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Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 32 – As interfaces da gramática. 135 DENTRE AS INTERFACES DA GRAMÁTICA: O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO TEXTUAL EM TRADUÇÕES BÍBLICAS Mariú Moreira Madureira LOPES 1 As relações gramaticais observadas em um texto destinado a um público específico podem avocar modos de construção próprios de um determinado contexto. Nesse sentido, todo texto constrói-se de acordo com as relações existentes entre elementos linguísticos, conceituais e pragmáticos. Em se tratando de tradução bíblica, pode-se verificar que, na atualidade, versões com diferentes enfoques têm sido apresentadas ao público leitor. Ora se prioriza a mensagem, ora se prioriza o receptor (NIDA; TABER, 1982). É inegável que o sagrado influencia muitas pessoas e está inserido no cotidiano da humanidade, apresentando-se verbalmente aos homens por meio de livros vistos como de origem divina. A Bíblia enquadra-se nessa modalidade de texto, cujo valor não é apenas instrucional mas também emocional, tendo em vista o apego e o respeito que as pessoas manifestam em relação a esse tipo de literatura. Por isso, tendo em vista a interface entre gramática e tradução (especificamente, tradução de textos considerados sagrados), o presente trabalho se propõe discutir como se dá o processo de construção textual em diferentes traduções bíblicas de língua portuguesa, pondo sob consideração os mecanismos gramaticais que promovem relações entre os elementos do texto. Como fundamento para este trabalho, recorreu-se às características do contexto de situação (‘campo’, ‘relação’ e ‘modo’) e das metafunções (‘ideacional, ‘interpessoal’ e ‘textual’), propostas por Halliday (1979, 2004), tendo em vista sua relevância para a compreensão do processo de construção textual. A descrição linguística desses elementos envolvidos na construção do texto possibilita a compreensão de como as versões conseguem atingir seu público e sua intenção. PALAVRAS-CHAVE: construção textual; metafunções da linguagem; tradução; Bíblia. Modos de construção textual próprios de um determinado contexto podem ser identificados nas escolhas semânticas e sintáticas feitas em traduções bíblicas portuguesas no Brasil. A situação em que o texto é produzido influencia as escolhas do tradutor tanto em termos linguísticos como em termos conceituais e pragmáticos. Em relação à tradução bíblica, versões com diferentes enfoques (mensagem — equivalência formal vs receptor — equivalência dinâmica, NIDA; TABER, 1982) têm sido oferecidas ao público leitor na atualidade. Nas novas versões, tradutores bíblicos tentam, de 1 Universidade Presbiteriana Mackenzie, Faculdade de Comunicação e Letras, Programa de Pós-graduação em Letras. Endereço: Alameda Tietê, 191, ap. 44, São Paulo, SP, CEP 01417-020, e-mail: [email protected]. Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, 08-58545-4.

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  • Lngua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) M Joo Maralo & M Clia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, M do Cu Fonseca, Olga Gonalves, Ana LusaVilela, Ana Alexandra Silva Copyright 2010 by Universidade de vora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 32 As interfaces da gramtica.

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    DENTRE AS INTERFACES DA GRAMTICA: O PROCESSO DE CONSTRUO TEXTUAL EM TRADUES BBLICAS

    Mari Moreira Madureira LOPES1

    As relaes gramaticais observadas em um texto destinado a um pblico especfico podem avocar modos de construo prprios de um determinado contexto. Nesse sentido, todo texto constri-se de acordo com as relaes existentes entre elementos lingusticos, conceituais e pragmticos. Em se tratando de traduo bblica, pode-se verificar que, na atualidade, verses com diferentes enfoques tm sido apresentadas ao pblico leitor. Ora se prioriza a mensagem, ora se prioriza o receptor (NIDA; TABER, 1982). inegvel que o sagrado influencia muitas pessoas e est inserido no cotidiano da humanidade, apresentando-se verbalmente aos homens por meio de livros vistos como de origem divina. A Bblia enquadra-se nessa modalidade de texto, cujo valor no apenas instrucional mas tambm emocional, tendo em vista o apego e o respeito que as pessoas manifestam em relao a esse tipo de literatura. Por isso, tendo em vista a interface entre gramtica e traduo (especificamente, traduo de textos considerados sagrados), o presente trabalho se prope discutir como se d o processo de construo textual em diferentes tradues bblicas de lngua portuguesa, pondo sob considerao os mecanismos gramaticais que promovem relaes entre os elementos do texto. Como fundamento para este trabalho, recorreu-se s caractersticas do contexto de situao (campo, relao e modo) e das metafunes (ideacional, interpessoal e textual), propostas por Halliday (1979, 2004), tendo em vista sua relevncia para a compreenso do processo de construo textual. A descrio lingustica desses elementos envolvidos na construo do texto possibilita a compreenso de como as verses conseguem atingir seu pblico e sua inteno. PALAVRAS-CHAVE: construo textual; metafunes da linguagem; traduo; Bblia.

    Modos de construo textual prprios de um determinado contexto podem ser

    identificados nas escolhas semnticas e sintticas feitas em tradues bblicas

    portuguesas no Brasil. A situao em que o texto produzido influencia as escolhas do

    tradutor tanto em termos lingusticos como em termos conceituais e pragmticos. Em

    relao traduo bblica, verses com diferentes enfoques (mensagem equivalncia

    formal vs receptor equivalncia dinmica, NIDA; TABER, 1982) tm sido oferecidas

    ao pblico leitor na atualidade. Nas novas verses, tradutores bblicos tentam, de

    1 Universidade Presbiteriana Mackenzie, Faculdade de Comunicao e Letras, Programa de Ps-graduao em Letras. Endereo: Alameda Tiet, 191, ap. 44, So Paulo, SP, CEP 01417-020, e-mail: [email protected]. Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de So Paulo, 08-58545-4.

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    alguma forma, tornar o texto mais claro para os leitores, contudo estes esperam que o

    tradutor reproduza a mensagem divina sem mudanas. Os leitores, habituados com

    tradues consideradas cannicas, apreendem vocabulrio e estruturas prprios de uma

    linguagem religiosa, e assim evidenciam expectativas resultantes do apego e respeito

    dedicados a esse tipo de literatura.

    Por isso, tendo em vista a interface entre gramtica e traduo (especificamente,

    traduo de textos considerados sagrados), o presente trabalho se prope discutir como

    se d o processo de construo textual em diferentes tradues bblicas de lngua

    portuguesa, pondo sob considerao os mecanismos gramaticais que promovem

    relaes entre os elementos do texto. Como fundamento para este trabalho, recorreu-se

    s caractersticas do contexto de situao (campo, relao e modo) e das

    metafunes (ideacional, interpessoal e textual), propostas por Halliday (1979,

    2004), tendo em vista sua relevncia para a compreenso do processo de construo

    textual. A descrio lingustica desses elementos envolvidos na construo do texto

    possibilita a compreenso de como as verses conseguem atingir seu pblico e sua

    inteno.

    Na perspectiva de Halliday (1979, 2004), linguagem e contexto so elementos

    indissociveis na anlise lingustica. Isso implica pensar a linguagem em situaes reais

    de uso, o que evoca a potencialidade de significao existente na lngua. De acordo com

    Halliday e Hasan (1989), determinados usos da linguagem podem ser distinguidos como

    registros, que so configuraes semnticas tipicamente associadas a um contexto

    social particular (definido em termos de campo, relao e modo). Essas trs

    caractersticas so, sobretudo, aspectos especficos do contexto de situao, e esto

    associadas circunstncia em que o discurso se instaura. O campo, compreende o

    acontecimento em si, ou seja, a situao em que ocorre o discurso, como a linguagem se

    configura para reproduzir a realidade. A relao remete aos participantes do discurso,

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    aos papis que eles ocupam nas relaes sociais. E o ltimo componente, o modo,

    instaura-se na relao com a linguagem, compreendendo a organizao do texto

    enquanto estrutura que visa a alcanar o objetivo da mensagem. Para Halliday

    (HALLIDAY, 1979, p. 187), do mesmo modo que o contexto de situao tem suas

    caractersticas campo, relao e modo , a linguagem tem suas funes

    ideacional (linguagem como reflexo), interpessoal (linguagem como ao), textual

    (linguagem como tessitura, em relao ao ambiente). Em poucas palavras, a primeira

    metafuno se refere linguagem como instrumento de reproduo de contedos, a

    segunda diz respeito aos papis que os participantes ocupam na interao e terceira

    compreende a organizao interna do texto.

    Essas questes, quando envolvidas na traduo de textos sagrados, permitem a

    identificao de um registro especfico, um registro religioso. Aplicando os critrios

    de Halliday (1979; 2004) traduo de textos sagrados, pode-se reconhecer: 1. um

    campo, cujo contedo essencialmente se distingue como sagrado; 2. uma relao

    dupla, em que se observam Deus e o leitor, e, em contrapartida, o tradutor e o receptor;

    3. um modo em que se d a configurao de uma linguagem religiosa que pode ser

    claramente identificada no processo de construo textual de tradues bblicas.

    Ao pensar o processo de construo textual, convm retomar algumas questes

    especficas de traduo. Pode-se dizer que o grande embate da traduo se d entre

    literal e livre: ... essa oposio tem assumido diferentes formas na literatura, desde a

    traduo literal oposta livre, a fiel oposta criativa, at, mais recentemente, a

    equivalncia formal equivalncia dinmica (RODRIGUES, 2000, p. 15). Para

    este estudo, interessa a ltima denominao, que foi sugerida por Nida e Taber (1982).

    Embora haja outras discusses atuais sobre a prtica da traduo, a perspectiva de

    anlise desses dois tericos bastante relevante para esta proposta de estudo, visto que

    sua teoria influenciou o processo de traduo ou de reviso das verses aqui analisadas.

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    Nida e Taber (1982) propem a adequao da linguagem ao contexto do

    receptor. Eles entendem que transmitir a mensagem tendo como base pressuposies e

    valores da cultura no uma tarefa fcil, ainda mais quando se lida com o contexto

    bblico. Para expor sua teoria, os autores pressupem a existncia de dois focos em que

    uma traduo pode fundamentar-se: o antigo e o novo. Sua concepo em relao ao

    antigo foco baseia-se na ideia de que a mensagem o centro. Dessa forma, o tradutor

    deve preocupar-se em reproduzir o texto-fonte tal como se encontra na lngua-fonte,

    tendo em mente, sobretudo, a reproduo de jogos de palavras, rimas, paralelismo, etc.

    J o segundo foco tem como finalidade alcanar o receptor, fazendo que o entendimento

    dele seja o principal objetivo. Para isso, o tradutor precisa ter novas atitudes em relao

    lngua-alvo (reconhecendo seu carter prprio e diferenciado em relao lngua-

    fonte), e novas atitudes em relao lngua-fonte (reproduzindo o significado de acordo

    com o contexto cultural da lngua-alvo).

    Dessa forma, para Nida e Taber (1982, p. 12): traduzir consiste em reproduzir

    na lngua-alvo o equivalente natural mais prximo da mensagem da lngua-fonte,

    inicialmente em termos de significado e, posteriormente, de estilo (traduo nossa).

    Nesse enfoque, no se objetiva traduzir palavra por palavra, mas, sim, extrair o

    contedo essencial a ser retransmitido na lngua-alvo. Por isso, os autores (1982, p. 200-

    201) propem dois enfoques na traduo: 1. a correspondncia formal, ou equivalncia

    formal, que se distingue como uma traduo em que as caractersticas formais do texto

    de origem se reproduzem mecanicamente na lngua-alvo; 2. equivalncia dinmica, que

    apresentada como uma traduo em que se transfere a mensagem de um texto original

    para a lngua-alvo tendo em vista o intuito de provocar no receptor atual basicamente a

    mesma reao do receptor original. Nesse ltimo caso, a forma do texto original

    mudada.

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    Trata-se de dois enfoques, contudo, tendo em vista a descrio j dita do

    contexto de situao em que se circunscreve o texto sagrado, nem sempre o leitor estar

    disposto a aceitar uma traduo que, de alguma forma, parea mudar o que se considera

    como contedo sagrado. Em outras palavras, a mente do leitor da traduo bblica, o

    foco de estudo desta pesquisa, j partilha de uma conscincia lingustica (CRYSTAL,

    1992). Isso significa que a comunidade resguarda um registro, que lhe particular, e

    por ser este tido como sagrado deve ser preservado e registrado nas tradues.

    A conservao e o uso de uma traduo ao longo do tempo, por exemplo,

    implicam a formao de uma linguagem religiosa e tambm a permanncia de uma

    linguagem antiga, tendo em vista que a traduo seguiu o vocabulrio, a estrutura e as

    normas da poca em que foi produzida. Para Nida (1997, p. 189), uma longa tradio

    pode suscitar problemas na traduo: Os problemas de uma longa tradio so

    especialmente relevantes no caso de textos religiosos, porque sempre h muitas pessoas

    cuja f se baseia mais na linguagem dos antigos documentos do que em seu contedo

    (traduo nossa).

    Observa-se, por exemplo, como marca de linguagem da religio, um vocabulrio

    doutrinrio e teolgico que, tendo sido desenvolvido ao longo da histria da igreja, tem

    sido preservado at hoje como base da crena. A omisso, mudana ou adaptao de um

    dos termos pode provocar rejeio por parte do receptor do texto sagrado. Por esse

    motivo, Simms (1997) considera textos sagrados como textos que so passveis de

    suscitar objees em relao sua traduo. O que se questiona no o texto sagrado,

    mas o modo como sua traduo produzida, como ela se constri dentro de um

    contexto de situao especfico. Observa-se claramente que o leitor de textos sagrados

    prefere tradues que conservem uma tradio lingustica e histrico-teolgica a

    tradues que faam uso de uma linguagem corrente, deixando de lado marcas prprias

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    do discurso religioso. Isso pode ser visto com mais clareza por meio de uma anlise

    comparativa de tradues bblicas.

    Para este estudo, foram selecionadas duas verses: Verso revista e atualizada

    de Joo Ferreira de Almeida - 2 edio (ARA), que a traduo clssica e a

    particularmente usada no meio protestante no Brasil; e Nova traduo na linguagem de

    hoje (NTLH). As duas tradues so verses portuguesas brasileiras produzidas e

    editadas pela Sociedade Bblica do Brasil. Com base na teoria de Nida e Taber (1982),

    os representantes da instituio declaram ser a primeira uma traduo cujo enfoque est

    na equivalncia formal, e a segunda, na equivalncia dinmica2.

    A verso de Joo Ferreira de Almeida foi produzida no sculo XVII, mas passou

    por diversas revises que resultaram na Verso revista e atualizada - 2 edio (ARA).

    Como se verifica no prefcio da segunda edio da referida verso, essas revises feitas

    pela equipe de traduo da Sociedade Bblica do Brasil estavam voltadas

    principalmente a pontuao, acertos em falhas de reviso passada, em erros de

    concordncia e em incorrees nas referncias bblicas e a harmonizao de

    subttulos3. A ARA4 atualmente uma traduo muito usada e muito aceita no meio

    protestante, mas conservadora em termos de adequao da linguagem ao uso corrente, o

    que dificulta muitas vezes a compreenso do texto, dependendo do pblico receptor.

    Em contrapartida, a Nova traduo na linguagem de hoje (NTLH) tem como

    objetivo proporcionar ao leitor uma traduo que seja clara. Foi a primeira verso

    brasileira a empregar os princpios de equivalncia dinmica. Seu projeto oriundo de

    uma traduo chamada Good News Bible. Esta tinha por objetivo traduzir a Bblia para

    uma linguagem comum: [...] uma linguagem que acessvel s pessoas menos

    instrudas e que, ao mesmo tempo, aceitvel s pessoas mais eruditas, o que implica

    2 Essa informao encontra-se disponvel no site da Sociedade Bblica do Brasil: www.sbb.org.br. 3 Bblia Sagrada - Revista e atualizada no Brasil. 2. ed. Barueri: Sociedade Bblica do Brasil, 1993. 4 L-se Verso revista e atualizada - 2 edio.

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    um vocabulrio reduzido, que no vai muito alm de quatro mil palavras (MILLER &

    HUBER, 2006, p. 225).

    Em termos de receptividade, Seibert (2006, p. 225) observa que houve dois tipos

    de reao a essa primeira verso: muitos a saudaram com muita alegria; outros foram

    reativos, chegando a extremos como de rejeio completa. Atualmente, a NTLH5 tem

    sido vista como uma Bblia apropriada evangelizao, porque, em virtude de sua

    linguagem clara, torna-se mais atraente a um pblico que desconhece o evangelho. Na

    NTLH, o receptor que se coloca em foco. A preocupao volta-se mais ao entendimento

    do leitor do que em uma reproduo da construo textual e do lxico do texto-fonte.

    Fato que novas verses, como a NTLH, lidam com a tradio da traduo de

    Joo Ferreira de Almeida, o que impe um grande desafio em termos de aceitao de

    uma linguagem adequada realidade lingustica vigente. Se, por um lado, entende-se

    que a traduo atual mais usada no meio protestante no compartilha mais da realidade

    lingustica da comunidade, em contrapartida h uma grande dificuldade de aceitar as

    novas verses. Dentre os motivos dessa no aceitao, podem-se indicar: a) a falta de

    adaptao do receptor nova verso; b) o estranhamento da linguagem cotidiana em

    oposio arcaica, tradicionalmente usada no universo do sagrado; c) e a rejeio a uma

    traduo que no siga os padres da literalidade.

    O texto selecionado para anlise se encontra em Efsios6 1.3-14. Nele se pode

    observar como se d o processo de construo textual na traduo bblica de acordo com

    o enfoque tradutrio adotado (equivalncia formal ou dinmica). Segue abaixo a

    transcrio do texto-fonte The Greek New Testament, de Aland et al.7 (4 edio), e da

    Verso revista e atualizada - 2 edio:

    (1) 3 Eulogtos ho theos kai patr tou kyriou hmn Isou Christou, ho eulogsas hmas em pas eulogia pneumatik en tois epouraniois em

    5 L-se Nova traduo na linguagem de hoje. 6 Trata-se de uma das epstolas do Novo Testamento. No se pode determinar a autoria dessa epstola, alguns acreditam que Paulo ou um pseudnimo possa t-la escrito. 7 Esse texto grego servir de apoio como texto-fonte para a anlise das referidas verses.

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    Christ, 4 kaths ekseleksato hmas en aut pro katabols kosmou einai hmas hagious kai ammous katenpion autou en agap, 5 proorisas hmas eis huiothesian dia Isou Christou eis auton, kata tn eudokian tou thelmatos autou, 6 eis epainon dokss ts charitos autou hs echaritsen hmas en t gapmen. (2) 7 en h echomen tn apolytrsin dia tou haimatos autou, tn aphesin tv paraptmatn, kata to ploutos ts charitos autou 8 hs eperisseusen eis hmas, en pas sophia kai phronsei, 9 gnrisas hmin to mystrion tou thelmatos autou, kata tn eudokian autou hn proetheto en aut 10 eis oikonomian tou plrmatos tn kairn, anakephalaisasthai ta panta em t Christ, ta epi tois ouranois kai ta epi ts gs em aut. (3) 11 en h kai eklrthmen prooristhentes kata prothesin tou ta panta energountos kata tn bouln tou thelmatos autou 12 eis to einai hmas eis epainon dokss autou tous prolpikotas em t Christ. (4) 13 en h kai hymeis akousantes ton logon ts altheias, to euangelion ts strias hymn, en h kai pisteusantes esphragisthte t pneumati ts epangelias t hagi, 14 ho estin arrabn ts klronomias hmn, eis apolytrsin ts peripoises, eis epainon ts dokss autou.8

    (1) 3 Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que nos tem abenoado com toda sorte de bno espiritual nas regies celestiais em Cristo, 4 assim como nos escolheu, nele, antes da fundao do mundo, para sermos santos e irrepreensveis perante ele; e em amor 5 nos predestinou para ele, para a adoo de filhos, por meio de Jesus Cristo, segundo o beneplcito de sua vontade, 6 para louvor da glria de sua graa, que ele nos concedeu gratuitamente no Amado, 7 no qual temos a redeno, pelo seu sangue, a remisso dos pecados, segundo a riqueza da sua graa, 8 que Deus derramou abundantemente sobre ns em toda a sabedoria e prudncia, 9 desvendando-nos o mistrio da sua vontade, segundo o seu beneplcito que propusera em Cristo, 10 de fazer convergir nele, na dispensao da plenitude dos tempos, todas as coisas, tanto as do cu como as da terra; 11 nele, digo, no qual fomos tambm feitos herana, predestinados segundo o propsito daquele que faz todas as coisas conforme o conselho da sua vontade, 12 a fim de sermos para louvor da sua glria, ns, os que de antemo, esperamos em Cristo; 13 em quem tambm vs, depois que ouvistes a palavra da verdade, o evangelho da vossa salvao, tendo nele tambm crido, fostes selados com o Santo Esprito da promessa; 14 o qual o penhor da nossa herana, at ao resgate da sua propriedade, em louvor da sua glria.

    A primeira traduo analisada a Verso revista e atualizada - 2 edio. O

    aspecto inicial observado diz respeito pontuao do texto. sabido que o texto

    Original no tinha pontuao, a qual foi introduzida ao longo dos anos, pelas iniciativas

    da crtica textual, em seu processo de reconstruo do texto. Contudo, importante

    atentar para aspectos especficos do texto grego usado para as respectivas verses

    estudadas, a fim de perceber as influncias que o texto-fonte exerceu sobre o tradutor.

    Para fazer sua verso, Almeida utilizou o textus receptus, que no apresenta

    recorrncia de ponto final nesse trecho estudado, diferentemente do The Greek New 8 Escolheu-se o modelo de transliterao proposto por COENEN, L.; BROWN, C. (2000).

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    Testament (4 edio), utilizado como base para esta anlise. Isso significa que, do

    versculo 3 ao 14, h um nico perodo, o que pode ter influenciado a disposio da

    pontuao na ARA. Convm ressaltar que, na 2 edio da ARA, se utilizou o texto

    grego que acaba de ser transcrito, o qual apresenta ponto final nos versos 6, 10, 12 e 14.

    Todavia, talvez por influncia da edio j existente de Almeida, optou-se na 2 edio

    por conservar o texto em apenas um perodo composto de vrias oraes, tambm em

    um nico pargrafo. Esse seria um primeiro ponto interessante a ser discutido. Pode-se

    perguntar por que a ARA conserva um perodo longo. Em grego, o ponto final ocorre

    antes da expresso en h. Trata-se de um pronome relativo masculino singular do caso

    dativo, que possui a mesma funo de um pronome relativo em lngua portuguesa.

    Assim: no versculo 7, escolheu-se como correspondente o qual; no 11, escolheu-se nele

    que remete ao Amado (Cristo); e no 13, escolheu-se em quem, referente a Cristo.

    Apenas no versculo 11 foi usada a contrao nele, que corresponde preposio en

    contrada com o pronome pessoal, representando o pronome relativo grego (en h). Em

    portugus, dificilmente o pronome relativo inicia uma frase. Nesse caso, o tradutor

    pode, ento, optar por continuar o perodo usando o pronome relativo ou iniciar um

    novo perodo usando outras possibilidades de construo textual na lngua-alvo. Nota-se

    que, na ARA, o tradutor optou por conservar a construo do texto-fonte, recorrendo ao

    prprio pronome relativo o qual (v. 7) ou quem (v. 13) ou a forma contrada nele (v. 11).

    Fica evidente a priorizao do texto-fonte na conservao do pronome relativo, pois

    prioriz-lo significa manter um perodo longo, e sabido que perodos longos dificultam a

    compreenso do receptor. Assim, a ARA na medida em que prioriza a estrutura do texto-

    fonte demonstra que sua preocupao se volta mais reproduo da mensagem, como foi

    registrada, do que adequao do que foi dito lngua-alvo. A prpria estrutura, tal como

    foi disposta, revela o apego mensagem, ou melhor, ao texto-fonte.

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    Nesse longo perodo, tambm se observa a recorrncia de quatro objetos de

    discurso (NEVES, 2006) que funcionam como elemento de referncia ao longo de todo

    o texto. Dois elementos so referentes anteriormente expressos no prprio texto: Deus

    Pai, que se apresenta como o agente das aes exploradas no texto; e Cristo, que o

    meio pelo qual Deus realiza sua obra. Os outros dois so elementos da situao

    comunicativa: eu, Paulo; ns, que provavelmente se refere a Paulo e aos judeus

    convertidos; e vs, que provavelmente faz referncia aos gentios que aceitaram o

    evangelho como verdade. Cabe investigar como esses elementos so retomados, na

    ARA, ao longo do texto. Para analis-los, vamos observar quatro dos mecanismos de

    coeso propostos por Halliday e Hasan (1976, p. 526-527): referncia, elipse, conjuno

    e coeso lexical, de acordo com sua ocorrncia no texto. Aps ter sido feito um

    levantamento das principais formas remissivas em portugus, so analisadas, nas

    tradues, as formas remissivas gramaticais, que se dividem em formas remissivas

    presas ou formas remissivas livres9, conforme proposto por Koch (2007, p. 34).

    O primeiro objeto de discurso o Deus e Pai j retomado, no versculo 3, pelo

    artigo definido o. Esse artigo tambm aparece, em grego, ho theos, como um elemento

    anafrico, que faz remisso ao elemento que o precede no texto. Tambm no verso 3

    ocorre o uso de uma forma referencial, o pronome relativo que. O uso do pronome

    relativo em referncia a Deus tambm se verifica no versculo 13. Para a coeso do

    texto, ainda se recorre ao pronome pessoal de 3 pessoa, acompanhado de preposio ou

    no: perante ele (v. 4); para ele (v. 5); ele nos concedeu (v. 6). O pronome

    demonstrativo retoma Deus somente em um caso daquele (v. 11) , em que fica

    pressuposta a referncia a Deus, pois h identificao dele como aquele que faz todas as 9 Segundo Koch (2007, p. 34-35), as formas remissivas gramaticais no fornecem ao leitor/ouvinte quaisquer instrues de conexo e podem ser presas ou livres. As formas remissivas gramaticais presas so as que acompanham um nome, antecedendo-o e tambm ao(s) modificador(es) anteposto(s) ao nome dentro do grupo nominal. As formas remissivas gramaticais livres so aquelas que no acompanham um nome dentro de um grupo nominal, mas que podem ser utilizadas para fazer remisso, anafrica ou cataforicamente, a um ou mais dos constituintes do universo textual. As formas remissivas lexicais so aquelas que, alm de trazerem instrues de conexo, possuem um significado extensional, ou seja, designam referentes extralingusticos.

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    145

    coisas. Os pronomes possessivos, como elementos anafricos, tambm so usados no

    texto: o beneplcito de sua vontade (v. 5); louvor da glria de sua graa (v. 6); a

    riqueza da sua graa (v. 7); o mistrio da sua vontade (v. 9); o seu beneplcito (v. 9); o

    conselho da sua vontade (v. 11); louvor da sua glria (v. 12); louvor da sua glria.

    Tambm se pode notar que na ARA sempre se recorre traduo do termo pelo seu

    correspondente direto. Em outras palavras, se o pronome um possessivo, ser usado

    um possessivo na traduo. No se verifica uma preocupao de fazer retomadas

    lexicais, por exemplo, a fim de esclarecer ao leitor o sujeito da ao. Elas s so feitas

    quando, de fato, h necessidade. A fim de ilustrar esse fato, observe-se o primeiro

    versculo do texto:

    ARA: Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que nos tem abenoado com toda sorte de bno espiritual nas regies celestiais em Cristo...

    A partir da traduo dos correspondentes imediatos indicados pelas setas e da

    opo de construo textual feita pela ARA, pode-se notar, com clareza, alguns aspectos

    dessa verso: semelhana em relao s estruturas do texto-fonte; escolha de um

    equivalente, sem modificaes relevantes no contedo e na estrutura; conservao do

    mesmo elemento referenciador (seja qual for o pronome usado no texto-fonte) e do jogo

    de palavras: eulogtos, eulogsas e eulogia.

    Eulogtos ho thes kai patr tou kypiou

    Bendito o Deus e Pai do Senhor

    hmn Isu Christou, ho eulogsas hmas en

    nosso Jesus Cristo, o que abenoou a ns com

    pasi eulogia pneumatik en tois epouraniois en Christi

    toda bno espiritual em os (lugares) celestiais em Cristo

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    146

    Outro mecanismo de referenciao usado em relao a Deus a elipse: assim

    como nos escolheu (v. 4); em amor nos predestinou (v. 4 e 5); que propusera em

    Cristo (v. 9). Por elipse se retoma o referente Deus, que posicionado como agente.

    Em termos de coeso lexical, h apenas uma reiterao feita pelo mesmo item

    lexical, que o vocbulo Deus no verso 8, correspondendo ao uso grego do pronome

    relativo feminino singular no caso genitivo ([...] hs eperisseusen eis hmas [...]). Nesse

    caso, ocorreu a retomada lexical com a finalidade de no perder de vista o referente

    Deus, pois h um segundo objeto discursivo paralelo que tambm se apresenta em 3

    pessoa, que Cristo.

    A pessoa de Cristo introduzida, na ARA, como Senhor Jesus Cristo. Uma das

    expresses que mais retomam esse referente em Cristo (em grego, en Christ). Muitos

    estudiosos entendem a expresso como uma forma de referncia unio mstica de

    Cristo com seu povo. Alm disso, a expresso tambm pode referir-se a Cristo como

    mediador, pois, por meio dele, o propsito de Deus pde ser realizado. Os pronomes

    pessoais so usados como anafricos de Cristo e dessa unio mstica, como se observa

    em: nos escolheu, nele (v. 4); de fazer convergir nele (v. 10); nele, digo (v. 11). Usa-

    se tambm como elemento anafrico o pronome demonstrativo: [...] no Amado, no qual

    temos a redeno (v. 6 e 7), o pronome faz referncia a Amado que, por sua vez, remete

    a Cristo, por coeso lexical.

    O elemento de referncia Cristo tambm retomado, no texto, quatro vezes por

    reiterao: nas regies celestiais em Cristo (v. 3); por meio de Jesus Cristo (v. 5); que

    propusera em Cristo (v. 9); esperamos em Cristo (v. 12). H tambm uma referncia a

    Cristo por meio do particpio Amado (v. 6). importante notar que em todos os casos o

    prprio texto grego apresenta as reiteraes do elemento Cristo, com exceo do

    versculo 9. Em grego, foi usada a expresso en aut. Todavia, conservar o pronome

    nesse caso poderia provocar confuso devido ao fato de o versculo apresentar trs

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    147

    pronomes de 3 pessoa (gnrisas hmin to mystrion tou thelmatos autou, kata tn eudokian

    autou hn proetheto en aut), sendo que os dois primeiros fazem referncia a Deus. Para

    evitar ambiguidade, optou-se pela reiterao lexical do elemento Cristo.

    Os referentes Deus e Cristo so retomados por recursos lingusticos e coesivos

    semelhantes como, por exemplo, o pronome pessoal e o pronome possessivo no

    masculino singular em terceira pessoa. Todavia, a retomada desses referentes em

    perodo longo, formado por vrias oraes, pode provocar dificuldades ao receptor no

    que diz respeito identificao do referente: Deus ou Cristo? Servem de exemplo os

    versculos 5 e 6 de Efsios: nos predestinou para ele, para a adoo de filhos, por meio

    de Jesus Cristo, segundo o beneplcito de sua vontade, para louvor da glria de sua

    graa, que ele nos concedeu gratuitamente no Amado. Nesses versculos, um receptor

    que tenha pouco conhecimento da lngua poder pensar que os pronomes possessivos

    fazem referncia a Cristo, tendo em vista que o sujeito Deus est distanciado e o

    elemento de referncia Cristo est mais prximo. Se o leitor do texto no tomar cuidado

    na observao dos elementos textuais, ele poder fazer uma interpretao errada,

    colocando o fato segundo a vontade de Cristo e no segundo a vontade de Deus. O fato

    de a ARA conservar a retomada pelo mesmo item gramatical do texto grego adotado,

    no introduzindo um possvel item lexical, faz que o leitor tenha de retornar

    constantemente ao referente textual para entender o texto.

    As outras duas formas referenciadoras so exofricas, pois fazem referncia a

    elementos que esto fora do texto, ou seja, na situao do discurso (NEVES, 2000, p. 390).

    Em relao s referncias exofricas, verifica-se o uso do ns que, segundo alguns autores

    apontam, faz referncia somente a Paulo e aos judeus convertidos. J quando ocorre o uso

    do vs, faz-se referncia aos gentios que aceitaram o evangelho como verdade.

    Por meio do pronome pessoal, Paulo e os judeus so apresentados no discurso

    como objeto das bnos divinas: ou seja, se por um lado Deus o agente, ns o

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    objeto das aes divinas. Por isso, usa-se nos como objeto de verbos de ao: assim

    como nos escolheu (v. 4); nos predestinou para ele (v. 5); ele nos concedeu

    gratuitamente (v. 6); desvendando-nos (v. 9). O pronome ns em a fim de sermos para

    louvor da sua glria, ns, os que de antemo, esperamos em Cristo (v. 12) ocorre para

    marcar a presena do sujeito da orao. Desse modo, fica construda uma frase em que o

    pronome pessoal fica contguo ao pronome demonstrativo os da orao adjetiva que de

    antemo, esperamos em Cristo. Essa referncia expresso de antemo que

    possibilita o entendimento de que o autor se refere aos judeus que esperavam pelo

    Messias antes dos gentios.

    Somente ao final insere-se um outro elemento da situao comunicativa, o vs.

    Como se viu, Paulo parece referir-se, neste momento do texto, aos gentios que, somente a

    partir de Cristo, puderam ter acesso a Deus por meio do evangelho da salvao (v. 13).

    Outro mecanismo de coeso a conjuno. Ao longo do texto, verifica-se a

    presena das conjunes: assim como (v. 4); e (v. 4); e depois que (v. 13). A ARA, para

    traduzir kaths, recorre conjuno assim como, que traz a ideia de comparao assim

    como nos escolheu, nele... (v. 4) estabelecendo uma relao de igualdade entre os atos

    divinos de abenoar, escolher e predestinar. A conjuno aditiva portuguesa e, tambm

    no versculo 4, promove a conjuno entre os argumentos expressos pelos verbos

    escolher e predestinar assim como nos escolheu, nele [...] e em amor nos predestinou

    para ele... (v. 4 e 5) , contudo no h elemento conjuntivo no texto original. A outra

    conjuno temporal presente na ARA, depois que, aparece no versculo 13 e indica

    temporalidade depois que ouvistes a palavra da verdade, o evangelho da vossa

    salvao, tendo nele tambm crido, fostes selados com o Santo Esprito da promessa (v.

    13). Entretanto, no h, em grego, a presena de uma conjuno temporal. Essa escolha

    parte da forma do verbo akousantes, que est no particpio aoristo ativo. Em trecho que

    no trata especificamente do particpio aoristo, Taylor (1990, p. 87-88) afirma que

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    149

    somente o contexto pode determinar em qual das indicaes circunstanciais a ao

    expressa pelo particpio se enquadra:

    Se a ao expressa pelo particpio antecedente ou subsequente do verbo principal, isto s pode ser determinado pelo contexto, o qual tambm determina se a ideia expressa pelo particpio de tempo quando, causa por que, condies se, concesso concernente a, ou outra circunstncia relativa ao do verbo principal. A traduo depende do contexto.

    Verifica-se que se optou, na traduo, por uma construo temporal para o verbo

    akousantes, expressando anterioridade em relao ao evento da orao principal, j que se

    trata de particpio aoristo. Quanto s formas reduzida e desenvolvida da orao temporal,

    usou-se a conjuno no caso do particpio akousantes, mas recorreu-se a uma orao

    gerundial para o caso do particpio pisteusantes, que vem logo a seguir: depois que ouvistes

    a palavra da verdade, o evangelho da vossa salvao, tendo nele tambm crido (v. 13).

    Pela anlise dos elementos do texto, pode-se perceber que, em termos de

    construo textual, a ARA prende-se mais estrutura do original do que estrutura da

    lngua-alvo. Busca-se conservar os correspondentes em termos de classe gramatical,

    como se viu, por exemplo, no uso do pronome relativo e das preposies. Evitam-se

    reiteraes lexicais dos referentes, que poderiam esclarecer ao leitor a que elemento se

    refere o pronome possessivo. Conforme a teoria de Nida e Taber (1982), a ARA segue o

    princpio da equivalncia formal, em que h uma preocupao primordial com a

    mensagem, visando a conservar a construo textual do texto grego adotado. Essa

    aproximao da traduo ao texto-fonte provoca dificuldades para o leitor moderno,

    acostumado com perodos curtos, de fcil compreenso.

    A NTLH, como uma traduo que tem como proposta a equivalncia dinmica,

    no segue o princpio da literalidade, baseando-se mais na fluncia do texto para o

    receptor do que na reproduo das palavras e estruturas correspondentes ao texto-fonte.

    Por isso, no se pode pensar nessa verso a partir da ideia de correspondncia com o texto

    grego adotado, em termos de emprego das mesmas classes gramaticais. Ela no se prende

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    forma, mas, sim, ao contedo. Trata-se, portanto, de uma traduo diferente da ARA.

    Cabe ressaltar que esta verso adota o texto grego The Greek New Testament (3 edio).

    (1) 3 Agradeamos ao Deus e Pai do nosso Senhor Jesus Cristo, pois ele nos tem abenoado por estarmos unidos com Cristo, dando-nos todos os dons espirituais do mundo celestial. (2) 4 Antes da criao do mundo, Deus j nos havia escolhido para sermos dele por meio da nossa unio com Cristo, a fim de pertencermos somente a Deus e nos apresentarmos diante dele sem culpa.

    (3) Por causa do seu amor por ns, 5 Deus j havia resolvido que nos tornaria seus filhos, por meio de Jesus Cristo, pois este era o seu prazer e a sua vontade. (4) 6 Portanto, louvemos a Deus pela sua gloriosa graa, que ele nos deu gratuitamente por meio do seu querido Filho. (5) 7 Pois, pela morte de Cristo na cruz, ns somos libertados, isto , os nossos pecados so perdoados. (6) Como maravilhosa a graa de Deus, 8 que ele nos deu com tanta fartura!

    (7) Deus, em toda a sua sabedoria e entendimento, 9 fez o que havia resolvido e nos revelou o plano secreto que tinha decidido realizar por meio de Cristo. (8) 10 Esse plano unir, no tempo certo, debaixo da autoridade de Cristo, tudo o que existe no cu e na terra.

    (9) 11 Todas as coisas so feitas de acordo com o plano e com a deciso de Deus. (10) De acordo com a sua vontade e com aquilo que ele havia resolvido desde o princpio, Deus nos escolheu para sermos o seu povo, por meio da nossa unio com Cristo. (11) 12 Portanto, digo que ns, que fomos os primeiros a pr a nossa esperana em Cristo, louvemos a glria de Deus.

    (12) 13 A mesma coisa aconteceu tambm com vocs. (13) Quando ouviram a verdadeira mensagem, a boa notcia que trouxe para vocs a salvao, vocs creram em Cristo. (14) E Deus ps em vocs a sua marca de proprietrio quando lhes deu o Esprito Santo, que ele havia prometido. (15) 14 O Esprito Santo a garantia de que receberemos o que Deus prometeu ao seu povo, e isso nos d a certeza de que Deus dar liberdade completa aos que so seus. (16) Portanto, louvemos a sua glria.

    Como se pode observar, a NTLH apresenta 16 perodos divididos em cinco

    pargrafos. O uso de perodos curtos denota a preocupao de fazer que o texto seja

    claro, um texto em que o leitor no tenha dificuldades de entender as referncias feitas

    aos elementos do texto.

    Assim como foram verificadas as escolhas feitas em relao ao pronome relativo

    nos versculos 7, 11 e 13 da ARA tambm so observadas, nesta anlise, as opes da

    NTLH. No versculo 7, a frase comea com a conjuno pois que desencadeia uma

    explicao referente ao enunciado anterior. A NTLH usa o adendo como recurso, a

    que se refere Neves (2006, p. 235) com a seguinte indicao: muito frequentemente os

    satlites adverbiais pospostos funcionam como adendos, isto como segmentos trazidos

    pelo falante aps pausa que indicaria encerramento de um ato de fala. H, portanto,

    nesse adendo (ingls: afterthought), uma pausa cuja representao indica coerncia

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    pragmtica no discurso, na medida em que leva o leitor a uma nova afirmao. Dessa

    forma, no h uma relao direta de dependncia com a orao principal, mas uma

    relao interacional discursiva que posiciona o interlocutor diante de uma informao

    nova. Talvez isso ocorra pelo fato de a NTLH optar pela reproduo de uma linguagem

    mais prxima que usada pelo falante. No versculo 11, a expresso en h, cujo

    pronome relativo se refere a Cristo, esclarecida pela sentena por meio da nossa unio

    com Cristo. Assim, na traduo, explora-se o conceito cristo de unio mstica de Cristo

    com seu povo, esclarecendo os leitores quanto ao sentido de estar em Cristo. Esse fato

    tambm ocorre nos versculos 3 e 4. No verso 13, h uma substituio por a mesma

    coisa aconteceu tambm com vocs, que retoma, de forma geral, o que foi dito. Em

    nenhum dos casos o pronome relativo grego h retomado pelo mesmo correspondente

    gramatical em lngua portuguesa. Isso demonstra que a traduo no est presa forma,

    mas, sim, transmisso e compreenso do contedo.

    A todo momento, o referente Deus retomado, ora por reiterao, ora por uma

    forma gramatical referencial. Verifica-se a reiterao do mesmo item lexical doze vezes

    na NTLH: Deus j nos havia escolhido (v. 4); a fim de pertencermos somente a Deus

    (v. 4; ver tambm versculos 5, 6, 7, 8, 11, 12 e 14). Essa repetio, alm de deixar o

    leitor a todo momento informado sobre o sujeito das aes apresentadas, revela uma

    aproximao com os mecanismos prprios da linguagem falada. H, portanto, uma

    tentativa de fazer que o receptor tenha o mesmo impacto que o texto original

    proporcionou em sua poca.

    H sete anforas feitas por pronomes pessoais: pois ele nos tem abenoado (v. 3);

    para sermos dele (v. 4); e nos apresentarmos diante dele sem culpa (v. 4; ver tambm

    versculos 6, 8, 11 e 13). E tambm se verificam doze retomadas feitas por pronomes

    possessivos: Por causa do seu amor por ns (v. 4); Deus j havia resolvido que nos

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    tornaria seus filhos (v. 5); pois este era o seu prazer e a sua vontade (v. 5; ver tambm

    versculos 6, 8, 11, 13 e 14).

    Essa insistncia no uso de elementos coesivos refora novamente a tentativa de a

    todo momento relembrar ao receptor o referente Deus, que o agente do texto. Dessa

    forma, a traduo conforma-se realidade de qualquer leitor, seja ele instrudo ou no.

    No se discute, neste caso, se esse enfoque correto ou no, mas, sim, a sua clareza em

    termos de comunicao.

    Do mesmo modo, so feitas referncias ao nome Cristo ao longo do texto: por meio

    de Jesus Cristo (v. 5; ver tambm versculos 7, 9, 10 e 12). Alm dessas referncias

    lexicais ao nome de Cristo, h, na NTLH, uma interpretao da expresso em Cristo.

    Como foi visto, a expresso substituda pela ideia de unio com Cristo. Outro fato

    interessante encontra-se no sintagma nominal en t gapmen, traduzido nas demais

    verses analisadas, por no Amado. Na NTLH, o sintagma traduzido por por meio do seu

    querido Filho. A palavra filho uma forma geral de aludir posio de Cristo na

    trindade, e um termo mais comum que Amado. Como uma ideia comum a conscincia

    de que Cristo filho de Deus, optou-se por seu uso acompanhado do adjetivo querido.

    Em relao s referncias exofricas, a NTLH tambm escolhe usar a variante

    vocs para a 2 pessoa do plural, retomando-a trs vezes: Quando ouviram a verdadeira

    mensagem, a boa notcia que trouxe para vocs a salvao, vocs creram em Cristo. E

    Deus ps em vocs a sua marca de proprietrio (v. 13). A repetio ressalta o

    interlocutor, fazendo-o identificar-se com a ao de Deus em seu favor. O outro

    referente de primeira pessoa do plural assim como na ARA tambm se apresenta no

    texto por meio de: a) pronomes pessoais - pois ele nos tem abenoado (v. 3; ver tambm

    versculo 4); b) possessivos - Agradeamos ao Deus e Pai do nosso Senhor Jesus Cristo

    (v. 3); por meio da nossa unio com Cristo (v. 4; ver tambm versculo 12); c) elipses -

    para sermos dele (v. 4); a fim de pertencermos somente a Deus (v. 4; ver tambm

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    versculo 11). O uso da elipse evitado, sendo esse um recurso mais usado em oraes

    reduzidas de infinitivo, em que comum, em portugus, a omisso do sujeito.

    Alm de a NTLH apresentar diversos elementos remissivos em relao aos

    referentes do texto em estudo, ela traz ao receptor outros referentes relevantes, como se

    v, por exemplo, nos versculos 8, 9 e 10, em que se apresenta o objeto de discurso o

    plano secreto de Deus, que retomado em um outro perodo como sujeito: Deus, em

    toda a sua sabedoria e entendimento, fez o que havia resolvido e nos revelou o plano

    secreto que tinha decidido realizar por meio de Cristo. Esse plano ... (v. 8, 9 e 10). A

    referncia realizada pelo pronome demonstrativo e por reiterao lexical, sendo includa

    em um novo perodo, sugere a busca por explicitar ao leitor o tema referido, o que no

    acontece na ARA.

    O mesmo ocorre, na NTLH, com o referente Esprito Santo, citado nos versculos

    13 e 14. Na ARA, retoma-se esse referente pelo pronome relativo: com o Santo Esprito

    da promessa, o qual o penhor da nossa herana (ARA). J na NTLH, usa-se como

    forma remissiva a reiterao do mesmo item lexical Esprito Santo em um novo

    perodo: E Deus ps em vocs a sua marca de proprietrio quando lhes deu o Esprito

    Santo, que ele havia prometido. O Esprito Santo a garantia (v. 13 e 14). Nessa

    anlise dos referentes, pode-se notar que a NTLH tende a fazer constantemente

    reiteraes lexicais, recorrendo, preponderantemente, a expresses lexicais ao invs de

    expresses gramaticais. Essa retomada por sintagma nominal traz novamente para o

    primeiro plano a descrio do referente.

    Outro ponto importante na NTLH est no uso de conjunes e preposies. Essa

    traduo no est presa aos conectivos do texto original, e tende a inserir elementos

    circunstanciais formando satlites da predicao. Verificam-se cinco recorrncias de

    construes: a) finais - a fim de, que expressa a ideia de finalidade - a fim de

    pertencermos somente a Deus (v. 4); b) temporais - quando, usada duas vezes no

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    mesmo versculo: Quando ouviram a verdadeira mensagem, a boa notcia que trouxe

    para vocs a salvao, vocs creram em Cristo. E Deus ps em vocs a sua marca de

    proprietrio quando lhes deu o Esprito Santo, que ele havia prometido. (v. 13). Esse

    verso 13 ampliado em dois perodos em relao ao que se pode verificar nas outras

    duas verses; c) causais: representada por oraes cuja finalidade esclarecer o que foi

    dito na predicao - pois este era o seu prazer e a sua vontade. (v. 5); Pois, pela morte

    de Cristo na cruz, ns somos libertados (v. 7).

    Alm dessas, h inseres de construes: a) conclusivas - Portanto, louvemos a

    Deus pela sua gloriosa graa (v. 6; ver tambm versculos 12 e 14) b) aditivas - e nos

    revelou o plano secreto (v. 9; ver tambm versculos 11, 13 e 14). A construo com o

    elemento portanto bastante usada na NTLH, por introduzir um enunciado de valor

    conclusivo em relao ao que foi dito. A concluso, em geral, aparece, na NTLH, ligada

    a verbos no imperativo ou subjuntivo, expressando desejo, ordem, conselho e, de certa

    forma, induzindo o leitor a agir diante do que foi proposto.

    Como se viu, na NTLH h a interpretao da expresso en t Christ - em Cristo

    pelo conceito de unio em Cristo (v. 3, 4, 11). Todavia, em um segundo momento, no

    verso 10, atribui-se expresso um outro sentido: debaixo da autoridade de Cristo.

    Nesse caso, a NTLH no se prende a apenas uma interpretao para a expresso,

    oscilando entre sentidos que sejam compatveis com o texto-fonte.

    Diante dessas observaes, verifica-se, portanto, que a NTLH no conserva as

    estruturas e a construo sinttica da lngua-fonte, recorrendo a elementos

    circunstanciais e a recursos mais prprios do nvel dos atos de fala. Nota-se que o

    processo de traduo na NTLH no se vincula forma do texto-fonte. Nessa traduo, a

    preocupao reside em estabelecer elementos gramaticais e lexicais que facilitem o

    entendimento do texto. A repetio de palavras, o emprego de frases curtas, a

    interpretao de expresses servem ao propsito da traduo que, como se verificou,

  • Lngua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) M Joo Maralo & M Clia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, M do Cu Fonseca, Olga Gonalves, Ana LusaVilela, Ana Alexandra Silva Copyright 2010 by Universidade de vora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 32 As interfaces da gramtica.

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    tornar o texto equivalente ao original, no no aspecto formal, mas, sim, na fluncia do

    portugus falado pelos brasileiros na atualidade. Todavia, esse distanciamento da

    linguagem das tradues que, at hoje, foram usadas no meio evanglico faz dela

    apenas um instrumento evangelstico, ou seja, a traduo serve quele que no conhece

    uma traduo cannica apropriada para a leitura e para o estudo.

    Em virtude de sua tradio, a ARA mantm sua posio como uma traduo

    tradicionalmente privilegiada. J a NTLH, por sua vez, visa a tornar o texto acessvel a

    qualquer pessoa, de forma que no haja empecilhos compreenso. Pelo uso de linguagem

    comum, parfrases e outros recursos, que provocam um distanciamento da linguagem da

    ARA, a NTLH acaba sendo usada e indicada para um pblico especfico, de novos

    convertidos. Sua funo passa a ser de cunho evangelstico, servindo o texto como mediador,

    at que o leitor possa usar a verso adotada pela comunidade religiosa (em geral, a ARA).

    No se pode, portanto, determinar qual traduo alcanaria mais o leitor do texto

    sagrado. Talvez a existncia de vrias tradues revele, na verdade, vrias linguagens

    que interagem no apenas com pblicos especficos mas tambm com situaes

    especficas. Os diferentes enfoques tradutrios atendem a diferentes necessidades e

    cumprem seu papel na medida em que, como forma de expresso, alcanam sua funo

    comunicativa.

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