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DA CHAMADA “IMPUGNAヌテO タ CONTESTAヌテO” SUMチRIO:- 1. Introdução. 2. A história da figura no Processo Civil Brasileiro. 3. O tratamento da questão sob a ótica do atual Cód. de Processo Civil. 4. O desatendimento à providência determinada pelo juiz. 5. Sua ocorrência no procedimento sumário. 1. INTRODUヌテO. 1.1 Durante algum tempo considerei absolutamente desnecessário discursar sobre aquilo que me parecia o óbvio. Mas o tempo, o tempo sempre com sua vasta expediência e sabedoria, me demonstrou que o óbvio, dependendo do ângulo de visão, pode ter várias tonalidades e, inclusive, descaracterizar-se. Por outro lado me convenci de que ainda que fossem tênues as variadas tonalidades do óbvio, sempre valia a pena a sua publicação, ainda que exclusivamente com o objetivo de simples registro. 1.2 A matéria objeto deste artigo não é razão de polêmicas, quer de ordem jurisprudencial, quer de ordem doutrinária, mas a prática do denominado “usus fori” tem levado alguns aplicadores do direito, por desatenção ou por comodidade, a andar em descompasso com a prescrição do Código de Processo Civil, referentemente ao procedimento adotado após o oferecimento da contestação. 1.3 A questão epigrafada jamais recebeu tratamento orgânico nas legislações brasileiras, mas a praxe forense decanta a expressão a todo instante, como se ela fosse a mais antiga de toda a legislação processual. 1.4 O propósito do tema é, portanto, uma rápida análise em torno da real extensão da expressão praxista – “impugnação à contestação” – e uma chamada à ordem, de modo que não se comprometa o pronto exercício da jurisdição. 2. A HISTモRIA DA FIGURA NO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO 2.1 As Ordenações Filipinas, primeira legislação processual do Brasil independente, de origem portuguesa, “mas mantida em vigor em tudo que não contrariasse a soberania brasileira” (1), cuidou, de passagem, da figura da “impugnação à contestação”. E ao fazê-lo não fugia à característica daquela complexa legislação, onde medrava a variedade de audiências no desenvolvimento do processo. Depois da primeira audiência, na qual se dava o oferecimento do libelo e do oferecimento da contestação em audiência prefixada para curto espaço de tempo, designava-se a terceira audiência para que o autor viesse com a réplica. E mais outra ainda, a quarta, para que o réu viesse com a sua tréplica. (Título XX, Parágrafo 5 o , do livro 3 o das Ordenações Filipinas). (2) 2.2 O Regulamento 737, inicialmente destinado a regular apenas o processamento de causas comerciais, se viu estendido às causas cíveis, por força do Regulamento 763, de 1880. Se uma das particularidades do Regulamento 737 foi a de imprimir celeridade ao rito processual, nota-se que também no tratamento dispensado à figura em questão, houve um avanço inestimável. Estabelecia o art. 101 desse Regulamento que, uma vez oferecida a contestação, qualquer que fosse o seu conteúdo, dar-se-ía vista por 10 dias a cada uma das partes, ao autor para replicar e ao réu para treplicar. (3) 2.3 Os Códigos Estaduais vieram substituir o Regulamento 737 por vontade e disposição da Constituição de 1891 e a lei n. 830, de 7 de setembro de 1922, transformou-se no Código de Processo Civil do Estado de Minas Gerais.

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DA CHAMADA “IMPUGNAÇÃO À CONTESTAÇÃO”

SUMÁRIO:- 1. Introdução. 2. A história da figura no Processo CivilBrasileiro. 3. O tratamento da questão sob a ótica do atual Cód. deProcesso Civil. 4. O desatendimento à providência determinada pelojuiz. 5. Sua ocorrência no procedimento sumário.

1. INTRODUÇÃO.

1.1 Durante algum tempo considerei absolutamente desnecessário discursar sobre aquilo que meparecia o óbvio. Mas o tempo, o tempo sempre com sua vasta expediência e sabedoria, me demonstrouque o óbvio, dependendo do ângulo de visão, pode ter várias tonalidades e, inclusive, descaracterizar-se.

Por outro lado me convenci de que ainda que fossem tênues as variadas tonalidades do óbvio,sempre valia a pena a sua publicação, ainda que exclusivamente com o objetivo de simples registro.

1.2 A matéria objeto deste artigo não é razão de polêmicas, quer de ordem jurisprudencial, quer deordem doutrinária, mas a prática do denominado “usus fori” tem levado alguns aplicadores do direito, pordesatenção ou por comodidade, a andar em descompasso com a prescrição do Código de Processo Civil,referentemente ao procedimento adotado após o oferecimento da contestação.

1.3 A questão epigrafada jamais recebeu tratamento orgânico nas legislações brasileiras, mas apraxe forense decanta a expressão a todo instante, como se ela fosse a mais antiga de toda a legislaçãoprocessual.

1.4 O propósito do tema é, portanto, uma rápida análise em torno da real extensão da expressãopraxista – “impugnação à contestação” – e uma chamada à ordem, de modo que não se comprometa opronto exercício da jurisdição.

2. A HISTÓRIA DA FIGURA NO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO

2.1 As Ordenações Filipinas, primeira legislação processual do Brasil independente, de origemportuguesa, “mas mantida em vigor em tudo que não contrariasse a soberania brasileira” (1), cuidou, depassagem, da figura da “impugnação à contestação”. E ao fazê-lo não fugia à característica daquelacomplexa legislação, onde medrava a variedade de audiências no desenvolvimento do processo.

Depois da primeira audiência, na qual se dava o oferecimento do libelo e do oferecimento dacontestação em audiência prefixada para curto espaço de tempo, designava-se a terceira audiência paraque o autor viesse com a réplica. E mais outra ainda, a quarta, para que o réu viesse com a sua tréplica.(Título XX, Parágrafo 5o, do livro 3o das Ordenações Filipinas). (2)

2.2 O Regulamento 737, inicialmente destinado a regular apenas o processamento de causascomerciais, se viu estendido às causas cíveis, por força do Regulamento 763, de 1880.

Se uma das particularidades do Regulamento 737 foi a de imprimir celeridade ao rito processual,nota-se que também no tratamento dispensado à figura em questão, houve um avanço inestimável.Estabelecia o art. 101 desse Regulamento que, uma vez oferecida a contestação, qualquer que fosse o seuconteúdo, dar-se-ía vista por 10 dias a cada uma das partes, ao autor para replicar e ao réu para treplicar.(3)

2.3 Os Códigos Estaduais vieram substituir o Regulamento 737 por vontade e disposição daConstituição de 1891 e a lei n. 830, de 7 de setembro de 1922, transformou-se no Código de Processo Civildo Estado de Minas Gerais.

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Esse Código, pela primeira vez na história da legislação brasileira, utilizou o vocábulo “impugnar” nosentido de manifestação feita pelo autor contra a peça refutativa do réu. As legislações seguintes jamaisadotariam o termo. Além de definir a oportunidade em que cabia a impugnação à contestação, pôde-senotar sensível progresso em relação às legislações anteriores específicas, pois a partir de então amanifestação do autor sobre a contestação não se daria de forma indiscriminada. O art. 201 do Códigomencionado, responsável pela disciplina do incidente, estabelecia que se o réu, com a sua defesa argüíssequalquer das exceções enumeradas pelo art. 186 do mesmo estatuto, dar-se-ía “vista ao autor, por cincodias, para impugná-la, ...”. (4)

2.4 Em 1o de março de 1940 entrava em vigor o Código de Processo Civil Nacional (Dec. lei n. 1608,de 18 de setembro de 1939). Esse Código só foi revogado pelo atual.

Depurando através do próprio exercício, não se podia negar que o Código de 39 dava umconsiderável passo no interminável perseguir do primor da legislação. Neste estatuto, por ocasião dodespacho saneador (art. 294, inc. II) - expediente utilizável pelo juiz logo depois de recebida a contestação -mandava-se “ouvir o autor, dentro de três (3) dias, permitindo-lhe que junte prova contrária, quando nacontestação, reconhecido o fato em que se fundou a ação, outro se lhe opuser, extintivo do pedido.” Maisuma vez percebia-se a preocupação do legislador de só permitir o retorno dos autos ao autor, para ouvi-losobre a contestação, se o réu argüísse em sua defesa, aquilo que a doutrina chama de defesa indireta demérito. Pecava, em relação ao atual, em não determinar a audiência do mesmo autor se o réu argüísse umadas matérias chamadas de defesa indireta processual.

Desta vez o legislador afastava do texto as palavras “réplica” e “tréplica”, já eliminadas pelo CódigoMineiro, como também o vocábulo “impugnação”.

É bem provável que tenha sido o uso deste vocábulo pelo Código de Processo Civil do Estado deMinas Gerais (art. 201) que tenha dado vida à expressão que os saudosistas e praxistas empregamlargamente ainda hoje: impugnação à contestação.

3. O TRATAMENTO DA QUESTÃO SOB A ÓTICA DO ATUAL CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

3.1 A atual lei instrumental brasileira, seguindo uma linha procedimental adotada pelas anteriores,não cuidou de dar destaque à audiência do autor sobre a resposta do réu.

Aliás, com apuro de tecnicismo, não se pode dizer que exista a figura da “impugnação àcontestação”. O que existe, necessariamente, para prestar homenagem ao princípio do contraditório, é amanifestação do autor sobre questões de direito ou de fato que foram trazidas pelo réu com a suaresposta.

Quando o réu faz a sua defesa, através da modalidade direta do mérito, simplesmente negando osfatos postos pelo autor ou as suas conseqüências jurídicas, têm-se que já está materializada a questãocontrovertida, indispensável para o pronunciamento jurisdicional. Nessa hipótese, não há a menornecessidade, nem razão de ordem técnica ou processual, para se ouvir o autor.

3.2 É certo que se fosse possível ouvir as partes um número maior de vezes, – relegando a segundoplano o aspecto do prejuízo material e de tempo para as próprias partes e, de modo especial, para a moralda própria justiça – estariam os julgadores de posse de mais informações, com segurança, altamentefavoráveis a uma decisão mais justa e equilibrada. Oportuna e, como sempre acontece quando sepronuncia, prenhe de felicidade a palavra do insuplantável Piero CALAMANDREI:

“A defesa de qualquer advogado é constituída por um sistema de espaços cheios e de vácuos: factosque se põem em evidência porque são favoráveis, factos que se deixam na sombra por serem contrários àtese da defesa. Mas, sobrepondo-se os argumentos dos dois contraditores e comparando-os, vê-se que aovazio de um discurso correspondem exactamente os espaços cheios do outro. Desta forma, o juiz, servindo-

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se de uma defesa para preencher as lacunas do discurso contrário, chega-se facilmente, tal como num jogode paciência, a ver recomposta diante de si, bocado a bocado, a figura da verdade.”(5)

3.3 Para o juiz experiente e perspicaz a verdade precisa estar recomposta com o oferecimento dacontestação, quando réu utilizou a defesa direta de mérito. Mas alguns juízes, distraídos em relação àextensão de sua responsabilidade funcional, determinam, independentemente de análise mais profunda daresposta do réu, a audiência do autor, como se essa fosse a orientação e a vontade do Código.

3.4 E não é. Existem apenas três circunstâncias em que o juiz deverá determinar a audiência doautor sobre o primeiro pronunciamento do réu:

a) - quando o réu, reconhecendo o fato em que se fundou a ação, outro lhe opuser, impeditivo,modificativo ou extintivo do direito do autor. É a chamada defesa indireta de mérito. Art. 326. Essa foi aúnica hipótese lembrada pelo revogado Código de 39. Esse artigo fixa em 10 dias o prazo para se ouvir oautor e ainda lhe faculta produzir prova documental;

b) - quando o réu alegar qualquer das matérias enumeradas no art. 301 (art. 327) – defesa indiretaprocessual. Também nessa hipótese fixou o código o prazo de 10 dias para a ouvida do autor e renova-lhe aoportunidade de produção de prova documental; e

c) - quando a defesa estiver instruída com algum documento, circunstância em que o art. 398manda que se dê vista à parte contrária. Agora o prazo para o pronunciamento do autor sobre osdocumentos produzidos pelo réu, com a sua defesa, será de apenas 5 dias.

3.5 Assim, inocorrendo qualquer das circunstâncias supra mencionadas, não pode o juizdeterminar, ao seu alvedrio, a audiência do autor, porque o Código não lhe dá essa faculdade. Definida aexistência da questão controvertida, outro caminho não deverá ser trilhado pelo juiz, senão o de avançarpara a fase seguinte, a probatória, podendo eventualmente, facultar às partes a explicitação das provas quepretendem produzir, as quais já teriam sido indicadas na inicial.

3.6 A adotarmos como regra geral o expediente de ouvir-se o autor sobre a contestação,estaríamos promovendo inegável retrocesso na dinâmica que se deve sempre observar no exercício dajurisdição. Afinal de contas, o uso deste expediente significaria perda de tempo e esse elemento é defundamental importância para aqueles que têm os seus interesses em jogo. Além do mais, seria ainda ocaso de ouvir-se o réu sobre a impugnação à contestação, num desenho equivalente à tréplica e, depois,novamente ouvir-se o autor sobre a impugnação à impugnação da contestação e, assim, “ad infinitum”.

3.7 Merece realce o fato de que a audiência do autor sobre as novas posições trazidas pelo réu écogente. E pondo-se o autor em ponto contrário a essas posições do réu, essa nova controvérsia passa aintegrar a lide, reclamando o pronunciamento jurisdicional.

3.8 A audiência, ocorrida uma daquelas circunstâncias de sua necessidade, é indispensável e a suainobservância evidencia cerceamento de defesa e infecta de nulidade o processo.

4. DESATENDIMENTO À PROVIDÊNCIA DETERMINADA PELO JUIZ

4.1 O descaso ou desatendimento à faculdade de pronunciar-se sobre a contestação não terácontra o autor, como reflexo imediato, a presunção da veracidade dos fatos trazidos pelo réu.

Sempre com incrível sensibilidade jurídica o Prof. J. J. CALMON DE PASSOS, esteve atento a essaquestão e professorou da seguinte forma:

“O ônus da prova desses fatos pertence ao réu (art. 333, II). E no particular não opera a regra doart. 319. O silêncio do autor, deixando de impugnar no prazo de 10 dias, de nada afeta o ônus probatório doréu. Reafirmamos, aqui, o que vimos asseverando ao longo desses comentários: a regra do art. 319 é regrade exceção, descabendo, na sua aplicação, a possibilidade de interpretação analógica ou extensiva.” (6)

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Com ou sem a manifestação do autor o juiz decidirá a questão incidental, podendo fazê-lo naoportunidade de sanear o processo ou, estando intimamente ligada com o mérito, resolvê-la com o mérito.

4.2 Essa omissão do autor no pronunciamento sobre a contestação não cria o clima para a extinçãodo processo. Já estando formalmente reclamada a prestação da tutela jurisdicional, o processo deverádesenvolver-se naturalmente. (7)

5. SUA OCORRÊNCIA NO PROCEDIMENTO SUMARÍSSIMO

5.1 Está a merecer atenção especial o fato de quando a audiência do autor sobre a contestação sefaz necessária no procedimento sumaríssimo.

5.2 Como é sabido, no procedimento sumaríssimo, é na audiência que se instruí o feito que seapresenta a contestação.

Nenhuma novidade existirá na hipótese do autor, cônscio da celeridade que o legislador pretendeucom esse procedimento, renunciar ao decêndio legal e, aparelhado para a sua manifestação sobre acontestação, o faça verbalmente e naquela mesma audiência.

5.3 Mas ocasionalmente surpreendido com as alegações do réu, poderá o autor pretender utilizar oprazo legal para a sua manifestação. Subtrair-lhe essa oportunidade será a configuração de inaceitávelcerceamento de defesa, pois o elemento surpresa não é instrumento hábil para aqueles que querem, comserenidade, a justiça.

5.4 E quando o juiz verificar que, inobstante o prazo requerido e que será outorgado ao autor parasua manifestação, não haverá prejuízo para a colheita da prova, nada impede que se proceda a instruçãodo feito. Mas se o pronunciamento do autor for causa obstaculativa ao desenvolvimento regular esatisfatório da audiência, outra alternativa não restará ao juiz senão a de suspender a mesma audiência,designando outra em continuação, num prazo superior ao destinado à manifestação do autor sobre acontestação.

NOTAS:

1) Humberto THEODORO JÚNIOR - Processo de Conhecimento, vol. I - Ed. Forense - p. 17.2) Ordenações Filipinas - Texto com introdução, breves notas e remissões, redigidas por FERNANDO H.

MENDES DE ALMEIDA - 3o vol. - Ed. Saraiva - 1996.3) Processo Civil e Commercial - Regulamento n. 737 de 1850 - Manual de audiência - Comentado e

anotado segundo a jurisprudência dos tribunais pelos advogados EUGÊNIO EGAS e ALFREDO PUJOL -Typ. a Vap. de Espíndola, Siqueira e Comp. - 1898.

4) MANOEL LAGOEIRO - Commentários ao Código de Processo Civil do Estado de Minas Gerais - ImprensaOfficial - 1930.

5) Piero CALAMANDREI - “Eles, os Juízes vistos por nós, os Advogados” - Liv. Edit. Clássica - Lisboa - 6a ed. -p. 102.

6) J. J. CALMON DE PASSOS - “Com. ao Código de Processo Civil” - Ed. Forense - 3a. ed. - 1979 - p. 537.7) “Se o autor se omite em se manifestar nos autos a respeito da contestação, não é caso de decretar-se a

extinção do processo, eis que este se desenvolve por impulso oficial.” (Ac. unân. Da 1a. Câm. do TJ-SP de6-11-79, na apel. 272.810, rel. des. LUIZ TÂMBARA; Ver. De Jurisp. Do TJ-SP, vol. 63, p. 136, “apud”ALEXANDRE DE PAULA - “O Processo Civil à Luz da Jurisprudência” - Ed. Forense - vol. III - nova série -1982 - p. 465.

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(matéria publicada na “Revista da Faculdade de Direito da FUNM - Fundação Norte Mineira de EnsinoSuperior”, vol. 8, ano 4, julho de 1985, ps. 59/66)