121_TRABALHO PRISIONAL, UNINDO A INICIATIVA PÚBLICA COM A INICIATIVA PRIVADA

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 FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ UNIVERSIDADE DE FORTALEZA CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS - CCJ Curso de Direito TRABALHO PRISIONAL, UNINDO A INICIATIVA PÚBLICA COM A INICIATIVA PRIVADA Jordanna Maria Bastos de Araújo Cavalcanti Feitoza Matr.: 0510971/0 Fortaleza-CE Junho, 2008

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FUNDAO EDSON QUEIROZ UNIVERSIDADE DE FORTALEZA CENTRO DE CINCIAS JURDICAS - CCJ Curso de Direito

TRABALHO PRISIONAL, UNINDO A INICIATIVA PBLICA COM A INICIATIVA PRIVADAJordanna Maria Bastos de Arajo Cavalcanti Feitoza Matr.: 0510971/0

Fortaleza-CE Junho, 2008

JORDANNA MARIA BASTOS DE ARAJO CAVALCANTI FEITOZA

TRABALHO PRISIONAL, UNINDO A INICIATIVA PBLICA COM A INICIATIVA PRIVADA

Monografia apresentada como exigncia parcial para a obteno do grau de Bacharel em Direito, sob a orientao de contedo da Professor Jos Armando Costa Jnior e orientao metodolgica da Professora urea Zavam.

Fortaleza - Cear Junho, 2008

JORDANNA MARIA BASTOS DE ARAJO CAVALCANTI FEITOZA

TRABALHO PRISIONAL, UNINDO A INICIATIVA PBLICA COM A INICIATIVA PRIVADAMonografia apresentada banca examinadora e Coordenao do Curso de Direito do Centro de Cincias Jurdicas da Universidade de Fortaleza, adequada e aprovada para suprir exigncia parcial inerente obteno do grau de bacharel em Direito, em conformidade com os normativos do MEC, regulamentada pela Res. n R028/99, da Universidade de Fortaleza.

Fortaleza (CE), 06 de junho de 2008. Jos Armando da Costa Jnior, Ms. Prof. Orientador da Universidade de Fortaleza Alisson Lus Melo do Nascimento, Esp. Prof. examinador da Universidade de Fortaleza Roberta Duarte Vasquez Rangel, Ms. Prof. examinadora da Universidade de Fortaleza urea Zavam, Ms. Prof. Orientadora de Metodologia Prof. Nbia Maria Garcia Bastos, Ms. Supervisora de Monografia Coordenao do Curso de Direito

Ao meu pai, que um vencedor na vida. Conseguiu educar e dar ensinamentos que deverei levar por toda a minha existncia, e, apesar de no demonstrar, no fundo; ele acredita no meu potencial, mesmo quando eu no acredito. Certamente, nunca deixou de sentir orgulho de mim.

minha me, que um exemplo de perseverana, mas, sobretudo, uma pessoa forte e corajosa que com toda diversidade conseguiu vencer.

Evelinne e Marlia, minhas irms, que por muitas vezes disputamos o computador, mas, a compreenso das duas foi fundamental para a realizao deste trabalho.

Ao Miguel (Guigo), meu amor, que est ao meu lado em todos os momentos e suportou as minhas angstias e preocupaes, ajudando e incentivando em meu crescimento profissional e pessoal.

A uma amiga muito especial, Yonara Varela, pela ajuda em todos os momentos dessa longa caminhada, confiando em minha capacidade e amizade. Ao Promotor Dr. Nestor Alexandre, por ser um dos melhores promotores do Estado do Cear, o qual tive a oportunidade de aperfeioar os meus conhecimentos no mundo jurdico, alm de aprender a admira-lo pela sua inteligncia e humildade.

AGRADECIMENTOSAo professor Jos Armando Costa Jnior, por aceitar a incumbncia de ser meu orientador e pelo apoio prestado na realizao deste trabalho. professora urea Zavam, que de maneira competente e tranqila orientou o desenvolvimento metodolgico deste trabalho. Aos professores Alisson Lus Melo do Nascimento e Roberta Duarte Vasquez Rangel, por aceitarem participar da banca examinadora desta monografia.

A terceirizao dos presdios uma alternativa e no implica na perda de direo do estabelecimento pelo Estado, e sim, que determinados servios sejam executados pela iniciativa privada. Marianne dos Reis Pereira

RESUMOA presente pesquisa tem como objetivo o trabalho prisional, atravs da unio da iniciativa pblica com a iniciativa privada, mas caracterizado como terceirizao dos presdios. Esse sistema j foi adotado em alguns pases e aplicado ainda em fase experimental no Brasil, coaduna-se com a nova forma de prestao de servios pblicos denominada parceria pblico-privada ou PPPs. Preliminarmente, tentamos analisar os diversos sistemas penitencirios do mundo, focando o sistema adotado no Brasil, sistema progressivo irlands, e, em especial, como funciona este sistema no Cear. Em seguida, verificamos uma inovao no sistema penitencirio no Brasil, a privatizao ou terceirizao dos presdios. Nesse modelo de gesto prisional, buscamos examinar seus reflexos tanto em relao ao Estado do Cear, quanto em relao sociedade. Para isso, almejamos fomentar o debate doutrinrio acerca da constitucionalidade da terceirizao das penitencirias, estabelecendo-se parmetros para a aferio de seu grau de eficincia em relao pessoa do preso no que pertine sua reabilitao e reinsero no meio social aps o cumprimento da pena.

Palavras-chave: Sistema penitencirio. Trabalho prisional. Terceirizao ou privatizao dos presdios.

SUMRIOINTRODUO....................................................................................................................... 08 1 SISTEMA PENITENCIRIO.............................................................................................. 1.1 Sistema de Filadlfia ou sistema Pensilvnico (celular).................................................... 1.2 Sistema de Auburn (misto)................................................................................................ 1.3 Sistema progressivo........................................................................................................... 1.4 Sistema de Montesinos...................................................................................................... 1.5 O Sistema Penitencirio adotado pelo Brasil.................................................................... 1.6 Funcionamento do sistema penitencirio no Cear........................................................... 2 TRABALHO PRISIONAL................................................................................................... 2.1 A importncia da reabilitao do condenado atravs do trabalho em presdios................ 2.2 O papel da empresa na reabilitao do preso..................................................................... 2.3 O impacto da reabilitao do apenado na sociedade......................................................... 3 A TERCEIRIZAO DOS PRESDIOS............................................................................. 3.1 Terceirizao dos presdios no Cear................................................................................ 3.2 A respeito da inconstitucionalidade da terceirizao dos presdios................................... 3.3 Em defesa da constitucionalizao da terceirizao dos presdios.................................... 11 13 14 15 17 19 20 22 25 27 30 31 36 38 43

CONSIDERAES FINAIS.................................................................................................. 48 REFERNCIAS....................................................................................................................... 53 APNDICE.............................................................................................................................. 57 ANEXO.................................................................................................................................... 73

INTRODUOA execuo penal exposta na Constituio Federal de 05 de outubro de 1988, no DecretoLei n2.848, de 07 de dezembro de 1940, Cdigo Penal Brasileiro - CPB, no Decreto - Lei n 3.689, de 03 de outubro de 1941, Cdigo de Processo Penal Brasileiro CPPB e especificamente na Lei n 7210, de 11 de julho de 1984, Lei de Execuo Penal LEP, busca a ressocializao das pessoas condenadas priso, para que estas se encontrem em condies de serem inseridas na sociedade e no voltarem a delinqir. Para alcanar esse objetivo, necessrio que a permanncia no estabelecimento carcerrio seja adequando a esta reabilitao. Contudo, as condies polticas, econmicas, sociais e culturais do nosso pas dificultam a transmisso de recursos para essas instituies penais. A falta de perspectiva de vida, a pouca escolaridade, o desemprego so fatores que levam os fracos a praticar atos criminosos. Dessa forma, a populao carcerria aumenta todo o dia, ao passo que o tratamento ofertado a essa populao ainda muito inadequado para o cumprimento da pena, isso produz um resultado inverso do que a privao de liberdade e a sociedade almejam. Alm de ineficiente, o sistema penitencirio brasileiro bastante oneroso para o contribuinte, sendo assim, no traz nenhum retorno positivo. A superlotao das unidades prisionais, as subumanas condies de vida dos presos, o crescimento de organizaes criminosas e da corrupo dentro das prises, aliados falta de segurana, no permitem que os estabelecimentos carcerrios cumpram sua funo social, que a correo do delinqente e o retorno deste a sociedade de forma regenerado. Diante desse fato, este trabalho analisa a terceirizao dos presdios. Considerando, assim, a unio entre a iniciativa pblica iniciativa privada, como tem ocorrido na Penitenciria Industrial Regional do Cariri PIRC, onde vem exercendo um grande papel na ressocializao dos presos.

O trabalho prisional uma alternativa que os condenados tm de recomear a vida de forma lcita. Por meio do trabalho, o preso pode ajudar a sua famlia e a si mesmo, aprendendo uma profisso e podendo us-la fora da priso como forma de sobrevivncia, levando em considerao que a cada trs dias de trabalho descontado em dia de pena. Nos presdios de Fortaleza, o sistema de terceirizao no to avanado como na PIRC, Ainda precisa de muito desempenho do Governo e da iniciativa privada, pois o sistema de terceirizao s existe em um dos presdios, o Instituto Professor Paulo Oliveira II - IPPO II. Alm disso, falta divulgao dos benefcios que a iniciativa pblica pode fornecer iniciativa privada, caso ela venha a se interessar nessa unio, sem conta o beneficio que ela pode trazer para a populao carcerria e a sociedade. Nessa perspectiva, no decorrer deste trabalho, buscaremos responder aos seguintes questionamentos: Qual o efeito da terceirizao dos presdios para a vida dos presos? O trabalho prisional pode ressocializar o condenado? vivel para o Estado a terceirizao dos presdios? constitucional a terceirizao dos presdios? A justificativa para este trabalho transformar a viso das pessoas sobre as unidades prisionais, mostrando que a carceragem pode ser um local produtivo, que transforma o presidirio em um ser humano, capaz de se ressocializar, de aprender um novo ofcio, bem como possibilitar a diminuio dos ndices de reincidncia. Dessa forma, pode a unidade prisional habilitar o indivduo para a vida fora da priso, dando-lhe oportunidade de concorrer no mercado de trabalho em uma proporo bem maior do que se ele sasse sem ter aprendido nenhum oficio. Temos, como objetivo geral, fazer com que a iniciativa privada se una com a iniciativa pblica para melhoria dos presdios, atravs de empresas que funcionam dentro dos presdios, trazendo benefcios para a sociedade, para o preso e para a empresa empregadora. Os objetivos especficos so: mostrar qual o efeito da terceirizao, dos presdios para a vida dos presos; verificar se existe ressocializao do condenado atravs do trabalho nos presdios, analisar a viabilidade da terceirizao dos presdios para o Estado; questionar a constitucionalidade da terceirizao dos presdios.

Em relao aos aspectos metodolgicos, no que tange tipologia da pesquisa, as hipteses sero investigadas atravs de pesquisa bibliogrfica, mediante explicaes embasadas em trabalhos publicados sob a forma de livros, revistas, artigos, enfim, publicaes especializadas, imprensa escrita e dados oficiais publicados na Internet, que abordem direta ou indiretamente o tema em anlise. Quanto utilizao dos resultados ser pura, visto que objetiva apenas ampliar o conhecimento, sem transformao da realidade. Segundo a abordagem, qualitativa, medida que se aprofundar na compreenso das aes e relaes humanas e nas condies e freqncias de determinadas situaes sociais. Quanto aos objetivos, a pesquisa descritiva, pois buscar descrever, explicar, classificar, esclarecer e interpretar o fenmeno observado, e exploratria, j que objetiva aprimorar as idias atravs de informaes sobre o tema em foco. No primeiro captulo, sero demonstrados os modelos de sistema penitencirio, qual desses modelos de sistema penitencirio foi adotado pelo Brasil e como funciona esse sistema no Cear, com seus erros e acertos a respeito do cumprimento da execuo penal, que, em lei, busca a ressocializao do condenado. No segundo captulo, ser analisada a importncia da reabilitao do condenado atravs do trabalho em presdios, mostrando o papel da empresa na reabilitao do preso e o impacto desse trabalho e da ressocializao do apenado na sociedade. No terceiro captulo, a abordagem se dar em torno da terceirizao dos presdios, especialmente no Estado do Cear, segue ainda, decompondo a respeito da constitucionalidade ou inconstitucionalidade da terceirizao dos presdios, expondo a minha opinio sobre esse assunto. O ponto principal deste trabalho , pois, investigar se est sendo cumprida a Lei de Execuo Penal, a respeito da ressocializao do condenado, dando lhe todas as garantias de regresso sociedade, de forma a no delinqir mais e, principalmente, analisar se a terceirizao dos presdios est sendo constitucional ou inconstitucional.

1 SISTEMA PENITENCIRIO

A questo penitenciria no pode ser vista como um problema apenas do governo. Sua dimenso e complexidade so tantas que somente uma ao integrada, que rena esforos de toda sociedade e promova a reflexo e a discusso de seus diversos aspectos, permitir a descoberta de solues. Roberto da Silva1

O sistema penitencirio surgiu na Idade Moderna, durante os sculos XVI e XVII, um perodo em que a misria e a pobreza se alastravam pela Europa, o que colaborou consideravelmente com o aumento da criminalidade. Diante dos fatos, a pena de morte deixou de ser uma soluo mais adequada. Na metade do sculo XVI, introduzia-se um movimento de grande importncia no desenvolvimento das penas privativas de liberdade, na criao e construo de prises organizadas para a correo dos condenados. A origem do direito penitencirio comeou a se formar no sculo XVIII, com estudos aprofundados de Beccaria e Howard. A priso tomou uma idia sustentvel em relao a outras formas de punio, abrindo uma relao de direito pblico entre Estado e o condenado, de tal forma resultou na proteo do apenado, tendo com fundamento a dignidade da pessoa humana. Beccaria foi um grande colaborador para a reforma do direito penal, atravs da crtica crueldade do sistema punitivo, defendendo a humanizao da penas, pois no poderiam consistir em uma ao de violncia contra o ser humano, e sim, um ato pblico, proporcional ao delito e previamente determinado por lei. Howard foi um dos pioneiros a d uma ateno especial questo penitenciria, alvitrando a criao de um juiz para fiscalizar o regime de cumprimento das penas e sugerindo a separao dos condenados em clulas distintas para homens e mulheres, reincidentes e primrios. Indo mais

1

SILVA, Roberto da. O que as empresas podem fazer pela reabilitao do preso. So Paulo: Instituto Ethos, 2001, p. 09.

alm, defendendo o isolamento noturno dos presos e o trabalho obrigatrio como meio de reforma e regenerao moral. Michel Foucault afirma que:A priso menos recente do que se diz quando se faz seu nascimento dos novos cdigos. A forma-priso preexiste sua utilizao sistemtica nas leis penais.Ela se constituiu fora do aparelho judicirio, quando se elaboraram, por todo corpo social, os processos pra repartir os indivduos, fix-los e distribu-los especialmente, classific-los, tirar deles o mximo de tempo, e o mximo de foras, treinar seus corpos codificar seu comportamento contnuo, mant-los numa visibilidade sem lacuna, formar em torno deles um aparelho completo de observao, registro e notao, constituir sobre eles um saber que se acumula e se centraliza. A forma geral de uma aparelhagem para tornar a instituio-priso, antes que a lei a definisse como a pena por excelncia. No fim do sculo XVII e princpio do sculo XIX se d a passagem de uma penalidade a mecanismos de coero j elaborados em outros lugares. Os os modelos da deteno penal Gand, Gloucester, Walnut Street marcam os primeiro pontos visveis dessa transio, mais que inovaes ou pontos de partidas. A priso, peas essencial no conjunto das punies, marca certamente um momento importante na histria da justia penal: seu acesso humanidade.2

Vrios fatores contriburam para a transformao da aplicao da pena, como, por exemplo: as questes socioeconmicas e polticas, espelhadas pelos distrbios religiosos, guerras, expedies militares, devastaes de pases, assim como pela extenso dos centros urbanos, crise das formas feudais e da economia agrcola, que acarreta o conseqente aumento da criminalidade. Com isso, os doutrinadores comearam a buscar novas medidas de coao, desconsiderando a pena de morte, e desenvolvendo as penas privativas de liberdade, bem como a necessria criao e construo de prises organizadas para correo dos infratores. Acompanhando a evoluo da aplicao das penas privativas de liberdade, examinaremos a seguir os sistemas: o Sistema de Filadlfia, mais conhecido como Sistema Pensilvnico ou celular, o Sistema de Auburn ou misto Sistema progressivo Ingls e o Irlands, o Sistema de Montesinos, o Sistema Penitencirio adotado pelo Brasil, e ainda, como o funcionamento do sistema penitencirio no Cear.

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FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: histria da violncia nas prises. 27. ed. So Paulo: Vozes, 2006, p.195.

1.1. Sistema de Filadlfia ou sistema pensilvnico (celular)

Inicialmente foi implantado em Walnut Street Jail, em 1776 e na Eastern Penitentiary, que tinha como modelo arquitetnico influenciado pelo modelo panptico. Suas principais vantagens eram garantir a disciplina e evitar a contaminao recproca e as fugas, ao passo que as desvantagens eram gerar problemas fsicos e mentais no recluso e no capacitava para o mundo exterior. Foucault descreve bem a arquitetura do modelo panptico:O panptico de Bentham a figura arquitetural dessa composio. O princpio conhecido: na periferia uma construo em anel; no centro, uma torre; esta vazada de largas janelas que se abrem sobre a face interma do anel; a construo perifrica dividida em celas, cada uma atravessando toda a espessura da construo; elas tm duas janelas, uma para o interior, corresponde s janelas da torre; outra, que d para o exterior, permite que a luz atravesse a cela de lado a lado. Basta ento colocar um vigia na torre central, e em cada cela trancar um louco, um doente, um condenado, um operrio ou um escolar. Pelo efeito da contraluz, pode-se perceber da torre, recortandose exatamente sobre a claridade as pequenas silhuetas cativas nas celas da periferia. Tantas jaulas, tantos pequenos teatros, em que cada ator est sozinho, perfeitamente individualizado e constantemente visvel.3

No sistema Pensilvnico foram aplicados as seguintes regras: o isolamento em celas individuais somente aos mais perigosos, porm, os outros presos foram mantidos em celas comuns, sendo permitido para estes o trabalho conjuntamente durante o dia, mas tambm objetivava o arrependimento mediato, a leitura da Bblia e a meditao, quanto ao confinamento, este era aplicado de dia e de noite. Tendo como fundamento os estudos de Bitencourt, esse sistema tinha como objetivo a reforma das prises. Seus maiores influenciadores foram Benjamin Franklin e William Bradford, dentre os quais o primeiro propagou as idias de Howard, dando maior importncia ao isolamento do preso, caracterstica fundamental do sistema celular pensilvnico.4 O sistema Pensilvnico fracassou devido o extraordinrio crescimento da populao penal que estavam recolhidos na priso de Walnut Street.3

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FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: histria da violncia nas prises. 27. ed. So Paulo: Vozes, 2006, p.165166. BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratando de direito penal, parte geral. 13.d. atual. So Paulo: Saraiva, 2008.

1.2 Sistema de Auburn (misto)

A construo da priso de Auburn foi autorizada em 1816, nesse momento, parte do edifcio foi destinado ao isolamento, ento, em 1821 foi feita uma diviso em trs categorias de presidirios: os mais velhos e reincidentes, o qual foi aplicado um isolamento contnuo; os menos incorrigveis, que tinha o isolamento nas celas por trs dias na semana e tinham permisso para trabalhar e a ltima categoria era integrada pelos apenados que tinham expectativas de reabilitao na sociedade, o seu isolamento era aplicado durante a noite e durante o dia trabalhavam em conjunto. Sobre a principal caracterstica desse sistema, comenta Bitencourt:Um dos pilares do silent system foi o trabalho. Nesse sentido pode-se afirmar que o trabalho no projeto auburniano foge, de certa forma, tanto a sua original dimenso ideolgica como pedaggica: ideologicamente como nica atividade capaz de satisfazer as necessidades do no proprietrio, pedagogicamente como modelo educativo que permitir incorporar-se fora de trabalho. No entanto, esse propsito caiu por terra. Uma das causa do fracasso foi a presso das associaes sindicais que se opuseram ao desenvolvimento de trabalho penitencirio.5

O trabalho era uma atividade imposta ao condenado, que tinha como finalidade sustentar o capitalismo, com mo-de-obra barata e sem o poder de reivindicao dos trabalhadores livres.6 Devido concorrncia desleal, entrou em decadncia quando os sindicatos americanos passaram a fazer movimentos contra a compra de produtos fabricados pelos presos. Dentre outras crticas sobre esse sistema, vale ressaltar a aplicao de castigos cruis e excessivos, que caracterizava o estilo de disciplina militar, impondo um controle estrito e uma obedincia irreflexiva. Porm, esses castigos eram considerados justificados, pois se acreditava que, ao aplic-los, o delinqente poderia se recuperar.

1.3 Sistema progressivo5 6

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratando de direito penal, parte geral. 13.ed. atual. So Paulo: Saraiva, 2008, p.128-129. NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal, parte geral e especial. 2 ed. rev. atual. e ampl. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 61.

O abandono dos dois sistemas ora citados coincidiu com o pice da pena privativa de liberdade e a adoo do sistema progressivo. Segundo Nucci, podemos observar o incio deste sistema e suas caractersticas:[...] o sistema progressivo de cumprimento da pena privativa de liberdade na Europa. Mencione-se a colnia penal de Norfolk, ilha situada entre a Nova Zelndia e Nova Calednia, em 1840, onde o capito ingls Maconochie distribuiu vales ou marcas aos condenados, conforme o seu comportamento e rendimento no trabalho, de modo a alterar positivamente a sua condio, podendo diminuir a pena. Era possvel passar do sistema inicial de isolamento celular diurno e noturno, com rduo trabalho e pouca alimentao, para um trabalho em comum, em silncio, com isolamento noturno. O terceiro estgio era o da liberdade condicional. Foi transposto, em face do seu sucesso, para a Inglaterra.7

Os aspectos relevantes desse sistema so o tempo de durao da condenao, que vai variar de acordo com a conduta do apenado, e o fato de tornar possvel a reincorporao do recluso sociedade antes do trmino da condenao. Segundo Bitencourt:O regime progressivo significou, inquestionavelmente, um avano penitencirio considervel. Ao contrrio dos regimes auburniano e filadlfico, deu importncia prpria vontade do recluso, alm de diminuir significativamente o rigorismo na aplicao da pena privativa de liberdade.8

O sistema progressivo o aperfeioamento dos dois sistemas j mencionados, visto que proporciona ao condenado a escolha de passar mais ou menos tempo para o cumprimento da pena, e ganhar a to esperada liberdade. Podendo ser de dois tipos: o sistema progressivo ingls e o sistema progressivo irlands que veremos a seguir.

a) Sistema progressivo Ingls7

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NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal, parte geral e especial. 2 ed. rev. atual. e ampl. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 61. BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratando de direito penal, parte geral. 13.ed. atual. So Paulo: Saraiva, 2008, p.131.

O sistema progressivo Ingls denominado pelos ingleses como mark system9. Foi idealizado pelo capito Alexander Maconochie em 1840, porm, muitos consideram que foi o Coronel Manuel Motesinos de Molina, ao ser nomeado governador do presdio de Valncia em 1834.10 Conforme ensinamentos de Bitencourt o sistema de Maconochie consistia em:[...] medir a durao da pena por uma soma de trabalho e de boa conduta imposta ao condenado. Referida soma era representada por certo nmero de marcas ou vales, de tal maneira que a quantidades de vales que cada condenado necessitava obter antes de sua liberao deveria ser proporcional gravidade do delito. Diariamente, segundo a quantidade de trabalho produzido, creditavam-se-lhe uma ou vrias marcas, deduzidos os suplementos de alimentao ou de outros fatores que lhe eram feitos. Em caso de m conduta impunha-se-lhe uma multa. Somente o excedente dessas marcas, o remanescente desses dbitos-crditos seria a pena a ser cumprida.11

Esse sistema se divide em trs perodos, o perodo de prova consistia no isolamento celular diurno e noturno, e tinha como finalidade fazer o condenado refletir sobre seu delito, submetendo o apenado a trabalho duro e obrigatrio, com alimentao escassa. O segundo perodo baseava-se em trabalho coletivo, embora, sob regra do silncio absoluto, trabalhando durante o dia e sendo segregado durante a noite. O terceiro e ltimo perodo fundamentava-se na obteno de uma liberdade limitada, mais conhecida como liberdade condicional, dessa maneira, para consegui-la, em definitivamente, era necessrio o bom comportamento do apenado.

b) Sistema progressivo Irlands

Walter Crofton foi o introdutor do sistema progressivo na Irlanda, um aperfeioador do sistema progressivo ingls de Maconochie, alm disso, o que diferenciou este sistema dos outros foi o estmulo da emulao dos reclusos para a obteno da liberdade. Assim, foi incluindo um

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Sistema de vales. GUZMAN, apud BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratando de direito penal, parte geral. 13.ed. atual. So Paulo: Saraiva, 2008, p.131. BITENCOURT, Cezar Roberto. Op.cit.

quarto perodo no cumprimento da pena, o perodo intermedirio, que encontra-se especificado em notas da doutrina de Bitencourt, que diz:Perodo intermedirio - assim denominado por Crofton, ocorria entre a priso comum em local fechado e a liberdade condicional. Esse perodo era executado em prises especiais, onde o preso trabalhava ao ar livre, no exterior do estabelecimento, em trabalhos preferencialmente agrcolas. Nesse perodo que foi a novidade criada por Crofton a disciplina era mais suave, e era cumprido em prises em muro nem ferrolhos, mais parecidas com um asilo de beneficncia do que com uma priso. Muitas vezes os apenados viviam em barracas desmontveis como trabalhadores livres dedicando-se ao cultivo ou indstria.12 (grifo nosso)

O sistema progressivo irlands possui os trs perodos j existentes no sistema ingls, que so: A recluso celular diurna e noturna; a recluso celular noturna e trabalho diurno em comum e a liberdade condicional. Nesse regime foi includo o perodo intermedirio, que fica entre a recluso noturna, trabalho diurno em comum e a liberdade condicional, possuindo uma grande semelhana com as prises agrcolas brasileiras.

1.4 Sistema de Montesinos

Sistema iniciado em 1835, pelo Coronel Manuel Montesinos, governador do presdio de Valncia. Esse regime diminua o rigor dos castigos e baseava-se em princpios de um poder disciplinar racional. Bitencourt relata um dos aspectos mais interessantes da obra de Montesinos, qual seja:Um dos aspectos mais interessantes da obra de Montesinos refere-se importncia que deu s relaes com os reclusos, fundadas em sentimentos de confiana e estmulo, procurando construir no recluso uma definida autoconscincia. A ao penitenciria de Montesinos planta suas razes em um genuno sentimento em relao ao outro, demonstrando uma atitude aberta que permitisse estimular a reforma moral do recluso. Possua uma firme esperana nas possibilidades de reorientar o prximo, sem converte-se em uma prejudicial ingenuidade, encontrando o perfeito equilbrio entre o exerccio da autoridade e a atitude pedaggica que permitia a correo do recluso.1312

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NEUMAN, apud BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratando de direito penal, parte geral. 13.ed. atual. So Paulo: Saraiva, 2008, p.133. BITENCOURT, apud BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratando de direito penal, parte geral. 13.ed. atual. So Paulo: Saraiva, 2008, p.134.

Montesinos, atravs da sua grande vocao de liderana e vontade de mudana no sistema penal, logrou em disciplinar o apenado, no pela crueldade e dureza dos castigos, mas pelo exerccio de sua autoridade moral. Segundo Bitencourt, em sua obra Falncia da pena de priso, assim, afirma:

Montesinos no foi um simples terico [...] Por isso, em suas reflexes, dizia: convenceram-me enfim de que o mais ineficaz de todos os recursos em um estabelecimento penal, e o mais pernicioso tambm e mais funesto a seus progressos de moralidade, so os castigos corporais extremos. Esta mxima deve ser constante e de aplicao geral nestas casas, qual seja a de no envilecer mais aos que degradados por seus vcios vm a elas [...], porque os maus tratamentos irritam mais que corrigem e afogam os ltimos alentos de moralizao.14Entendia Montesinos que os castigos, ao invs de corrigir os detentos, os revoltavam ainda mais, dessa forma, buscava corrigi los com disciplina, reunindo doutrina e princpios que visavam um programa de ao para a reabilitao do recluso, com intuito de devolv-lo sociedade de forma regenerada, como homens virtuosos e cidados dignos e trabalhadores.

Podemos ressaltar, ainda, que, j, naquela poca, Montesinos defendia a idia que prevalece nos dias de hoje, qual seja: O trabalho tem a propriedade de Diminuir a repugnncia que tinha o antigo mal-estar dos presidirios, e inspirar-lhes, sobretudo, o amor pelo trabalho, que fosse capaz de conter ou de extinguir a poderosa influncia de seus vcios e maus hbitos. 15 Em suma, traduzia que o trabalho o melhor instrumento para conseguir o propsito reabilitador da pena, transformando o recluso em uma pessoa com perspectivas e esperanas de uma vida reformada.

1.5 O Sistema Penitencirio adotado pelo Brasil

O sistema adotado no Brasil de acordo com o Cdigo Penal Brasileiro de 1940 foi o sistema progressivo Irlands, mas com algumas modificaes, conforme, afirmaes do professor Mirabete.16 Porm, existem divergncias sobre o assunto, pois para o doutrinador Damsio de Jesus esse sistema no foi adotado no Brasil. A reforma de 1840, tal como fizera o CPB de 1940, no14

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BITENCOURT, Cezar Roberto. Falncia da pena de priso: causas e alternativas. 3 ed. So Paulo: Saraiva, 2004, p. 90. Mensagem de Montesinos ao Sr. D. Diego Martinez de la Rosa, da direo-geral dos presdios, publicada na REP, 1962, p. 284. Net. Disponvel em: . Acesso em: 15 abr.2008. MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, 16. ed. So Paulo: Atlas, 2001.v 3.

adotou um sistema progressivo e sim uma forma progressiva de execuo, visando a reabilitao do condenado. Assim, o art. 33, 2 do CPB afirma que as penas privativas de liberdade devero ser executadas em forma progressiva, segundo o mrito do condenado, observando os seguintes critrios e ressalvadas as hipteses de transferncia a regime mais rigoroso.E analisando a Lei n 7.210, de 11 de julho de 1984, no seu artigo 112, que afirma:A pena privativa de liberdade ser executada em forma progressiva com a transferncia para o regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime anterior e ostentar bom comportamento carcerrio, comprovado pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progresso.17

Dando ateno a alterao dada pela Lei 10.792, de 01 de dezembro de 2003, foram ressalvadas as normas que vedam a progresso. Diante do fato, devemos analisar o sistema penitencirio brasileiro sobre a proteo da Constituio Federal de 05 de outubro de 1988, apesar de saber, o modelo penitencirio adotado sequer foi elevado a postulado constitucional, no existindo qualquer referencia a tal respeito, sendo esse tema uma construo puramente doutrinaria. Portanto, o que realmente adotamos foi a progressividade no processo de execuo, fundamentado nas legislaes infraconstitucionais. Conseqentemente, todo nosso sistema normativo penal est lastreado nessa progresso, inclusive, o artigo 2 , 1 da Lei n 8.072, de 25 de julho de 1990, uma vez que no existe vedao a progresso na execuo, bem como um cumprimento da pena em regime integral, salvo se reincidentes em crimes da mesma natureza, neste caso, se verifica a possibilidade da liberdade condicional com o cumprimento de 2/3 da pena.

1.6 Funcionamento do sistema penitencirio no Cear

Os regimes de aplicao das penas so os mesmos aplicados em todo o Brasil, quais so: regime fechado, estabelecido no artigo 34 do CPB, o regime semi-aberto, previsto no artigo 35 do17

BRASIL. Lei n 7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execuo Penal. Dirio Oficial da Unio, Braslia, 13 set. 1984. 4. ed. So Paulo: Vadem Mecum acadmico de direito, 2007.

CPB, o regime aberto, especificado no artigo 36 do CPB e o regime especial, relatado no artigo 37 do CPB. De acordo com a legislao vigente, o condenado priso tem direitos especificados no artigo 41 da Lei n 7210/84.Artigo 41 - Constituem direitos do preso: I - alimentao suficiente e vesturio; II - atribuio de trabalho e sua remunerao; III - previdncia social; IV - constituio de peclio; V - proporcionalidade na distribuio do tempo para o trabalho, o descanso e a recreao; VI - exerccio das atividades profissionais, intelectuais, artsticas e desportivas anteriores, desde que compatveis com a execuo da pena; VII - assistncia material, sade, jurdica, educacional, social e religiosa; VIII - proteo contra qualquer forma de sensacionalismo; IX - entrevista pessoal e reservada com o advogado; X - visita do cnjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados; XI - chamamento nominal; XII - igualdade de tratamento salvo quanto s exigncias da individualizao da pena; XIII - audincia especial com o diretor do estabelecimento; XIV - representao e petio a qualquer autoridade, em defesa de direito; XV - contato com o mundo exterior por meio de correspondncia escrita, da leitura e de outros meios de informao que no comprometam a moral e dos bons costumes. Pargrafo nico - Os direitos previsto s nos incisos V, X e XV podero ser suspensos ou restringidos mediante ato motivado do diretor do estabelecimento.18

A aplicao da pena cumprida em penitencirias, colnia agrcola, industrial ou similar, em casa do albergado, centro de observao, hospital de custdia e tratamento psiquitrico, e em cadeias pblicas. No Cear, existe uma atividade pioneira de terceirizao de presdios, cuja administrao dos presdios confiada empresas privadas. Nestes estabelecimentos so instaladas indstrias que possibilitam trabalho remunerado ao condenado de bom comportamento estando em regime fechado. As penitencirias terceirizadas com o sistema de co-gesto so a PIRC - Penitenciria Industrial Regional do Cariri, Juazeiro do Norte CE, a PIRS Penitenciria Industrial Regional de Sobral e o IPPO II, Instituto Professor Paulo Oliveira II, Fortaleza CE.

18

BRASIL. Lei n 7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execuo Penal. Dirio Oficial da Unio, Braslia, 13 set. 1984. 4 ed. So Paulo: Vadem Mecum acadmico de direito, 2007.

No que tange terceirizao, ser detalhada no terceiro captulo. Agora no segundo captulo, iremos tratar do trabalho prisional, sua importncia na reabilitao do condenado atravs do trabalho em presdios, ainda por cima, o papel da empresa na reabilitao do preso e o impacto da reabilitao do apenado na sociedade.

2 TRABALHO PRISIONAL

O trabalho tem a propriedade de diminuir a repugnncia que tinha o antigo mal-estar dos presidirios, e inspirar-lhes, sobretudo, o amor pelo trabalho, que fosse capaz de conter ou de extinguir a poderosa influncia de seus vcios e maus hbitos. Montesinos19

Os primeiros sinais de trabalho prisional surgiram em meados do sculo XVIII, como forma de amenizar os suplcios e a crueldade a que eram submetidos os indivduos que praticavam crimes. O direito penal da poca preconizava um tratamento mais humano para as penas. O suplcio no era mais aplicado, surge ento um novo mtodo de punio, a privao de liberdade, que coincide com o incio da transio do perodo feudal para o perodo capitalista. Segundo Foucault:Essa necessidade de um castigo sem suplicio formulada primeiro como um grito do corao ou da natureza indignada: no pior dos assassinos, uma coisa pelo menos deve ser respeitada quando punimos: sua humanidade. Chegar o dia, no sculo XIX, que esse homem, descoberto no criminoso, se tornar o alvo da interveno penal, o objeto que ela pretende corrigir e transformar, o domnio de uma serie de cincias e de prticas estranhas penitencirias, criminolgicas. Mas, nessa poca das Luzes, no como tema de um saber positivo que o homem posto como objeo contra a barbrie dos suplcios, mas como limites de direito, como fronteira legtima do poder de punir. No o que ela tem de atingir se quiser modific-lo, mas o que ela deve deixar inato para estar em condies de respeit-lo. [...] Marca o ponto de parada imposto a vingana do soberano. O homem que os reformadores puseram em destaque contra o despotismo do cadafalso tambm um homem-medida: no das coisas, mas do poder.20

Esse novo mtodo buscava mais do que respeito pela humanidade dos condenados, sobretudo, uma justia mais desimpedida e inteligente, que ensejasse uma vigilncia penal focada

19

20

MONTESINOS, apud BITENCOURT, Cezar Roberto. Falncia da pena de priso: causas e alternativas. 3 ed. So Paulo: Saraiva, 2004, p. 92. FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: histria da violncia nas prises. 27. ed. So Paulo: Vozes, 2006, p.6364.

ao corpo social, visando uma harmonizao dos instrumentos que se encarregavam de vigiar o comportamento cotidiano das pessoas. Com isso, tornava o poder de punir mais regular, eficaz, constante e bem detalhado com seus efeitos. Essa reforma tinha o objetivo de fazer com que o poder de julgar no dependesse mais de privilgios mltiplos, descontnuos e contraditrios da soberania, mas de efeitos continuadamente distribudos de poder pblico. De acordo com estudos de Foucault:A priso: um quartel um pouco estrito, uma escola sem indulgncias, uma oficina sombria, mas, levando ao fundo, nada de qualitativamente diferente. Esse duplo fundamento jurdico econmico por um lado, tcnico disciplinar por outro fez a priso aparecer como a forma mais imediata e mais civilizada de todas as penas. E foi esse duplo fundamento que lhe deu imediata solidez. Uma coisa, com efeito, clara: a priso no foi primeiro uma privao de liberdade a que se teria dado em seguida uma funo tcnica de correo; ela foi desde o incio uma deteno legal encarregada de um suplemento corretivo, ou ainda uma empresa de modificao dos indivduos que a privao dos indivduos que a privao de liberdade permite fazer funcionar no sistema legal.Em suma, o encarceramento penal, desde o incio do sculo XIX, recobriu ao mesmo tempo a privao de liberdade e a transformao tcnica dos indivduos.21

A priso tambm tem o fundamento de transformar o indivduo, por isso, deve ser um aparelho disciplinador incansvel, utilizando-se de todos os aspectos do recluso: o seu treinamento fsico, a aptido para o trabalho, sua atitude moral, seu comportamento cotidiano e suas disposies. Atravs de uma viso de disciplina rgida, foi implantado o trabalho prisional, utilizando como princpio de ordem e de regularidade, excluindo a agitao e a distrao, impondo uma hierarquia e uma vigilncia que sero ainda bem mais aceitas, que penetram com mais profundidade no comportamento do condenado. O trabalho prisional, que vem sendo desenvolvido nas prises, segue estritamente o princpio do taylorismo, tendo em vista, est voltado para o controle dos condenados, privilegiando uma rgida disciplina tambem, est totalmente prescrito e normatizado pela Lei de Execues Penais LEP, a qual prescreve quem deve trabalhar e como esse trabalho deve ser desenvolvido, especificado nos artigos 28 a 37 da LEP.21

FOUCAULT, Michel.Vigiar e punir: histria da violncia nas prises. 27. ed. So Paulo: Vozes, 2006, p.196197.

Como o benefcio do trabalho, o condenado s tem a ganhar, vista que, compensado pelos privilgios que o presdio pode oferecer aos reclusos, ou seja, medida que os apenados atendem s exigncias do padro de comportamento prisional, podem obter benefcios, tais como: reduo da pena, a cada trs dias de trabalho diminudo um dia de pena do condenado; troca de regime; direito a visitas ntimas, entre outros benefcios legais. Portanto, o trabalho dentro das unidades prisionais ocupa os condenados e, ainda, a medida correta contra os desvios de sua imaginao, dando a estes noes de hierarquia e disciplina, obteno de aprendizagem ou aperfeioamento de uma profisso, a garantia de remunerao pelo servio prestado e a diminuio do perodo de cumprimento da pena. Alm do carter ressocializador que o trabalho tem, possibilitando ao condenado o retorno sociedade de forma regenerada, estimulando de todas as maneiras possveis sua integrao na comunidade legal da qual faz parte. Os presos, as empresas e a sociedade so beneficiados com os trabalhos desempenhados nas penitencirias. No que tange a esses benefcios, podemos exemplificar alguns pontos especificados por Paloma Cotes, como:Benefcios para os presos: a cada trs dias de trabalho, ganha um dia de reduo de pena; recebem cerca de um salrio mnimo; dez por cento dos salrios dos presos so automaticamente poupados. Assim, eles tm um fundo para quando sarem da priso; os salrios podem ser enviados famlia ou usados para despesas pessoais, como compra de material de higiene; a capacidade que os presos recebem ser til para conseguirem um emprego fora da priso. Benefcios para as empresas: os presos no so empregados no regime de CLT. Com isso, as empresas economizam at 60% dos custos de mo-de-obra ao no pagar benefcios, como frias, 13 salrio e fundo de garantia; a empresa tambm poupa na instalao da unidade de produo, pois usa a infra-estrutura do presdio, como galpes, gua e energia eltrica; os presos faltam menos ao trabalho do que um operrio comum. Benefcios para a sociedade: o trabalho aumenta a chance de ressocializao do preso. uma forma de prevenir a reincidncia quando ele ganha liberdade; Dez por cento do salrio dos presos alimenta um fundo que paga o trabalho de outros detentos na manuteno das unidades prisionais; o trabalho ocupa os condenados, diminuindo as tenses na cadeia e os motivos para rebelies ou fugas; os presos adquirem noes de hierarquia, cumprimento de horrios e metas de produo.22 (grifo nosso)

22

COTES, Paloma. Crime, castigo e trabalho. poca, So Paulo, Globo, n. 402, p.36, jan. 2006.

Enquanto para Antonio Garca-Pablos y Molina23, considera-se que o ambiente carcerrio um meio artificial, antinatural, que no permite realizar nenhum trabalho reabilitador com o recluso. Porm, no vemos o sistema nessa percepo, prefirimos nos ater s idias expostas da nobre autora Paloma Cotes, uma vez que temos fatos concretos de ressocializao, como se ver:Ricardo Teixeira foi condenado a mais de 95 anos por assassinato. Passou 22 anos atrs das grades. H trs, ganhou a liberdade e tambm uma oportunidade de emprego. No cometeu mais crime, recebeu registro na carteira e inspirao para colegas que ainda esto presos. [...] Presos da penitenciria de Trememb, interior de So Paulo, trabalham para o prprio Estado, consertando carteiras escolares e costurando os uniformes usados no sistema penitencirio. Dietrich Grandberg foi preso por receptao e formao de quadrilha. o trabalho ajuda a no perder tempo com coisa inteis. Alm disso, a remisso boa e, com o salrio mnimo que ganho, consigo comprar para mim coisas que a cadeia no oferece, diz.24

Acreditamos sim que o trabalho ressocializa os condenados, alm, de disciplin los para a vida fora da penitenciria. Certo que, as experincias ainda so poucas, devido o preconceito que a sociedade tem com esse tipo de pessoa.

2.1 A importncia da reabilitao do condenado atravs do trabalho em presdios

O trabalho prisional buscou em seu principal instrumento promover a reabilitao do detento. Desde a extino dos suplcios como forma de punio at os dias atuais, o trabalho em presdios passou a desempenhar um papel principal na execuo da pena. A preocupao com a ressocializao conduziu a humanizao da passagem do detento na cadeia, de tal forma que passou a focalizar a pessoa delinquente como o centro da reflexo cientfica. Atravs de estudos das obras do professor Damsio de Jesus, entendemos que o modelo ressocializador como um sistema reabilitador indica a idia de preveno especial pena privativa de liberdade, devendo consistir em medida que vise ressocializar a pessoa em conflito com a lei. Nesse sistema, a priso no um instrumento de vingana, mas sim um meio de reinsero mais humanitria do indivduo na sociedade.23

24

GARCA-PABLOS, Antonio y Molina apud BITENCOURT, Cezar Roberto .Tratando de direito penal, parte geral. 13.ed. atual. So Paulo: Saraiva, 2008, p.105. COTES, Paloma. Crime, castigo e trabalho. poca, So Paulo, Globo, n. 402, p.36, jan. 2006.

Esse modelo ressocializador assume a natureza social do problema criminal, constitudo nos princpios de co-responsabilidade e de solidariedade social, entre o infrator e as normas do Estado contemporneo, unindo a iniciativa pblica com a iniciativa privada. Essa unio torna a priso um ambiente de ressocializao, no qual o preso poder usufruir um dos fundamentos da Constituio Federal, a dignidade da pessoa humana25. Entretanto, da forma que o sistema est sendo aplicado nas cadeias brasileiras, onde no h a participao da iniciativa privada, esse fundamento claramente violado, atravs da falta de estrutura, da superlotao, da ociosidade, alm dos descasos com os detentos que, l, se encontram. No entendimento de Coelho:A ressocializao no o nico e nem o principal objetivo da pena, mas sim, uma das finalidades que deve ser perseguida na medida do possvel. Salienta tambm que no se pode atribuir s disciplinas penais a responsabilidade de conseguir a completa ressocializao do delinqente, ignorando a existncia de outros programas e meios de controle social atravs dos quais o Estado e a sociedade podem dispor para cumprir o objetivo socializador, como a famlia, a escola, a igreja, entre outros.26

No resta dvida de que o trabalho dignifica o ser humano, assim como um fator determinante de segurana, estabilidade, estruturao individual e social, e, principalmente, fator determinante de incluso/excluso. Segundo Mirabete:Os presos se configuram como trabalhadores que se encontram, em sua grande maioria, ociosos, trabalhadores necessitados de polticas que supram suas necessidades bsicas, bem como de suas famlias, e que precisam nesse perodo de vida ter, na penitenciria, um espao de redescoberta de seu potencial enquanto ser humano, um espao de educao pelo trabalho.27

Logo, entendemos que o trabalho uma atividade de suma importncia para o ser humano que se encontra encarcerado, sendo uma forma de reencontrar a sua identidade como ser produtivo. Nesse mesmo entendimento, relata Roberto da Silva, O trabalho prisional dignificante, acrescenta capital humano aos presos, ajuda suas famlias e os prepara para uma

25 26

27

BRASIL. Constituio (1988). Constituio da Repblica Federativa do Brasil, Braslia, DF, Senado, 1988. COELHO, Daniel Vasconcelos. A crise no sistema penitencirio brasileiro. Disponvel em: . Acesso em: 15 abr. 2008. MIRABETE, Jlio Fabrini. Execuo Penal. 9. ed. So Paulo: Atlas, 2000, p. 99.

nova vida.28 Indubitavelmente, uma forma de transforma a vida de uma pessoa que se encontra sem perspectiva de reintegrao com o meio social.

2.2 O papel da empresa na reabilitao do preso

As empresas tm um papel fundamental na reabilitao do condenado, porm o nmero de empresas interessadas nesse empreendimento ainda muito insignificante, porque enfrentam diversos desafios na contratao de mo-de-obra prisional, principalmente, se essa contrao decorre da sua responsabilidade social, conforme Roberto Silva, consistem basicamente em trs fatores:Como assegurar a empregabilidade da pessoa aps o cumprimento de sua pena; propiciar condies para que ele absorva e vivencie os valores prprios da cultura do trabalho, como cumprimento de horrios, respeitando hierarquia, trabalho em equipe e execuo de rotinas de forma continua, organizada e sistemtica; sociabilidade positiva no ambiente de trabalho, sem medos, desconfiana, preconceitos, descriminaes ou rotulaes.29

Decerto, os estabelecimentos que enfrentam os desafios de implementar o trabalho prisional tm oportunidade de realizar uma ao justa e efetuar um bom negcio. Em vistude da entrada dos empresrios nesse mbito ser uma combinao de valores econmicos e sociais no combinando com caridade ou filantropia. Esse empreendimento conta com grandes benefcios que se encontram expressos pela LEP, como se v nos artigos 28, 2, 29, 31 a 33. O artigo 28, em seu segundo pargrafo exime a empresa empregadora de ter responsabilidades trabalhistas com o detento, j que no vincula o trabalho prisional ao regime da Consolidao das Leis do Trabalho, Decreto-Lei n 5.452, de 1 de maio de 1943, dessa forma, a empresa deixa de cumprir com vrios encargos trabalhistas como: o registro da carteira de trabalho, o no pagamento de frias e nem 13 salrio.

28

29

SILVA, Roberto da. O que as empresas podem fazer pela reabilitao do preso. So Paulo: Instituto Ethos, 2001, p. 11. Ibid., p. 43.

Referente remunerao do condenado, o artigo 29 da referida lei explica que o trabalhador ter o beneficio de ter remunerao de no mnimo 75% (setenta e cinco por cento) do valor do salrio mnimo vigente no pas. Essa remunerao dever atender:a) indenizao dos danos causados pelo crime, desde que determinados judicialmente e no reparados por outros meios; b) assistncia famlia; c) a pequenas despesas pessoais; d) ao ressarcimento ao Estado das despesas realizadas com a manuteno do condenado, em proporo a ser fixada e sem prejuzo da destinao prevista nas letras anteriores.30Alm desses requisitos, a parte restante da remunerao ser depositada em uma conta poupana, como forma de peclio, sendo entregue ao condenado aps o trmino do cumprimento da pena, como se fosse um fundo de garantia pelo trabalho prestado na penitenciria. Sendo assim, o condenado tem uma reserva para garantir a sua sobrevivncia at conseguir uma maneira de comear uma nova vida, seja com um negocio prprio, ou com algum emprego. Como o trabalho prisional dever ser realizado dentro do estabelecimento prisional para os detentos em regime fechado, como informa o artigo 31 da lei acima citada o investimento com a infra-estrutura que o empresrio precisar realizar, quando optar por produzir em galpes/salas o menor possvel. Tendo em contra partida, as inmeras oportunidades oferecidas, tais como a inexistncia de aluguel; de despesas com o fornecimento de gua e energia eltrica; de gastos com alimentao e vale-transporte, bem como a vigilncia. Portanto, de acordo com o artigo 32 da LEP, o empregador acaba se beneficiando com a adeso do detento, visto que utiliza uma mo-de-obra qualificada, tendo com base a aptido do detento para o trabalho realizado pela empresa, alm da vontade do detento de ser til e produtivo, o que eleva a sua produtividade da empresa. Quanto ao artigo 33, dessa mesma lei, estabiliza a jornada de trabalho de seis a oito horas semanais, com folgas aos sbados e domingos. Essa jornada de trabalho beneficiada pela pontualidade do trabalhador que j se encontra no local de trabalho, aproveitando, assim, o perodo integral estabelecido, sem perdas de tempo de deslocamentos e atrasos. Cludio Vaz31 pondera que o trabalho nos presdios fundamental para a reintegrao social do preso, porm existem alguns tabus que esto sendo quebrados com a experincia da empresria Ieda Marques, a qual passa a questionar que: Ser que uma rebelio no pode destruir o maquinrio que coloquei dentro do presdio?.32, com essa indagao, Mrcio Martinelli, diretor-executivo da Funcap33, responde a indagao da empresria.

Tal preocupao freqente entre os empresrios que investem no sistema penitencirio. [...] Um dia, a to temida rebelio aconteceu. O nico local que passou a inclume foi a oficina de trabalho. Os presos jamais destroem aquilo que lhes traz benefcios. Os que infringem regras mnimas de comportamento so demitidos. 34

Sendo assim, essa mais uma garantia para a implementao da empresa no mbito da penitenciria, como forma de reabilitao do apenado. De acordo com autor Roberto Silva: Reabilitao, portanto, no seu sentido mais amplo, entendida como um conjunto de atributos que permitem ao indivduo tornar-se til a si mesmo, sua famlia e sociedade 35, e , nesse sentido, que a empresa desempenha um papel fundamental nas penitencirias, dando oportunidade aos presos de se sentirem teis.30

BRASIL. Lei n 7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execuo Penal. Dirio Oficial da Unio, Braslia, 13 set. 1984. 4 ed. So Paulo: Vadem Mecum acadmico de direito, 2007. 31 VAZ, Cludio apud MARTINS, Ivan; Adriana Niccio. Emprego atrs das grades. Disponvel em: . Acesso em: 25 fev. 2008. 32 COTES, Paloma. Crime, castigo e trabalho. poca, So Paulo, Globo, n. 402, p.37, jan. 2006. 33 rgo estadual que intermedeia acordos do sistema penitencirio com as empresas de So Paulo. 34 COTES, Paloma, op.cit. 35 SILVA, Roberto da. O que as empresas podem fazer pela reabilitao do preso. So Paulo: Instituto Ethos, 2001, p. 18.

Podemos observar experincias ocorridas no Cear, no que tange o papel da empresa na reintegrao social do detento:No Cear, experincias para a reintegrao social de presos j foram colocadas em prtica. Em parceria com empresas privadas, foram construdas prises industriais, onde o condenado trabalha e recebe um atendimento que o prepara para a vida do lado de fora das grades. Em uma unidade, os detentos recebem um voto de confiana de um empresrio do ramo de jias. Um dos presos que trabalho nessa priso, foi capacitado na rea e, depois que alcanou a liberdade, foi contratado pela prpria empresa para ser designer. Ele fazia os desenhos, criando novos modelos para brincos, colares e anis, diz a ex-secretria de Justia do Cear, Sandra Dond.36

2.3 O impacto da reabilitao do apenado na sociedade

A LEP tem como um dos fundamentos reabilitao no apenado para conviver em sociedade, atravs de aes integradas com a iniciativa privada e a sociedade civil organizada, a qual resgata a identidade social do preso; diminui os ndices de reincidncia criminal, j que reduz a populao carcerria; alm, dos custos de manuteno do sistema penitencirio. Podemos observar este impacto da reabilitao do apenado na sociedade com a reportagem de Paloma Cotes:Na penitenciria II de Trememb, a 138 quilmetros de So Paulo, os presos reformam carteiras das escolas pblicas. O reconhecimento da funo vem na forma de cartas, escritas pelas crianas das escolas pblicas que recebem os mveis. Quem sabe meu filho no esta aproveitando o que de melhor estou fazendo aqui dentro?, diz Paulo Roberto de Jesus, ex-agente de segurana, de 34 anos, preso h seis por homicdio e pai de um garoto de 9 anos. Ele diz que se emociona com as cartas que recebe dos alunos. Sei que voc est a por algum motivo, mas isso no importa. Quero te dizer que estou muito grato com as carteiras que vocs fizeram, escreve um estudante de 10 anos que recebeu um dos mveis feitos por Jesus. Eles esto presos, mas no so presos, diz Claudionia Ramos, diretora da unidade. Em quatro anos de direo da cadeia de presos trabalhadores, ela nunca enfrentou uma fuga ou rebelio.37

36

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LOPES, Alfredo. Crescem nas penitencirias do Pas experincias de recuperao de detentos atravs de trabalho remunerado, em parcerias com ONGs e empresas. Disponvel em : . Acesso em: 25 fev. 2008. COTES, Paloma. Crime, castigo e trabalho. poca, So Paulo, Globo, n. 402, p.37, jan. 2006.

Neste segundo captulo, a pesquisa direcionou-se em abordar o nascimento do trabalho dentro dos sistemas prisionais, bem como a importncia deste trabalho na reabilitao do apenado, o papel da empresa na reabilitao do preso e o impacto desta reabilitao na sociedade. Enquanto no captulo a seguir veremos as especificaes da terceirizao dos presdios no Cear, analisando a evoluo histrica, sua aplicao na teoria e na prtica, tratando a respeito da constitucionalidade ou inconstitucionalidade da terceirizao dos presdios, expondo a minha opinio sobre o assunto.

3 A TERCEIRIZAO DOS PRESDIOSA responsabilidade pela assistncia e integridade fsica e moral de um condenado que se encontram recolhido numa unidade prisional estadual cumprindo pena do Estado, ex-vi do inciso XLIX do art. 5 da Constituio Federal e dos art.40 e 41 da Lei de Execuo Penal. E ressalta que o controle e o comando administrativo de uma unidade prisional estadual no podem fugir das mos do Estado, em hiptese alguma. Dr. Bomfim Cavalcante Carneiro38A primeira idia de adoo do sistema de gerenciamento privado nas prises no Brasil, mais conhecido como privatizao ou terceirizao, surgiu em 1992, atravs do Conselho Nacional de Polticas Criminais e Penitenciria (CNPCP), rgo subordinado ao Ministrio da Justia. As atribuies deste rgo esto expostas no artigo 64 da Lei n 7210/84.39 Esse modelo moderno de priso propunha uma criao de um sistema penitencirio federal, o qual tem a responsabilidade pelo cumprimento da pena restritiva de liberdade em regime fechado, enquanto que, para os Estados, a responsabilidade pela execuo da pena privativa de liberdade nos regimes semi-aberto e aberto. A empresa que se habilitasse ao exerccio de suas atividades dentro de uma penitenciria passa impreterivelmente por um processo de licitao feito por concorrncia pblica, sendo os direitos e obrigaes das partes reguladas por contrato. A iniciativa privada exerceria servios penitencirios internos como a sade, a educao, a alimentao e o trabalho dos detentos alm de poder construir e administrar os estabelecimentos. Tal administrao seria prestada por sistema de gesto mista, o qual a atribuio principal, superviso geral dos estabelecimentos, ficaria com o setor pblico ao passo que as atribuies bsicas, com a empresa prestadora de servio, conforme o efetivo cumprimento dos termos fixados em contrato. A privatizao ou terceirizao j foi posto em prtica por outros pases por exemplo: Austrlia, Frana, Inglaterra e Estados Unidos assim, tinha como objetivo reduzir os encargos pblicos40, implementar um sistema prisional com fundamento na Constituio Federal que prisma por um respeito integridade fsica e moral do preso, bem como ameniza a superlotao dos presdios brasileiros.

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39

Tribunal de Contas do Estado do Cear, processo n 00559/2003-6, p. 630. Art. 64. Ao Conselho Nacional de Poltica Criminal e Penitenciria, no exerccio de suas atividades, em mbito federal ou estadual, incumbe: I - propor diretrizes da poltica criminal quanto preveno do delito, administrao da Justia Criminal e execuo das penas e das medidas de segurana; II - contribuir na elaborao de planos nacionais de desenvolvimento, sugerindo as metas e prioridades da poltica criminal e penitenciria; III - promover a avaliao peridica do sistema criminal para a sua adequao s necessidades do Pas; IV - estimular e promover a pesquisa criminolgica; V - elaborar programa nacional penitencirio de formao e aperfeioamento do servidor; VI - estabelecer regras sobre a arquitetura e construo de estabelecimentos penais e casas de albergados; VII - estabelecer os critrios para a elaborao da estatstica criminal; VIII - inspecionar e fiscalizar os estabelecimentos penais, bem assim informar-se, mediante relatrios do Conselho Penitencirio, requisies, visitas ou outros meios, acerca do desenvolvimento da execuo penal nos Estados, Territrios e Distrito Federal, propondo s autoridades dela incumbida as medidas necessrias ao seu aprimoramento; IX - representar ao Juiz da execuo ou autoridade administrativa para instaurao de sindicncia ou procedimento administrativo, em caso de violao das normas referentes execuo penal; X - representar autoridade competente para a interdio, no todo ou em parte, de estabelecimento penal. Obrigaes ficais, previdencirias e trabalhistas.

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Esse sistema de terceirizao sofreu uma forte oposio da Ordem dos Advogados do Brasil OAB, onde alegou ser a execuo da pena uma funo pblica intransfervel, que a poltica de privatizao das penitencirias dariam margens a uma contnua explorao do trabalho do preso e que tal proposta violaria direitos e garantias constitucionais do detento. Diante desses impasses a proposta do Ministrio da Justia foi arquivada em 1992. Em 12 de novembro de 1999, foi implantada a primeira experincia de administrao prisional pblico privado, ocorrido na Priso Industrial de Guarapuava PIG, localizada no Municpio de Guarapuava, na Capital do Estado do Paran, Curitiba. A terceirizao desta penitenciria foi feita de modo parcial, e no total. A empresa contratada foi a Humanista Administrao Prisional S/C, que, na realidade, um ramo da empresa Pires Segurana. A administrao de tal empresa envolve o atendimento aos presos no que se refere alimentao, necessidades de rotina, assistncia mdica, psicolgica e jurdica dos presidirios, mediante pagamento mensal do governo do Paran.41 Entendemos sobre terceirizao como sendo, a contratao, por determinada empresa, de servios de terceiros para o desenvolvimento de atividade-meio, segundo Di Pietro. Ainda sobre a mesma tica da autora a terceirizao tem como objetivo a liberao de empresa da realizao de atividades consideradas acessrias, permitindo que a administrao concentre suas energias e criatividade nas atividades essenciais.42 Sobre o mesmo entendimento, relata Silva:

O poder pblico responsvel pela nomeao do diretor, do vice-diretor e do diretor de disciplina, que supervisionam a qualidade de trabalho da empresa contratada e fazem valer o cumprimento da Lei de Execues Penais. Ns cumprimos aqui a jornada e a rotina de um diretor de unidade penal. O grande diferencial da penitenciria de Guarapuava a possibilidade de cumprimento da Lei de Execues Penais, afirma Dilse Sbrissia, diretora do presdio.43Entendemos que o poder pblico est com o papel principal da administrao dos presdios, o controle geral da direo, afinal de contas, o responsvel pela a nomeao dos diretores das penitencirias. Atravs da implantao desse sistema de gerenciamento privado das prises brasileiras, a aplicao da LEP posta em prtica, pois eliminaria boa parte dos problemas penitencirios como a falta de trabalho para os detentos, a superlotao, a ociosidade, alm de dispor aos presos um ambiente mais digno de mant-los encarcerados. A privatizao de presdios no prope a retirada do Estado da administrao de um setor vital apara a sociedade, pelo contrrio, pretende reforar a presena do Estado com parcerias privadas, os quais unidas possam desenvolver um ambiente de mtua ajuda, comprometidos com resultados que favoream a sociedade. Dessa maneira, agregando os princpios da legalidade e eficincia da administrao pblica, os quais se encontram de forma expressa no artigo 37 da Constituio Federal. Vale ressaltar que a contratao da empresa Humanista obedece s disposies da Lei n8.666, de 21 de junho de 1993, no requisito de licitao por concorrncia pblica, em seu artigo 22, inciso I, 144, e em seu artigo 57, inciso II, 4, que trata da durao do contrato e da sua prorrogao.45 Aps esses perodos ser necessria a realizao de um novo procedimento licitatrio, pois sem o devido procedimento a empresa estar funcionando de forma ilegal e ferindo princpios constitucionais, prejudicando, assim, a sociedade.

Tal irregularidade vem acontecendo com os servios prestados pela CONAP, isso gerou at uma ao civil pblica interposta pelo Ministrio Pblico Federal - MPF e a Ordem dos41

SILVA, Roberto da. O que as empresas podem fazer pela reabilitao do preso. So Paulo: Instituto Ethos, 2001, p. 60. 42 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administrao pblica. So Paulo: Altas, 2002, p. 174. 43 SILVA, Roberto da. O que as empresas podem fazer pela reabilitao do preso. So Paulo: Instituto Ethos, 2001, p. 60. 44 Art. 22. So modalidades de licitao: I Concorrncia; 1 Concorrncia a modalidade de licitao entre quaisquer interessados que, na fase inicial de habilitao preliminar, comprove possuir os requisitos mnimos de qualificao exigidos no edital para execuo de seu objeto. 45 Art.57. A durao dos contratos regidos por esta Lei ficar adstrita vigncia dos respectivos crditos oramentrios, exceto quanto aos relativos: II prestao de servios a serem executados de forma contnua, que podero ser a sua durao prorrogada por iguais e sucessivos perodos com vistas obteno de preos e condies mais vantajosas para a administrao, limitada a sessenta meses; 4 Em carter excepcional, devidamente justificado e mediante autorizao da autoridade superior, o prazo de que trata o inciso II do caput deste artigo poder ser prorrogado em at doze meses.

Advogados do Brasil OAB contra o Estado do Cear e a CONAP em 2005, sob o n 2005.81.00.015026-046. Na presente ao, o MPF e a OAB alegaram que a execuo penal e a gesto de unidades prisionais so atividades tpicas do Estado, portanto, indelegveis iniciativa privada. Alm disso, os contratos referentes a estas atividades estariam sendo feitos de forma irregular, com dispensas de licitaes e elevados custos para o Governo. Abrangeremos esse assunto com mais nfase no tpico que fala a respeito da constitucionalidade ou inconstitucionalidade da terceirizao dos presdios.O contrato de parceria pblica-privada j foi moderado na esfera federal, atravs da Lei n 11.079, de 30 de dezembro de 2004, no seu artigo segundo da lei47 das PPPs so apresentadas duas modalidades de contrato administrativo de concesso, que podem se dar na forma patrocinada ou administrativa. Referente primeira, aquela que ao prestar o servio pblico permitido ao particular cobrar uma tarifa dos usurios do servio prestado, bem como uma contraprestao oramentria do parceiro pblico ao parceiro privado. J o contrato de concesso administrativa, aquele em que no exigida nenhuma tarifa do cidado pelo uso do servio, uma vez que o parceiro privado presta o servio, sendo remunerado diretamente pela administrao pblica. Inclusive, foi criado o Comit Gestor de Parceria Pblico-Privada Federal CGP, por meio do Decreto n 5.385, de 4 de maro de 2005, cuja competncia est expressa no artigo 348.

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Mais informaes sobre o assunto, disponvel em:. Acesso em : 01 maio. 2008. 47 Art. 2o Parceria pblico-privada o contrato administrativo de concesso, na modalidade patrocinada ou administrativa. 1o Concesso patrocinada a concesso de servios pblicos ou de obras pblicas de que trata a Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, quando envolver, adicionalmente tarifa cobrada dos usurios contraprestao pecuniria do parceiro pblico ao parceiro privado. 2o Concesso administrativa o contrato de prestao de servios de que a Administrao Pblica seja a usuria direta ou indireta, ainda que envolva execuo de obra ou fornecimento e instalao de bens. 48 Art. 3 Compete ao CGP: I - definir os servios prioritrios para execuo no regime de parceria pblico-privada e os critrios para subsidiar a anlise sobre a convenincia e oportunidade de contratao sob esse regime; II disciplinar os procedimentos para celebrao dos contatos de parceria pblico privada e aprovar suas alteraes, inclusive os relatos aplicao do art. 31 da Lei n 9.074, de 7 de julho de 1995, e o art. 21 da Lei n 8.987, de 13 de fevereiro de 1995; II - disciplinar os procedimentos para celebrao dos contratos de parceria pblico-privada e aprovar suas alteraes; (Redao dada pelo Decreto n 6.037, de 2007) III - autorizar a abertura de procedimentos licitatrios e aprovar os instrumentos convocatrios e de contratos e suas alteraes; IV - apreciar e aprovar os relatrios semestrais de execuo de contratos de parceria pblico-privada, enviados pelos Ministrios e Agncias Reguladoras, em suas reas de competncia; V - elaborar e enviar ao Congresso Nacional e ao Tribunal de Contas da Unio relatrio anual de desempenho de contratos de parceria pblico-privada e disponibilizar, por meio de stio na rede mundial de computadores (Internet), as informaes nele constantes, ressalvadas aquelas classificadas como sigilosas; VI - aprovar o Plano de Parcerias Pblico-Privada - PLP, acompanhar e avaliar a sua execuo; VII propor a edio de normas sobre a apresentao de projetos de parceria pblico privada; VII - autorizar a apresentao de projetos, estudos, levantamentos ou investigaes elaborados por pessoas fsicas ou jurdicas no pertencentes Administrao Pblica direta ou indireta, que possam ser eventualmente utilizados em licitao de parceria pblico-privada, desde que a autorizao se relacione com projetos j definidos como prioritrios pelo CGP, com o intuito de permitir o ressarcimento previsto no art. 21 da Lei n o 8.987, de 1995; (Redao dada pelo Decreto n 6.037, de 2007) VIII - estabelecer os procedimentos e requisitos dos projetos de parceria pblico-privada e dos respectivos editais de licitao, submetidos sua anlise pelos Ministrios e Agncias Reguladoras; IX - estabelecer modelos de editais de licitao e de contratos de parceria pblico-privada, bem como os requisitos tcnicos mnimos para sua aprovao;

Diante dos fatos, podemos concluir que existem funes que so indelegveis iniciativa privada, tendo em vista impeditivos e atribuies legais e dispositivos em conformidade com a LPE como, por exemplo, a execuo da pena e das medidas de segurana, em todos os seus termos; a reeducao e ressocializao do apenado, nos aspectos nucleares e no tocante responsabilidade do Estado; a segurana interna e externa das unidades prisionais e escolta de presos, o que no impede a participao acessria do setor privado; a constituio das Comisses de Classificao e todos os demais mecanismos para o controle do cumprimento das penas; a nomeao do Diretor do Estabelecimento Penal; controle do acesso s unidades prisionais, inclusive a visitao dos internos, porque tais prerrogativas atendero s normas previstas no competente regulamento, e devero ser exercidas pelo Estado; assim como o ensino fundamental nas unidades prisionais.

Caso esse sistema seja aplicado, conforme as leis que disciplinam as parcerias pblicoprivadas podem trazer vrios benefcios, como criar um instrumento dinmico e capaz de diminuir o dficit de vagas carcerrias existentes no Estado; assegurar direitos fundamentais bsicos aos presos; buscar auxlio da sociedade civil e das organizaes do terceiro setor, a fim de integrar os presos sociedade, com maior flexibilidade; busca de um instrumento gil, dinmico e que desonere o oramento do Estado, alavancando investimentos de curtssimo prazo, com ressarcimento diferido no tempo; instrumento de longo prazo, buscando objetivos concretos, atravs da parceria com o setor privado, fomentando uma cultura de gesto eficiente, o qual aberto novo horizonte iniciativa privada, em proveito da coletividade. Atualmente, no Brasil, contamos com alguns Estados que adotam o regime de terceirizao de servios penitencirios, so eles: Paran, Cear, Bahia, So Paulo, Minas Gerais, Esprito Santo, dentre outros Estados. A seguir iremos analisar a respeito da terceirizao no Estado do Cear.

3.1 Terceirizao dos presdios no Cear

O sistema de co-gesto

prisional vigora em nosso Estado desde os idos de 2001, mas foi a partir de 2002

que a empresa CONAP - Companhia Nacional de Administrao Prisional LTDA - passou a prestar servio de administrao prisional em trs unidades no Estado do Cear, a saber: Penitenciria Regional Industrial do Cariri PIRC, Penitenciria Industrial Regional de Sobral - PIRS e o Instituto Presdio Professor Olavo Oliveira II IPPOO-II, em Itaitinga.A CONAP j detm experincia em administrao de presdios em dois Estados brasileiros. Em sistema de co-gesto, responsvel por cinco presdios: trs no Cear, j mencionados e dois no Amazonas. Tal administrao atua em aspectos como o projeto arquitetnico das unidades; a estrutura de vivncias, no qual determinados nmeros de celas so agrupados, permitindo maior vigilncia, inclusive com o monitoramento de cmeras; fornecimento de alimentao para os internos quatro vezes por dia; fornecimento de roupa, calado e kits de higiene; alm de assistncia jurdica, mdica, odontologia, psiquiatria, psicologia, assistente social, escola e educao fsica. Alm de trabalhar para aumentar o nmero de oficinas de trabalho, atravs das quais possvel proporcionar uma fonte de renda imediata, enquanto o interno permanece na priso. As oficinas tambm tm formado presos que podem retornar sua condio de cidado e chefe de famlia.

X - estabelecer os procedimentos bsicos para acompanhamento e avaliao peridicos dos contratos de parceria pblico-privada; XI - elaborar seu regimento interno; e XII - expedir resolues necessrias ao exerccio de sua competncia.

O bom desempenho da CONAP notrio, tendo destaque com a implantao da empresa Criativa Jias, do empresrio Zacarias Silva, que oferece trabalho para os detentos da PIRC, profissionalizando e empregando os que se destacam quando estes ganham a liberdade. Atualmente, com trinta de oito funcionrios, sendo trinta e cinco internos, contando com o apoio de dois instrutores e um gerente de produo que fazem o acompanhamento dos internos na produo de embalagens (em PVC) para semi-jias e peas brutas (semi-acabadas), faltando apenas a folheao a ouro ou prata para sua finalizao,garantindo, desse modo, 60% da produo. Sobre a sua instalao, a Criativa Jias dispe de um Galpo Industrial com rea de 897 m2, situada nas dependncias da PIRC e uma rea de 3000 m, onde situa a matriz no bairro Novo Juazeiro.49

Cada uma dessas instituies administradas pela iniciativa privada comporta, no mximo, 500 presos, totalizando 1.500, aproximadamente. Por questes contratuais, este nmero no pode ser ultrapassado. O excedente acaba ficando no sistema pblico, j superlotado, em locais como o Instituto Penal Paulo Sarasate - IPPS, cuja capacidade estrutural comporta cerca de 940 internos, v-se commais de 1700 confinados; o Instituto Penal Feminino Desembargadora Auri Moura Costa que formalmente suportar at 134 detentas, mas, hoje, confina mais de 240; o IPPOO - I (situado na Av.dos Expedicionrios) com capacidade de confinar cerca de 400 internos, hoje, acolhe cerca de 670,

sem contar com as delegacias do Estado e as

cadeias pblicas do Interior.Diante dos relatos, ainda, e tendo como fundamento que o preso perde um de seus direitos mais essenciais, qual seja, a liberdade, a restrio de tal direito no faz com que o apenado seja privado de condies dignas para sua recolocao na sociedade, aps o cumprimento da medida punitiva. Nesse sentido, o presidirio sujeito de direitos fundamentais, assim como os demais membros da sociedade. Tais garantias englobam os direitos alimentao, segurana, trabalho, condies mnimas de higiene e educao, dentre outras. Alm das outras garantias, entendemos que o trabalho um dos direitos mais importantes para o presidirio, em virtude de ser a forma mais disciplinadora de hierarquia e obedincia, sem falar que, com uma atividade produtiva, o detento aprende uma profisso ou aprimora a j existente, passa a ter uma remunerao que vai ajudar sua famlia a sobreviver na sua ausncia. Alm de garantir uma renda que ser poupada todo ms de trabalho como se fosse um fundo de garantia, a qual servir para o seu regresso sociedade isso, sem falar na remio da pena, quer dizer, a cada trs dias trabalhados diminudo um dia da sua pena.50

3.2 A respeito da inconstitucionalidade da terceirizao dos presdios

Sobre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade dos presdios, o Ministrio Pblico e a Ordem dos Advogados do Brasil j se pronunciou, com uma ao civil pblica sob o n 2005.81.00.015026-0 ambos os rgos entendem que a terceirizao inconstitucional.

Em 19 de janeiro de 2006, o juiz federal Marcus Vincius Parente Rebouas, respondendo interinamente pela titularidade da 3 Vara Federal neste Estado, decide que:1. Ante o exposto, sem adentrar no mrito, rejeito as preliminares argidas e defiro, em parte, o pedido de antecipao dos efeitos da tutela, to-somente, para os efeitos de compelir o Estado do Cear a: a) suspender, no lapso de at 06 (seis) meses, a contar da sua intimao formal acerca desta deciso, o(s) vnculo(s) jurdico(s), contratual(is) ou no, atualmente aperfeioado(s) com a CONAP que te()m por objeto a co-gesto prisional da49

Mais informaes no endereo eletrnico disponvel em: . Acesso em: 01 maio 2008.50

Mais esclarecimentos no artigo 126, 1, da Lei n 7.210/84.

Penitenciria Industrial Regional do Cariri (PIRC), da Penitenciria Industrial Regional de Sobral (PIRS) e do Instituto Presdio Professor Olavo Oliveira II (IPPOO II), sem prejuzo de quaisquer outros prazos menores fixados em decises judiciais ou administrativas proferidas em outros processos; b) prover os recursos financeiros, humanos e materiais necessrios substituio, dentro do interstcio mencionado na alnea anterior, de toda a estrutura operacional da CONAP utilizada na co-gesto das trs unidades prisionais precitadas, assegurando uma segura, adequada e responsvel aplicao da lei penal nos referidos estabelecimentos carcerrios; c) abster-se de delegar, mediante vnculos contratuais ou no, a execuo de servios penitencirios a empresas privadas em desconformidade com os limites consignados na Resoluo n 08, de 09 de dezembro de 2002, do Conselho Nacional de Poltica Criminal e Penitenciria - CNPCP e com as formalidades atinentes Lei n 8.666, de 21 de junho de 1993; e d) a apresentar, no prazo de 15 (quinze) dias, demonstraes financeiras acerca dos recursos pagos CONAP em funo da co-gesto de unidades prisionais, especificando os valores mensais despendidos e a origem dos recursos movimentados. 2. Por oportuno, com fulcro no art. 461, 4, do CPC, acrescido pela Lei n 8.952/1994, j fixo multa cominatria diria no importe de R$ 10.000,00 (dez mil reais), caso haja o descumprimento de quaisquer dos comandos consignados nas alneas "a", "b" e "c" do item anterior. A penalidade em aluso aplicar-se-, solidariamente, aos Demandados, se ambos derem causa sua incidncia. 3. Consoante o disposto na Resoluo CJF n 442/2005 e na Consulta CJF n 2005162752, determino o registro desta pea decisria. 4. Intimem-se as partes acerca do inteiro teor dessa deciso, ao mesmo tempo em que os Demandantes j devem ser chamados a apresentarem rplica s contestaes, ocasio em que devem discorrer sobre os documentos que as instruem e especificar, de forma fundamentada, as provas que ainda colimam produzir. 5. Expedientes de MXIMA URGNCIA. Planto.51

Em documento de 19 pginas, o magistrado fundamenta sua deciso, ressaltando que o mrito do processo dever ser julgado posteriormente. O juiz deferiu o pedido de antecipao dos efeitos de tutela para que seja suspenso, no prazo mximo de seis meses, o contrato que o Estado do Cear tem com a empresa particular Companhia Nacional de Administrao Prisional Limitada - CONAP. Na mesma sentena, o juiz determina que sejam providos, recursos financeiros, humanos e materiais necessrios substituio em seis meses de toda a estrutura operacional da CONAP utilizada na co-gesto das trs unidades prisionais, garantindo uma segura, adequada e responsvel aplicao da lei penal nos referidos estabelecimentos carcerrios.

51

Deciso da ao civil pblica, disponvel em: . Acesso em: 07 maio 2008.

O juiz Marcus Vincius Parente Rebouas foi mais alm em sua deciso: determinou que, no prazo de 15 dias o Estado apresente Justia as demonstraes financeiras acerca dos recursos pagos a CONAP em funo da co-gesto de unidades prisionais, especificando os valores mensais despendidos, mas tambm a origem dos recursos movimentados. Em caso de descumprimento do Estado deciso judicial, foi fixada multa diria de R$ 10 mil. Atravs dessa deciso, foi gerado um processo no Tribunal de Contas do Estado do Cear sob n 00559/2003-6, que analisa a administrao da CONAP junto a Secretaria de Justia e Cidadania a Poltica. De acordo com o parecer ministerial, podemos deduzir que a CONAP, ao contrrio senso do articulado pelas autoridades notificadas, participa diretamente de todas as decises de cunho poltico encetadas no mbito das unidades prisionais que coordena; que a direo administrativa geral das unidades prisionais de responsabilidade dos prepostos da CONAP, inclusive, aquelas referentes segurana interna do presdio, conforme comprovado pelo organograma funcional da CONAP; que no se vislumbra no ajuste celebrado entre a SEJUS e CONAP. A comunidade de interesses entre os contratantes representado no seu desiderato de atingir um fim comum, uma vez que a motivao da contratada dirigida obteno do lucro advindo dos pagamentos realizados pela SEJUS, segundo o padro de sujeio de interesses, o que descaracterizaria a natureza de co-gesto suscitada pelos defendentes que , reconhecidamente, os agentes de disciplina desempenham funo tpica de agente penitencirio; que, considerando a quantidade de encargos sociais atrelados formao do vnculo trabalhista dos servidores contratados pela CONAP, no restaria demonstrada a aludida vantagem econmica suscitada pelas autoridades supra nominadas, sendo certo que , alm de mais dispendiosa, tem um custo para o Estado de uma importncia de R$ 56.000.000,00, durante os cinco anos de gesto, dessa forma malferindo a LEP e a Lei n 11.079/04 no seu artigo 2, 4, I a II.52 Sobre o processo licitatrio da CONAP, a Procuradora de Justia, Maria Luiza Fontenele de Paula Rodrigues, aduz que:Que, passados cinco anos da primeira contratao da empresa HUMANITAS, da qual a CONAP a sucessora, esta ltima jamais foi contratada com observncia de procedimento licitatrio, sendo comprovado que, a despeito do seu carter transitrio, a utilizao de requisio administrativa na espcie seria imprprio, tendo em vista a

52

Informaes obtidas no processo n 00559/2003-6, do Tribunal de Contas do Estado do Cear.

mesma vir-se renovando por trs anos seguidos e no se observar iminncia de perigo pblico como circunstancia imprevisvel.53

A Lei n 11.079/04, j mencionada, estabelece normas gerais para a licitao e contratao de parceria pblica-privada no mbito da administrao pblica, e conforme o artigo 10 desta lei, a contratao da parceria pblico-privada tem que ser precedida de licitao na modalidade de concorrncia. O que no vem ocorrendo na contratao da CONAP. Em observncia ao relatrio feito pelo Conselho Penitencirio Estadual e o parecer ministerial ora mencionado, entendemos que a Segurana Pblica funo tpica do Estado, sendo assim, uma funo indelegvel, intransfervel, e vinculada execuo penal, por conseguinte no admite que os empregados da CONAP sejam responsveis pela disciplina e punio de detentos ou por sua superviso assistencial, funo essas privativas da Administrao Pblica, conforme o artigo 144 da CF/88 informa expressamente que a segurana pblica dever do Estado, e a Lei n 11.079/04 no seu artigo 4, inciso III, relata que: Na contratao de parceria pblico-privada sero observadas as seguintes diretrizes: indelegabilidade das funes de regulao, jurisdicional, do poder de polcia e de outras atividades exclusivas do Estado. Das irregularidades encontradas nas unidades prisionais administradas pela CONAP, foram encontradas as seguintes:Inspecionando as unidades prisionais administradas pela CONAP, foram encontradas irregularidades graves na conduo dos presdios, no pertinente sub-contratao dos servios de refeio de presos, ao controle deficiente de tais servios, ao abastecimento irregular de veculos no abarcados pelo contrato em exame, ineficincia e desdia por parte dos profissionais contratados pela CONAP da administrao das unidades carcerrias inspecionadas, ineficincia do controle patrimonial dos presdios, ausncia de programas de ressocializao dos detentos na Penitenciria Industrial de Sobral, insuficincia de contingente militar para a guarda externa nas trs unidades carcerrias e a onerao excessiva do custeio dos detentos sob a guarda da CONAP, em mdia 55% mais elevado que os arcados pela SEJUS.54Aps a suspenso feita pelo juiz Marcus Vincius Parente Rebouas, foi revelado que, enquanto o Governo do Estado paga R$ 650 reais de despesa com cada detento que cumpre pena em presdio ou cadeia, a CONAP recebe do Estado para bancar os gastos mensais de cada detento cerca de R$ 920 reais. Isso confirma o parecer ministerial do TCE. Os cargos preenchidos pela CONAP mediante terceirizao esto os de agente disciplinar, motorista, auxiliar administrativo, psiclogo, auxiliar de enfermagem, advogados, psiquiatra, enfermeiro e dentista, entre outros. De acordo com Cludio Alcntara, So profissionais que lidam diretamente com a razo de existir das unidades prisionais: os presos. Apesar de ser claro que as atividades so da essncia desta rea de atuao governamental, o Estado refuta em dizer que no o .5553 54

Ibid. Informaes obtidas no processo n 00559/2003-6, do Tribunal de Contas do Estado do Cear. 55 MEIRELES, Cludio Alcntara. Justia manda Estado suspender terceirizao em presdios do CE. Disponvel em: . Acesso

Entendemos, assim, que os contratos celebrados entre a SEJUS e a CONAP so irregulares, se levarmos em considerao o princpio constitucional do concurso pblico, o artigo 5, inciso XLIX da CF/88, assim como os artigos 11, 34, 40, 41 e 75 a 77 da LEP, os quais regulam a assistncia ao preso, do trabalho, dos seus direitos, da direo, bem como do pessoal dos estabelecimentos penais. Respeitando o princpio do contraditrio e da ampla defesa, em 06 de setembro de 2007, a CONAP entrou com embargos declaratrios sob o n 2006.0003.9958-2/2, no agravo regimental sob o n 2006.0003.9958-2/1, para suspender a antecipao de tutela, sob risco de dano grave. Em 12 de novembro, saiu a deciso proferida pelo relator Desembargador Fernando Luiz Ximenes Rocha, qual seja: A corte, por unanimidade, no conheceu dos embargos declaratrios, nos termos dos votos da relatoria.56 Isso quer dizer que a suspenso continua.O Conselho Nacional de Poltica Criminal e Penitenciria j vetou a possibilidade de co-gesto nos moldes como se verifica em nosso Estado, a teor da Resoluo de No. 08/2002 , mas, por razes ocultas, a terceirizao ainda resiste, muito embora a OAB e o Ministrio Pblico Federal tenham manejado Ao Civil Pblica a respeito da inconstitucionalidade da terceirizao, ora em trmite, perante a Justia Federal. Da forma que a terceirizao vem sendo implantada em nosso Estado, entendemos que essa inconstitucional. Contudo, a segurana pblica um dever delegado ao Estado e no pode ser exercido por empresa privada, pois, ao entregar esse dever a terceiros, a segurana da sociedade corre o risco de ser irreversivelmente prejudicada, se pensarmos que tal administrao possa cair em mos erradas, como faces criminosas. Porm, a respeito da constitucionalizao da terceirizao iremos discorrer no subttulo a seguir.57

3.3 Em defesa da constitucionalizao da terceirizao dos presdiosem 08 maio 208. 56 Dirio Justia do Estado do Cear, n 214, p.08. 12 de nov. 2007. 57 Art. 1- Recomendar a rejeio de quaisquer propostas tendentes privatizao do Sistema Penitencirio Brasileiro. Art. 2- Considerar admissvel que os servios penitencirios no relacionados segurana, administrao e ao gerenciamento de unidade, bem como disciplina, ao efetivo acompanhamento e avaliao da individualizao da execuo penal, possam ser executados por empresa privada. Pargrafo nico: Os servios tcnicos relacionados ao acompanhamento e avaliao da individualizao da execuo penal, assim compreendidos os relativos assistncia jurdica,; mdica, psicolgica e social, por se inserirem em atividade administrativas destinadas a instruir decises judiciais, sob nenhuma hiptese ou pretexto devero ser realizadas por empresas privadas de forma direta ou delegada, uma vez que compem requisitos da avaliao do mrito dos condenados. Art. 3- Esta Resoluo entra em vigor na data de publicao, revogadas as disposies em contrario, e em especial a Resoluo n. 01/93, de 24 de maro de 1993, deste Conselho.

Atualmente, no Brasil, existem cinco empresas que j so candidatas a disputar esse mercado da terceirizao de presdios: Companhia Nacional de Administrao Presidiria -CONAP, Instituto Nacional de Administrao Penitenciria - INAP, Montesinos, Reviver e Yumat. A co-gesto j existe em 16 presdios brasileiros, com 7.346 detentos. O Estado entrega, por um perodo de um a cinco anos, uma priso j construda para uma empresa cuidar de toda a administrao interna, da cozinha aos agentes penitencirios. O primeiro presdio gerido dessa forma foi o de Guarapuava, no Paran, em 1999, como j mencionado. A privatizao uma idia que tem como objetivo enfrentar uma situao catica que vem se alastrando em nossas prises brasileiras, como novas alternativas para a pena de priso. Essa atividade, quando voltada ao sistema carcerrio, pode ocorrer de quatro formas: (a) entrega da direo da priso companhia privada; (b) entrega da construo iniciativa privada que posteriormente a aluga ao Estado; (c) utilizao dos trabalhos dos presos nas prises industriais pelos particulares; (d) entrega de determinados servios ao setor privado, o qual pode ser encarado tambm como terceirizao58.

Esse sistema traz benefcios tambm em relao liberao de financiamento para construo de novas penitencirias isso segundo Freire o