias depois e através da imprensa. 74 Então, decidiu retornar para São

Luís, mesmo não gozando de boa situação financeira, para ajudar sua mãe e seus irmãos a

superar essa grande tristeza.

Voltava ao Maranhão sem emprego e sem apoio, só com a formação intelectual e

a experiência adquirida para alcançar destaque na imprensa ludovicense. Nesse tempo, afirma

Menezes que Aluísio Azevedo “tinha, então, 20 anos: era delgado, elegante, lindo. Vestia-se

bem. E amava e dominava todas as morenas. Nas ruas, nas sociedades, nos bailes, seu

convívio era disputado com interesse pelas suas formosas patrícias”. 75

2.3 Embates com o Clero ludovicense

Aluísio Azevedo, recém-chegado do Rio de Janeiro, encontrou sua cidade São

Luís com o mesmo quadro sócio-econômico característico desde sua partida: produção

72 BRANDÃO, op. cit., p. 52. 73 CARVALHO, Adherbal de. Esboços Literários. Rio de Janeiro: H. Garnier, 1902. p. 107. 74 MÉRIAN, op. cit., p. 140. 75 MENEZES, op. cit., p. 38.

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agrícola instável, mão-de-obra escrava, uma população analfabeta na sua maioria e conflitos

partidários entre famílias. O acontecimento que alterou o marasmo existente na capital da

província foi o assassinato do escravinho Inocêncio e o conseqüente processo criminal

movido pelo promotor público e escritor Celso Magalhães. Outra turbulência foram as

disputas religiosas, que, posteriormente, terminou se envolvendo.

Ingressou como jornalista, inicialmente, no jornal A Flecha em 1879, redigindo

uma seção humorística com o pseudônimo de “Pitribi”. Fundou esse periódico juntamente

com Paulo Duarte, Eduardo Ribeiro, Agripino Azevedo e João Afonso do Nascimento. Nele

faziam críticas a D. Pedro II, aos parlamentares e, especialmente, ao clero católico. Era

também um veículo de propagação das idéias positivistas, na mesma linha dos jornais

Pacotilha e O Pensador.

O jornal Pacotilha, com o subtítulo “Hebdomadário Crítico e Noticioso”, de

cunho propagandista da abolição e da República, foi também fundado em 1880, por Aluísio

Azevedo que redigia resenhas críticas com o pseudônimo de “Lhinho” e Vitor Lobato (filho

de sua irmã do primeiro casamento de D. Emília). Ele demonstrou seu anti-clericalismo, ao

escrever o poema “A Egreja”, em que expressa a máxima naturalista, ao humanizar a

instituição religiosa, dando-lhe características depreciativas.

Eil-a velha, solitária, rabugenta, Rheumatica, infelis, desamparada, Sempre a ralhar, phrenetica, ralada - um pingo cáe não cáe de cada venta; Pelo canto da bocca desdentada Uma baba viscosa e fedurenta Está sempre a escorrer na macilenta E descahida carne da papada. Entanto – áqueles pés, que um’erysipela A linda forma um dia transformara E agora envoltos dormem na flanela, Já muita gente boa suspirara, Já muito olho de lei vio-se em barrela - supplicando de amor a graça rara. 76

Por sua vez, o jornal O Pensador, “de um grupo de moços (e cujo título ficou

sendo a antonomásia pela qual era vulgarmente conhecido Eduardo Pinheiro, que se faria

76 AZEVEDO, Aluísio. A Egreja. Pacotilha, São Luís, 12 dez. 1880. p. 4.

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engenheiro militar e seria governador do Amazonas)” 77, apresentava-se como “Órgão dos

Interesses da Sociedade Moderna” desde 1880. Aluísio Azevedo fazia parte deste jornal como

cronista, assinando seu próprio nome nas crônicas, em vez de pseudônimos e seguindo a linha

de pensamento anticlericalista. A natureza desse periódico se faz expressar no trecho da seção

Nós e o Malho:

Ser pensador é ter abertos ante os olhos todos os horizontes que o espírito humano pode devassar. Ser pensador é procurar por todos os meios fazer rebentar idéias do cérebro humano. Ser pensador é mergulhar no passado, no presente e no futuro em busca das grandes verdades que o Universo guarda ao homem. Ser pensador é ser homem, finalmente, e ser homem é assumir todos os aspectos d’esse ser zoológico bípede que tem por arma – a razão.78

Pelo visto, as idéias positivistas pautadas na racionalidade constituíam a vertente

principal do jornal O Pensador. “A Igreja e a escravatura eram, aos olhos dos progressistas, as

duas instituições responsáveis pela decadência do Maranhão”. 79

Nesse sentido, a Igreja justificava o sistema escravocrata por vários motivos.

Entre eles: acumulou vastas extensões de terras ao longo do tempo, adquiriu muitos escravos,

recebia doações de fazendeiros e senhores de escravos e exercia uma forte influência

ideológica sobre as mulheres, no que diz respeito à manutenção da moral, do casamento e da

educação dos filhos.

Através da imprensa, os jovens positivistas como Aluísio Azevedo e a Igreja

travaram discursos inflamados que só aumentaram com o aparecimento do jornal anticlerical

O Pensador em contraposição ao jornal Civilização, da Igreja Católica.

O jornal Civilização que assim denominava-se “Órgão dos Interesses Católicos”,

surgiu em 14 de agosto de 1880 pelo bispo Dom Antônio Cândido Alvarenga. Tinha o

objetivo central de recuperar a credibilidade que a Igreja estava perdendo junto aos fiéis,

especialmente, os jovens maranhenses. Mas também de reanimar a fé e combater aqueles que

questionavam o papel da Igreja na sociedade.

As tensões entre os jornais Civilização e O Pensador tiveram seu ponto máximo,

quando Aluísio Azevedo publicou o romance O Mulato em 9 de abril de 1881. Um romance

naturalista e anticlerical que revelava aspectos pertinentes da sociedade maranhense:

preconceito racial, um clero corrompido, desigualdade social, comerciantes gananciosos e

77 BARBOSA, loc. cit. 78 Nós e o Malho. O Pensador, São Luís, 10 out. 1880. p.4. 79 MÉRIAN, op. cit., p. 155.

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empregados corruptos, passando tal obra a ser uma acusação do estado caótico da província.

Era um livro polêmico que atraía o público curioso para ter acesso a seu conteúdo.

A Civilização apenas disse isso do Mulato e tanto bastou para que desse livro de escândalo, que não respeitava a religião, se vendessem dois milheiros, dentro dum curto período. É que a província já se manifestava curiosa, como somos hoje, como foram e serão, em todas as épocas, os povos, especialmente dos livros tidos por maus. Com o Mulato, repetiu se o caso daquela anedota: - Não olheis para ali, que ficareis cegos... – Eu arrisco um... Muita gente, naquele tempo, só leu o Mulato, para se certificar se realmente Aluísio teve a coragem de escrever o que se espalhava a boca pequena do povo. 80

O livro era vendido na redação do jornal O Pensador, como destacavam os

principais jornais de São Luís: Paiz, Diário do Maranhão e Publicador Maranhense. Em

letras graúdas, dizia assim o jornal Publicador Maranhense, de propriedade de Ignacio José

Ferreira, na seção de anúncios: “Grande successo do dia! O Mulato. Romance maranhense de

Aluísio Azevedo. Vende-se na redacção do Pensador. Preço – 3$000 réis”. 81

Mas também o anúncio do dito romance saiu no próprio jornal O Pensador, na

seção “Echos da Rua”: “Sahio hontem O Mulato do nosso festejado chronista Aluízio

Azevedo – Quem quiser conhecer o cônego Diogo, aquelle tratante que tanto se parece com

João Gadelhudo, agora é ocasião. Vende-se no nosso escriptorio á Rua da Palma”. 82

Esse romance O Mulato foi calorosamente acolhido pela imprensa do Rio de

Janeiro e de outras províncias. Entretanto, em sua terra natal não teve a mesma receptividade,

por ser de denúncia social e ir de encontro à Igreja Católica. O jornal Civilização, através do

jornalista e professor de filosofia do Liceu Maranhense, o padre Raimundo Alves da Fonseca

(o mesmo que digladiou ideologicamente com Celso Magalhães), fez duras críticas sobre a

obra em questão e seu autor (referindo-se a Aluísio Azevedo pelo nome de “Zote”), que foram

registradas na seção “Chronica” de O Pensador.

O Mulato é um trabalhosinho alambicado servil imitação estrangeira; é um monte de retalhos de vários auctores; o mais é do Zote (...). Segundo o descabelado espírito aphrodisaco, que audazmente levanta o focinho em todo o romance, cremos que o Zote não tem a mais fraca idea dos novos intuitos e processos da escola realista. Para que o Zote nos desse a medida exacta do seu realismo, devia abandonar essa vidinha peralvilha, de pó de arroz e escrevinhadelas tolas contra a vida alheia: vá para a foice e o machado. Elle que tanto ama a natureza, que não crê na metaphisica nem na Religião, que

80 LUZ, op. cit., p. 21-22. 81 Annuncios. Publicador Maranhense, São Luís, 10 abr. 1881. p.3. 82 Echos da Rua. O Pensador, São Luís, 10 abr. 1881. p.3.

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só tem enthusiasmo pelos bifes, banhos, pela saúde do corpo, n’uma palavra: pelo real sensível ou material, devia abandonar essa vidinha de vadio e ir cultivar as nossas uberrimas terras.83

Certamente, Aluísio Azevedo não se intimidou com tais palavras proferidas por

um representante do clero, recomendando-lhe que dedicasse o tempo para a lavoura, ao invés

das letras. Seguiram-se insultos, provocações e discursos exaltados na imprensa, campanhas

panfletárias, caricaturas, sermões e toda sorte de meios de combate para clericais e

anticlericais, marcando a história de São Luís em fins do século XIX.

2.4 Produção Literária

A produção literária de Aluísio Azevedo é bem diversificada quanto ao estilo,

reflexo de uma época e da sociedade da qual fez parte seu autor. Sua vocação para as letras é

incontestável. Leu muito, conquistando fama pela excentricidade e jeito próprio de exprimir a

realidade, através dos escritos publicados em jornais e revistas.

O romantismo presente em algumas de suas obras deveu-se a uma fase que, para

sobreviver da escrita, seguiu o modismo da época de fazer romances-folhetins, os quais

terminavam ora em tragédia ora em um final feliz, atraindo boa parte do público leitor. Até

então, a sua cultura literária baseava-se nos autores românticos, Chateubriand, Ponson du

Terrail, Almeida Garrett, Júlio Diniz, Camilo Castelo Branco, etc.

Na então Corte elle foi produzindo constantemente ora artigos ligeiros, contos, folhetins etc., ora comedias e dramas de pequena monta, e publicando nos jornais diários de grande circulação, romances escriptos sobre a perna (...) mais para satisfazer o interesse das folhas que lhe pagavam miseravelmente, (quando elle não o fazia de graça), do que para ser agradável aos numerosos leitores de rodapés, e dando a luz, outrossim, bellos trabalhos de experimentalismo litterario, em nada inferiores a muitos dos mestres francezes. 84

Com a leitura dos livros de Eça de Queiroz e dos naturalistas franceses e russos,

especialmente Émile Zola, e a aplicação das regras do estilo realista sem muitas inovações, o

literato maranhense tornou-se referência nacional. A nova tendência literária que surgia

apresentava as seguintes características: anti-romantismo, antimonarquismo, objetividade, 83 Chronica. O Pensador, São Luís, 30 jul. 1881. p.4. 84 CARVALHO, op. cit., p. 113-114.

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racionalismo científico, materialismo, positivismo, encarava com o presente todo e qualquer

conflito do homem com seu ambiente e denúncia da realidade social.

O escritor maranhense fez literatura por mais ou menos 26 anos, produzindo

livros, peças de teatro, contos e crônicas para jornais. Com base em Autores e Livros –

Suplemento Literário de A Manhã, a bibliografia de Aluísio Azevedo está dividida em três

estilos literários: romance, conto e teatro.

� Romance

- 1880 – Uma lágrima de mulher (H. Garnier, Rio de Janeiro);

- 1881 – O Mulato (Tip. do jornal País, Maranhão);

- 1882 – O Mistério da Tijuca ou Girândola de Amores (saiu primeiramente na

Folha Nova, H. Garnier, Rio de Janeiro); Memórias de um condenado, folhetins da

Gazetinha (terceira edição com o título de Condessa Vésper, H. Garnier, Rio de

Janeiro, 1902);

- 1884 – Casa de Pensão (Tip. Militar de Santos e Cia.); Filomena Borges (Gazeta

de Notícias);

- 1887 – O Homem (Tip. de A. de Castro Silva);

- 1890 – O Coruja; O Cortiço (ambos, H. Garnier, Rio de Janeiro);

- 1894 – A mortalha de Alzira (apareceu primeiramente na Gazeta de Notícias,

assinado com o pseudônimo de Victor Leal, Fauchon e Cia.);

- 1895 – Livro de uma sogra (Tip. de Domingos Magalhães);

- Indefinição Cronológica – A filha de S. Excia.

� Conto

- 1893 – Demônios (S. Paulo Teixeira e Irmão);

- 1898 – Pegadas (H. Garnier, Rio de Janeiro).

� Teatro

- 1879 – Os Doudos (comédia em três atos, em colaboração com Artur Azevedo

em verso; alguns fragmentos segundo Velho da Silva, saíram na Revista dos

Teatros, em 1º de julho do mesmo ano);

- 1882 – Casa de Orates (colaboração com Artur Azevedo, comédia no Teatro

Sant’Ana); Galeria Teatral, A flor de Liz (ópera acomodada à cena brasileira por

Artur e Aluísio Azevedo; música de Leão Vasseur, Domingos de Magalhães,

editor);

- 1884 – Filomena Borges (comédia em um ato, representado no Teatro Príncipe

Imperial); O Mulato (drama em três atos, representado no Recreio Dramático);

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- 1885 – Venenos que curam (comédia em quatro atos, em colaboração com

Eugenio Rouède, representada no Teatro Lucinda);

- 1887 – O sonhadores, Macaquinhos no sótão (comédia em três atos,

representada no Teatro Santana);

- 1889 – Fritzmack (colaboração de Artur Azevedo, revista fluminense de 1888,

em prosa e verso, um prólogo, três atos e 17 quadros, música de Leocadio Rayol;

Luiz Braga Junior, editor);

- 1890 – A Republica (revista de ano com Artur Azevedo, representada no mesmo

teatro);

- 1891 – Um caso de adultério (drama em três atos, com Emilio Rouede,

representada no Teatro Lucinda);

- 1893 – Demônios (S. Paulo Teixeira e Irmão);

- 1901 – Em flagrante (comédia em um ato, com Emilio Rouede, representada no

Teatro Lucinda);

- 1905 – Fluxo e refluxo (facécia em três atos no Almanaque Garnier);

- Indefinição Cronológica – “Pegadas” (H. Garnier, Rio de Janeiro); A Mulher

(drama fantástico); As Minas de Salomão (fantasia em cinco atos); O Inferno

(fantasia em três atos, colaboração de Emilio Rouède).

Mas em Panorama da Literatura Maranhense, Mário Meireles acrescentou outras

obras no currículo literário do literato maranhense: 1885 - Mattos, Malta ou Matta?; 1886 -O

Caboclo - drama traduzido de Emilio Rouède; 1890 - Paula Matos – romance; 1891 - O

Esqueleto, Mistérios da Casa de Bragança, O mulato – drama, Em flagrante delito - comédia

traduzida de Emilio Rouède; 1896 - O Crime da Rua Fresca – romance; 1898 -Pegadas –

conto; 1910 - O touro negro e Cartas – crônicas; indefinição cronológica: Daí Nippon -

poesia; e Japonesas e Norte Americanas.

Considerando o tempo em que esteve trabalhando como cônsul do Brasil em

outros países, Aluísio Azevedo paulatinamente deixou de produzir literatura, à medida que foi

se intensificando o itinerário de diplomata.

O teatro ficou em segundo plano na vida de Aluísio Azevedo. Ele adquiriu sua

formação teatral na prática e em parceria com Artur Azevedo. Na perspectiva realista,

desejava abrir um teatro ou montar peças em São Luís do Maranhão. Um projeto malogrado

que ele apostava como forma de instruir e despertar o senso crítico na população maranhense.

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Segundo Mérian, ele “tinha três preocupações: favorecer o surgimento de atores maranhenses,

educar o público, promover o teatro realista”. 85

A transição do Romantismo para o Realismo é bem evidenciada com a publicação

de seus dois primeiros romances, Uma lágrima de mulher, escrito em 1879 e lançado em

1880 e O Mulato, publicado em 1881. Além deste, Casa de Pensão, O Homem, O Coruja, O

Cortiço e Livro de uma sogra representam juntos a fase realista do escritor.

Sem dúvida, a obra-prima de Aluísio Azevedo que lhe proporcionou destaque

nacional foi O Mulato. Nele se exprime o interesse pelas camadas mais baixas,

especificamente, o mulato e sua posição dentro da sociedade. “O Mulato, algo carregado em

tintas, quando trata do cônego Diogo, dadas as idéias do seu autor, perseguido na campanha

da Civilização, é verdadeiramente um livro esplêndido, para um escritor de 23 anos”. 86

De acordo com Raimundo de Menezes, antes de escrever esse romance, Aluísio

Azevedo havia narrado para dois amigos de infância: Fernando Perdigão e Virgilio

Cantanhede. Ao primeiro, contou a história do mulato quando passeavam em direção ao

Cutim; ao segundo, em Alcântara, na ocasião da festa do Divino Espírito Santo. 87

Tal romance denuncia o preconceito racial, seu ponto central, na província do

Maranhão, mas também mostra, através da interação das personagens, aspectos pertinentes

daquele ambiente social: escravidão, corrupção do clero, casamento, papel da mulher, etc.

O livro é, pois, um marco na evolução do romance brasileiro, abrindo um novo

período. Com ele fixa-se nas letras brasileiras a preocupação com a realidade objetiva, a

pintura documental da vida, a representação do cotidiano, o determinismo no desenvolver dos

acontecimentos e na caracterização dos temperamentos.

2.5 Carreira Consular

De 1896 a 1913, Aluísio Azevedo exerceu a carreira consular. Viajou pela

Europa, Ásia e América. Por esse tempo, entre satisfações e desilusões, dedicou-se muito

mais aos compromissos do cargo de cônsul do que a profissão de escritor. Não que a essa

altura estivesse avesso às letras.

85 MÉRIAN, op. cit., p. 174. 86 LUZ, op. cit., p. 34. 87 MENEZES, loc. cit.

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Na verdade, ele “aspirava a uma função burocrática, a uma profissão alimentícia

que o libertasse da necessidade de escrever dia a dia”. 88 O trabalho de escritor não lhe

propiciava uma vida estável e equilibrada. Além de sua profissão ser marginalizada, ele estava

sujeito ao sucesso ou fracasso da literatura que produzia.

Em 1895, Aluísio Azevedo prestou concurso para cônsul de carreira na Secretaria

do Exterior, conseguindo plena vitória. Para tanto, “teve que estudar matérias que teria

cursado se tivesse completado os estudos secundários e ingressado na universidade” 89, já que

teve de interromper o aprendizado pela má situação financeira de sua família, contentando-se,

por algum tempo, com a atividade comercial.

A carreira de cônsul deu-lhe a oportunidade de conhecer vários lugares do mundo,

especialmente o continente europeu que tanto sonhara. Além disso, a chance de publicar

textos literários e reeditar romances, a exemplo do romancista e cônsul português Eça de

Queirós que, “nas várias cidades por onde havia passado, continuava a publicar romance e

colaborava nos jornais e revistas de Portugal e do Brasil”. 90

Se bem que durante os 16 anos no consulado, Aluísio Azevedo produziu pouca

literatura, em virtude das novas condições de vida da carreira de diplomata. Ele passou pelos

consulados de Vigo, Yokohama, La Plata, Salto Oriental, Cardiff, Nápoles, Assunção e

Buenos Aires, nessa ordem, com algumas viagens curtas pelo Rio de Janeiro.

Em Vigo (Espanha), Aluísio Azevedo permaneceu durante dois anos como vice-

cônsul, a partir de 22 de março de 1896. Ocupou seu tempo essencialmente na resolução de

problemas de emigração para a América, sobretudo, no envio de colonos para o Brasil,

atraídos pelo progresso da Amazônia com a crescente produção de borracha.

Em Yokohama (Japão), Aluísio Azevedo foi nomeado vice-cônsul do Brasil em

17 de abril de 1897. Ele deparou-se com o Extremo-Oriente, um novo mundo que o fascinou.

“O romancista integrou-se o mais que pôde na sociedade japonesa, adotando os costumes do

país, o quimono e a culinária japonesa”. 91Na estada de dois anos, ele preocupou-se mais em

produzir algo sobre o Japão, os japoneses em seus aspectos mais íntimos, do que com sua

função diplomática. Segundo Domingos Barbosa, ele guardara uma agradável lembrança da

terra do sol nascente.

88 MÉRIAN, op. cit., p. 595. 89 Ibid., p.51. 90 Ibid., p.596. 91 Ibid., p.609.

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Em cujo retrato a aquarela, pintado em seda, e que não saía de cima de sua banca de trabalho, se viam um “kimono” bordado de crisântemos, e uns doces olhos amendoados. Recordação de uma suave figura japonesa, a quem se ligou em Yokohama, e que não o quis acompanhar mundo afora, no desejo de não deixar só os pais, velhinhos e encarquilhados, para os quais eram indispensáveis o seu sorriso de “geisha” e a sua meiguice de “mussmé”. 92

Em La Plata (Argentina), Aluísio Azevedo foi nomeado cônsul em 1º de janeiro

de 1900. “Sem nenhum salário, seus rendimentos estavam condicionados ao volume das taxas

e impostos diversos percebidos pelo consulado pelas transações comerciais entre o Brasil e a

Argentina que se efetuassem através do porto de La Plata”. 93 Contudo, o comércio entre os

países era prejudicado quando chegavam aos argentinos, notícias sobre ocorrência de

epidemia, real ou suposta, de febre amarela no território brasileiro. Consequentemente, ele

passou algumas dificuldades financeiras para manter-se na cidade argentina.

Numa correspondência de 3 de dezembro endereçada a Lúcio de Mendonça, que

fizera parte da comitiva do presidente brasileiro Campos Salles de visita à Argentina, Aluísio

Azevedo relatou em um trecho da carta a vida difícil na cidade de La Plata, solicitando a

transferência imediata para outro consulado, o do Porto ou de Salto Oriental.

Ouve, meu Lucio, e dirás depois qual de nós dois é o urso malcriado: O nosso amigo Cyro de Azevedo, impressionado com a minha posição aqui, deseja a muito tempo melhorá-la, e agora, sabendo ele que vão vagar infalivelmente dos consulados simples, mais efetivos e de vencimentos fixos, um no Porto e o outro em Salto, escreveu logo ao meu ministro, dr. Olinto de Magalhães, pedindo-lhe que me nomeasse para uma dessas duas vagas, dando preferência à do Porto, porque isso, segundo a optimista opinião do solicitador, traria a vantagem de poder eu imprimir lá o meu livro já pronto sobre o Japão. (...) Se conseguires a minha nomeação para o Porto, ou para o Salto, farme-ás o melhor a que hoje tenho aspirado em minha vida. (...) - Acode-me! – Teu Aluízio Azevedo. 94

Em Salto Oriental (Argentina), Aluísio Azevedo ficou apenas seis meses,

assumindo o consulado desta cidade em 16 de junho de 1903. Nesse meio tempo, resolveu

problemas de terras, bem como interviu nos casos de roubo ou crimes de homicídios

envolvendo brasileiros. De lá, dirigiu-se ao Rio de Janeiro (Brasil) onde passou uma curta

temporada.

92 BARBOSA, op. cit., p. 12. 93 MÉRIAN, op. cit., p. 610. 94 Notícia sobre Aluísio Azevedo. Autores e Livros: suplemento literário de “A manhã”, op.cit., p. 170.

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Em 1904, Aluísio Azevedo encontrou um Rio de Janeiro bem diferente de quando

havia partido para o Maranhão, tanto na geografia como nas relações sociais. Visitou seu

irmão Artur Azevedo e seus amigos da boemia. No início de março do mesmo ano, deixou a

capital brasileira para assumir seu posto em Cardiff em 1º de abril.

Em Cardiff (Inglaterra), Aluísio Azevedo ocupou o cargo de cônsul durante três

anos. Aprendeu a língua inglesa para bem exercer suas funções. Observando a cidade que se

instalara, ele fez duras críticas às mulheres inglesas “sobre a ausência de feminilidade, sua

falta de elegância, seu ar estúpido e sua falta de educação”. 95 De vez em quando, viajava para

Paris, sua cidade preferida. Deixou esse consulado para assumir o de Nápoles em 13 de março

de 1907.

Em Nápoles (Itália), Aluísio Azevedo recordou que anos anteriores desejava

conhecer o país pelo interesse que tinha em estudar pintura. Ao contrário da cidade de Cardiff,

ele adaptou-se bem ao ambiente “que correspondia ao seu temperamento e a seus hábitos de

latino”. 96 Durante sua estada na cidade italiana, continuava a manter contato com Brasil, no

que diz respeito à ABL (Academia Brasileira de Letras) e a vida literária. Após visitar

algumas cidades turísticas européias, embarcou definitivamente para a América do Sul.

Nem os vários lugares que visitou no estrangeiro lhe deram tanta inspiração como

o Brasil para produzir suas obras literárias. Segundo Joaquim Luz, “as paisagens alheias não

ofereciam ao magnífico romancista-pintor o que aqui tanto o impressionava. Foi um

verdadeiro nacionalista, no seu realismo másculo!”. 97

Retornou ao Rio de Janeiro em 1910 a fim de tratar dos seus direitos autorais

vendidos por Graça Aranha a Garnier. Nessa época, Artur Azevedo e seus amigos mais

íntimos já tinham morrido, tais como: José do Patrocínio e Machado de Assis. Em 14 de

dezembro, ele redigiu seu testamento, “cujos principais beneficiários eram a governanta

Pastora Luquez e seus dois filhos Pastor e Zulema, que conviviam com o escritor desde a

época em que fora cônsul em La Plata”. 98

Em 30 de dezembro, Aluísio Azevedo foi promovido a cônsul para Assunção

(Paraguai). Por mais ou menos um ano, exerceu o cargo nessa cidade com dificuldades

materiais que o impediram de retomar seu trabalho de escritor. Ele foi transferido a contento

para Buenos Aires, agora como adido comercial do Brasil para as repúblicas da Argentina, do

Paraguai, do Uruguai e do Chile, em 30 de setembro de 1911.

95 MÉRIAN, op. cit., p.615. 96 Ibid., p.619. 97 LUZ, op. cit., p. 30. 98 MÉRIAN, op. cit., p.621.

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Buenos Aires não era, no espírito de Aluísio, uma cidade de passagem; ele instalou-se para o que esperava que fosse uma longa estada; ele até resolveu formar uma verdadeira família. Solteiro era, solteiro ficou, mas deu início às providências necessárias para adotar o filho de sua governanta, Pastor, então com 17 anos. (...) Durante os dez anos de vida em comum, Aluísio sempre tivera uma grande afeição pelos filhos de Doña Pastora e tinha com eles um relacionamento de pai. 99

Aluísio Azevedo não queria o casamento. Só tinha a intenção de adotar um filho

que não se concretizou, devido aos trâmites da legislação argentina e da ausência de

representação brasileira no consulado de Buenos Aires que retardaram o processo de adoção.

Esperava na Argentina passar um bom tempo. Contudo, em agosto de 1912, sofreu um grave

acidente. Ele foi atropelado por um carro que lhe deixou seqüelas.

Em 21 de janeiro de 1913 na cidade de Buenos Aires, Aluísio Azevedo faleceu de

uma crise cardíaca como conseqüência dos traumatismos sofridos durante o atropelamento.

Três anos depois, o governo brasileiro, por intermediação de alguns escritores como Coelho

Neto e Olavo Bilac, solicitou a remoção dos restos mortais do literato para São Luís do

Maranhão.

Em comemoração ao sesquicentenário de Aluísio Azevedo, o jornal O Imparcial

publicou um artigo sobre a vida e obra do literato maranhense. Esse jornal ressaltou a

importância do romancista como “um homem que cultivava as letras, como expressão do

inconformismo da forma como se comportava, e ainda se comporta a sociedade brasileira”. 100

Por sua vez, o jornal O Estado do Maranhão rememorou a repercussão do

romance O Mulato, em 1889 no prefácio de terceira edição, do sucesso que teve em todo o

país, com exceção no Maranhão. A indiferença de sua terra natal se devia não ao valor

literário do romance, “e sim contra o anticlericalismo evidenciado na obra pelo recorte

impiedoso do vilão, o cônego Diogo e a hipocrisia das sinhás que torturavam os escravos e

depois iam comungar às missas”. 101

Na ABL102 (Academia Brasileira de Letras), Aluísio Azevedo foi um dos sócios-

fundadores e primeiro ocupante da cadeira nº. 4, pertencente a Basílio da Gama, poeta

brasileiro do Arcadismo. Na AML103 (Academia Maranhense de Letras), ele é patrono da

cadeira nº. 2, cujo fundador é Domingos Quadros Barboza Álvares.

99 Ibid., p.623. 100 Reverências a Aluísio de Azevedo. O Imparcial, São Luís, 29 out. 2007, p.4. 101 Aluísio Azevedo e “O mulato”. O Estado do Maranhão, São Luís, 10 jun. 2007, p.5. 102 MEIRELES, Mário M. Panorama da literatura maranhense. São Luís: Imprensa Oficial, 1955. p. 141. 103 ACADEMIA MARANHENSE DE LETRAS, op. cit., p.15.

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A rua que leva o nome do escritor é mais conhecida como “Rua das Flores, tem

início na Rua do Alecrim (Euclides Faria) e acaba na Rua Grande (Oswaldo Cruz)”. 104 Mas,

homenagear o autor de O Mulato dessa maneira pode ser considerado pouco diante da

importância que teve para Brasil, como precursor de um estilo literário e do legado artístico

até hoje revisitado. Conhecer esse escritor, seja buscando autores que escreveram sobre sua

vida como lendo suas obras, é uma forma de reconstruir um pedaço da história do Maranhão e

do Brasil em fins do século XIX.

104 LIMA, op. cit., p. 130.

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3. O MESTIÇO NA REPRESENTAÇÃO DE CELSO MAGALHÃES EM OS

CALHAMBOLAS E ALUÍSIO AZEVEDO EM O MULATO

Os Calhambolas e O Mulato foram obras literárias que refletiram na história do

Maranhão oitocentista. Elas repercutiram na época de suas publicações e seus autores Celso

Magalhães e Aluísio Azevedo ganharam destaque nacional. Neste terceiro capítulo, tais

produções serão objeto de análise literária, particularmente, da representação que os literatos

fazem do mestiço.

Para isso, far-se-á um breve esboço sobre o mestiço enquanto segmento social

durante o Império e dos critérios de cidadania estabelecidos pelo governo monárquico que

alicerçavam a hierarquia social. Depois, a influência das teorias raciais no Brasil e no

Maranhão, apresentando suas principais idéias, além disso, temas como: raça, identidade

nacional, escravidão e abolição serão mencionados no decorrer deste capítulo.

Em seguida, a análise literária de Os Calhambolas e O Mulato, considerando o

contexto histórico, a partir de 1870. Tais obras coincidiram com a inserção das idéias

européias. Segundo Damatta, “o marco histórico das doutrinas raciais brasileiras é o período

que antecede a Proclamação da República e a Abolição da Escravatura, momento de crise

nacional profunda, quando se abalam as hierarquias sociais”. 105

Depois de tudo é importante se fazer algumas considerações sobre história e

literatura, visto que a corrente historiográfica que norteia a temática é a história cultural, com

o conceito de representação de Roger Chartier. Segundo Ronaldo Vainfas, “o social só faz

sentido nas práticas culturais e as classes e grupos só adquirem alguma identidade nas

configurações intelectuais que constroem, nos símbolos de uma realidade contraditória

representada”. 106

O dilema de que haveria uma aproximação ou uma separação entre história e

literatura teve grande expressividade no século XIX, momento em que o estatuto de ciência

era perseguido por diversas áreas do conhecimento. Como período marcado pelo

materialismo, pela busca de retratar o real com mais veemência, ciência e arte se separam e,

desta forma, história e literatura se tornaram campos distintos: a primeira, pretendendo a

representação do real e a segunda, o verossímil.

105 DAMATTA, Roberto. Relativizando: Uma introdução à Antropologia Social. Rio de Janeiro: Zahar, 1987. p. 69. 106 CARDOSO, Ciro F. & VAINFAS, Ronaldo (org). Domínios da História: ensaios da teoria e metodologia. Rio de Janeiro, 1997. p. 155.

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As semelhanças entre as duas áreas do conhecimento superam as diferenças. O

diálogo é permanente e dinâmico, visto que para Dosse, “Clio e história literária caminham

num mesmo ritmo em seus avanços e recuos”. 107 Toda forma de conhecimento contém

elementos de imaginação e ficção. A partir desse pressuposto, não haveria distinção entre

história e literatura, tornando-se possível se fazer história, através da literatura produzida.

Segundo Hayden White, “(...) tem havido uma relutância em considerar as narrativas

históricas como o que elas mais manifestamente são: ficções verbais, cujos conteúdos são tão

inventados como descobertos, e cujas formas têm mais em comum com suas contrapartidas na

literatura do que na ciência”. 108

A relação entre história e literatura abstraídas de Hayden White e François Dosse

contribui no estabelecimento de um profícuo diálogo, já que ambas tiveram uma importância

crucial na propagação dos ideais deterministas e evolucionistas, fazendo-se conhecer os

discursos e as interpretações dos intelectuais sobre a realidade brasileira.

3.1 O Mestiço

A palavra “mestiço” vem do latim mixticius, que significa misturar, nascido de

pais de raças diferentes. 109 Nesse sentido, o processo de miscigenação de etnias diferentes, da

qual resultou o elemento mestiço, se deu de forma natural desde o período colonial. Primeiro,

o contato entre índios e portugueses; depois, a chegada dos negros, trazidos da África. Todos

interagindo entre si, seja de forma de violenta ou estabelecendo uma supremacia de um povo

sobre os demais, trocaram experiências culturais que podem ser vistas nos dias atuais. Como

exemplo disso, a feijoada dos escravos, a dança portuguesa e o costume indígena de dormir

em rede.

O encontro de três povos, a princípio: índio, africano e português, inspirou

diversas produções nas áreas de conhecimento, como: Antropologia, Sociologia, Medicina,

História, Língua Portuguesa e Literatura, que discutiam, dentre outros temas: nação,

mestiçagem e cidadania brasileira. Particularmente, no caso da literatura oitocentista, tem-se:

107 DOSSE, François. A história à prova do tempo: da história em migalhas ao resgate do sentido. São Paulo: UNESP, 2001. p. 268. 108 WHITE, Hayden. Trópicos do discurso: ensaios e crítica da cultura; tradução de Alípio Correia de franca Neto. São Paulo: Editora da USP, 1994. p.98. 109 CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário Etimológico Nova Fronteira Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982. p.516.

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Iracema, de José de Alencar, A moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo, A escrava Isaura,

de Bernardo Guimarães, O bom crioulo, de Adolfo Caminha, etc.

No século XIX, o mestiço era mais uma categoria social excluída da sociedade

brasileira. Praticamente, ele não tinha direito a participar das decisões políticas, bem como de

votar, de usufruir da riqueza produzida no país e de exercer cargos públicos, ocupados

predominantemente por portugueses. “Do ponto de vista racial, os mulatos perfaziam cerca de

42% da população, os brancos 38% e os negros 20%”110, de acordo com o recenseamento

nacional de 1872.

Segundo dados do IBGE111, a província do Maranhão, também em 1872,

apresentava um contingente populacional estimado em aproximadamente 360.640 habitantes.

Destes, 103.513 brancos, 255.527 pretos e pardos e 1600 de cor não declarada. Quanto à

instrução, 68.643 sabiam ler e escrever, 290.397 eram analfabetos e o restante de instrução

não declarada. Comparando os números de habitantes pretos e pardos com os números de

analfabetos, pode-se afirmar que a população não letrada correspondia aos negros e mestiços.

Os critérios de cidadania eram estabelecidos por uma minoria branca que detinha

o poder estatal. Tais critérios definiam que o termo “cidadão brasileiro” se atribuía a todos os

portugueses nascidos no Brasil ou não, a partir de 1822. Contudo, “escravos e índios, no novo

pacto, estavam fora da categoria cidadãos, com a ressalva de que poderiam ser posteriormente

integrados, especialmente os segundos, depois de civilizados”. 112 Essas restrições de acesso à

cidadania, elaboradas pelos grupos de mando, foram mecanismos de exclusão social que

suscitaram conflitos com o passar do tempo, especialmente, por parte de negros e mestiços,

que constituíam a maioria no país.

Nesse momento, os mestiços procuraram lutar contra a concentração de

privilégios nas mãos dos brancos. Eles tinham como principal ideal eliminar as restrições que

afastavam as pessoas de cor dos cargos administrativos. Mais ainda: “abolir as diferenças de

cor branca, preta e parda, oferecer iguais oportunidades a todos sem nenhuma restrição”. 113

Sobre o mestiço, alguns aspectos são pertinentes para se compreender situações

herdadas dessa época ainda presentes no cotidiano brasileiro, a citar: preconceito de cor e

110 FAUSTO, Boris. História Concisa do Brasil. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2006. p. 134. 111 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Recenseamento Geral do Brasil: Estado do Maranhão, 1 jul. 1872 . 112 SLEMIAN, Andréa. O nascimento político do Brasil: as origens do Brasil e da nação (1808-1825). Rio de Janeiro: DP&A, 2003. p. 104. 113 COSTA, Emilia Viotti da. Da monarquia à república: momentos decisivos. São Paulo: UNESP, 1999. p. 34.

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racismo. Qual a relação das novas ideologias que surgem no século XIX com o mestiço? Que

representação fazem os literatos Celso Magalhães e Aluísio Azevedo do mestiço em suas

obras, respectivamente, Os Calhambolas e O Mulato?

3.2 Influência das Teorias Raciais no Brasil e no Maranhão

As teorias raciais do século XIX acentuaram as diferenças que já existiam na

sociedade brasileira. Com os critérios de cidadania estabelecidos, tais idéias justificaram o

domínio político-social dos portugueses, seja na língua portuguesa, no sistema educacional,

na religião católica e nos costumes, bem como contribuíram na formação de uma identidade

nacional, tomando como modelo a cultura européia.

Nesse sentido, “as identidades nacionais não são coisas com as quais nós

nascemos, mas são formadas e transformadas no interior da representação”. 114 A

problemática da identidade nacional, na qual o mestiço também é objeto de discussão, se

reflete no Brasil miscigenado dos dias atuais, pois os brasileiros ainda têm sua identidade por

descobrir. No recenseamento de 1980, os não brancos brasileiros assim responderam sobre

sua cor aos pesquisadores do IBGE:

Acastanhada, agalegada, alva, alva-escura, alvarenta, alva-rosada, alvinha, amarelada, amarela-queimada, amarelosa, amorenada, avermelhada, azul, azul-marinho, baiano, bem branca, bem clara, bem morena, branca, branca avermelhada, branca melada, branca morena, branca pálida, branca sardenta, branca suja, branquiça, branquinha, bronze, bronzeada, bugrezinha, escura, burro-quando-foge, cabocla, cabo verde, café, café-com-leite, canela, canelada, cardão, castanha, castanha clara, cobre corada, cor de café, cor de canela, cor de cuia, cor de leite, cor de ouro, cor de rosa, cor firme, crioula, encerada, enxofrada, esbranquicento, escurinha, fogoió, galega, galegada, jambo, laranja, lilás, loira, loira clara, loura, lourinha, malaia, marinheira, marrom, meio amarela, meio branca, meio morena, meio preta, melada, mestiça, miscigenação, mista, morena bem chegada, morena bronzeada, morena canelada, morena castanha, morena clara, morena cor de canela, morenada, morena escura, morena fechada, morenão, morena prata, morena roxa, morena ruiva, morena trigueira, moreninha, mulata, mulatinha, negra, negrota, pálida, paraíba, parda, parda clara, polaca, pouco clara, queimada, queimada de praia, queimada de sol, regular, retinha, rosa, rosada, rosa queimada, roxa, ruiva, russo, sapecada, sarará, saraúba, tostada, trigo, trigueira, turva, verde, vermelha, além de outros que não declararam a cor.115

114 HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2005. p. 48. 115 MOURA, Clóvis. Sociologia do negro brasileiro. São Paulo: Ática, 1988. p. 63.

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Pode-se dizer que essas atribuições de cor da pele, que os brasileiros fizeram de si

no recenseamento, foram geradas desde a criação do Brasil, sobretudo no regime imperial

com a inserção das idéias européias.

Dentro da discussão de teorias raciais, se faz necessário mencionar também

algumas considerações sobre o termo raça, visto que fora uma herança do Brasil oitocentista e

ainda se faz presente na mentalidade nacional. A raça é uma categoria discursiva,

[...] organizadora daquelas formas de falar, daqueles sistemas de representação e práticas sociais (discursos) que utilizam um conjunto frouxo, frequentemente pouco específico, de diferenças em termos de características físicas – cor da pele, textura do cabelo, características físicas e corporais, etc. – como marcas simbólicas, a fim de diferenciar socialmente um grupo do outro. 116

No século XIX, o termo raça teve uma conotação biológica, reforçando a divisão

de classes existente, ao distinguir um povo do outro. E ainda serviu de base para que os

grupos dirigentes legitimassem seu poderio. Por isso, “a sua principal utilização foi e ainda é a

classificação dos indivíduos na suposição de diferenças no fenótipo são sinônimos de

variações no intelecto e habilidades”. 117

As principais teorias raciais eram: o positivismo, o evolucionismo e o

darwinismo. Tais correntes de pensamento reforçaram as atitudes da sociedade estratificada e

miscigenada, na medida em que a intelectualidade aplicava aquelas proposições que melhor se

ajustassem em solo nacional. Elaboradas na Europa em meados do século XIX, essas teorias,

distintas entre si, podem ser consideradas sob um aspecto: o da evolução histórica dos povos.

O positivismo de Auguste Comte caracterizava-se, sobretudo, pela aquisição do

conhecimento com base em fatos e dados empíricos para chegar à verdade, contrariamente ao

pensamento dogmático do catolicismo. Por sua vez, o evolucionismo pressupunha a

existência de uma ordem imanente na história da humanidade, concebendo-a como uma série

de estágios sucessivos de desenvolvimento social, na qual os povos ditos primitivos figuram

como os remanescentes de etapas mais atrasadas, e as sociedades européias como o ápice da

evolução humana.

Já o darwinismo fundamentava-se na obra A Origem das Espécies (1859), de

Charles Darwin. Essa doutrina propõe a seleção natural como fator decisivo na evolução das

116 HALL, op. cit., p.63. 117 GUIBERNAU i BERDUN, Maria Monteserrat. Nacionalismos: O Estado Nacional e o Nacionalismo no século XX. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997. p. 95.

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espécies, de modo que o condicionamento do meio se manifestaria na escolha dos mais fortes

e no repúdio aos menos resistentes.

Na Europa, o mestiço era visto como peça indesejável nas relações sociais.

Defendia-se que a raça pura, no caso a do europeu, era sinônimo de desenvolvimento cultural

e que a miscigenação levaria ao declínio. Como exemplo, o teórico racial francês Arthur

Gobineau “via o mestiço como um mal, pois ia apagando as qualidades do negro, do índio e

do branco, formando um tipo híbrido, indefinido e deficiente em energia física e mental”. 118

Em 1855, ele escreveu o Ensaio sobre a Desigualdade da raça humana, considerada a bíblia

do racismo moderno, em que defendia a miscigenação como causa da decadência das nações.

No âmbito nacional, o Brasil de fins do século XIX passou por transformações

significativas, tais como: o problema da mão-de-obra e a campanha abolicionista. E é

justamente nesse momento que as teorias raciais chegaram ao Brasil tardiamente, em relação

ao contexto internacional. Segundo Lilia Schwarcz, “1871 é um ano chave na desmontagem

da escravidão, já que a Lei do Ventre Livre anunciava a derrocada de um regime de trabalho

havia muito arraigado”. 119

No âmbito regional, a partir de 1870, a produção açucareira entrou em crise por

conta do despreparo dos engenhos maranhenses e, mais uma vez, a concorrência internacional

que oferecia o produto em larga escala e de melhor qualidade. Segundo Jalila Ribeiro, “a

indústria açucareira não foi a solução para a economia maranhense, pois, assim como o

algodão, o açúcar encontrava sérios concorrentes no mercado internacional”.120

Antes mesmo da abolição da escravatura negra, já ocorria a redução do

contingente de escravos para atender principalmente as lavouras cafeeiras na região sudeste

do Brasil, ainda que continuasse sendo expressivo o número de braços existentes que

desenvolviam diversas atividades, seja no campo, seja nos centros urbanos da província do

Maranhão.

Dependente das flutuações do mercado externo, a economia maranhense cresceu

timidamente, apresentando uma economia latifundiária e instável, obtendo mais gastos do que

lucros, com a conseqüente desvalorização das propriedades rurais, aliada ao agravamento da

situação social.

118 GOBINEAU, Arthur apud DAMATTA, Roberto. op. cit., p.71. 119 SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil (1870-1930). São Paulo: Companhia das Letras, 1993. p. 14. 120 RIBEIRO, Jalila Ayoub Jorge. A desagregação do sistema escravista no Maranhão. Recife, 1983.p. 53.

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De modo geral, escravos, ex-escravos, fugidos ou alforriados participaram

ativamente na desestruturação do escravismo. A pressão externa, sobretudo dos ingleses, foi

um elemento importante nesse processo, dado que o regime de escravidão não condizia com a

dinâmica do mercado capitalista, assentado no trabalho assalariado.

Além disso, os cafeicultores, insatisfeitos com a carestia da mão-de-obra escrava,

já buscavam alternativas como a mão-de-obra do imigrante. E a classe senhorial que relutava

contra o solapamento do sistema escravocrata, com a abolição, viu-se abalada. Para Emília da

Costa, “a abolição afetou apenas os setores que se mantinham apegados ao trabalho escravo e

estes, na década dos oitenta, constituíam a parcela menos dinâmica do país, pois os setores

mais progressistas já se preparavam para a utilização do trabalho livre”. 121

Sem dúvida, a campanha abolicionista foi a maior crise do império, visto que suas

prerrogativas estavam naquilo em que se alicerçava: o braço escravo e a monocultura cafeeira.

A luta abolicionista culminou-se com a promulgação da lei de 13 de maio de 1888. A partir

daí, uma fase de desestruturação interna que resultara, na “aniquilação de fortunas,

desorganização do trabalho de um cálculo de 40 a 50% da colheita de 1888 que deixou de ser

feita, além do êxodo para as cidades. Hipotecas garantidas por escravos deixaram de ser

válidas”. 122 Segundo Fernandes, “ao se findar o Império, com o advento da República, em 15

de novembro de 1889, o Maranhão iniciava a nova ordem de coisas com péssimas

probabilidades financeiras e econômicas”. 123

Os principais intelectuais que debatiam as idéias raciais do século XIX eram:

Sílvio Romero, Manuel de Oliveira Viana, Raimundo Nina Rodrigues, Tobias Barreto, João

Baptista Lacerda, Euclides da Cunha, Edgard Roquette Pinto, Herman von Ihering, Oswaldo

Cruz, Miguel Pereira e Azevedo Sodré. Eles discutiam, sobretudo nos centros acadêmicos,

mestiçagem e a difusão do ideário de uma nação branca, bem como a possibilidade ou não do

branqueamento gradativo da população brasileira, com a predominância das características

européias, tomando o mestiço como fase de transição. De acordo com Lilia Schwarcz,

[...] as teorias raciais se apresentam enquanto modelo teórico viável na justificação do complicado jogo de interesses que se montava. Para além dos problemas mais prementes relativos à substituição da mão-de-obra ou mesmo à conservação de uma hierarquia social bastante rígida, parecia ser preciso estabelecer critérios diferenciados de cidadania. 124

121 COSTA, op. cit., p.328. 122 MOTA, Carlos Guilherme (org). Brasil em perspectiva. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995. p. 143. 123 FERNANDES, Henrique Costa. Administrações maranhenses: 1822 - 1929. São Luís: Instituto Geia, 2003. p. 37. 124SCHWARCZ, op. cit., p. 18.

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Nesse sentido, o Brasil seguia a moda estrangeira como forma de se destacar, em

termos de civilidade, de outros países. Copiar e adaptar o que vinha de fora foi sendo o

trabalho da minoria abastada. De acordo com Luiz Alencastro, “as teorias cientificistas

combinam-se com a hierarquia social preexistente para também justificar o escravismo: as

novas idéias ratificam a prática e os argumentos tradicionais”. 125

Sob a influência do determinismo biológico, intelectuais como Sílvio Romero,

Oliveira Viana e Nina Rodrigues postularam raça e meio como fatores internos para explicar a

realidade brasileira. A estrutura social, que privilegiava uma minoria, e o sistema econômico,

baseado no trabalho escravo e dependente das oscilações do mercado externo, seriam

determinantes para o desenvolvimento psíquico e moral do europeu sobreposto às raças ditas

não-brancas. Para Renato Ortiz, “o mestiço enquanto produto do cruzamento entre raças

desiguais encerrava, para os autores da época, os defeitos e as taras transmitidas pela herança

biológica”. 126

O ideal de ser branco foi utilizado como estratégia de dominação da elite

brasileira sobre a maioria da população, a fim de assegurar sua supremacia política e

econômica. Segundo Thomas Skidmore, “a ideologia do branqueamento ganhava foros de

legitimidade científica, de vez que as teorias racistas passavam a ser interpretadas pelos

brasileiros como confirmação das suas idéias de que a raça superior acabaria por prevalecer

no processo de amalgamação”. 127

Sobre esses intelectuais, Sílvio Romero salientou-se como crítico e historiador da

literatura brasileira. Sua principal obra, a História da Literatura Brasileira foi publicada em

1888. Oliveira Viana foi pioneiro na sistematização das idéias raciais, sendo Populações

Meridionais do Brasil (1920), uma de suas obras mais conhecidas. Já o maranhense Nina

Rodrigues, como cientista não acreditava na possibilidade do clareamento de pele a partir do

cruzamento de raças. Ele publicou as obras: As raças humanas e responsabilidade penal no

Brasil (1957) e Os africanos no Brasil (1962).

Por mais que as características fenotípicas sobre as raças distintas fossem bem

visíveis e a possibilidade de uma nação totalmente branca fosse remota, os intelectuais raciais

Sílvio Romero e Oliveira Viana tomaram o mestiço como ponto de partida para a idealização

125 ALENCASTRO, Luiz Felipe de (org). História da vida privada: Império. São Paulo: Companhia das Letras, 1997, v.2.p. 82. 126 ORTIZ, Renato. Cultura brasileira e identidade nacional. São Paulo: Brasiliense, 1994. p. 21. 127 SKIDMORE, Thomas E. Preto no branco: raça e nacionalidade no pensamento brasileiro. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1976. p. 63.

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do brasileiro do futuro, com ares de europeu, a partir do branqueamento da população, o que

seria um processo gradual e lento, uma estimativa de três a quatro séculos, até que

desaparecesse por completo, a influência sanguínea do negro e do índio. Nesse sentido, o

porvir unitário do homem branco brasileiro se fazia pela destruição e esquecimento dos traços

físicos e mentais, que individualizam índios e negros, para que surgissem apenas os traços que

individualizariam o branco. 128

Já o maranhense Nina Rodrigues discordava da tese do branqueamento, no que

diz respeito à homogeneização da sociedade brasileira, com a predominância biológica e

cultural branca e o desaparecimento dos elementos não-brancos. O cruzamento das raças

promovia o enegrecimento, já que pela distribuição espacial do país, a diversidade tanto racial

quanto cultural era cada vez mais crescente. Ele também não via no mestiço um caminho para

um Brasil branco:

Não acredito na unidade ou quase unidade étnica, presente ou futura, da população brasileira, admitida pelo Dr. Sílvio Romero. Não acredito na futura extinção do mestiço luso-africano a todo território do país, considero pouco provável que a raça branca consiga predominar o seu tipo em toda população brasileira. 129

Dizer que o Brasil não tinha futuro porque era um país miscigenado poderia ser

interpretado como um modo de rejeitar, de criticar a hierarquia estabelecida pelos grupos de

mando e que permitia a interação social entre negros, índios, brancos e mestiços, vivendo

múltiplas experiências, sem ameaçar-lhes a ordem.

Apesar dos diferentes pontos de vista acerca da mestiçagem, esses teóricos raciais,

no geral, partilhavam da premissa de superioridade do europeu e de que o próprio sistema

econômico se encarregava de manter o mestiço numa posição inferior. Segundo Nina

Rodrigues, “o mestiço era um contraste e qualquer que fossem as condições sociais, estaria

condenado pela sua própria morfologia e fisiologia a jamais poder se igualar ao branco”. 130

Para Oliveira Viana, “essa tentativa do mestiço em ter posição específica na sociedade é

provisória e ilusória, porque o branco superior, de classe alta, o repele”. 131

Quanto às teorias raciais no Maranhão, essas foram divulgadas, sobretudo,

através da imprensa escrita. No contato com os jornais, podem-se encontrar textos

128 ODALIA, Nilo. As formas do mesmo: ensaios sobre o pensamento historiográfico de Varnhagem e Oliveira Viana. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1994. p. 105. 129 RODRIGUES, Raimundo Nina. As raças humanas e a responsabilidade penal no Brasil. Salvador: Livraria Progresso Editora 1957. p. 90. 130 Id. Os africanos no Brasil. São Paulo: Nacional, 1982. p. 268. 131 VIANA, Oliveira apud MUNANGA, Kabengele. Rediscutindo a mestiçagem no Brasil: identidade nacional versus identidade negra. Rio de Janeiro: Vozes, 1999. p. 65.

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estrangeiros traduzidos com pensamentos de exaltação das qualidades psíquicas do homem

branco, poemas de escritores nacionais, debates filosóficos sobre a origem da humanidade,

segundo pensadores europeus e norte-americanos.

Nesse sentido, os jornais da época como A Opinião Pública, A Mocidade, O

Viannense e O Commercio de Caxias também expressaram o pensamento de superioridade

racial, de desdenha e depreciação para com os mestiços, disseminando através da escrita, que

cada indivíduo estava determinado a uma condição: a de mando ou submissão.

Em 1870, o jornal político A Opinião Pública apresentou o soneto “Retrato”, em

que fez uma descrição de alguém de forma depreciativa e discriminatória, atribuindo-lhe

adjetivos gerais que se aplicariam aos de sua categoria social. O autor assinou pelo

pseudônimo de O Zé Corso com uma visão estereotipada, que se verifica nos termos: “moreno

escuro e bem fechado, molato”, fazendo uma referência ao mestiço.

Moreno escuro e bem fechado, bigode preto os lábios seos lhe touca, vós fanha, não intelligivel e rouca, de acções indigno e mui safado. Impostor intruso, burro e attrevido, audacioso, vingativo e de má intenção por ser presunçoso, pouco querido. Eis o burrêgo. Que poucas verdades que tem por ser molato mil paixões, assim fez seu retrato livre de vaidades. 132

Em 1875, o jornal literário A mocidade publicou a reportagem “Antiguidade da

raça humana provada pela Anthropologia, Archeologia, Paleontologia e Geologia”, onde

refletiu o embate ideológico da época, a despeito da origem da raça humana em que os

diferentes povos viriam de um tronco comum; no trecho do jornal, estaria na Ásia a origem da

humanidade, e não na África como é conhecido.

Reconhecidas as planícies da Ásia Central como berço do gênero humano, como concordam todos os naturalistas, é lá que se devia proceder a investigação nos terrenos tertiarios. Ora sendo elle nascido na Ásia, nas planícies férteis e uberrimas do Oriente, para que abandonasse esses climas, era necessário que um excesso de propagação o levasse para outras regiões. Tal excesso de propagação só podia ser determinado por um longo decurso de tempo, e, portanto já havia muito que a raça humana habitava na Ásia. 133

132 Retrato. A Opinião Pública, São Luís, 13 jun. 1870. p. 3. 133 Antiguidade da raça humana provada pela Anthropologia, Archeologia, Paleontologia e Geologia. A Mocidade, São Luís, 10 dez. 1875. p. 2.

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Em 1877, o jornal literário O viannense apresentou como reportagem principal o

poema “A mucama”, de autoria de Arthur Azevedo, escrito no Rio em 1874 e publicado neste

jornal três anos depois. O autor representou a mucama como: a mulata acompanhante da sinhá

branca, aquela conformada com a situação de amante do esposo de sua dona, já que era

inaceitável o casamento entre brancos e mestiços, e reforçando a ordem social que excluía os

indivíduos, seguindo os critérios da cor da pele. De fato, era uma situação recorrente nessa

época, a exemplo do que aconteceu com Emília Branco, a mãe de Aluísio Azevedo.

Mas, a nhan-nhan em sahindo, a namorada era eu; por minha causa é que o moço tanto perigo correu! Ella julgava ser dona daquilo que era só meu.

Pedi a nosso benzinho que se casasse com ela, - Eu sou mulata, lhe disse, seja embora uma donzela – - Qu’ importa seres molata, respondeu, si és assim bella?

– Você não casa commigo, commigo branco não casa; mas uma vez que o benzinho a nhan-nhan arrasta a aza, si desposal-a... Percebe? Ficamos todos em caza... Dicto e feito: meu sanctinho pediu a mão de nhan-nhan: o papá não pôz embargo, não pôz embargo a maman; e se casaram na Lapa faz anno e meio amanhan.

A’ noite, quando dormindo socegadinha na cama, sinto uma mão que me bole, ouço uma voz que me chama... Quem hade de ser? Elle mesmo que vem fallar co’a mucama.134

O mesmo jornal publicou em 1881, a respeito das influências das idéias européias

no pensamento do maranhense. Tais idéias iam ao encontro dos interesses da elite

134 AZEVEDO, Artur. A Mucama. O Viannense, São Luís, 7 nov. 1877. p. 1.

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maranhense, pois reforçaram os mecanismos de cerceamento existentes no bojo dessa

sociedade. Eram elas: preconceito racial, perfectibilidade do europeu e, conseqüentemente, a

degeneração e a inferioridade atribuídas aos índios, negros e mestiços, mas também a idéia

recorrente de que todos os indivíduos descenderiam de um único tronco, de acordo com a

visão cristã, onde o branco estaria pela escala evolutiva no patamar superior.

A religião e a rasão nos ensinam que todos os homens descendem de um tronco, e um exame philosophico da espécie humana mostra claramente que os europeus, pela excellencia de sua organização, e elegância de suas formas, suas, são os que mais se assemelham àquelle tronco primordial, que devemos suppôr como perfeito em sua natureza. Em todos os séculos tem a raça chamada branca gosado da preeminência, e é hoje incontestável que os europeus dominam o universo. E se algumas nações há nos confins da Ásia, ou em África, livres do seu império, é porque rasões políticas tem embaraçado a sua sujeição, ou porque a natureza do clima tornaria a sua conquista de pouca importância. 135

Nesse período de debates sobre o evolucionismo, as opiniões estavam divididas

entre a intelectualidade nacional sobre a origem do homem. De um lado, a visão monogenista,

que era baseada na doutrina cristã em que a humanidade “teria se originado de uma fonte

comum, sendo os diferentes tipos apenas um produto”. 136 De outro lado, contestando a

posição monogenista da Igreja, a visão poligenista das ciências naturais, baseada “na

existência de vários centros de criação que corresponderiam, por sua vez, às diferenças raciais

observadas”. 137

Outro jornal do período, O Commercio de Caxias, de caráter econômico,

apresentou o poema “Morena”, cuja autoria é atribuída a Guerra Junqueira, onde se exaltam

as qualidades da mulher mestiça, ressaltando a discriminação que sofre por conta da

aparência, fazendo também menção de alguns elementos da religião cristã: Jesus e Maria.

Não negues, confessa, que tens certa pena que as mais raparigas te chamem morena. Mas, olha, as violetas que, sendo umas pretas, o cheiro que tem! Vê lá que seria si Deus as fizesse morenas também. Há rosas dobradas e há as singelas; mas, são todas ellas azues, amarelas, de cor de açucenas de muita outra cor; mas, rosas morenas, só tu, linda flor. E olha quem foram morenas e bem as moças mais lindas de Jerusalém; e a virgem Maria não sei... mas

135 A cor dos negros. O Viannense, São Luís, 9 abr. 1881. p. 1. 136 SCHWARCZ, op. cit., p. 48. 137 Ibid.

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seria morena também. Moreno era Cristo, vê lá depois disto se ainda tens pena que as mais raparigas te chamem morena!138

De modo geral, os jornais A Opinião Pública, A Mocidade, O Viannense e O

Commercio de Caxias expressaram em poemas, sonetos e discursos, a influência das idéias

européias na mentalidade maranhense e a questão da mestiçagem sendo negativizada por essa

sociedade oitocentista que posicionou o mestiço, bem como índios e negros, no patamar

inferior.

Além disso, as elites do Maranhão que detinham o poder estatal ou tinham acesso

a ele, também reproduziram o discurso de superioridade do europeu, ao mesmo tempo que

rebaixavam negros, índios e mestiços, negando seus costumes e modo de vida. A essa

ideologia, se misturava uma postura humanitária, tão presente na literatura e nos textos

jornalísticos da época, de se amenizar os castigos aplicados aos escravos e de se promover a

abolição gradual da mão-de-obra escrava para a assalariada. De acordo com Regina Faria:

A força das idéias evolucionistas ajudava a manter a representação dos negros de um modo em geral, como integrantes de uma espécie num estágio inferior da evolução humana. A redentora humanização contida nas poesias convivia com antigo discurso da inferioridade intelectual, agravado pelo preconceito racial. 139

Esses discursos de superioridade racial européia, da mestiçagem como

degeneração ou conduzindo ao branqueamento da população influenciaram indubitavelmente

no comportamento e nas atitudes da sociedade brasileira no século XIX. No Maranhão, a

presença desses discursos entre os intelectuais maranhenses, refletiu o apego aos paradigmas

europeus, às idéias do racionalismo científico, do positivismo de Augusto Comte, do

evolucionismo de Charles Darwin, entre outros.

Mário Meireles oferece uma lista bastante extensa dos intelectuais maranhenses

que escreveram sobre o assunto no período de 1870 a 1888. Entre eles, Euclides Faria, Enes

de Sousa, José Antônio de Freitas, Marcelino Bara, Celso da Cunha Magalhães, Juvêncio

Pereira, Oscar Galvão, Teixeira de Sousa, José Henrique Vieira da Silva, José Augusto

Corrêa, Teófilo Dias, Teixeira Mendes, Artur Azevedo, Fernando Mendes de Almeida,

Aluízio Azevedo, Hugo Leal, Higino Cunha, Hemetério dos Santos, João Batista Corrêa,

Américo Azevedo, Raimundo Corrêa, Sá Viana, Almin Nina, Belford, Nina Rodrigues,

138 Morena. O Commercio de Caxias, São Luís, 1 jan. 1888. p. 2. 139 FARIA, Regina Helena Martins de. “Escravos, livres pobres, índios e imigrantes estrangeiros nas representações das elites do Maranhão oitocentista”. In: COSTA, Wagner Cabral de (org). História do Maranhão: novos estudos. São Luís: EDUFMA, 2004. p. 97.

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Pacífico Bessa, Dunshee de Abranches Moura, Fábio Morais Rego, Augusto Rodrigues,

Coelho Neto, etc. 140

De acordo com as obras Panorama da literatura maranhense, de Mário Meireles

e Apontamentos de literatura maranhense, de Jomar Moraes, o grupo literário que

contemplou esse período pertence à segunda geração, posterior à de Gonçalves Dias e de João

Francisco Lisboa. Nascidos entre 1850 e 1860, a maioria dos literatos fez carreira na

Faculdade de Direito de Recife (PE), cuja tendência ideológica e cultural era para o

darwinismo social e o determinismo biológico. Segundo Jomar Moraes

A Faculdade de Direito de Recife representou um grande laboratório em que tais idéias fermentaram e se desenvolveram às mãos de brilhantes mestres que trabalharam a inteligência de uma juventude febril que lê e discute Buffon, Lamark, Taine, Cuvier, Kant, Buckle, Schopenhawer. 141

Sob a inspiração das idéias européias, através da escrita em prosa, nos poemas e

discursos, a intelectualidade maranhense caracterizava os não-brancos como atores sociais de

segunda categoria que precisavam do exemplo do europeu de progresso e civilidade, seguindo

o exemplo da intelectualidade nacional que projetava a construção de uma nação homogênea.

Segundo Schwarcz, “é através da produção literária que a moda cientificista entra no país e

não da ciência mais diretamente”. 142

Destacaram-se nesse período, os literatos Celso Magalhães e Aluísio Azevedo que

deixaram uma considerável produção literária sobre a sociedade maranhense do final do

século XIX. Celso Magalhães produziu o poema Os calhambolas, que faz parte de seu livro

“Versos” (1870), focalizando a revolta de escravos ocorrida em sua terra natal. Aluísio

Azevedo inaugurou o estilo realista no Brasil com o romance “O Mulato”, onde denuncia o

preconceito de cor, ao branquear seu personagem central, o mulato Raimundo, e a situação do

escravo na sociedade maranhense, discutindo as diferenças raciais que já faziam parte da

mentalidade local.

140 MEIRELES, 1955, passim. 141 MORAES, op. cit., p.118. 142 SCHWARCZ, op. cit., p. 32.

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Ilustração 3 – Folha de Rosto da obra Versos, na qual consta o poema Os Calhambolas. In:

Livro do Sesquicentenário de Celso Magalhães, de Jomar Moraes.

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3.3 Os Calhambolas de Celso Magalhães

O poema Os Calhambolas143 faz parte da obra Versos do literato Celso

Magalhães. Ambientado na cidade de Viana (Maranhão), constitui-se de uma narrativa

ritmada e memorialista da insurreição de escravos de 1867 que aconteceu naquela localidade.

Tal insurreição de escravos foi deflagrada pelos quilombolas que habitavam no

quilombo São Benedito do Céu, localizado nas cabeceiras do rio Bonito, a três dias e meio de

viagem a pé de Viana.

Os quilombolas travaram uma guerra com os brancos, no intuito de obter a

liberdade dos cativos. Para tanto, munidos de armamentos ocuparam diversas fazendas de

Viana, tais como: Santo Inácio, Santa Bárbara, Timbó, Vila Nova de Anadia e São José.

Essa revolta de escravos constituiu-se em um movimento assustador, pois os

negros, além de desafiarem as autoridades (inclusive o poder provincial de Franklin Américo

de Meneses Dória), tomaram senhores de escravos como reféns, para sorte de alguns que

conseguiram escapar, e, por onde percorriam, gritavam pela liberdade. Direto do engenho de

Santa Bárbara, os negros comandavam o movimento, espalhando o medo em alguns lugares,

na ânsia de alforria para os escravos. Segundo Magno Cruz,

O medo correu regiões Da Baixada do Ocidente Pinheiro, Alcântara, Guimarães Santa Helena e São Vicente A fazenda Santa Bárbara Virou quartel-general Os negros viraram cabras De um exército sem igual Compete então o comando Ao líder negro Daniel Vindo lá do Quilombo São Benedito do Céu Um ofício foi escrito Por Daniel e João Mulato Liberdade pros cativos Esse era o ultimato

143 Cf. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Miniaurelio: O Minidicionário da Língua Portuguesa. Curitiba: Positivo, 2004. p. 550. O termo Calhambolas refere-se a quilombola, que é a designação comum aos escravos refugiados em quilombos.

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Nós vamos Viana invadir Usando mil armas de fogo Se o governo não cumprir Dos negros ficarem forros. 144

Do começo ao fim do romance, a palavra que se repete é “liberdade”. Celso

Magalhães faz uma descrição minuciosa dos lugares, dos objetos, no estilo realista, fazendo o

leitor sentir-se na história. O mestiço aqui não é representado de forma explícita, mas

sutilmente em alguns trechos que serão analisados adiante.

No início do romance Os Calhambolas, Celso Magalhães tem a intenção de

preparar o leitor (desavisado) para o conteúdo da obra, expresso sinteticamente na epígrafe,

dando-lhe a escolha de prosseguir ou não com a leitura. Isso por se tratar de um assunto que

incomoda ou choca: a escravidão. Durante todo o percurso do poema, o autor é um narrador

onisciente e, ao mesmo tempo, interage com os fatos que estão sendo narrados.

A história se passa no meio das matas. Cem calhambolas reunidos em torno de

seu chefe, negro, robusto e de estatura alta, aguardando seu discurso. Ele pronuncia-se

preocupado e apreensivo, a respeito do esconderijo dos negros, o mocambo, suspeitando já ser

de conhecimento dos brancos.

Enquanto isso, alguns calhambolas estão posicionados, vigiando ao redor da

mata, para alertar ao grupo de um possível ataque dos brancos. O chefe do quilombo diz aos

negros que devem ter coragem para juntos lutarem pela liberdade e não aceitarem a

escravidão com resignação, procurando sempre reagir contra o cativeiro. Mais ainda, que a

plena liberdade não está em viver no quilombo.

A partir daí, o chefe calhambola narra o seu sofrimento desde criança. Nascido no

Brasil, ele sentia-se como “caça” do branco “caçador”. Às vezes, sem motivo algum,

apanhava para que o filho do senhor de escravos parasse de chorar. Era constantemente

torturado, mas agüentava conformado. Pois, não se considerava mais dono de si e, sim,

propriedade de outrem.

Esse negro revelou que conheceu um homem branco diferente, com quem

aprendeu a ler e a escrever. Ele resolveu fugir com seu filho, ao perceber como era dura a vida

de escravo. Mas, ele foi capturado novamente pelo seu proprietário e açoitado juntamente

com a criança. Com o pensamento de encontrar a liberdade, conseguiu fugir outra vez para

bem longe.

144 CRUZ, Magno. Vivas à Liberdade: a saga heróica da Insurreição em Viana. São Luís: Coleção Negro Cosme, 1998. Trecho da Literatura de Cordel.

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Se os animais, as plantas e os demais seres vivos desfrutavam de liberdade, por

que os negros não? – o chefe calhambola questionando-se. Ele queria que os brancos

reconhecessem e respeitassem os negros como indivíduos, não os tratando mais como peça ou

mercadoria.

Retomando o discurso inicial aos calhambolas, o chefe convoca o grupo para uma

luta armada contra os brancos, daqui a três dias. Alguns negros (no caso do calhambola

Bento) se organizaram para o confronto, levando consigo o rosário, em sinal de fé e

esperança, na luta pela liberdade.

Eles se concentraram em uma casa abandonada, embrenhada nas matas, próximo a

uma encruzilhada. No intuito de invadir a fazenda Tauá, chamam outros negros para unirem-

se nesse propósito. Com os escravos na lavoura e o feitor acompanhando-os, os calhambolas

aproveitaram para invadir a Casa Grande. Ao adentrarem no local, avistaram uma sinhá por

nome Severa e seu irmão que imediatamente deu-lhes um intimato para que deixassem sua

fazenda.

Os negros estavam ali, motivados pelo sonho de livrar-se do jugo da escravidão,

que as correntes se rompessem para sempre. E os brancos, ao contrário, sonhando com os

lucros que iriam obter com a mão-de-obra escrava.

A família que estava na Casa Grande conseguiu fugir atemorizada pelo rio, com a

ajuda de um escravo. Os calhambolas, ao saírem da fazenda, se deslocaram para o seu arraial.

Agora, os acontecimentos a seguir culminam na cidade, mais precisamente na casa de

detenção.

Uma tropa de soldados havia seguido para o arraial, a fim de prenderem os negros

pelo atrevimento de atacarem os fazendeiros de Tauá. Os negros foram vencidos, depois de

travarem um combate com os brancos. Muitos não resistiram e morreram, outros se evadiram

do local. Apenas o chefe calhambola permaneceu lá, sendo capturado pela milícia e levado

para a cadeia da cidade.

Assim conclamou o capitão da milícia sobre o triunfo obtido no quilombo e da

prisão do dito líder dos negros. Em visita à fazenda invadida, o capitão comentou novamente

o assunto com sinhá Severa. Ela mostrou-se interessada a ponto de pedir para ver o negro na

cadeia.

Lá, ela teve um breve diálogo com o chefe dos negros. Mostrou-se compassiva,

compreendendo a luta do negro pela liberdade, mas não lhe dava razão pelos atos cometidos

contra os senhores de escravos. A atenção dada pela senhora ao negro encarcerado, despertou-

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lhe um amor platônico pela moça; até então, união inaceitável entre um negro e uma mulher

branca dentro dos padrões da sociedade daquela época.

Outro negro calhambola chamado Antonio Corta Mato visitou secretamente o

chefe prisioneiro. Na ocasião, contou-lhe do plano que tinha articulado para libertá-lo. O

negro Corta Mato guiaria os soldados à procura do quilombo; só que os despistaria no

caminho para que desse tempo aos negros de saírem do local e libertarem seu líder.

Tudo procedeu como o negro Corta Mato havia planejado, a não ser pelo chefe

negro não querer mais seguir com os companheiros. Contudo, orientou ao negro guia que

fosse para longe e fundasse um novo quilombo, carregando consigo o desejo de que não

houvesse mais cativeiro.

Os negros calhambolas estavam em um rancho bem afastado da cidade. No

interior da habitação existia um altar com flores. Eles festejavam São Benedito. Em

comemoração, dançavam também a crioula, que não lhe faltara elogios em versos.

De repente, chegou ao rancho o negro Corta Mato, depois de ter retardado os

soldados. E seguiu como novo líder levando os calhambolas para outro lugar onde pudesse

cultivar o sonho de liberdade.

O poema encerra-se com o moribundo chefe dos calhambolas, em seus últimos

momentos de agonia encarcerado. Ele profetizou o dia da redenção, isto é, da concretização

do sonho do povo africano livre do jugo da escravidão.

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Ilustração 4 – Capa da obra O Mulato, de Aluísio Azevedo.

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3.4 O Mulato de Aluísio Azevedo

O Mulato é o primeiro romance no estilo realista de Aluísio Azevedo e o primeiro

no Brasil, no qual se reflete muito a vida do escritor, embora não seja uma interpretação de

sua existência e problemas pessoais, mas uma expressão literária da experiência vivida. Ele

deixa claro essas impressões tidas na sociedade ludovicense no prefácio da terceira edição de

1889. O termo “mulato” corresponde ao antigo mulo, que é filho de pai branco e mãe preta ou

vice-versa. 145

A publicação de O Mulato em 1881 tornou-se um sucesso no Rio de Janeiro e em

outras províncias do país, exceto no Maranhão. Aliás, tal obra gerou polêmica entre os

maranhenses por se apresentar anticlericalista. Alguns impressos do livro chegaram a ser

vendidos na ocasião, àqueles movidos pela curiosidade do que estava sendo tratado.

Tal obra de Aluísio Azevedo tem como cenário a cidade de São Luís em 1881. Do

ponto de vista econômico, o Maranhão ainda estava em progresso econômico com a produção

açucareira, tendo por base o elemento servil: os escravos. A não ser pela perda de mercados

compradores do Piauí, Ceará e Pará, que passaram a se abastecer diretamente na Europa, bem

como da diminuição de estabelecimentos mercantis na capital da província.

São Luís era uma cidade predominantemente portuguesa, com seus traços

coloniais, conservando seus casarões, sobrados e azulejos. No que diz respeito ao social, “a

sociedade de São Luís preservava seus foros de fidalguia, de opulência, de luxo, de origem,

que a situação econômica ainda permitia”. 146

Nessa época, a província do Maranhão era governada por Cincinato Pinto da

Silva, do Partido Liberal. Segundo João Cordeiro, foi “um período de relativa calma

administrativa, embora por vezes a própria governança da Província se visse envolvida, direta

ou indiretamente, nas lutas entre clericais e anticlericais”. 147 Os jornais O Pensador dos

jovens positivistas e Civilização do clero católico protagonizaram essa ferrenha batalha

ideológica que se intensificou com o lançamento do dito romance.

O enredo em torno do mulato dá sensação de esquemático, de dureza na

montagem, onde todos os elementos são pensados rigorosamente a fim de que nada fosse

extrapolação ou que algum episódio viesse a prejudicar a unidade do romance. Os principais

145 CUNHA, op. cit., p.537. 146 CORDEIRO, João Mendonça. O mulato: cem anos de um romance revolucionário. São Luís: EDUFMA, 1987. p. 103. 147 Ibid., p. 105.

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personagens do romance são: Raimundo, Ana Rosa, Manuel Pedro, Luís Dias, cônego Diogo

e Maria Bárbara.

O romance inicia com uma descrição do ambiente citadino onde se passa os

acontecimentos e o movimento das personagens. Caracteriza-se o cotidiano da Praia Grande e

alguns logradouros, tais como: Praça da Alegria, Alto da Carneira, São Pantaleão, Praia de

Santo Antônio, Rua Grande, Praça do Mercado, Rua das Crioulas, Largo dos Remédios,

Caminho Grande e Cutim; o comércio com suas mercadorias que iam de alimentos a escravos,

o clima, enfim, os sobrados e o contato entre os diversos segmentos sociais.

Manuel Pedro da Silva, mais conhecido por Manuel Pescada, era um viúvo

comerciante que morava em um sobrado na Rua da Estrela. Ele tinha uma filha chamada Ana

Rosa e com eles morava sua sogra Maria Bárbara. Manuel Pedro sonhava um bom casamento

para sua filha. Mas esta, pelos conselhos da mãe morta, queria contrair matrimônio com

alguém que amasse de verdade e não somente pelas convenções sociais.

Era a oportunidade de Luís Dias, de origem portuguesa, que trabalhava com seu

pai como caixeiro. Seu patrão o tinha em bom conceito e isso facilitava os seus planos de

casar-se com Ana Rosa, pois desta forma obteria uma posição social melhor e tornar-se-ia

rico.

A harmonia dos planos é quebrada por um elemento de fora, o Dr. Raimundo, que

nasceu numa fazenda escravos na Vila do Rosário. Filho do português José da Silva (irmão de

Manuel Pedro) e de uma negra por nome Domingas, era mulato pela cor e aspectos de cabelo.

Quando criança, Raimundo foi alforriado. Com os recursos do pai, ele teve a chance de

estudar em Lisboa, onde se formou em Direito.

Assim que o jovem bacharel Raimundo, mulato de olhos azuis, desembarca em

São Luís, procura investigar suas origens familiares e os misteriosos recursos que sustentaram

os seus longos estudos em Portugal. Apesar de sua pele clara, ele desperta o preconceito racial

dos provincianos e, ao mesmo tempo, a paixão histérica de Ana Rosa.

Com reservas é aceito pela sociedade, mas quando pretende o amor de Ana Rosa,

a sociedade o suprime. Mesmo não sabendo que Ana é sua prima, Raimundo evita-a

completamente. Mais tarde, (e de maneira inexplicável) ele acabará por pedi-la em casamento,

porém Manuel Pedro lhe negará a mão da filha, ainda que tio e tutor desconhecido do rapaz.

A negativa corresponde à percepção do racismo em relação ao mulato. Como resposta,

Raimundo e Ana resolvem enfrentar o mundo e se amam fisicamente, disso resultando a

gravidez da moça.

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Os lances melodramáticos, mesclados com candentes denúncias sociais,

acentuam-se com a descoberta de vários crimes: o assassinato do pai do mulato, também ele

rico comerciante português, a loucura de sua mãe negra, induzida por bárbaras torturas

escravagistas por parte da esposa de José da Silva, a senhora Quitéria, ao saber da existência

do mulatinho, etc. E o responsável pelo terror é o cônego Diogo, padre devasso e racista.

Ao perceber que Raimundo encontrara o fio da meada, o cônego convence o

caixeiro Luís Dias, ex-namorado de Ana Rosa, a matá-lo, para assim libertar a cidade de sua

presença indesejada. O mulato é liquidado e a jovem, ao ver o amante, morto, tem uma crise

histérica e aborta o filho.

Por fim, a narrativa projeta-se para seis anos depois. O assassinato fica impune e

ninguém lembra mais do mulato Raimundo. Luís Dias e Ana Rosa estão bem casados,

prósperos e com três filhos.

3.5 O papel dos Romances na Sociedade Maranhense Oitocentista

Os Calhambolas de Celso Magalhães e O Mulato de Aluísio Azevedo foram

romances de forte impacto na sociedade maranhense em fins do século XIX, por suas

abordagens serem de caráter histórico-social.

O primeiro, cujo espaço geográfico é Viana, apresentou os seguintes temas:

liberdade, abolição e escravidão. Já o segundo, ambientado em São Luís, abordou o

preconceito de cor, a proibição de casamento inter-racial, maus tratos de escravos e igreja.

De modo geral, os discursos presentes nesses romances sobre o mestiço refletem

uma exclusão social por parte da sociedade maranhense, fato que não era único, pois era

recorrente no resto do Brasil, e de uma negação de uma formação social híbrida. No caso do

poema Os Calhambolas, o mestiço não é retratado de forma exclusiva, só em alguns trechos,

até porque o tema central é a liberdade. Quanto em O Mulato, o mestiço é evidenciado como

um indivíduo com boa posição social e que é vítima de racismo por parte dos maranhenses.

Em Os calhambolas, Celso Magalhães apresentou um discurso de superioridade

racial do europeu em detrimento de outros povos, quando o negro faz uma exaltação das

qualidades do homem branco, ressaltando sua capacidade intelectual por ter lhe ensinado a ler

e escrever. Ele incorporou o discurso de liberdade na negritude dando-lhes a possibilidade de

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sonhar um futuro melhor. O autor preocupou-se também com a integração dos negros na

civilização dos brancos, ignorando a contribuição cultural do africano, como se confirma no

seguinte trecho:

Um dia ouvi um mancebo fallar, e o moço era branco, porem que nobreza d’alma, e que caracter tão franco! Fallou-me da liberdade! Eu estava nessa idade em que a mente é vigorosa. Plantada a pingue semente, brotou logo de repente robusta, forte e viçosa. Achava tanta doçura ouvindo as palavras d’elle! Que pensamentos sublimes! Meu Deus, que moço era aquelle! Com elle aprendi a ler, depois também a escrever, e tudo elle me ensinou! O que a elle devo não posso dizer-vos... Aquelle moço depois de Deus me salvou. 148

Em O Mulato, o discurso de superioridade racial de um povo sobre o outro, é

expresso, por exemplo, na ocasião em que o mulato Raimundo residia em Lisboa, ao saber da

visão dos estudantes europeus sobre o Brasil. “Já faziam as suas palestras; os companheiros

não se cansavam de pedir-lhe informação sobre o Brasil. Como eram os selvagens?... E se a

gente encontrava pelas ruas, mulheres despidas; e, se Raimundo nunca fora varado por

alguma flecha dos caboclos”. 149

Por outro lado, em Os Calhambolas têm-se as barreiras e a discriminação que os

negros podem sofrer ao integrar-se na sociedade. A mãe que recrimina o filho por querer ser

senhor, deixando a entender que o negro jamais poderá ascender socialmente, assumindo uma

postura de conformismo perante o europeu, que se considerava portador do progresso e da

civilização.

Tem mais nobre coração. Sabes? Não quero somente ser livre; por teu amor eu te juro, oh mãe amada, quero também ser senhor! Cala-te, filho, que cousas são essas feias e más? Um homem amante dos outros não diz isso e menos faz. Livrar-nos, sim, é direito, o mais não, o mais é crime. Ficas accaso contente si o branco chega e te opprime? 150

Na obra O Mulato, Aluísio Azevedo escancara a indiferença dos maranhenses em

relação ao personagem Raimundo, por sua cor de pele. Mais precisamente, o autor mostra a

discriminação racial, embora o mulato seja um homem letrado, bem trajado e educado nos

costumes europeus.

148 MAGALHÃES, Celso da Cunha. Versos: 1867-1870. São Luís: Typ. B. de Matos, 1870. p. 18. 149 AZEVEDO, Aluísio. O Mulato. São Paulo: Martin Claret, 2002. p. 65. 150 MAGALHÃES, op. cit., p. 25.

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Não lhe chegara às mãos um só convite para baile ou para simples sarau; cortavam muita vez a conversação quando ele se aproximava; tinham escrúpulo em falar na sua presença de assuntos, aliás, inocentes e comuns; enfim, isolavam-no, e o infeliz, convencido de era totalmente antipatizado por toda a província, sepultou-lhe no seu quarto e só saía para fazer exercício, ir a uma reunião pública, ou então quando algum dos seus negócios o chamava à rua. 151

A narrativa de Os Calhambolas desloca-se para o quilombo escondido entre a

mata quando o capitão chegou com um séqüito de homens armados onde travaram uma luta

com os calhambolas, culminando com a prisão de seu chefe. O capitão que liderava a

operação de busca de escravos, após a vitória, fazia duras críticas aos negros por ter se

deixado derrotar tão facilmente, dando a entender que os negros provinham de um estágio

inferior de evolução.

Não tenho culpa, pois que a disciplina, arte de guerrear, táctica, tudo dos pretos estivesse em tanto atrazo, a ponto de ficarem derrotados logo ao primeiro choque. Tenho culpa que o medo d’elles se apossasse tanto? Que surdos não ouvissem a voz do chefe chamando-os á peleja?152

Em O Mulato, esse discurso evolucionista se apresenta na descrição da escravaria

da residência de Manuel Pescada, ao referir-se aos negros que faziam trabalhos domésticos

como indivíduos que tinham pouca ou nenhuma eficiência e habilidade na execução das

tarefas.

A criadagem de Manuel e Maria Bárbara contava, além de Brígida e Benedito, de uma cafuza já idosa, chamada Mônica, que amamentara Ana Rosa e lavava a roupa da casa, e mais de uma preta só para engomar, e outra só para cozinhar, e outra só para sacudir o pó dos trastes e levar recados à rua. Pois, apesar desse pessoal, o serviço era sempre tardio e malfeito. 153

O chefe calhambola em cárcere, ao rever uma mulher branca por nome Severa,

lhe desperta amor, o qual não pode ser concretizado, visto que a sociedade não aceitava a

união de raças diferentes.

O coração que dormia hoje forte despertou. Vejo bem que esta doença não tem remédio, é mortal; não tenho a força precisa para evitar este mal. Mas, olha, é tão santa e boa... Não lhe pude resistir; minha vontade foi fraca e deixou-me sucumbir. Ouve segredo... Aqui dentro tenho uma voz a dizer-me

151 AZEVEDO, op. cit., p. 101. 152 MAGALHÃES, op. cit., p.62. 153 AZEVEDO, op. cit., p. 76.

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qu’eu sou infame e cobarde por deixar assim prender-me – por uma filha da raça que tanto nos mortifica. Mas, dize, n’um caso d’estes sempre calma a razão fica?154

Em relação a isso, Celso Magalhães defendeu uma concepção preconceituosa e

pessimista quanto às uniões entre raças diferentes. Ele acreditava que o elemento africano

tinha pouco ou nenhum valor, tampouco no produto do seu cruzamento com o branco: o

mestiço. Ele afirma em A poesia popular brasileira que “este cruzamento não podia trazer

bem algum. Trouxe mal. Deturpou a poesia, a dança e a música”. 155

No romance O Mulato, a resposta de Manuel Pescada ao pedido de casamento de

Raimundo à sua filha Ana Rosa, representa a visão segregacionista e preconceituosa da

sociedade na união entre pessoas de etnias diferentes (ainda mais, se tinham alguma

descendência negra), já que era uma prática comum desde a chegada dos portugueses ao

Brasil.

O senhor, porém, não imagina o que é por cá a prevenção contra os mulatos!...Nunca me perdoariam um tal casamento; além do que para realizá-lo, teria de quebrar a promessa que fiz a minha sogra, de não dar a neta senão a um branco de lei, português ou descendente direto de portugueses! O senhor é um moço muito digno, muito merecedor de consideração, mas... foi forro à pia, e aqui ninguém o ignora.156

Dessa forma, a sociedade maranhense reprimia o indivíduo que tivesse sangue

africano nas veias. Era um insulto habitual que o português fazia ao mestiço, o uso de termos,

de maneira pejorativa, tais como: bode e cabra. Como se observa em O Mulato, no seguinte

discurso: “-Um cabra! - concluiu a velha com um berro – E um filho da negra Dominga!

Alforriado à pia! É um bode! É um mulato!”157 Segundo Abranches, “casar com bode

(mulato) ou pardo era um ato desonroso e que comprometeria a descendência”.158

O ideal de branqueamento da raça, através da miscigenação se faz nitidamente

presente na obra de Aluísio Azevedo, onde se percebe o apego da elite dominante aos

paradigmas europeus, ajudando a manter-se com privilégios e inferiorizando o mestiço. O

cruzamento entre as raças era considerado um ato vergonhoso para quem o fizesse, ganhando

o repúdio da sociedade. Manter as aparências para o resto da sociedade era um recurso

154 Ibid., p. 70. 155 MAGALHÃES, op. cit., p.32. 156 AZEVEDO, op. cit., p. 195. 157 Ibid., p. 267. 158 ABRANCHES, op. cit., p.35.

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freqüente. No caso de José da Silva, português que teve um filho (o mulato Raimundo,

personagem central) com a escrava Dominga:

José prosperou rapidamente no Rosário; cercou a amante e o filho de cuidados; relacionou-se com a vizinhança; criou amizades, e, no fim de pouco tempo, recebia em casamento a senhora dona Quitéria Inocência de Freitas Santiago, viúva, brasileira, rica, de muita religião e escrúpulos de sangue, e para quem um escravo não era homem, e o fato de não ser branco só por si só um crime. 159

De outro modo, o preconceito figurava porque “parecer branco consistia em

caracterizar, a qualquer preço, escravidão como um estatuto exclusivamente reservado aos

negros, aos pretos e pardos”. 160 De acordo com Abranches, “as mestiças queriam se passar

por brancas, desprezando os de sua raça, queriam fazer parte das famílias de sangue puro e

consorciavam os filhos, buscando as semelhanças com os pretendentes”. 161

Em O mulato, percebe-se isso no diálogo entre as portuguesas Maria do Carmo e

Bárbara sobre as mulatas, ao observarem Brígida, uma mulata corpulenta que trabalhava na

casa do comerciante Manuel Pescada: “E entravam a conversar sobre o escândalo das mulatas

se prepararem tão bem como as senhoras. Já não se contentavam com a sua saia curta e

cabeção de renda, queriam vestido de cauda; em vez de chinelas, queriam botinas! Uma

patifaria!”162 Segundo Chartier, “as percepções do social não são de forma alguma discursos

neutros: produzem estratégias e práticas que tendem a impor uma autoridade à custa de

outros, por elas menosprezados, a legitimar um projeto reformador”. 163

Sobre o cotidiano do quilombo, Celso Magalhães faz uma descrição das pessoas

que nele habitam, especialmente, a mulher calhambola, a mulher mestiça: a crioula, a cafuza,

mas também o cabra, referindo-se ao mulato.

- Creoula, minha creoula, minha flor de manacá, guarda bem este suspiro que o meu coração te dá. Chorei tanto quanto foste que, tendo as fontes seccado, se encheram todas de novo com o meu pranto derramado. – Cafuza, dá-me o teu lenço, e também teu cabeção; quero tel-os de companha commigo no frio chão. Eu sou cabra resigueiro, eu não respeito a ninguém, quando bolem com a creoula que dansa tanto e tão bem. 164

159 AZEVEDO, op. cit., p. 51. 160 ALENCASTRO, op. cit., p. 87. 161 ABRANCHES, op. cit., p.33. 162 AZEVEDO, op. cit., p. 75. 163 CHARTIER, Roger. A História Cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel, 1988. p. 17. 164 MAGALHÃES, op. cit., p.76-77.

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Mais uma vez, Celso Magalhães, chama a atenção também para a origem da

humanidade, antes da condição social ser imposta pelos grupos de mando. Nesse trecho, o

chefe negro lamenta a situação de penúria do negro, na perspectiva de que todos os seres

humanos vieram de um único lugar, caracterizando a tese monogenista da Igreja Católica.

Escravo! E pode um homem ser escravo? Todos nós de um só pae filhos nascemos, de Deus, dispensador de eternas graças. Com que título, pois um homem a outro, que é seu irmão da mesma natureza, diz: - Tu és meu escravo? – Oh! Maldição sobre o povo que ainda no seu seio alimenta este crime tão nefando! Seja este nome escravo suprimido da lista dos vocábulos! Lave-se a nodoa infame que marêa o refulgente nome do Brazil; e, se o sangue somente lavar pode essa mancha odienta e vergonhosa, venha o sangue, por Deus, venha a revolta! 165

O poema Os calhambolas termina com as últimas palavras do chefe dos

calhambolas, antes de falecer na prisão, justamente com a esperança de um dia os negros

serem livres: “Tende esperança; essa virgem formosa e pura me diz que a hora da redempção

da nossa raça infeliz não longe vem que a tortura em breve se há de acabar, que um futuro

mais risonho para vós há de chegar”. 166

Ainda na narrativa de O Mulato, a idéia de raça superior, limpeza e conduta do

português asseguravam sua influência social e excluíam os não-brancos. O que não poderia se

esquecer era que por mais que se tentasse construir uma identidade com elementos

exclusivamente europeus, e mesmo não havendo mestiços, as raças trocariam conhecimentos

entre si e utilizariam o que tinham de melhor, sejam termos lingüísticos, culinária, vestuário,

danças, etc. No caso das amas-de-leite que os portugueses davam a seus filhos, presumia-se

pelo contato a assimilação consciente ou não, de hábitos de ambas as raças:

As negras, principalmente as negras!... São umas muruxabas, que um pai de família tem em casa, e que dormem debaixo da rede de suas filhas e lhes contam histórias indecentes!É uma imoralidade! O pior é que elas contam às suas sinhazinhas tudo que praticam aí por essas ruas! Ficam as pobres moças sujas de corpo e alma na companhia de semelhante corja!167

Como tal romance procurou denunciar as mazelas do sistema escravista, o autor

também faz uma descrição dramática das agruras, dos maus tratos e castigos que a classe

senhorial aplicava aos seus escravos. É o caso da escrava Domingas, da senhora Quitéria

(esposa de José da Silva): 165 Ibid., p. 81. 166 Ibid., p. 84. 167 AZEVEDO, loc. cit.

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Estendida por terra, com os pés no tronco, cabeça raspada e mãos amarradas para trás, permanecia Domingas, completamente nua e com as partes genitais queimadas a ferro em brasa. Ao lado, o filhinho de três anos gritava como possesso, tentando abraçá-la, e, de cada vez que ele se aproximava da mãe, dois negros, a ordem de Quitéria, desviaram o relho das costas da escrava para dardejá-lo contra a criança. Domingas, quase morta, gemia, estorcendo-se no chão. 168

Segundo Chartier, as representações elaboradas pela intelectualidade, nesse caso

sobre o mestiço “são sempre determinadas pelos interesses de grupo que as forjam”. 169 As

obras Os Calhambolas de Celso Magalhães e O Mulato de Aluísio Azevedo refletiram a

postura de seus autores; ambos anticlericalistas, defensores das idéias evolucionistas e da

causa abolicionista. Como crítica ao estilo literário do Romantismo, seus romances

apresentaram um final trágico para seus personagens principais, o chefe do quilombo e

Raimundo, bem característico do estilo realista.

Enfim, esses discursos presentes nas produções literárias de superioridade racial

européia, de preconceito racial e de exaltação dos valores sócio-culturais do branco se fizeram

presentes no pensamento maranhense, ajudando a manter os demais segmentos sociais, entre

os quais o mestiço, num estágio inferior da raça humana.

168 AZEVEDO, op. cit., p. 52. 169 CHARTIER, loc. cit.

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CONCLUSÃO

O estudo sobre o mestiço constitui um aspecto significativo da historiografia

brasileira, sobretudo maranhense, no que diz respeito não só a questão da mestiçagem, mas

também das influências das teorias raciais na mentalidade maranhense.

A análise literária dos romances Os Calhambolas e O Mulato são fundamentais no

campo histórico para se entender os acontecimentos no Maranhão durante a crise do Império e

a própria sociedade preconceituosa e arraigada aos costumes coloniais. Essas obras registram

também a percepção dos literatos no espaço social vivido por eles, assim como valores, carga

ideológica e postura crítica daquilo que observaram e converteram para a ficção.

Nesse sentido, através das produções literárias Os Calhambolas (1870) de Celso

Magalhães e O Mulato (1881) de Aluísio Azevedo, pode-se repensar a imposição cultural do

europeu numa sociedade predominantemente escrava, bem como da negação de uma

formação social híbrida, visto que esses romances tiveram repercussão na época de suas

publicações pela denúncia social e também pelo talento de seus autores que já eram

conhecidos pelo trabalho desenvolvido nos jornais.

Os Calhambolas e O Mulato representaram as sociedades da época, vianense e

ludovicense, com todas as suas mazelas: escravidão, discriminação racial, mestiçagem,

desigualdade social, etc. Como obras ficcionais e de cunho histórico, essas produções

reforçaram os problemas apontados por elas, os quais ainda estão presentes nos dias atuais. Os

escritores tiveram o mérito de desvelar de forma romanesca o retrato daquela sociedade

maranhense de fins do século XIX, mostrando-se parciais e objetivos em seus discursos.

Em relação a essas produções oitocentistas que fazem referência ao mestiço e de

outros segmentos sociais excluídos, pode-se perceber que estas reproduziram a historiografia

tradicional, isto é, a visão da classe dominante sobre os grupos marginalizados.

Existem poucos registros produzidos pelos segmentos inferiorizados durante o

governo de D. Pedro II, os quais descreveram uma atitude reacionária por parte desses grupos,

e não apenas de submissão e passividade como apontaram os documentos oficiais.

Com certeza, houve uma reação do mestiço por espaço na sociedade e na luta para

amenizar as desigualdades sociais. Alguns mestiços, embora timidamente, lutaram para

desconstruir ideologias, atitudes e esteriótipos da estética branca dominante, cada um à sua

maneira, seja na literatura ou envolvidos em movimentos de contestação à ordem vigente.

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Como exemplo: os maranhenses Gonçalves Dias e Maria Firmina, Luís Gama, Cruz e Sousa e

Lima Barreto.

Este trabalho monográfico foi muito enriquecedor, desde o levantamento das

fontes, da bibliografia até a escrita. Uma das dificuldades encontradas durante a pesquisa foi

na disponibilidade de fontes do período oitocentista fazer referência mais às preocupações da

classe senhorial com a escravidão, à campanha abolicionista, e, sobretudo, com as oscilações

da produção agrícola maranhense, do que com a temática da mestiçagem e das idéias raciais.

Por fim, deve ser dada continuidade na temática abordada, sob o prisma da

história e literatura, uma vez que há ainda muito a ser estudado e descoberto na história do

Maranhão no período imperial.

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