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A transformação espacial da Zona Portuária do Rio de Janeiro: o projeto Porto Maravilha como instrumento de segregação espacial Mayara Rangel Silva Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro [email protected] Maria Luíza Silva Universidade do Estado do Rio de Janeiro [email protected] INTRODUÇÃO A Zona Portuária, compreendida pelos bairros da Gamboa, Saúde, Santo Cristo e Caju, por muito tempo foi uma área de extrema importância para a cidade do Rio de Janeiro, visto que foi palco para ação de importantes momentos históricos, especialmente durante o período em que a cidade não ultrapassava os limites do chamado “Centro do Rio” e sua zona periférica. Logo, as intervenções que ocorreram na Zona Portuária no decorrer do processo de desenvolvimento da cidade do Rio de Janeiro foram decorrentes de ações pontuais. Ao longo da história, essa região não acompanhou o ritmo de transformação do restante da cidade, ou seja, através do processo ininterrupto de construção, demolição e reconstrução. Lá, não foram derrubadas casas para levantar arranha-céus; ao contrário, uma vez estabelecidas, aquelas formas se cristalizavam, preservando através da sua paisagem o passado da cidade. Nesse sentido, sendo a primeira centralidade da cidade e local onde ainda hoje encontra-se o Porto do Rio de Janeiro, o quarto maior do Brasil, o processo de degradação foi se constituindo através do tempo. Apesar de seu estado de penúria, a Zona Portuária carioca não perdeu seu potencial estratégico devido à facilidade de transportes e por situar-se próxima ao Centro da Cidade. É a partir desse potencial econômico da Zona Portuária que o poder público retoma seu olhar para a região, discursando sobre a necessidade de uma revitalização urbana, incorporando-a a uma lógica empresarial que vem sendo aplicada ao espaço

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A transformação espacial da Zona Portuária do Rio de Janeiro: o projeto Porto

Maravilha como instrumento de segregação espacial

Mayara Rangel Silva Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

[email protected]

Maria Luíza Silva Universidade do Estado do Rio de Janeiro

[email protected]

INTRODUÇÃO

A Zona Portuária, compreendida pelos bairros da Gamboa, Saúde, Santo Cristo e Caju,

por muito tempo foi uma área de extrema importância para a cidade do Rio de Janeiro,

visto que foi palco para ação de importantes momentos históricos, especialmente

durante o período em que a cidade não ultrapassava os limites do chamado “Centro do

Rio” e sua zona periférica. Logo, as intervenções que ocorreram na Zona Portuária no

decorrer do processo de desenvolvimento da cidade do Rio de Janeiro foram decorrentes

de ações pontuais.

Ao longo da história, essa região não acompanhou o ritmo de transformação do restante

da cidade, ou seja, através do processo ininterrupto de construção, demolição e

reconstrução. Lá, não foram derrubadas casas para levantar arranha-céus; ao contrário,

uma vez estabelecidas, aquelas formas se cristalizavam, preservando através da sua

paisagem o passado da cidade. Nesse sentido, sendo a primeira centralidade da cidade e

local onde ainda hoje encontra-se o Porto do Rio de Janeiro, o quarto maior do Brasil, o

processo de degradação foi se constituindo através do tempo.

Apesar de seu estado de penúria, a Zona Portuária carioca não perdeu seu potencial

estratégico devido à facilidade de transportes e por situar-se próxima ao Centro da

Cidade. É a partir desse potencial econômico da Zona Portuária que o poder público

retoma seu olhar para a região, discursando sobre a necessidade de uma revitalização

urbana, incorporando-a a uma lógica empresarial que vem sendo aplicada ao espaço

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urbano. A denominada revitalização, que hoje vem atraindo muitos olhares para essa

área, não é uma novidade e já vem sendo proposta por governos anteriores, porém

nunca houve uma situação que permitisse a concretização desse projeto tão grandioso.

Em 2009, configurou-se a situação favorável a esse tipo de intervenção, já que se

constituiu uma aliança inédita entre os governos Federal, Estadual e Municipal. Com

isso, cada ente federativo se comprometeu, dentro de suas competências, a dar

continuidade a esse projeto de revitalização. A escolha do Brasil como sede da Copa de

2014 e do Rio de Janeiro como sede das Olimpíadas de 2016 também foram

fundamentais para toda a transformação pela qual a Zona Portuária do Rio de Janeiro

está passando.

O Projeto “Porto Maravilha” já está avançado, e é gerido pela maior Parceria Público-

Privada do país, chamada “Operação Urbana Consorciada do Porto do Rio de Janeiro”.

As principais diretrizes, ações e métodos de intervenção do projeto foram determinados

pela Lei Complementar n° 101/09, uma lei municipal aprovada por iniciativa do

governo municipal.

OBJETIVOS

Tendo em vista a concretização do Projeto “Porto Maravilha” que já vem alterando

profundamente a paisagem da região portuária, este estudo pretende analisar as

transformações na zona portuária associadas a projetos de “revitalização”, baseados em

modelos de sucesso que têm sido reproduzidos em várias cidades do mundo, buscando

entender a produção e concepção deste espaço em contraposição com o que ele

representa na perspectiva do espaço vivido - visto que a região é ocupada

principalmente por moradores de baixa renda.

De forma geral, pretendemos analisar a Zona Portuária do Rio de Janeiro no contexto do

processo de metropolização do espaço e das transformações pelas quais vem passando

atualmente, devido à implementação das obras do Projeto “Porto Maravilha”.

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METODOLOGIA

Para auxiliar nesse estudo, acreditamos que pensar as cidades e o urbano a partir do

debate marxista, obviamente não de forma dogmática, e de sua associação com o

reconhecimento dos interesses de classes, ainda contribui bastante para desvelar a

realidade. O pensamento dialético parte da compreensão dos processos, dos fluxos e das

inter-relações. Por isso, somente é possível entender os atributos, sejam eles qualitativos

ou quantitativos, daquilo que se almeja estudar através da compreensão dos processos e

relações que aquilo venha a internalizar. Portanto, é preciso esclarecer que estaremos

trabalhando, no que tange ao método, a partir do materialismo histórico dialético,

buscando as tensões, os conflitos; os momentos em que se encontram homogeneização,

fragmentação e hierarquização, aproximações e afastamentos, ordem e desordem,

conformação e inconformismos, imobilismos e (re)ação.

Diante disso, utilizamos Carlos (2005) para entender que toda essa dinâmica imposta à

Zona Portuária é fruto de uma nova concepção de cidade e de planejamento urbano,

onde novas formas de poder estão sendo redefinidas no Brasil e na América Latina pela

ação de diferentes grupos multilaterais e por consultores internacionais que submetem

as cidades às mesmas lógicas que as empresas. As cidades se expressam pelo fato de

ainda serem instrumentos de acumulação e lócus da reprodução do capital. É através

desse modelo empreendedor de cidade, no qual a produção e a gestão do espaço o

transformam em mercadoria a ser vendida no circuito mundial, que se revela o objetivo

mercadológico da cidade contemporânea.

Vainer (2000, 2011) também dá importante contribuição para a pesquisa. Sob a égide do

planejamento estratégico, gerido pelo Estado para criar tal cenário, que as cidades estão

sendo vistas e pensadas como empresas, através adoção, por parte do poder público, de

um “gerenciamento de cidade” que prioriza parcerias público-privadas e novas relações

entre o poder público, o capital financeiro e o imobiliário (VAINER, 2011). E também

como mercadorias a serem vendidas em um mercado extremamente competitivo, cujo

poder público, por meio dos planos estratégicos, devem promover a venda das cidades a

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partir dos insumos valorizados pelo capital internacional e a abertura seletiva para

visitantes com alta capacidade de gastos (VAINER, 2000).

Entretanto, para que esta lógica seja efetivamente posta em prática é juntamente

necessário constituir um arcabouço ideológico de imagem da cidade, colocando as

chamadas “cidades-modelos” como verdadeiros símbolos de promoção e legitimação de

certos projetos de cidade. Esses projetos são difundidos como emblemas da época

presente. Segundo Sánchez (2001), a imagem publicitária desses modelos, e seus pontos

de irradiação são difundidos pelas instâncias políticas de produção de discursos:

governos locais em associação com as mídias e instituições supranacionais.

Uma das maneiras de difusão dessa lógica de cidade se deu através das intervenções

urbanas em áreas portuárias centrais, propondo investimentos para a ocupação dos

“vazios urbanos” e a requalificação dos espaços. Deste modo, as transformações

portuárias se tornaram uma nova forma de reprodução das ações capitalistas, agora

revestidas pelo discurso da “revitalização” e validadas por esses modelos que

influenciaram toda uma mudança nas políticas urbanas do Brasil e do mundo de uma

forma geral.

O sucateamento dos tradicionais portos e a queda das atividades industriais próximas às

áreas portuárias, em geral localizadas na área central das cidades, acabaram por deixar

ociosas grandes extensões de terra muito bem localizadas e bem servidas de

infraestrutura urbana (FERREIRA, 2011), que justificaram o discurso da requalificação

das áreas centrais. Dentre as cidades que passaram por esse tipo de revitalização e se

tornaram “modelos” desse tipo de intervenção, destacam-se as grandes obras na frente

marítima de Boston e no porto de Baltimore, onde Ferreira (2011) ressalta os grandes

investimentos no intuito de transformar essas áreas abandonadas em locais propícios

para alavancar o turismo, combinando atividades de cultura, lazer, shoppings e

habitações para população de alta renda.

O exemplo norte-americano motivou e inspirou a revitalização urbana da decadente

zona portuária britânica. Contando com a crucial ajuda do poder público, através do

governo Thatcher, as Docklands passaram por um profundo processo de requalificação

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que impulsionou os preços fundiários e imobiliários e atraiu investimentos que

contribuíram para um contraste social e segregação espacial. Desta maneira, a

experiência das Docklands revela que esse modelo urbanístico, fundado na estratégia de

atrair investimentos públicos e privados, pode conduzir ao sucesso comercial e ao

fracasso social, criando verdadeiros enclaves territoriais de ricos.

Já a cidade de Barcelona, que sofreu sua reestruturação urbana por meio da realização

dos Jogos Olímpicos de 1992, contou com um slogan de “abertura da cidade para o

mar”, altamente propagandeado, com a construção do complexo Maremagnum, com

shopping e salas de cinema IMAX3D e um aquário, e intervenções que iam de

reestruturação do sistema viário e de redescobrimento da fachada marítima até a

construção de edifícios de escritórios e apartamentos e criação de áreas verdes

(COMPANS, 2004).

Esse modelo urbanístico, fundado através da parceria público-privada, foi alimentado

pela especulação imobiliária, no qual os preços fundiários atingiram níveis absurdos que

levaram a uma migração das classes menos favorecidas para a periferia. A dinâmica

extraordinária da renovação urbana de Barcelona tomou grande repercussão, um

exemplo disso foi a reprodução dessa lógica em Lisboa, com a Expo’98.

Tais projetos foram copiados para as regiões portuárias na América do Sul. Erguendo-se

no cenário mundial, a cidade do Rio de Janeiro vem articulando o público e o privado,

mergulhando a mesma em uma lógica empresarial, tratando-a como mercadoria. Atuam,

nesse sentido, projetos como o “Porto Maravilha”.

Seguindo, percebemos a necessidade de mostrar a linha tênue entre apropriação e

dominação presente na Zona Portuária e no “Porto Maravilha”.

A área que compreende a Zona Portuária do Rio de Janeiro ocupa 850,84 ha, e abriga

uma população de 39.973 habitantes, de acordo com o censo de 2000 realizado pelo

IBGE. O abandono por parte do poder público devido à perda de seu valor especulativo

em tempos pretéritos permitiu um uso predominantemente residencial, visto que a

proporção para este uso, segundo o Instituto Pereira Passos (2009), corresponde a

51,28% e, para fins não-residenciais, corresponde a 48,72%. As moradias, em geral

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populares, abrangem um número considerável de cortiços e ocupações de grupos sem-

teto. Além do uso residencial, o espaço da região portuária abriga um conjunto de

atividades econômicas que dinamizam o espaço e a circulação local. Dentre as

atividades desenvolvidas, é possível perceber certa homogeneidade em sua distribuição,

tratando-se de pequenas oficinas e lojas, e uma grande quantidade de estabelecimentos

informais (camelôs), revelando a predominância de uma população de baixa renda e sua

função para o desenvolvimento de pequenas atividades comerciais.

Os bairros da Zona Portuária guardam muitas marcas do início do século XX. Podem-se

encontrar sobrados, galpões e vilas operárias remanescentes do período industrial,

edificações art déco e modernistas, que se misturam com os conjuntos habitacionais

populares e às favelas, dando um aspecto de diversidade à área. Entretanto, também se

predomina a obsolescência e o abandono causados pela perda da importância do Porto

do Rio de Janeiro e da perda de valorização dessa localidade.

Através de um discurso de revitalização de áreas degradadas e de fortalecimento da

identidade carioca, o Projeto “Porto Maravilha” surge como possível solução para os

problemas de degradação da área, atraindo investidores e, ao mesmo tempo,

promovendo a cidade para seus próprios habitantes, conferindo um discurso

empreendedor que dá novas funções para as cidades, onde a produção e gestão do

espaço contemporâneo parecem estar transformando a cidade cada vez mais em

mercadoria a ser vendida através de políticas de marketing dignas de uma grande

empresa (SÁNCHEZ, 2003).

Tratando-se de uma operação urbana realizada pela parceria público-privada,

envolvendo articulações de diversos grupos econômicos (setores imobiliários, de

transportes, de turismo, de construtoras e de prestadoras de serviços junto com as

diferentes instâncias de governo), o Porto Maravilha propõe um rearranjo espacial para

a área, através da criação de um grande polo turístico, comercial e residencial, e um

plano imobiliário do que prevê a instalação de grandes torres corporativas, hotéis e

residências de luxo.

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Para tanto, a prefeitura promoveu a venda dos “Certificados de Potencial Adicional de

Construção” (CEPACs), títulos que dão aos empreendedores direitos construtivos acima

dos parâmetros de gabarito previstos em lei (coeficiente de aproveitamento básico),

atingindo então o coeficiente de aproveitamento máximo dos terrenos da Zona

Portuária. Esses CEPACs foram arrematados em leilão pela CAIXA pelo valor de R$

3,5 bilhões e já foram, em maioria, colocadas no mercado. Com isso, o valor angariado

está sendo utilizado nas obras de infraestrutura necessárias para a consolidação geral do

projeto.

Ao mesmo tempo, a prefeitura também promoveu por meio de lei já aprovada e

sancionada a mudança de todo o gabarito imobiliário da região através da qual passa a

autorizar a construção por parte da iniciativa privada de prédios de até 50 andares na

região, incluindo trechos dos bairros de São Cristóvão, Cidade Nova, Saúde Gamboa,

Caju e Santo Cristo, mostrando como é proveitoso o projeto para o setor privado.

Fazendo análise do Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) do projeto, é possível

observar alguns equívocos. O Estudo ignora o fato de que a valorização imobiliária

prevista pelo projeto gerará movimentos especulativos e acabará por expulsar

(indiretamente) em curto prazo os moradores residentes de aluguel e, em longo prazo,

os que possuem pequenas propriedades, pela elevação dos valores dos imóveis e dos

impostos, ainda que neste último caso haja uma capitalização dos proprietários.

A não participação efetiva da população do lugar, tanto na elaboração do EIV quanto na

elaboração do próprio Projeto “Porto Maravilha”, nos mostra também como esse último

é imposto para os moradores que, em sua maioria, desconhecem o projeto. Durante

participações em reuniões do Fórum Comunitário do Porto e trabalhos de campo na

região, no qual foi possível estabelecer um diálogo com moradores, membros de

associações e pesquisadores, observamos a angústia de muitos moradores em relação ao

futuro da Zona Portuária. Paralelamente, a falta de informações de muitos outros sobre

os objetivos do projeto, e até mesmo das reuniões realizadas pelos moradores

juntamente com pesquisadores para debater as intervenções, os impactos já sofridos e

possíveis formas de mobilização.

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As promessas publicadas no site oficial do projeto “Porto Maravilha”1, somadas às

palavras do próprio prefeito Eduardo Paes (declarou que todas as intervenções

urbanísticas visam atender “a população que ali vive”) nos parecem um tanto irônicas,

visto que as ações não demostram atender uma população de baixa renda em detrimento

de interesses especulativos e imobiliários que cresceram na região a partir do momento

em que o projeto foi lançado.

Segundo dados da Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário do

Rio de Janeiro (ADEMI – RJ), antes mesmo das intervenções começarem, apenas as

notícias veiculadas provocaram no período de um ano, entre 2008 e 2010, uma

valorização de 300% do metro quadrado dos imóveis da região. Em 2012, em seus

relatórios, a associação apresenta uma projeção do aluguel na Zona Portuária após o

Porto Maravilha que varia entre 14 mil a 20 mil reais para os novos empreendimentos.

Um exemplo prático dessa especulação imobiliária é a venda de 1.300 unidades

residenciais do Porto Vida, empreendimento presente no plano imobiliário do projeto,

no qual o preço mínimo é de um pouco mais que 400 mil reais.

Em relatos de um dossiê organizado pelo Fórum Comunitário do Porto2 entregue ao

ministério Público Federal em 2012, são destacadas cenas de violência contra os

moradores e denúncias sobre violações de direitos, em especial à moradia, que mostram

como os moradores estão sendo obrigados a deixar suas casas. De maneira

desrespeitosa, pois não há nenhuma comunicação prévia ou explicações por parte do

Estado, habitantes do Morro da Conceição e da Providência tiveram suas casas

pichadas, ato considerado vandalismo pelo poder público, com as letras SMH como

forma de cadastramento da Secretaria Municipal de Habitação das casas que foram

demolidas para a realização de alguma obra prevista no Projeto Porto Maravilha.

1 www.portomaravilha.com.br

2 Desde janeiro de 2011 moradores da região portuária do Rio de Janeiro tem se organizado para discutir as possibilidades de mobilização e resistência ao projeto. Aos moradores foram somando-se outros atores como ONGs, universidades e mandatos parlamentares e formou-se assim o Fórum Comunitário do Porto. Desde então, o Fórum se constitui como um espaço público onde são vocalizadas denúncias de violações de direitos e articulados apoios institucionais necessários à ação política de defesa destes direitos.

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As famílias que foram ou que ainda serão removidas recebem um aluguel social de 400

reais para se realocarem. Porém, a quantia não é suficiente para um aluguel na cidade do

Rio de Janeiro e muitas famílias queixam-se de não receber essa “ajuda”. A solução

encontrada pelos moradores tem sido permanecer em casa de familiares ou, como

relatou uma moradora do Morro da Conceição, “dar um jeito para não acabar dormindo

na rua”. O reassentamento desses moradores será através de construções de casas na

Zona Oeste da cidade financiadas pelo programa do governo federal Minha Casa Minha

Vida, ignorando a lei orgânica do município que garante a todos a realocação em local

próximo ao de origem e as relações afetivas e vínculos que as famílias criaram no

espaço onde vivem.

Deste modo, a conjuntura formada pelas remoções forçadas e pelo interesse do Estado e

de seus financiadores (construtoras e incorporadores imobiliários) produz novas

seletividades e afastamentos sociais por meio da produção de espaços especulativos

para interesses privados, nos quais os espaços públicos tornam-se meros resquícios na

cidade ao mesmo tempo em que tudo se mercadifica.

RESULTADOS PRELIMINARES

A pesquisa encontra-se em seu estágio intermediário. O projeto “Porto Maravilha” se

encontra em execução e suas obras se apresentam em curso e em fase bastante

avançada, nos permitindo um olhar mais completo das intervenções. Acreditamos que

os resultados desse estudo nos permitiram ter um rico panorama sobre o processo de

metropolização da cidade do Rio de Janeiro e mais especificamente em relação ao

Projeto Revitalização do Porto do Rio, que trará mudanças não só para a região

diretamente afetada e seus atuais habitantes como para toda a cidade do Rio de Janeiro.

Realizamos o levantamento do perfil social da Zona Portuária do Rio, utilizamos dados

fornecidos pela Prefeitura e grupos imobiliários, além de pesquisas bibliográficas que

nos proporcionaram um entendimento teórico sobre o processo que envolve todo o

projeto de revitalização. Além do acompanhamento dos desdobramentos na elaboração

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e execução do projeto, realizamos a constante observação empírica através de trabalhos

de campo e da presença em reuniões realizadas por diferentes setores da sociedade,

procurando averiguar o nível de participação da população da cidade como um todo, e

principalmente da população residente nos bairros afetados. Tal encaminhamento

proporcionou resultados e apontamentos que mostram a vulnerabilidade da população

residente na Zona Portuária.

Devido aos baixos índices de escolaridade e poder aquisitivo da região portuária e ao

caráter turístico e comercial das obras do projeto, que beneficia e atrai uma população

de classe média e alta não característica da região, observa-se o caráter

monodimensional do projeto que fragmenta e redefine o lugar. Acreditamos, portanto,

que o “Porto Maravilha” se trata de um modelo urbanístico fruto de um ideal de

mercadificação da cidade que reforça a ideologia e o discurso de progresso, ou seja, do

imaginário de desenvolvimento estritamente econômico, e visivelmente para apenas

parte da cidade, homogeneizada, fragmentada e hierarquizada.

Com relação à especulação imobiliária que vem sendo projetada na Zona Portuária

aponta-nos a impossibilidade dos moradores atuais se manterem na região e sua

consequente expulsão, visto que o espaço produzido em condição de valor de troca,

enquanto mercadoria única e rara, o mesmo se coloca passível de ser apropriado pelo

mercado imobiliário (CARLOS, 2013).

Deste modo, o espaço é fragmentado, privatizado; a segregação é imposta. As cidades

passam a ser planejadas visando seu valor de troca (buscando sua mercadificação total)

e os lugares são homogeneizados pelo processo de metropolização do espaço. O Estado

perde sua capacidade reguladora em defesa do interesse público e os cidadãos são

considerados apenas consumidores. Dentro de toda esta lógica, encontramos o projeto

Porto Maravilha sendo pensado e utilizado para ludibriar a população que vive na região

portuária e no território carioca como um todo.

Além da crescente especulação imobiliária, os moradores atuais do porto ainda precisam

conviver com as remoções forçadas que ferem o direito à moradia e ao habitar e

mostram que o interesse do Estado e de seus financiadores (construtoras e

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incorporadores imobiliários) podem produzir novas seletividades e afastamentos sociais

por meio da produção de espaços especulativos para interesses privados, nos quais os

espaços públicos tornam-se meros resquícios na cidade.

Portanto, os resultados até aqui obtidos, no qual vale destacar que se trata de conclusões

parciais, visto o caráter recente das intervenções urbanísticas, nos revelam a banalização

do espaço e a transformação da Zona Portuária em mercadoria para a atração de novos

empreendimentos econômicos e de turismo. Assim, podemos apontar que o projeto

“Porto Maravilha” produzirá uma seletividade social para a criação de um novo espaço

de segregação espacial na cidade do Rio de Janeiro, trazendo como consequência o

empobrecimento da vida urbana e a privação/privatização da vida social e tornando os

espaços cada vez mais impessoais.

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