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Coleyao Big Bang Dirigida por Gita K. Guinsburg Equipe de Realizaya o - Revisao: Sandra Martha Dolinsky; Capa: Sergio Kon; Editorayao Eletroni ca: Ponto &Linba; Produyao: Ricardo W. Neves e Raquel Fernande s Abranchcs. Dialogos sobre 0 Conhecimento Feyerabend Tradu< ;ao e Notas Gita K. Gui nsburg $ \l/l : : : : a ~ PERSPECTIVA ~,\\~

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Coleyao Big Bang

Dirigida por Gita K. Guinsburg

Equipe de Realizayao - Revisao: Sandra Martha Dolinsky; Capa: Sergio Kon; Editorayao Eletronica:

Ponto & Linba; Produyao: Ricardo W. Neves e Raquel Fernandes Abranchcs.

Dialogossobre 0

Conhecimento

•Feyerabend 

•Tradu<;ao e Notas

Gita K. Guinsburg

$\l/l: : : : a ~ PERSPECTIVA

~,\\~

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Titulo do original italiano

 Dialoghi sulfa conoscenza

Dados Intemacionais de Catalogayao na Publicayao (CIP)(Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Feyerbend, Paul K., 1924-1994.

Dialogos sobre 0conhecimento / Feyerabend ;

traduyao e notas Gita K. Guinsburg. -- Sao Paulo:

Perspectiva, 2008. -- (Big Bang)

Titulo original: Dialoghi sulla conoscenza.

Ia reimpr. da 1. ed. de 2001.

ISBN 978-85-273-0237-1

1. Ciencia - Filosofia 2. Conhecimento - Teoria

3. Filosofia - Teoria I. Guinsburg, Gita K. II. Titulo.

III. Serie.

Indices para catalogo sistematico:

1. Ciencia : Filosofia 501

Direitos reservados em lingua portuguesa it:

EDITORA PERSPECTIVA S.A.

Av. Brigadeiro Luis Antonio, 3025

01401-000 - Sao Paulo - SP - Brasil

Telefone: (0--11) 3885-8388

www.editoraperspectiva.com.br 

Sumario

Algumas Observa<,;oes da Tradutora 9

Fantasia Platonica 11

Ao Termino de Urn Passeio N ao-Filosofi co entre os B osques 65

Posfacio 113

Cronologia Resumida da Vida e da Obra de Paul Feyerabend 119

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Algumas Observa~6es

da Tradutora

As ideias de Feyerabend suscitaram grande interesse e poletl1icas

das mais acirradas nos meios cientificos e academicos devido a desafian-

te postUl'a critica desse fisico e filosofo que ganhou renome a partir da

decada de 1960, quando passou a dedicar-se especialmente a analise dos

fundamentos das teorias da fisica e da epistemologia cientlfica. A princi-

 pal acusa<,;aolevantada contra suas concep<,;oes era a de ser um pregoei-

1'0do relativismo e do anarquismo intelectual. E os di{llogos que sao tra-

vados neste liv1'Oe que me proponho a levar ao conhecimento do leitor 

cle lingua portuguesa giram precisamente em torno desses dois focos.

 Neles,o autor procura tanto esclarecer e circunscrever a natureza e 0

alcance de seus pontos de vista, quanta os dos conceitos que os susten-tam, de modo a infirmar os argumentos de seus ferozes adversarios.

POl' discutiveis que sejam algumas de suas concep<;oes, a discus-

S;IOe 0 modo de discuti-Ias sao de grande riqueza, e 0 pensamento clo

qual sao portadoras apresenta aspectos efetivamente vanguardeiros na

abordagem de algumas das grandes preocupa<,;oes da sociedade contem-

 por;l11eana pauta do tecnicismo, da diversidade cultural e da individuali-

dade da pessoa, da trans e multidisciplinaridade e das rela<;oes entre

clf:ncia, politic a e etica. Com esse largo espectro de exame, os Dialogos

.wbre 0Conhecimento desenvolvem a dialetica de um analista ousado e

agudo, cujas proposi<,;oes hao de incitar a reflexao quer nos caminhos da

fllosol1a quer nos da fisica.

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 Nao posso, entretanto, encerrar  0meu breve comentario sobre as

ideias desse pensador sem mencionar as dllVidas surgidas em rela<,:aoaos

seus vinculos com 0nazismo, nao s6 por Feyerabend ter sido criado na

atmosfera da Alemanha de Hitler e participado da Segunda Guerra

Mundial como combatente do exercito germanico, mas tambem pela

estranheza causada por algumas de suas declara<,:oesrelativas as respon-

sabilidades do povo alemao nos terriveis atos contra a humanidade em

geral e os judeus em particular perpetrados pelo III Reich. A esse prop6-

sito cumpre-me dizer que essas coloca<,:oesnao podem ser interpretadas

como uma defesa da ideologia e das praticas dos criminosos de Hitler, 0

que seria e e inaceitavel, sob qualquer 6ptica, mas e mister analisa-Ias e

compreende-Ias no contexto do seu pensamento, que se empenha em

transporta-Ias do plano coletivo para 0da etica individual e, nesse senti-

do, relativiza-Ias.

Fantasia Platonica

 A cena se desenvolve numa celebre universidade durante Uln

seminario. Uma pequena sala sombria, com uma mesa e algumascadeiras. Olhando-se para fora, pela janela, veem-se arvores, passari-

nhos, carros estacionados e duas escavadeiras, que procuram abrir 

um grande buraco. Lentamente, a sala povoa-se de Ulna variedade de

 jJersonagens, entre os quais Arnold, um estudante serio, de 6culos

grandes, com uma por(:ao de livros debaixo do bra(:o e um ar desde-

nhoso no semblante; Maureen, uma atraente senhora de cabelos rui-

vos, que parece Uln pouco confusa; Leslie, um sujeito, ou ao menos,

tun tipo encrenqueiro, possivelmente tmnbem estudante, que tem

todo 0 jeito de ser um cara criador de casos e de estar sempre pronto

a desandar  it  minima provoca(:ao;Donald, um individuo dificilmen-

te classificavel, armado de Uln caderno de anota(:oes e de um lapis

cuidadosamente apontado; Charles, um estudante coreano, de olhos

ir6nicos debaixo dos 6culos brilhantes; Seidenberg, tun senhor idoso,

com pesado acento centro-europeu, sem nada mais defastidioso para

o ambiente; Li Feng, um estudante chines dejisica ou matematica, a

 julgar pelos titulos dos livros que coloca sobre a mesa; Gaetano, jovem

e timido, tem 0ar de quem escreve poesia;]ack, um l6gico de modos

1r{lormais e com uma dic(:aoprecisa que contradiz a versao estadou-

ntdense dessa profissao, carrega uma grande sacola ...Entra 0doutor (:ole, 0 professor, de uns trinta e dois cmos, Ulna nova aqutsi(:ao da

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David - Sim, e esse mesmo que queremos.

Dr.Cole (mais irritado do que antes) - Espero que saibam qual deles

vao fazer. POl'favor, sentem-se (sentam-se a sua volta, ele abre a

 pasta, tira os apontamentos e uma capia do Teetetol).- Bern,

quero dizer que pensei que seria melhor tel' urn ponto de referen-

cia para a nossa discussao, de modo que ela nao venha a dispersar-

se, e pOl' isso sugeri discutir hoje 0Teeteto de Platao.

Jack - Nao e algo urn tanto atrasado no tempo?

 faculdade, inteligente no sentido estrito do tenno, acabou de concluir 

uma tese sobre 0ceticismo, sob a orientaftao de Donald Davidson, e

esta pronto a disseminar  0conhecimento tal como ele 0entende.

(A primeira escavadeira eletrica estrondeia.)

(Estrondeia tambem a segunda escavadeira etetrica.)

Leslie (paz um comentario e ri; Donald, que parece ter entendido,

mostra-se gravemente ofendido).

Dr. Cole (distancia-se para par as coisas no lugar.)

(DuPlo estrondo das escavadeiras eletricas.)

(Dez minutos depois, cb:Cole volta, gesticula em direftao it porta, sai;

os outros 0seguem, com uma expressao resignada no rosto.)

Maureen (cmninhando pelo corredor, vira-se para Arnold) - Ii esta a

aula de cozinha pos-moderna?

Leslie (que percebeu 0 sentido, ri ruidosamente) - A cozinha pos-

moderna? Nao h;l como enganar-se,o curso e este.

Arnold - Nao e verdade! Este e urn seminario sobre gnoseologia!

Leslie - Equal e a diferenc;;a?Que seja.

Jack - Bern...(tira da sacola um exenlplar do dialogo), esse tipo viveu

ha mais de dois mil anos, nao conhecia nem a logica nem a cien-

cia moderna; assim, 0que podemos aprender dele sobre 0conhe-

cimento?

Bruce - E voce pensa que os cientistas sabem 0que e 0conhecimento?

Jack - Nao falam dele, mas 0 produzem.

Bruce - Nao sei qual ciencia voce tinha em mente, mas no meu campo,

a sociologia, esta em curso urn debate sobre 0"metodo con"eto".

De lU11 lado se diz que nao se pode tel' conhecimento sem a esta-

tistica. De outro, ao inves, dizem que e preciso tel' a "prfltica" da

area que se est;l examinando, de modo a estudar pormenorizada-

mente os casos individuais e descreve-Ios, quase como faria urn

romancista. Houve apenas urn pequeno escandalo a proposito de

urn livro, A Transformaftao Social da Medicina Americana; 0

autor, Paul Starr, discutiu alguns fenomenos interessantissimos,tendo a seu favor a evidencia, mas nada de nllmeros; autorizados

sociologos recusaram-se a toma-Io a serio; outros, entretanto, tam-

 bem abalizados, defenderam-no, e criticaram a maneira pela qual a

estatistica e usada. Em psicologia sao os comportamentalistas e os

introspectivistas, os neurologistas e os psicologos clinicos ...

Dr. Cole (gesticulando em direftao a uma outra sala) - Aqui dentro,

 pOl' favor.

(Agora esta1nos numa enorme sala sem janelas, com uma mesa e

algumas cadeiras nov[ssimas, mas tambemmuito incamodas.)

Dr.Cole (senta-se it  cabeceira da mesa) - Estou aborrecido com 0atra-

so e a confusao. Finalmente podemos dar inicio ao nosso semina-

rio sobre gnoseologia.

David e Bruce (aparecem it porta) - Ii este 0seminario de filosofia?

Dr.Cole (ligeiramente irritado) - Urn dos muitos. H;loutros ...

David  (guardando 0 prospecto) - ...quero dizer,aquele sobre gno ...gno ...

Bruce - Gnoseologia.

 I. Teeteto, Ol{  Sobre 0Conhecimento, dialogo platonico de Socrates com outras persona-

gens, entre as quais figura 0 matematico Teodoro, que, ao discutir a posi<,;ao de

Protagoras sobre a "opiniao verdadeira", vai buscar, a pedido de seu interlocutor, 0

"embora nao bela, mas bem dot ado intelectualmente" jovem Teeteto, para encetar uma

investiga<,;;lOsobre a ciencia. Esse dialogo [oi um dos llltimos escritos par Platao com 0

objetivo de del~1()liLQEelatiyisn1Qe--(H:~J!hismo_d0S.Sofi£tas,

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Jack - Bem ...as ciencias sociais ...

Bruce - Sao ciencias ou nao?

Jack - Voces ai ja viram elaborada uma coisa tao simples, bela e bem-

sucedida como a teoria de Newton?

David - Naturalmente que nao! As pessoas SaGmais complicadas do

que os planetas! Tanto e assim que as maravilhosas ciencias natu-rais de voces nem ao menos se arriscam a tratar dos fenomenos

atmosfericos ...

Arthur  (que per111aneceu junto ({porta, ({ escuta, e agora adentra, vol-

tando-se para jack) - Desculpe-me, nao pude deixar de ouvir.

Sou historiador da ciencia e penso que voces tern uma ideia acer-

ca de Newton um pouco superficial demais.Antes de tudo, aquilo

que chamaram de "simples e belo"nao equivale aquilo que chama-

ram de "bem-sucedido" - ao menos, nao em Newton. "Simples e

 belo" refere-se aos seus prindpios basicos; "bem-sucedido" e 0

modo pelo qual ele os aplica. Nesse caso, ele usa uma cole<,;aoum

tanto incoerente de novas assun<,;oes,dentre elas uma, segundo a

qual Deus interfere periodicamente no sistema planetario a fim

de impedi-lo que caia aos peda<,;os. E Newton faz, na verdade,

filosofia. Ele se baseia num certo nllmero de prindpios que dizem

respeito aos procedimentos corretos. Formula os prindpios da

 pesquisa e insiste muito neles. A dificuldade e que ele viola esses

 prindpios no proprio momenta em que come<,;aa fazer pesquisa.

o mesmo vale para muitos outros fisicos. Num certo sentido, os

cientistas nao SaGaqueles que fazem ...

Jack - Certamente, quando come<,;ama filosofm".Eu posso compreender 

que, entrando nessa area confusa, eles tambem se confundem.

Arthur - E sua pesquisa permanece inaiterada, malgrado tal confusao?

Jack - Bern..., se a filosofia confunde ate a pesquisa, e uma razao a mais

 para mante-la fora da ciencia.

Arthur - E como se faz isso?

Jack - Atendo-se 0maximo possivel a observa<,;ao!

Arthur - E os experimentos?

Jack - Naturalmente, observa<,;oes e experimentos!

Arthur - POl'que os experimentos?

Jack - POl"queas observa<,;oes a olho nu nem sempre SaGconfiaveis.

AJ.thur - Como voce faz para sabe-lo?

Jack - Outras observa<,;oes mo dizem.

Arthur - Quer dizer que uma observa<,;ao Ihe diz que voce nao pode

confiar numa Olltra observa<,;ao?Como?

Jack - Voce nao sabe como? Bem ..., enfie um bastao na agua; parece

curvo, mas voce sabe que e reto pOl"que teve a sensa<,;aodisso.

AJ.'thur - Como faz para sabe-lo? A sensa<,;aode que ele era reto poderia

ser enganosa!

Jack - Os bastoes nao se encurvam quando SaGimersos em agua.

Arthur - Realmente? Nao se diria isso seguindo a observa<,;ao,como voce

me aconselhou. Olhe aqui (pega U111capo d'agua, que estava

diante do dr. Cole, e i111ergenele a lapis).

Jack - Mas 0que me diz daquilo que voce sente quando 0toea?

AJ.thur - Bem... se devo ser honesto, 0que sinto e frio, e nao estou muito

certo de poder julgar a forma do lapis. Mas suponhamos que eu

consiga; entao, tudo aquilo que estou com vontade de fazel', aten-

do-me a suas sugestoes, e a compila<,;aode um rol: 0lapis se enclU"-

va quando e visto au"aVeSda agua, 0lapis e reto quando e tocado

na agua, 0lipis e invisivel quando fecho os olhos ... e assim pOl'

diante, e neste caso 0lapis e definido pelo elenco.

Jack - Mas e absurdo - ele e sempre 0lapis!Arthur - De acordo, se quer falar de algo que tem uma propriedade

estavel mesmo se ninguem 0observa, voce pode faze-lo, mas as

observa<,;oes devem COlTerde Olltro modo.

Jilek - Esta bem, concordo. Mas trata-se de simples senso comum, que

nao tern nada a vel' com a filosofia.

Arthur - Ao contrario, tem sim! Muitos debates filosoficos, inclusive

aquele contido no diilogo que temos a nossa frente, versam pre-

cisamente sobre tal questao!

Jllck - Bem ... se a filosofia e essa, voce pode ficar com ela. Quanto ao

que me diz respeito, manter que os objetos nao SaGapenas elen-

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cos de observa<,;oes,mas entidades com caractedsticas proprias, e

somente uma questan de senso comum - e os cientistas seguem

o senso comum.

Arthur - Mas isso nao e verdade, ao menos nao esse genera de senso

comum! 0 que temos, dizia Heisenberg quando trabalhava num

de seus primeiros escritos, san as raias espectrais, sua freqiiencia e

sua intensidade; de modo que e preciso encontrar Ull1esquema

que nos diga como essas coisas se associam, sem postular "obje-

tos" subjacentes. E depois de introduzir as matrizes, que san elen-

cos, embora urn pouco complicados.

Jack - De acordo.Agora direi que os cientistas pautam-se segundo 0

senso comum, a menos que a experiencia nao lhes diga algo diver-

so. Como quer que seja, nao ha necessidade alguma da filosofia.

Arthur - As coisas nao san tao simples! Quando falei de "experiencia",

 pretendi talar de complicados resultados experimentais.

Jack - Sim.

Arthur - E os experimentos complicados estao, muitas vezes, cheios de

imperfei<,;oes, especialmente quando entramos num novo campo

de pesquisa. Imperfei<,;oes, quer pr{tticas - alguma parte da ins-

trumenta<,;ao nao funciona como deveria-,querteoricas - alglU1s

efeitos san descurados ou calculados erroneamente.

Arthur - Mas esta dito que voces estao salvos. Os computadores estao

 programados para efetuar aproxima<,;oes, e estas podem acumu-

larose de modo a distorcer os resultados. Seja como for,san muitis-

simos os problemas. Pense somente nas numerasas tentativas de

descobrir urn so polo magnetico, ou Ulll quark isolado.Alguns os

encontraratl1, outros nao, outros ainda descobriratn coisas trans ...

Jack - 0 que tern a vel' tudo isso com filosofia?

Arthur - Vou dizer-lhe dentra de urn minuto! Como quer que seja, voce

concorda que nao seria prudente presumir que todos os experimen-

tos efetuados num novo campo dao, de repente, 0mesmo resultado?

\\r .(, ' f \ i v - Fantasia Platonica 0 17

J I '

' l l ' ~ . ~ t Al:tijur - E assim, uma boa teoria, ate mesmo uma teoria excelente, pode

,

~1 . I , ' estar em dificuldade pOl' causa de tal fenomeno. E pOl'"boa" teoria

~ , \ :entendo uma teoria que concorda com todos os experimentos

"!~:" isentos de pecha. E,como as vezes precisamos de anos, senao secu-

~ ~ .~: \ los, para remover os defeitos, temos necessidade de manter viva a

,'~ j. ~ ~ teoria de qualquer modo, embora indo de encontro a evidencia.

l!Jack - Seculos?

Arthur - Com certeza. Pense na teoria atomica! Foi introduzida pOl'

\o j Democrito ja faz muito tempo. Desde entao, foi criticada freqiien-

0 1 'f \, temente, e com excelentes razoes, se se considerar  0conhecimen-~ 1 ~ '3 to da epoca. POl'volta do fim do seculo passado, alguns fisicos con-~ -! t" tinentais consideravam-na urn monstro antediluviano, motivo peloI~'.•• '- ual nao era incluida na ciencia. Todavia, foi mantida viva, e isso

constituiu urn bern, porquanto as ideias sobre 0atomo forneceram

otimas contribui<,;oes a ciencia. Ou entao, tome a ideia do movi-

mento da Terra! Ela existia naAntigiiidade; foi criticada severamen-

te e de maneira assaz razoavel pOl'Aristoteles. Mas sua lembran<,;a

sobreviveu, e isso foi muito importante para Copernico, que colheu(,) ' " '

a ideia e a levou ao triunfo. POl'isso, e born manter viva a teoria

r~utadg.bomnaoSe<:l~.ix;~~~~i~_~i.Rf~;~~~i~=e,

 pelos experimentos!~,..,_".·~"'N~~'~'''. ''''"~_'...',~••._.".•.~

,';' Arthur - Nao, nos somos cientistas, pOl' conseguinte, procuraremos

.'\

~I H t~\: : :~ ? ~ ~ :~ :~ ~ : : ;~ ,i f 

\ r  i\.~\mundo independente daquele do qual nos falam as observa<,;oes / I i

~l '.Ii disponiveis, mas apto a sustentar uma refutada tese pat·ticular. )

• . . • t ' ! I

. .Jack - Mas isso e metafisica!

I I ~ 'rr " , d ~ ~ '~ ; ~ ~ ~ : · ~ ; Q : ; ~ : ; , : , : : C '~

I J , " ' " . ( .

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argumentos metafisicos para continual' a se desenvolver; hoje ela

nao seria 0que e sem essa dimensao filosofica.

Jack - Bern... terei de pensar nisso! Como quer que seja, uma filosofia

desse genera estaria estritamente conectada a pesquisa - e, em

vez disso, 0que encontramos aqui, em Platao (indica 0livro)? Urn

dialogo, quase uma telenovela, urn monte de conversa fiada daqui

e de la...

Gaetano - Platao era urn poeta ...

Jack - Bern... se era, entao a minha opiniao esta confirmada; nao e certa-

mente este 0genero de filosofia de que temos necessidade!

Arnold  (para Gaetano) - Nao penso que se possa afirmar que Platao

era urn poeta! Ele disse coisas muito duras sobre a poesia, de fato

falou de uma "longa batalha entre filosofia e poesia" e alinhou-se

firmemente ao lado dos filosofos.

Jack (voltando ao ataque) - E

pior do que eu pensava! Nao the agrada-va a poesia e nao sabia como escrever urn ensaio decente, pOl'is so

caiu numa versao enfadonha da poesia ...

Arnold - Alto la!Alto la! Permita que eu me explique! Platao e contrario a

 poesia. Mas e tambem contrario a qualquer coisa que se poderia cha-

mar prasa cientit1ca.E ele 0diz de urn modo bastante explicito ...

!Jf  J

Arnold - Nao, em outro dialogo, Fedro. Ele insinua

fico e, em grande parte, umaf;~~lde.

Bruce - Nao havia urn artigo que se intitulava E  0ensaio cientifico

umafraude?

Arthur - Sim, voce tern razao, e de Medawar, urn laureado do premio

 Nobel, mas nao me lembro onde 0vi.

Arnold - Seja como for, aquilo que preocupava Platao era 0fato de que

urn ensaio fornece resultados e talvez algumas demonstra<,;oes,

mas diz a mesma coisa, repetidas vezes, quando a gente propoe

uma pergunta.

Arthur - Bern...tambem urn dialogo escrito diz a mesma coisa repetidas

vezes; a {mica diferenc;:a e dada pelo fato de que a mensagem e

repetida nao apenas pOl' uma so personagem, mas pOl' muitas.

 Nao, a dificuldade do trabalho cientffico e que ele the conta uma

fabula. Quando Thomas Kuhn2 entrevistou os participantes da

revoluc;:ao quantica ainda vivos na epoca, eles repetiram, de infcio,

aquilo que aparecia impresso. Mas Kuhn se preparara bem. Lera

cartas, relatorios informais, e todos esses documentos diziam algu-

ma coisa de muito diferente. Ele indicou a circunstancia e, poucoa pouco, as pessoas come<,;arama recordar aquilo que havia real-

mente acontecido.Tambem Newton corresponde a esse modelo.

 No fim das contas, depois de tudo, fazer perguntas significa intera-

gir com m~teriais altamente idiossincraticos ...

Jack - Trata-se da tipica instrumentac;:ao experimental.

Arthur - Quao pouco sabem voces, logicos, daquilo que sucede nos

laboratorios e nos observatorios! A instrumenta<,;ao tfpica funcioml\i

 para a perda de tempo tfpica, nao para a pesquisa que procura\

impelir os limites um pouco mais aIem. Nesse caso, ou voce usa a "

instrumentac;:ao tfpica de urn modo atipico, ou entao precisa inven-

tar coisas inteiramente novas, cujos efeitos colaterais nao the sao

familiares, de forma que deve aprender a conhecer  0seu aparelho

como se faz com uma pessoa, e assim pOl' diante - nada de tudo

aquilo que se apresenta nos relatorios tradicionais que sao publica-

dos. Mas a questao agora e discutida em conferencias, seminarios e

 pequenos coloquios.Tais discussoes, onde urn argumento e defini-

do e mantido a superficie grac;:asao debate continuo, constituem

uma parte absolutamente necessaria do conhecimento cientffico,

sobretudo la onde as coisas se movem de maneira muito veloz. Urnmatem;ltico, um fisico de altas energias, um biologo molecular, que

conhecem somente os tratados mais recentes, nao so estao atrasa-

dos em meses, como nao sabem sequel' sobre 0que versa a obra

impressa; ela poderia tambem escapar-lhes inteiramente. Tambem

li Fedro, e esse me parece ser precisamente aquilo que Platao pre-

tendia; ele queria uma "troca viva", como 0denomina; e e essa

troca, e nao a sua reprodu<,;ao estilizada*, que de define como

I2 . V id e A Jistrutura etasRevo!u\xies CientfJicas, de Thomas S. Kuhn, traer. brasileira, Sao

Paulo, Perspectiva, 1976.

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conhecimento. Naturalmente, Platao utilizou dialogos, e nao prosa

cientifica, que tambem existia em seu tempo e ja estava bem

desenvolvida. Como quer que seja,0 conhecimento nao esta conti-

do no dialogo, mas, sim, no debate de onde brota, e que 0 partici-

 pante recorda quando Ie 0 dialogo. Direi que ao menos, a esse res-

 peito, Platao e muito moderno!

Donald  (com voz queixosa) - POl'que nao podemos comec;ar agora

com Platao?Temos um texto - todo esse palavrorio sobre ciencia

esta acima de meu alcance e, aIem disso, nao cabe num seminario

sobre gnoseologia. Nos devemos definir 0 conhecimento ...

Maureen - Ainda estou confusa; e este curso de ...

Leslie - ...de cozinha pos-moderna? Naturalmente que sim! Mas h;1

razoes. Querosaber um pouco mais sobre Platao. Dei apenas uma

olhada na 1iltimapagina (pega uma c6pia do dialogo que estava

com Donald e indica um trecho) e a julgo muito estranha. Quando

tudo acaba, Socrates vai a julgamento. Mas ele nao foi mOt10?Dr.Cole - Bem... penso que deveremos comec;ar pdo inicio.

Seidenberg - Posso dizer uma coisa?

Dr.Cole (levanta os olhos para 0teto com um ar desesperado).

Seidenberg - Nao, creio que e importante. De inicio pensei que esse

senhor ai (aponta para Leslie) nao estivesse muito interessado na

filosotla.

Leslie - Pode muito bem dize-Io...

Seidenberg - Nao, nao, nao e verdade. Olhe! (Voltou sua ate11(;aopara

a ultima pagina e repentinamente mostrou interesse).

Leslie - Bem, e um pouco estranho ...

Seidenberg - De modo algum! E verdade, Socrates foi acusado de impie-

dade e precisou apresentar-se perante a assembleia geral.A conde-

nac;ao a morte era uma conseqiiencia possivel. Em Olltro diilogo,

o Fedon, ele j;1estava condenado it morte, presume-se que deva

 beber 0 veneno ao par-do-sol. Ele assim 0 faz e mon-e, precis amen-

te no fim do dialogo.

Maureen (que esta ficando menos confusa e mais interessada) _

Quer dizer que Socrates falava de filosofia sabendo que estava

 para mOlTer?

,',No original, em ingles, streamlined cross-section, que significa literall11ente "se\;ao trans-versal aerodinamica".

Lt.:slie- Estranho! Um professor que fala e fala, embora saiba que seus

verdugos estao realmente esperando por ele fora da sala de aula.

Como e possivel isso?

Sddenberg (excitado) - Nao e so isso! Os dois personagens principais do

dialogo que 0 professor Cole pretende ler conosco, Teeteto e

Teodoro, eram personagens historicos, ambos eminentes matemati-

cos. ETeeteto - e dito na introduc;ao - fora gravemente ferido

numa batalha e pouco depois morreu de disenteria.Num certo sen-

tido,o dialogo foi escrito em sua memoria, em memoria de um gran-

de matematico que tambem havia sido um valoroso combatente.

Estas sao coisas muito interessantes. Em primeiro lugar, pelo fato de

ser um dialogo; de nao ter nada a ver com a poesia, se entendida

supertlcialmente como um discurso ligeiro; de derivar de uma con-

cepc;ao especial do conhecimento e de esta concepc;ao estar muito

viva ainda hoje em dia, como dizArthur, nao" em materias atrasadas"

(lan<r'auma olhada para Jack), mas entre as disciplinas mais res-

 peitadas e de desenvolvimento mais rapido, como a matem;ltica e a

fisica das altas energias. Em segundo lugar, encontra-se aquilo que

se pocleria chamar cle"climensoes existenciais", vale clizer,o moclo

 pelo qual a cOt1Versac;aointeira esta insericlanas situac;oes extremas

ciavida real. Eu me dou conta de que isso e muito cliferente clegran-

de parte ciatllosofia moderna, que so analisa as propriedacles logi-

cas dos conceitos e pensa que isto seja tuclo 0 que se pode dizer a

seu respeito.

David  (hesitante) - Li 0 cli;llogopOl'que queria estar preparado para a

aula. Ate eu fiquei surpreso com 0 final, mas nao vejo que efeito

 pocleria ter sobre 0 debate, que se assemelha muito a uma aula

como aquela que eu tambem assisti; alguem diz qllC~~oconheci-

~E.!.2-.t  experiencia ...

Dr.Cole - P:~~eP<i:.'lo...

Davicl- ...Bem ...que 0 conhecimento e~r~s;.ao,..algum Olltro ofere-- ,

-----------~~-.,

ce contra-exemplos, e assim por cliante. E verdacle, 0 clialogo e um

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 pouco palavroso, mas nele nao se faz nenhuma referencia amorte.Ao fim, Socrates imprevistamente diz que deve ir ao tribu-

nal. Poderia tambem dizer que estava com fome e que iria cear.

Seja como for, parece aposto apenas para produzir efeito e nao

acrescenta nenhuma dimensao existencial aos conceitos ...

Seidenberg - Mas no Fedon ...

Charles - Eu 0tenho aqui (soergue um livro). Penso que seja ainda

 pior. De fato, como come<;;a?Socrates esta em companhia de

alguns de seus admiradores. E eis sua mulher  (W a texto do livro)

"com seu filho nos bra<;;os".Ela chora e the diz:"agora, seus amigos

vido falar com voce pela tlltima vez, Socrates" - pelo menos con-

forme 0 relato urn pouco desdenhoso fornecido por Fedon, 0

 principal interlocutor. "Ela diz todo genera de coisas que as

mulheres estao propensas a dizer em certas ocasioes" - tal e 0

modo como ele fala dela. E Socrates 0que faz? Pede a seus amigos

que a conduzam para casa a fim de que ele possa falar de coisas

mais elevadas. E urn tanto insensivel, diria.

Maureen - Mas ele est;l para morrer!

Charles - Por que deveria alguem jamais ser levado a serio e pOl'que se

deveria permitir que se comportasse como urn bastardo so por-

que ele esta para moner?

Bruce - E par culpa dele mesmo!

Maureen - 0 que pretende dizer com isso?

Bruce - Nao sera, talvez, verdade que ele proferiu a sua arenga diante deuma assemblda geral que 0condenara, mas the dera a possibilida-

de de defender-se? E Socrates escarneceu deles -leia a ApoZogia!

Depois disso, condenaram-no por uma margem ainda mais ampla.

Tratara a assembleia com 0mesmo cuidado que havia dispensado

a sua mulher e ao filho.

Maureen - Mas morreu por suas ideias, nao cedeu.

Charles - Tampouco Goering, no processo dos nazistas. " E 0 poder" -

disse ele - "que decide uma questao, e nos 0desfrutamos enquan-

to esse durou". E depois se suicidou, realmente como Socrates.

Seidenberg - Nao acho que se deveria comparar as pessoas desse modo.

Leslie - Por que nao? Ambos sac membi'os da ra<;;ahumana! Charles tem

realmente razao. Moner pelas proprias iddas nao produz automa-

ticamente santos.Veja 0que se diz aqui - encontrei justamente 0

trecho.O que significa 0ntlmero 173escrito a mal-gem?

.tkCole (querendo jaZar).

,/y'nold  (mais rapido do que dr.CoZe)- E0

ntlmero da pagina da edi<;;aocritica a qual os estudiosos fazem normalmente referencia ...

,'Arnold - Nao, e pratico. Ha muitas edi<;;oes,tradu<;;oesetc. todas diferen-

tes umas das outras. Em vez de fazer referencia a uma obscura tra-

du<;;aoque ninguem conhece, mas que por acaso acabou entre

suas maos, da-se este ntlmero da edi<;;aocritica ...

Leslie - ...de toda maneira, parece que diz aqui haver uma diferen<;;a

entre 0cidadao comum e 0filosofo. Ora, agrada-me aquilo que e

dito do filosofo - "Ele vaga a "\Tontadede um argumento ao outroe do segundo a um terceiro"--"-, isto e, 0modo do qual haviamos

falado e que e, pois, 0motivo por que estamos ainda aqui. Mas

depois e dito que "um advogado" anda sempre depressa, pOl"que

ha limites de tempo nos tribunais: ele ridiculariza 0advogado que

anda sempre depressa e diz que "a comida muitas vezes preserva

sua vida". Bem, tenho a impressao de quenao pretende referir-se

somente aos advogados, mas tambem aos cidadaos comuns. Estes

nao tem tanto dinheiro quanto Platao, e precisam cuidar da fami-

lia e dos filhos. Um modo de pensar que ocupa uma vida inteira

apenas para propor simples perguntas nao lhes e de nenhuma uti-

lidade - morreriam logo de fome. Eles precisam pensar de forma

difc!rente. E,em vez de simpatizar com sua dificil condi<;;aoe pre-

za1".as solu<;;oespor eles encontradas, Socrates escarnece deles e

os trata com desprezo, como procedeu com a assembleia.

Dr.Cole - Bem... isso e Platao e nao Socrates ...

Leslie (Ull1pouco enraivecido) - Platao, Socrates, nao me importam

nada! A idda de filosofia que aparece justamente aqui, neste dialo-

go, com sua "dimensao existencial", implica que, quando se pensa

e se age para sobrevivel- e manter a propria familia, a gente mere-

ce ser tratada com desprezo.

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Gaetano - Penso que pode achar alguma coisa aqui (tira um liuro de sua

bolsa), tenho uma traduc;:ao alema, com uma introduc;:ao de Olof 

Gigon, urn eminente estudioso dos classicos. Ele comenta 0fato de

que Socrates manda embora a mulher e 0filho. a que diz?"Ambos

representavam 0mundo da humanidade simples e nao dedicada afilosofia, que merece respeito, mas deve arredar um pas so quando a

filosofia entra em cena". "Deve arredar urn passo" significa que a

gente comum, que carece da sutileza filosofica, nao conta quando

urn filosofo, que po de ser tambem urn marido, abre a boca.

Maureen - Entao toda essa fala da morte e somente papo furado.

Gaetano - Nao, nao creio. Platao queria, na verdade, enfatizar aquela

que, segundo ele, era 0conhecimento con'eto, ligando-a com uma

nova visao da,morte. Bem, p.elo menos disp6e de um horizonte

mais amplo do que aquele que possuem (uoltando-se para jack)

os seus cientistas ...

Charles - Qualquer fascista tem a disposic;:ao aquilo que voce chama

"urn horizonte mais amplo", pOl'que para ele a ciencia e somente

"parte de urn todo maior", ou qualquer outra coisa que se diga a

esse proposito ...

Seidenberg (hesitante) - Fico um pouco preocupado com 0modo pelo

qual estao falando de Platao. Sei que hoje esta fora de moda 0res-

 peito a cultura e posso compreender  0motivo; freqiientemente

tem-se feito urn uso perverso da cultura. Penso, todavia, que os

senhores estao exagerando um pouco. Pertenc;:oa uma gerac;:aona

qual 0conhecimento e a difusao da cultura eram assuntos serios.

Todos sabiam que havia os estudiosos e os respeitavam, inclusive a

gente pobre. Para nos, intelectuais, os filosofos e os poetas eram

 pessoas que nos forneciam luzes, que nos mostravam a existencia

de algo mais alem da vida miseravel que estavamos vivendo. Veja,

 provenho de uma familia muito pobre, da gente comum da qual

estavam falando; mas nao penso que voces a conheceram deveras,

ao menos nao .conhecem a gente pobre da regiao de onde prove-

nho."Nosso filho" - disseram-me meus pais -" deveria tel' aquilo

que nos nao pudemos tel',deveria tel' uma educac;:ao.Deveria estar 

em condic;:6es de leI' os livros que nos pudemos olhar so de longe

e que nao teriamos compreendido se os tivessemos tido em maos."

Assim, trabalharam e economizaram durante toda a vida a fim de

que eu pudesse receber uma educac;:ao.Tambem eu trabalhei co-

mo aprendiz de encadernador. E la,urn dia, tive entre as maos uma

edic;:aoem catorze volumes da obra de Platao. Estava urn pouco

maltratada, cabia-me de fato preparar umanova capa. Voces nao

 podem imaginal' como eu me sentia. Para mim, era como a terra

 prometida, mas havia muitos obstaculos. Certamente eu nao pode-

ria comprar e tel' aqueles livros. Mas, admitindo-se que os tivesse

comprado, poderia eu compreende-los? Abri urn volume e encon-

trei uma passagem na qual Socrates estava falando. Nao me lembro

o que dizia, mas lembro-me muito bem que eu sentia como se ele

estivesse falando comigo, de urn modo gentil, elegante e um pouco

ironico. Depois chegaram os nazistas.Alguns estudantes ja eram

 partidarios do nazismo - e me desagrada dizer, senhores, mas 0

modo como falavam assemelhava-se muito ao de voces - havia

desprezo na voz."Estes saGnovos tempos" - disseram eles - "demaneira que vamos esquecer todos os escritores antigos!" Con-

cordo que Platao, amillde, evita os problemas banais, e de vez em

quando faz troc;:a,mas nao acho que zombe das pessoas que ai

estao envolvidas. Ele zomba dos sofistas, os quais afirmavam dog-

maticamente que nao existe nada. De fato, a gente comum, ao

menos a gente comum que eu conhec;:o,nao e assim. Espera uma

vida melhor, se nao para si,para os proprios filhos.Saibam, ha uma

coisa interessante sobre a datac;:aodos diilogos. as primeiros dialo-

gos de Platao escritos apos a morte de Socrates nada tinham a vel'

com sua morte. Eram comedias como 0 Eutidemo ou 0 Ionia, ple-

nos de argllcia e de ironia.A Apologia, 0Pedon e 0Teeteto vieram

depois, presumivelmente depois de Platao haver assimilado a dou-

trina pitagorica da vida ultraterrena.Ate a morte assume urn aspec-

to diferente - e urn inkio e nao um fim. E e tambem verdade que

Socrates, 0verdadeiro Socrates, nao engolia, como voces dizem na

lingua de voces, a demoCl'acia com todos os seus anexos e cone-

xos. Via que ela apresentava problemas. Diz-se que escarnecia da

democracia como sendo aquela instituic;:ao na qual um macaco se

torna urn cavalo, quando um numero suficiente de pessoasvota

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nesse sentido. Bem, nao e esse um problema a ser enfrentado ainda

hoje? - quando discutimos sobre 0 papel da ciencia nasociedade

e, especialmente, na sociedade democratica? Nem tudo pode ser 

decidido por meio do voto, mas onde fica a linha divisoria! E quem

e que vai tra<;;a-la?Para Platao, a resposta era clara: as pessoas que

estudaram 0 problema, os homens sabios, a eles cabera tra<;;ara

linha divisoria! Os meus pais e eu pensavamos exatamente a mes-

ma coisa. Naturalmente, Platao tinha dinheiro e mais tempo a dis-

 posi<;;ao,mas nao e acusado por isso. Ele nao gasta seu dinheiro

como os outros men1bros de sua classe em aventuras amorosas,

corridas de cavalo e jogos politicos do poder. Ele amava Socrates,

que era pobre, feio e desmazelado. Falou dele em seus escritos nao

apenas para honra-lo, mas tambem para lan<;;aros fundamentos de

uma vida melhor, precisamente como 0movimento pacifista mo-

derno luta por uma vida melhor. Lembrem-se - aquela era a epoca

da Guerra do Peloponeso, de atrocidades politicas; a democracia

foi revirada, renovada, tramaram contra ela conspira<;;oes.Em suma,

queria dizer que deveriamos ser gratos a essas pessoas, em vez de

zombar delas ...

Li Feng - Compreendo 0que pretende dizer, senhor, e estou de pleno

acordo, nao so pOl'que penso que uma comunidade ou uma na<;;ao

tem necessidade de homens sabios, mas tambem pOl'que penso

que uma vida sem uma migalha de respeito por alguma coisa e

uma vida bastante superficial. Mas percebo um problema la onde

esse respeito nao e equilibrado com um pouco de sadio ceticismo.]ulgo que a historia recente de meu pais seja um bom exemplo ...

Gaetano - Mas ha exemplos mais proximos de nos; pode acontecer que

sejam banais, se comparados aqueles dos quais voce fala (voltan-

do-separa Ii Rmg),mas penso que constituem 0motivo pelo qual

Leslie e Charles reagiram tao violentamente.Aqui, alguns professo-

res e alguns doutores falam dos luminares eminentes em sua pro-

fissao como se fossem divindades; nao sabem escrever uma linha

sem citar Nietzsche, Heidegger ou Den-ida, e parece que para eles

a vida consiste em ficar pulando aqui e ali entre uns poucos ico-

nes. Ele,senhores (voltando-se para Seidenberg), viveu muito pro-

vavelmente num tempo e numa comunidade na qual as criaturas

tinham uma rela<;;aopessoal com os proprios sabios e com aquilo

que diziam. Nao creio que exista hoje lill1arela<;;aopessoal analoga,

o que ha e uma forte pressao pessoal para 0conformismo e, sobre-

tudo, em vez da conversa<;;aoviva que Platao queria, temos frases

vazias combinadas de maneira esquem{ltica. Trata-se de um feno-

meno odioso - ha pouco motivo para espantar-se se Leslie e

Charles explodem quando veem qualquer coisa similar ou aparen-

temente similar num autor antigo.Alem disso, e algo diferente 0

modo democratico de olhar as pessoas e 0modo pelo qual parece

que os atenienses teriam olhado Socrates. "Sim, esse Socrates" -

creio que teriamos dito - "nos 0conhecemos: e um pouco tolo,

nao tem nada melhor a fazer do que ficar junto das pessoas para

importun{l-las,mas nao e mau sujeito e muitas vezes diz coisas bas-

tante inteligentes." Riam dele quando 0viam representado em

cena, nas Nuvens de Aristofanes - e parece que Socrates ria junto

com eles. 0 respeito esta unido ao ceticismo e, as vezes, ao escar-nio. Podemos ir adiante. Se podemos confiar em Heraclito, entao ,

 patTCe que a gente de Efeso diria qualquer coisa do genero: "nao

queremos ninguem que seja melhor do que nos - que essa pessoa

va vi;::erem outra parte e com outra gente". Creio que tal atitude

tinha perfeitamente sentido. Isto nao significa que todas as pessoas

dotadas de conhecimentos especiais devam ser ca<;;adas,mas

somente aquelas que pOl' causa de seu conhecimento especial

querem um tratamento especial! Como quer que seja, a 9.~IrisA()e

mil vezes melhor do que 0assassinio ou que a critica mortalmente

seria que eleva 0 Cl'itico a estatura atribuida a pessoa criticada.

Suspeito que seja esse 0verdadeiro motivo pelo qual escritores

sem talento se estendem a respeito de outros escritores sem talen-

to, insistindo que devam ser tomados a serio.

Dr.Cole - Acho que estamos nos afastando muito do nosso argumento.

Alem disso, nao se pocle julgar um autor por umas poucas linhas

extrapoladas do contexto. Entao, por que nao come<;;amos a ler  0

dialogo de um modo mais coerente e decidimos, depois, quais sao

os seus meritos? Platao tem a dizer alguma coisa de muito interes-

sante sobre 0conhecimento, por exemplo, sobre 0relativismo.

Sem dtlVida voces ouviram falar de relativismo.

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Charles - Pretende dizer Feyerabend?

Dr. Cole (chocado) - Nao,certamente nao.Mas nos somos pessoas com-

 petentes que julgamos possuir argumentos para demonstrar que

qualquer coisa que se diga, e qualquer motivo que se de para aqui-

10que se diz, depende do "contexto cultural", isto e, do modo de

viver do qual se faz parte.

Li Feng - Isso significa que asle~_~i:~tifica~ nao SaDuniversalmente

verdadeiras?

Dr. Cole - Sim! Elas sao con'etas para quem pertence a civilizac;:aooei-

dental, SaDcon'etas em l:~l~~ao-aossellsprocedi;~~tose'~~f~~'e

dos criterios desenvolvidos por essa eivilizac;:ao,porem nao s2_~0

sao verdadeiras, mas com certeza elas nao tern sentido numa C.l~!-

tura diferente.

Jack - POl'que as pessoas nao as compreendem.

Dr. Cole - Nao, nao apenas pOl'que elas nao as compreendem, mas por-que os criterios para avaliar  0que tern sentido e 0 que nao tern

sao diferentes. Colocadas diante das leis de Kepler, nao dizem ape-

nas: "0 que significa isso?", pOl"emacrescentam: "Trata-se de urn

discurso sem pe nem cabec;:a".

Bruce - Alguem jamais lhes perguntou isso?

Dr.Cole - Nao sei, mas e irrelevante; os relativistas nao fazem disso urna

questao logica.

Jack - Isso significa que eles nao dizem" Os Mar" 3,quando estao diante da

teoria de Newton, mas dizern: 'Isso nao tern sentido"', se bem que"Julgada segundo os criterios implicitos no sistema de pensanlento

desenvolvido pelosMar, a teoria de Newton nao tern sentido".

Dr. Cole - Sim.

Jack - 0que presume que os Mar - ou, sob esse ponto de vista, qual-

quer que seja a cultura - tenham urn sistema de pensamento que

 pode ser usado para proferir tais juizos.

Dr.Cole - Naturalmente.

Jack - Nesse caso, se a teoria de Newtonnao tern sentido para uma cul-

tura ou urn periodo, como poderiam aprende-Ia as pessoas perten-

centes a tal cultura e como pade a propl"ia teoria vir a existir?

Ikuce - Estas sao ~s_r.e::~oll~ - voce nao leu 0livro de ~I8' As pas-

\ \

sagens entre as diversas formas de pensanlento revolucionam os

I~\criterios, os prindpios basic os e tudo 0 mais.

Jack - Sao meras palavras! Nao conhec;:o Kuhn muito bern, mas eu me

 pergunto como se leva adiante uma revoluc;:aodesse tipo. As pes-

soas nao raciocinam durante as revoluc;:6es?

Dr.Cole - Num certo sentido, nao.

Charles (desdenhosa111ente) - Dizendo num certo sentido, pretende

dizer: segundo a tese pela qual ~~,,~E~~~?J:e/]:.t':1:C;:.§.~~J~.m$epticl()somente em a urn sistema.

Charles - Mas Jack pas mesrno em discussao essa tese, de tal modo que

nao posso utiliza-Ia para responder a sua pergunta, vale dizer: as

argumentac;:oes transieionais tedo sentido? E preeiso encontrar 

uma resposta diferente.

Charles - Por exemplo, examinando 0 modo pelo qual as pessoas rea-

gem a tais argumentac;:oes.

I)1'. Cole - Bern, a historia nos ensina que se formam novos grupos, e os

velhos desaparecem ...

(;harles - E isso, segundo 0 senhor, provaria que as argumentac;:oes tran-

sicionais nao tern nenhuma forc;:a?

IkCole - Nao e rnais questao de argumentac;:oes, mas de conversoes.

Formam-se novos grupos que tern criterios novos.

(;harles - Nao corra demais! Antes de tudo, os fatos que0senhor aduz

nao sao justos. Por exemplo, muitos aristotelicos tornaram-se co-

 pernicanos quando leram Copernico ou Galileu, ou ouviram falar 

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de Galileu. Naturalmente havia novos grupos, mas esses grupos

foram dissuadidos de suas venus convicc,;oes pOl' meio de proce-

dimentos que tambem foram m,mtidos a seguir. Nao houve, aqui,

uma mudanc,;a completa do "sistema". Em segundo lugar, admitin-

do-se que seja uma questao de conversao, ao que deveriam con-

verter-se essas pessoas? au 0sistema j~lexiste e, entao, nao temos

nenhuma conversao, ou nao existe e, entao, nao se converte em

nada. Nao, as coisas nao podem ser tao simples. a que eu queria

dizer e que as argumentac,;oes transicionais tem sentido, mas nao

 para todos, pOl'quanto nao existe argumentac,;ao alguma que tenha

sentido para todos; elas tem sentido para alguns, e isso significa

que a tese segundo a qual ha "sistemas" que pOl' si sos dao signifi-

cado aquilo que se diz deve ser equivocada.

Jack - E exatamente 0que eu quero dizer. A necessidade logica de uma

argumentac,;ao depende dos criterios em que se baseia e uma re-

voluc,;aomuda os criterios. Entao, parece que uma revoluc,;ao nao

 pode basear-se em argumentac,;oes, ou que a irrefutabilidade das

argumentac,;oes nao depende de um "sistema de pensamento" -

nesse llitimo caso, 0relativismo e falso. De outra parte, se fosse

verdadeiro, estariamos encravados para sempre num sistema, ate

que um milagre nos fornecesse um outro sistema ao qual estaria-

mos presos dai pOl' diante. Estranha opiniao.

Donald - Platao discute essa opiniao?

Dr. Cole - Ele coloca em discussao um dos primeiros relativistas da his-

toria ocidental, Protagoras.

Bruce - E 0relativismo nao fez qualquer progresso desde entao?

Dr. Cole - Sim e nao.A posic,;aobasica ainda e muito semelhante a de

Protagoras, mas h~lmuitos expedientes protetores que fazem a

coisa parecer mais dificil do que ela e na realidade.

Bruce - Isso significa que Protagoras diz aquilo que dizem os relativis-

tas modernos, mas de um modo mais simples.

Dr. Cole - Poder-se-ia dizer assim. Mas agora, finalmente, comecemos

com 0di~llogo.

Li Feng - Onde, pOl' favor?

Dr. Cole - Aqui, na linha 146... Socrates pede a Teeteto que defina 0

conhecimento.

J a c k - A que voce se refere?

Arthur - A tentativa de definir  0conhecimento.

J ac k - Trata-se do procedimento usual na ciencia e alhures. Se uma

expressao e longa e inc6moda, entao decide-se introduzir uma abre-

viac,;aoe a frase que expoe aquilo que e abreviado e a definic,;ao.

Arthur - Mas a situac,;aoaqui e contraria aquela que voce descreveu! a

conhecimento ja existe, h~las artes e os misteres, as varias profis-

soes,Teodoro eTeeteto possuem uma consideravel quantidade de

conhecimentos matem~lticos e presume-se que Teeteto caracteri-

ze esse conjunto vasto e POllCOmanejavel com uma formula bre-

ve. Nao se trata de abreviar uma formula longa, pOl'em de encon-

trar uma propriedade comum entre os elementos de um conjunto

variado que, alem do mais, muda constantemente.

,1 l1 c k - Bem, de qualquer modo, e necessario tambem trac,;aruma linha,

especialmente hoje, quando ha em circuhlc,;aogente que quer res-

suscitar a astrologia, a bruxaria, a magia. Algumas coisas sao conhe-

cimentos,outras nao - concorda com isso?

 Arl hur - Com certeza. Mas nao creio que se possa trac,;aruma linha de

uma vez pOl' todas, e com a ajuda de uma simples formula. Nao

 penso tampouco que se possa trac,;a-lacomo se fosse um regulamen-

to de trifego. as limites emergem, apagados, desaparecemnovamen-

te, enquanto sao parte de um processo historico muito complexo ...

,1 l1 d , - Mas nao e assim. as filosofos trac,;aramfreqiientemente linhas e

definiram 0conhecimento ...

 Al' tll m - ...e quem usou suas definic,;oes?Veja.Newton trac,;ouuma linha

quando defendia sua pesquisa na optica e imediatamente a ultra-

 passou. A pesquisa e muito complicada para seguir linhas simples.

ETeeteto sabe disso! Socrates pergunta:"O que e 0co'nhecimen-

lo?"Teeteto replica ...

l )ol l : lld - Onde?

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Arthur - Em alguma parte, perto da linha 146. Bern, ele replica que 0

conhecimento e "toda a ciencia que ele aprendeu de Teodoro - a

geometria e tudo aquilo que acabei de mencionar" - ele esta falan-

do da astronomia, da harmonia e da aritmetica. E, continua: "deseja-

ria incluir a arte dos sapateiros e dos outros artesaos; essas sao todas

formas de conhecimento". Eisuma otima replica: 0conhecimento

e urn assunto complexo, e ~ife~~}lJJ~..[la~.<:liversas talvez a _ . . . . ~.~ ". - .. _ .

melhor resposta a pergunta "0que e 0 conhecimento?" seja urn

elenco. De minha parte, ajuntaria os pormenores e citaria as varias

escolas que existem em cada materia. Como quer que seja, ~~~~a

de que 0conhecitnentoe,aesse respeito, tambem a<:i.~1"lcia.possam

;:~'-;pri~k;~~d;~~lillla simples formula, e uma quimera.

Arnold - Ela nao e uma quimera, e urn fato.~~c_i~[lcia,pOl' exemplo,

 pode ser caracterizada como aquilo que po de ser criticado.

Bruce - Mas qualquer coisa po de ser criticada, nao apenas 0conheci-

mento.

Arnold - Bern,devo ser mais preciso: a gente tern 0direito de reivindi-

car a qualificac;ao do conhecimento somente se a pessoa que

apresenta tal pedido pode dizer com antecipac;ao em qual cir-

cunstancia 0retiraria.

Leslie - Essa nao e uma definic;ao de "conhecimento", mas antes de "rei-

vindicac;ao de conhecimento".

Arthur - Nao importa, ao contririo, agora posso formular minha objec;ao

ainda mais claramente: segundo sua detlnic;ao de "reivindicac;ao de

conhecimento", as teorias mais cientiiicas nao entram em tais rei-vindicac;oes,pOl'quanto, dada uma teoria complexa, dificilmente os

cientistas sabem antecipadamente quais circunstancias particula-

res os farao desistir dela. Muitas vezes, a teoria contem hipoteses

escondidas, das quais tampouco se esta ciente. Novos desenvolvi-

mentos levam ao palco essas assunc;oes - ai sim, entao, a critica

 pode comec;ar.

LiFeng - Pode dar algum exemplo?

Bruce - Sim, a hipotese da velocidade dos sinais infinitos se faz notal'

somente com a teoria da relatividade especial. Segundo sua defi- 'nic;ao,presume-se que se poderia dizer em 1690 0que teria acon-

tecido a teoria de Newton em 1919,0 que e absurdo. E esse 0

genero de absurdidade que esta contido na solicitac;ao de definir 

o "conhecimento". Novos temas entram constantenlente em ce-

na e velhos temas mudam, vale dizer que a definic;ao devera ser 

muito longa, compreender uma porc;ao de qualificac;oes e estar 

sujeita a modificac;oes.

Amolcl - Mas voce devera, no entanto, dispor de urn criterio para separar 

os argumentos falsos dos genuinos, e precisara formular tal criterio

independentemente dos argumentos existentes, pois de que outro

modo podera julg;l-losobjetivamente?

Al'tllUr - "Objetivamente" - estas sao apenas palavras. Nao acha que

uma coisa tao decisiva como os criterios que definem 0conheci-

mento devam ser examinados com grande cuidado? E se ja foram

examinados, entao foi levada a efeito uma analise acerca dos crite-

rios e tal indagac;ao ser;l ela mesma guiada pOl' criterios, pois e

simplesmente impossivel colocar-se pOl' fora do conhecimento e

da indagac;ao.Ademais, suponhamos que exista urn criterio a dis-

 posic;ao. Isso nao basta. Pode haver tambem a disposic;ao algo que

esteja de acordo com 0criterio, algo de outro modo vazio. Duvido

que hoje alguem dedicasse muito tempo para encontrar a defini-

c;aocorreta do "unicornio".

Al'llold - Estou muito inclinado a admitir que 0meu criterio possa des-

mascarar qualquer coisa como urn engano ...

Brllce - Bern, voce nao continuara a usar alguma dessas coisas engano-

sas, separando-as das outras? POl'exemplo, nao continuara a dar fe

a certos fisicos de preferencia a outros? Ou a fiar-se num astra no-

mo que predisse urn eclipse solar, mas nao num astrologo que pre-

disse urn terremoto? Se for assim, entao 0seu criterio revel a ser 

ele mesmo urn engano; do contririo, logo estari morto.

David - Mas algumas definic;oes sao necess;lrias para fins legais. POl'

exemplo, para as leis que separam a Igreja do Estado e exigem que

a ciencia, mas nao as concepc;oes religiosas, seja ensinada nas

escolas pllblicas. Nao ser;l esse 0 caso dos fundamentalistas que

tern tentado introduzir algumas de suas ideias na escola elemen-tal',chamando-as de teorias cientificas?

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Arthm - E verdade, no Arkansas. as peritos forneceram atestados e algu-

mas defini«;;oes simples, e assim 0negocio foi feito.

Charles - Bem, isto demonstra somente que a pratica legal precisa ser 

melhorada.

Donald _ Nao podemos voltar ao diiilogo? Voces dizem que basta um

elenco, mas Socrates levanta obje«;;oes!

Arthur - Qual e a obje«;;aodele?

Maureen - Ele quer uma coisa so, nao muitas.

Bruce _  E exatamente aquilo sobre 0que acabamos de falar - ele nao

 pocle encontrar uma defini«;;aoan~l1ogaque tivesse tambem um

contelido.

Maureen - Mas se ha uma so palavra," conhecimento", por que nao ha

tambem uma coisa tmica?

Arnold - "Circulo" e uma palavra so,mas ha 0drculo geometrico, 0dr-

culo de amigos que nao devem sentar-se em torno do drculo geo-

metrico; 0raciodnio circular, isto e, aquele que presume aquilo

que deve ser provado sem mover-se sobre 0tra«;;adodo drculo

geometrico ...

Maureen - Bem, nao e 0mesmo caso! Ha um drculo originario e os

outros san expressoes, bem, aquilo que chamam ...

Gaetano - MetMoras?

Li Feng - Analogias?

Leslie - Nao tem import~lllcia - uma palavra, muitos significados, mui-tas coisas. E Socrates presume que coisas do genero nao aconte-

cem jamais ...

Gaetano - Ademais, na passagem que precede a indaga«;;ao...

Leslie - Onde?

Gaetano - Perto do fim da pagina 145 - mas voce nao a encontrara na

edi«;;aoinglesa, deve consul tar  0grego - ele ja usa tres palavras

diferentes,episteme (e 0verbo correspondente) ,sophia (e outras

duas formas com a mesma raiz) e manthanein.

Leslie (ccu;oando gentilmente de Seidenberg) - Seu grande e sabio

Platao?

L l Feng - Mas 0 proprio Teeteto sugere 0modo pelo qml1 0 conheci-

mento poderia ser unificado. E verdade, aquilo que Socrates diz

nao e so dogmatico, mas tambem incoerente. Por isso,Teeteto

tenta torn~l-lo sensato, e 0faz de uma maneira interessante. Para

 preparar sua proposta descreve uma descoberta matematica feita

 por ele e pOl' um amigo seu, tempo atras.

Donald - Procurei compreender aquela passagem, mas nao fa«;;oideia a

que ela se refere.

L I Feng - Mas e, na verdade, muito simples. Aqui se parte da metade da

 pagina 147 - da 147d 3, para ser preciso.

Leslie - a que significa isso?

Al'l1old- Significa a pagina 147 da edi«;;aocritica -lembra-se? - se«;;ao

daquela pagina (toda pagina da edi«;;aocritica e subdividida em

se<;oes,por comodidade), linha 3.

J J Feng (te) - "Teodoro estava tra«;;andodiagramas para demonstrar-nos

algo sobre quadrados ..."

Donald - a meu texto nao reza assim ...

l.eslie - Tampouco 0meu. Aqui diz:"Teodoro estava transcrevendo para

nos algo sobre raizes ..."

1 > 1 " . Cole - Bem, cedo ou tarde deviamos nos deparar com esse proble-

ma - nem todas as tradu«;;oessao iguais.

Donald - as tradutores nao sabem grego?

1 > 1 " . Cole - Sim e nao. a grego de Platao nao e uma lingua viva, entao

devemos nos basear em textos. E os autores empregam, amitIde,as

mesmas palavras de modo diverso, razao pela qual temos nao ape-

nas dicionarios de grego antigo, mas tambem dicion~lrios espe-

ciais para Homero, Herodoto, Plat~lo,Aristoteles e outros. AIem do

mais, temos de nos haver aqui com uma passagem matematica, e

quem fala e um matematico. as matematicos utilizam, muitas

vezes, num sentido tecnico, palavras comuns, e nen1 sempre fica

claro de que significado se trata. Dynamis, a palavra traduzida

como "raiz" no texto de voces, significa de h~lbito pot en cia, for«;;a:

ocorre tambem na economia. Foi preciso bastante tempo para

que os estudiosos descobrissem que aqui, muito provavelmente,

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ela denot'1 um quadrado. Problemas como este surgiram em todos

os trechos mais dificeis.

Donald - a que podemos fazer?

Dr. Cole - Aprender  0grego.

Donald - Aprender  0grego?

Dr.Cole - Bem, ou entao estarmos prontos para descobrir que por mais

aferr'1d'1 que ela seja, tr'1ta-se apenas de uma informa<,;ao muito

expurgada daquilo que sucede "realmente". (Voltando-se para Li

Feng) - A sua tradu<,;aoparece feita por alguem que conhecia as

 p.articulares dificuld'1des dessa pass'1gem ...

Li Feng Cguardando seu texto) - E de um certo Mc Dowell.

Dr. Cole - Ah, John - Bem, ele certamente sabe 0 que f'1z,'10 menos

nesse trecho. Continuem!

Li Feng - "Teodoro estava tra<,;andodiagr'1mas para demonstrar algumacoisa sobre quach-ados - isto e, que um quadrado de tres metros

quadrados e um de cinco nao saGcomensuraveis, no que diz res-

 peito a longitude do l'1do com um de um metro quadrado ..."

Donald - a que significa "comensuraveis"?

Li Feng - Suponhamos que temos um quadrado de tres metros qu'1dra-

dos. Entao, 0 lado desse qu'1dr'1do nao pode ser expresso por uma

fr'1<,;aodecimal finita, ou mais simplesmente, por uma fr'1<,;aocom

um nllmero inteiro no numer'1dor e um outro, por maior que seja,

no denominador.

Donald - Como se faz para sabe-Io?

Dr. Cole - Ha uma demonstra<,;ao ...

Arthur - De fato, existem diversos generos de demonstra<,;oes ...

Dr. Cole - ...e algumas j{ler'1m notadas na antigi.iid'1de, mas nao acho

que devemos adentrar-nos n'1questao. Aceitemos simplesmente 0

f'1to de que tais demonstra<,;oes existem, que eram conhecidas por 

Teodoro e que ele as ilustrava com diagramas.

Li Feng (continua) - "...com um quadr'1do de um metro qu'1drado; e

assim por diante, individualizando atentamente cada caso ate os

17 metros quadrados".

Jack - Isto significa que havia uma demonstra<,;ao diversa para cada

numero?

I.k Cole - Se, como Teeteto no caso do conhecimento, ele fornecia um

elenco de nllmeros irracionais, come<,;ando pela raiz quadrada de

tres, associ'1ndo cad'1 nllmero a um'1 demonstr'1<,;aodiferente.

Jack - Agora, se fosse dada a1uma s6 demonstra<,;ao,a me sma que, aplica-

da a qualquer nlm1ero, mostrasse se este era ou nao irracional, neste

caso a demonstra<,;ao teria sido um criterio geral de irracionalidade.

LiFeng - Este e 0 ponto. MasTeeteto faz algo diferente. Ele divide todos

os numeros em duas classes, uma que contem os numeros da

forma AxA, e outra, os nllmeros da forma AxB, onde A e diferente

de B e tanto A como B saGambos nllmeros inteiros, e ele denomi-

na os nllmeros do primeiro tipo de nllmeros quadrados, e os nll-

meros do segundo tipo, de nllmeros oblongos.

.lack - Al1-ah,e os lados dos quadrados cuja area e dada pelos numeros

quadrados ...

LiFeng - Ele os chama de "longitudes" ...

.lack - ...sao nllmeros racionais, os lados dos quadrados cuja area e dada

 por  Uh1numero oblongo ...

LiFeng - ...que ele chama potencia ...

Jack - ...sao nllmeros irracionais.Assim, nesta tel-minologia, os nllmeros

irracionais saGclassificados como potencias e nao mais enumera-

dos um a um. Bastante engenhoso.

Leslie - E S6crates quer  0mesmo para 0 conhecimento?

Dr.Cole - Sim.

Bruce - Mas 0 conhecimento nao e como os numeros.

Dr.Cole - Isso e exatamente 0 que dizTeeteto.

Bruce - E tem razao. as nllmeros sao antes simples, transparentes, e

nao nmdam. a conhecimento pode ser um tanto complicado,

muda continuamente, e pessoas diferentes dizem coisas diferen-

tes no merito. Em certo sentido, a diferen<,;aentre os nllmeros e

o conhecimento e semelhante aquela que ha entre a fisica basi-

ca,onde vigem leis simples e gerais, e a meteorologia, por exem-

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 plo,onde se experimenta ora um artificio, ora outro.Alem disso,

o conhecimento nao est{lexatamente ali,a disposi<;ao,ele e feito

 pelas pessoas, e como uma obra de arte ...

David - Quer dizer que 0~.s:imento.~ uma ciencia sociaL..

Bruce - Nao uma ciencia social, mas um fenomeno social. Ora, ao que

 parece, Socrates queria que"tOd--;~os~~~~C;;-do-~onhecimentofossem como a matem{ltica, onde h{lconceitos gerais que com-

 preendemmuitos casos diferentes, nao obstante os teoremas rela-

tivos. Bem, como responde Socrates a Teeteto?

David  (examinando 0texto) - Falademoradamente do ser uma partei-

ra - espera ummomento - agora levou Teeteto para onde que-

ria, finalmente d{luma defini<;ao:0conhecimento e percep<;ao!

Maureen - E nao h{lnenhuma discussao?

David  (ainda exmninando) - Nao, Socrates insiste precisamente numa

defini<;aoe Teeteto finalmente the d{luma.

Arnold - Nao seja demasiado severo com Teeteto, ele tinha apenas

dezessete anos na epoca em que supostamente 0 di3JOgOse

desenvolveu.

Bruce - Nao, estou falando de Socrates. 0 problema nao e discutido, e

dado como tacito que 0conhecimento, todo, nao apenas as suas

componentes matem.aticas, e similar  a matematica ...

Dr. Cole - Nao exatamente. Se algum dia chegarmos ao fim do dialo-

go, veremos 0que estamos deixando sem defini<;ao.Sao propos-

tas tre:s defini<;oes, e todas as tres sao refutadas, depois Socrates

 precisa dirigir-se ao tribunal. Alguns filosofos seguintes inclui-

ram Platao entre os cepticos, precisamente pOl' essa razao. Car-

neades, um dos llitimos expoentes da escola, foi ele proprio um

ceptico.

Leslie - Mas 0Teeteto nao e mais recente em rela<;aoa A Republica?

Dr.Cole - Sim,tem razao. Essa e a opiniao geral. EmA Republica a ques-

t;lOdo conhecimento humano parece mais ou menos sistematiza-

da. No Teeteto apresenta-se de novo confusa e, muito mais tarde,no Timeu, a teoria de A Republica e considerada como ummode-

10 que deve ser verificado, pelo confronto com a forma atual e

imperfeita, nao com 0desenvolvimento, dos seres humanos, da

sociedade e do universo inteiro. De modo que aquilo que deve-

mos considerar nao e 0di{llogo singular, mas a seqiiencia inteira.

Maureen - No dialogo que estamos lendo nada e sistematizado?

If  1 > 1 " . Cole - Alguma coisa sim, pOl' exemplo a questao do relativismo.

~ Charles - Refere-se a Protagoras?

, 1 > 1 " . Cole - Sim.-'k 

ii, Charles - Masa coisa come<;amuito mal.Teeteto diz que "0conhecimen-

to e percep<;ao".Socrates replica que "e uma opiniao de Protagoras"

e depois 0cita:"O homem e a medida de todas as coisas, daquelas

que sao pOl'que sao, e daquelas que nao sao pOl'que nao sao..."

Donald - POl'que voce nao se atem ao texto? Aqui se diz "da existencia

das coisas que sao".

1 > 1 " . Cole - Lembrem-se, essa e uma tradu<;ao!E,neste caso, 0tradutor fez

uma parafi'ase ...

Donald - Uma parifrase?

1 > 1 ' . Cole - Bem, nao traduziu palavra pOl' palavra, aquilo que em Ingles

teria soado um pouco grosseiro, mas encontrou um modo mais

elegante para exprimir a coisa. Muitos tradutores 0fazem; de

tanto em tanto Platao usa longas descri<;oes a fim de representar 

coisas para as quais alguns tradutores julgam tel' a disposi<;ao um

termo mais simples. Mas, com fi-eqiiencia, 0 proprio Platao nao

 possuia 0termo justo, de modo que a tradu<;ao,alem de ser preci-

samente uma parifrase, resulta ser anacronica. POl'todos esses

motivos devemos ser muito precavidos com frases como "Platao

disse isto" ou "Platao disse aquilo" ...

Chades - Mas Platao nao e muito cauteloso. Protagoras fala do "ho-

mem" - suponho que se refira a todo ser humano.

1 k (:ole - Sim,em grego e em latim sao palavras diferentes que indicam

o ser humano - anthropos em grego, homo em latim - e para

indicar um homem - aner  em grego e vir  em latim.

~

l:h"dc, :- Edl, que0

'u hum",," e a medkla de toda, " eoi"" pmem,nao dlZ como 0ser humano mecle - pode ser pela percep<;ao,

 pocle ser pela intui<;ao e pocle ser pela expel'iencia passiva.

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Arnold _ Mastemos ainda outras indica~oes. Aristoteles, por exemplo, diz

que, segundo Protagoras, a tangente nao toca 0circulo num ponto,

mas,sim,em mais pontos; ao que parece, ele se baseia na percep~ao.

Charles _ Bem, qualquer teorico dos quanta diria a mesma coisa, mas

nao por causa da sua percep~ao, e, atem disso, veja a pagina 167,

onde Socrates permite que Protagoras explique melhor ,suas

ideias.Aqui,o Protagoras de Socrates compara 0 professor a um

medico. Um medico cura 0 doente, diz ele, usando 0 medicamen-

to.O doente sente nao estar em forma e diz corretamente, segun-

do Protagotas, que nao esta em forma. 0medico transforma a ma

concli~ao do paciente numa condi~ao melhor - ele nao troca 0

verdadeiro pelo falso, po is que 0 juizo do paciente, sendo a medi-

da das coisas, e sempre verdadeiro. Do mesmo modo, diz Prota-

goras, os bons retores "procedem de tal maneira que 0 bem de

 preferencia ao mal possa jungir a cidade" ou, melhor, os habitantes

de uma cidade. Ora, Bem e Mal,Justo e Injusto nao SaGtermosreconduziveis a percep~oes sensoriais - a gente julga 0 bem e 0

mal de modo muito diverso, mas os julga, e, portanto, os mede.A

seguir Platao da um apanhado do pensamento de Protagoras que

contradiz a identifica~ao desse principio da medida com a ideia

de que 0 conhecimento seja percep~ao. Transformar Ptot;lgoras

num empirista ingenuo e simplesmente calunioso.

Leslie - Mas aqui ha 0 exemplo do vento que a um parece frio e a 011tro

quente ...

Maureen - Bem, pode acontecer que seja so um exemplo.

Leslie - E a ideia de que tudo muda continuamente ...

Charles - Tambem isso decorre daquilo que Protagoras diz do homem-

medida. Ao contrario, "medindo" 0 proprio ambiente, algumas

 pessoas descobrem que as coisas remanescem sempre iguais e se

enfadam ...

Maureen - E,no caso, sejam as ciencias um produto humano que desve-

1'1regularidade e repeti~ao.

Arnold - E ha outro di;llogo, 0 Protagoras, onde este compara pessoas

e recomenda que todos os que violam as leis da cidade sejam, '10

fim, condenados a morte. A cidade "mediu" que a mudan~a exces-

siva e malevola, decidindo introduzir leis que garantam algum

genero de estabilidade e defender tais leis, justi~ando os transgres-

sores recidivos, se necessario.

l.t:slie - E um tipo assim e dito relativista?

I)1', Cole - Bem,vejam, e preciso ser muito cauteloso com os termos gerais

como "relativista","racionalista", "empirista", e assim por diante.

Donald - Mas e inteiramente sensato ligar Protagoras a mudan~a. 0

homem e medida, mas 0 homem muda constantemente ...

Charles - Nao para mim, que me~o aquilo que sucede em mim e ao

meu redor! Naturalmente mudo aqui e ali,pot-em mantenho mui-

tas ideias, eu as aperfei~60, encontro para as mesmas ideias argu-

menta~oes melhores ...

Amokl - E quem decide?

(:harles - Eu, naturalmente, segundo Protagoras.

, la c k - Temo que a taretil nao seja mesmo tao simples.Voces estao dizendo

que Platao relaciona m-bitrm-iamenteProtagoras com a doutrina da

mudan~a, mas vejam aqui 0 exemplo que aparece na pagina 154...

Donald - A questao dos dados?

, la c k - Sim.

Donald - Justo aquilo que nao compreendi em absoluto.

, luck - Compreender;l se voce a abordar tendo em mente certos pressu-

 postos.Aqui estao seis dados - que SaGmais do que quatro e

menos do que doze. Do seis, nao haviamos tirado nada, 0 seis per-

111aneCe0 nlesnlO, e,no entanto, tornou-se menos.

Donald - E banal: "maior" e "menor" SaGrela~oes.

,Iud: - Aha!Agora 0 que temos SaGcoisas estaveis, seis dados aqui, quatro

dados ali e doze acola, entre os quais intercorrem rela~oes diver-

sas. Ora, tambem a doutrina protagorica da medida introduz uma

rela~ao entre aquilo que existe e a atividade da mensura~ao. Mas

aqui nao temos entidades estaveis entre as quais intercorrem rela-

~oes, a situa~ao se apresenta em tudo de Olltro modo - tudo 0

QUE E e constituido par rela~oes: a mensura~ao faz com que assim

• SEJA,Dai,penso que tudo quanta Socrates diz na pagina 153d 3 e

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seguintes seja totalmente apropriado. No tocante a vista, nao se

 pocle dizer que a cor que voce ve ESTAnos seus olhos, nem que ela

ESTA fora, ou, pOl' essa razao, nem que est;l em qualquer outra

 parte; cumpre dizer que isso e a sua coloca<,,:ao sao experimenta-

dos durante 0 processo da percep<,,:ao - sao parte de um bloco

indivisivel que une aquilo que e com aquilo que e percebido.

Li Feng - A correla<,,:ao de Einstein-Podolsky-Rosenl4

Donald - 0 que e isso?

Li Feng _  E precisamente aquilo que a teoria quantica diz do processo

de medida.Tratava-se de um experimento imaginario que foi intro-

duzido pOl' Einstein e seus colaboradores para provar, tal como

Platao queria provar, que as coisas tem propriedades definidas

antes mesmo de serem medidas. Imagine-se uma situa<,,:aoespecial

na qual ocorrem duas particulas das quais conhecemos a soma de

suas quantidades de movimento e a diferen<,,:ade suas posi<,,:6es...

Donald _ Nao entendo uma palavra - 0que tem isso a vel' com Platao?

Charles - Bem, depende do modo como voce quer discutir um filosofo.

Voce quer vel' somente como ele trata os adversarios, dado 0

conhecimento de seu tempo, ou quer s,lber em que medida suas

ideias tem correla<,,:ao com uma epoca subseqiiente? A primeira

aproxima<,,:ao e muito interessante, mas penso que a segunda seja

ainda mais. Antes de tuclo, uma argumenta<,,:ao e como uma bata-

4. 0 anigo "Can Quantum Mechanical Description of physical Reality be Considered 

Complete", publicado no Physical Review de maio de 1935, conhecido tambem como

Paradoxo de E. P.R. oU"E. P.R. paper", que Einstein escreveu com Boris Podolsky e

 Nathan Rosen, dirigia-se diretamente contra a interpreta<;ao cia Mecanica Quantica

aclotacla por Niels Bohr  et altri, da chamacla Escola cle Copenhague, e clizia respeito it

clescri<;ao completa de um sistema tlsico ou de uma situa<;ao real. Para 0grupo do fisi-

co dinamarques, as propriedades intrinsecas clasparticulas apresentam valores proba-

 bilisticos e sua determina<;ao s6 ocorre ap6s a intera<;ao entre elas, n;\Ocorresponden-

do, pois, tais propriedades a dados cle realiclacle. Usando um experirnento mental,

Einstein e seus colaboraclores provaram que a visao de Bohr era incompleta, uma vez

que deve sempre existir urna realidacle tlsica corresponclente a urna quanticlacle fisica,

inclepenclente de qualquer perturb:u;ao ou intera<;ao.A despeito ciaimediata replica cle

Bohr e das considera<;6es sobre sistemas isolaclos ou nao clo postulaclo cia cornplemen-

tariclacle, clas perturba<;6es nao-locais, etc ..., eo problema da causaliclacle e da indeter-mina<;ao que est:\ subjacente a essa controversia, a qual continua em nossos clias na

 pauta da cliscussao sabre os fundamentos ciatlsica.

Iha. Uma das cluas partes e clerrotada - cladas as armas da epoca.

Mas as armas muclam constantemente.Aprenclemos coisas novas,

a nossa matematica torna-se mais complicada, pOl' um lado, porem

mais simples, pOl' outro - 0que requer paginas e paginas de

demonstra<,,:oes, antes que possa ser tratado numa linha ou duas -

modifica a nossa instrumenta<,,:ao experimental, e assim pOl' clian-

te. POl'tanto, uma ideia derrotada hoje, pocle ser uma ideia queamanha se revelara como justa - pense ha ideia cle que a Terra

esta em movimento. Dai, e muito interessante que Platao, em sua

,. tentativa cle refutal' Protagoras, procluza uma teoria cla percep<,,:ao

que clemonstra, '10 menos para nos, em que medida Protagoras

havia antecipado uma teoria do seculo xx.

Donalcl - Mas qual e essa teoria do seculo?

1 . 1 Jiang - Bem, e um pouco clificil de explicar - YOUtent'll'. Sem cllivida

faz senticlo falar clas rela<,,:oescle incletermina<,,:ao.

Leslie - Sim, Hasenberg.

1 . 1 Feng - Heisenberg. Bem, para exprimir-se de maneira simples, tais

rela<,,:6esclizem que nao se pode conhecer seja a posi<,,:ao seja a

quantidacle de movimento ...

Donalcl - 0 que e essa quantidade de movimento?

L I Feng - Alguma coisa semelhante ;lvelociclacle - pense nela simples-

mente como velociclacle. Seja como for, nao se pode conhecer 

com absoluta precisao quer a posi<,,:aoquer a quanticlacle de movi-

mento de uma particula. Se se conhece muito bem uma delas, a

antra torna-se mais vaga, e vice-versa. Portanto, e possivel interpre-

t'll' tais rela<,,:oesde v;lrios moclos. POl' exemplo, pode-se dizer: a

 particula esta sempre numa localiza<,,:aoprecisa e tem uma veloci-

clade precisa, mas nao se pode conhecer ambas '10 mesmo tempo,

 pOl'que qualquer mensura<,,:ao efetuacla numa moclifica aquilo que

se pocleria saber da outra,

Al'Ilokl - Entao, se conhe<,,:omuito bem a posi<,,:aode uma particula e pro-

 j ' curo meclir sua velociclade, essa tentativa anulara 0meu conheci-

L l imento da po,;,ao'

ri II,,," - Ii po"',,l dim'''0

~i:'"

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Leslie - Estranho!

Li Feng - Ora, h{tuma outra interpretac;;to das relac;6es de indetermina-

c;ao.Ela afirma que a propria particula, e nao 0conhecimento que

dela temos, torna-se indefinida. POl' exemplo, se com algum expe-

diente se consegue determinar sua quantidade de movimento com

absoluta precisao, entao n;to se sabe nada de sua localizac;ao,mas e

imediato que nao exista mais nada que se assemelhe a uma posic;ao.

Donald - Entao nao e uma particula.

Li Feng - Pode-se dizer assim. E aquilo que ha pouco falei da posic;ao e

da quantidade de movimento aplica-se a muitos outros pares de

grandezas fisicas, pOl' exemplo, as componentes x e y do momen-

to angular de uma particula. Um par de grandezas que nao pode

ser determinado em conjunto e dito par de grandezas complemen-

tares.A posic;ao e a quantidade de movimento saGcomplementares

nesse sentido, ou, antes, qualquer componente da posic;ao numa

certa direc;ao e complemental' a componente da quantidade de

movimento na mesma direc;ao. Ora, Einstein e seus colaboradores

construiran1 Ull1caso ...

Charles - Um experimento imagin{trio?

Li Feng - Sim,era um experimento imaginario quando Einstein 0introdu-

ziu pela primeira vez - que depois se tornou um experimento real.

Bem, Einstein construiu um caso especial pOl' cujo intermedio pro-

curou demonstrar que a propria teoria qU;l11tica,tomada em conjun-

to com assuntos triviais, implica que as grandezas complementares

tem valores simult;l11eosprecisos. Estou procurando explicar a argu-

mentac;ao, mas me interrompam caso nao compreendam.

Leslie - Nao se preocupe, nos 0faremos com certeza.

LiFeng - Einstein toma duas particulas, ReS, e presume que se conhe-

c;atanto sua distfmcia quanta a soma de suas quantidades de movi-

mento.

Donald - Mas nao podemos saber ao mesmo tempo a localizac;ao e a

velocidade - voce 0disse h{tpouco!

Li Feng - Tem absoluta razao. Mas podemos conhecer certas combina-c;6es das duas, por exemplo, a difereru;:ade posic;ao das duas par-

ticulas, que e, pois, sua dist;mcia, e a soma de suas quantidades de

movimento - trata-se de dois valores que podemos conhecer 

com absoluta precisao.

LiFeng - Bem, tome como valido 0fato de que conseguimos isso, de

outro modo nao poderemos ir para a frente. Ora, suponhamos que

R se encontre perto de nos e que S se mova tao longe que nao

esteja mais interessado de nenhum modo com 0que fizermos nas

vizinhanc;as de R. Ora, mec;amos a posic;ao de R, coisa que poc!e-

mos fazer com absoluta precisao.

Bl'uce - Nenhuma medida goza de uma precisao absoluta - ha sempre

uma margen1 de erro.

I.i Feng - Lembre-se que este e um experimento imaginario concernen-

te a teoria quantica! Aqui, "precisao absoluta" significa que nenhu-

ma lei da teoria quantica e contradita quando se consegue tal pre-cisao. POl'isso medimos a posic;ao de R - conhecemos a distancia

de ReS e podemos inferir nao so a posic;ao de Sapos a men sura-

c;ao, mas tambem sua posic;ao imediatmnente antes da men-

surac;ao, pOl'que S esta de tal modo distante que a realizac;ao de

uma medida sobre R nao pode exercer nenhuma influencia. E,para

a mesma regiao, podemos ainda dizer que Stem sempre uma posi-

(:aobem definida, quer a mensuremos ou nao, pOl'que seria possi-

vel efetuar a mensurac;ao em qualquer momento. 0 mesmo argu-

mento aplicado a velocidade diz aqui que S sempre teve uma

quantidade de movil1wnto bem definida - de modo que sem-

 pre houve uma posic;ao e uma quantidade de movimento bem defi-

nidas, contrariamente a segunda interpretac;ao das relac;6es de

indeterminac;ao que forneci h{tpouco.

J I I l ' I< - Bem, obviamente deve-se pOl' de lado aquela interpretac;ao.

L l Jlt:ng - Mas nao podemos faze-Io! Ela foi introduzida pOl' um motivo

 preciso. E a (mica interpretac;ao em condic;6es de conciliar resul-

tados experimentaisaparentemente conflitantes.

L e N l l t · - Entao devemos simples mente dizer que uma mensurac;ao inte-ressa a um objeto, mesmo que esteja muito distante ...

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Charles _ 0 que e muito semelhante ao exemplo dos dados - as coisas

mudam, embora nada seja adicionado e nada seja retirado ...

Li Feng _ A menos que se fac;:aaquilo que se fez l;l - declarar que a

 posic;:aoe a quantidade de movimento sao relac;:oes,nao proprie-

dades inerentes as particulas, e nao simples relac;:oesentre coisas

que tem propriedades est;lveis independentemente das relac;:oes,mas relac;:oes entre coisas cujas propriedades sao, em parte, cons-

tituidas pOl' uma interac;:ao - exatamente como na teoria da

visao desenvolvida pOl' Platao e pOl' ele atribuida a Protagoras.

Penso que isso seja muito interessante, porquanto demonstra que

as argumentac;:oes de Platao contra Protagoras podem ser volta-

das tambem contra a mednica quantica que, seja como for, esta

 bem consolidada.

Donald _ Bem, eu n~lOtenho, com certeza, a menor ideia daquilo que

voce esta dizendo! Mas li 0 dialogo e Socrates apresenta refuta-

coes muito claras da ideia que voce conecta a mednica quantica.1" /

lromemos uma, somente: a tese diz que "0 conhecilnento e per-

~ !cepc;:ao". Ora, eu olho para voce, eu 0 percebo e sei que voce e

~i voce. Fecho os olhos e sei ainda que voce .e~oce, embora eu n~o

I 0 perceba mais. "Assim,pOl'tanto - conclUl Socrates - a asserc;:aoI ~ . / .•\ de que 0conhecimento e a percepc;:ao consutuem uma so COlS,l

implica manifesta impossibilidade" .Agora, 0que diz disso?

David  (excitado) - Que voce nao leu 0suficiente.Va adiante algumas

linhas!Donald - Ate aonde?

David _ Ate depois da linha que voce acabou de citar! 0 que diz ela?

Donald  (Ie) _  "Aqui nos afastamos do argumento sem tel' conquistado a

vitoria e cantamos como um galo que nao serve para nada" .Nao

compreendo.

Bruce _  E muito simples.Ele diz que as argumentac;:oes apresentadas ate

aqui sao apenas uma mistificac;:ao.

Donald _ POl'que iria fazer uma coisa desse genero? Primeiro construi-

ria uma certa quantidade de contra-argumentac;:oes - de fato, esta

nao e a {mica - para depois dizer que nao tem nenhum valor?

Dr. Cole - POl'que assim faziam os sofistas, e ele que ria expor  0seu

modo de argument'll'.

Donald - Isto e, mediante 0usa do contra-exemplo?

Dr.Cole - Exatamente.

Donald - Mas nao e isso que se bz na ciencia, sugerir hipoteses e usar 

contra-exemplos para falsificar?

,Jack - Depende! Peguem a afirmac;:ao "todos os corvos sao negros".

Como e refutada?

Donald - POl'um corvo branco.

,Jack - Eu imagino um corvo branco.

Donald - Nao, pOl'um corvo branco de verdade.

,Jack - Eu pinto um corvo branco.

Donald - Obviamente nao um corvo pintado.

Ja c k - E exatamente 0que diz Socrates. Fechando os olhos, ainda conhe-

cemos, mas nao percebemos mais; da! pOl' que a consciencia nao

 pode ser percepc;:ao - esta era a argumentac;:ao.Olhando um corvo

 pintado, vemos que e mn corvo, mas que nao e negro, de modo que

nem todos os corvos sao negros. Qual e 0erro? Fomos guiados pelo

acordo ou pelo desacordo entre palavras. No caso dos corvos nao

e suficiente descobrir que ha um corvo corretamente descrito 'Pela

 palavra "branco", devemos tambem saber que genero de brancura

queremos - e isso nao e uma coisa simples (suponhamos que um

grupo de COl'VOS perca a cor pOl' causa de uma molestia - comoconsideraremos tal evento?). No caso do conhecimento, nao basta

descobrir que ha um conhecimento nao-perceptivo, devemos deci-

dir que genero de nao-percepc;:ao queremos. Ora, um filosofo que

iclentifica 0conhecimento com a percepc;:ao (e e cluvicloso que

Protagoras 0tenha feito) pocle tel' uma noc;:aoclepercepc;:ao muito

mais sofisticada, e entao precisara aprofunclar-se um pouco mais na

teoria. POl'exemplo, muito provavelmente de nao presumir,'t que a

memoria (entendicla em senticlo simples) e a percepc;:ao sejam

 pouco mais ou menos a mesma coisa, visto que de tera Ulilllteoria

da memoria tanto mais complicacla quanta a teoria clapercepc;:ao

que aqui, LiFeng, ha pouco, associou a teoria quantica.

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f . ?Donald _ Isso signit1ca que a falsificac.,:aonao unClona.

Charles _ Oh, n:w, funciona, mas e um processo sobretudo comple~o. Os

~ ~ fi ientes podem ser tao qm-simples contra-exemplos nao sao su 1C -

mericos quanto os COl"VOS pintados e, notem, trata-se de uma ql~es-

tao conceitual! Nao estamoS falando das observac.,:oes,mas do t~p~

de entidades que lhes sao conexas; estamos falando de meta~s1ca.Qualquer boa refutac.,:aoimplica juizos metafisi~os! SOCl-at~sd1~que

. conlb1"1nr:1'lScoisas de mane1ra nova, da1por queunla teona nova ' , , d'a refutac.,::woperada por uma comparac.,:aoque usa palavl-as,~on 1-

zentes com 0 velho ordenamento e uma critica desleal. A cnt1c~ de

Einstein, Podolsky e Rosen era desleal, precisamente nesse sent1do.

Donald  (desalentado) - Entao devemos recomec.,:artudo desde 0 inicio.

D" C I _ Acho que sim (olhando para 0re16gio). - Mas penso queL 0 e ~ resta

devemos proceder um pouco mais velozmente, ~lao no.s .

. . la proxinn vez eu gostaria de cont1l1uard1scut1l1-

nll11tote1upo, e 1 , 'do a respeito de John Searle. POl"tanto,permitam que eu enumere

d  '"'e de critiC1Slevantadas por Socrates ...a segun a sen '

Donald _ E essas criticas sao verdadeiras, nao sao criticas fingidas?

Dr. Cole _ Sao verdadeiras. A primeira critica diz respeito ao futuro"

Maureen _ Mas aquela, a segunda, vem muito depois.

D Cole_ Bem eu l)reflro trata-la agora, pOl'que e uma questao muito

r, , '" 178. sim )les. Siga1uate 0 fim da pagina 177 e adiante, ate a pa~1l1~ .

I .;- hs que a nlalOna dosSegun do P rotagoras, as b oas le1s sao aque , ,

cidacl:w reputa como tal. Mas os cidadaos pensam tambem q~e ~~ boas leis sao aquelas que fazem a cidade prosperar - que e, ah-

. 1 0 motivo l)elo qual elas foram introcluzidas. Ora, 0 que aconte-n,l , " 'd . l)or  

1 S leis que pareciam boas aos leg1sla ores, e quece quanco a .isso eram boas para eles, resu1tam ser a ruina da cidade?

. tece quand o leis objetivamente acabam resultan doLeshe - 0que acon '

na ruina da ciclade?

Donald - 0que pretende dizer?

L 1· _ Bem e obvio que Platao tinha em mente alguma alternativa. Ele

es 1e , , 1 A' seJ'am

't ca Protagoras pOl"que acredita que as ideias p atOl11cas., ,1a , , . 1" 1 tonicasmelhores do que as opinioes protagoricas" Mas,as 1Ce1asp a ,

defrontam-se exatamente com 0 mesmo problema. Saoverdadeiras,

objetivamente vatidas, para empregar essa palavra que sempre salta

fora quando alguem quer reprimir os outros, mas nao quer assumir 

a responsabilidade pessoalmente - e 0 resultado e lun desastre.

Dr. Cole - Bem, suponhamos que tenha razao. 0 proprio Platao deve

enfrentar um problema, mas nao e tambem um problema para

Protagoras?

.Jack - Nao acho. Ha alguns anos a gente dizia:"Estas leis parecem boas

 pOl"que sao boas para nos". Agora dizemos:"Estas leis parecem mas

 pOl"que sao mas para nos". Nao existe nenhuma contradic.,:ao,exata-

mente como nao existe nenhuma contradic.,:aose eu, na terc.,:a-feira,

digo: "Sinto-me bem e por isso estou em forma", e na quarta-feira:

"Sinto-me mal e por isso nao estou em forma".

Arnold - Mas se as coisas sao assim, vejo um outro problema, bastante

diferente. Como sed possivel instaurar um debate? Para instaurar 

um debate, A deve estar em condic.,:oesde dizer qualquer coisa que

contradiga aquilo que diz B.Isto significa que tudo quanto dizem A

e B deve ser indepenclente do estado mental de cada um deles.

,1 0 1 ek - N:lO,para instaurar um debate e suficiente que tudo quanta diz B

se afigure aA diverso daquilo que ele diz.Ademais, essa condic.,:ao

e tambem necess{lria; se A e B se contradizem "objetivamente",

mas nao se dao conta, entao nao havera debate. As ideias platoni-

cas devem deixar urn trac.,:ono munclo em que vivenl0s, mas uma

vez que 0 tenham deixado podemos continuar sem elas.

MOilireen- Mas, se isso e aquilo que penso, como pocle conseguir con-

vencer uma pessoa e por que voce quereria persuadir alguem?

,IlICk- Julgo que Protagoras fornec.,:aa resposta quando compara 0 retor a

urn medico, mas a um medico que usa como remedio palavras em

vez de pilulas. Um filosofo encontra uma pessoa que, segundo ele,

 precisa ser melhorada. Aproxima-se clapessoa e the fala. Se realiza

 bem seu trabalho, 0 papo funciona como urn remedio e moditlca

quer as ideias, quer a atitude geral da pessoa que parecia transviada.

MlIlIl"ccn- Mas essa llltima frase, isto e, "0 papo funciona como um

remedio", e alguma coisa que e, mas que nao parece a ninguem ser.

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Jack - Oh, naol Se 0filosofo realiza bem seu trabalho, entao pareceri

tanto a ele quanto a seu paciente que 0remedio funcionou, e

 pareceri tambem assim a um sociologo que indague sobre 0fato

 _ muito embora ninguem tivesse necessidade dele, visto que 0

filosofo e seu discipulo podem alcanc;:ar 0acordo sem tais infor-

mac;:oesadicionais.

Maureen - Quer dizer que0

criterio llitimo e a sensac;:aode bem-estar que ambos experimentam?

Bruce _ Bem, nao sedl isso, talvez, verdade com respeito a todos os

debates teoricos? Voce tem alguma teoria altamente abstrata, a

saber, Hegel na filosofia ou a supergravidade na fisica.As pessoas

nao falam.Voce observa a conversac;:ao a dist;l11cia.Voce nao com-

 preende uma palavra, mas ve que as coisas transcorrem tranqiiila-

mente - as pessoas nao estao de acordo, mas parecem saber  0

que fazem. Parece-lhe que sabem sobre 0que estao falando, embo-

ra para voce seja completamente ininteligivel. Ora, objetivo ou

nao,o criterio de compreensao que usam na vida pritica em ma-

teria altamente abstrata consiste no fato de que 0assunto todo se

abre diante de voce, e que voce e capaz de mergulhar nele sem

encontrar resistencia.

Jack _ Pode-se dizer a mesma coisa a proposito da teoria fisica. Hi a teo-

ria e hi os experimentos ...

LiFeng - Todas essas coisas podem ser feitas pelo computador ...

Jack - Sim,e verdade, mas a pergunta e - pOl'que temos todo esse ins-

trumental? - e aqui entram em jogo os jUizos pessoais ...Li Feng - Sim,na periferia ...

Jack _ N;lOimporta aonde chegam - SaGdecisivos! Se os cientistas, de

repente, se aborrecessem daquilo que estao fazendo, ou se come-

c;:assema tel' alucinac;:oes cada qual a seu modo, ou se 0 ptlblico

em geral se convertesse ao misticismo, entao a ciencia ruiria

como um castelo de cartas. Ora, os juizos pessoais que sustentam

a fisica SaGfreqiientemente tao ocultos e tao automiticos que, na

aparencia, tudo e cileulo e experimentac;:ao. De fato, eu diria que

e exatamente esta falta de reflexao que cria a impressao da objeti-

vidade! Aquilo que permanece implicito e uma forma de juizo

 pessoal, ou uma faIta de juizo. Creio que existe tambem um livro

de um fisico ...

Arthur - Um fisico-quimico - Michael Polanyi; voce esti falando do

livro que ele escreveu sobre 0Conhecimento Pessoal ...

Maureen - Estou muito preocupada com esta conversa. Qualquer que

seja a coisa, ela parece reduzir-se a impressoes que as pessoas

comunicam. Mas, entao, nao tenho que me haver com ninguemmais alem de mim mesma.

Arnold - Voce se refere ao solipsismo, a ideia de que existe somente

voce e que todo 0resto e apenas uma parte variegada de sua per-

sonalidade?

Maureen - Sim,mas provavelmente a inteira verdade nao se reduz a isso.

kslie - Esti segura?

. J ack - Seja como for, Protigoras nao diria isso. Ele diria, estendendo a

mao, que e sua mao, que sua mao e diferente da ideia de mao, e que

ambas SaGdiferentes da pessoa em frente da qual ele se encontra.

Mas acrescentaria que sabe de tudo isso grac;:asa experiencia pes-

soal, sem tel' Olltra fonte. De fato, mesmo que diga: "Eu Ii isso num

Iivro", ele se baseia ainda na sua impressao do livro, e assim pOl'

diante.

M a ureen - Mas isso nao significa, talvez, que ele conhece apenas a exte-

rioridade das pessoas - mas somente aquilo que delas 0toca ...

Gaelano - Bem, permita-me inverter a situac;:ao!Voce jamais conheceu

algo alem da exterioridade das pessoas? Deixe que eu Ihe fac;:a

algumas perguntas. Chegou a vel', alguma vez, um seu amigo de

 perto ou de longe, sem que voce percebesse que era exatamente

seu amigo?

MUlIl'ccn - Sim, cheguei e foi muito desconcertante. Uma vez vi um

 bom amigo meu em pe numa livraria, a uma certa distancia de

mim e pensei: "Que aspecto desagradivel tem aquela pessoa!" -

Depois 0reconheci.

CSIlt'lallo - Eo que aconteceu?

Mlllll'('t'n- Bem, e uma pessoa muito doce, e assim me pareceu quando

o reconheci.

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Gaetano - E 0 que me diz da outra impressao?

Maureen - Foi apenas urn acidente.

Gaetano - Por que durou pouquissimo tempo?

Maureen - Sim.

Gaetano - E voce est~lcerta que outros jamais 0 tenha visto desse modo?

Maureen - Bem,de fate nao sei;foi uma experiencia muito perturbadora!

Gaetano - Mas essa experiencia, e aquela outra, e as suas lembran<;,:as

nao representam tudo 0 que ha?

Maureen - Sim.

Gaetano - E adquirir conhecimento significa criar uma especie de

ordem nesse conjunto ...

Dr. Cole - Pen so que seria melhor voltar ao di~llogo,visto que algumas

das perguntas de voces podem encontrar uma resposta l~l.Penso

que Platao cliria que nem sempre a gente est~lem condi<;,:oescle

criar 0 justo tipo de orclem - para isso e preciso um perito. Este

eo ponto principal. Nem toclos conseguem julgai"- 0 especialis-

ta sim. Por exemplo (ze) "0cozinheiro ser~lum juiz melhor clohos-

 pecle que nao e cozinheiro sobre 0 prazer que ter~lcia ceia que

esta senclo preparacla ..:'

Davicl - Bern, nao cleve ter visitado muitos restaurantes! Ontem comi

num restaurante frances, os criticos 0 haviam elogiado, alguns

cozinheiros cle outros restaurantes tambem, era recomenclaclo ate

 pelo Time Magazine, e 0 que sucecleu? Eu quase vomitei!

Charles - Precisamente! E os especialistas sao, talvez, melhores "em si

mesmos"? N~lo,sao melhor trataclos e melhor pagos pOl"que mui-

tissima gente cre naquilo que eles clizem e pOl"quea muita gente

 parece born ter urn especialista que the diga 0 que fazer.

Leslie - Bern, ao que parece, as criticas "verazes" nao sao, afinal, tao

melhores que as simulaclas.

Dr. Cole - Esperem urn minuto - nao haviamos terminaclo aincla!

Concordo que algumas coisas sustentaclas por Socrates nao sao

nluito convincentes - mas ha, no caso, tanlbem, outros argumen-

tos! Por exemplo, Socrates argument a que 0 principio de Prota-

goras se auto-refuta.

Fantasia Platonica © 53

Jack - Com 0 que ter~lvida dura! Socrates define como "primorosa" essa

a1~gl~me~nt~1<;,:ao,maseu enxergo ai apenas urn ingenue 10gro.Vejam

so. A pag111a170, cita Protagoras, pOl"que quer refuta-lo com as

 proprias palavras dele. Cita-o quanclo diz que, para um homem as

COis,~ssao como the aparecem5. E,notem, ele nao diz que as ~Oi-

sas sac como aparecem ao homem, mas que, para ele, sao como

lhe aparecem.

1)1-.Cole - Sim, Prot~lgoras diz isso.

Jack - Ora, se entenclo corretamente 0 raciocinio, ele salienta que mui-

tas pessoas nao compartilham cle tal convic<;,:ao. Nao clizem, com

efeito, "as coisas para mim sac como me aparecem", nao se preocu-

 pam com aquilo que lhes aparece, na maioria das vezes, nao tern

uma opiniao propria, seguem precisamente a cle urn especialista.

Davicl- Bern, a eles parece que os especialistas possuem a verclacle.

Jack - Nao e esse 0 ponto que me interessa. Diante cia maxima cleProtagoras, a maior parte das pessoas alegm"ia,segundo Socrates,nao

ser medicla, e os proprios peritos cliriam"nos, sim, e que sabemos

aquilo que clissemos, e ninguem mais". Nao e 0 que clizSocrates?

I)r.Cole - Nao com essas palavras, mas 0 senticlo e esse.

.lack - E depois, perto clo fim, Socrates cliz que isso significa que 0

mesmo Prot~lgoras, com base em seu proprio principio, cleve

aclmitir que seu principio e falso - notem, nao falso para essas

 pessoas, ou falso para esses especialistas, como cleveria clizer,aten-

clo-se a enuncia<;,:aodo principio,mas simplesmentefalso.Bem-

repito-o - isso nao e uma argumenta<;,:ao,e urn logro.

Sddenb~rg - Nao pode ser a interpreta<;,:aojusta! Nao digo que Platao

nao usa nunca algum truque, mas se quisesse embrulhar-nos

~o~o voces americanos dizem, nao 0 teria feito de modo quas~

111genu~.Vejam! Quando introduz pela primeira vez 0 principio

de Protagoras, toma 0 cuidado de juntar "para ele" tambem no

exemplo que fornece: 0 vento e frio para ele que sente frio, mas

S,icrat~~,pergunta aTeeteto, em 152 b: "Esse aparecer nao e a mesma coisa que ser per-

(·('hlda. ,ao que seu interlocutor responde: "Exatamente".

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nao para ele que sente calor... e assim pOl' diante. 0 mesmo vale

 para 0trecho que 'estamos ora discutindo. Ele come<;:adizendo

que, como as coisas aparecem para um, assim sao para ele. Dai, se

deixa cair a expressao "para ele", deve tel' uma razao para faze-Io.

Jack - Gostaria de saber qual e.

Seidenberg. _ Bem, YOUexperimentar. (Voltando-se para jack) Nao

tenho seu preparo 16gico e pode suceder que eu cometa erros,

mas YOUexperimental'. Entao, Protagoras diz: "As coisas para um

homem sao como the aparecem" ou, com uma simples troca," Para

um homem e verdade aquilo que the aparece". Ou ainda, "Aquilo

que para um homem patTCe nao ser nao e verdadeiro para aquele

homem" .De acordo?

Jack - Sim, continue.

Seidenberg _ Podemos dizer de outro modo, tomando as duas coisas

em conjunto, que Prot;lgoras enuncia a equivaWncia de "A x pare-

ce que p" e "E verdade para x que P " .Tenho razao ate aqui?

Dr. Cole - Direi que sim.

Seidenberg _ Agora, quero imitar seus logic os (voltado para jack) -

denomino essa equivalencia P.Suponhamos agora que alguem

negue P.Socrates, pOl' exemplo.

Jack _ Bem, entao a ele parece que nao-P e, pOl' isso, para ele e nao-p'de

acordo com 0 principio.

Seidenberg _ Pode acontecer. PocIe acontecer que ele diga nao-P segun-

do 0 principio, mas dizendo-o, nao importa segundo qual princi- pio, ele nega 0 principio. Aten<;:ao,ele nao 0nega universalmente.

Ele nao diz "Para mim P nao e jamais verdadeiro" ou "Para todas as

 proposi<;:oesp e para todas as pessoas x e falso pot'que se a x pare-

ce que p, entao p e verdadeiro para x" - ele diz simplesmente

"Para mim P'e falso" , 0que significa que para ele ha algumas pro-

 posi<;:oes para as quais a aparencia de serem verdadeiras para

uma pessoa nao as tornam verdadeiras para aquela pessoa.

Socrates certamente nao queria negar P para as asser<;:oessenso-

riais _ nesse caso, parecer verdadeiro e, de fato, ser verdadeiro, e

ele mesmo 0diz.

Jack - E entao?

Seidenberg - Bem, segundo Protagoras, para uma pessoa as coisas sao

com~ ll~e aparecem. Assim, de acordo com Prot;lgoras, algumas

aparenClas (para Socrates) diferem das correspondentes verdades

(para Socrates). E entao, segundo Protagoras, P nao e verdadeiro -

 pat'.a ele, para Protagoras mesmo. 0 (mico modo de sail' do aperto

S~~ta0de negar que duas pessoas possam jamais tel' uma so opi-mao sobre ~ proprio enunciado, mas nesse caso, 0seu principio,

que se sup~e v:ler para toda proposi<;:ao sustentada pOl' qualquer 

 pessoa e nao so para as proposi<;:oes sustentadas pOl' Protagoras,

cessa _det~r signifIcado. Portanto, e verdade que Platao exprime a

questao dtzendo que 0 principio e falso - ponto e basta' mas ele

 pocle faze-Io,de fato, uma vez que "verdadeiro para"ficou ~eparado

de "parece a", e nao existem razoes ulteriores para conservar  0

"para", pot'que havia sido introduzido somente pOl' analogia com

o aparecer. De modo que, para mim, a argumenta<;:ao e efetivamen-

te decisiva.

Bruce - ~em, eu nao estou tao convencido. Nao digo que sua interpre-

ta<;:aodo argumento nao seja con'eta, mas todos os dois - ele e

Platao.-~r~correm a um pressuposto relevante. Suponham que

um pnnCtplO, ou um procedimento, deva ser abandonado quan-

do, aplicado a si mesmo, conduz a um absurdo ou a uma contradi-

<;:ao.Trata-sede um pressuposto muito discutivel.Tanto assim que,

P:l1'~lcome<;:ar,pode ser que Protagoras nao quisesse usar seu prin-

CtplOdesse modo.

Dr.Cole - Nao estou seguro disso. Protagoras era um sofista, e os sofis-

tas eram mestres na constru<;:ao de argumenta<;:oes insidiosas.

Charles - Entao separemos 0 principio de Protagoras da interpreta<;ao

que ele the da. 0 que podemos fazer com esse principio? A refuta-

<;:aoque ha pouco ouvimos deve ser aceita?

Bruce - Nao, pot'que nao e necessario aceitar a regra segundo a qual um

 principio cuja auto-aplica<;:aocria dificuldades deva ser abandona-

do.Vejam 0enunciado no espa<;:oabaixo:

Fantasia Plat6nica © 57

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Lendo 0 enunciado, posso inferir que e verdadeiro, e se e verdadei-

1'0,entao e falso, e se e falso,entao e verdadeiro - e assim pOl'dian-

te.Trata-se, ainda, do velho paradoxo do mentiroso tal qual.Alguns

concluiram que a auto-referencia e evitada; um enunciado nao

deve jCl111Clis falar de si mesmo. POl'exemplo, nao devo nunca pro-

ferir um enunciado como "Estou falando humildemente". POl'que?

POl'que se presume que todos os possiveis enunciados de uma lin-

guagem j{lforam pronunciados e existem como sistema abstrato.

 Naturalmente, introduzir a auto-referencia em tal sistema cria difi-

culdades. Mas as linguas de que falamos nao se identificam com

tais sistemas. E seus enunciados nao existem ja, SaGproduzidos um

a um quando falamos, e as regras da linguagem tomam forma, con-

seqiientemente. Suponhamos que eu diga: "Amelancolia rosa tre-

 pava sobre a colina". Tem sentido? Num sistema tidnico no qual se

 presume que os nomes das cores sejam atribuidos somente aos

objetos materiais, nao. Todavia, e possivel introduzir uma nova

mocla poetica, posso emitir essa assen;:ao para comunicar 0 estado

de animo de um sonho ao meu psiquiatra - e e muito provavel

que ele compreenda aquilo que quero exprimir - posso dize-lo a

uma estudante de canto para ajud{l-laa impostar a voz - e, creiam-

me, os maestros de canto usam realmente asser<;:oesdesse tipo, e

com grande exito! E, em cada um desses casos, nao seguimos

somente as regras, mas as constituimos e as modificamos com 0

nossO modo de pro ceder.

Gaetano _ Isso e muito interessante. Estou estudando agora a teoria da

harmonia e da composi<;:ao.Bem, aqui SaGos professores que for-

rnulam regras, fornecem a seu prop6sito algumas razoes abstratas

e insistem para que todo mundo siga essas regras. Dando uma

olhada na hist6ria, encontram um saco de exce<;:oespOl'quanto os

compositores violam constanteluente as regras. 0que fazem

esses professores? Ou criticam os compositores, ou tornam as

regras cada vez mais complicadas.Walter Piston, em sua teoria da

harmonia, procede de um modo diverso. Nao desmentirei jamais

uma das frases com que exprime sua atitude. "Amllsica - diz ele

 _ e 0 resultado da composi<;:ao e nao da aplica<;:ao de regras".

Ora, sabe-se que a linguagem e 0 produto do discurso e nao da

Fantasia Plat6nica © 57

aplica<;:aode regras; pOl' isso nao se pode julgar uma linguagem

c~m b~se naquilo que acontece quando congelamos uma parte e

a msenmos num computador.

Arthur - Desejaria acrescentar que a ciencia e 0 resultado da pesq .- d b _ Ulsa,

n~o a 0 serva<;:aode regras, e pOl' isso nao se pode julgar a cien-

Cla com base em abstratas regras epistemol6gicas a men

t . _ ' os quealSre.gras nao sejam 0 resultado de uma prtiticCl epistemol6gica

especlal e constantemente mutante.

Jack - E,entao, para que fins servem as demonstraroes conlO a d  _ . ." enlons-tra<;:aoda mcompletitude de GodeP6 0 d -

• • A • U a emonstra<;:ao mais

slmples da mcoerencia do caleulo proposicional?

Gaetan,o ~ Eu estava pensando nisso. Essa demonstra<;:aonao diz respeito

as lmguagens faladas, pOl' exemplo, nao se refere as linguagens que

enlpregam /os numeros mas a suas reconst' -" ., .' ru<;:oes10l'malS, e ela

mostra que tars reconstru<;:oes SaGlimitadas d ., e uma manelra preci-

sa. Se a gente resolve ater-se a certas regr'as nao . 1/ _. ' Importanc 0 0 que

suceda, e entao mevitavel incorrer em toda sorte de obstaculos.

Bruce - ESS'lSSaGex I '1 -. " ce entes 1ustra<;:oesdaquilo que eu queria dizer'

Aphcando a postura de um compositor ou de q  f  I / ., . /. uem a a uma lm-glU ao pnnclplO de Protagoras seriamos I d' . /, eva os a consldera-lo

como um~ regra empirica cujo significado emerge do usa e nao e

estabelecldo de antemao. Os argumentos de S/ t . _ f . ocra es, 1)01'lSS0nao re utalU 'I . . . 'ore atlvlsmo. Refutam a versao pI t A• d ..

c a omca 0 relatlvls-

mo onde as asser<;:oes;- - I'" nao estao 19adas a suas enuncia<;:oes, m as

eXlstem mdependentemente do discurso de mod  _ ' 0que unla nova

asser<;:aopode converter a precedente numa farsa.

Illd, - Bem se voce d .d .I , eCl e confecclOnar suas asser<;:oesa medida que

 procede, entao, naturalmente, ninguem po de refuta-lo.

M lh ur - Nao e de todo assim' 0 I -"te " ,,' comp exo de asser<;:oes denominado

Ol1ade Newton sofreu mudan<;:aspOl' obra de Euler Bernoulli

Lagrange ~ Hamilton; num certo sentido, era a mesma t~oria nun~

certo sentldo nao era e . ',no entanto, ao flm, os cientistas individua-

 I'/'O{ltl de COdel, de Ernest Nagel e ]anles N .

I' . eWl11an tradU("1O b' '1' S'

'('('speetiva, 2" edi<;ao revista, 2001. ' , "". r,ISIelr;l, ao Paulo,

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lizaram nessa estrutura nao muito estavel dificuldades bem defini-

das. Se se adota a atitude pratica de Bruce, entao, naturalmente,

cumpre modificar as proprias ideias sobre as rela<;:oesque inter-

con-em entre uma teoria e suas dificuldades. Nao se pensara mais

numa teoria como numa entidade bem definida, que diz exata-

mente quais as dificuldades que a colocariam fora de jogo; pensar-

se-a numa teoria como numa vaga promessa, cujo significado econstantemente modificado e completado pelas dificuldades que

se decidiu acolher.Ja haviamos falado disso ha pouco, quando se

discutia a respeito do enunciado "Todos os corvos sao negros" e

da recusa oposta pOl' Socrates a primeira serie de suas proprias

criticas. Num certo sentido, os logicos e os filosofos que se dei-

xam guiar pOl' elas sao muito superficiais. Vejamos uma asser<;:ao

como a de Protagoras, interpretamo-la de um modo simplista e a

refutamos triunfalmente! Mas esse procedimento teria matado a

ciencia ha muito tempo. Toda teoria cientifica interpretada em

sentido literal est;l em conflito com numerosos fatos! Platao tinha

ciencia des sa situa<;:ao,e de criticou a pratica da remo<;:aofkil,

mas depois deixou-se au-air pOl' ela e ele proprio a utilizou.

Charles - 0 que significa que devemos separar  0relativismo daquilo

que diz Socrates com 0fito de refut;t-lo facilmente ...

Leslie - E daquilo que Protagoras pode ter-lhe retrucado, presumindo

que ele estivesse tratando a asser<;:aoa maneira dos logicos.

Bruce - Justo. POl'isso penso que, p;ml discutir sobre 0relativismo, e bom

come<;:arcom algum problema pratico. Quais sao as nossas inten-

coes? Diria que um relativista deveria tel' a inten<;:aode proteger os

individuos, os grupos e as culturas das a<;:oescuja verdade julga tel'

encontrado. E aqui gostaria de sublinhar duas coisas. Em primeiro

lugar a tolerfl11cia,nao 0genero de tolerancia que declara: "Bem,aque-

les estlipidos nao sabem nada, mas tem 0direito de viver como lhes

 parece apropriado; pOl'isso deixemo-los em paz".Esse seria um gene-

1'0de tolerancia sobretudo desprezivel, se querem 0 meu parecer.

 Nao, a tolerancia do relativista presume que as pessoas toleradas

tenh;1111conseguido resultados pOl' conta propria e hajam sobrevivi-

do gra<;:asa isso. Nao e facil expliGu-no que consistem os resultados.Certamente, pode-se filar de "sistemas de pensmnento" e de" sistemas

de vida" - 0absurdo de tais suposi<;:oesaflorou mui clarmnente no

curso de nosso debate. Mas podemos isolar de modo aproximado

uma fase pm1:icularde uma cultura e confronta-la com a fase pm-ticu-

lar de uma outra e diversa cultura e chegar  a conclusao de que 1111"k"l

vida nu"lisou menos agradavel e possivel em ambos os casos. Natural-

mente, 0membro da cultura P pode sentir-se muito pouco a vontade

na cultura Q,mas nao e essa a questao.A questao e que a pessoa quecresceu na cultura Q e que conhecera P,pode achar vantagens e des-

vantagens e,ao fml, preferir P ao seu proprio modo de vida - e pode

acontecer que haja ai bons motivos para essa op<;:ao.Em tais circuns-

tancias, asser<;:oescomo: "Preferi a falsidade a vetdade", sao apenas

 palavras vazias.

Arnold - Com respeito a isso nao posso concordar! Tome uma asser<;:ao

qualquer; bem, ou e verdadeira ou e falsa, e nao importa 0que a

gente pense. Concordo que 0malvado possa ser feliz e 0 justo

infeliz, mas isso nao torna justo 0malvado.

Charles - Voce teria razao se 0mundo fosse igual em toda parte e nao

mudasse ao sabol' da corrente conforme muda 0comportamento

das pessoas. Entao, sim, voce poderia dizer efetivamente que aqui

hi uma asser<;:ao que e uma entidade estavel, e que 1 ;1 h;t um

munclo que e uma Olltra entidade est;tvel, que existe uma rela<;:ao

objetiva entre as duas e uma ou "se soma" ou nao "se soma" aoutra, embora possa OCOlTerque eu nao saiba jamais qual eloselois

casos se realiza. Mas suponhamos que 0mundo ou, para usar um

termo mais geral, 0Ser,reaja ao moelo pelo qual voce se compor-

ta ou pelo qual uma inteira traeli<;:aose comporta, suponhamos

que este reaja de maneira eliversa a aproxima<;:oes eliversas e que

nao se conhe<;:a0modo de con ectal' tais rea<;:oesa uma substfll1cia

universal ou a leis universais. Suponhamos, tambem, que 0Ser 

reaja positivamente, isto e, encorajanelo a vida e confirmanelo a

verclaele em muitas ocasioes. Entao, tuelo 0que podemos dizer e

que, abordado cientificamente, 0Ser proporciona aqui, um apos

o outro, Ul11nl1111dofechaelo, um universo eterno e infinito, uma

grande explosao, uma parede imponente de gaHixias e, no ftmbito

menor, um imutavel bloco parmenieliano, os atomos ele Dem6-crito, e assim pOl' eliante, ate 0quark etc.Alem elisso, poc!emos

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dizer que, abordado "espiritual1nente", ele nos oferece os deuses, e

nao apenas sua ideia, mas, sim, divindades reais e visiveis, cUj~S

a<;;5espodem ser seguidas pormenorizadamente - e, nessas Clr-

A' 'da e' encor'aJ'ada Bem num momento semelhantecunstanClas, a VI .,

nao se pode afirmar que os deuses sejam ilus5es - eles existem

realmente, se bem que nao de modo absoluto, mas em resposta a

tipos especiais de a<;;ao,e nao se pode afirmar que cad~ c~isa ~be-

dece e sempre tem obedecido as leis da mecanica quantIca, VIStO

que tais leis eclodem so depois de haverem atravessado um comple-

xo desenvolvimento historico;pode-se dizer, ao inves, que culturas

diversas e tendencias historicas diversas (no nexo aproximativo e

restrito ha pouco introduzido) tem um fundamento na realidade, e

que 0conhecimento e"relativo" nesse sentido.

Li Feng _ Voce esta, porventura, dizendo que 0homem e medida como

o sao culturas inteiras, mas que tambem 0Ser e medida e que

qualquer que seja 0mundo em que vivamos ele e 0resultado daintera<;;aoentre essas duas medidas?

Charles _ Sim, essa e uma otima fornmla<;;ao.Muitos cometem 0erro de

supor que 0mundo surgido como resposta as a<;;5esdos ho~ens

ou a sua historia esteja na base de todas as outras culturas, so que

os outros sao demasiado estiipidos para se aperceberem disso.

Mas nao ha modo de descobrir  0mecanismo pelo qual os varios

nmndos emergem do Ser.

LiFeng _ Essa liltima hipotese nao me deixa muito feliz - por que nao. .?

deveria ser possivel descobrir num belo dia esse mecamsmo.Charles _ porque as descobertas sao eventos historicos - nao podem

ser previstas. Conhecendo-se 0mecanismo de intera<;;aop~der-se~

ia conseguir preve-Ias; por conseguinte, tal mecanismo nao sera

 jamais conhecido. Exprimindo-se de Olltro modo, po~er-se-ia dizer 

que as a<;;5esda Natureza nao podem jamais ser prevlstas por uma

criatura cuja vida se distende no tempo. Tal criatura pode prev~r 

aquilo que sucede no interior  de um mundo particular, mas nao

 po de preyer as mudan<;;asde um mundo para 0outro.

Jack _ Gostaria de voltar  a dificuldade sentida por Li F,e~g.diante d~

impossibilidade de descobrir as leis do proprio Ser.Efacil fornecer 

exemplos de situa<;:5esque mostram os limites do conhecimento,

ate mesmo segundo as leis de nosso universo finito.Tomemos, por 

exemplo,o estado puramente quantico da mesa que tenho diante

de mim: para encontra-Io necessitaria dispor de um instrumento de

medida maior do que 0univel'SOinteiro e, se eu 0tivesse, faria sal-

tar no ar a mesa em vez medi-Ia. Interpretando nosso cerebro como

um computador, podemos efetuar conjecturas sobre sua capacida-de, e entao, diante dos fatos e das leis que conhecemos e aceitamos,

certas coisas iriam alem de nossa compreensao. E agora, por que 0

Ser nao deveria reagir as a<;;5eshumanas com mundos que sao ao

menos parcialmente compreensiveis aos seres humanos, permane-

cendo, nao obstante, incompreensiveis em si mesmos?

Amold - Voce fala como se 0Ser fosse uma pessoa.

Charles - Pode muito bem acontecer que ele seja - de fato, nao me

oporia a pensa-Io como uma especie de deus-sive-natura, mas

sem a constipa<;:ao spinoziana.'I j : : '

' " Jllck - Ser{lpor isso que 0relativismo equivale agora ao reconhecimen-

. · I. . . . .· . , · . ·. .·.~.A.•••••~~... to de que nao ha uma natureza estavel, porem uma realidade inde-'. . terminada, nao cognoscivel em principio, 0que pode refutar cer-

tas abordagens - algumas a<;:5espermanecem sem verifica<;:ao-

~ mas deixa um espa<;:ode manobra maior do que tudo quanto os

realistas como Platao ou Einstein poderiam supor?

Charles - Penso que sim. Existem culturas diversas, e nem todas se com-

 poem de lunaticos ou funcionam em virtude de uma versao extre-

ma do principio de Protagoras, mas antes existem pOl'que 0 Ser  permite diversas abordagens e, entre certos limites, encoraja um

relativismo pratico: 0homem, ou qualquer aspecto temporaria-

mente estavel das varias culturas, e medida das coisas, tanto

quanto 0Ser the permite ser medida.AIem disso, 0Ser deixa aos

individuos ou as culturas a quantidade de independencia que e

necess{lria para ser medida nesse sentido restrito. Pode ocorrer 

que um (mico individuo, que tenha enveredado por numa senda

solitaria, "toque um ponto nevralgico" do Ser e forne<;:a0estimulo

 para um mundo inteiramente novo. E simplesmente impossivel

separar a discussao sobre 0relativismo e sobre a tolerancia da cos-

Fantasia Plat6nica () 63

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mologia ou ate da teologia - uma discussao meramente logica

nao so e ingenua, como nao tem nenhum sentido.

Dr. Cole _ Bem, Platao parece ser da mesma opiniao, pois em seguida,

no Timeu, edifica uma cosmologia completa como base para

explicar  0conhecimento ...

(Um indiv£duo de aparencia culta surge it  porta) - Desculpem-me,

devo come<,;aragora a minha aula...

Dr.Cole (olhando 0rel6gio) - J{l?Chegamos apenas a metade do dialogo.

Donald  (cmn voz lamentosa) - Com que resultado?

Charles - Quer dizer que voce nao aprendeu nada?

Donald _ Nao - tentei tomar apontamentos, mas voces saltaram aqui e

ali de um argumento a outro,foi um caos completo ...

Charles _ Quer dizer que um resultado e algo que pode ser transcrito?

Seidenberg (procurando mediar) - Mas olhem, lembrem-se de quando

haviamos falado do estilo de Platao e do motivo pelo qual ele se

opunha ao sabio erudito ...

Donald _ Quer dizer que, presumivelmente, tudo foi para 0espa<,;o?

Charles _ Nao foi para 0 espa<,;o,mas tampouco ficou impresso no

 papel ou na mente como uma lembran<,;a e uma atitude.

Donald - Nao e 0que eu entendo pOl' filosofia ...

(0 indiv£duo de aspecto culto) - Voces sao filosofos? Nao e de espan-

tar que nao tenham conseguido terminal' em tempo ...

Grazia (aparece it  porta Ulna senhora atraente de basta cabeleira e

um marcante acento italiano) - E esta a aula sobre a teoria do

conhecimento?

Dr. Cole (visivelmente interessado) - Era,infelizmente acabou.

Grazia (desiludida) - POl'que estou sempre atrasada?

Dr. Cole (humildel1wnte) - Na realidade, a senhora nao perdeu muito.

Grazia - 0 senhor e 0 professor?

Dr. Cole (embarcu;ado) - Sim, mas nao quero ser um tirano ...

Grazia - 0 senhor dei. xa as pessoas falarem? Ouve uma discussao? Eu

 podena tel' dito alguma coisa?

Dr.Cole - Se conseguisse calar os outros.

Grazia (com um olhar de sUherioridade) - B - .. y em, nao penso que tena

stdo um problema. Sinto muito, de verdade tel' perdido 0se . ,. ' rrwl~

no...(Grazia sai COlFtdr.Cole, conversando animadamente.Todos

 joram el1zbora.SomenteDonald jicou ali resmunaando) - E .D . . 1 ' 0 SS,l

Ota nun la ultima aula de filosofia Desse modo pe'd .. , 1 eret 0ano.

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Ao Termino de um Passeio

Nao-Filosofico entre os Bosques

1 1 (caminhando velozmente numa senda entre os bosques, fctlando

 para si l11esl1lO)- Aah, finalmente adeus as aulas, agora s6 a luz

do sol e urn pouco de ar fresco. Que dia maravilhoso!

lIma ovelha It  esquerda - Beeeeeeh.

11- Born dia.Voce acredita que pOl'trinta e cinco longos anos ganhei

o meu salirio fazendo exatamente aquilo que voce faz, pOl-em

diante de muitas pessoas?

11- Isso deixa voce perplexa, nao e verdade? (Senta-se; segue-se W11

 Zongo sitencio ...interr01npido por um rumor que soa como um)

- Ooeiaa.

A (exausto, com wn grande embrulho de jornais e livros debaixo do

braf(o, aproxima-se lentamente) - Pro...pro ...

U - Descanse.Venha sentar-se.

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A - abr ...obli ...gado.

B - a que?

A - abrigado.

B - Bem, 0que faz aqui em cima? E com essa montanha de madeira

mortal

A - a senhor e 0 professor Feyerabend?

B-

A-

B-

A-

B-

A-

B-

Bem, eu me chamo Feyerabend.

Mas 0senhor e 0 professor Feyerabend?

 Nao fale tao alto! Nao e necessario que todos saibam como eu

ganhava a vida antes.

Do que tem medo?

Bem, muita gente, quando sabe que alguem e um professor, nao 0

trata como um ser humano normal, ao menos aqui na Europa.As

 pessoas, sobretudo as "instruidas", desejariam logo me classificar:

aha, um professor, um professor de filosofia, dai pOl' que ele sabe

isso e faz aquilo, aborda questoes dificeis de tal modo; e, quando

essas pessoas me dao nos nervos e eu procuro ridiculariza-Ias, elas

olham uma para a outra e pensam: "Bem, 0tipico professor des-

cortes e presun<;:oso".

Isso nao e, talvez, um pouco paranoico?

E bem possivel que seja, mas, direi ao senhor, eu era muito mais

feliz como estudante, quando ninguem me conhecia e eu podia

cantar, fazer brincadeiras, efetuar observa<;:oesimprudentes duran-

te as discussoes, sem ser classificado segundo a posi<;:ao,0grau, 0

estilo e 0 ponto de vista.

 Nao entendo do que est;l se lastimando. a senhor e um filosofo e,

naturalmente, as pessoas dispensam a um filosofo um respeito

diferente do que a um la<;:adorde cachorros.

Mas e exatamente isso. Eu nao sou um filosofo, nunca fui e n;LO

tenho nenhum desejo de ser afligido pOl'esse genera de condi<;:ao.

a senhor nao e um filosofo? Nao me fa<;:arir! alhe aqui (jJegando

o embrulho), olhe estes jornais. Eis as razoes pOl' que estou aqui!

Q - ?(erguendo-se, tomado de terror) - ue razoes.

A - Bem, eu deveria entregar-Ihe as contribui<;:oes para a sua

Festschrift (edi<;:aocomemorativa) e deveria falar com 0 senhor 

acerca de sua filosofia.

B- Que Deus me ajude! Sem a menor dllVida,Gonzalo Munevar est;l

au'as disto.

A - a senhor nao tem ideia de quao obstinadamente eu havia tentado

organizar uma Festschrift e de quantas pessoas haviam escrito a

seu respeito.

II(suspira).

A - A culpa e sua! (Tira um livro do embrulho).Veja isto: Contra 0

Metodo - Esbo(,;ode uma Teoria Anarquica do Conhecimento

- este e 0livro que 0tornou famoso.

B - Mas olhe mais atentamente!

A - ande?

B - Aqui, na propria pagina do titulo.

a que esta procurando?

Depois de "anarquica"!

Uma nota de pe de pagina!

5im, uma nota de pe de pagina! a que diz ela?

Bem, certamente e estranho; uma nota de pe de pagina no titulo;

e justamente depois da palavra "anarquica" . (Indicando 0embru-

lho) - Penso que 0 professor Naess deu um destaque a ela de

 proposito.

Entao 0 proprio titulo - TeoriaAnarquica do Conheci7nento -

nao the da 0que pensar?

a que est;l querendo dizer?

a que the sugere 0termo "anarquismo"?

Bem, uma especie de desordem ...

...precisamente. E teoria?

compreendo aonde quer chegar.

Agora volte algumas paginas para tr;ls, aqui, a p;lgina 7, nas linhasHe 9,0 que est;l escrito?

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Esta escrito: "E uma carta 10l1gae sobretudo pessoal..." - "carta"

enl letra cursiva.

Uma carta, uma comunica<,;ao pessoal, nao um tratado, nem um

livro de texto. Uma carta escrita ironicamente.

Quer dizer que 0livro to do e um esbo<,;o?

 Nao falo serio - mas nao muito serio - sobre um montao de,coisas, porem eu as resumo oa forma de uma "posi<,;ao"filosofica,

aquela, sim, que e um esbo<,;o.Muitos resenhadores foram au-ai-

dos pela ideia, 'linda que eu tenha deixado um nlimero suficien-

te de indicios ...

Ora, aguarde um minuto! 0senhor disse haver tocado em ques-

toes serias.

A-

B-

Sim.

 No entanto, nao ha uma posi<,;aofilosOfica.

 Nao. Pode OCOl-rerque tenha havido algo que se assemelhava a

uma "posi<,;ao"filosofica de estudante e do inicio de minha carrei-

ra. Entao, eu sustentava que nao existia outre conhecimento exce-

to 0conhecimento cientifico e que todo 0resto e uma bobagem.

Essa e uma especie de "posi<,;ao",nao e verdade?

E depois 0senhor se tornou an{u-quico.

 Nao. Depois eu liWittgenstein.

Wittgenstein?

Sim,li as Observar;;6es sabre as FundCl117entos da Matematica e as

Pesquisas Filos6ficas no manuscrito, em versoes diversas, anos

antes que aparecessem impressas, e discuti 0contetido com Eliza-

 beth Anscomb, que entao se achava em Viena a fim de aprender  0

alemao para empreender sua tradu<,;aodas obras de Wittgenstein.

POl'acaso, estudei os escritos de Wittgenstein muito mais a fundo

do que qualquer coisa tratada pelo inventario popperiano, embora

ainda exista quem me considere um apostata popperiano.

A - E 0senhor nao e?

B - Nao.

A _ Entao, como explica essa opiniao bastante difundida? Hooker sus-

tenta isso em seu ensaio ...

H-

A-

B-

Sim,um ensaio longo e pormenorizado!

 Nao vejo a hora de le-lo.Encontrei Hooker h{tmuitos anos;foi muito

agradavel,passamos juntos um certo tempo. Bem, 0que diz ele?

Que 0senhor era urn popperiano e conserva ainda urn "residuo

 popperiano" .

Um residuo popperiano?

Urn residuo popperiano. Entao, como 0senhor explica isso?

Diga-me no que consiste esse residuo?

o senhor usa procedimentos negativos, critica, refutal

Bem, nao quero atacar Hooker sem te-lo lido, mas pretende dizer,

de verdade, que Popper inventou a critica?

Popper introduziu a falsitlca<,;aomediante casos negativos ...

...voce esta brincando? A falsifica<,;aomediante contra-exemplos e

velha como 0mundo. Os sofistas a praticavam pOl' prazer; era a

arma principal dos cepticos desde a Antigiiidade, a Montaigne, ate

Mates, e foi ridicularizada como antilogike simplista ou como que-

 bra-cabe<,;aspOl'Platao: a melhor critica do "falsificacionismo inge-

nuo", como Kuhn e Lakatos chamaram 0 procedimento de Popper,

encontra-se na Republica e no Teeteta! Na verdade, e demais fazer 

de Popper  0inventor do falsificacionismo! Na mesma medida,

Ronald Reagan poderia ser definido como 0inventor da retorica!

Ademais ...

H-

A-

H-

A-

H-

A-

H-

...mas, espere um pouco! 0senhor nao me deixou terminar!Popper introduziu a falsifica<,;aomediante casos negativos para

resolver  0 problema de Hume.

o problema de Hume?

E sim, 0 problema relativo ao modo pelo qual 0 conhecimento

 pode ser adquirido e melhorado pOl'vias racionais.

Quer dizer que antes de Popper a ciencia era irracional?

 Nao, nao, mas antes de Popper as opinioes sobre a natureza da

ciencia eram equivocadas.

Inclusive as dos cientistas?

11-

 A-

B-

 A-

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A - Inclusive as dos cientistas.

B - Bohr? Newton?

A _ Especialmente Bohr e Newton.

B _ Isso me parece assaz surpreendente. Os cientistas tem opinioes

erroneas sobre a natureza da ciencia, no entanto fazem descober-

tas, promovem revolu<,,:oes, ampliam de maneira constante 0

nosSo horizonte. 0 proprio popper faz da ciencia um paradigma

do conhecimento. Popper, de outro lado, e detentor da opiniao

con"eta. Contudo, tudo aquilo que encontramos nele SaGsuges-

toes insossas e completamente desinformadas sobre a interpreta-

<,,:aoda medl11ica quantica - sobre a interpreta<,,:ao,veja bem, nao

sobre a teoria mesma, que foi inventada pOl' trapalhoes como

Bohr, Heisenberg, Born e Schrodinger. Desse paradoxo eu deduzo

que devemos distinguir entre a pratica da ciencia - que e com-

 plicada, nao de todo trans parente, mas no entanto parece produ-

zir bons resultados - e as ideias filosoficas, que nao apenas naotem influencia sobre a pratica, como oferecem somente a sua ricH-

cula caricatura. Uma boa filosofia, no sentido abstrato no qual 0

senhor e Popper entendem a materia, nao preserva ninguem da

 possibilidade de tornar-se ridiculo acerca de questoes cientificas,

enquanto uma m{l filosofia nao arruina completamente um cien-

tista. 0 mesmo e verdade com respeito as rela<,,:oesentre filosofia

e politica, filosofia e religiao, filosofia e sexo ...

A - Mas 0cientista ir{lperder tempo ...

B _ ...e seguindo Popper, nao0

 perderia? Nao, na mesma medida.

Isso tudo e para ser visto. Os casos negativos poem fora de com-

 bate uma teoria, nao e assim?

Casos negativos e confirmativos.

E os casos negativos SaGcorraborativos se, malgrado 0rigor do

experimento, prevalecem?

A- Sim.

B _ Onde os experimentos dao todos os mesmos resultados?

A _ Afora os do intervalo do erro, sim.

B - E pensa que uma teoria interessante, que da lugar a experimentos

complexos, pode ser corroborada de maneira tao nitida? Sem

aberra<,,:oes,sem apresentar em algum lugar resultados inexplicit-

veis, sem dificuldades ininteligiveis?

A - 0 que esta querendo dizer?

B - Quero dizer que qualquer teoria interessante esta cercada de um

oceano de anomalias cujos elementos dao origem a ulteriores ano-

malias, quando se busca corrobori-Ia. Dada uma teoria qualquer, e

 possivel mostrar numerosos resultados experimentais que estao

em conflito com ela. Dado um resultado experimental qualquer,

 parcialmente confirmado, pode-se indicar experimentos que

negam aquele resultado e assim pOl' diante.A nota<,,:aode que os

casos negativos poem fora de comb ate uma teoria nao e, par isso,

de nenhuma utilidade; nao h{lcorrobora<,,:oes"polidas". Anota<,,:aoe,

sobretudo, desencaminhadora, pOl"quanto insinua que a ciencia e

muito mais simples do que e efetivamente. Um popperiano que

enfrentasse a ciencia seria derrubado pelas dificuldades que viesse

a encontrar - ficaria absolutamente paralisado!

A - 0 senhor confunde dois problemas completamente diversos - 0

 problema l6gico da rela<,,:aoexistente entre a teoria e as provas, e

o problema pratico relativo aquilo que deve ser considerado

como prova, Uma pura refuta<,,:ao,isto e, um conflito entre uma

 j asser<,,:aosingular plenamente corroborada e a teoria da qual e um

exemplo, elimina a teoria, enquanto uma pura confirma<,,:aodeixa

a situa<,,:aoinalterada ...

Palavras vazias! Neste mundo nao h{lpuras refuta<,,:oes,0que signi-

fica que neste mundo a solu<,,:aodo problema de Hume e despida

de interesse pela pr{ltica cientifica. Isso e verdade tambem no

tocante a outras doutrinas filosoficas. Os filosofos tem de se haver 

com um pais dos sonhos que quase nao tem nenhum contato com

a vida real dos cientistas, politicos, pessoas como voce e como eu.

A logic a aplica-se a todos.

A logic a? Para come<,,:arnao h{luma (mica" logica"; hi diversos sis-

tenus logicos, alguns mais realistas, outros menos. Em segundo

lugar, a logica aplica-se a uma argumel1ta<,,:ao,somente na medida

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em que os elementos da argtilllenta<;ao - os conceitos, as ideias

- remanescem est{lVeis.Mas, as argumenta<;oes que conduzem a

novas intui<;oes raramente satisfazem essas condi<;oes. Terceiro, a

distin<;ao entre verdade logica e verdade empiric a e uma distin<;ao

a qual nao corresponde uma diferen<;a.Ambas podem ser revistas,

ambas podem morrer, a lmica diferen<;a e dada pelas ora<;oesflme-

 bres. Isso e coisa pisada e repisada por todos aqueles que leram

Quine. E dai, que consolos tira um homem a beira da morte de tal

distin<;ao ao saber que sua morte nao e logicamente necessaria?

De novo palavras vazias.

A - Est{ldizendo, talvez, que 0 problema de Hume e um pseudo-pro-

 blema?

B - Precisamente!Tomemos como exemplo alguem que esta estudando

uma lingua estrangeira. Quando come<;a,e ignor,mte, ao fim "conhe-

ce" a lingua. Segundo Hume (que era muito mais sensato do que

aqueles que procuraram "resolver" seu "problema"), esse processo

compreende tres elementos: a evidencia, as generaliza<;oes relevan-

tes e uma cadeia de raciodnios que leva de uma a outra. Ora, Hume

argumenta que nem a logica somente, nem a logica com 0acresci-

mo de asser<;oesadequadas, nem tampouco a probabilidade podem

"estabelecer" as generaliza<;oes a partir de uma certa evidencia. Esse

e 0"problema de Hume". Trata-se de um pseudo-problema, pot'que

a subdivisao em evidencia, generaliza<;oes e raciodnios de sustenta-

<;aoraramente se encontra na pr{ltica.Qual e a evidencia em que 0

individuo baseia 0 proprio conhecimento de uma lingua e quais sao

as "generaliza<;oes" que constituiram tal conhecimento? Esses ele-

mentos podem ser individualizados em alguns casos (aprender de

memoria, decorar), mas nao em outros (aprender por imersao), e,

ademais, a "evidencia" nao e absolutamente tmllorme, como parece

sugerir esse modelo. A pessoa que fala uma lingua por imersao nela

tem que faze-lo com 0 jargao, com as idiossincrasias individuais, com

as licen<;aspoeticas, com as facecias, e assim por diante. Utilizando 0

t;lObenquisto exemplo dos cot'vos, pode-se dizer que 0 problema

nao diz respeito ao modo em cujo suti-{lgiose afirma "Todos os cor-

vos sao negros", dados dez corvos negros como 0 piche, pot'em diz

respeito ao modo em que se afirma que "Todos os Cot'vos sao

negros", dado um grupo de aves entre as quais algumas sao clara-

mente Cot\TOS,outras sao casos duvidosos, entre os quais alguns nao

tem penas, outras sao cinza-gris com manchas brancas, e assim por 

diante.A maior parte dos problenk1.scientlticos sao desse tipo - 0

que significa que a solu<;ao do problema de Hume nao apresenta

nenhuma relevfmcia para a pratica cientltica. Pode acontecer que ai

sejam quase humianos, mas sao raros e se encontram somente nas

 partes fastidiosas da ciencia. Assim,veja,nao pode haver um "residuo

 popperiano", pot'que jamais existiu um corpo popperiano vivo e

completamente articulado. Como quer que seja, se ha algum "resi-

duo"no meu armario,e um residuo ceptico. Mas,prossigamos - em

alguma parte durante a minha trajetoria Ii um interessante ensaio de

Michael Polanyi sobre a concep<;ao do mundo dos Azande (popula-

<;aocentro-ati· icana).Ali, aparecia aplicado concretamente 0conse-

Iho de Wittgenstein, que manda olhar, entender e nao sair pela tan-

gente. E depois Mill, em Sabre a Liberdade, ensinou-me que as

diversas concep<;oes do mundo nao devem estar necessariamentelado a lado, mas podem estar empenhadas em melhorar  0clima

geral da consciencia. Eu pensava que os pontos de vista, as formas de

vida tinham sentido e adquiriam substancia somente quando esta-

vanl inseridos millla serie de outras formas de vida. Desenvolvi ate

lUnateoria de controle experimental sobre essa base ...

A - a sua onipresente particula browniana ...

1 \ - uma ideia que peguei de David Bohm7.

7, David Bohm veio ao Brasil em 1952, no auge do macarthismo, e passou a lecionar na

liniversidade de Sao Paulo, como professor do antigo Departamento de Fisica da

I'aculdade de Filosofia, Ciencias e Letras. Ministrou os cursos de FisicaTe6rica e Mecanica

Estatistica, exercendo nao s6 grande influencia sobre seus alunos e jovens pesquisado-

I'CS, como produzindo trabalhos em coopera<;ao com seus colegas do Departamento de

I'isica, entre os quais Walter Schiitzer e ]aymeTiomno, aletn de outros. Embora seu primei-

1'0 livro de fisica quantica, Quantum Thcoric,fosse totalmente baseado na visao da

Escola de Copen hague, sua linha de pesquisa fundamental orientou-se no sentido da res-

laura<;ao da causalidade classica, a partir de uma rcformula<;ao e extensao dos principios

advogados pOl' Bohr, Heisenberg e Born na mecanica quantica, tendo em mira uma pos-

Iura realista, determinista - numa versao nao-rclativistica - pela introdu<;ao de um

"potencial quantico"(nem onda nem particula) capaz de guiar uma particula. Bohm per-

Illaneceu em Sao Paulo durante quatro anos e, ap6s uma rapida estada em Israel, estabe-

kccu-se em Londres, onde veio a I;llecer. Seus pontos de vista sofreram criticas acerbas

l1a{'pOGl,mas recentemente voltaram a ser reconsiderados nos meios cientl1lcos.

Sim historias sobre qualquer genero de coisas Ha dois anos pOl'

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A-

B-

B-

A-

Sim,poder-se-ia d1ama-la assim. Mas,pouco a pouco, estamos tornan-

do-nos desconfiados da possibilidade de regular  0conhecimento de

longe, com a ajuda de prindpios e modelos abstratos. Pensei que 0

mundo, e especialmente a vida humana, fossem demasiado comple-

xos pOl'isso. Escrevi uma serie de ensaios inspirados em Mill...

...e, no fim, Contra 0 Metodo. Depois de Mill,0senhor chegou ao

anarquismo.

E aqui esta a desgra<,;a.Aquilo que estavamos vendo nao era uma

 posi<,;ao ou uma doutrina que pudesse transformar-se na pedra

angular de qualquer disciplina academica, porem um modo de

 pensar e viver independente da disciplina. Esta e a razao pela qual

 procurei demonstrar que nem sempre a pratica da ciencia podia

estar encarcerada em conceitos gerais, a nao ser de um modo

vago e superficial. Ate a ciencia, que esta plena de estereotipos e

 bastante afastada da vida cotidiana dos seres humanos, vai alem doalcance dos prindpios e dos metodos filosoficos.Ja falamos disso.

o senhor sim, eu nao. Mas 0que quer dizer com isso? 0 senhor 

ainda leciona, nao e verdade?

 Nao, com pena retirei-me de todo encargo.

POl'que? Nao era obrigado! Nos Estados Unidos nao ha linutes de

idade para os docentes universit;lrios.

Ii verdade. Mas 0linute eu mesmo mo fixei.Alem disso, tenho uma

mulher maravilhosa que trabalha em Roma e que vejo muito

 pouco, para 0meu gosto.

Mas 0senhor era um professor de filosofia, ou nao? Dava aulas de

historia da filosofia e de filosofia da ciencia, certo?

Sim, eu era um funcionario estatal do Governo Federal sui<,;oe do

Estado da California, com um programa de trabalho, um salario e

uma pensao. Mas tudo isso tem pouco a vel' com a filosofia.

E 0que fazia durante suas aulas?

Contava historias.

A-

B-

A-

Sim, historias sobre qualquer genero de coisas. Ha dois anos, pOl

exemplo, descrevi varios episodios extraidos da historia da teoria

atomica, incluindo Democrito,Aristoteles, Bohr, Einstein, Aspect,

Dalibard e Roger.

Aspect - quem e? E quem sao os outros?

Tres expoentes da fisica experimental, oriundos de Orsay na Fran<,;a.

A meu vel',nenhuma ideia interessante foi jamais completamentesufocada, pOl' mais escassas que fossem as provas a seu favor. No

Ocidente, a teoria atomica teve inicio com Parmenides, cuja asser<,;ao

de que nada muda jamais, foi refutada pOl'Aristoteles' no seculo XIX

alguns cientistas consideravam-na um monstro ant~diluviano e, n~

ent,mto, ela retornou triunfante a cena: os biologos moleculares sao

tao ingenuos como 0velho Democrito. Em Berkeley recontei a his-

toria da filosofia antiga. Come<,;avamos com um exame dos textos'

 pOl' exemplo, quantas sao as palavras do proprio Parmenides qu~

temos a disposi<,;aoe quao aceitavel e a tradi<,;ao?Depois, cheg;lV;l-

mos as principais formas literarias: a epica, a poesia lirica a satira a

 prosa cientifica (que foi inventada mais ou menos naquel~ tempo)', a

obra teatral, 0discurso politico e 0informativo, 0romance, 0conto

e, mais tarde, 0dialogo, com exemplos que ilustrassem seus efeitos.

 Nao constituiam apenas joguinhos poeticos - eram usados para

informal', critical', oferecer sugestoes religiosas, militares, politicas.

Qual forma era mais adaptada as inten<,;oesdo novo grupo de falado-

res que subiram a ribalta nos seculos VI e V, os assim ditos "f1losofos"

que forma utilizaram e pOl' que e, sobretudo, de que coisa foran~

capazes? Platao rejeitou as obras teatrais, a epica, a prosa cientifica eescolheu 0dialogo. Discuti em pOt-menor suas motiva<,;oes,pois que

tinham muito a vel' com a pergunta que indaga 0quanta a f1losofia

supera a tradi<,;ao.

POl'isso 0senhor argumentava durante as aulas!

 Nao, nao, nao, nao! Descrevi a vida de pessoas que se dedicaram

a tematica de tipo sobretudo restrito e a sua influencia sobre os

outros. Uma vida construida sobre a teoria e diferente de uma vida

construida sobre a simpatia, sobre 0medo, sobre a esperan<,;a,

sobre 0 bom senso. Procurei torn'll' visivel tal diferen<,;a.Onde foi

A-

B-

A-

Il-

76 () Dialogos Sobre 0 Conhecimento

possivel evoquei a imagem de Empedocles com suas sandalias de poticas; a gente precisa mutilar a propria vida para adaptar-se

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 possivel, evoquei a imagem de Empedocles com suas sandalias de

ouro,o seu manto purplireo, a multidao de rapazes que 0acompa-

nhava e os milagres que operava.

Mas 0que dizia c\as ideias desses filosofos?

Sim sim falava das suas ideias. Naturalmente citava aquelas que

eles' hav;am escrito ou dito, OU 0 que se disse que haviam dito; dis-

cuti sobre os efeitos que suas propostas exerceram sobre seuscole gas filosofos e sobre os antigos em geral e, 0que e muito mais

importante, discuti sobre os efeitos postumos de sua atividade. na

fisica, na biologia, na sociologia, na filosofia, na politica, ete. Mmtas

ideias que agora parecem ingredientes obvios do conhecimen~o

(cientifico), da etica, da politica, surgiram na antigliic~a~ee entao

foram atacadas, defendidas e atacadas de novo com otlmos argu-

mentos.Aqueles que sentem·a necessidade de razoes impessoais

 para suas proprias preferencias e antipatias - e eu nao estou

entre eles - podem aprender muito com os debates antigos, uma

vez que esses nao SaGofuseados pOl' tecnicismos inllteis. Expli-

cavam tudo sob a forma de historias que continham provas ou

que incluiam esbo<;os de prova, nao "fazendo filosofia".

Suas historias nao tinham um escopo?

Certamente. Mas h{ltanta gente que conta historias com um esco-

 po: jornalistas, comediografos, romancistas, maes, cientistas -

quase todas as fabulas tem um escopo. Mas os filosofos, em ~sp~-

cial os de fe racionalista, atingem 0seu escopo de um modo l11tel-

ramente peculiar. Suas historias SaGestreitamente entretecidas,

quase n;LOSaGmais historias. Usam conceitos abstratos _eemotiv,~-

mente descontaminados. E usam conceitos similares nao para afl-

nar nossa visao das coisas ou para enriquecer nossa existencia,

mas para nos impelir para passagens estreitas e escuras. Os senti-

mentos, as impressoes, os desejos podem entrar no debate somen-

te depois de terem sido capturados como borboletas, mort~s e

distendidos sobre uma prateleira filosofica.AIem disso, os filoso-

fos sobretudo os racionalistas, estao interessados nos principios

get:ais e nao na vida dos individuos. Considerando a riqueza de

nosso mundo, isso significa que suas historias sedlo vazias ou des-

 poticas; a gente precisa mutilar a propria vida para adaptar se

aquelas historias. Leia Kant sobre a etica! E a replica de Schiller!

A - Creio que 0senhor tem uma visao unilateral da "filosofia". 0que

 pensa de Nietzsche, ou Kierkegaard, ou Heidegger? ]ustamente ha

algumas semanas, li 0livro de alguem que me parece chamar-se

 Nagel, e a coloca<;;l0dele nao se assemelha em nada sua descri<;ao

da filosofia.

II - Tem razao; h{lexce<;oes. Ha individuos que se definem como filo-

sofas e, todavia, nao amam, ou melhor, detestam 0discurso unifor-

mizado. Mas, para sua lastima, escolheram 0instrumento en-ado e

se dirigem ao Pllblico en-ado. Sao poetas sem talento poetico, mas

nao sem astllcia; assim, criaram uma materia por si existente na

qual a falta de emo<;oes e um bem e a ausencia de imagina<;ao e

uma condi<;ao de sucesso. Pode acontecer que brilhem, se compa-

rados a seus colegas ainda menos dotados - mas SaGtristemente

deficit{lrioS no tocante ao resto. Pense justamente no modo como

os estudantes de fllosot1aSaGpreparados para desenvolver sua pro-

fissao! Sera que suas idiossincrasias SaGtomadas em considera<;ao?

 Nao. Sed que lhes e permitido exprimir-se "autenticamente"?

Raramente. Sera que lhes ensinam como viver com os outros,

como tocar seus cora<;oes? Certamente nao. A velha ideia de obje-

tividade, que nao e outra coisa senao a outra face da esterilidade de

seus inventores, e sempre preponderante, se bem que vestida com

novos trajes e segundo a mocla. Ademais, os filosofos do seculo XX

 poem tudo aquilo que dizem em rela<;aocom um grupo de autores

atentamente selecionados - 0real e aquilo que sobrevem nessegrupo.Em Rorty,por exemplo,ha muita coisa sua com a qual posso

estar de acordo, mas nao escreveria como ele e certamente nao sei

o que fazer com os autores que ele discute. E isso sucede em areas

como a etica, a estetica, a antropologia, a filosofia politica, onde

 poderiamos, sim,esperar conclusoes mais vagas. A filosot1ada cien-

cia nunca teve 0seu Kierkegaard ou - gra<;as a Deus - 0seu

 Nietzsche. Tampouco Kuhn permitiu que a historia falasse espon-

taneamente; de quer envolve-Ia com amarras teoricas.

78 (:~ Dialogos Sobre 0Conhecimento

Nao vejo por que deveria! De Olltro lado recebi urn certo tiP~ de 13 No seu Tratado Teol6gico Politico Bern acho desprezivel uma ati

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 Nao vejo por que deveria! De Olltro lado, recebi urn certo tiP de

educa<,;aode parte de Mill,Wittgenstein ou Kierkegaard, que h em

/ - "d rcado de ara-1946, quando estava enfiado num sotao um1 0, ce

nhas, baratas e de estufas enferrujadas. Nos llitimos dez anos estu~

dei Platao, pelo qual mltro uma admira<,;aoilimitada; em/p~-egl:1

, s pal-a p1-epanr urn curso de aulas sobre a Fzszca etres ano, ,

Aristoteles, que na minha opiniao e urn grande livro ...

Bern, se isso nao e fazer filosofia ...

...mas perceba, eu nao estudo e discuto esses autores para a.bri-

lhantar uma materia ou construir uma ideologia, ou cult1var 

. l /. ~ 'lf1'11al110teml)o de Platao e de Aristoteles a disciplina z(,eza" -, " '.

"filosofia" havia apenas se constituido - mas para prover a ~~~1

mesmo e aos meus ouvintes de uma indaga<,;aosobre a poss1b1h-

dade da existencia humana. As pessoas nascem e mon-em, enamo-

ramose, sustentam-se mutuamente, n1atan1-se umas as outra.s; can-

tam, dan<,;am,compoem sinfonias, raciocinam, estipulam, p111tam.

Desse amplo leque da atividade humana seleciono, em virtude .d~IS

circunst;l11cias de minha educa<,;ao,alguns elementos para eX1b1r,

sem presumir que 0meu pequeno museu seja mais completo,

mais importante, mais fundamental, mais profundo do que, quem

 b 'b' 7aode Laurie Anderson. Mas - e agora chega 0sa e, uma eX1 1<,; ,

I d  - zo - nao posso suportar elemento que se assemella ao esp1e

que os assim chamados pensadores nao so presumam conhecer 

melhor do que outros seus similes - 0 que seria simples presun-

7 e 'lcho que nao se pode objetar nada a presun<,;ao- mas que<,;,10, , .

eu coloco num nivel inferior sob 0 plano existencial. Aqm, aomenos no Ocidente, os filosofos mostram 0 caminho; leia jus_ta-

mente Hed1clito, Parmenides, Xenofanes e, naturalmente, Platao.

Spinoza, 0 gentil e amavel Spinoza argumenta U~l pouco como

segue: Deus falou aos profetas por imagens, pois nao eram bast~l~-

te inteligentes para entender a SuaVerdadeira Me1~Sagem..~s f110-

sofos, que possuem os conceitos,o sao. Por isso estao quahf1cados

 para remover 0 murmllrio incoerente e 0 vozerio dos profetas.

Encontro uma atitude similar...

13- No seu Tratado Teol6gico-Politico. Bern, acho desprezivel uma ati-

tude assim.

A - Ainda que possa ser sustentada por argumenta<,;oes?

13- ESjJecialmente quando pode ser sustentada por argumenta<,;oes!

Quem venderia a alma por uma argumenta<,;ao? Mas nao e neces-

sario, na verdade, ir tao longe.]a se foram tempos em que as ideias

que hoje nos parecem ridiculas e ate repelentes desfrutaram deurn forte apoio empirico e teoretico.

A - Voce pode me apresentar urn exemplo?

B - Certamente - a ideia de que a terra esteja em estado de quietude

no centro de urn mundo esferico, ou a ideia do eter para a propa-

ga<,;aoda luz e, mais tarde, de todos os processos eletromagneti-

cos. Ou a teoria do flogistico, que trouxeordem entre muitos

fatos dispares e que sobreviveu a numerosos ataques.

A - Mas gostaria de saber algo mais sobre 0 suporte empirico dessa

teoria ...

II - Bern, leia a literatura, mas tenha 0 cuidado de consultar os infor-

mes mais recentes e mantenha-se bem perto dos historicos; alguns

dentre os velhos auto res procuraram tenazmente demonstrar que

as ideias superadas nunc a tiveram sentido, e a maior parte dos filo-

sofos se contentou com hinos piedosos e alguns poucos eventos

mal e porcamente comunicados. Ora, suponhamos que, urn belo

dia, os biologos "descubram", isto e, proporcionem urn suporte

razoavel a ideia de que a inteligencia e a sensiblidade estao ligadas

geneticamente e que existem ra<,;as"perigosas", ou seja, ra<,;asque

constituem amea<,;aao futuro da humanidade. 0que fariam nessascircunstancias?

o que quer dizer?

Como admiradores da ciencia, aceitariam esse ponto de vista e

dariam expressao a urn voto favoravel nas elei<,;oeslocais, estaduais

e federais - por exemplo, sugeririam eliminar os membros dessa

ra<,;aou tentariam protege-Ia dos efeitos da nova descoberta?

Os cientistas nao proporiam jamais uma tese do genero.

Mas ja 0fizeram! Leia a proposito 0livro de Steven Gould, A Per-

versa Mistura do Home111, ou 0de Kleves,Em Nome da Eugene-

tica e outras obras nesse campo Asseguro-lhe que livros seme- relativamente grande do genera de discurso que acabei de descre-

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A-

B-

A-

B-

A-

B-

tica e outras obras nesse campo.Asseguro-lhe que livros seme-

lhantes the abrirao os OnlOS!

Mas 0que posso eu fazer?

Pode fazer muito! Suponhamos que se apaixone por uma pessoa

 pertencente a ra<;a perigosa. Isso the da um conhecimento que

nenhum cientista possui, a menos que ele tambem esteja apaixo-

nado por alguem assirn. Eisso nao so the fornece um certo conhe-cimento, mas the d{ltan'lbem a motiva<;ao e 0desejo de substituir 

o informe cientifico por seu modo de ver.

o amor contra os resultados cientificos?

Que outra coisa poderia ser? Naturalmente, nao posso argwnen-

tar com 0senhor sobre esse caso, pot"que aquilo que est{lem jogo

nao e uma conexao de ideias, mas 0 poder de um sentimento ...

Os sentimentos contra as argumenta<;oes?

Veja!As argumenta<;oes tem necessidade de conceitos daros para

funcionarem. ESt{lde acordo?

Bem, certamente seria dificil obter argumenta<;oes condusivas

com termos conotados emotivamente.

Mas os termos emotivamente conotados tem uma fun<;ao propria

na vida, ou nao?

A-

B-

BelH...

As rela<;oes pessoais constituem-se e mantem-se gra<;asa sua ajuda.

Sepergunto:"Esta triste?" - 0 senhor me compreende perfeitamen-

te e compreende tambem a simpatia que a perglillta comunica, essa

simpatia estabelece um liame - tudo isto seria destruido se substi-

tuissemos as ideias imprecisas, as expressoes do rosto, os gestos, as

 palavras emotivamente conotadas, por no<;oesprecisas e assepticas.

Alem disso, palavras, gestos, expressoes do rosto nao estao nunca

separados no modo que 0logico assume como ponto de partida. ~

 pergunta "esta triste?" faz parte de lill'lfenomeno complexo que cal

em peda<;os quando se isolam seus ingredientes "semanticos".

Encontramo-nos, entao, em face de uma escolha: queremos que as

muta<;oes destrutivas causadas pelas racionaliza<;oesincidam sob~"e

todos os aspectos de nossa vida, ou queremos conservar uma se<;ao

g g q

ver? Para mim, a escolha e obvia. Argumentos racionais sim, mas

numa coloca<;aoespecial, nao no centro da existencia hlunana.

Talvez 0 senhor queira dizer que 0centro deveria ser pleno de

sensibilidade, mas falto de conhecimento?

 Nao dramatizemos! 0 conhecimento como e definido pelos racio-

nalistas - conhecimento objetiva e emotivamente asseptico,cujos ingredientes possam ser todos registrados em enunciados

daros - nao e 0(mico genero de conhecimento, nem mesmo na

ciencia. Um experimentador deve ter familiaridade com a pro-

 pria aparelhagem. Esse "conhecimento tacito", como 0denomi-

nou Michael Polanyi, e 0resultado de uma longa experiencia; so

raramente ela e explicita e esta pressuposta, nao eliminada, pelo

 procedimento mais formal. 0 conhecimento que uma pessoa

 possui de outra e "tacito" numa medida muito maior. Revela-se,

em parte, em a<;oesconscientes, em parte em a<;oesinconscien-

tes, influencia a percep<;ao, sua articula<;ao muda sutilmente 0

aspecto: uma pessoa numa pintura ou numa obra teatral nao e

igual a uma pessoa que se encontra por acaso num restaurante.

Para descrever um minuto da vida de um individuo pode-se pre-

cisar de meses e, num certo sentido, nao se chega jamais '10 fim

- simplesmente pot-que nao existe um conjunto bem definido e

limitado de fatos que possam ser denominados de "todos os fatos

capitais da vida de XY entre as Ilh24m e as Ilh25m da manha

de segunda-feira, dia 25 de junho de 1989". Leia Pirandello! Os

racionalistas quereriam substituir toda essa riqueza por algo mais

manejavel. Nos, isto e, os cidadaos que pagam os sal{u-iosdeles,

devemos ficar de olho neles e interferir quando se lan<;amdema-

siado nessa dire<;ao.

Quer dizer que 0senhor recomendaria 0controle da filosofia, da

 pesquisa e da difusao do conhecimento?

Somente se tal difusao for responsavel pela destrui<;ao dos ele-

mentos pessoais na nossa existencia! 0 conhecimento, como defi-

nido e praduzido pelos racionalistas, e um ingrediente precioso

da vida, mas con'lO0automovel, os avioes, os reatores nudeares,

tem efeitos colaterais que podem tornar necessaria a regulac;:aodo  Nao parece que 0 senhor tenha lido Lorenz. AIem disso, quem diz

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seu emprego ...

A (alf;ando-se com uma repentina mudanr;;a no semblante) - Pre-

tende na verdade isso! 0controle do conhecimento! 0controle

do pensamento!

(A ovelha escapa)

B - Meu caro, seus fil6sofos tratam 0 conhecimento como a Associa-

c;:aoAmericana de Fuzis trata as armas de fogo - nao devem ser 

tocadas, por mais desastrosos que possam ser os seus efeitos. Mas

veja! Um excesso de autom6veis mata os bosques, as montanhas,

os lagos, as pessoas e contamina a area, provocando congestiona-

mentos de estradas, torna as crianc;:asnervosas devido ao barulho,

etc, ete. No entanto, as pessoas amam os autom6veis e nao renun-

ciam a eles com facilidade. POl'isso, temos necessidade de leis que

regulamentem seu uso. Os discursos muito "racionais", ou seja,

expurgados de emoc;:ao,danificam as sutis conex5es que existementre 0 conhecimento, a sensibilidade, a ac;:ao,a esperanc;:a,0 amor 

e os fragmentos da nossa vida. As nossas mentes devem ser menos

 protegidas que os nossos pulm5es? E nao e apenas uma questao

que concerne a nossas mentes! Para Descartes, os animais sao

maquinas, e qualquer emoc;:aomanifestada nos seus confrontos

est;l fora de lugar. No que me diz respeito, e uma atitude barbara

que coloca Descartes abaixo ate do mais estllpido Shawnee (indio

algonquian08). Deveremos, porventura, permitir a semelhantes

 barbaros dirigirem nossa vida, manipularem nossos sentimentos e

determinarem nossas ac;:5es?

B _ E quem decidira isso? Os amantes dos animais ou os pesquisado-

res que nao tem nenhum remorso pOl' torturar os animais vivos?

Os fatos recolhidos pelos dois grupos seriam muito diferentes.

A - Sim,ai seriam opini5es subjetivas, de um lado, e fatos objetivos, de

outro.

que a abordagem objetiva chega ao amago do problema, enquanto

as opini5es subjetivas nao chegam a nada? E,antes de tudo, como

 justificamos a distinc;:ao? Especialmente desde quando, ao que

 parece, foram levantadas dllVidas pela psicologia e ate pela fisica?

As aberrac;:5es da mecanica quantica sao irrelevantes no plano

macrosc6pico ...

Em primeiro lugar, nao e verdade, como demonstram a supercon-

dutividade e outros fenomenos! Em segundo, ainda se fosse, deve-

riamos admitir tambem que a objetividade nao e um ingrediente

a priori da ciencia, pOl'em um instrumento da pesquisa que po de

 produzir resultados, mas pode tambem falhar.

A biologia moderna conseguiu um grande nllmero de resultados.

o senhor se refere a biologia molecular! Justo! A hip6tese de

Descartes produziu resultados nesse campo restrito. Agora a ques-

60 se articula assim: 1) os resultados sao importantes? 2) consoli-

dam as hip6teses? e 3) podemos aceitar os resultados que julga-

mos apreciaveis e refutal' a hip6tese? Resposta 1: alguns sao,

outros nao; resposta 2: nao; resposta 3: sim. De fato, e preciso dis-

tinguir entre os efeitos de um uso restrito da hip6tese e os efeitos

de uma sua aceitac;:aogeral. Esses llltimos nao sao absolutamente

desejaveis. Implicam que a natureza seja um legitimo objeto de

estudo e de transformac;:ao ilimitada; isto e, que seja como um

albergue enorme e fora de moda que precisa ser explorado, lirripo

e reestruturado. Ha de concordar que essa atitude comportou

conseqiiencias desastrosas. Seria, pOl'isso, muito imprudente inse-rir as ideologias profissionais como partes da educac;:ao geral.

Voces, caros genios - deveri<m10s dizer aos nossos especialistas

- estao livres de ser b;lrbaros quanta queiram em suas pesquisas,

mas nao esperem que nos aceitemos a atitude que lhes parece

necessaria para suas descobertas.

Mas isso e parasitismo!

Longe disso. Os barbaros sao pagos, nao e verdade? Estao dotados

de laborat6rios custosos, nao e verdade? E-Ihes permitido, ou

melhor, sao encorajados a fazer aquilo que preferem, nao e verda-

de? Para seus projetos megalomanos sao desperdic;:ados milhoes lembranc;:a que tenho dele, mas concordo que proibi-Io foi uma

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de dolares, ganham premios, podem aparecer na televisao etc. etc.

Por que deverialTlOS imita-Ios e encarar  0mundo a seu modo?

Temos necessidade de servidores: nos os adestramos, os pagamos,

lhes damos uma aposentadoria; mas ninguem diz que sua filosofia

deveria tornar-se a base da civilizac;:ao.

A - Mas nao cre que a imposic;:aode limites ao pensamento compor-

taria conseqiiencias terriveis?

B - 0 pensamento ja esta limitado em muitos modos - e por bom

motivo. Pode acontecer, naturalmente, que se tenha conseqiiencias

imprevistas. Mas qual e a alternativa? Nao fazer nada? AIem disso,

nao sugiro impor limites ao  pensamento, mas sim a certas ampli-

 ficcu;6es institucionais do pensamento. Os defensores de Salman

Rushdie - e,veja bem, eu nao estou entre eles - nao querem ape-

nas que ele pense, querem editores, estac;:oesde TV,clubes liter;i-

rios para amplificar seu pensamento e para tirar proveito dos

ganhos. Nao e a liberdade do pensamento que me preocupa, mas

a liberdade do pensamento com plenos poderes. De fato, 0 poder,

 pondo-se de lado 0modo pelo qual e exercido, deve sempre ser 

mantido sob vigiE'mciamuito atenta! Os escritores amam sublinhar 

que a pena e mais potente que a espada. Bem, se eles tem razao,

entao e tambetll mais perigosa. Imagine, por exemplo, um caso

semelhante: uma sociedade a beira de uma guerra civil, um autor 

est;l escrevendo um livro que pode provo car  0seu inicio. Como

governante responsavel ordenaria que 0livro fosse queimado e 0

escritor preso, se nao prometesse solenemente aguardar temposmenos perigosos; no meu parecer, a vida humana e muito mais

importante do que as palavras que pretend em representar ideias.

A - Nenhum pais civilizado se comportaria desse modo.

B - "Os paises civilizados", como 0senhor os denomina, ja 0fazem!

 Na Alemanha e proibido projetar os principais filmes nazistas,

 pelo fato de que poderiam ferir os sentimentos de alguem e susci-

tar vellus hostilidades. Agradar-me-ia ver  0]udeu Siiss com

Werner Krauss, um ator que admiro enormemente. Vi 0filme

quando eu tinha cerca de dezesseis anos e gostaria de verificar a

medida sabia. Deixe que os modernos defensores da arte obscena

e da poesia ofensiva apliquem seus argumentos a esse caso e vera

aonde iremos acabar! Ademais, eu ja the havia dito que 0conheci-

mento "objetivo", emotivamente descontaminado, e apenas uma

forma do conhecimento, e de modo algum a mais importante. As

relac;:oeshumanas sao criadas e mantidas pela empatia, a qual, so

 para agradar os objetivistas, poderia ser considerada uma opera-

c;:aoespecial, como 0uso de um microscopio, que leva a intuic;:oes

nao disponiveis atraves de outras operac;:oes...

A (/azendo um esfon;o) - ... bem, nao quero entrar no merito da ques-

tao do controle do pensamento;mas,como 0senhor mesmo disse,

ha filosofos que sustentam a existencia de diversas formas de

conhecimentos ...

B - Sim. Kierkegaard e Polanyi nao constituem exemplos, e os admiro

a ambos. Mas pode-se dizer que sao tao eficazes quanto 0cinema,

o teatro, a poesia ou 0senso do proprio valor inculcado no indivi-

duo pelo amor de seus pais, no encorajar e proteger os elementos

 pessoais do conhecimento? 0 filosofo Polanyi descreve fenome-

nos cientificos que se ajustam ao modelo objetivista; ele nao os

cricl. [SSG, ao inves, e 0que faz 0fisico-quimico Polanyi.Analo-

gamente, os filosofos podem individualizar  0 tipo de conheci-

mento que eles tem em mente, podem descreve-lo, se bem que de

maneira antes imperfeita, pOl-quanto sua linguagem e afetada pela

objetividade, podem aprecia-la, podem objetar  contra sua separa-

c;:aodo resto - mas nao h;l um (mico filosofo que se iguale a um

artista, a um santo ou a um politico no dar perfil, forc;:ae substan-

cia a esse "resto". Isto e 0que pre tendo quando afirmo que os

"bons" filosofos - que existem de verdade - elegem 0mister 

equivocado ou 0meio equivocado para suas propostas.

E esta e a razao pela qual 0senhor prefere Ayn Rand a Foucault?

Ouviu falar dessas observac;:oes! Sim! 0 seu Atlas Shrugged 

(Atlante Sacudiu as Esp;lduas)9 e a melhor introduc;:aoaAristoteles

que eu conhec;:o.

Esta f,l1ando serio?Verdade? Onde esta? (examina as varias contribuir;6es enquan-

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Calcule 0 senhor mesmo! 0livro eleva-se acima da prodw;,:ao des-

tituida de vida dos nossos academicos. Ha amor, assassinio, forni-

ca<,:ao,espionagem industrial, misterio - tudo conduz gradual-

mente aos principios da filosofia aristotelica. Naturalmente, nao

aceito 0 seu produto, mas ao menos h;t urn produto, urn produto

concreto, nao apenas palavras vazias. Aquilo de que precisamos

 para realizar progressos nessas coisas nao e uma pratica acompa-

nhada de reflexoes soltas; 0 que precisamos e uma combina<,:ao

de reflexoes filosoficas e produ<,:oes artisticas (ou cientificas) ou,

visto que a reflexao filosot1ca tern a tendencia de sail'pela tangen-

te, e visto que essa tendencia agora e sustentada pela exigencia da

especializa<,:ao,aquilo de que precisamos em cada campo e uma

 produ<,:ao inteligente e auto-reflexiva - em outras palavras, aqui-

10de que precisamos e a vida que, vivida bem e sabiamente, tor-

nara superflua boa parte da t1losofia. Como ve, ha 6timos motivos

 pelos quais nutro escasso amor pela filosofia pro!issional.

Mas esta nao e tambem uma posi<,:aofilos6fica? Hooker diz que

sim. Ele come<,:a seu ensaio com urn capitulo intitulado "Situar 

Feyerabend no interior de uma teoria das tradi<,:oesocidentais". E

a identifica como anarquica.

E justo, mas nao muito esclarecedor. Dada uma certa pessoa, e pos-

sivel construir uma grade conceitual e classitlca-la com 0 conceito

mais similar a seu modo de existir. Mas outras grades podem levar a

caracteriza<,:oesdiversas e mais condizentes. Se as categorias fossen 1

 plantas e divindades - ponto e basta - entao eu acabaria entre as

 plantas. Se fossem santos e criminosos, obviamente acabaria entre

os criminosos. Os primeiros antrop610gos subdividiam as coisas

viventes em cristaos, hereticos, animais e monstros, e gastaram uma

enormidade de tempo tentando classificar os indios da America.

Dada a grade de Hooker, nao posso ser outra coisa senao urn an;'f-

quico. Como quer que seja, se considerarmos a obra de Marcello

Pera, estou bastante convicto de que poderei recobrar uma cerl,1

"racionalidade" numa grade que contenha tambem a ret6rica.

A - Marcello Pera tambem escreveu urn ensaio.

( ; q

to continua a jalar) E para que conhecer tudo aquilo que uma

 pessoa diz ou faz com as "posi<,:oes"relativas a uma tematica parti-

cular? Logo ninguem podera mais dizer "Estou cansado", sem que

Ihe seja assinalada uma posi<,:aosobre alguma questao fisio16gica

fundamental (olha ansiosamente para seu rel6gio, tristemente

 para 0sol que baixa e com apreensao para 0em.brulho de A)

...bem, imagino que deveriamos acabar com essa coisa ...

Entao respondera a essas interven<,:oes?

 Nao acho que haveria muito sentido.

POl'que nao?

Antes de tudo, e preciso dizer que alguns artigos foram escritos e

 publicados ha cerca de dez anos. Eu j;t os comentei em alemao e,

de urn modo diferente, em ingles. Pode encontrar os comentarios

no segundo volume das Versuchungen a cargo de H. P.Duerr 

(Frankfurt 1980-81), no capitulo 12 do Adeus it  Razao (Londres,

1987) e no capitulo 14 dos Irrwege der Vernunjt  (Frankfurt,

1989), a versao alema, parcialmente reescrita,do Adeus.

Quer dizer que se atem a essas velhas replicas?

Somente a algumas. POl' exemplo, penso que minha discussao

com van de Vate na coletanea de Duerr seja uma importante con-

tribui<,:ao para a doutrina galileana. Depois, 0 que houve foram

en-os simplistas e infantis ...

 A-

n - Bern, Ernest Nagel escreveu que a inferencia de arbitrariedade de

urn ou dois epis6dios historicos e urn non sequitur.Verdade,mas

irrelevante. 0que quero dizer e que 0 procedimento cientifico,

que nao e arbitrario nem nao-sistematico, torna-se quer urn quer 

outro quando e julgado com os populares criterios racionalistas.

Margolis acerta: 0 meu "anarquismo" nao elimina a metodologia,

mas a reforma simplesmente; em vez de "prindpios", "pressuposi-

<,:oes","condi<,:oes necessarias de cientificidade", colocam-se re-

gras empiricas.

 Nao, mas seu reparo e tipico. Outro reparo tipico foi feito por C. 11- POl'que deveria preocupar-me com a estupidez alheia?

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A-

B-

G.Hempel. Por mim entrevistado para a televisao austriaca, res-

 pondeu que "qualquer coisa esta bem" nao pode constituir uma

litil filosofia da ciencia. Obviamente nao; nao tinha intenc;:aoalgu-

ma de substituir dogmas compridos, pm-em familiares, concernen-

tes a ciencia, por outros breves e nao familiares. 0 meu escopo

era, sobretudo, 0de deixar falar a ciencia por si propria e de nao

resumir sua mensagem numa teoria ou num sistema metodologi-

co. Noam Chomsky atribuiu-me a tese segundo a qual qualquer 

que seja 0 ponto de vista, e tao bom quanto qualquer outro ...

o meu assim chmnado relativismo: nem mesmo nos meus mais

extravagantes caprichos relativisticos jamais fiz uma asserc;:ao

assim - na realidade, eu 0refutei em termos explicitos. Embora

Chomsky assevere que "toda coisa est;l bem" (sua versao do meu

"qualquer coisa esta bem"), isso dificilmente pode ser de alguma

ajuda no exercicio do trabalho cientifico. Naturalmente nao 0e -

nem sao os principios propostos pela filosofia da ciencia: para

desenvolver  0trabalho cientifico cumpre mergulhar na situac;:ao

da pesquisa; os meros slogans, sejam eles de estirpe racionalista

ou de OlJtraainda mais desonrosa, sao desencaminhadores e nao

 pertinentes, especialmente quando sustentados por um sistema

filosofico coerente. Martin Gardner, 0pit bull do cientificismo

moderno, torna-se ridiculo j;l no titulo de seu artigo "Anticiet1cia,

o estranho caso de Paul Feyerabend" - anticiet1cia? Lembre-se

que aprecio 0 procedimento de Galileu e nao recomendo seu usona filosofia. Mas tudo isso e, sobretudo, enfadonho, sem nenhum

valor filosofico ou de outro genero, e eu deveria me aplicar uns

trancos por haver desperdic;:ado tanto tempo com banalidades ...

Pretende dizer que estes ensaios, aqui (indica 0embrulho), con-

tem erros tao banais?

B-

A-

B-

A-

Alguns sao ainda piores.

Quais?

 Nao tenho intenc;:aode dizer-lhe.

E como explica esses entendimentos erroneos?

A- E,no entanto, 0senhor replicou-Ihes detalhadamente, e nao ape-

nas uma vez, mas varias vezes ...

11-

A-

ll-

...Porque sou um idiota!

Pode-se po-Io pOl'escrito?

Com que 11m?Nao tenho intenc;:aode nega-Io! Nao sou daqueles

que planejam acuradamente cada virgula que escrevem e cada

sopro de ar que exalam, de modo que a "historia", isto e, os idiotas

de amanha possam admiral' sua perfeic;:ao.Dai chegamos ao proxi-

mo ponto, a minha afirmac;:aode que a maior parte, melhor direi,

todas as formas do racionalismo, que nao sejam puros bordados,

entram em conflito com a pratica cientifica. Elas nao so oferecem

mais de um quadro distorcido e nao realistico da ciencia, mas a

embarac;:ariam seriamente toda vez que fossem usadas como con-

dic;:6eslimite da pesquisa.

Mas Popper, s6 para dar um exemplo, tem muitos cientistas de seu

lado - ate entre os vencedores do premio Nobel! Lorenz, Me-

dawar, Eccles apreciam Popper pOl' sua compreensao superior do

 procedimento cientitlco. Bondi diz que tudo quanto ele - Bondi

- escreveu sobre 0metodo nao e mais do que uma anotacao ao

me todo de Popper. Isso nao significa nada? 0

 Nao. Bondi tem um machado especial para lapidar; sua teoria do

estado estacionario achava-se em dificuldades, mas, apesar disso

era, segundo Popper, pelo menos cientlfica, pelo que 0homem

 prestes a afogar-se estendeu-se para a frente, de modo absolutamen-te natural, em direc;:aoa esse fragil graveto. No que se refere aos

outros - bem, durante a epoca do nazismo, muitos cientistas

levantaram objec;:6esa teoria da relatividade; dois laureados do pre-

mio Nobel, Lenard e Stark, criticaram-na como tipico produto judai-

co. Esses cientistas, que ganhm-amcomo ja foi dito 0 premio Nobel,

sao excelentes em seus campos restritos; mas nao enxergam nada

mais alem de seu nariz quando de Ii excluidos, e algo semelhm1te

vale para muitos deles. POl-tanto,esquec;:amo-nosdos cientistas que

se encontram a volta de Popper e atentemos, ao inves ao araumen-, ~.,

to a cujo respeito estamos discutindo: a relac;:aoentre a pratica cien-

tmca e 0"racionalismo". Ora, creio que tudo quanta disse a propo- conclusao de uma tratativa politica: ha diferentes partidos dota-

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q q p p

sito dessa relac,;aoem Contra 0Metodo esteja essencialmente corre-

to; de Olitro lado, a questao e agora explicada com maiores detalhes

ou com melhores exemplos por uma nova gerac,;aode historiadores

e de filosofos.Aqui (indica uma pagina no ensaio deMarcello

Pera),veja 0que escreve Pera nesta sinopse:

Este trabalho visa resgatar a solu<,;aoWhig para 0 problema do progresso

cientifico. Com este fim, propomo-nos a definir expressoes como "T2 assi-

nala um progresso com respeito aTl" , em termos de que" Os sustentado-

res de T2 alcan<,;aram uma vit6ria sobre os sustentadores de Tl" e cingi-

mo-nos a definir a ideia "de uma vit6ria honesta sem (0 grifo e meu) um

arbitro imparcial" .

A tese de Pera e que, enquanto a ideia dos criterios imparciais de

racionalidade que se estendem completamente ao passado e ao

futuro pode ser uma piedosa aspirac,;ao,existem modelos de argu-

mentac,;oes que entraram na ciencia e se gravaram nela, que mode-I

los semelhantes foram examinados pela velha disciplina da retori-I

ca e que talvez seja possivel expandir essa disciplina e torna-la

mais lItHpara a pesquisa. Sobre isso estou de acordo e estaria de

acordo ha vinte anos, quando comecei a escrever  Contra 0

Metodo. Depois, ha livros como 0de Peter Galison: Como Ter-

minaram os Experimentos: Galison chama a atenc,;ao sobre a

maneira como se modificou a pesquisa em largos setores da fisica

durante os liitimos cinqi.ienta anos: os individuos isolados que uti-lizavam instrumentos minlisculos foram substituidos por equipes

de pesquisadores formadas por grande nlimero de pessoas e que

trabalham em centros de pesquisa (CERNE,Laborat6rio Nacional

de Brookhaven etc.) com uma aparelhagem que lembra os gran-

des complexos industriais. Galison demole tambem a distinc,;ao

entre 0contexto da descoberta e 0da justificac,;aoe demonstra

que 0racionalismo, independente da pesquisa, nao tern pontos de

engate com a pratica cientifica. De particular interesse e sua test"

de que 0 processo mediante 0qual sao resolvidas as disputas cien-

tmcas tem muito em comum com os processos que antecedem a

dos de informac,;oes, habiliclades, ideologias diversas e diversos

acessos aquilo que os partidos estariam prontos para aceitar 

como fatos "objetivos"; ha indagac,;oesdesenvolvidas em pequena

equipe, ha negociac,;oes por telefone, por carta, paineis, conferen-

cias; urn grupo cede alguma coisa aqui, 0outro alguma coisa la,no

debate entram os interesses nacionais, as questoes financeiras, ate

que, finalmente, cada qual esta "pronto a assinar", muito embora

nem todos fiquem felizes.A ret6rica cientifica de Pera encontra

aqui materiais maravilhosos, mas 0mesmo vale para filosofias

como a de Ian Hacking, ou para as ideias de Arthur Fine, Nancy

Cartwright e outros. Arthur Fine e seus colegas opoem-se as

"reconstruc,;oes" ou "interpretac,;oes" filosoficas da ciencia e nos

convidam a "tomar a ciencia segundo os seus proprios termos",

enquanto John Dupre argumenta a favor da "desuniao da ciencia",

seja no plano historico como no politico.

Mas 0senhor mesmo nao levantou objec,;oesas interpretac,;oes da

ciencia como se isso fosse uma coisa simples e coerente ...

Sim, e verdade - e isto torna a abordagem de Fine e Dupre ainda

melhor, pOl"quantodemonstra que nao temos 0que fazer com um

edificio acuradamente projetado e feito de cimento a prova de

intemperies, mas que esteja num conjunto mal-combinado e cao-

tico de casas acabadas pela metade, casebres de madeira podre

circundadas por pfUltanos...

A (tendo do Contra 0Metodo) - "muitos dos conflitos e das contradic,;oes

que se encontram na ciencia sao devidos a esta heterogeneidade

dos materiais, a essa 'irregularidade' do desenvolvimento historico,

como dida um marxista, e nao possuem nenhum significado ime-

diatcUl1entete6rico.Temmuito em comum com os problemas que

aparecem quando uma central eletrica e vizinho necessario de uma

catedral g6tica ...".

Eu disse isso?

Sim,aqui, na p{lgina 146.

Soa ben1,mas justan1ente enquanto eu asseverava essa irregulari-

dade, Dupre a demonstrava ...

A Desmentiu sua propria obra! 0 senhor demonstrou, e com por- fos nao tinha familiaridade com os autores e as ideias que eu men-

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A _ Desmentiu sua propria obra! 0 senhor demonstrou, e com por

menores, na medida em que posso me lembrar, a irregularidade

em relac;:aoao telescopio e a dinamica de Galileu.

B _ De verdade? Uhm. E born ouvi-lo dizer. Devo tambem confessar 

que me sinto urn pouco incomodado por aquele "tomar a ciencia

segundo seus proprios termos". Num certo sentido, isso esta de

acordo com minhas intenc;:oes. Mas, se "tomamos a ciencia segun-

do seus proprios termos", por que nao a religiao? E se tomamos a

religiao segundo seus proprios termos, que finalidade tern a sepa-

rac;:aoentre 0Estado e a Igreja? AU'asdessa frase esconde-se uma

 pilha de problemas, mas isto nao a impedira de ser urn novo inicio

 born, ate otimo, apos a obscura epoca poppero-positivista. Como

quer que seja, a assim chamada "objetividade" da ciencia e dos

resultados cientificos aparece agora numa luz completamente

nova. Observando esses desenvolvimentos (nao que 0trabalho

anterior de Holton, por exemplo, e, naturalmente, 0magnifico

livro de Thomas Kuhn, que poe fim a toda forma de positivismo),

estou pronto a fechar a bodega para dedicar-me a outros argu-

mentos.As coisas estao em boas maos.

A _ Quer dizer que Contra 0 Metodo teve e - s s e efeito maravilhoso

sobre filosofos, cientistas e historiadores?

B _ Absolutamente nao! Thomas Kuhn estudava a historia quando eu

estava ainda enredado nas especulac;:oes abstratas, nao creio que

Galison jamais haja dado uma olhada no meu livro - tinha coisa

melhor a fazer; Pickering baseou-se nas propostas positivistas re-

cebidas no ~lmbito de certas escolas de sociologia da ciencia,

Hacking leu en passant  alguma coisa daquilo que escrevi, mas

andou por seu proprio caminho. Nao, a nova historia e a nova filo-

sofia da ciencia - que, seja dito de passagem, parecem ser justa-

mente aquelas que Ravetz nao viu no seu ensaio de dez anos atras

 _ tern uma origem completamente diferente!

A _ Entao seu livro foi inlltil e toda a confusao que provocou foi em vao?

B _ Sem diivida, e possivel. Mas desconcertou alguns cerebros, e pode

ser que haja acelerado 0dedinio de algumas ideias, no entanto j;l

apodrecidas. De outra parte, a maioria dos cientistas e dos filoso-

q

cionei. Pior ainda - os representantes da assim chamada ciencia

soft  carecem de imaginac;:ao metodologica e, naturalmente, ado-

ram as caricaturas simplistas que encontram nos livros de filosotla

(razao pela qual os comentarios de Arne Naess sobre ciencia soft 

 parecem urn tanto demasiado otimistas). Dai ser possivel que eu

tenha tido ainda alguma utilidade como divulgador e pro pagan-dista. Ademais, tenho recebido cartas de cientistas do Terceiro

Mundo que sofreram devido as tensoes existentes entre as tradi-

c;:oesde seus paises e a forc;:ada ciencia, destrutivas mas aparente-

mente inevitaveis; parece que, lendo meu livro, eles tenham rela-

xado urn pOLKO.Mas, agora, deixo de born grado a primeira linha

da pesquisa que diz respeito a oposic;:aoentre a pratica cientifica

e 0racionalismo filosofico aos escritores que mencionei, sobretu-

do pOl'que estou demasiado preguic;:oso para efetuar  0arduo tra-

 balho que seria requerido no caso: entrevistas, estudo de corres-

 pondencia em diferentes coletaneas etc. etc.

A - E desse modo chegamos ao seu relativismo.

13- Sim, desse modo chegamos ao meu assim chamado relativismo.

A - 0 que significa 0assim chamado? Quer, talvez, negar  0fato de

haver defendido 0relativismo? Quer, talvez, negar que no seu

escrito hft muitas passagens relativistas? Quer de verdade afirmar 

que todos aqueles que foram encorajados por seus livros - e 0

senhor acaba de dizer que tais pessoas existem - enganaram-se e

deveriam retornar a prisao do racionalismo ocidental?

B - Nao, nao, de modo algum! 0 engrac;:ado e que a palavra "relativis-

mo", como muitos termos filosoficos, e ambigua e, conquanto

confesse ser urn fervoroso relativista em algum sentido, certamen-

te nao 0sou em outros. Alem do mais, mudei de opiniao.

Quando?

Desde que escrevi Adeus C l Razao. E esse e 0motivo ulterior pelo

qual me e urn pouco dificil replicar aos ensaios criticos que 0

senhor estft trazendo a baila.Aqueles autores que chegaram a for-

mar uma ideia coerente daquilo a que eu me dedicava, reportam-se ao Paul Feyerabend de 1970 ou de 1975, ou, quando muito, de

1987. Mas, agora, estamos em novembro de 1990.Tantas coisas lhes da pesquisa cientifica ou da a<,;aopolitic a que os seus couse-

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A-

B-

mudaram, e as minhas opinioes mudaram com elas.

De que modo?

POl' exemplo, eu critiquei os filosofos pOl' refletirem a distancia

sobre coisas como a ciencia, ou 0 bom senso ou as tradic,;oesnao-

ocidentais, todas elas coisas que requerem um envolvimento estrei-

to para serem compreendidas e que sao demasiado complexas paraserem resumidas em alguns poucos slogans. Todavia, e exatamente

o que fiz, quando sugeri que a todas as tradic,;oesdevem ser conce-

didos direitos iguais e iguais oportunidades de chegar ao poder.

Eu observei em Adeus C l Razao que 0senhor restringiu a suges-

tao as "sociedades baseadas na liberdade e na democracia", ajun-

tando ... Ctirafora outro livro de seu pacote e, depois de alguma

 procura, te) ... ajuntando "nao favorec,;oa exportac,;ao da liberdade

 para regioes que passam muito bem sem ela".Em outras partes do

livro h{t reservas similares. Ao que parece, 0senhor tambem nao

favorece a prolifera<,;ao,cujo novo papel, contudo, nao me e total-

mente claro. 0senhor fala...

...mas eu nao exijo que os outros, inclusive os cientistas, a utilizem

em suas tentativas de compreender  0mundo. Quem sou eu para

ditar leis aos outros? Eu digo somente que nenhuma ideia e jamais

completamente desbaratada, e que 0 ponto de vista mais pisotea-

do pode encenar um retorno triunfal, C0111 a condir;:aode que

fa<,;aparte de uma empresa coletiva ...

A-

B-

Ate Aristoteles?

Em especial AristOteles. Leia Stent ou Prigogine ou Bohm! De

outro lado, admito que a maioria das pessoas prefere, e 0que erazoavel, as riquezas presentes aos milagres futuros. Isso significa,

 pOl' certo, que "fatos", "leis", "principios" da ciencia e, pOl' esse

motivo, de qualquer sistema de conhecimento, sao resultado de

decisoes praticas, ou simplesmente de um certo modo de viver -

nao de intui<,;oesteoricas somente.

E 0filosofo nao tem voz nesse capitulo?

 Na democracia todos tem voz nesse capitulo, mas nem todos

serao ouvidos. Muitos fi16sofos acham-se tao afastados dos deta-

A-

B-

lhos tornam-se exercicios de baixa literatura. A minha sugestao de

que se deixe em paz as tradi<,;oes e um otimo exemplo. Agora

compreendo como cai na armadilha. As tradi<,;oesque detem um

 poder militar ou economico, ou aparentemente espiritual, amillde

esmagam os opositores mais debeis. Mais de uma vez, mas nao

sempre, as conseqiiencias sao desastrosas. Ora, em vez de analisar 

e critical' os casos desastrosos e procurar os meios de preveni-los

no futuro, isto e, em vez de ater-me ao particular, introduzi um

 principio geral: abaixo os manes das tradi<,;oes!0que nao so era

inutil, mas tambem bastante tolo, pois que as tradic,;oes pOl' sua

natureza mesma procuram transpor os proprios confins - e

devem faze-lo, se querem sobreviver.

Ha ainda tribos isoladas! Justamente ha pouco foi descoberta uma

na selva brasileira!

E verdade - mas nem todas as tribos ou culturas sao isoladas e,

no entanto, eu as tratei como se fossem, e como se fosse uma coisa

 boa preservar sua inexistente pureza. Margarida yon Brentano

apontou 0dedo precisamente para essas idiotices.

Isso significa que de agora em diante estara tudo bem?

Esta brincando? Ha ainda uma por<,;aode coisas a dizer!

Entao concorda que a filosofia possa dar uma contribuic,;ao!

 Nao, nao, nao, nao! Eu tenho uma porc,;aode coisas a dizer, eu, Paul

Feyerabend, esta pessoa que esta sentada diante de voce e que

nao representa ninguem mais do que a si mesmo!

Mas 0senhor e...

...um filosofo? Pensava que ja estivessemos desembara<,;ados

daquele erro.

Mas pOl' que deveria alguem dar ouvidos a ela?

POl' que deveria alguem dar ouvidos a outro qualquer? Ao que

 parece,o senhor acha que as palavras tem substancia unicamente

quando provem de uma profissao. Os individuos isoladamente

nao contam.

B - Nao e uma brincadeira. "Ser filosofo" ou significa que nos aproxi-

d i lid d d b d l b t t

meiro plano e deveriam ser conservadas por quanto for humana-

mente possive!

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mamos das coisas na qualidade de membros de urn clube, ou trata-

se de uma expressao vazia que po de ser aplicada a qualquer indi-

viduo, ate a urn cao. Declaro de born grado ser urn filosofo no

segundo sentido, mas com certeza nao 0sou no primeiro. Ade-

mais nossa discussao nao exige qualquer sofisma filosofico, socio-

logi~Oou historico. Ate 0mais distraido entre os leitores de jornal

ou entre os espectadores de programas de televisao ja sabe que as

tradi<;;oesdificilmente sao bem definidas. Sao embridadas em nivel

mundial em redes feitas de informa<;;oes,comercio, rela<;;oesptlbli-

cas, sejam essas de tipo filosofico, politico ou religioso. Pode acon-

tecer que estejam disseminadas em areas geograficas diferentes,

circundadas de na<;;oes,tribos, comunidades que as amea<;;am,que

intercedem a seu favor, tern vantagens aliciadoras para oferecer,

com freqiiencia incluem reformadores que renegam 0 passado e

conservadores que se opoem as inova<;;oes.A situa<;;aochinesa nos

seculos XVIII e XIX mosH-a de modo muito claro como podememergir tradi<;;oesdiversas e ilustra a resistencia escorvada do pro-

cesso.

A - Entao, falar das tradi<;;oescomo entidades separadas nao tern mais

sentido algum ...

B - Assim pareceria - ate se observa que ha pessoas que nao so que-

ren1 preservar ou ressuscitar costU111es,iddas, linguagens, mode-

los de comportamento que mostram uma certa coerencia, mas

que procuram tambem desemaranhar essa entidade coerente de

suas condi<;;oes ambientais. Os htmgaros e 0alemaes na-Romenia,

os turcos na Bulgaria, os mu<;;ulmanos em qualquer parte, os

 judeus conservadores, os lituanos, os albaneses, a minoria eslava

na Austria, os indios de origem nos Estados Unidos sao exemplos.

Aqui sao os mesmos protagonistas a estabelecer as tradi<;;oes e a

definir seus limites. Ora, sugiro que as'tradi<;;oesconstituidas desse

modo sejam consideradas como se tivessem valor intrfnseco. A

sugestao nao tern valor absoluto - nao e urn "principio" - e nao

e a tl1tima palavra. Pode ocorrer' que os eventos a reforcem c

 pode ocorrer que a suprimam. Pode ocorrer que as melhores

inten<;;oes nao deem em nada, rnas deveriam permanecer em pri-

mente possive!.

Estou de acordo que os estrangeiros devam ser abordados com

cautela e sem ideias preconcebidas, por exemplo, sobre 0que se

aplica ou nao se aplica aos seres humanos. Cumpriria permitir aos

novos encontros que mudassem nossas ideias sobre a humanida-

de. Eu acrescentaria, no entanto, que nao se deveria seguir apenas

os eventos, mas tambem pensar a seu respeito e tomar decisoes.

Quando disse "eventos" pretendia incluir os pensamentos, os sen-

timentos e as decisoes. Quero tambem mais daquilo que 0senhor 

garantiu ate agora: os modos de vida estrangeiros nao deveriam

.somente ser tolerados, mas se deveria presumir que tern urn valor 

intrinseco.

 Nao e algo pOlICOrealista? Onde estao as pessoas que se compor-

tariam dessa maneira rara e caritativa?

Justamente neste momenta penso sobretudo nos politicos, nos

cientistas, nos administradores que fornecem aos paises estrangei-

ros "ajudas para 0desenvolvimento". Eles tern a disposi<;;aoinfor-

ma<;;oes sobre estruturas inteiras de governo, sabem como tais

estruturas se ligam as ordena<;;oeslocais, 0que as pessoas pensam,

estudaram habitos, costumes, cren<;;aslocais, e assim pOl' diante.

Alguns se dao conta, pOl'causa de uma serie de desastres, que obri-

gar uma popula<;;aoque dispoe de recursos materiais e espirituais

 proprios a aceitar os metodos ocidentais nem sempre traz conse-

qiiencias beneficas. Dai ate reconhecer que modos de vida aparen-

temente estranhos e nao cientitlcos possam ter meritos intrinse-

cos,o passo e curto. A minha sugestao generaliza a intui<;;ao...

Pensava que 0senhor era contr;lrio as generaliza<;;oes!

Mas esta tern urn fundamento nos fatos, parece benevola e esta

sujeita a prova da vida com ou clentro cia tradi<;;aoa que se atri-

 buem meritos intrinsecos ...

...e essa prova pode incluzir algum closparticipantes a abanclonar 

a sugestao ...

...e talvez ate a aplicar a for<;;ano processo. E agora vem a minha

segunda sugestao: uma a<;;aosemelhante ...

A _ ...0 senhor pretende renunciar  a primeira?

 Ao Termino de um Passeio Nao-Filos6fico entre os Bosques (;I 99

taria nenhum problema moral Aid' t'" . 10 lee e 0 mal absoluto encon-

tram-se alem da moralidade humana. Nao, a prescindir do fascinio

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B _ 5im;e 0 usa da fon;:apode ser justificada somente se repassarmos 0

mais pormenorizadamente possivel todos os elementos do encon-

tro, as emo<;:oes,as esperan<;:as,as desilusoes, etc., etc. Ou,para empre-

gar os termos gerais que, segundo parece, the agradam tanto: a (mica

 justijicativa para U111Clrenuncia te111porariClit prinlCira sugestao

e dadClpelCls experiencias, pelos pensmnentos, pelas intuir;oes quenasCCln de U111encontro reconciliCldo. A meu vel',nao h[l sentido e

e absolutamente inlltil condenar ou tambem atacar um movin1ento,

uma cultura, uma ideia de longe, sem tel' procurado conviver com

isso,ou sem os estudos pormenorizados de quem esta in loco.

A _ Quer dizer que 0 senhor se opoem a condena<;:ao das atrocidades

nazistas?

B _ 5im, se, como tem sucedido, a condena<;:ao e pronunciada num

espa<;:ovazio com base em fatos superficiais e agigantados, e se e

exigido pOl'gente que nao tem nenhum contato emotivo com os

eventos e as vitimas. Uma "condena<;:ao moral" desse genero e uma

maldi<;:aodespida de sentido, a exigencia de repeti-la e uma impo-

si<;:aoe qualquer a<;:aoempreendida em tal base e um crime.

Parece que muitos dos assim chamados educadores da Alemanha

hodierna nao se aperceberam disso.

A _ Condenar Auschwitz e uma maldi<;:aovazia?

B _ 5e a palavra nao tiver alguma conexao com as experiencias, os

temores e os aspectos pessoais, sim. 0 passado nao pode ser sub-

 jugado e nao deveria ser julgado senao pOl'aqueles que estao dis-

 postos a entrar dentro dele.

A - Mas isso e impossive!.

B _ Para um filosofo ou para um historiador"objetivo". Mas um poeta,

um romancista, um cineasta, tendo a disposi<;:ao0 material ade-

quado, podem recriar a atmosfera, ele ou ela podem reviver 0 ter-

ror, a crueldade, nao menos que 0 fascinio do tempo, e assim pre-

 parar 0 terreno para uma autentica decisao moral. ..

A - 0fascinio?

B _ 5im,0 fascinio; segundo 0 senhor, pOl'que tantas pessoas seguiram

Hitler? Eram todos idiotas ou demonios? Nesse caso, nao se apresen-

, p

 pelo malmesmo que - penso eu - possa ser cultivado somente

~os pequenos gl'upos, deve existir qualquer coisa de positivo a que

:lS~e.ssoa~ responderam, e 0 passado nao pode ser superado sem

111d1v1duahzar-seesses elementos positivos.

A - Mas entao 0 fascismo pode voltar ...

B - E~se e um risco que se corre em qualquer parte onde as pessoas

saGtratadas como agentes livres Ai no p . . d .-. . ., 1epa10 a ele1<;:ao,asartes

 p1edom111amsobre a filosofh e pOl' At P .• , que. Olque as artes, correta-

mente entendidas, procuram criar ou recriar 0 encaixe e t'ideol"' . l' . .• n10 1VO,

Og1CO,te 19lOS0de acontecimentos particulares ...

A - Nao parece ser esse 0 caso do teatro de hoje ...

B - E verdade, Brecht era um genio e um oTande!Joet· ..' . 0" .1,mas ptestou un1

mau serv1<;:0ao teatro, propondo um ponto de vista que transforma

a cena num laboratorio sociologico A sociolog' "." . _ . 1ae,Ja pOl' S1, bastan-

te t~·aca.Corta os elementos pessoais e os substitui pOl' esquemas

vazlOS.Castrar 0 teatro do mesmo modo foi um crime Na-" .• o,oque

eu quero e um teatro que arraste 0 espectador p l' . ;-D d e .1.1<;:aoe 0 trans-

~rme ~ critico objetivo em participe empenhado. No fim de con-

t.1S,na v1da ele se comporta como participe empenhado.

A - ~ale .d~zer,0 s~nhor quer, em primeiro lugar,que as pessoas cheguem

.1set tao confusas quanto foran1 as que sustentaram 0 nazisn10?

Peter Zadek t:ezisso em algumas de suas produ<;:oes, especialmen-

te em suas d1versas variacoes do Mercador ~te TJ: M-, . u yeneza. as nao

que1:0apen,~s que as pessoas sintam a confusao dos participantes,

queto tambem que sintam 0 medo das vitimas ...

...0 que e impossive!!

E impossivel faze-Io temer medo pehs pess . .• O.lSque <Una?

~enho meclo tocla vez que minha filha vai fazer um passeio. Esses

saGtempos Ioucos ...

...e aqui poclemos ~ome~ar. Naturalmente, 0 meclo imagin[lrio pOl'

nossos. ente~ quenclos nao sera jamais igual ao meclo verclacleiro

que 1'01sent1clo pelas vitimas clo terror nazista Como. quer que

seja, as vagas imagens do passado que surgem por analogia sao

 bastante mais substanciais do que os pensamentos veiculados por 

A-

B-

o que significa isso?

Bem e plica Io ei assim Hooker aq i no se artigo proc ra "rede

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A-

B-

A-

B-

q p p

uma abstrata argumenta<;:ao etica. As argumenta<;:oes tem poder 

 _ admito - mas incidem somente sobre uma pequena minoria e

incidem sobre 0cerebro, nao sobre 0cora<;:ao,a menos que nao se

encontre a maneira de combinar razoes e emo<;:oes...

Entao, de que modo tudo isso se distancia do seu relativismo?

o meu relativismo - santo ceu! E tudo 0que 0senhor sabe per-

guntar? Procuro compreender eventos extraordinarios e crueis;

 procuro descobrir  0modo de compartilhar com outros essa com-

 preensao e 0senhor me pergunta sobre como classificar  0que eu

disse. E uma tipica pergunta filosofica. Insensivel, irrelevante,

vazia. E 0 senhor se surpreende que eu nutra escasso amor pela

filosofia. Uma empresa flltil...

...na qual, no entanto, 0senhor mesmo se empenhou.

Tem razao, e pe<;:odesculpas por meu repente que era mais con-tra mim mesmo do que contra 0senhor. Bem, para responder a

sua pergunta, agora refuto todas as doutrinas filosoficas, inclusive

o relativismo que fornece uma defini<;:aoou uma teoria da verda-

de e/ou da realidade.

Mas 0senhor defendeu precisamente um relativismo semelhante

em Adeus it  Razilo - 0senhor defendeu Protagoras!

Apenas para demonstrar que ate essa forma antes simplista vai

muito mais longe do que a pretensao oposta.

o senhor pensa, talvez, que Protagoras fosse um i~2!'ovisador?

 Nao e absolutamente verdade! Ele foi 0{mico filosofo que fez fun-

cionar  0relativismo filosofico. Expliquei isso no segundo capitulo

da quarta se<;:aodo Adeus It  Razilo.

Surpreendente. 0 senhor se recorda de todas as se<;:oesde seu

livro?

Absolutamente nao - mas essa permaneceu de algum modo im-

 pressa em minha mente.Todavia, como todas as doutrinas filosofi-

cas, as versoes filosoficas do relativismo tem defeitos serios. Num

certo sentido e uma quimera, nao e uma coisa real.

A-

B-

B Bem, explica-Io-ei assim. Hooker, aqui no seu artigo, procura "rede-

finir teoricamente a no<;:aode razao". Essa e a expressao que ele

usa. As vellus teorias da razao eram demasiado simples, novas teo-

rias devem substitui-Ias. Mas a razao (se exist e) e ou um objeto (por 

exemplo, um objeto de estudo) ou um sujeito agente.A natureza

do objeto "razao" torna-se clara depois que 0sujeito agente "razao"

agiu. Uma teoria da razao, se tomada seriamente, restringe a possi-

 bilidade de a<;:oesda razao - torna-a conforme as imagens especu-

lares de um de seus graus. E se a razao nao se conforma? Entao, diz

o teorico, a teoria deve ser ajustada.Tudo parece estar no lugar _ 

todas as teorias sao constantemente adequadas aos fatos novos.

 Nesse caso, a adequa<;:aoocone a cada volta da historia, 0que sig-

nifica que temos uma teoria so de palavras; 0que temos efetiva-

mente e uma evolu<;:ao,uma historia. A Protagoras nao desagrada-

va dissolver a propria filosofia numa historia, de fato ele nos diz

exatamente como fazer. Mas esses filosofos modernos que desen-

volvem teorias querem ter separadas as duas categorias, com 0

resultado de que uma das duas, a categoria "teoria" torna-se vazia:

nao pode existir nenhuma teoria da razilo.

 Nao e possivel que tal argumenta<;:ao esteja con-eta! Aplicando-a

ao conhecimento e a realidade, poder-se-ia igualmente dizer que

nao poc!e existir nenhuma teoria do conhecimento e nenhuma

teoria da realidade.

B-

A-

Mas e precisamente 0que estou dizendo!

Agora esta ficando absurdo! Ha tantas teorias do conhecimento.

Algumas sao melhores, outras nao sao tidas como igualmente

 boas. E assim e toda a ciencia que tem trato com a realidade.

Admito que sejam historias que pretendem ser teorias do conheci-

mento. Mas,em vez de descrever  0 processo de aquisi<;:aodo conhe-

cimento partindo do exterior, como deve proceder, supoe-se, qual-

quer boa teoria, fazem parte desse processo e tem um alcance

sobretudo restrito. Quanto a possibilidade que encarem "toda a

ciencia", devo desiludi-Io dela. Ao que parece, 0senhor presumeque a ciencia seja uma coisa so que fala com uma so voz.Nada pode-

102 {~ DiEliogos Sobre 0Conhecimento

ria estar mais longe da verdade. H{lum grande nl1111erode aborda-

gens diferentes, espalhadas em toda parte, que produzem resultadosB - Sim,mas nao uma sinopse como entendem aqueles historiadores

que vao em busca de estatisticas e de estruturas.

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contrastantes. Qual e 0liame que conecta a teoria da elasticidade

com a fisica de altas energias? Semelhante elo nao existe e alguns

cientistas, entre os quais 0 professorTruesdell, da Universidade John

Hopkins, ate negaram que possa existir ou que deva existir um

liame desse genero. A fisica cl{lssicados solidos e apresentada como

11111caso limite da mecanica quantica, 0que parece estabelecer umaespecie de unidade entre as duas abordagens. Esta e 11111acaricatm:a

da situa<:,:aoreal que e bem mais complexa e em nada clara.Ateona

quantica parece negar a ideia de uma realidade que exista indepen-

dentemente do pensamento e da a<:,:aodo homem.

A - Mas como se explica 0sucesso das ciencias?

B - Essa e uma otima pergunta, so que cria mais embara<:,:osao senhor 

do que a mim. 0 senhor gostaria de responder  it pergunta dizen-

do que hi uma realidade que e gradualmente descoberta. A minha

argumenta<:,:aoprecedente e as dificuldades da teoria qU;111ticade-

monstram que essa resposta nao pocle ser correta ...

A _ Um mo men to - co mo 0 senhor aplica sua argumenta<:,:ao,que

considerava a razao, it realidade?

B - A realidade, como a razao, e um objeto de pesquisa, mas e tambem

um sujeito agente da pesquisa.

A - Como e possivel que a realidade seja um sujeito agente da pesquisa?

B _ Bem, quais sao os elementos da pesquisa? Aspessoas, os grupos de

 pessoas, os instrumentos e assim por diante =--e tudo e ~.e;~~,nao

e verdade? Ou 0senhor imagina que as pessoas com suas Idelas se

alcam, como os deuses, sobre uma realidade da qual nao tomam

 p~rte? Qualquer biologo molecular levantaria obje<:,:oesa um

semelhante ponto de vista. Uma vez aceita essa premissa, a con-

clusao e conseqiiente, como no caso da razao. Naturalmente, de-

vemos ainda explicar  0 sucesso das ciencias, mas a explica<:,:ao

agora e muito mais complexa do que seria simplesmente referi-la

a uma realidade est{lvel.0 estereotipo "teoria" aqui nao nos ajuda

mais,o estereotipo "historia" ,sim.

A - E pOl'"historia"0senhor entende uma sinopse historica?

que vao em busca de estatisticas e de estruturas.

A - 0 senhor refuta a historia cientlfica?

B - Ela vai muito bem como nota de pe de pigina, mas nao consegue

tratar os acontecimentos singulares. No ambito de tais eventos

nao pode existir nenhuma teoria.

A - 0 senhor nao estar{l talvez hipostasiando os eventos singulares?B - Certamente nao. Eu olho a historia como um empirista e acho que

as a<:,:oesdos individuos empiricamente identiflcaveis for<:,:amsem-

 pre ate os esquemas teoricos mais delicados, a menos que 0esque-

ma seja vago e indefinido, como os propostos pOl' Prigogine,

Varela,Jantsch,Thomas e outros.

A - Sao teorias altamente sofisticadas ...

B - POl'certo, mas sua aplica<:,:aoit historia efetua-se sempre apos 0

evento,o que significa que tambem elas contam historias, so que se

trata de historias rodeadas pOl'um jargao inlltil e desencaminhador.A - De mo do que 0senhor usa uma teoria, 0empirismo, para veneer 

luna 011tra.

1 3 - 0 empirismo nao e apenas uma teoria, e tambem uma pritica e,

alem disso, aqui estamos empenhados num debate, nao na pesquisa

de fundamentosTudo isso significa,naturalmente, que 0relativismo

e uma quimera, exatamente como seu gemeo litigioso, 0absolutis-

mo ou 0objetivismo.

A - E sao 0objetivismo e 0relativismo "gemeos litigiosos"?

B - Sim, e Hans Peter Duerr j{lidentificou sua linhagem comum.Ambos presumem que coisas como a ciencia, a magia ou "a visao

do mundo dos dogoes" (agricultores do Mali) estao bem definidas

e permanecem no interior dos limites estabelecidos da tradi<:,:ao.

Os objetivistas universalizam as leis vigentes nos limites de sua

materia preferida, enquanto os relativistas insistem na validade

restrita das leis, no interior  dos mesmos limites. Mas, como pro-

curei mostrar em Contra 0 Metodo e A Ciencia el11.uma

Sociedade Livre, nao existe nenhuma defini<:,:aode ciencia que se

estenda a todos os desenvolvimentos possiveis, e nao hi qualquer 

forma de vida que nao possa absorver radicalmente situa<;oes

novas Os conceitos especialmente os "que estao na base" das

 precisao se dissolve. Parece, tambem, que os desconstrutivistas

dizem que muitos textos contem um mecanismo que os faz saltar 

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novas. Os conceitos, especialmente os que estao na base das

concep<;oes do mundo, nao san jamais fixados solidamente como

se estivessem encravados; san mal definidos, ambigiios, oscilam

entre interpreta<;oes "incomensuriveis" e devem se-Io,se e que as

mudan<;as (conceituais) devam ser possiveis. De modo que, num

certo sentido, quer os erros do relativismo filosofico, quer os do

objetivismo, remontam a ideia platonica de que os conceitos san

est;lveis e inerentemente clm'os, e que 0conhecimento conduz

da ilusao ate a penetra<;ao dessa clareza. Como quer que seja,

agora estou de acordo com Munevar que a ciencia precisa conser-

val' seu papel excepcional no Ocidente, na medida em que e a

mais adaptada a essa situa<;ao.0 Ocidente esti coberto de excre-

rnentos da ciencia, logo, naturalmente, necessita dos cientistas

 para relustrar-se. POl'em,quero acrescentar que hi outros modos

de viver neste mundo.As pessoas intervieram no mundo de mlll-

tiplos modos diversos, em parte fisicamente, interferindo de fato

nele, em parte conceitualmente, inventando as linguagens e

criando no interior delas inferencias.AIgumas a<;oesencontraram

resposta, outras nunca decolaram. Na minha opiniao, isso sugere

que h;l uma realidade e que ela e muito mais iitil do que tudo

quanto presume a maior parte dos objetivistas. Diversas formas

de vida e de conhecimento san possiveis pOl'que a realidade per-

mite isso e ate 0encoraja, e nao pOl'que "verdade" e "realidade"

sejam no<;oes relativas.

A - A proposito, vem-me a mente que sua concep<;aotem muita coisaen1comum con1 0desconstrutivismo - 0senhor concorda?

1 3 - Bem, devo confessar que me d;l muito trabalho compreender os

escritos dos desconstrutivistas. Sao complicados, cheios de termos

tecnicos e muito mais complexos do que as coisas que pretendem

destruir. Mas h;l algumas ideias antes banais que, no entanto, tem

um significado. POl'exemplo, ao que parece, dizem que nao se pock 

fix'll' alguma coisa pOl' meio de um lexto. Acerca disso estou de

acordo, de todo 0cora<;ao.A primeira vista, um texto, pOl'exemplo

uma inser<;;lOque anuncia uma venda de caes, parece maravilhosa-

mente deflnido, mas se se con1eC,:aa colocar qualquer exigencia a

A-

13-

A-

q q

no ar,Tambem a esse respeito estou de acordo. Procurando inter-

 pretar, mediante ideias definidas e estabelecidas na mente, um arti-

go cientitleo que sugira uma nova abordagem, a gente acaba, muitas

vezes, em confusao. E preciso permitir que 0artigo,pOl'assim dizer,

leve pelo nariz.Tal e 0motivo pelo qual as comunidades cientlficas

sao tao importantes - permitem aos cientistas seguir a mesma

dire<;ao.Depois, ao que parece, os desconstrutivistas sugerem que

os textos filosoficos, lidos literalmente, revelam-se, as vezes, nonsen-

se completos.Austin, da Universidade de Oxford, cujas aulas fre-

qiientei, era um mestre nesse metodo de desmascarar ideias filoso-

fleas aparentemente profundas. De Olltraparte, fico apavorado com

os perigos da desconstru<;ao quando sao muito profissionais. POl'

essa razao eu falava de uma realidade que permanece desconheci-

da, mas se manifesta de v;lrios modos quando e adequadamente

abordada. Naturalmente, essa nao e uma teoria no velho sentidoquando muito e uma imagem, mas nao e de todo incompreensive~

e guia 0 pensamento numa certa dire<;ao.

Posso sugerir uma coisa?

Que coisa?

POl'que nao denomina "cosmologico" 0relativismo expresso nessa

nova forma, e relativismo "semantico" aquele que 0senhor refuta?

POl'que e que voce nao 0denomina desse modo? E voce que acre-

dita nas "posi<;oes"e nos correspondentes palavroes. Mas,para con-

tinual' com nossa hist6ria, nos nao temos jamais uma visao comple-

ta da realidade, nem sequel' aproximada, porquanto isso significaria

tel' levado a termo todos os possiveis experimentos, vale dizer,

conhecer a historia do mundo antes que tenha chegado ao fim.

Isso lembra 0 pseudo-Dionisio ou Meister Eckart, ou alguma con-

cep<;ao religiosa igualmente mistica.

Lembra tambem a boa fisica. Seja como for, essas coisas sao todas

novas, ao n1enos para mim, e pOl' esse motivo as velhas argumen-

ta<;oes a meu favor, contra ou sobre mim, inclusive aquelas que

mostram sinais de vida inteligente, estao um pouco fora do alvo.

A _ Churchland nao disse nada de novo tambem nesse velho campo?

n Tern razao sou-Ihe grato pOl'me tel' lembrado disso Li 0seu ensaio

 Ao Termino de um Passeio Nao-Filos6fico entre os Bosques (~ 107

As pessoas dotadas de razao?

A d t d d

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n _ Tern razao, sou Ihe grato pOl me tel lembrado disso. Li 0seu ensaio

e sua posi<;:aome pareceu substancialmente estar de acordo com

aquilo que digo num artigo publicado hi pouco no Journal of 

Pbilospby. Naturalmente h;l diferen<;:as.Churchland procede de

modo sistem;ltico Ii onde eu uso exemplos; ele entra nos pormeno-

res, enquanto minha apresenta<;:ao e antes sistem;ltica; ele fala do

cerebro, ao passo que eu falo do mundo. Mas 0cerebro eo mundo,

na realidade, nao constituem coisas separadas - 0mundo e uma

 proje<;:aodo cerebro, que e uma parte do mundo. Poder-se-ia dizer 

que Churchland e eu tivemos de nos haver com 0mesmo proble-

ma, mas enquanto ele 0enfrenta do "interior para 0exterior", eu 0

enfrento do" exterior para 0interior". A"irreconhecibilidade funda-

mental do mundo como inteiro" tern agora perfeitamente sentido: a

totalidade cerebro-mundo faltam os recursos que seriam necess;l-

rios para reconhecer-se. E devo aceitar as teses que Churchland 

compendia do meu trabalho precedente? Sim,eu as aceito todas (a4" e a 5" contem requisitos que, de inicio, eu nao havia inserido, mas

que agora considero importantes), com a possivel exce<;:aoda 2":

 po de OCOl'rerque a essencia do born senso possa ser  suplantada

 pelo materialismo (no sentido de Churchland), mas nem pOl'isso 0

 primeiro h;l de ser  pior  que 0segundo. No concernente aos demais

autores do seu pacote, pOl-em,pensei que seria melhor exprimir  0

meu apre<;:oe os meus agradecimentos em termos gerais,e apresen-

tar minhas ideias tais como sao hoje, mais ou menos.

A - A sua filosofia, em suma.n _  A minha "filosofia", se realmente deve usar essa maldita palavra;

tan'lbem imagino que 0 professor Deloria, 0qual hi tempo me

 pediu para desenvolver uma metafisica minha, ficari agora urn

 pouco mais feliz.

A _ Tambem 0 professor Hooker ficari urn pouco mais feliz.

n-

A-

POl'que?

Ele escreve (citando a partir do manuscrito) que "as pessoas

dotadas de razao tern 0direito de pedir uma Slimulapositiva que

V;lsubstituir aquilo que foi refutado".

As pessoas dotadas de razao.

Os fisicos sao pessoas dotadas de razao?

o que esti pretendendo dizer?

Bern, s~gundo parece, Hooker diz que, enquanto eu refutei muitas

asser<;:oesque foram caras a gera<;:oesde fil6sofos ...

...fil6sofos da ciencia. Ele diz que 0senhor primeiro refutou os

fatos, depois os metodos, e que agora refuta as razoes ...

E ele quer que eu substitua esses monstros por urn outro rnonstro

 produzido por rnim. Mas essa e uma solicita<;:ao absurda! Urn

~mndo sem rnonstros e melhor do que aquele no qual os hi; as

 pessoas dotadas de razao" festejarao sua p'lrtid'l e esp" , , eramos que

nenhum outro do mesmo genero se apresente nunca mais...

Pretende dizer que urn mundo sem prindpios filos6ficos gerais e

melhor do que urn mundo que os tern?

 p~ecisamente! Lembre-se da minha argumenta<;:ao de hi pouco:

lUOpode haver uma teoria da razao, do conhecimento, da realida-

de - por que? POl'que a razao e constituida de a<;:oesque nao

 pod~~ ~er previstas, a menos que sejam limitadas por medidas

totahtal~as. As "pessoas dotadas de razao" que Hooker teria em

rnen~e sao pensadores que se aproveitariam do totalitarismo. Bern,

eu nao SOl~urn deles. E, se 0senhor nao cre na minha argumenta<;:ao

abstra~a,de uma olhada na historia da ciet1Cia:as "pessoas dotadas

~e razao'~que a construiram, violar<u'l'lconstanternente os preceitos

mtrodllZldos pelas "pessoas dotadas de razao" que procuravam dar-

lhe uma explica<;:aote6rica.

B-

A-

B-

Bern,todos esses protestos nao tern nenhuma importancia, visto que

o senhor apenas ofereceu 0"apanhado positivo" 0"rno t "~ , ns 1'0 que

Hooker esta procurando ...

...e que implica urn rnundo que nao pode ser apreendido pOl'

nenhurna teOl·ia...

A-

ll-

E a cosmologia moderna?

Deixa fora os deuses de Homero, deixa fora Cristo ...

A-

N t d t i t d i t i

terroristas resolvam agir contra Hlbricas poluentes dos Estados

~nidos: a vida dos animais das arvores de nossas crian<;:ase dema-

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B- Nao, sao respostas que determinaram a natureza de epocas inteiras

 _ leia, a proposito, 0artigo que mencionei ha poucos minutos! As

respostas limitadas a procedimentos limitados dos nossos materia-

listas modernos parecem universais somente pOl'que as alternati-

vas falta agora 0suporte, especialmente 0suporte financeiro.

o senhor deve me desculpar, mas nesse ponto estou confuso de no-vo - 0senhor agora e lUn relativista?Deixou de ser um relativista?

Bem, em Contra 0 Metodo e A Ciencia em uma Sociedade Livre

eu afirmava que a cietlCia era uma das muitas fOl'masde conheci-

mento, 0que pode significar ao menos duas coisas. A primeira: hfl

uma realidade que encoraja miiltiplas aproxima<;:6es, entre as

quais a ciencia. A segunda: conhecimento e verdade sao no<;:6es

relativas. Em A ciencia em Ulna Sociedade Livre, de tempo em

tempo eu combino as duas vers6es; em Adeus IIRazao eu utilizo

a primeira e refuto a segunda. E e 0 que ainda fa<;:oe forneci

minhas raz6es. Aceitar a primeira versao (aquela que 0 senhor 

chamou de relativismo cosmol6gico) comporta conseqiiencias

 praticas.Antes de tentar impor solu<;:oes"cientificas" e preciso

estudar as outras culturas. (lsso cOlTesponde a minha sugestao de

considerar todas as tradi<;:6es dotadas de valores intrinsecos.)

Repare, eu nao falo mais, como fazia na minha fase pluralista, que

as praticas e as teses pouco conhecidas deveriam ser estudadas e

desenvolvidas, independentemente daquilo que sao, ou que

cumpriria deixfl-Ias imutflveis. Deveriam, sim, ser essudadas, mas

somente quando as alternativas resultassem esterei~ ou antes dese introduzir procedimentos cientificos numa area que ate aquele

momento estava indo muito bem. E deveriam ser mudadas se 0

estudo mostrasse serem elas vantajosas. Nesse ponto, intrusos

 poderosos poderiam decidir-se a nao fazer tantos cumprimentos

e a fazer valer os pr6prios metodos. Uma tal interven<;:aoparece

requerida, por exemplo, no caso de uma molestia cuja natureza

nao po de ser explicada com a velocidade que parece necessaria,

ou no caso de catastrofes ecologic as (pode acontecer que, um

 belo dia, os exercitos ocidentais decidam acabar com 0incendio

das florestas tropicais e, ao mesmo tempo, pode acontecer que

~nidos: a vida dos animais, das arvores, de nossas crian<;:ase dema-

sl~do preciosa para ser deixada ao acaso do debate democratico).

M111hassugest6es nao excluem procedimentos desse genero _ 

~1ao.s.ao"~rincipios'" 0 que efetivamente eu excluo sao quaisquer 

JuStlflca<;:oescom base em "leis morais obJ'etl'v'lS"O' / I, . JlUZOconc u-

sivo e um juizo hist6rico - as futuras gera<;:oes,utilizando suas

intui<;:6es,distribuirao louvores e censuras, como lhes parecera

oportuno. Tudo isso concorda com as tendencias pluralistas

conhec.idas pelas ciencias pertinentes e com a ideia de comple-

mentandade. Podemos ate afirmar que os estudiosos do "desen-

volvimento" - que aconselham os governos a preferir medidas

locais de sucesso segura aos usos conflitantes no flmbito da cien-

c~aocidental - sao excelentes cientistas, e tambem que 0relati-

Vlsmo cosmol6gico e uma parte natural da ciencia nao-dogmatica.

Assin1, n1ais uma vez, os meus escritos foran1 superados pelas

mudan<;:aspraticas, e eu de novo dou as boas-vindas ao desenvol-

vimento como salldo a todos os resultados da pesquisa concreta.

A todos os resultados?

Bem, a todos os resultados que nao poem em perigo as re!a<;:6es

humanas importantes. Haviamos falado disso antes.

Mas como fara para decidir a questao? Como e possivel que alguem

decida a questao?

Como? Bem,cabera a mim pessoalmente decidir a questao, segundo

o estado de matlU'idade ou idiotice em que eu me encontrm' naque-le momenta particular. De que outro modo? 0 mesmo vale para as

 pessoas que estao ao meu redor. Um Estado ou um pais baseariio sua

decisao em leis vigentes. Nas repllblicas e nos paises democraticos

 por iniciativa dos cidadaos, por seus votos, etc; em areas regUlada~

mais rigidamente, procurar-se-{ldm'ouvido logo ao rei ou a qualquer 

outro chefe. 0 cidadao de um pais no qual as leis estao em conflito

com suas convic<;:6espessoais pode fazer uma por<;:aode coisas.

Pode emigrar,pocle remanescer, aceitar um encargo pllblico e tentar 

salvar  0 possive! sem causar danos. Se li corretamente minhas fon-

tes, foi 0que fez Gustaf Gruendgens e Wilhelm Furtwaengler, na

Alemanha - se bem que ainda restam muitas perguntas sem res-

 posta. Pode-se tentar mud,u' as coisas de modo pacifico, como 0fize-

 Ao Termino de um Passeio Nao-Filos6fico entre os Bosques © 111

na<;oespessoais, tomando-as assim desumal1as" A ~ d " , , s acoes os fun-

damentalistas isliimicos hOJ'eem dia e ados .' ~ 0, , cllstaos antes deles 0

d l l i l l '

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ram na China estudantes e trabalhadores. A gente pode, tambem,

tornar-se terrorista (Stauffenberg, que tentou matar Hitler, era um

terrorista, embara tenha falhado, i11felizmente).Sua pergu11tapresu-

me uma autoridade externa. "Como decidira a questao?" significa "A

quem perguntar?" ou "Qual 0metodo que utilizar;l?"ou "Aque prin-

cipios far;l referencia?". Natmalmente, h;l muitas pessoas que reco-

nhecem a autoridade externa, mas eu nao sou uma delas. Minha

{mica autoridade em situa<;oes tao dificeis e minha limitadissima

experiencia e 0 meu amor por pessoas particulares, pela minha

mulher, por meus amigos intimos, e 0meu {mico guia e 0desejo de

nao permitir que sucedam coisas que poderiam causar-Ihes dar...

B _ Seria, se terminasse ai, mas nao e. Esse e um ponto de partida. De

fato, se 0meu amor pOl' essa pessoa e bastante forte, ser;l capaz de

incluir tudo e, em {lltima an;llise, todas as coisas viventes.

B _ Certamente, tambem ele. 0 problema relativo a Hitler nao equivalc

aquele em que se pergunta como uma rocha ou um vampiro

 podem provo car a morte de tantas pessoas, mas antes se se pergun-

ta como pode um ser humano como 0 meu melhor amigo executar 

uma a<;aodo genero, Leia Erinnerungen ("Memorias") de Alberl

Speer e pense em Ingmar Bergmann, que conta ter-se apaixonado

 por Hitler depois de um discmso do qual toi tes1C1llunhaquando,

como estudante, esteve na Alemanha. Tenha grande desconfian(,'a

do espirito hum,mit;lrio abstrato que parte de uma ideia e procma

comprimir dentro dela 0mundo. Suspeito tambem das declara<;oes

sinteticas de horror realizadas pelos fautores de tais icteias. UOla

ideia de humanidade que nao esteja fundada sobre solidas rela<;oes

 pessoais produz retorica vazia, que pode ser combinada com as

a<;oes mais atrozes, Ou, como escrevi em Adeus C t Razao:"A maior 

 parte das miserias de nossOmundo, guerras, destrui<;oes de ment(·s

e de C01-pOS,carnificinas sem fim, nao sao causadas por individuos

malvados, mas pOl'pessoas que objetivaram seu desejo ou suas incli

denlonstram nlui claranlente, '

Mas 0senhor nao ve quantos assassinatos foranl perpetrados p ,

Pres . 1 ~ ar,l

elvar as re a<;oes pessoais e/ou tribais? 0 ., ., . . amOl por uma pes-soa slgmflca odio par uma OIltra que a poe e .

 A m pengo ou que pare-ce po-Ia...

o perigo imediato nao e urn problema - c ·t ., el amente nlatarel

 pan prote'. ger os meus amigos de uma amea<;aimediata e real a

sua VIda ou ao seu bem-estar, 0 proble . '.~, . ma esta nos pengos l1nagi-

narzos e lSS0 demonstra q ~'. ' ue 0 amor por unla pessoa particular,

embor~ seja urn ponto de partida, nao e suficiente; seria assim

generahzado, mas generalizado de ' " ,unM nMnelra raclOnal.

Urn casamento entre 0 amor e a logica?

Qualquer coisa do genera.

 Na.o sei 0 que dizer, mas seguramente nao toi a estrada trilhada

qu,l11doescreveu seus ensaios relativist as " ., malS agresslvos.

 Nao e divertido ser relativist a quando os slogans relativistas e _ tram-se n b 1 . . ncon

os. an leuos de qualquer universidade ...(levantando-se)

-. bem, esta 11ahora de voltar pra casa; esta noite na TV francesa

val passar  0filme Anatolnia de UlnA~sa~~{nio ;- .

I d A • •• , e eu IMOgostana

ce per e-Io.

 Nao podemos esperar mais urn !Jouco? Disse a m' 1 '. ,In 1a asslstente

que eu 0 procuraria neste bosque e que el'l tl'O. ' uxesse os outrosensalOS eventualmente recebidos.

A sua assistente? Uma mOr'l? 0senll . t .,> ' . 01 em uma asslstente?

A (ruborizando-se) - Sim. .

Como se chama?

A (ruborizando-se ainda mais) - Peggy,

II- Peggy, eh, e voce e um homem casado!

 Nao eo que 0 senhor esta pensando ...

Muito ~em. Confio na sua palavra. Quanto tempo deveremos

esperarr 

A-

B-

Uns dez minutos, lUllquarto de hora ...

Bem,o dia j{lesta mesmo perdido, tanto faz perde-lo de todo.

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A-

B-

 Nao the agrada falar de seu trabalho?

A - Nao quer tornar-se famoso?

B - Tudo menos isso; ser famoso significa ser transformado no mO~ls-

tro Frankestein da imaginac;:ao de qualquer outra pessoa. - COlS~l

que, sinceramente, detesto. De mais a mais, tenho a m111ha prz-

vac)!, isto e, minha privacidade.

A - Bem, logo ficara livre de mim.

B (acalmando-se, com ar resignado) ...esperando Peggy. Talvez

tenhamos de esperar para sempre ...

(Silencio).

(Apaz retorna ao bosque).

Posfacio

E voz corrente que, enquanto e possivel examinar livremente

ideias ou sistemas de ideias em cartas, telefonemas, conversas durante a

ceia, a forma conveniente para explicar sua estrutura, suas implicac;:oes eas razoes pelas quais devem ser aceitas e 0ensaio ou 0livro. 0 ensaio (0

livro) tem comec;:o,meio e tim. Ha uma exposic;:ao,um desenvolvimento

e um resultado. Depois do que a ideia (0 sistema) fica tao clara e bem

definida quanto uma borboleta morta na vitrina de um colecionador.

Mas as ideias, como as borboletas, nao subsistem e basta; desenvol-

vem-se, entram em relac;:oescom outras ideias e produzem seus efeitos.

Toda a hist6ria da fisica esteve ligada ao pressuposto, formulado pela pri-

1l1eil"avez por Parmenides, de que algumas coisas nao sao afetadas pela

mudanc;:a.0 pressuposto foi logo transformado: a conservac;:ao acabou

sendo transferida para longe da conservac;:ao do Ser. 0 fim de um ensaio

ou de um livro, ainda que seja formulado como lUlltim, nao e, na realida-

de,um fim, mas um ponto de transic;:aoque recebeu uma importancia inde-

vida. Como uma tragedia classica, erige barreiras onde nao hi barreiras.

Os historiadores modernos (da ciencia e de outras materias) encon-

tmram defeitos suplementares. A orclem da descric;:aonum artigo cientifi-

co tem pouco a ver com a ordem da descoberta, e alguns dos elementos

sil1gulares revelam ser quimeras. 1ssonao signitica que os escritores sejam

mentirosos. Sencloforc;:adospor lUll modelo especial, sua mem6ria muda e

!(lrneCe as informac;:oesnecessarias (pOl"emficticias).

Mas existem areas onde 0artigo ou a publica<;:aode uma pesqui-

sa, especialmente 0manual, perderam muito de sua antiga influencia.A

d f d li d i d

Concordo que um dialogo e mais revelador do que um artigo. Pode for-

necer argumenta<;:oes,pode mostrar os efeitos das argumenta<;:oes sobre

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razao deve-se ao fato de que 0 enorme nlimero de pesquisadores e a

mare montante de resultados produzidos pela pesquisa aumentou a taxa

de mudan<;:a em tal medida que uma publica<;:aoe, as vezes, ja obsoleta

quando vem a luz. A primeira linha da pesquisa e definida pOl' conferen-

cias cartas ao editor (cf. as Physical Review Letters), fax. As publica<;:oes,

e os manuais nao so ficam au"as,como nao podem sequel' ser compreen-

didas sem essas formas de discurso as vezes informes.

Os filosofos vangloriam-se de tel' conseguido achar principios cla-

ros atras da confusao mais estapaflu"dia. 0 "mundo do bom senso grego"

(admitindo-se que esse fosse 0lmico mundo do genero) era, de fato,com-

 plicado na epoca em que Parmenides escreveu. Isso nao 0impediu de

 postular e ate de provar que a realidade era variada, simples e conquista-

vel pdo pensamento. A filosofia moderna, embora menos confiante a

esse respeito, inclui 'linda a ideia de estruturas claras por tras de eventos

complexos.Alguns filosofos (mas tambem sociologos e poetas) firmamassim os textos de importancia; procuram os ingredientes que podem

taler parte de uma estrutura logicamente aceitavel e depois usam essa

estrutura para julgar  0restante.

A tentativa est;l destinada ao fracasso. Em primeiro lugar, pOl"que

nas ciencias, que sac importantes portadores do conhecimento, nao ha

nenhuma contrapartida. Em segundo, pOl"que nao ha nenhuma contra-

 partida na "vida". A vida parece suficientemente clara enquanto e rotina,

ou seja, enquanto as pessoas permanecem doceis, Ieem os textos de

maneira convencional e nao sac provocadas de forma radical.A clareza

se dissolve e aparecem icteias, percep<;:oes e sentimento~estranhos, ape-

nas a rotina se despeda<;:a.Historiadores, poetas e cineastas descreveram

eventos do genero. Um exemplo: Pirandello. Comparadas a essas obras,

os ensaios de carater logico parecem partilhar da irrealidade de um

romance de Barbara Cartland. Sao inven<;:oes,mas inven<;:oesde um gene-

1'0 pouco inspirado.

Platao pensava que 0abismo entre as icteias e a vida pudesse ser 

atravessado pela ponte do dialogo - nao com 0dialogo escrito, que para

de era apenas uma sintese superficial de eventos passados, mas com

uma troca real, oral, entre pessoas provenientes de ambientes diversos.

 profanos e sobre especialistas pertencentes a diferentes escolas, torna

explicita 0car;lter vago das conclusoes que um ensaio ou um livro pro-

curam esconder e, 0que mais conta, po de demonstrar a natureza quime-

rica daquilo que nos acreditamos ser a parte mais salida da nossa vida. A

desvantagem consiste no t~ltOde que tudo isso acontece no papel e nao

nas a<;:oesconsumadas pOl' pessoas vivas diante de nossos olhos.Ainda

uma vez somos convidados a empenhar-nos num genera de atividade

asseptica ou, para utilizar outra palavra, somos 'linda simplesmente con-

vidados a pensar. Estamos mais uma vez muito longe das batalhas entre

 pensamentos, percep<;:oes e emo<;:oesque realmente forjam nossa vida,

inclusive 0conhecimento "puro". Os gregos tinham uma institui<;:aoque

criava as necessarias ocasioes do confronto - 0drama. Platao 0refutou

e assim deu seu proprio contributo aquela logomania que tem um efeito

deleterio sobre tantas partes da nossa cultura.

Os dialogos recolhidos neste livro sac imperfeitos sob muitosaspectos, 0que e verdade especialmente para 0segundo.Trata-se de minha

replica a uma variedade de escritos recolhidos para uma Festschrift  em

minha (des)honra. A maior parte dos ensaios tem a vel' com um livro que

escrevi em 1970, publicado em 1975, e que, no que me diz respeito, e

agora agua passada. Alem disso, os artigos me atribuem uma doutrina

(sobre 0conhecimento e sobre 0metodo), ao passo que minha opiniao

era, e e ainda agora, que nem 0conhecimento nem a realidade podem ser 

aprisionados ou regulados pOl'um resumo geral ou pOl'uma teoria (as teo-

rias cient1t1cas nao sac aquilo que os filosofos de inclina<;:oes realistas

creiam que sejam). 0 segundo di;llogo tenta explicar essa situa<;:aoum

 pouco complicada. 0 primeiro reflete a situa<;:aodo meu seminario em

Berkeley; 0doutor Cole tem pouco a vel' comigo, mas algumas persona-

gens (nao identifidveis pelo nome) constituem uma homenagem a alguns

alunos maravilhosos que tive.

Os dialogos sac filosoficos num sentido muito generico e nao tec-

nico. Poderiam ate ser chamados desconstrutivistas, se bem que 0lllCli

guia tenha sido Nestroy (que foi lido pOl'Karl Kraus) e nao Derrida. <JlI:11l

do fui entrevistado pelo di;lrio italiano A Repubblica fizeram-nK a Sl'glliII

te pergunta: "0 que 0 senhor pensa dos atuais desenvolvilllt"111(),~11;1

Europa Oriental e 0que a filosofia tern a dizer sobre esses seus argumen-

tos?"Minha resposta talvez explicari urn pouco melhor minha atitude.

gico"; nele, to do lugar e direc;:aoequivalem a todo Olltro lugar e direc;:ao;

a mesma coisa - diz ele - deveria aplicar-se ao universo moral. Essa e

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Estas sao duas perguntas inteiramente diversas - eu disse. A pri-

meira e dirigida a uma ser humano vivo e mais ou menos adequadamen-

te pensante, com seus sentimentos, seus preconceitos, suas necessida-

des, isto e, a mim. A segunda e dirigida a algo que nao existe, a urn

monstro abstrato, a "filosofia". A filosofia e ainda a menos unitiria das

ciencias. Existem escolas filosoficas que se conhecem pouco entre elas

ou se combatem ou se desprezam reciprocamente. Algumas dessas esco-

las, a do empirismo logico, por exemplo, nao enfrentaram quase nunca

os problemas que surgem agora; alem disso, nao ficariam demasiado feli-

zes de encorajar os sentimentos religiosos que tern acompanhado tais

desenvolvimentos (em alguns paises daAmerica do SuI,a religiao esti na

 primeira linha na batalha pela libertac;:ao).Outras, por exemplo os hege-

lianos, trac;:amlongos romances para descrever os eventos dramiticos e

sem dllVidacomec;:arama canti-los - ninguem sabe com que resultados.Alem do mais, apenas raramente existe uma estreita relac;:aoentre a filo-

sofia de uma pessoa e 0seu comportamento politico. Frege foi urn pen-

sador agudo sobre as questoes de logic a e sobre os fundamentos da

matemitica, mas a politica que comparece em seus diirios e do tipo mais

 primitivo. E e exatamente essa a desgrac;:a;acontecimentos como aqueles

que sucedem agora na Europa do Leste e, notoriamente, em outras par-

tes do globo e, de urn modo mais geral, todos os eventos que envolvem

os seres humanos, eludem os esquemas intelectuais - cada urn de nos e

ch,mudo, individualmente, a reagir e quic;:i a tomar uma posic;:ao.Se a

 pessoa que reage e humana, afetuosa, nao egoista, entao pode ocorrer 

que 0conhecimento da historia, da filosofia, da politica e ate da fisica

(Sakharov!) sejam liteis, porque ele ou ela podem aplidl-los de urn modo

humano. Digo "pode ocorrer", pOl"quehi excelentes pessoas que se apai-

xonaram por filosofias abominiveis e explicaram suas ac;:oesde maneiel

desencaminhante e perigosa. Czeslaw Milosz e urn exemplo e 0discuti

em Adeus /1 Razao. Fang Lizhi, 0astrofisico e dissidente chines e outro.

Ele procura justificar sua luta pela liberdade, fazendo referencia aos direi-

tos universais que "nao consideram rac;:a,lingua, religiao e outras convic-

c;:oes".Ouniverso fisico - diz ele - obedece a urn "principio cosmo16-

'linda a velha tendencia universalizante e que vemos claramente aonde

leva. De fato, se "nao consideramos" as caracteristicas raciais de urn rosto,

se nao fazemos caso do ritmo de sons que fluem de sua boca, se elimina-

mos os gestos particulares e culturalmente determinados que acompa-

nham 0discurso, entao nao temos mais urn ser humano vivo, temos urn

monstro, que esti morto, nao livre. Alem disso, 0que tern aver  0univer-

so fisico com a moralidade? Suponhamos, como os gnosticos, que ele

seja uma prisao, deveremos, entao, adaptar nossos comportamentos

morais a suas caracteristicas carceririas? E verdade que hoje 0gnosticis-

mo nao e popular, mas as descobertas mais recentes indicam que cedo

tambem 0"principio cosmologico" poderia ser um assunto pertencente

ao passado. Deveremos mudar nossos comportamentos morais quando

isso ocorrer? Apenas raramente uma filosofia sensivel encontra uma pes-

soa sensivel que a usa entao de um modo humano.Vaclav Havel constitui

um exemplo e c1emonstra claramente que nao e a filosofia que deve ser estimulada pelo evoluir das coisas, POl"emcada pessoa individualmente.

De fato, repetindo-me, a "filosotla" entendida como ambito de atividacle

 bem determinaclo e homogeneo existe tao pouco quanta a "ciencia". Hi

as palavras, hi tambem os conceitos, mas a existencia humana nao reve-

la trac;:odas fronteiras implicitas nos conceitos.

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Cronologia Resumida

da Vida e da Obra

de Paul Feyerabend

1924 - Nasceu emViena.

1942-45 - Serve 0exercito alemao, tendo side condecorado com a Cruz

de Ferro.1945 - Ferido gravemente na espinha, pelos russos, durante a retirada

das tropas nazistas no Leste.

1946 - Filia-se a Associac;:aopela Reforma Democr;ltica da Alemanha e

recebeu uma bolsa para estudar canto e cenotecnica em

Weimar.

1947 - Retorna a Viena e ingressa na universidade para estudar hist6ria

e sociologia, mas acaba optando pela fisica. Neste mesmo ana

 publica um artigo onde defende posic;:oesque sac de um positi-

vismo extremado.

1948 - Visita 0 Seminario Alpbach, na Austria, onde conhece Karl

Popper. Casa-se com Edeltrud, embora 0seu ferimento de guerra

o tenha deixado impotente.

1949 - Participa do Circulo Kraft de estudantes de filosofia, centrado na

figura deViktor Kraft,orientador e mentor da primeira dissertac;:ao

de Feyerabend. Nas discussoes travadas neste grupo, impos-se

 pela qualidade intelectual e poder de lideranc;:a.Neste per1odo,

encontra Berthold Brecht e Ludwig Wittgenstein.

1951 - Defende 0doutorado e pleiteia uma bolsa para prosseguir  nos

estudos em Cambridge, sob a direc;:aode Wittgenstein, ()qua I,lIP

120 0 Dialogos Sobre 0 Conhecimento

entanto faleceu antes da chegada de Feyerabend a Londres.

Diante deste fato, proCUl-aPopper, que passa a ser 0seu supervi-

sor. Durante este periodo, dedica-se a medinica quantica e a

tando que tao-somente 0relativismo poderia dar conta da varie-

dade cultural.

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filosofia de Wittgenstein.

1953 - Retorna a Viena e traduz para 0alemao A Sociedade Aberta e

seus Inimigos, de K. Popper.

1954- Publica seus primeiros trabalhos acerca da mecanica q~tantica,

aH~mde artigos filosoficos sobre as ideias de Wittgenstem.1955 - Aceita 0cargo de professor-conferencista na Universidade de

Bristol, Inglaterra, e escreve para The Philosophical Review uma

resenha sobre as Investigaf;oes Filos6ficas de Wittgenstein.

1956 - Casa-se pela segunda vez com Mary O'Neill e entra em contato

com 0fisico David Bohm, por cujas ideias se interessou.

1958 -Econvidado pela Universidade da California, em Berkeley, como

 professor visitante. Publica entao dois de seus artigo~ "Com~le-

mentaridade" e "Uma Tentativa para uma Interpretac;ao Reahsta

da Experiencia", textos em que assume uma clara postura anti-

 positivista de base popperiana.

1959 - Aceita 0cargo de professor permanente em Berkeley, na UCLA,

e obtem a cidadania americana.

1960-69 - Lanc;auma seqiiencia de trabalhos com 0intento de edificar 

um empirismo "tolerante e desinfetado" e distancia-se lenta~e~l-

te das concepc;6es de Popper, abandonando em 1969 0empms-

mo sob 0argumento de que a experiencia nao e necessaria em

ne~llUm ponto da construc;ao, da compreensao ou da verifica-

c;aode teorias cientificas empiricas.

1970 - Coloca-se contra Thomas Kuhn, 0autor de As Estruturas das

Revoluf;oes Cientificas, e revela-se,nos ensaios que escreve, um

anarquista epistemo16gico.

1975 - Vem a luz 0seu primeiro livro, Contra 0Metodo. , .

1977 - Contesta, durante dois anos seguidos (1976-1977), a sene _de

violentos ataques ao seu livro. E acometido de forte depressao.

 Nao obstante, redige entao um ensaio sobre 0relativismo onde

explicita pela primeira vez a sua posic;ao, partindo, dentre

outros argumentos, embora sem grande aceitac;ao, de que as

ideias de Razao e racionalidade sao ambiguas e obscuras, susten-

1978 - Explorando as implicac;6es politicas de suas teses anarquista e

relativista, edita a obra Ciencia em uma Sociedade Livre.

1981 - Sai em ingles uma coletanea de seus escritos.

1984 - Lanc;a Ciencia como umaArte,livro onde ainda defende 0rela-

tivismo, afirmando que na historia da ciencia nao ha progresso e,

sim, mudanc;a. Empenha-se na reabilitac;ao do legado de ErnestMach.

1987 - Reline um conjunto de artigos, que sao editados sob 0titulo de

 Adeus it  Razao.

1988 - Reedita Contra 0Metodo, numa edic;ao revisada e acrescida de

 parte de seu outro livro, Ciencia em uma Sociedade Livre.

1989 - Casa-se com Gl-aziaBonini, que conhecera em 1983,nas suas pre-

lec;6es em Berkeley, e parte para a Italia e Suic;a,sob 0impacto do

tenemoto de 1990,na costa leste dos Estados Unidos.

1990 - Demite-se de seu cal'go em Berkeley, no mes de marc;o.1991 - Aposenta-se como docente da Universidade de ZUrique, onde

lecionava meio semestre, reservando 0outro semestre a Berkeley.

Seu antigo aluno, Gonzalo Munevar organiza e publica uma edi-

c;aocomemorativa ao seu mestre (Festschrift).

1993 - Aparece a terceira edic;ao de Contra 0Metodo e Feyerabend e

hospitalizado com um tumor cerebral inoperavel.

1994 - Em 11 de fevereiro, mone, em sua casa, em Zurique.

1995 - E publicada a sua Autobiograjia.

 Nos anos subseqiientes vem a luz outros livros postumos e volu-

mes de ensaios, realizando-se tambem varios co16quios acerca da

 produc;ao e do controvertido pens;unento de Paul Feyel-abend.