15 - BOM EXEMPLO

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Cornelius a Lapide, sj (1597-1637) + BOM EXEMPLO Tradução por Uyrajá Lucas Mota Diniz Necessidade do bom exemplo Ensina-se com autoridade, quando se prega com o exemplo, diz São Gregório; porque não se tem confiança naquele cujos atos contradizem sua linguagem 1 . Pastores, pais de família, amor, magistrados, professores, superiores, se ensinais aos demais e não vos reformais a vós mesmos, que força terão as vossas lições: Qui alium doces, teipsum non doces (Rom. II, 21). 1 Cum imperio docetur, quod prius agitur quam dicatur; nam doctrinae subtrahit fiduciam, quando conscientizam praepedit linguam (Pastor.)

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Texto de Cornélio à Lápide traduzido da Obra "TESOROS DE CORNELIO Á LÁPIDE" - Tomo I, por Uyrajá Lucas Mota Diniz.

Transcript of 15 - BOM EXEMPLO

Cornelius a Lapide, sj (1597-1637)+BOM EXEMPLO

Traduo por Uyraj Lucas Mota Diniz

Necessidade do bom exemplo

Ensina-se com autoridade, quando se prega com o exemplo, diz So Gregrio; porque no se tem confiana naquele cujos atos contradizem sua linguagem.

Pastores, pais de famlia, amor, magistrados, professores, superiores, se ensinais aos demais e no vos reformais a vs mesmos, que fora tero as vossas lies: Qui alium doces, teipsum non doces (Rom. II, 21).

Falar bem e viver mal, diz So Prspero, que seno condenar-se com a prpria lngua? Bene docere, et male vivere, quid aliud est; quam se sua voc damnare (In Sentent.).

Escutai a So Bernardo: Uma alta posio, diz, e uma alma abjeta..., o primeiro posto e uma vida indigna, uma lngua eloquente e mos ociosas, muitas palavras e nenhum fruto, um rosto grave e uma ao ligeira, uma grande autoridade e um esprito inconstante, um rosto severo e uma lngua frvola, so coisas verdadeiramente monstruosas.

Aquele que ensina e no faz o que ensina semelhante a um poo que d gua a todos quantos a querem, lava as manchas, e no pode purificar-se a si mesmo, diz o abade Pastor (Vit. Patr.). semelhante queles postes colocados nos caminhos, que guiam aos viajantes e permanecem sempre no mesmo lugar at que apodream, caiam e sejam lanados ao fogo.

preciso, diz So Paulo aos Romanos, renunciar s obras das trevas e tomar as armas da luz: Abiciamus opera tenebrarum, et induamur arma lucis (Rom. XIII, 12). Porque, diz ele aos Corntios, achamo-nos diante do olhar do mundo, dos anjos e dos homens: Quia spectaculum facti sumus mundo et angeli et hominibus (I Cor. IV, 9).

Devemos dar bom exemplo ao prximo, diz So Bernardo, e de nosso dever obedecer nossa conscincia: Proximo famam; nobis debemos er providemus conscientiam (Serm. LII, in Cant.).

Suplicamos-vos, meus irmos, diz So Paulo aos Tessalonicenses, que procureis viver quietos, e que vos porteis modestamente com os que esto fora da Igreja: Honeste ambuletis ad eos qui foris sunt. (I Tess. IV, 11).

Exortai-vos uns aos outros a fazer o bem, diz o Apstolo aos Hebreus, enquanto durar o dia que se denomina hoje, a fim de que nenhum de vs chegue a endurecer-se com o enganoso atrativo do pecado (Heb. III, 13).

preciso pregar a Jesus Cristo crucificado, antes com o exemplo que com palavras. Vivei com boas obras, porque em vo possuirias a terra inteira; se no a cultivsseis, nenhum fruto ela vos daria.

Preguemos com o exemplo e persuadamos com nossas palavras, diz Santo Atansio: Vita mostra jubeat, lingua persuadeat (Tract. de Virginit.).

As nuvens fecundas derramam a chuva, diz o Eclesiastes: Si repletae fuerint nubes, imbrem super terram effundent (Eccle. XI, 3). Estas nuvens so os homens que sem cessar do bom exemplo. Fecundados pela graa de Deus, fazem o bem, derramam a vida por onde passem, temperam os ardores das paixes, regam as almas murchas, e fazem produzir com abundncia excelentes frutos de vida.

Aquele que est diante dos demais pela autoridade, diz Santo Isidoro, deve estar frente deles por suas virtudes; necessrio que lhe sirva de modelo e no tenha nada repreensvel. Porque aquele que quer corrigir os outros, deve tambm estar livre de vituprio. Deve ensinar o bem; se se descuida de pratic-lo, que deixe tambm de mand-lo.

Vivendo mal, diz So Joo Crisstomo, ensinais a Deus, por assim dizer, como Ele nos dever condenar. Terrvel juzo aguarda a quem fala bem e age mal. Mandar e no executar representar o papel de comediante e hipcrita. Deus elegeu-nos para ilustrar; devemos ser modelos. Seja o esplendor de nossa vida uma escola pblica que ensine a praticar todas as virtudes.

preciso, diz Santo Ambrsio, que a estima pblica seja uma prova de nossas aes.

Somente poderemos desprezar as palavras daquele cuja vida no edificante, diz Santo Toms de Aquino: Cujus vita despicitur, restat ut ejus praedicatio condemnatur (S. Th. II, q. 5, art. 7).

Aquele que no faz o que ensina, no de nenhuma utilidade para seus semelhantes; ao contrrio, prejudica-os e condena-se a si mesmo.

vs, que sois cristos, exclama Santo Agostinho, dai aos outros exemplos de virtudes e no de vcios: Qui fidelis estis, non eis exempla quibus pereant, sed quibus proficiant, exhibeatis (Serm. CCXVIII).

O Senhor imps a cada um de ns o dever de procurar a salvao de seu prximo edificando-o, conforme diz a Escritura: Mandavit illis uniquique de proximo suo (Eccli. XVII, 12).

A propsito daquelas palavras do Cntico dos Cnticos: Ego flos campi et lilium convallium: Sou a flor dos campos e o lrio dos vales, diz So Bernardo: Os costumes tem sua cor e seu odor. Seu odor na reputao a que do nascimento, e sua cor aos olhos da conscincia. A bondade e a pureza de inteno do cor a uma ao, o bom exemplo presta-lhe um odor de modstia e de virtude. Com a brancura de sua alma, o justo um lrio e perfuma o prximo.

Fazei todas as coisas sem murmuraes nem hesitaes, diz So Paulo, para que sejais irrepreensveis e simples como filhos de Deus, sem mancha em meio de uma nao depravada e perversa, onde resplandeceis como luzeiros do mundo, conservando a Palavra divina (Philipp. II).

O que a rosa? a graa da primavera. O que o bom exemplo? a graa da virtude. Os atos do corpo so os que fazem conhecida a alma; os movimentos de um so a voz do outro.

Com o bom exemplo, obrigamos aqueles com quem vivemos a cuidar de seu exterior; Ns os obrigamos a que guardem seus olhos, sua lngua, seus ouvidos, suas mos, seus ps, seu esprito e seu corao.

A voz do ensino larga, a do exemplo curta e eficaz, diz Sneca.

O homem edificante, diz So Bernardo, uma pia cheia e um canal que esparge com abundncia a gua das virtudes (Serm. in Cant.).

Nada comparvel ao modelo que oferece o cristo virtuoso. O Rei Profeta diz, dirigindo-se a Deus: Senhor, em vossa luz, veremos a luz: In lumine tuo, videbimus lumen (Psalm. XXXV, 10). Outro tanto pode se dizer ao homem que edifica: com tua luz que esparge dando bons exemplos, todos veem a formosura da virtude e sentem-se inclinados a pratic-la. O bom exemplo como Jesus Cristo; ilumina a todos os homens que vem a este mundo (Joann. I, 9). Como Jesus Cristo, o homem que, com seus bons exemplos, exala o perfume das virtudes, , de certo modo, o caminho, a verdade e a vida.

O bom exemplo um sol resplandecente que aquece, fecunda, vivifica, e de admirvel formosura.

O bom exemplo um argumento que no se pode contradizer, diz So Joo Crisstomo: Haec est rationatio, cui contradici non potest, quae fit per facta (In Psalm.).

Por isso, So Jernimo diz que a vida dos Santos a interpretao clara e visvel das Escrituras: Vita Sanctorum est interpretatio Scripturarum (Comment.).

Gedeo ocultava lmpadas em vasos de barro; porm, na hora do combate, quebrou os vasos e com a luz que, de repente, aparece, espanta o inimigo, derrota-o e abate-o. O demnio e o mundo as paixes ficam assustados e aniquilados com a luz dos bons exemplos; porque as trevas, diz So Bernardo, no suportam sofrer a luz: Terrentur principes tenebrarum visa luce bonorum operum; quia stare ante lucem tenebrae non possunt (Lib. Consid.).

Aquele que vive muito santamente, um grande Doutor, diz So Gregrio: Qui magna sanctitate radiat, multa vivendo ostendit (Pastor.).

A luz que derramam os justos enche de alegria os coraes, dizem os Provrbios: Luz justorum laetificat (Prov. XIII, 9).

Os mananciais de gua viva correm sempre para refrescar aqueles que querem valer-se deles; correm sempre, at quando no queremos gua. O mesmo sucede com o bom exemplo.

O cristo um compndio do Evangelho, diz Tertuliano: Christianus compedium Evangelii (In Apolog.). O santo Conclio de Trento qualifica o bom exemplo de pregao contnua: Perpetuum praedicandi genus (Sess. XXV, de Reform. C. I).

A vida do cristo deve ensinar o caminho da salvao, diz Santo Agostinho: Vita debet esse salutis praedicatio (Sentent.). Os bons exemplos tem uma voz mais clara e mais sonora que o som da trombeta, acrescenta o grande Doutor: Bona exempla vocs edunt omni tua clariores (Ut supra).

O bom exemplo o sal da terra, a luz do mundo. Que vossa luz brilhe diante dos homens, diz Jesus Cristo, a fim de que vejam as vossas boas obras, e glorifiquem o vosso Pai que est nos cus.

O homem no sente o peso de suas vestimentas: da mesma maneira aquele que se reveste de Jesus Cristo no sente as dificuldades da prtica das virtudes; inclina aos demais para que faam o bem, e para que se revistam de Jesus Cristo.

O bom exemplo dissipa as trevas, produz uma luz viva e indica o bom caminho. A virtude e as boas obras so chamadas luz, primeiro porque amam a luz divina e iluminam aos homens; segundo porque emanam de Deus, que a verdadeira luz...

O apstolo So Paulo tinha grande gozo e consolo nas obras da caridade de Filmon, vendo quanta recreao e alvio os fieis necessitados haviam recebido de sua bondade.

O bom exemplo faz conhecer, amar, servir e glorificar a Deus, diz o Apstolo So Pedro: Ex bonis operibus vos considerantes, glorificent Deum (I Petr. II, 12).

Com o bom exemplo, observam-se e fazem-se observar os mandamentos de Deus; apresentamo-nos assim, e preservamos aos demais de toda ferida grave, diz a Sabedoria.

Sublimes exemplos de Jesus Cristo e dos santos

Jesus Cristo no deixou durante a sua vida de dar ao mundo inteiro os mais sublimes exemplos de todas as virtudes. Por essa razo, insta-nos o grande Apstolo a que nos revistamos de Jesus Cristo: Induimini Dominum Jesum Christum (Rom. XIII, 14). Jesus Cristo nossa fora, nossa vida, nosso esposo, nosso alimento, nossa bebida, o Sacerdote por excelncia, nosso dono, nosso pai, nosso irmo, nossa herana, nosso coerdeiro, nossa manso, nosso hspede, nosso amigo, nosso mdico, nosso remdio, o manancial da graa, nossa salvao, nossa riqueza, nossa luz, e nossa glria. o caminho, a verdade e a vida; Ego sum via, veritas et vita (Joann. XIV, 6). O manancial da vida, manancial que tem a plenitude das guas divinas, e apaga a sede de alma dos fieis; visita a terra, rega-a e fecunda-a. Imitemo-Lo com uma vida santa; Ajamos de tal maneira que possamos dizer com So Paulo: Sede meus imitadores, como eu o sou de Jesus Cristo... Imitatores mei estote, sicut et ego Christi (I Cor. XI, 1). Inspiremo-nos naqueles exemplos de Jesus Cristo, e edificaremos a nosso prximo. Olhemos e imitemos o autor de nossa f, diz So Paulo aos Hebreus: Aspicientes in autorem fidei (Heb. XII, 2).

Jesus Cristo comea agindo, e logo ensina, dizem os Atos dos Apstolos: Coepi Jesus facere, et docere (Act. I, 1). Assim como deve se portar o cristo, a fim de que todos O estudem com prazer, desejem se encontrar prximo a Ele, ouam-No e imitem-No, e quando todos os homens o vejam, deduzam ver a outro Cristo. O cristo no digno deste nome seno na medida em que imita a Jesus Cristo e revista-se de sua natureza divina; sem zelo, o ttulo que leva uma palavra vazia.

Jesus Cristo, diz So Joo Batista, era uma lmpada ardente e brilhante: Ille erat ardens et lucens (Joann. V, 35). A respeito desse particular acrescenta So Bernardo: To somente iluminar no nada. To somente queimar no o bastante; porm, queimar e iluminar a perfeio. Faz-nos notar este santo Doutor: Joo Batista era uma lmpada ardente e brilhante: no foi primeiro brilhante e depois ardente, seno primeiro ardente e, logo, brilhante. Sua luz provinha do fervor que lhe devorava, e no o fervor da luz que espargia. Assim, brilhar com a luz do talento e no ter o fogo da piedade vaidade, erro e nada mais.

So Gregrio Nazianzeno diz de So Baslio: A palavra de Baslio era como um trovo, porque sua vida era um relmpago: Sermo Basilii erat tonitru, quia vitae jus erat fulgor (Orat. de S. Basil.).

Os santos espargem o bom odor de Jesus Cristo: Christi bonus odor sumus (I Cor II, 15).

Quando mais se pulverizam os aromas, mais longe espargem seu agradvel odor; quanto mais Jesus Cristo, os apstolos, os mrtires, os confessores e todos os Santos foram prensados e como pulverizados pelas tribulaes e as perseguies, tanto mais espargiram o suave e divino odor do bom exemplo e de todas as virtudes. Exalam um odor vivificante que causa a vida aos que se salvam: Aliis autem odor vitae in vitam (II Cor. II, 16).

Como o grande Apstolo, todos os Santos fizeram o bem no somente diante de Deus e para Deus, seno tambm diante dos homens e para a salvao dos homens.

So Bernardo diz do bispo So Malaquias que este no movia um membro sem motivo e sem ter por objetivo a edificao do prximo.

So Luciano, sacerdote e mrtir, converteu uma multido de pagos com a modstia, a alegria, e a piedade de seu olhar. O imperador Maximiano tendo ouvido dizer por meio de um grande nmero de pessoas que o rosto daquele Santo inspirava tanto respeito e amor, que se o visse, se tornaria cristo, fez-lhe tapar a cabea por medo de que sua vista convertesse a ele e a todos os assistentes (Baron. An. Eccl.).

Ouvi a So Gregrio: Abel veio, diz, para ser um exemplo de inocncia; Henoc, para ensinar-nos a pureza de ao; No, para obrigar-nos a no perdermos jamais a esperana e a perseverar; Abrao, para ensinar-nos at onde deve chegar a obedincia; Jac, para inspirar-nos constncia nos trabalhos; Moiss, para instruir-nos no que deve ser a doura e a mansido, e J para dar-nos lies de pacincia. Assim que os Santos, como as estrelas do firmamento, brilham para iluminar-nos e indicar-nos o caminho das boas aes, que o do Cu. Os Santos que Deus fez, so outros tantos astros brilhantes, destinados a dissipar as trevas que rodeiam os pecadores (Lib. Moral.).

Eis aqui porque So Paulo disse aos Hebreus: Posto que estamos rodeados de uma to grande novem de testemunhas, desprendamo-nos de tudo o que pecado e dos laos do pecado, e corramos com pacincia ao trmino do combate que nos proposto: Ideoque et nos teniam habentes impositam nubem testium, deponentes omne pondus, et circunstans nos peccatum, per patientiam curramus ad propositum nobis certamen (Heb. XII, 1).

Leia a vida dos Santos e imite seus exemplos aquele que quer ser santo: extraia do fogo e da resplandecente claridade daqueles astros celestiais a luz do esprito e a chama do corao. Na imitao dos Santos, o cristo se aplica a defender sua vida com suas palavras, e suas palavras com sua vida, diz So Gregrio: Studet defendere loquendo quod vivit, et ornare vivendo quod dicit (Pastor.). Em tudo isso no busca sua glria, seno a de Deus e a salvao do prximo; e porque trata to somente de alcanar este duplo fim, a glria lhe segue e lhe protege. Isto o que So Jernimo diz de Santa Paula: Fugia da glria, e a glria a perseguia.

O caminho do justo, dizem os Provrbios, como o sol do Oriente, que se adianta e cresce at ao meio dia: Justorum semita, quasi luz splendens; procedit et crescit usque ad perfectam diem (Prov. IV, 18).

O cristo persuade antes de falar, diz So Joo Crisstomo; parece-se ao sol: desde que aparece, dissipa as trevas.

Os Santos so os Anjos da terra, divindades providas de corpo. O olho de Deus contempla amorosamente; eleva-lhes medida que eles se humilham: so muitos os que lhe admiram e eles fazem honrar a Deus.

Santo Toms de Aquino, diz o Papa Clemente VI, foi modelo de todas as virtudes, e cada um de seus membros era objeto de um ensino. A simplicidade brilhava nos seus olhos, a bondade no seu rosto, a humildade em sua maneira de escutar, a sobriedade em seus gostos, a verdade em sua boca, derramava ao seu redor uma espcie de perfume; suas aes eram irrepreensveis, suas mos liberais, sua marcha grave, seus costumes honestos, seu corao piedoso, seu esprito brilhante e perspicaz. Tinha uma bondade afetuosa, uma alma santa e plena de caridade. Foi, em uma palavra, o retrato e a honra do cristo exemplar, e a imagem viva da virtude.

So Bernardo diz do apstolo Santo Andr: sobre a cruz, pregava a Jesus Cristo crucificado: Crucifixus, crucifixum praedicabat.

Falando dos primeiros cristos, Tertuliano diz que somente com sua presena confundiam a todos os vcios: Ecce occursu meo vitia suffundo (Apolog.).Quo vantajoso o bom exemplo dos superiores

O centurio acreditou, diz o Evangelho, e depois dele toda a sua casa: Credidit ipse, et domus ejus tota (Joann. IV, 53).

Minha alma servir a Deus, diz o Real Profeta, e meus descendentes me imitaro: Et anima mea illi vivet, et semen meum serviet ipsi (Psalm. XXI, 31).

Um pastor, um rei, um magistrado, um pai de famlia, um amo, etc. que do bom exemplo, procuram a glria de Deus; o triunfo da Religio, a salvao das almas, etc. Olhai a Constantino, a Carlos Magno, a So Luiz, olhai a famlia daquele pai, a daquelas mes exemplares... Quais no so, ao contrrio, as consequncias do mau exemplo?

Porque os homens de escndalo criticam s pessoas edificantes

No vos surpreendais, irmos meus, que o mundo vos odeie, diz o Apstolo So Joo: Nolite mirari, fratres, si odit vos mundus (I Joann. III, 13).

H cinco motivos que inclinam aos maus a criticar e a condenar pessoas piedosas e exemplares.

1. O primeiro a diferena de costumes; porque se a semelhana causa amor, a diferena causa dio;2. O segundo a inveja;

3. O terceiro despeito que experimentam os mundanos vendo que os cristos se separam deles e fogem de sua sociedade.

4. O quarto que no podem sofrer as repreenses das pessoas virtuosas, porque somente com sua vida condenam altamente a m conduta;

5. O quinto a oposio que existe entre os filhos do mundo e os Santos; os primeiros esto plenos de amor prprio; os segundos no obram seno sob impulsos do amor divino. Porm, por este meio, atraem-se louvores e adquirem dignidades e uma glria que os mundanos invejam.

Em que consiste o bom exemplo

1. Revesti-vos de Jesus Cristo, diz So Paulo aos Romanos: Induimini Dominum Jesum Christum (Rom XIII, 14). Eis aqui em que se encontra a perfeio do bom exemplo.

Revestir-se de Jesus Cristo, diz So Joo Crisstomo, representar a Jesus Cristo em todas as nossas aes, pela santidade e a mansido (Homil. ad pop.). Seja, pois, o cristo, o retrato perfeito e a viva imagem de Jesus Cristo; para ele uma obrigao sagrada que contraiu solenemente nas fontes batismais; comprometeu-se a representar Jesus Cristo com sua vida, suas aes, seu exterior e sua maneira de ser. certo que, tantos cristos quanto os h, deveriam ser outros Cristos pela imitao e o exemplo.

A conversao e a vida do cristo, diz So Jernimo, deve ser tal que seus movimentos, seus passos, e todos os seus atos no respirem mais que a graa do cu.

2. Fazei todas as coisas sem murmurar nem titubear, diz o grande Apstolo aos Filipenses, a fim de que vos acheis sem defeito e sem disfarce, como filhos de Deus, e irrepreensveis em meio de uma nao perversa e corrompida, no meio da qual brilhais como os astros do mundo, conservando em vs a palavra de vida.

O Apstolo, diz Santo Ambrsio, adverte aos cristos e manda-lhes que se recordem de sua profisso de f e correspondam a ela, a fim de que no meio dos incrdulos sirvam de modelo com sua vida, sua linguagem e seus costumes, e brilhem como o sol e a lua entre as estrelas.

O Apstolo, diz So Joo Crisstomo, exorta aos cristos para que iluminem e brilhem como astros na noite do sculo: Monet ut in nocte hujus saeculi quase stellae resplandeant et refulgeant (In Espist. ad Philip.).

So Paulo, diz Santo Anselmo, quer que os cristos sejam astros que, fixos no cu, no se inquietam pelas coisas da terra, seno que vivam ocupados em seguir e cumprir seu curso e derramar sua luz sobre o mundo. Devem se parecer quela mulher de que fala o Apocalipse e que representa Santa Virgem e Igreja: est vestida de sol; tem a lua a seus ps e, ao redor da cabea, uma coroa de dez estrelas: Mulier amicta sole et luna, sub pedibus ejus, et in capite ejus corona stellarum duodecim (Apoc. XII, 1).

Devemos ser faris que iluminem e conduzam ao porto aos navegantes extraviados na noite e no mar tempestuoso do mundo; devemos ajud-lo a evitar o naufrgio e a alcanar a cidade santa.

preciso ter uma voz pausada, um andar isento de fausto e de rudo, falar pouco, entreter-se com bons pensamentos, armar-se de modstia, ter os olhos baixos e a alma elevada ao cu. Este o cristo exemplar.

necessrio imitar aos Tessalonicenses, que So Paulo louvava com esses termos: Servistes de exemplo a todos os fieis, no apenas na Macednia e na Acaia, seno que vossa f em Deus tornou-se to clebre por todas as partes, que no necessrio que falemos dela, posto que em todas as partes diz-se qual foi o xito de nossa estada entre vs, e como vos convertestes a Deus, deixando os dolos para servir ao Deus vivo e verdadeiro, e para aguardar do cu a seu Filho Jesus, que ressuscitou e que nos livrou da clera futura (I Thess. I, 7-10).

Vossa f clebre em todo o mundo, diz o grande Apstolo aos Romanos: Fides vestra annuntiatur in universo mundo (Rom. I, 8).

Escutai o que escreve a seu discpulo Timteo: Sede o exemplo dos fiis em vossos discursos, em vossa conduta para com o prximo, e por vossa caridade, vossa f e vossa castidade: Exemplum esto fidelium, in verbo, in conversatione, in caritate, in fide, in castitate (I Tim. IV, 12).

O mesmo Scrates mandava a seus discpulos que adquirissem e praticassem estas trs virtudes:

1. A prudncia;2. O silncio; e3. A modstia (Anton. in Meliss.).Apresentai-vos como um modelo de boas obras em todas as coisas pelo ensino, pela pureza de costumes, pela gravidade, escreve o Apstolo a Tito; seja s e irrepreensvel a doutrina que pregueis, a fim de que quem seja nosso adversrio fique confundido e no tenha nada que dizer de ns.

Olhemo-nos uns aos outros para animar-nos caridade e s boas obras, escreve aos Hebreus: Consideremus invicem, in provocationem caritatis et bonorum operum (Heb. X, 24).

Quando se tratou de escolher diconos, os Apstolos disseram aos discpulos: Elegei, irmos, a sete homens entre vs, de boa reputao, cheios do Esprito Santo e de sabedoria: Considerate fratres viros ex vobis boni testimonii septem, plenos Spiritus Sancto, et sapientia (Act. VI, 3).

O bom exemplo quer que vivamos, de certo modo, como So Bernardo, do qual um historiador no deixou o seguinte retrato: So Bernardo tinha um rosto sereno, um exterior modesto, uma prudncia extrema no falar, era timorato em suas empresas, assduo na orao, piedoso na meditao, grande na f, firme na esperana, ardente na caridade; distinguia-se por uma humildade profunda e uma terna piedade. Prudente nos conselhos, hbil nos negcios, sofrendo alegremente os oprbrios, sempre pronto em fazer favores com uma grande doura de costumes, santo por seus mritos, estava pleno de sabedoria, de virtudes e de graas aos olhos de Deus e dos homens.

preciso, diz Santo Agostinho, que os servidores e adoradores de Deus sejam doces, graves, prudentes, piedosos, irrepreensvel, sem mancha, a fim de que todos os que os vejam admirem-se e maravilhem-se, dizendo: Estes homens so deuses.

Devemos nos distinguir, no pelos adornos do corpo, seno pelos da alma, que so a modstia e a inocncia.

Motivado por aquelas palavras de Jesus Cristo: Tende lmpadas acesas em vossas mos: Lucernae ardentes in manibus vestris (Luc. XII, 35), So Gregrio diz: Temos em nossas mos lmpadas acesas quando, com nossas boas aes, somos exemplos luminosos para nosso prximo.

Devemos, diz So Joo Crisstomo, levar uma vida irrepreensvel, a fim de que os homens que nos examinem achem em ns um espelho de santidade, No haveria necessidade de palavras, se a santidade brilhasse em nossa vida.

No tenhamos em nossos lbios, diz So Martinho, seno palavras de paz, de pureza, de caridade, de piedade: ache-se neles, raras vezes, o mundo, mas, sim, com muita frequncia, a Jesus Cristo.

Podemos aplicar aos fieis leigos aquelas palavras do santo Conclio de Trento: Convm que os clrigos chamados ao servio de Deus regulem sua vida e seus costumes de tal maneira que no haja nada que no seja grave, moderado e religioso em seu exterior, em seu gesto, em seu andar e em todas as coisas, a fim de que suas aes a todos inspirem respeito: Sic decet clericos in sortem Dei vocatus, vitam moresque suos componere, ut habitu, gestu, incessu, aliisque omnibus rebus nihil nisi grave, moderatum ac religione plenum prae se ferant; ut eorum actiones cunctis afferant venerationem (Sess. XXII, de Reform. c. I).Recompensas dos bons exemplos

Os que so sbios, diz a Escritura, brilharo como os esplendores do cu; e os que ensinam a justia aos homens, sero como estrelas. Durante toda a eternidade julgaro s naes (Dan. XIII, 3). Mas o sinal mais certo da verdadeira sabedoria... o melhor meio de instruir levar uma vida exemplar.

Com o bom exemplo obteremos aqui na terra a paz, a graa e uma boa morte; e no outro mundo, uma felicidade eterna. Cum imperio docetur, quod prius agitur quam dicatur; nam doctrinae subtrahit fiduciam, quando conscientizam praepedit linguam (Pastor.)

Monstuosa res est gradus summus, et animus infimus; sedes prima, et vita ima; lngua magnloqua, et mutans sabilitas; facies rugosa, et lngua nugosa (Lib. Consid.).

Qui in erudiendis atque instituendis ad virtutem populis proerit, necesse est ut in omnibus sanctus sit, et in nullo reprehensibilis habentur. Qui enim alium de peccatis arguit, ipse a peccato debet esse alienus. Docente quae recta sunt: qua propter, qui negligit recta facere, negligat recta docere (De forma bene vivendi).

Male vivendo, doces Deum quomodo debent te condemnare. Grandis est condemnatio componenti sermonem suum, vitam vero suam negligeni... Sit communis omnium scholae, exemplarque virtutum, vitae tua esplendor (Homil. ad pop.).

Decet actuum nostrorum testem esse publicam aestimationem (Serm. III).

Habent mores colores suos, habent et odores: odorem in fama, colorem in conscientia. Colorem operi tuo dat bonitas, et cordis intentio; odorem modestiae et virtutis exemplum. Justus lilium est in se candidum, sed prximo odoratum (Serm. LXXI in Cant.).

Longum est iter per praecepta, effficax et breve per exempla (Epist. VI).

Sic luceat lux vestra coram hominibus ut videant vestra bona opera et glorificent Patrem vestrum qui in caelis est (Matth. V, 16).

Omnis enim deserviens tuis praeceptis, ut pueri tui custodirentur illaesi (Sap. XIX, 6).

Tantum lucere, vanum; tantum ardere, parum; ardere et lucere, perfectum (Serm. de Nativ. S. Joann.).

Lucens et ardens, quia Joannis ex fervore splendor; non fervor prodiit ex splendore (Ibid.).

Prividemus bona non solum coram Deo, sed etiam coram hominibus (II Cor. VIII, 21).

Priusquam loquitur, persuadet; quemadmodum ut solis jubar, ut primum apparet, fuget tenebras (Homil. ad pop.).

Oculos Deus respexit illum in bono, et erexit eum ab humilitate ipsius, et exaltabat caput ejus, et mirati sunt in illo multi, et honaraverunt Deum (Eccli. XI, 13).

Ea debet esse conservatio et vita (christiani) ut omnes motus et gressus, atque universa ejus opera caelestem redoleant gatiam (Comment. in Epist. ad Philipp.).

Omnia facite, sine murmurationibus et haesitationibus; ut sitis sine querella et simplices filii Dei, sine reprehensione in medio nationis pravae et perversae: inter quos lucetis sicut luminaria in mundo; verbum vitae continentes (Phil. II, 14-16).

Vult ut Christiani sint quase stellae quae, in coelo fixae, non currunt terrena; sed totae intendunt ut suos cursus et motus peragant, lucemque spargant mundo (In Epist. ad Philip.)

In omnibus te ipsum praebe exemplum bonorum operum, in doctrina, integritate, gravitate, verbum sanum, inreprehensibile. Ut is qui ex adverso est, vereatur, nihil habens malum dicere de nobis (Tit. II, 7-8).

Tales convenit esse Dei cultores et servos, mansuetos, graves, prudentes, pios, irreprehesibiles, immaculatos; ut quisquis viderit eos, stupeat et dicet: Hi omnes sunt dii (De Vita Chist.).

Lucernas quippe ardentes in manibus tenemus, cum per bona opera proximis nostris lucis exempla monstramus (Pastor.)

Debet habere vitam immaculatam, ut omnes in illum et in ejus vitam, veluti in speculum excellens intueantur. Non opus esset verbis, si vitam nostra sanctitatis luce fulgeret (Homil. ad pop.)

Numquam in ore nisi pax, nisi castitas, nisi pietas: rarior in ore mundus, frequentior Christus (Ribaden, in ejus vitae).