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Geopolítica

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  • Revisitando os grandes temas do pensamento geopoltico brasileiro

    Wendell Teles Lima1

    Ana Maria Liborio Oliveira2

    Iatiara Oliveira Silva3

    Nilson Csar Fraga4

    ResumoEste artigo tem como objetivo resgatar algumas das ideias geopolticas do passado recente do pas, atravs da reviso dos principais estudos bibliogrficos que analisam a construo e a trajetria geopoltica do Brasil. Palavras-Chave: Geopoltica; Geopoltica do Brasil; Pensamento Geogrfico.

    ResumenEste artculo tiene como objetivo rescatar algunas de las ideas geopolticas del pasado reciente del pas, mediante la revisin de los principales estudios bibliogrficos que analizan la construccin y la trayectoria geopoltica de Brasil.Palabras clave: Geopoltica; Geopoltica del Brasil; Pensamiento Geogrfico.

    Introduo

    Muitas crticas so feitas aos primeiros tericos da geopoltica brasileira,

    centradas na naturalizao dos fatos sociais, que supostamente fora legado da

    percepo ratzeliana. A monopolizao do conhecimento geopoltico pelos militares foi

    rechaada pela academia, remetendo afiliao da geografia brasileira as anlises da

    escola francesa, sobretudo lablacheana:

    Embora o autor seja lembrado pelo pioneirismo ao propor a constituio de um ramo da geografia especificamente dedicado ao estudo do homem na sua interao com a natureza, Ratzel foi importante tambm para a consolidao da Geografia como uma Cincia do homem (a Antropogeografia), servindo de base para os autores e estudos

    1 Doutorando em Geografia pela UFPR. Docente da Universidade Estadual do Amazonas. Contato: [email protected] Mestrado em Estudos Amaznicos. Docente do Instituto Federal de Gois.3 Docente do Centro de Estudos Superiores de Tabatinga - Universidade do Estado do Amazonas.4 Doutor em Geografia. Docente da Universidade Federal do Paran.

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    posteriores. Alm disso, no se pode esquecer a sua relevncia para a formao da Geografia Poltica, expresso usada j no titulo de um dos seus mais relevantes trabalhos, publicado em 1897. Contudo o autor alemo, nos anos posteriores a sua morte, em 1904, foi duramente criticado e teve a sua obra questionada de forma sistemtica por autores advindos da escola francesa da Geografia, desde Vidal de La Blache at Yves Lacoste. Embora no reconhecido pelos crticos franceses, a rivalidade existente entre a Frana e a Alemanha, desde as disputas territoriais do sculo XIX, apontada como um fator relevante para a nfase nas crticas sobre os escritos ratzelianos. Para agravar ainda mais a situao, o uso indiscriminado e deturpado de suas teorias no decorrer do sculo XX, com a associao de suas ideias ao expansionismo nazista alemo, corroborou com o desuso de suas obras (GALVO e BEZERRIL, 2013, p. 20).

    A institucionalizao da Geopoltica Moderna brasileira estabelecida em

    concomitante s obras de Everardo Backheuser na dcada de 1920, mesmo que suas ideias

    sejam propagadas depois desse perodo:

    Os estudos geopolticos de Backheuser, comeando a serem publicados na dcada de 1920, encontram-se na gnese da sistematizao da Geopoltica no Brasil. Embora j consagrado como precursor desses estudos em nosso pas, isto no significa que tenha sido o primeiro a ter pensado ou escrito trabalhos de cunho geopoltico por aqui, no entanto, a sua sistematizao s veio a ocorrer de fato com seus trabalhos. Backheuser procurou analisar a realidade nacional discutindo questes como a diviso territorial, a localizao da capital federal, a centralizao poltica alm de outros temas, sempre objetivando atingir um fim preestabelecido: consolidar a unidade territorial subordinando os diferentes recantos do pas ao Poder Central (o centro nervoso da Nao). (ANSELMO e BRAY, 2002, p.110-111).

    Costa (2008) alerta que a Geografia Militar praticada bem antes da prpria

    geopoltica no pas, em que as preocupaes com os problemas do pas interna e

    externamente so partes integrantes da doutrina militar. Assim, preciso relativizar os

    argumentos de Miyamoto (1995), quando diz que os militares foram apenas reprodutores de

    ideias ocorridas na Europa.

    Por sua vez, para Vesentini (2007), o esgotamento do modelo brasileiro baseado na

    poltica desenvolvimentista levou ao esgotamento da geopoltica brasileira, determinando

    novas demandas para o pas:

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    En resumen, no existe una nueva geopoltica en Brasil en el sentido de un proyecto coherente para los desafos del siglo XXI. Una geopoltica diferente de la clsica, alimentada en nuevos supuestos: no ms el podero militar y s el econmico-social, que depende fundamentalmente de los llamados recursos humanos educacin, tecnologa, poder adquisitivo para la poblacin en general, etc. y tambin de la expansin de las libertades, una mayor participacin de los ciudadanos en las decisiones y en el control de los gastos pblicos, en fin de la implementacin de una democracia entendida como proceso permanente (Lefort, 1983). (VESENTINI , 2007, p.10).

    Nesse nterim, Vesentini (2007) afirma que as polticas territoriais de 1930 at 1980

    so marcos no somente discursivos, mas fazem parte de elementos palpveis na ao

    estratgica do Estado brasileiro, tendo como preocupao projees internas e externas do

    poder, que resultam em sua constituio territorial e na busca de expanso de sua

    hegemonia no espao mundial. Portanto, desconhecer o peso dos pressupostos geopolticos

    em relao ao poder e ao espao brasileiro, significa incorrer em uma leitura reducionista de

    todo o processo social e econmico brasileiro.

    Sendo assim, necessrio o resgate dos tericos clssicos da geopoltica brasileira,

    na demonstrao do componente territorial presente nas tomadas de deciso de nosso pas.

    Os clssicos dos pensamentos geopolticos brasileiros

    Backhauser (1952) considerado o precursor do pensamento geopoltico brasileiro,

    com importantes contribuies em sua anlise territorial. Uma de suas ideias mais divulgada

    foi, sem dvida, a proposio de uma nova diviso territorial brasileira, baseada na

    equipotncia espacial das unidades polticas.

    Backheuser (apud Nogueira, 2001) tinha como preocupao a influncia poltica dos

    regionalismos, em funo do poder das oligrquicas que poderiam determinar o rumo poltico

    do pas, e ao mesmo tempo, levar ao enfraquecimento do poder central e fragmentao

    territorial do pas.

    Assim, Backheuser (1952) considerou uma rediviso poltica-administrativa do

    territrio brasileiro a partir de um equilbrio entre tamanho da populao, atividades

    econmicas, extenso territorial e limites geomtricos, aspectos essenciais na sua proposta

    de um equilbrio regional harmnico do pas.

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    Estas distores para Backheuser eram o reflexo da grande extenso das provncias

    existentes no Imprio, uma herana que poderia ser corrigida. Percebe-se claramente que

    suas preocupaes ainda so partes integrantes da pauta do Congresso Nacional, em que

    as novas propostas de criao de estados so apropriadas justamente pelas oligarquias

    regionais. Assim, por exemplo, na Amaznia Legal, a grande rea territorial de estados como

    Amazonas, Par e Mato Grosso, que vo ser denominados pelo Brigadeiro Lysias Rodrigues

    (apud Nogueira, 2001) como uma "monstruosidade geogrfica", presentemente discutida

    intensamente no Congresso (Figura 01).

    Figura 01 - Mapa que ilustra as propostas das novas unidades federativas.

    Fonte: Jornal Acrtica.

    A busca pelo aumento de representatividade (Tabela 01) parte integrante das

    disputas polticas engendradas a partir dos estados na busca de seus prprios interesses.

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    Tabela 01: Representao poltica dos estados brasileiros

    Fonte: G1 2014 adaptado pelo autor.

    Os estados disputam representatividade no Congresso, exigindo a ampliao de suas

    bancadas - justificando o aumento da populao (caso dos estados da regio Norte) -, ou a

    manuteno do status quo (caso do Centro-Sul e Nordeste). Outra fonte de polmica so os

    limites mnimo de 8 deputados e mximo de 70 deputados, o primeiro beneficiando os

    estados menos populosos, e o segundo prejudicando apenas o estado de So Paulo, da o

    reforo do discurso de que os estados do Norte e Nordeste exploram os estados do Centro-

    Sul. O imaginrio poltico e as ideologias geogrficas aparecem, nesse caso, como

    elementos conservadores das relaes de poder tecidas no territrio nacional.

    Embora a preocupao com a diviso territorial brasileira atravesse todo o perodo

    republicano e boa parte do perodo imperial, na atualidade recupera carter estratgico com

    Estados Atual Em 2015 DiferenaAcre 8 8 ------Alagoas 9 8 -1Amazonas 8 9 1Amap 8 8 ------Bahia 39 39 ------Cear 22 24 2Distrito Federal 8 8 ------Esprito Santo 10 9 -1Gois 17 17 ------Maranho 18 18 ------Minas Gerais 53 55 2Mato Grosso do Sul 8 8 ------Mato Grosso 8 8 ------Par 17 21 4Paraba 12 10 -2Pernambuco 25 24 -1Piau 10 8 -2Paran 30 29 -1Rio de Janeiro 46 45 -1Rio Grande do Norte 8 8 ------Rondnia 8 8 ------Roraima 8 8 ------Rio Grande do Sul 31 30 -1Santa Catarina 16 17 1Sergipe 8 8 ------So Paulo 70 70 ------Tocantins 8 8 ------

    Total 513 513 ------

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    a incorporao do espao amaznico e a reivindicao de novos e antigos atores territoriais

    na criao de novas unidades administrativas.

    Recentemente, a anlise geopoltica da diviso poltica-territorial brasileira vai surgir

    na proposta de Andr Martin (1993), em sua tese de doutorado na Universidade de So

    Paulo, em que prope a fuso de estados para a eliminao de estados fracos, que em sua

    concepo, so aqueles inviveis economicamente. Com esse reordenamento territorial

    espera obter uma equipotncia regional, restringindo a influncia dos estados fortes que

    distorcem a prpria ideia de equilbrio territorial.

    Entretanto, a rediviso territorial brasileira no sentido da equipotncia regional

    atualmente combatida com vigor entre congressistas conservadores e progressistas, sendo

    difcil sua implementao. Ao contrrio, o que ocorre atualmente a proliferao de unidades

    federativas sem uma discusso ampla de reorganizao poltica do territrio brasileiro:

    Redividir as atuais unidades do Brasil central ou da Amaznia, como quer a maioria das propostas separatistas a nvel estadual, significaria agravar as j enormes disparidades de representatividade poltico espacial. Cada novo Estado implica em trs senadores a no mnimo oito deputados federais, e isso levaria a uma maior desvalorizao na representatividade do eleitor do Centro-sul. Seria mais um golpe na j frgil e incompleta cidadania a mais um obstculo no caminho da construo de uma verdadeira democracia no pas. E deve-se lembrar ainda quais tais unidades, que so dependentes economicamente e artificiais politicamente, costumam tar um posicionamento poltico claramente contrrio a uma verdadeira federao com descentralizao a relativa autonomia estadual a municipal, pois afinal de contas elas sobrevivem s custas da centralizao do poder econmico a nvel federal. Isso sem contar que, neste momento em qua os desafios postos pela globalizao e pela Terceira Revoluo Industrial deixam nu a crise do Estado brasileiro e a necessidade de uma redefinio do papel do poder pblico no pas (com o necessrio "enxugamento" por um lado, a maior atuao nas reas de educao a tecnologia, por outro lado), novos Estados em reas carentes significam uma maior hipertrofia da mquina estatal, o que pode inclusive levar a novos aumentos de impostos sem ocorrer nenhuma modernizao ou redefinio da instituio pblica. Trata-se em suma de atender a interesses pessoais de alguns polticos a empresrios custa dos reais interesses da maioria da populao brasileira (VESENTINI, 2007, p. 2).

    A dimenso geopoltica est em segundo plano no que se refere a constituio de

    novas unidades polticas, pensadas com fins eleitoreiros e/ou visando interesses de grupos

    polticos locais em torno da apropriao dos repasses financeiros da Unio.

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    Como exceo a essa lgica perversa apontada acima, necessrio recordar a

    criao de territrios federais no perodo varguista, visando ao tamponamento da zona de

    fronteira. Na mesma direo, durante o regime militar o general Meira Mattos (1977)

    destacava a necessidade de estmulo s cidades-gmeas5 na zona de fronteira e a criao

    de territrios federais. A projeo das comunicaes brasileiras pela Amrica do Sul, para o

    tambm geopoltico militar Meira Mattos (1977), ocorreria por meio dos ndulos fronteirios,

    onde poder extravasar o poder brasileiro a partir dos polos dinmicos do processo de

    povoamento e dinamizao econmica da regio amaznica6.

    A integrao territorial

    O expansionismo brasileiro na Amrica do Sul outro dos temas recorrentes na

    agenda dos principais geopolticos brasileiros, desde Mrio Travassos at Meira Mattos, em

    que apresentam a questo territorial imbricada s questes econmicas e fsico-ambientais.

    A incorporao de novas reas na Amaznia vai nessa direo, promovendo

    integrao do territrio e, ao mesmo tempo, a projeo externa do pas. Ao salientar esse

    processo de projeo continental, Costa (2009) observa movimentos que vo desde

    agregao coliso:

    A Amrica do Sul e o seu processo de integrao em curso constituem um formidvel laboratrio para os analistas da cena internacional contempornea do Ps-Guerra Fria. Nos ltimos anos, sobretudo, a intensificao do processo de integrao regional tem desencadeado movimentos de natureza poltico-estratgica (ou simplesmente geopolticos) de diversas ordens e direes, em que alguns tendem convergncia, outros disperso e, outros ainda, no limite, ao antagonismo (COSTA, 2008, p. 14).

    No final da dcada de 1990, o Estado brasileiro retoma o pressuposto geopoltico que

    havia sido abandonado ou relegado a segundo plano pelos governos civis. Essa

    preocupao retomada no governo Fernando Henrique, com a volta do planejamento 5Ainda mais tarde, B. Becker (1998) parece aproximar- se dessa ideia, compreendendo a importncia do processo de urbanizao na Amaznia como estratgia geopoltica de manter o controle e o fortalecimento da influncia do Brasil diante de seus vizinhos.

    6A Zona Franca de Manaus, criada em 1967, um projeto nesse sentido, tendo como dinamizao as atividades industriais. Dessa forma, outros polos importantes surgiram a partir de programas de assentamento e projetos agrominerais e agropecurios, que servem de base para o dinamismo regional, apesar dos problemas existentes (BECKER, 1998).

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    territorial por meio do Avana Brasil, tendo por eixo grandes corredores de exportao. Os

    governos de Lula e Dilma Roussef aprofundam essa lgica da extroverso na economia

    nacional a partir de eixos logsticos.

    Costa (2008) relata que a busca de um maior protagonismo no cenrio mundial leva o

    Brasil a centrar esforos no subcontinente sul-americano como plataforma de projeo.

    Diante dessa aproximao, na viso do Coronel Cavagnari, a frmula para o Brasil realizar

    seu objetivo hegemnico na Amrica do Sul seria atravs da cooperao e da integrao.

    Mattos (1977) alertava da importncia da aproximao dos pases amaznicos no controle

    da regio para afastar as influncias externas, demonstrando a necessidade de parcerias

    com os pases limtrofes, at ento inexpressivas apesar do Pacto Amaznico. A recente

    ampliao do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) com a incorporao da Venezuela

    traduz essa ideia. Os projetos de infraestrutura fsica tambm, como o asfaltamento da

    estrada Manaus Caracas, onde o pas lana-se em direo ao Caribe, na disputa com os

    Estados Unidos e Mxico, com o objetivo de exercer influncia tambm nas Antilhas e

    Amrica Central, e possivelmente projetar-se ao oceano Pacfico.

    A questo das fronteiras

    Assim, as regies fronteirias brasileiras revestem-se de um significado geoestratgico

    ou de segurana nacional e de zonas de dinamizao econmica regional. o caso da Zona

    do Trapzio Amaznico, constituda pela Trplice Fronteira entre Brasil, Colmbia e Peru. Em

    funo da hegemonia poltica e econmica da cidade de Letcia, na Colmbia, conforme as

    atividades econmicas dinmicas existentes nesta cidade, Nogueira (2001) observa a

    relao de dependncia da cidade brasileira de Tabatinga, em que a supremacia da cidade

    colombiana estabelece um jogo de foras e influncias.

    A forma como a fronteira pensada atualmente, somente pelo vis da integrao

    econmica, acaba por superestimar as relaes econmicas em relao as decises

    polticas e estratgicas tomadas pelos Estados. Esse tambm o caso da ideia de frentes

    pioneiras:

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    A geografia francesa tradicional, em meados do sculo XX, vincularia a fronteira ao conceito-mtodo regional para gerar abordagens nicas de cada poro individualizada do espao terrestre (MORAES, 2009; MOREIRA, 1998). Com efeito, a geografia regional francesa incorporou aos estudos fronteirios as fronteiras agrcolas e as paisagens culturais, realidades regionais cambiantes diante das aceleradas transformaes socioterritoriais trazidas pela grande indstria. Da seu uso tambm na geografia brasileira ao longo do sculo XX para caracterizar os processos de expanso interna das fronteiras agrcolas (as frentes ou franjas pioneiras), como se denota dos trabalhos desde Pierre Monbeig at Ariovaldo Umbelino de Oliveira, este ltimo analisando as fronteiras internas a partir da expanso da pequena produo agrcola na forma de unidade familiar ou camponesa (CSAR e ALBUQUERQUE, 2012, p. 210).

    Essa dimenso poltica da fronteira foi destacada por Ratzel, ao tratar das Leis do

    Crescimento do Estado, em 1895. As relaes fronteirias so, portanto, feitas de

    contestaes das foras atuantes que so dadas por cada Estado, ou como afirma Ratzel,

    "as fronteiras so o rgo perifrico do Estado".

    Critica critica da estratgia da defesa brasileira

    Albuquerque (2013) analisa as estratgias de defesa do Estado brasileiro envolvendo

    as fronteiras amaznicas, destacando que a presena do Estado deve se fazer presente por

    meio de mecanismos da segurana, e no necessariamente pela defesa, precisamente para

    no gerar uma reao negativa dos pases vizinhos que possa cessar os fluxos econmicos

    transfronteirios. O argumento do autor resgata os condicionantes geogrficos da formao

    social brasileira, em que a floresta amaznica aparece como elemento de conteno natural

    contra foras hostis, tal como pioneiramente advoga o geopoltico Golbery do Couto Silva:

    Golbery do Couto e Silva foi o principal terico brasileiro da segurana nacional e o grande responsvel pela reelaborao da Doutrina de Segurana Nacional para o caso brasileiro. A geopoltica foi um elemento central no pensamento deste militar, e foi atravs da sua adequao ao contexto da Guerra Fria que ela foi utilizada para a formulao da variante terica brasileira da DSN. Golbery do Couto e Silva, no Brasil, e Augusto Pinochet, no Chile, esto entre os maiores geopolticos do Cone Sul no perodo da Guerra Fria (FERNANDES, 2009, p. 852).

    Andrade (2001) destaca no livro Geopoltica do Brasil, as mltiplas direes da

    penetrao brasileira no continente sul-americano. Costa (2008) identifica as reas de

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    avano em direo aos pases sul-americanos. A prpria estratgia de investimentos do

    Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social (BNDES) vai nesta direo ao

    fomentar projetos de integrao fsica sul-americana.

    Na mesma direo, foi inaugurada a rodovia Interocenica, que une o Brasil (Acre) ao

    Pacfico, abrindo acesso ao pas a esse oceano, cruzando a cordilheira andina, realizando o

    projeto defendido pelos geopolticos militares brasileiros de ligaes terrestres pelos passos

    e nudos andinos. Mrio Travassos coloca nessas passagens os vetores de transposio dos

    obstculos geogrficos para alcanar a integrao das comunicaes regionais:

    Travassos assinala ainda que as bacias hidrogrficas do Amazonas (grosso modo sob o controle do Brasil) e do Prata (grosso modo sob o controle da Argentina), essenciais penetrao do interior da Amrica do Sul, atingem o Planalto boliviano, conferindo-lhe o carter de pivot geogrfico. Compreende-se, assim, porque o autor considera a Bolvia o centro geogrfico do continente (id., ibid.: 64). E porque faz tantas sugestes no sentido de que o Estado brasileiro implante uma infraestrutura de transportes, por meio da navegao fluvial no Amazonas e da estrada de ferro no Mato Grosso, que lhe permita quebrar o controle exercido pelo Estado argentino sobre a economia boliviana. (VLACH, 2003, p.3-4).

    A projeo global do poder brasileiro

    A teoria dos hemiciclos de Golbery do Couto e Silva fortaleceu-se recentemente com

    Andr Martin (1993), que formula uma teoria geopoltica para fundamentar a projeo global

    brasileira, isto , uma reflexo para alm de sua tradicional rea de influncia sul-americana.

    A teoria meriodionalista ressurge da concepo do pas ser um guardio do hemisfrio Sul,

    no que parece lembrar a teoria de Golbery quando propunha que o pas fosse o guardio dos

    interesses do Ocidente no hemisfrio Sul. Golbery esperava o reconhecimento americano

    pelo alinhamento brasileiro na luta global contra as foras comunistas, ainda que nossa

    contribuio fosse limitada.

    No entanto, o meridionalismo de Andr Martin defende a autonomia do bloco

    meridionalista em relao aos pases centrais, no que parece estar centrada no discurso

    terceiro mundista. Para Andr Martin, uma teoria geopoltica brasileira genuna exige a

    superao dos pressupostos golberianos.

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    A Capital da Geopoltica

    As preocupaes quanto a localizao da capital do pas faziam parte da agenda

    poltica desde o Imprio. Rodrigues (apud Nogueira, 2001) preocupava-se com a integrao

    territorial do pas, sugerindo que a nova capital deveria ser no interior. A rea escolhida era o

    Tringulo Mineiro, que em sua concepo seria mais estruturada em termos de vias

    existentes. De acordo com Backheuser (1952), o problema da fundao de uma nova capital

    no centro do pas tinha como fundamento integrar o pas territorialmente, ou seja, vinculava a

    coeso territorial ao projeto de interiorizao da capital federal.

    J como realidade nos anos 50, Golbery do Couto e Silva (1981) e Meira Mattos

    (1977) ressaltavam a importncia da capital para a prpria soldadura do territrio, em funo

    do grau de ao poltica e do direcimento dos fluxos demogrficos regio central do pas e,

    ao mesmo tempo, em direo Bolvia, com a construo de vias de acesso em todas as

    direes. Realmente o papel de Braslia foi fundamental no processo de ampliao da regio

    concentrada, identificada pelos gegrafos Santos e Silveira (2001).

    Alm das questes estratgicas, a nova capital est relacionada ao poder poltico,

    configurando novas bases espaciais e sociais do poder a partir da incorporao de novas

    reas. Nesse sentido, para Vesentini (2013), a cidade de Braslia e suas formas espaciais

    esto relacionadas blindagem do poder poltico em relao s presses sociais.

    Mas a relocalizao da capital do pas passa tambm pela aludida preocupao com o

    processo de integrao e interiorizao da populao, assim como pelo avano da economia

    do pas, processos ainda em construo com a incorporao de novas reas. Braslia

    representa a forma simblica do projeto de nao, uma ideologia geogrfica, mas edificada

    sobre uma materialidade de formas e fluxos, tendo grande repercusso na construo do

    imaginrio geogrfico nacional.

    A retomada da anlise do Estado enquanto ator territorial

    O gegrafo francs Paul Claval (1979) alerta que somente o Estado pode agir quando

    necessrio em todo territrio, por meio de suas instituies, conjunto de normas e regulaes

    e da burocratizao de suas aes. Mas a onda neoliberal atravs da ideologizao

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    propagada nos pases perifricos fez reduzir o papel do Estado no planejamento econmico

    e territorial, permeando vrias anlises relacionadas ao Estado, reduzindo a sua importncia.

    E como o Estado tem ganho novas feies, isto tem feito confundir a sua interpretao e

    importncia como agente territorial.

    Para Albuquerque (2010), com a derrocada do Estado intervencionista ou Geopoltico

    ocorre um processo de despolitizao do espao geogrfico, cujas polticas de ordenamento

    territorial sustentavam-se na geopoltica. O autor questiona o discurso despolitizado dos

    gegrafos e outros cientistas sociais que abraam os modismos acadmicos:

    Na cincia geogrfica esse novo consenso materializa-se na emergncia das teorias de desenvolvimento local e ambiental em detrimento do planejamento global de Estado nacional, e na leitura culturalista quase antropolgica em detrimento da ideia de modernizao. E tambm nos esforos de dissociao entre geogrfica poltica e geopoltica clssica, a primeira entendida como moderna, a segundo como anacrnica. Com efeito, como a geopoltica indissocivel das estratgias do Estado nacional no controle do territrio e/ou projeo de poder para o exterior, a geografia poltica traz a ruptura com a viso centralista e unitria do Estado nacional em nome do desvelamento das diversas estratgias espaciais de poder de uma pliade quase infinita de atores e instituies. impossvel deixar de perceber que esse novo consenso fabricado entre os gegrafos ainda que baseado apenas na negao dos discursos geogrficos associados ao Estado-nao, se aproxima da proposta de desconstruo de todas as relaes de poder to em voga entre os socilogos e filsofos ps-modernos. Esperando reconhecimento de seu estatuto cientfico num mundo que passa por profundas mudanas, os gegrafos tem enveredado por temas cada vez mais variados, se aproximados perigosamente da antropologia e da cincia poltica ao ponto de colocar em xeque a prpria unidade do objeto de estudo geogrfico (ALBUQUERQUE, 2010, p. 69-70).

    No momento atual, as aes dos Estados centrais esto mais presente do que nunca

    na coordenao dos fluxos globais, validando seus prprios interesses. Desses centros

    emana a ideologia da abertura das fronteiras dos Estados perifricos e do desmonte da

    regulao estatal, dando a falsa impresso do fim da histria (das lutas polticas) e dos

    obstculos da geografia.

    A "permeabilidade das fronteiras" ocorreu inicialmente pela desregulamentao do

    mercado de capitais e com o fortalecimento das grandes corporaes privadas e dos atores

    supranacionais de regulao, como os organismos internacionais. Castro (2005) ressalta a

    importncia da escala geogrfica para a compreenso dos fenmenos em sua totalidade,

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    onde o Estado aparece essencialmente na compreenso dos fenmenos intermediados nas

    escalas internacional e local-regional.

    A atual pulverizao das anlises e seu reducionismo s microescalas conduzem a

    interpretaes errneas da realidade e, ao mesmo tempo, falsa ideia de que as assimetrias

    de poder e as disputas mundiais foram dirimidas. No se trata de defender uma anlise

    estadocntrica - crtica comum nessas anlises microescalares -, mas de privilegiar um

    entendimento da relevncia do Estado na constituio do espao geogrfico e nas disputas

    polticas na arena mundial.

    Consideraes finais

    Parece-nos que os crticos dos geopolticos brasileiros no compreenderam a

    natureza e propsito dos estudos das condicionantes geogrficas da poltica, tampouco a

    importncia do planejamento das redes de transporte, energia e comunicaes. Essa recusa

    em discernir os desgnios geopolticos da evoluo da formao social brasileira denota uma

    profunda ausncia de comprometimento com a prpria anlise da realidade brasileira, que

    agrava-se quando coexiste com a negligncia intelectual em refletir a construo de um

    projeto de desenvolvimento nacional.

    A geopoltica no especfica do regime militar. Os governos civis necessitam da

    anlise das condicionantes geogrficas para programarem as aes do Estado, logrando um

    ordenamento territorial condizente com as aspiraes da sociedade brasileira.

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    Recebido em Agosto de 2014.Publicado em Janeiro de 2015.

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