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ResenhaCássio Campos Neves

Trabalho de aproveitamento do módulo de Antropologia Cultural – Programa de Mestrado em Divindade (Magister Divinitatis – M.Div.)

Hiebert, Paul G., O Evangelho e a Diversidade das Culturas: um guia de antropologia missionária, trad. Maria Alexandra P. Contar Grosso. São Paulo, Vida Nova, 1999. 307 pp.

Esta obra de Paul Hiebert é uma das mais notáveis no ramo da antropologia

aplicada a missões transculturais. O livro é uma ferramenta para todos aqueles que,

enraizados no amor de Deus e em sua glória, experimentaram o seu chamado para

missões e necessitam compreender a realidade das culturas para as quais o Senhor os

enviou, dando a eles uma introspecção no mundo da comunicação transcultural do

evangelho, conduzindo-os não somente à compreensão de outras culturas, mas também

à “compreensão de si mesmos ao penetrarem nelas” (pp.9-10).

O Rev. Dr. Paul G. Hiebert foi missionário na Índia por vários anos. Ensinou

antropologia em universidades seculares e posteriormente ensinou missões e

antropologia no Seminário Fuller, (1977-1990) e no Trinity Evangelical Divinity School

foi um diferenciado professor de antropolgia e missões desde 1990 até sua morte em

2007.

Nesta obra em especial, cujo título original é “Anthropological Insights for

Missionaries”, o autor faz uso de sua ampla experiência missionária na Índia para

auxiliar as novas gerações de missionários na difícil e, muitas vezes, obscura tarefa de

entrar em uma nova cultura. Seu desejo era transmitir todo o seu aprendizado para

aqueles que haveriam de suceder sua geração (pp.10).

O autor estrutura a sua obra de forma clara e a divide em quatro partes distintas.

Na primeira parte expõe a antropologia como ferramenta importante no auxílio do

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missionário na tarefa da comunicação transcultural e meta-histórica do evangelho. Para

o autor, o missionário necessita entender o evangelho em seu ambiente histórico e

cultural, ter um claro entendimento de si mesmo enquanto pessoa que tem uma cultura

própria e entender o povo a quem serve em contextos históricos e culturais distintos. A

relação entre a missiologia e a antropologia passa pela compreensão e preocupação

mútua com a diversidade e a unidade do ser humano e alcança a visão holística pela

qual tanto a missiologia quanto a antropologia precisam fazer opção clara por ver o

homem como um ser integral e indivisível que tem toda a sua vida influenciada pelas

várias camadas estruturais a que está exposto. Por sua vez, o evangelho é a revelação de

Deus comunicado por meio de culturas humanas sem a perda de seu caráter divino. Ao

mesmo tempo que o evangelho deve ser separado de todas as culturas humanas, ele

sempre deve ser expresso em formas culturais. Não se pode comunicar o evangelho

desassociado dos idiomas, símbolos e rituais dos receptores. Quando o evangelho que

não é cultura é comunicado em formas culturais ele funciona como um propulsor de

mudanças na cultura receptora.

Na segunda parte o autor analisa os efeitos das diferenças culturais sobre o

missionário (capítulos 3 a 6) que tem uma árdua caminhada desde o choque cultural

frente à nova realidade a que está exposto após o período em que se finda o romantismo

até o nível de identificação em que ele compreende o valor das pessoas a quem ele serve

e passa a amá-las. No entanto, a caminhada só será bem sucedida se o missionário

estiver disposto a estudar detalhadamente a nova cultura para entendê-la da mesma

forma como a entendem os que dela fazem parte, bem como entender a sua própria

cosmovisão, pois, afirma o autor, “se quisermos descobrir os mal-entendidos e o

etnocentrismo que surgem quando servimos em uma outra cultura também devemos

estudar nossa própria cosmovisão... só então podemos construir pontes de entendimento

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e aceitação com as pessoas locais” (pp. 111, 112).

Na terceira parte o autor analisa como as diferenças culturais influenciam a

mensagem do missionário na sua comunicação transcultural (capítulos 6 a 8). Caso o

missionário não considere que “as diferenças culturais afetam não só os mensageiros,

mas também a mensagem” (pp.142) ele poderá ter sérias dificuldades de transmitir o

evangelho de forma compreensível. “Nenhuma língua é imparcial, nenhuma cultura é

teologicamente neutra”, afirma o autor. É necessário que os mensageiros utilizem

formas que as pessoas entendam, traduzindo a mensagem para que produza o mínimo de

distorção, o que será alcançado com uma contextualização crítica que objetiva oferecer

ferramentas para que o povo daquela cultura produza o seu próprio arcabouço teológico.

É necessário que a nova igreja aprenda a pensar e chegue à maturidade teológica a partir

de sua própria reflexão, respondendo a questões que estão ausentes em outras culturas.

Isto certamente implica em algum tipo risco, sobretudo de desvios teológicos, mas “se

pelo medo de que abandonem a verdade não permitirmos que elas procedam assim,

estaremos condenando-as à infância e à morte prematura”, defende o autor.

Finalmente, na quarta parte o autor analisa como as diferenças culturais afetam a

comunidade bicultural dentro da qual os missionários e os nacionais trabalham

(capítulos 9 a 11). “A comunicação entre as pessoas em culturas diferentes não ocorre

no vácuo, mas sempre dentro do contexto dos relacionamentos sociais” (pp.229), afirma

o autor. Desta forma a comunicação transcultural do evangelho criará uma comunidade

bicultural que é definida pelo autor como “uma sociedade localizada, na qual as pessoas

de diferentes culturas se relacionam mutuamente com base em papéis sociais bem

definidos” (pp.230). Com o tempo cria-se uma nova cultura que extrai idéias,

sentimentos e valores de ambas. Surge uma cultura que não é nem “nativa” nem

“estrangeira”, mas constituída de nativos e estrangeiros. Para o autor, do

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desenvolvimento de uma comunidade bicultural saudável em seus relacionamentos

dependerá o sucesso do trabalho missionário, pois “a comunidade bicultural é a ponte

pela qual o evangelho atravessa de uma cultura para outra” (pp.254). O missionário

precisa ter bem definido qual a sua posição e o seu papel dentro da nova cultura em que

está inserido “é importante lembrar que o papel multifacetado que qualquer missionário

assume irá, em grande medida, modelar seu relacionamento com as pessoas a quem

serve” (pp.285).

A tarefa de levar o evangelho às culturas está inacabada. Com as mudanças

constantes sofridas pelo mundo e suas culturas, a igreja precisa se colocar na

dependência exclusiva de Cristo acreditando que a tarefa é sua. Ninguém pode ousar se

desviar da responsabilidade (pp. 297).

O autor trabalha as culturas como sistemas de idéias bem como as estruturas

sociais como sistemas de relações humanas organizadas analisando como elas afetam a

comunicação do evangelho. A partir de uma excelente abordagem antropológica, o

autor faz uma leitura simples e realista da realidade das missões cristãs. Paul Hiebert

compreendeu o caminho da obra missionária transcultural e com delicadeza e maestria

definiu conceitos e estabeleceu princípios. Esta obra precisa ser lida e estudada por

todos aqueles que dedicam suas vidas ao trabalho missionário, por todos aqueles que

ouviram a Grande Comissão do Senhor e decidiu responder “com uma vida de

discipulado que esteja pronta a suportar o custo e o sofrimento exigidos pela obediência

ao chamado de Deus” (pp.297).