153894753-Direito-Constitucional-Intensivo-2011-1
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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
INTENSIVO I 2011.1
DIREITO CONSTITUCIONAL
Aluno: Daniel Augusto Freire de Lucena e Couto Maurício
Profº. Marcelo Novelino
www.injur.com.br
Aula 01 - 24/01/2011
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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
CONSTITUCIONALISMO
1. Introdução
Dentro do constitucionalismo vamos ver as principais etapas de evolução da história
do direito constitucional.
O constitucionalismo se opõe ao absolutismo, ou seja, a história do
constitucionalismo nada mais é do que a busca do homem político pela limitação do poder.
Nessa busca temos dentro do constitucionalismo 3 ideias principais desenvolvidas ao longo
da história:
1. Garantia de direitos: proteger direitos fundamentais contra o Estado,
evitando assim o arbítrio estatal.
2. Separação dos poderes: Montesquieu desenvolveu a ideia da tripartição dos
poderes, pois segundo ele “todo aquele que detém o Poder e não encontra
limites, tende a dele abusar.”
3. Princípio do governo limitado.
Não há garantia de constitucionalismo sem essas três ideias centrais. Vamos estudar
agora as fases do constitucionalismo
2. 1ª FASE: Constitucionalismo Antigo
Essa primeira fase vai da Antiguidade até o final do século XVIII, com o surgimento
das constituições escritas. Vamos mencionar 4 situações importantes durante o
constitucionalismo antigo:
a) Estado hebreu: considerada a primeira manifestação do constitucionalismo.
Havia um Estado teocrático, onde dogmas religiosas previstos na bíblia
limitavam o poder do Estado.
b) Grécia: Democracia constitucional: forma de governo mais moderna existente
até hoje.
c) Roma: segundo Jhering nunca em nenhum outro direito a idéia de liberdade foi
concebida de forma tão correta e digna como em Roma.
d) Inglaterra: Rule of Law: “o governo das leis” em substituição ao governo dos
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homens. Vale salientar que até a pouco tempo atrás a Inglaterra não tinha
Constituição. Apenas no ano 2000 através do Human Right Acts, um tratado
internacional a terra da rainha incorporou uma constituição escrita.
Que características identificam a primeira etapa do constitucionalismo?
a) Inexistência de Constituição escrita, que só passam a existir depois das
revoluções liberais.
b) Forte influência da religião - especialmente no Estado hebreu: os dogmas
religiosos limitavam o poder soberano; os dogmas eram para os governados e
governantes.
c) Supremacia do monarca ou do parlamento: nessa época não havia controle de
constitucionalidade, supremacia da constituição, etc. Quem tinha a supremacia
era um rei ou um parlamento. O Judiciário, historicamente sempre foi fraco.
3. 2ª FASE: Constitucionalismo Clássico/Liberal
O constitucionalismo clássico tem início no fim do século XVIII e vai até a 1ª guerra
mundial. A característica mais marcante dessa nova fase é o surgimento das primeiras
constituições escritas. Juntamente a essa 1ª ideia surge ainda mais duas fundamentais:
rigidez constitucional e supremacia da Constituição (colocada acima da lei), sendo essa
última a característica principal do constitucionalismo atual.
Neste período temos duas experiências constitucionais marcantes: EUA e França.
Vamos estudar cada uma deles separadamente.
3.1 Estados Unidos
EUA: permanece bastante atuais as ideias americanas de 200 anos atrás, sendo
imitadas pelos europeus atualmente no neoconstitucionalismo, com algumas distinções.
Vamos elencar as características do modelo americano:
a) Criação da 1ª constituição escrita em 1787, sendo a mesma até hoje. Mas a
sociedade mudou tanto! Como os EUA conseguiu manter a mesma
Constituição? Ora, a Constituição americana nasceu com 7 artigos, sendo
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extremamente concisa, o que é mais fácil de mantê-la no tempo. E mais: esses
artigos não são pormenorizados, como acontece na CF/88 brasileira; na
Constituição americana os artigos são mais gerais. E quem muda a
Constituição americana é o Judiciário na forma de interpretá-la, sendo
verdadeiras mutações constitucionais.
b) Surgimento do 1º controle de constitucionalidade tendo como parâmetro
uma constituição escrita, chamado de judicial review.. Cuidado: já existiam
experiência de controle de constitucionalidade na Inglaterra, porém, não tinha
como parâmetro uma constituição escrita. A decisão que criou o controle de
constitucionalidade nos EUA é o famoso caso Marbury x Madison, onde o juiz
Marshall exerceu pela primeira vez esse controle. Vale salientar que não há
normas escritas sobre o controle de constitucionalidade, sendo verdadeira
criação jurisprudencial.
c) Fortalecimento do Poder Judiciário. Segundo Hamilton, o Judiciário sempre
foi o mais fraco, pois “não tinha a espada nem a chave do cofre”. Nos EUA
existia uma preocupação muito grande com o Poder Legislativo, por isso com a
Constituição de 1787 houve o fortalecimento do Judiciário.
d) Separação dos Poderes, Forma federativa, Sistema Republicano e
Presidencialista e Regime Democrático.
e) Declaração de direitos. A 1ª declaração de direitos dos EUA é de 1776 (Bill
of Rights of Virginia) é anterior à Constituição de 1787. Vale salientar que a
Inglaterra já tinha várias declarações de direitos, não sendo os EUA pioneiro
neste ponto. Está em tramitação uma PEC proposta por Cristovam Buarque,
tentando encaixar a felicidade como direito fundamental, justamente inspirada
ainda na Bill of Rights of Virginia: “Todos os homens nascem igualmente
livres e independentes, tendo direitos essenciais e naturais ... tais são os direitos
de gozar a vida e a liberdade ... procurar obter a felicidade.”
3.2 França
FRANÇA: é a partir da Revolução Francesa de 1789 é que se inicia o
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constitucionalismo. Existem duas ideias fundamentais que constam na Declaração
Universal de Direitos do Homem e do Cidadão (DUDHC, art. 16): “A sociedade em que
não esteja assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida a separação dos poderes não
tem Constituição. Logo, os dois elementos fundamentais para um estado constitucional
são: a) Garantia dos direitos; b) Separação dos poderes. Uma sociedade que não assegura
direitos e não separa poderes não tem Constituição.
A 1ª Constituição Francesa escrita é de 1791 (foi a segunda escrita, a primeira foi
uma polonesa; poucas pessoas sabem disso) e tem as seguintes características:
a) Consagração do princípio da separação dos poderes;
b) Distinção entre Poder Constituinte Originário e Derivado. O teórico francês
que formulou esta distinção foi o Abade Emmanuel Sieyès, que fez um
panfleto “O que é o Estado?”, sendo o titular do poder constituinte a nação.
c) Supremacia do parlamento. Na França nunca houve controle de
constitucionalidade repressivo exercido pelo Poder Judiciário antes de 2010.
Na França existe a jurisdição administrativa e a tradicional (Conselho
Constitucional), esta última sempre em segundo plano. A tradição do direito
francês é a supremacia do parlamento.
d) Surgimento da escola da exegese a partir do Código de Napoleão. Para essa
eles a interpretação era mecânica: a função do juiz era descobrir o sentido da
lei, visto que o Código era tão perfeito que não precisava ser interpretado,
sendo a função do magistrado apenas expressar o que a lei continha: “ o juiz é
somente a boca da lei.”
3.3 Dimensões (gerações) dos direitos fundamentais: 1ª e 2ª
Dando um tempo na história do constitucionalismo, vamos estudar um ponto
importante: as dimensões dos direitos fundamentais. Esta classificação foi criada pelo
polonês Karel Vazak em 1979; o Norberto Bobbio colocou em seu livro tal classificação
que ficou mundialmente conhecida. O brasileiro Paulo Bonavides é a mais adotada em
concursos.
Ora, quando Karel criou a classificação, tinha apenas 3 gerações, sendo que o mestre
Paulo Bonavides adicionou mais duas. Para memorizar a classificação original de Vazak
basta lembrar-se do lema da Revolução Francesa:
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a) Liberdade (1ª geração): as primeiras constituições escritas, como a da França
e EUA tutelavam a liberdade visando conter a arbitrariedade estatal: liberdade
do indivíduo perante o Estado. Os direitos de 1ª geração são os direitos civis
(de defesa) e políticos (de participação), impondo verdadeiras abstenções ao
Estado, tendo caráter negativo. São conhecidos também como direitos de
defesa, em que o indivíduo se usa para defender dos arbítrios estatais.
Exemplo: liberdade de expressão e pensamento --> o Estado não deve
interferir. Os direitos de 1ª geração são verdadeiros direitos individuais. Aqui
tem uma questão interessante: quando os direitos fundamentais surgiram nessa
época eram apenas oponíveis ao Estado (eficácia vertical), não se podendo
invocar contra um particular (eficácia horizontal). Hodiernamente isso já é
diferente, sendo possivelmente oponível contra particulares os direitos de 1ª
geração --> isso no Brasil. Já nos EUA, como a Constituição Americana é de
1787, não existe essa eficácia horizontal dos direitos fundamentais.
b) Igualdade (2 ª geração): surge após o término da 1ª guerra mundial, com a
Constituição de Weimar de 1919. São os direitos sociais, econômicos e
culturais, de caráter positivo, pois visam uma ação positiva do Estado (direitos
prestacionais). São verdadeiros direitos coletivos, uma vez que não podem ser
entregues a uma pessoa só, e sim a todos. Exemplo: direito a trabalho, à greve,
etc.
c) Fraternidade (3ª geração):
É correto afirmar que os direitos de 1ª geração têm uma efetividade maior que os de
2ª geração? Sim, pois os primeiros tem um custo muito inferior comparados aos segundos,
que são essencialmente de prestações positivas. Cuidado: os direitos de 1ª geração também
têm custos, como por exemplo, o gasto para realizar eleições. Vale lembrar também que os
direitos de 2ª geração estão condicionados à reserva do possível.
Alguns autores falam em dimensões, outros em gerações. De fato, sempre se falou
em gerações, porém, essa terminologia dá ideia que uma substitui, excluindo a outra, o que
não acontece com o termo dimensão.
3.4 Estado de Direito ( = Estado Liberal)
Ainda na fase do constitucionalismo clássico surge, com a Revolução Francesa, o
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Estado de Direito (= Estado Liberal). As concretizações do Estado de direito são:
a) Rule of Law (Inglaterra);
b) Rechtsstaat (Prússia);
c) État Légal (França)
São características do Estado de direito:
1. Liberalismo político Estado limitado: é uma doutrina a respeito dos limites
aos poderes públicos.
a) Limitação do Estado pelo direito se limita ao soberano;
b) Limitação da Administração Pública pela lei: a ideia do princípio da
legalidade na administração surge com o estado de direito;
c) Os indivíduos têm direitos fundamentais oponíveis ao Estado. Vale ressaltar
que nos tempos pós-revolução francesa tais direitos tinham estavam apenas
no plano formal, valendo apenas para a burguesia, enquanto que as classes
mais baixas não tinham tais direitos.
2. Liberalismo econômico Estado mínimo: que intervém o mínimo possível nas
relações econômicas e sociais. A função do Estado liberal é apenas a defesa da
ordem e da segurança pública, não intervindo nos campos econômicos e sociais
que é regida pela livre iniciativa.
4. 3ª FASE: Constitucionalismo Moderno ou Social
Essa etapa vai da 1ª guerra mundial (1918) até o fim da 2ª guerra mundial (1945). O
constitucionalismo social surge com o fim da primeira guerra mundial, com uma grande
crise econômica na Europa que aprofunda a desigualdade social existente, deixando
também em situação de crise o Estado liberal, que tem que abandonar a postura
absenteísta e passar a intervir. As duas principais Constituições que iniciam a adoção deste
modelo intervencionista é a mexicana de 1917 e a Constituição alemão de Weimar de
1919. Nesta época surgem os direitos de 2ª dimensão inspirados na igualdade material
(cumpre salientar que a igualdade formal já surgiu na época das revoluções liberais), que
são os direitos sociais, econômicos e culturais, pois visam justamente reduzir as
desigualdades. A igualdade material demanda ações positivas do Estado!
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São nos direitos de 2ª geração onde surgem as garantias institucionais. As garantias
institucionais são garantias de determinadas instituições fundamentais para a sociedade.
Exemplo: família, funcionalismo público, imprensa livre.
Nesta fase surge um novo modelo de Estado: o Estado liberal se transforma em
Estado Social, que tem a seguinte característica:
1. Intervenção no âmbito social, econômico e laboral;
2. Papel decisivo no produção e distribuição de bens;
3. Garantia de um mínimo de bem-estar social (wellfare state).
O italiano Biscaretti di Rufia fala que dentro do constitucionalismo moderno há 4
ciclos constitucionais:
a) 1º ciclo – Constituições da democracia marxista ou socialista. Adotadas no
início do século XX (principalmente em países comunistas – Constituições
autoritárias)
b) 2º ciclo – Constituições da democracia racionalizada. O iluminismo contribuiu
para as suas criações. Ex: Constituição austríaca de 1920 (que criou o controle
concentrado – Kelsen), Lei Fundamental de Bonn (1919).
c) 3º ciclo – Constituições da democracia social Ex: França (1946), Itália (1947),
Alemanha (1949), Portugal (1976).
d) 4º ciclo – Constituições de países subdesenvolvidos (CF/88). Buscavam uma
mescla do poder liberal e social.
Diferentemente da escola da exegese do Constitucionalismo liberal onde a
interpretação era algo mecânico, nesta fase do constitucionalismo moderno há uma
evolução. No século XIX, Savigny desenvolve 4 elementos de interpretação: gramatical,
lógico (científico), sistemático e histórico. Após, surge um quinto elemento não criado por
Savigny, mas constante na nossa LICC: é o elemento teleológico: fins sociais para qual a
lei é destinada.
5. 4ª FASE: Constitucionalismo Contemporâno (Neoconstitucionalismo)
O constitucionalismo contemporâneo surge com o fim da 2ª guerra mundial em 1948.
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Um dos fatores decisivos para a transformação do novo constitucionalismo foram as
atrocidades nazistas. Eis que a dignidade da pessoa humana passa a ser o valor supremo,
passando a ficar no centro das constituições atuais; nas anteriores raramente irão se
encontrar tal princípio tão fortemente presente.
É interessante salientar um ponto histórico: na época do nazismo o direito alemão
tinha a doutrina mais evoluída de dignidade da pessoa humana no tocante a pesquisas: era
proibida a pesquisa com humanos sem o seu consenso. Todavia, os alemães não
consideravam judeus, ciganos e homossexuais como pessoas.
São características do neconstitucionalismo:
1. Reconhecimento definitivo da normatividade da constituição. Os críticos do
neoconstitucionalismo afirmam que essa característica não é nova, uma vez
que a Constituição americana sempre foi vista como instrumento jurídico. Mas,
isso não se aplicava às constituições europeias que eram vistas exclusivamente
com caráter político. E o que isso significa? Que os direitos fundamentais na
Europa não vinculavam o legislador. Isso só acontece após a 2ª guerra mundial,
e tem como grande difusor o Konrad Hesse em 1959 através da sua obra “A
Força Normativa da Constituição” --> as normas constitucionais não são
somente ideias, são vinculantes.
2. Centralidade da Constituição. A constitucionalização do direito --> tem
basicamente três significados:
a) Consagração de normas de outros ramos do direito na Constituição.
Exemplo: no art. 5º da CF/88 há várias matérias: civil, penal, comercial, etc.
b) Interpretação conforme à Constituição. Como a constituição é a lei suprema,
todas as outras leis devem ser interpretadas de acordo com a primeira,
passando pelo filtro constitucional.
c) Eficácia horizontal dos direitos fundamentais. Em alguns países até hoje,
como na Alemanha e Espanha, para se aplicar os direitos fundamentais entre
os particulares (P x P), seria necessário lei --> é a eficácia horizontal
indireta. No Brasil não adota-se tal entendimento, bastando decisões
judiciais; vigora a eficácia horizontal direta: é a aplicação direta da
Constituição, não só entre particular e Estado, mas sim também entre
particulares.
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3. Maior abertura da interpretação e aplicação da Constituição. Essa característica
está relacionado a evolução da hermenêutica: primeiro era atividade mecânica,
segundo foram adotados os elementos criados por Savigny (gramatical, lógico,
sistemático e histórico). Com o advento do constitucionalismo moderno se faz
uma distinção: a norma era considerada o gênero e dentro deste gênero vamos
trabalhar com dois tipos: o princípio e a regra. Mas qual é a influência com a
interpretação? O método de aplicação dos princípios em geral é a ponderação;
já o método da aplicação das regras é a subsunção. Vendo isso é correto
afirmar que a margem de atuação de aplicação dos princípios é mais ampla do
que uma simples subsunção. Com a ponderação há uma verdadeira abertura
interpretativa. Isso é um perigo, o que pode abrir margens a uma grande
subjetividade. Todavia, através da argumentação a subjetividade é restringida.
4. Fortalecimento do Poder Judiciário. O constitucionalismo contemporâneo faz
nascer a judicialização política: é trazer questões do âmbito político para
resolver no Judiciário. Exemplo: limites de uma CPI, reforma da previdência,
etc. Isso se dá pelo direito das minorias que perdem no Congresso Nacional e
levam ao STF para que isso se discuta em âmbito judicial. Uma pesquisa
importante mostra que no governo Lula, os partidos que mais impetraram
ADIN foi o DEM e o PSDB, e no governo FHC, o PT. Além da judicialização
da política se comenta muito hoje na judicialização das relações sociais: todas
as questões mais relevantes na sociedade são decididas no Judiciário: aborto de
anencéfalo, união homoafetivas, remarcação de reserva indígenas, etc.
5. Rematerialização das constituições. Se observarmos as constituições do pós-
guerra são prolixas, tratando de vários temas, entrando em minúcias de
regulamentação; as constituições passaram a ser ecléticas, totalizantes;
dificilmente se encontram constituições puras, com valores únicos.
Aula 02 - 28/01/2011
5.1 Dimensões (gerações) dos direitos fundamentais: 3ª e 4ª
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Dentro do neoconstitucionalismo surgem os direitos de 3ª e 4ª geração.
a) Direitos de 3ª geração: são direitos ligados ao valor “fraternidade”, ou
segundo alguns autores, são os direitos ligados à solidariedade. Bonavides
elenca um rol exemplificativo (numerus apertus) desses direitos: direito ao
desenvolvimento ou progresso; autodeterminação dos povos; direito ao meio-
ambiente; direito de propriedade sob o patrimônio comum da sociedade; direito
de comunicação. Não são direitos dados, e sim são direitos conquistados, que
podem surgir e desaparecer, a depender do tempo histórico; por exemplo, o
direito do meio ambiente só surgiu depois com o advento da Revolução
Industrial. Isso está de acordo com o pensamento de Norberto Bobbio.
* Para Bonavides, os direitos de 3ª geração surgiram em face da divisão entre
países ricos e países pobres (desenvolvidos e subdesenvolvidos).
Necessidade de colaboração dos ricos para com os pobres. São verdadeiros
direitos transindividuais.
* Os direitos de 3ª geração são direitos transindividuais, sendo alguns difusos e
outros coletivos. Cumpre salientar que para Paulo Bonavides a paz é um
direito enquadrado apenas na 5ª dimensão (nos livros mais antigos ele a
colocava na terceira dimensão).
b) Direitos de 4ª dimensão: não há nenhum valor identificado para reconhecer
esses direitos, como a fraternidade na terceira. Na 4ª geração os direitos estão
relacionados à proteção das minorias. Paulo Bonavides elenca três direitos
expressamente (cai bastante em concursos):
b. 1. Democracia: no direito constitucional contemporâneo a democracia não é
vista apenas em seu aspecto formal que significa que a democracia está
associada à vontade da maioria. Hoje, a democracia é vista de forma mais
ampla, não só como vontade da maioria; se fala também em:
+ Democracia material (substancial): para que a vontade da maioria seja
uma vontade livre. Bobbio faz uma comparação entre jogo e afirma que a
democracia é observância às regras do jogo, que seriam os pré-requisitos
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da democracia. Por exemplo: só se pode falar em vontade livre da
maioria se alguns direitos de liberdade forem observados, ex vis,
liberdade de expressão do pensamento, de reunião, de associação. Ora,
além da observância das liberdades, na democracia material também
deve haver a observância do direito de todos, inclusive das minorias.
+ Democracia constitucional, segundo Ronald Dworkin: “consiste no
tratamento de todos com igual respeito e consideração.” O conceito de
Dworkin é mais compatível com o constitucionalismo, visto que há uma
tensão entre este e a democracia substancial: ex vis, cláusulas pétreas em
um ordenamento constitucional: se a sociedade quiser colocar pena de
morte na constituição não vai conseguir, pois é uma cláusula pétrea -->
conflito esse o constitucionalismo e o conceito de democracia formal não
conseguiria resolver.
b.2 Informação
b.3 Pluralismo: está disciplinado no art. 1º, V da CF e é um dos fundamentos
da República Federativa do Brasil. O pluralismo político além de abranger o
pluralismo político-partidário, abrange também o pluralismo cultural,
artístico, religioso e de concepções de vida. Então, este respeito às
diferentes concepções em vários ramos da sociedade está protegida no
pluralismo. Um sociológo português famoso chamado Boaventura de Souza
Santos afirma que “temos o direito de ser iguais quando a diferença nos
inferioriza; temos o direito de ser diferentes quando a igualdade nos
descaracteriza.” As palavras dele dele colocam a isonomia e o direito à
diferença como basilares no contexto atual. Sobre o tema ver o livro
“Direito às diferenças” do profº. Álvaro Ricardo da PUC-BH.
Para concluir, segundo Dalai Lama “o maior problema do homem dos nossos dias
não é a falta de solidariedade das relações, e sim à tolerância de um com os outros.” Frase
relacionada com os direitos de 3ª e 4º dimensões.
5.2 Estado Democrático de Direito (=Estado Constitucional Democrático)
O professor prefere a segunda terminologia, pois quando se fala em Estado de direito
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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
se tem a ideia de império da lei, pois relembra os tempos romanos. Já quando se fala em
estado constitucional democrático, o foco é deslocado: da ideia de império da lei para a
noção de supremacia da constituição. As principais características do Estado
Constitucional Democrático:
1. O ordenamento jurídico consagra instrumentos de participação direta do povo
na vida política do Estado. Nas constituições do pós-guerra surgem
instrumentos para a democracia direta pelo povo, por exemplo, plebiscito,
referendo, iniciativa popular de lei (ficha limpa foi por esse meio) e ação
popular.
2. Preocupação com a efetividade e a dimensão material dos direitos
fundamentais. Este é um aspecto que distingue não só o constitucionalismo
contemporâneo e o Estado democrático de direito: hoje já atingimos uma
consagração de direitos fundamentais à nível formal. O maior problema hoje é
com a efetividade desses direitos: é fazer que eles saiam do papel para a
realidade, sendo cumpridos na prática --> É o aspecto da igualdade material.
3. A limitação do Poder Legislativo deixa de ser meramente formal e passa a
abranger também o conteúdo das leis e as omissões do legislador. Uma das
críticas que o professor Dimitri de Mo da FGV afirma que a supremacia da
constituição não é uma novidade do neoconstitucionalismo, sempre existiu. Em
parte a afirmativa dele está correta, todavia, apenas no direito norte-americano,
e não na evolução do direito constitucional europeu, onde a constituição tinha
um caráter eminentemente político; nas suas declarações de direitos não existia
caráter normativo. No que tange ao controle das omissões normativas, somente
a partir de 1974 com a Constituição Iuguslava é que é consagrado o controle de
inconstitucionalidade por omissão.
4. Surgimento de uma jurisdição constitucional para assegurar a supremacia da
constituição e a proteção efetiva dos direitos fundamentais. E o que uma
jurisdição constitucional? É uma proteção da constituição pelo Judiciário, ex
vis, ADI genérica e interventiva, ADC, ADPF, Habeas corpus, habeas data,
mandado de segurança, etc. A CF/88 talvez seja a constituição onde mais haja
jurisdição constitucional. Quem usou essa terminologia (“jurisdição
constitucional”) foi Kelsen com uma obra com o mesmo nome. Inclusive, na
época, havia uma rixa de Kelsen com Carl Schmitt, onde o primeiro afirmava
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que o controle da constituição deveria ser feito pelo Supremo, enquanto oo
segundo afirmava que deveria ser feito pelo Reich (Presidente da República).
6. 5ª FASE: Constitucionalismo do futuro
Alguns anos atrás existiram vários fóruns para discutir o constitucionalismo. Entre os
artigos publicados houve o de um argentino chamado Jose Roberto Dromi com o nome de
“constitucionalismo do futuro” afirmando quais seriam os valores das constituições do
futuro. Alguém reproduziu isso no Brasil e alguém está cobrando concurso. Vamos colocar
aqui quais seriam os valores fundamentais, em um exercício de futurologia, que as
constituições do futuro deverão ter de acordo com o argentino:
1. Verdade: as constituições do futuro não devem trazer promessas impossíveis de
ser realizadas. Esses tipos não devem ser colocados, pois são vistos com
descrédito.
2. Solidariedade: haveria uma nova ideia de igualdade baseada na solidariedade
entre os povos.
3. Integração entre os povos.
4. Continuidade: a constituição não deve sofrer rupturas em sua identidade; não
deve sofrer mudanças que descaracterizem a identidade constitucional.
5. Consenso: as constituições do futuro serão frutos de um consentimento
democrático.
6. Participação: as constituições do futuro exigirão uma participação mais ativa e
responsável do povo. Pode ser possível com os mecanismos, ex vis, plebiscito
através de celular, internet.
7. Universalidade: como todos os direitos fundamentais tem o núcleo em comum
da dignidade da pessoa humana, esses direitos devem ser universalizados. Esta,
inclusive é uma característica dos direitos fundamentais.
PRINCÍPIOS INSTRUMENTAIS (Hermenêuticos / Interpretativos)
1. Introdução
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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
Além dos termos no cabeçalho, Humberto Ávila utiliza a terminologia de “postulado
normativo-interpretativo. Ele afirma que os princípios instrumentais desempenham função
diferente do que os princípios que conhecemos, sendo verdadeiros postulados. Como vem
sendo muito cobrado em concurso essa terminologia vamos colocar um conceito para
facilitar nossa vida
Os postulados normativos-interpretativo são “meta-normas que estabelecem um
dever de segundo grau consistente em estabelecer a estrutura de aplicação e os modos de
raciocínio e argumentação em relação a outras normas.” O que ele quer dizer? Ora, se tem
as normas de primeiro grau que seriam os princípios e as regras, que se aplicam a um caso
concreto. O postulado normativo não é uma norma que se aplica ao caso concreto, e sim é
uma meta-norma que será utilizada para interpretar a norma que irá se aplicar ao caso
concreto. Exemplo: princípio da proporcionalidade segundo Humberto Ávila não é um
princípio (norma de primeiro grau), e sim é um critério que se utiliza na aplicação de
outros princípios, ou seja, é um postulado normativo.
Antes de elencar quais são os postulados, vamos fazer definições dos princípios e
normas de 1º grau:
a) Regras: são mandamentos de definição, ou seja, normas que devem ser
cumpridas na medida exata de suas prescrições. A regra é uma norma. Norma é
gênero da qual são espécies princípios e regras. A medida de cumprimento da
regra é e exata estabelecida por ela. Exemplo: aposentadoria compulsória aos
70 anos. A regra possui um mandamento definitivo e, segundo Dworkin,
obedece a moda do tudo ou nada.
* Em geral, as regras são aplicadas através de subsunção. Alguns autores como
Humberto Ávila e Ana Paula Barcelos, defendem a possibilidade de
ponderação de regra.
b) Princípios: segundo Roberto Alexysão mandatos de otimização, ou seja,
normas que ordenam que algo seja cumprido na maior medida possível, de
acordo com as possibilidades fáticas e jurídicas existentes. Princípio é espécie
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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
do gênero norma, mas diferente das regras, ele obedece a lógica dou “mais ou
menos”; enquanto as regras são aplicados pela subsunção, os princípios são
aplicados através da ponderação ou sopesamento. Exemplo: é livre a
manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato (art. 5º, IV da CF/88).
* Segundo Robert Alexy, qualquer conduta que tenha haver com a
manifestação de pensamento está incluído prima facie no citado princípio,
como, por exemplo, a publicação de um livro elogiando o holocausto e
negando o nazismo. Agora, note que Alexy fala em inclusão prima facie do
princípio, devendo ser analisadas a situação fática e jurídica existentes. No
exemplo do livro do holocausto, o STF fez uma ponderação: o agente
impetrou um HC afirmando que era livre manifestação de pensamento,
portanto poderia ser nazista e não ser crime de racismo. O Supremo julgou
improcedente o HC afirmando que a dignidade do povo judeu estava acima
da manifestação de um pensamento essencialmente criminoso.
Vamos estudar o catálogo de concursos de Konrad Hesse, o mais utilizado nos
concursos públicos. Vale salientar que todos estes princípios estão na Constituição.
2. Princípio da Unidade
Segundo Canotilho, a constituição deve ser interpretada de forma a se evitar
antagonismos e contradições entre suas normas.
As constituições atuais são marcadas por fixar valores as vezes conflitantes, como
por exemplo, a CF/88 defende o direito de propriedade, mas também a função social da
mesma. É objetivo do intérprete harmonizar essas normas.
Na ADI 4.097/DF o Partido Social Cristão contestava a constitucionalidade do art.
14, §4º, a inelegibilidade dos analfabetos. Só que tal norma foi feita pelo poder constituinte
originário. O PSC alegou que a inelegibilidade do analfabeto violava princípios superiores
à Constituição: isonomia, não-discriminação e sufrágio universal. Essa tese fez muito
sucesso na Alemanha na década de 50, com o doutrinador Otto Bachof, autor de um livro
sobre as normas originárias da Constituição que poderiam ser inconstitucionais: acima da
Constituição existem direitos suprapositivos. É uma tese jusnaturalista. O STF extinguiu a
ADIN do PSC por carência de ação, por ser um pedido impossível, com o fundamento de
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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
não existir hierarquia entre normas de uma constituição.
STF, ADI 4.097
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ADI.
Inadmissibilidade. Art. 14, § 4º, da CF. Norma constitucional originária.
Objeto nomológico insuscetível de controle de constitucionalidade.
Princípio da unidade hierárquico-normativa e caráter rígido da
Constituição brasileira. Doutrina. Precedentes. Carência da ação. Inépcia
reconhecida. Indeferimento da petição inicial. Agravo improvido. Não se
admite controle concentrado ou difuso de constitucionalidade de normas
produzidas pelo poder constituinte originário
O que esse exemplo acima tem haver com o princípio da unidade? Ora, o princípio
da unidade afasta a tese de hierarquia entre normas da constituição.
3. Princípio do efeito integrador
Konrad Hesse afirma que nas resoluções de problemas jurídico-constitucionais deve
ser dada primazia à soluções que favoreçam a integração política e social, produzindo um
efeito conservador da unidade. O professor não enxerga diferença substancial do princípio
da unidade para este. Inclusive ele afirma que ambos são uma ideia especificada da
interpretação sistemática proposta por Savigny.
O princípio do efeito integrador parte da premissa que a constituição é o principal
elemento da integração da comunidade.
4. Princípio da concordância prática ou harmonização
Nos casos de colisão cabe ao intérprete coordenar e combinar os bens jurídicos em
conflito fazendo uma redução proporcional do âmbito de aplicação de cada um deles.
Havendo um conflito entre dois princípios, o intérprete deve procurar, ao invés de afastar
um deles integralmente, aplicar uma redução proporcional do âmbito de aplicação de cada
um deles. Quando isso for possível essa seria a aplicação da harmonização.
O princípio da concordância prática é muito semelhante ao princípio da concordância
prática. Vejamos a diferença:
Princípio da Unidade Princípio da Concordância prática
Utilizado quando houver um conflito abstrato: duas normas que tratam abstratamente do mesmo
Colisão de direitos: Conflito ocorre no caso concreto. Exemplo: revista faz
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assunto. Exemplo: liberdade de imprensa x vida privada
matéria sobre vida privada de outra pessoa
5. Princípio da convivência das liberdades públicas (= relatividade)
Conceito: Não existem princípios absolutos, pois todos encontram limites em outros
direitos também consagrados na Constituição. A CF/88 afirma que ninguém será torturado.
É um princípio? Não. É uma regra constitucional. Agora, com relação aos princípios, não
se pode dizer que existem princípios absolutos, ex vis, a proibição de tortura não é
absoluta; vide as punições disciplinares.
Alguns autores afirmam que a dignidade da pessoa humana é um valor absoluto.
Cuidado na hora de interpretar essa informação: como fica por exemplo uma colisão entre
a dignidade da pessoa humana de dois seres humanos distintos? A ADPF 54 trata do aborto
de anencéfalos. Um dos argumentos da confederação dos trabalhadores na área de saúde é
de que obrigar uma gestante a gerar de 9 meses um feto com a plenitude de certeza que não
sobreviverá ao parto é uma espécie de tortura que viola a dignidade da pessoa humana. Do
outro lado, defendendo o direito do feto, o principal argumento é que a dignidade da
pessoa humana do feto está sendo violada. A matéria está pendente de julgamento no STF.
6. Princípio da força normativa
Esse princípio é o que leva o mesmo nome do livro de Konrad Hesse, “A Força
Normativa da Constituição”. Quem usa muito esse princípio é o Gilmar Mendes, que foi
quem traduziu esse livro para o português.
Conceito: na aplicação da Constituição deve ser dada preferência às soluções
concretizadoras de suas normas que as tornem mais eficazes e permanentes. Quando se
fala em concretizar é aplicar a norma ao caso concreto deve se optar às soluções que
favoreçam à eficácia desta norma.
O STF tem utilizado esse princípio em caso de interpretações divergentes da
Constituição. O STF é o guardião da constituição, nos termos do art. 102, CF e, cabe a ele
dar a última palavra sobre como deve ser a interpretação. Interpretações divergentes
enfraquecem a força normativa da Constituição --> se há uma norma constitucional
interpretada de maneiras diferentes por diversos órgãos do judiciário, essa norma perde a
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eficácia normativa, pois ninguém vai saber a norma que deve adotar. O STF pode, em
determinados casos, até permitir a relativização de coisa julgada, para não manter
interpretações divergentes.
Exemplo: até 1995 quando um segurado do INSS falecia, o dependente não recebia o
valor de pensão por morte integral que já recebia o segurado, e sim 80% dele. A partir de
1995 houve uma alteração na lei e o percentual de morte passou a ser 100%: o dependente
recebe o mesmo valor que o segurado recebia. Os dependentes que recebiam 80%
ajuizaram várias ações para receber o valor integral pós-lei. O TRF da 2ª região entendeu
que o princípio da não-retroatividade não estaria violado e eles poderiam receber o valor
integral pós-lei. Já O STF entendeu que se o dependente receber o valor integral, estaria
privilegiando um fato gerador de antes de 1995: seria uma retroatividade mínima, mas
mesmo assim não-permitida. Ora, mas processos do TRF2 favoráveis ao dependente
transitaram em julgado --> pra isso o INSS poderia ajuizar ação rescisória para relativizar a
coisa julgada inconstitucional, dentro do prazo de dois anos estabelecidos em lei. Nesse
caso concreto nem precisou da ação rescisória: as decisões do STF nessa decisão foi em
controle difuso inter partes, todavia, naquelas ações em que a parte estava cobrando o
pagamento atrasado ao INSS, bastava este peticionar o cumprimento de sentença a decisão
do STF.
7. Princípio da máxima efetividade
Alguns autores tratam a máxima efetividade como sinônimo da força normativa: só
que este se aplica a todos os dispositivos da CF/88, sem exceção; já a máxima efetividade é
um princípio dirigido exclusivamente aos direitos fundamentais.
Cuidado: Efetividade ≠ Eficácia. A efetividade ocorre quando a norma cumpre a
finalidade para qual ela foi criada; já a eficácia consiste na aptidão da norma para produzir
os efeitos que lhe são próprios. Ora, na efetividade atinge a sua função; na eficácia ela tem
aptidão para ser aplicada, mas não significa que ela cumpre a sua finalidade.
A professora Maria Helena Diniz distingue dois tipos de eficácia:
a) Eficácia positiva: é a aptidão para ser aplicada ao caso concreto.
b) Eficácia negativa: é a aptidão para invalidar normas contrárias. Exemplo: art.
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102, §3º: juros de no máximo 12% ao ano. Essa norma não teve efetividade,
(nunca foi aplicada). Não teve eficácia positiva, pois dependia de lei
regulamentadora; ora, mas teve eficácia negativa, pois pôde invalidar normas
contrárias a ela. Ora, TODA norma constitucional tem, no mínimo, uma
eficácia negativa.
Uma parte da doutrina, com Ingo Sarlet, identifica o princípio da máxima efetividade
no art. 5º, §1ª da CF/88. Vejamos:
§ 1º - As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm
aplicação imediata
Para ele, os direitos fundamentais devem ser aplicados de forma que lhe seja
assegurada a maior efetividade possível.
Aula 03 - 07/02/2011
8. Princípio da conformidade funcional
O princípio da conformidade funcional é conhecido também como princípio da
justeza. Esse princípio, na verdade, é mais uma regra de competência do que propriamente
um princípio interpretativo.
Segundo Canotilho o princípio da justeza tem por finalidade não permitir que os
órgãos encarregados pela interpretação da Constituição cheguem a um resultado que
subverta ou perturbe o esquema organizatório-funcional estabelecido pela Constituição.
Cada Poder deve existir conforme a função que lhe foi atribuída constitucionalmente, não
devendo usurpar funções de outros Poderes; por isso o nome conformidade funcional.
O principal destinatário deste princípio é especialmente o Tribunal Constitucional;
no Brasil, o STF. É o Supremo que dará a última palavra no que tange à interpretação da
Constituição.
E como esse princípio é aplicado na prática? Vamos a um exemplo: o STF deu uma
decisão no HC 82959/SP onde, modificando, seu entendimento anterior, disse que a
vedação da progressão de regime previsto na Lei de Crimes Hediondos é inconstitucional.
Ora, uma decisão em sede de habeas corpus tem efeito apenas inter partes; Para que essa
decisão fosse estendida a todos seria necessário aplicar o art. 52, X da CF/88. Vejamos a
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redação legal:
Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:
X - suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada
inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal;
Um juiz, de Rio Branco no Acre, deu um entendimento contrário ao do STF, visto
que, a decisão em sede de HC não era vinculante. A Defensoria Pública do Acre ajuizou
uma reclamação no Supremo sob o fundamento de que aquela decisão do Pretório Excelso,
apesar de proferida em habeas corpus, teria efeito para todos, conforme os votos de alguns
dos ministros. A RCL 4335/AC, que tinha como relator justamente Gilmar Mendes, foi
julgada procedente afirmando que a decisão no referido HC não era inter partes, e sim com
efeitos erga omnes, isso porque teria havido uma modulação dos efeitos da decisão. Ora,
mas como ficaria o art. 52, X? Inócuo? Gilmar Mendes fundamentou que o referido artigo
passou por uma mutação constitucional: o Senado em vez de editar a resolução para
suspender a execução da lei, apenas dará publicidade à decisão do STF. Ele votou nesse
sentido, o ministro Eros Grau - que já se aposentou - acompanhou o relator; todavia, os
ministros Joaquim Barbosa e Sepúlveda Pertence votaram contrário ao relator, julgando
improcedente a reclamação. A questão hoje está empada, 2 x 2. Temos que aguardar o
posicionamento do Pleno.
Se prevalecer o entendimento de Gilmar Mendes, muitos doutrinadores sustentam
que o princípio da conformidade funcional teria sido violado, uma vez que neste hipótese a
competência que era do Senado foi, de certa forma, usurpada pelo Senado Federal. O STF
estaria chamando para si uma competência constitucional do Senado.
Encerramos aqui, são 7 os princípios elencados por Konrad Hesse. Vamos analisar
agora outro princípio instrumental, mas que não faz parte do catálogo do alemão.
9. Princípio da proporcionalidade
9.1 Nomenclatura
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O primeiro ponto envolvendo o princípio da proporcionalidade é a nomenclatura: o
posicionamento amplamente majoritário - inclusive no STF e STJ - é de que
proporcionalidade e razoabilidade seriam termos equivalentes. Alguns autores, todavia,
defendem que tais terminologias seriam princípios distintos (consultar material em
www.injur.com.br para aprofundar a distinção do professor Virgílio da USP e de
Humberto Ávila, também no site).
Outro ponto importante é a consagração da proporcionalidade em nossa Constituição
Federal de 1988. Temos três posições:
a) 1ª corrente: o entendimento majoritário é que esse princípio estaria implícito na
nossa CF/88. Mas ora, se ele está implícito, de que norma estaria sendo
retirado? O STF entende que o princípio da proporcionalidade pode ser
abstraído da cláusula do devido processo legal em seu caráter substantivo, nos
termos do art. 5º, LIV:
LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido
processo legal;
b) 2ª corrente: A doutrina e jurisprudência alemã entendem que o princípio da
proporcionalidade seriam um princípio deduzido do princípio do Estado de
Direito. Essa corrente já foi cobrado em provas do CESPE e é adotado pelo
ministro Gilmar Mendes.
c) 3ª corrente: No artigo do Virgílio Afonso da Silva, de acordo com o
entendimento de Robert Alexy, a proporcionalidade seria deduzida da própria
estrutura dos direitos fundamentais. A ideia é que, como muito dos direitos
fundamentais se estabelecem a partir dos princípios, a própria estrutura
principiológica necessitaria a aplicação do princípio da proporcionalidade. No
MP/RS perguntou o seguinte: de acordo com a teoria de Alexy, a
proporcionalidade seria princípio ou regra? Ora, não se pondera
proporcionalidade com outros princípios constitucionais, visto que ele serve de
base para a aplicação de todos os outros princípios. Logo, na teoria do Alexy a
proporcionalidade não é princípio, e sim regra. Ora, e por que no Brasil só se
fala em princípio da proporcionalidade? Em quase todos os manuais, quando se
fala em princípio, o princípio seria aquela norma mais importante do que as
outras, por isso que se fala em proporcionalidade como princípio. Ora, mas se
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você observar a legalidade, a anterioridade e a própria proporcionalidade, de
acordo com Alexy, verá que são regras, e não princípios.
9.2 Critérios da proporcionalidade
O Tribunal Alemão que criou a proporcionalidade o dividiu em três critérios,
subregras, para definí-lo. Cumpre salientar que a análise do ato, para saber se é
proporcional ou não, é necessário respeitar as regras na ordem abaixo. Para que a
proporcionalidade seja atendida tenho que observar três critérios (“máximas parciais”, nas
palavras de Alexy):
1. Adequação: consiste no respeito da relação entre meio e fim. O meio utilizado
deve ser apto para alcançar ou promover o fim almejado.
2. Necessidade: diante de medidas igualmente eficazes para alcançar o fim
almejado, deve-se optar por aquela que seja a menos gravosa possível. A
necessidade de ser associada ao meio menos gravoso. Se no caso concreto há
dois meios igualmente eficazes, escolhe-se o menos gravoso. A necessidade
também é chamada pela doutrina de “princípio da menor ingerência possível”.
Citando Jellinek: “não se deve abater pardais com canhões” (ainda que os
canhões sejam capazes de abater o pardal, é um meio gravoso demais – logo
não é necessário).
3. Proporcionalidade em sentido estrito: Consiste no sopesamento entre a
intensidade da restrição ao direito fundamental atingido e a importância da
realização do direito fundamental a ser promovido; ou seja, na
proporcionalidade em sentido estrito há uma ponderação entre aqueles direitos
fundamentais que foram restringidos pelos direitos estatais e a importância que
esses direitos fundamentais devem ter. Vamos ver um exemplo hipotético: uma
lei federal que obriga todas as pessoas a fazerem um teste vírus HIV e, as que
forem positivas, deverão ficar isoladas. Vamos à análise da proporcionalidade
em sentido amplo:
a) Teste do HIV e isolamento dos doentes é o meio que é apto a concluir o fim
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almejado. É adequado.
b) Alguma medida é mais eficaz menos gravosa do que esta para impedir o
contágio das outras pessoas? Não consigo imaginar outra... é necessária
então.
c) Vamos à ponderação: de um lado há a liberdade das pessoas que tem o vírus
e a dignidade da pessoa humana em obrigar a pessoa a fazer o teste e se
isolar. E do outro lado a saúde pública de uma forma geral para evitar que
novas pessoas sejam contaminadas. Agora a pergunta: em uma ponderação
para evitar que o vírus do HIV se espalhe, o que prevalece na ponderação?
Neste caso, a medida de teste obrigatório + isolamento não passaria na
proporcionalidade em sentido amplo, pois a liberdade e a dignidade da
pessoa humana são princípios com maior peso.
Vamos a um exemplo brasileiro: no Paraná os deputados estaduais aprovaram uma
lei exigindo que os postos de venda de botijão de gás pesassem na frente do consumidor a
mercadoria: tanto o velho botijão com gás que sobrou, quanto o novo, pois no velho
geralmente sobra uns 5% de gás que seria abatido no valor do botijão novo. Vamos
investigar: o meio é adequado, visto que está protegendo o consumidor. Pela necessidade:
há outro meio mais eficaz e menos gravoso para as partes? O outro meio, inclusive já
utilizado, era uma amostragem geral dos botijões antigos e aplicar na venda de botijões
novos, mas não é tão eficaz, logo, necessidade está ok. Na proporcionalidade em sentido
estrito vamos ponderar a livre iniciativa x proteção do consumidor. Para ponderar, o STF
analisou alguns aspectos fáticos: para que haja a pesagem é preciso da balança de alta
precisão que vai pesar um gás dentro do botijão; este custo será repassado ao consumidor,
o que obviamente deixa o produto mais caro; o consumidor teria dificuldades para comprar
gás, onde só poderia nos postos de venda, não havendo mais os carrinhos de gás. O STF
entendeu que é muito melhor fazer por amostragem do que exigir a pesagem na frente do
consumidor e o gás sair mais caro. A lei do Paraná traria mais custos do que benefícios ao
consumidor, não sendo uma medida proporcional.
9.3 Proibição de excesso x proibição de insuficiência
Dentro do princípio da proporcionalidade vamos analisar a distinção entre a
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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
proibição de excesso e a proibição de insuficiência. Nestes exemplos que vimos (HIV e
gás), falamos em medidas excessivas em face a outros meios melhores aplicados. A
proibição de excesso tem por finalidade evitar cargas coativas excessivas, ou seja, uma
coação exagerada, em relação aos direitos fundamentais. O que a proibição de excesso
busca é evitar que medidas excessivamente gravosas sejam evitadas. E tem muitos autores
que utilizam a proibição do excesso como sinônimo de proporcionalidade. Só que esta,
segundo a doutrina alemã também abrange a proibição de insuficiência.
A proibição de insuficiência exige dos órgãos estatais o dever de tutelar de forma
adequada e suficiente os direitos fundamentais. Exemplo: a CF/88 consagra a
inviolabilidade do direito à vida no art. 5º, caput. Se o Código Penal estabelecesse uma
pena de multa para quem tirasse a vida de uma pessoa, tal medida seria suficiente para
tutelar a vida? Claro que não, ou seja, não seria proporcional, pois seria insuficiente.
Obs.: O mérito do ato administrativo pode ser controlado em face do princípio da
proporcionalidade (Gustavo Binembojn). Exemplo: políticas públicas devem ser definidas
prioritariamente pelo Legislativo e Executivo (eleitos para essa finalidade), logo, se
existem duas demandas igualmente legítimas (hospital e escola) não há como o Judiciário
controlar o ato administrativo. Entretanto, se uma das demandas não for legítima, o
Judiciário poderia intervir para controlar o Princípio da Proporcionalidade (atuando com
parcimônia – controle de legalidade).
CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
1. Supremacia da Constituição
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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
Supremacia formal x supremacia material.
A supremacia material é uma supremacia de conteúdo, que todas Constituição
possui, sem exceções. E que matérias constitucionais são essas?
a) Direitos fundamentais;
b) Estrutura Fundamental do Estado e;
c) Organização dos Poderes. Se a Constituição não tratar desses assuntos, não está
completa. É o que afirma o art. 16 da Declaração Universal dos Direitos
Humanos:
“Art. 16. A sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos
nem estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição”.
Toda Constituição possui supremacia material, não interessando se é uma
Constituição rígida ou flexível. Só que essa supremacia para fins de controle de
constitucionalidade não nos interessa.
O que nos interessa é a supremacia formal: só possui a supremacia formal é a
Constituição rígida. Se não há supremacia formal, não é possível o controle de
constitucionalidade, visto que o que permite o controle é a hierarquia formal onde a
Constituição estiver acima da lei. Se a Constituição não for rígida, não terá hierarquia
superior da lei, não tendo, portanto, controle.
2. Parâmetro para o controle
Existem dois termos que vamos utilizar com frequência no tema controle: parâmetro
e objeto. Parâmetro é a Constituição; a lei que está sendo impugnada é o objeto deste
controle.
Alguns autores usam o termo norma de referência (= parâmetro).
A CF/88 possui três partes: a) preâmbulo; b) parte geral (art. 1º ao art. 250); c)
ADCT, onde há normas de transição. No Brasil o ADCT não somente é utilizado quando
há substituição de Constituição, mas também no caso de emendas constitucionais, ex vis, a
reforma da previdência, onde, afora na parte geral, previu também norma de transição
previdenciária no ADCT.
Destas três partes da CF/88, as três servem de parâmetro? O ADCT tem o mesmo
nível da parte geral: eu posso declarar uma norma do ADCT inconstitucional. E o
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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
preâmbulo? De acordo com Jorge Miranda, existem três teses sobre sua natureza jurídica:
1. Tese da eficácia idêntica a dos demais preceitos: entende que não existe
qualquer diferença entre a parte permanente da Constituição e o preâmbulo
(mesma normatividade e caráter vinculante).
2. Tese da relevância jurídica específica ou indireta: preâmbulo participa das
características jurídicas da Constituição, mas não se confunde com o seu
articulado. O preâmbulo não é norma, mas tem função jurídica importante de
interpretação (defendida por Novelino).
3. Tese da irrelevância jurídica do preâmbulo (STF): o preâmbulo não se situa no
domínio do direito, mas pertence à história ou à política..Adotada pelo STF em
algumas decisões. Ex: Constituição do Estado do Acre (que não coloca em seu
preâmbulo “promulgamos sob a proteção de Deus”) – STF disse que o
preâmbulo não tem caráter normativo (não é norma jurídica), nem tampouco é
norma de observância obrigatória. O preâmbulo não pode ser parâmetro para o
Controle de Constitucionalidade (porque não é norma).
* Novelino acha que esta posição não é correta, pois o preâmbulo da CRFB/88
seria uma diretriz hermenêutica, já que veicula os valores supremos da
República (fins que o Estado busca alcançar). Posição relacionada ao
Método Científico-Espiritual: valores subjacentes à constituição.
Princípios implícitos também podem servir para parâmetro no controle de
constitucionalidade. O Canotilho usa a expressão “ordem constitucional global” para se
referir às normas escritas + princípios implícitos no texto da Constituição.
Com a EC 45/04 o parâmetro para o controle de constitucionalidade foi ampliado:
hoje temos fora Constituição, mas com o mesmo status de emendas constitucionais, os
tratados internacionais de direitos humanos aprovado por 3/5 e dois turnos de votação, nos
termos do art. 5º, §3º:
§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que
forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos,
por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às
emendas constitucionais.
Até hoje temos apenas a “Convenção sobre as pessoas portadores de deficiência”,
incorporado pelo Decreto nº 6949/2009 com esse status equivalente à emenda. Perceba que
tal tratado não será colocado dentro do texto constitucional, mas terá mesma hierarquia das
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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
outras normas constitucionais.
É importante saber que hoje no direito brasileiro, os tratados internacionais possuem
uma tripla hierarquia:
1. Tratados internacionais de direitos humanos, aprovados com quorum de
emenda constitucional;
2. Tratados internacionais de direitos humanos, que foram aprovados com quorum
comum, anteriores à EC 45/04 --> de acordo com o STF tais tratados têm
status supralegal: está acima da lei, mas abaixo da Constituição. É o
entendimento baseado e também aplicado pelo direito alemão. Ora, mas após a
EC 45/04 é possível a aprovação de tratados de direitos humanos, sem ser com
quorum de emenda constitucional? Observando a redação acima do §3º do art.
5º é possível sim, não sendo obrigatória a aprovação com quorum diferenciado.
Todavia existe uma recomendação dentro do Congresso Nacional para votar
com esse diferencial. Alguns autores, como Valério Mazuolli, usando um
termo direito europeu, afirmam que nessa hipótese - que o controle teria como
parâmetro um tratado internacional - teríamos um controle de
convencionalidade. Na prática, não existe nenhum instrumento específico
dessa espécie de controle, sendo apenas uma terminologia nova utilizada no
direito brasileiro.
3. Tratados internacionais que não são de direitos humanos: tem status de lei
ordinária. E o que prevalece? A lei ordinária ou estes tratados? Depende de
qual será a mais nova: lei nova revoga lei antiga.
3. Bloco de constitucionalidade
Existe uma expressão, que aparece em alguns votos do ministro Celso de Mello e que
vamos estudar: bloco de constitucionalidade. Ele utilizou a terminologia na ADI 514/PI e
na ADI 595/ES. O ministro faz uma correlação entre o bloco de constitucionalidade e
parâmetro para o controle. Vejamos: “o bloco de constitucionalidade deve ser de aferição
da constitucionalidade de atos do Poder Público.” Isso significa que o bloco é sinônimo de
parâmetro.
“Bloco de constitucionalidade” é como Louis Favoreau chamava as normas da
constituição francesa que tinham status constitucional, ainda que estejam fora da
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constituição. Exemplo: na França ele elencava o texto da Constituição de 1946, o
preâmbulo da constituição anterior, a Declaração Universal dos Direitos do Homem,
princípios implícitos revelados pelo Conselho Constitucional e outras normas
constitucionais.
No Brasil este conceito é polêmico e possui dois sentidos:
1. Sentido amplo: abrange todas as normas que tem conteúdo constitucional ou
que fazem remissão a direitos consagrados pela constituição. Ex. CDC,
preâmbulo da CRFB/88, Tratados com status supralegal, direito social
regulamentado por lei, etc).
2. Sentido estrito: o bloco de constitucionalidade é sinônimo de parâmetro de
controle de constitucionalidade. Tudo que for parâmetro de controle é bloco de
constitucionalidade em sentido estrito. Ex: CRFB/88 (menos o preâmbulo),
princípios constitucionais implícitos, TIDH (3/5 e 2 turnos).
4. Formas de inconstitucionalidade
4.1 Quanto ao tipo de conduta praticada pelo Poder Público
Sempre que a CF se refere à inconstitucionalidade ela faz referência a atos do poder
público, nunca em relação a atos particulares. O objeto do controle de constitucionalidade
é sempre um ato do poder público.
Quanto à conduta do poder público a inconstitucionalidade pode ser:
1. Inconstitucionalidade por ação: é quando o Poder Público pratica uma conduta
positiva incompatível com a Constituição. Exemplo: Legislativo criou a
vedação da progressão de regime nos crimes hediondos.
2 Inconstitucionalidade por omissão: a Constituição manda que o Poder Público
faça algo e ele se omite: Exemplo: o direito de greve do servidor público está
previsto no art. 37, VII da CF/88. Vejamos:
VII - o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos
em lei específica.
Só que para que esse direito seja exercido, precisa de lei, o que até hoje não foi
feita. Essa conduta omissiva é inconstitucional. Para o controle de constitucionalidade
temos a ADO e o mandado de injunção. Este último só existe no direito brasileiro, sendo
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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
um instrumento de controle difuso limitado, podendo ser processado e julgado por alguns
tribunais. Vamos estudar em outra aula esses institutos.
O Ministro Celso de Mello, usa a expressão de uma autor alemão, Karl
Loewenstein: “fenômeno de erosão da consciência constitucional” --> consiste no
preocupante processo de desvalorização funcional da Constituição escrita. Segundo
Loewenstein, quando a constituição impõe um dever ao Poder Público e este se omite,
nesses casos, o fato da constituição não ser atendida, faz com que ela perca a sua
credibilidade para as pessoas e sua efetividade; isso gera uma erosão da consciência
constitucional. É como se a Constituição passasse a ser desacreditada pelo povo.
Obs.: Segundo o STF, no caso do salário mínimo houve inconstitucionalidade parcial
(tanto por ação, quanto por omissão), pois a lei que prevê o salário mínimo não preenche
tudo que a CRFB/88 determina (art. 7º, IV). Neste caso, mesmo não admitindo a liminar na
inconstitucionalidade por omissão, o STF admite a liminar na inconstitucionalidade parcial
(seja ADI por omissão ou MI). Assim, inconstitucionalidade parcial se confunde com
inconstitucionalidade por ação.
IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de
atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com
moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene,
transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe
preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer
fim;
Obs.: como a omissão parcial se confunde com a ação parcial, as Constituições Estaduais
podem criar ADI por omissão para caso de omissão parcial
4.2 Quanto à norma constitucional ofendida
Aqui há a análise do parâmetro violado. A inconstitucionalidade pode ser:
31
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
1. Inconstitucionalidade material: é uma incompatibilidade de conteúdo. O ato do
Poder Público é incompatível com a Constituição. violação à substância da
CRFB/88. Exemplo: lei que viola os preceitos do art. 5º da CRFB/88.
2. Inconstitucionalidade formal: a norma ofende uma formalidade
constitucionalmente criada. Aqui podemos ter duas espécies de
inconstitucionalidade forma:
a) Subjetiva: está ligada ao sujeito competente para praticar o ato. Quando o
sujeito não é respeitado há uma inconstitucionalidade formal subjetiva.
Exemplo: art. 61, §1º da CF/88:
Art. 61, § 1º - São de iniciativa privativa do Presidente da República as
leis que:
I - fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas;
II - disponham sobre:
a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração
direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;
b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e
orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos
Territórios;
c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico,
provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, reforma e
transferência de militares para a inatividade;
c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico,
provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;
d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União,
bem como normas gerais para a organização do Ministério Público e da
Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios;
e) criação, estruturação e atribuições dos Ministérios e órgãos da
administração pública.
e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública,
observado o disposto no art. 84, VI
f) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de
cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência
para a reserva.
* Nas constituições estaduais essas matérias devem ser reservadas ao
governador do Estado-membro, pois é norma de observância obrigatória.
* Exemplo: o Presidente da República é competente para iniciativa do art.
61, §1º da CF/88. Só que um deputado federal toma a iniciativa e o
projeto é aprovado. Chegando na sanção, o Presidente concorda. A
pergunta é: a sanção do projeto supre a falta de iniciativa do Presidente?
Súmula 5, STF: A SANÇÃO DO PROJETO SUPRE A FALTA DE
INICIATIVA DO PODER EXECUTIVO.
* Esta súmula não está sendo mais aplicada ao STF, uma vez que é anterior
32
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
a CF/88. O Pretório Excelso hoje entende que o vício de iniciativa é
insanável.
b) Objetiva: uma matéria que deve ser tratada em lei complementar, é
aprovada com lei ordinária: é uma inconstitucionalidade formal objetiva,
pois o processo que exigia maioria absoluta teve apenas maioria relativa.
4.3 Quanto à extensão
Quanto à extensão, a inconstitucionalidade pode ser:
1. Total. Exemplo: lei estadual que trata de direito civil --> a lei toda será
inconstitucional, uma vez que compete à União legislar sobre direito civil;
2. Parcial. Muitas pessoas confundem a inconstitucionalidade parcial com o veto
parcial do art. 66, §2º da CF/88. Vejamos:
§ 2º - O veto parcial somente abrangerá texto integral de artigo, de
parágrafo, de inciso ou de alínea.
O chefe do Executivo não pode vetar apenas uma palavra, e sim a alínea, inciso ou
artigo por inteiro. Já na inconstitucionalidade admite-se declarar inconstitucional apenas
uma palavra ou uma expressão. Exemplo: a Constituição do Estado de SP afirmava que
poderia haver ADO, tendo por objeto lei estadual ou municipal e como parâmetro a própria
constituição estadual ou a CF/88. O art. 125, §2º da CF/88:
§ 2º - Cabe aos Estados a instituição de representação de
inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais
em face da Constituição Estadual, vedada a atribuição da legitimação para
agir a um único órgão.
Perceba que a CF/88 não permite como parâmetro da ADO estadual ela mesmo, pois
o guardião da CF/88 é o STF, e não o TJ. O Supremo julgou apenas a expressão
“Constituição Federal” inconstitucional.
Agora, uma ressalva: quando se fala que o STF pode declarar apenas uma palavra ou
expressão inconstitucional, desde que não haja alteração de sentido do restante do
dispositivo. Ex: retirada de palavra “não” (tornando positivo o que era negativo).
4.4 Quanto ao momento em que ocorre a inconstitucionalidade
Quanto ao momento que ocorre a inconstitucionalidade, pode ser:
33
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
1. Originária: na inconstitucionalidade originária o objeto é criado após o
parâmetro. A norma é inconstitucional desde o momento de sua criação (ab
initio ou ab ovo). Ex: Lei criada em 1990 --> a norma já nasceu incompatível
com a Constituição e pode, portanto, ser objeto de ADI.
2. Superveniente: o surgimento do objeto é anterior ao do parâmetro. A lei que
originariamente era constitucional se torna incompatível com a nova
constituição. Exemplo: Lei de Imprensa de 1978 nasceu constitucional, nos
termos da ADPF 130. Porque ADPF? No Brasil não se utiliza a expressão
“inconstitucionalidade superveniente”, pois se entende que, se uma norma
nasce constitucional e se torna incompatível, não há inconstitucionalidade
superveniente. Segundo o entendimento do STF, a inconstitucionalidade
superveniente é tratada como não-recepção. O STF afirma ser caso de
revogação (problema de direito intertemporal).
4.5 Quanto ao prisma de apuração
Quanto ao prisma de alteração podemos ter três espécies de inconstitucionalidade:
1. Inconstitucionalidade direta (antecedente): quando o ato está ligado
diretamente à Constituição. é quando a inconstitucionalidade do ato secundário
é conseqüência da inconstitucionalidade do ato primário do qual tira seu
fundamento direto.
* Isoladamente, não existiria possibilidade de o ato normativo secundário ser
objeto de ADI. Entretanto, neste caso, o STF entende que o ato normativo
secundário pode ser decretado inconstitucional por uma ADI, juntamente
com o ato primário, independentemente de provocação
(“inconstitucionalidade por arrastamento”).
* Exemplo: lei municipal inconstitucional por regulamentar matéria de
competência federal e decreto municipal que regulamenta a lei municipal
em questão.
Aula 04 - 09/02/2011
2. Inconstitucionalidade indireta
34
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
a) Consequente. é quando a inconstitucionalidade do ato secundário é
conseqüência da inconstitucionalidade do ato primário do qual tira seu
fundamento direto. Isoladamente, não existiria possibilidade de o ato
normativo secundário ser objeto de ADI. Entretanto, neste caso, o STF
entende que o ato normativo secundário pode ser decretado inconstitucional
por uma ADI, juntamente com o ato primário, independentemente de
provocação (“inconstitucionalidade por arrastamento”). Ex: lei municipal
inconstitucional por regulamentar matéria de competência federal e decreto
municipal que regulamenta a lei municipal em questão. Esquematicamente
temos a seguinte conclusão:
Inconstitucionalidade consequente
Inconstitucionalidade por arrastamento(por atração /
consequencial) - É uma forma de ocorrência da inconstitucionalidade.
- É uma técnica de decisão judicial utilizada apenas no controle concentrado-abstrato quando ocorrer uma inconstitucionalidade consequente.
b) Reflexa (oblíqua): é quando o ato normativo secundário fere a constituição
de forma indireta. Neste caso não cabe ADI. Ex: decreto presidencial ilegal
que fere lei constitucional (de forma reflexa é também inconstitucional por
ferir o art. 84, IV da CRFB/88).
Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:
IV - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir
decretos e regulamentos para sua fiel execução;
5. Formas de controle de constitucionalidade
5.1 Quanto à natureza do órgão
35
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
Quanto à natureza, o controle de constitucionalidade pode ser político ou
jurisdicional. O controle político é realizado por um órgão que não tem natureza
jurisdicional (não faz parte da estrutura do Judiciário). Pode ser órgão do Poder Legislativo
ou órgão específico criado para esse fim. Nesse último caso podemos citar como exemplo
o que ocorre na França: o Conselho Constitucional, que não é órgão do Poder Judiciário.
O controle jurisdicional é aquele feito por um órgão do Poder Judiciário. No Brasil,
todos os Poderes exercem controle preventivo e repressivo, mas a função principal do
exercício do controle de constitucionalidade repressivo é do Poder Judiciário. Por isso,
nosso sistema é chamado de sistema jurisdicional, similar ao norte-americano. Em alguns
países, como a Suíça, adotam um sistema misto: dependendo do tipo de lei que vai ser
objeto de controle, o órgão que exercerá o controle será diferente. Por exemplo, em casos
de leis locais, o controle é responsabilidade do Judiciário e, aqui a Suíça adota um sistema
jurisdicional; agora, em caso de leis federais, o controle é feito pelo Legislativo, sendo um
verdadeiro controle político. Por essa razão, é misto o sistema suíço.
5.2 Quanto ao momento do controle
O controle de constitucionalidade quanto ao momento exercido pode ser preventivo
ou repressivo. Sinoticamente, o controle preventivo na próxima página.
Vejamos o esquema da página seguinte, com as seguintes observações:
a) Algumas pessoas sustentam que o Presidente da República poderia ser
legitimado, junto com o parlamentar para opor MS no controle preventivo
perante o Judiciário. O professor Novelino discorda, pois ele já participa do
processo legislativo através do veto.
b) O controle preventivo não impede um posterior controle repressivo (ex.
controle de uma EC).
36
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
CONTROLE PREVENTIVO LEGISLATIVO EXECUTIVO JUDICIÁRIO
- É a regra geral. - Comissões de Constituição e Justiça na Câmara e no Senado: analisam previamente se o projeto de lei é constitucional ou não, através de um parecer Todos os órgãos do Legislativo possuem uma comissão desta natureza.
- Veto Jurídico (art. 66, § 1º da CRFB/88).
Art. 66, § 1º - Se o Presidente da República considerar o projeto, no todo ou em parte, inconstitucional ou contrário ao interesse público, vetá-lo-á total ou parcialmente, no prazo de quinze dias úteis, contados da data do recebimento, e comunicará, dentro de quarenta e oito horas, ao Presidente do Senado Federal os motivos do veto.
- O veto pode ser de dois tipos: político (quando o presidente veta por se contrário ao interesse público) ou jurídico - por considerar inconstitucional.
- De forma excepcional o Judiciário pode exercer o controle preventivo: é através do mandado de segurança impetrado por parlamentar quando não for observado o devido processo legislativo constitucional. - Exemplo: Como as cláusulas pétreas (art. 60, § 4º) não podem ser objeto de deliberação, o parlamentar pode impetrar o MS caso alguma proposta de lei que viole as cláusulas pétreas esteja prestes a ser votada.
- O parlamentar tem direito público subjetivo à observância do processo legislativo (o Chefe do Executivo, embora participe do Processo Legislativo, não tem interesse impetrar MS, pois possui o VETO.
- Tem que ser o parlamentar da respectiva casa na qual o projeto esteja tramitando.
- O MS para garantir o direito público subjetivo do parlamentar ao devido processo constitucional é controle subjetivo.
Obs.: É um controle difuso, pois dependendo do parlamentar vai variar o juízo competente (ex. vereador – juiz; dep. Estadual – TJ; dep. federal e senador – STF).
Já o sistema repressivo é Pode ser exercido por todos os poderes (Legislativo,
Executivo e Judiciário). Aqui o principal controlador é o Judiciário. Esquematicamente:
CONTROLE REPRESSIVO
LEGISLATIVO EXECUTIVO JUDICIÁRIO
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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
-Três hipóteses de controle repressivo pelo Legislativo: 1. Art. 49, V: Compete ao Congresso Nacional sustar os atos normativos do Poder executivo que exorbitem os atos do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa. 2. Art. 62: O Congresso Nacional pode rejeitar a medida provisória proposta pelo Presidente da República.
* A medida provisória deve obedecer aos pressupostos constitucionais formais (ex: relevância e urgência) e aos pressupostos materiais (ex: se a matéria é vedada à MP). Não cabe ao poder judiciário, em princípio analisar a observância dos pressupostos constitucionais. Esta análise só deverá ser feita quando a inconstitucionalidade for flagrante e objetiva (“inconstitucionalidade chapada” – Portugal). Ex. quando Lula deu status de ministro ao presidente do Banco Central por MP; quando FHC por MP criou nova hipótese de Ação Rescisória.
3. Súmula 347 do STF: o Tribunal de Contas, no exercício de suas atribuições, pode apreciar a constitucionalidade das leis e atos do poder público
- O chefe do Executivo (Presidente, Governador e Prefeito), pode negar cumprimento a uma lei que entenda ser inconstitucional. Para que não fique caracterizado o crime de responsabilidade e para que não haja possibilidade de intervenção (federal ou estadual), ele deverá motivar o seu ato e dar publicidade. Parte da doutrina sustenta ainda que ele deverá simultaneamente ajuizar ação cabível. - Exemplo: MP do apagão de FHC e Itamar que negou cumprimento desta MP em MG por entendê-la inconstitucional. - Há na lei de crimes de responsabilidades dos chefes do Executivo um crime que é negar o cumprimento da lei. - Alguns autores afirmam que, após a CRFB/88, não podem mais os Chefes do Executivo negar o cumprimento das leis, tendo em vista estarem presentes no rol de legitimação para a propositura de ADI, que, antes da CRFB/88, era exclusividade do PGR. O STF e o STJ admitem a negativa de cumprimento. Afirma que o chefe deve negar cumprimento. Obs.: Novelino entende que o chefe pode negar o cumprimento e impetrar ADI ao mesmo tempo (salvo o prefeito que não tem legitimidade).
- O controle repressivo feito pelo Judiciário pode ser um controle:
a) Difuso b) Concentrado
- É o sistema predominante no Brasil: sistema jurisdicional misto ou combinado, uma vez que combina o controle difuso, de origem norte-americana, e o controle concentrado, advindo do direito europeu.
5.3 Quanto à competência do controle jurisdicional
Quanto à competência jurisdicional, o controle pode ser difuso ou concentrado. O
único critério para distinguí-los é quem tem competência.
5.3.1 Controle difuso
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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
A) Introdução
O controle difuso ou aberto é aquele que poder ser exercido por qualquer órgão do
Judiciário. Tal tipo é conhecido como sistema-americano, pois surgiu em 1803 na decisão
proferida pelo chief of justice Marshall no caso Marbury x Madison. Neste caso, foi a 1ª
vez que a Suprema Corte norte-americana declarou uma lei inconstitucional. Agora,
afirmar que foi a 1ª vez que o controle de constitucionalidade foi exercido, é falso, uma
vez que foi utilizado ontem, todavia, sem base teórica. Foram nos seguintes casos:
a) 1792: “Hayburn’s case”. Nessa época nos EUA os membros da suprema corte
eram membros também dos chamados tribunais do circuito (tipo um TRF no
Brasil). E, 5 dois 6 membros dos tribunais do circuito, declararam uma lei
sobre pensão inválida.
b) 1796: Hilton x USA: O Suprema Corte não declarou a inconstitucionalidade,
mas apreciou se a lei era inconstitucional ou não. Não declarou
inconstitucional, pois entendeu que a lei era constitucional.
Esse controle difuso, de origem norte-americana, foi introduzido através da
Constituição de 1891, que foi a 1ª constituição republicana do Brasil.
B) Noções de Direito Norte-Americano que são cada vez mais utilizadas no STF.
a) Stare Decisis: doutrina segundo a qual deve ser dado o devido peso a um
precedente judicial.
b) Binding Effect: é o efeito vinculante das decisões proferidas pela Suprema
Corte. Vale lembrar que, Rui Barbosa, que trouxe o controle difuso para o
Brasil pela 1ª vez, trouxe-o sem esse efeito. Hoje, o STF tem, para utilizar esse
efeito o art. 52, X - suspensão da execução da lei pelo Senado e as súmulas
vinculantes, nos termos do art. 103-A da CF/88.
c) Decisões overruling: consistem no abandono definitivo de um precedente
anteriormente adotado (o tribunal tem o ônus da fundamentação para derrubada
ou abandono do precedente e criação de um substituto).
d) Distinguishing: consiste no afastamento do precedente em um determinado
39
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
caso em razão de circunstâncias fundamentais que o diferencia dos demais
casos que originaram o precedente. Não há o abandono do precedente, sendo
ele mantido, apenas não mais se aplicando ao caso em tela. Ex: Súmula 343
STF, na qual for divergência sobre texto de lei, aplica-se a súmula. Entretanto,
se a divergência for sobre matéria constitucional não se aplica a súmula.
5.3.2 Controle concentrado
Controle concentrado é aquele que se concentra em apenas 1 tribunal. E a quem
pertence esse controle? Devemos nos perguntar qual norma é o parâmetro: quando o
parâmetro é a Constituição Federal, o STF é o tribunal competente; quando o parâmetro é a
Constituição Estadual, o tribunal competente é o respectivo TJ.
O controle concentrado é conhecido como sistema europeu, inspirado no civil law ou
austríaco, uma vez que foi criado em 1920 pelo austríaco Hans Kelsen. Segundo ele, seria
o Tribunal Constitucional o competente para realizar o controle concentrado.
No Brasil o controle concentrado surgiu com a emenda constitucional nº 65/1916 à
Constituição Federal de 1946.
5.4 Quanto à finalidade principal do controle
Quanto à finalidade principal, o controle pode ser dividido em concreto ou abstrato.
5.4.1 Controle concreto (via de defesa ou via de exceção)
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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
Para o professor Marcelo Novelino o termo “incidental” é a palavra mais adequada
para denominar este tipo de controle, pois nele a finalidade principal é a proteção de
direitos subjetivos. A inconstitucionalidade é analisada apenas de forma incidental, não é
objeto do pedido. Exemplo: uma lei inconstitucional que criou um imposto. A pessoa entra
em juízo e pede para não pagar aquele imposto e receber o que já pagou indevidamente:
este seria o pedido; e, a causa de pedir é a declaração de inconstitucionalidade.
O controle concreto visa primordialmente à proteção de direitos subjetivos. A
pretensão é deduzida em juízo através de um processo constitucional subjetivo (caso
concreto). O controle concreto surge justamente a partir de um caso concreto levado à
apreciação do Poder Judiciário.
5.4.2 Controle abstrato (via de ação, via principal)
O controle abstrato tem por finalidade principal proteger a supremacia da
Constituição, tendo como finalidade secundária a proteção ao direito subjetivo. É
justamente o inverso do controle por via de exceção. Exemplo: Presidente da República
ajuíza ADI para proteger interesses do cidadão. A decisão do Pretório Excelso estará no
dispositivo da decisão, e não na fundamentação (como ocorre na via de defesa).
6. Formas de declaração de inconstitucionalidade pelo Poder Judiciário
6.1 Quanto ao aspecto objetivo
Que partes da decisão produzirão efeitos e quais os efeitos declarados?
Controle incidental Controle principal
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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
--- Estrutura da decisão: + Relatório + Fundamentação: inconstitucionalidade aqui analisada + Dispositivo: efeitos inter partes.
--- Estrutura da decisão: + Relatório + Fundamentação: temos aqui duas teorias:
a) teoria extensiva: não apenas o dispositivo transcende, mas também os motivos determinantes.
- Teoria dos motivos determinantes (ou transcendência dos motivos ou efeito transcendente dos motivos determinantes):
* A ratio decidendi - razão que levou o tribunal a decidir daquela maneira- tem efeitos vinculantes. Cuidado, pois não é toda fundamentação que tem este efeito, pois as questões obiter dicta (coisas ditas de passagem) não são vinculantes.
* Argumentos a favor: o STF é o guardião da CF, cabe a ele dar a última palavra sobre a interpretação da CRFB/88 e interpretações divergentes enfraquecem a força normativa da CRFB/88. O STF já adotou essa tese em alguns julgados, mas não é pacífica. Atualmente está em discussão.
b) Teoria restritiva: afirma que apenas o
dispositivo é vinculante.
+ Dispositivo: inconstitucionalidade aqui declarada, com efeito efeito erga omnes. --- A partir de 1993 foi introduzido o efeito vinculante na decisão do controle principal.
6.2 Quanto ao aspecto subjetivo
Aqui analisam-se quais os sujeitos atingidos pela decisão. No controle incidental já
vimos que as partes envolvidas no processo são as únicas atingidas pela decisão. Já no
controle principal a decisão terá efeito erga omnes e vinculante.
Cuidado: efeito erga omnes ≠ efeito vinculante:
Efeito erga omnes Efeito vinculante - Atinge a todos, sem exceção. Não apenas os poderes públicos, mas também os particulares. - Legislador negativo: expressão criada por Hans Kelsen --> é como se o STF estivesse atuando como legislador revogando a lei. - É mais amplo do que o efeito vinculante, uma vez que atinge mais pessoas do que este.
- Não atinge a todos indistintamente. Somente atinge alguns Poderes Públicos: + O Poder Judiciário, salvo o STF. + Toda a Administração Pública, de todas as
esferas sem exceção. Ver art. 102, § 2º da CF/88:
2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações
42
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.
- Poder Legislativo não é atingido pelo efeito vinculante, visto que não se pode engessar o legislador.
Obs.: Ora, se o efeito erga omnes é mais abrangente do que o efeito vinculante, por que
esse foi criado? Enquanto o efeito erga omnes atinge apenas o dispositivo da decisão, o
efeito vinculante pode atingir também a ratio decidendi - os motivos que levaram à decisão
- que estão na fundamentação. E, quando os motivos determinantes são atingidos, atingem-
se também as “normas paralelas”. O que são “normas paralelas”? São normas de outros
entes da Federação. Exemplo: o Estado de São Paulo tinha uma lei permitindo
interrogatório de preso por vídeo-conferência. O STF dá uma decisão entendendo que essa
legislação é inconstitucional, pois é de matéria penal. Vamos supor que não fosse só em SP
que existisse essa lei, e sim haveria também no Rio de Janeiro e Pará. Apesar da decisão do
Supremo ser em relação à lei do SP, como os motivos determinantes da decisão são os
mesmos, essa decisão iria atingir as normas paralelas, ou seja, as leis do Rio de Janeiro e
do Pará, mesmo que não tenham sido questionadas em ADI. E se a lei nesses Estados
continuassem a ser aplicadas? Teria que ser ajuizada uma ADI? Se sim, não adiantaria
nada; nesse caso, caberia uma reclamação para o STF.
Obs.: O efeito vinculante não vincula o Poder Legislativo apenas na sua função típica de
legislar. Motivos: a) no estado democrático o legislador não pode ser impedido pelo
judiciário de legislar; b) para evitar a “fossilização da constituição” (argumento utilizado
pelo STF). O Legislativo, todavia, é afetado pelo efeito vinculante em suas funções
atípicas (administrativa e jurisdicional) e na função típica fiscalizatória (ex: julgamento de
crime de responsabilidade). Podemos citar como exemplo a súmula vinculante nº 13
Súmula Vinculante n 13. A nomeação de cônjuge, companheiro ou
parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau,
inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa
jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o
exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função
gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos
Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios,
compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a
Constituição Federal.
43
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
A súmula vale pro Poder Executivo, Poder Judiciário (inclusive o STF) e Poder
Legislativo!!! Agora, não afeta a função legislativa do Congresso Nacional, podendo uma
nova lei contrariar o entendimento do STF. E se o Pretório Excelso quiser mudar o seu
entendimento futuramente também é possível.
Obs.: O chefe do Poder Executivo também não fica vinculado em sua função legislativa.
Ex: apresentar um projeto de lei de sua exclusiva iniciativa, medida provisória, lei
delegada, celebração de tratado internacional, veto, etc. Todavia, se estiver exercendo a
função administrativa, o Chefe do Executivo estará sujeito ao efeito vinculante.
Aula 05 - 23/02/2011
6.3 Quanto ao aspecto temporal
Para estudar a forma de declaração de inconstitucionalidade quanto ao aspecto
temporal, é necessário antes estudar a natureza jurídica da lei inconstitucional. Qual a
natureza jurídica de uma lei inconstitucional?
a) Ato Inexistente: A posição minoritária é que a lei inconstitucional seria um ato
inexistente. Para uma norma pertencer a um ordenamento jurídico ela deve ser
feita de acordo com seu fundamento de validade que é a norma superior. Se ela
não é criada respeitando isso, está fora do ordenamento. Aquelas normas que
não obedecem a norma superior, estão fora do sistema, não existindo portanto.
Um dos autores que defendem esse ponto de vista é Seabra Fagundes; ele
entende que se para pertencer ao ordenamento jurídico a norma tem que ser
feita de acordo com o seu fundamento de validade. Quando isso não ocorre a
norma deve ser considerada juridicamente inexistente.
b) Ato nulo: é o entendimento adotado pela doutrina e jurisprudência norte-
americana desde o famoso caso Marbury x Madison em 1803 - é a teoria de
nulidade. A lei inconstitucional é um ato nulo, pois possui um vício de origem.
Ora, se a lei inconstitucional é considerada um ato nulo, a decisão do juiz que
declara a lei inconstitucional, tal sentença será declaratória ou constitutiva?
Terá natureza declaratória.
44
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
c) Ato Anulável: era o posicionamento defendido por Hans Kelsen. A lei
inconstitucional não seria um ato nulo, e sim anulável. Kelsen argumenta que
se a lei enquanto não for declarada inconstitucional continua existindo e
produzindo efeitos, a lei inconstitucional somente pode ser considerada um ato
anulável. É a teoria da anulabilidade. A sentença proferida aqui pelo juiz tem
uma natureza constitutiva. Este posicionamento de Kelsen é reforçado pelo
princípio da presunção de constitucionalidade das leis: enquanto a lei não for
declarada inconstitucional será considerada presumidamente constitucional - é
uma presunção relativa.
O posicionamento adotado pelo STF é de acordo com a doutrina americana: a lei
inconstitucional é um ato nulo. Esse entendimento hoje é bastante questionado, em razão
da possibilidade que existe da modulação temporal dos efeitos da decisão.
Em regra, pela teoria da nulidade, se a lei já nasceu inválida, o efeito da declaração
de inconstitucionalidade será ex tunc - desde quando a lei foi criada, tendo efeitos
retroativos. Essa é a regra geral. Todavia, existe a possibilidade da modulação temporal
dos efeitos da decisão pelo STF; a partir da modulação a decisão que declara uma lei
inconstitucional terá efeito ex nunc: a lei é inconstitucional, mas não vale desde o seu
nascimento, e sim apenas de quando foi proferida a decisão.
Também o tribunal pode utilizar-se do efeito “pro futuro” na declaração de
inconstitucionalidade. E o que é o efeito pro futuro? O tribunal fixará um momento futuro
a partir do qual a decisão começará a surtir seus efeitos. Exemplo:
Para que a modulação temporal possa ser feita é necessário o atendimento de um dos
requisitos seguintes: segurança jurídica ou excepcional interesse social. Estes requisitos
estão previstos no art. 27 da Lei 9.868/99 (regula ADI e ADC) e art. 11 da Lei 9.882/99
(regula a ADPF). Vejamos:
Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e
tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse
social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de
seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela
só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento
que venha a ser fixado.
Art. 11. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, no
processo de argüição de descumprimento de preceito fundamental, e tendo
em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse
social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços - ou
seja 8 ministro dos 11 - de seus membros, restringir os efeitos daquela
45
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em
julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.
* O quorum de 2/3 é somente para modular os efeitos pro futuro ou ex nunc. Vale
lembrar que essa modulação não só se refere ao aspecto temporal; o STF pode
modular a extensão dos efeitos da sua decisão.
* Apesar de estar prevista apenas nas leis que regulamentam a ADI, ADC e
ADPF, a modulação temporal pode ser feita pelo STF também no controle
difuso, por via incidental. Neste caso aplicam-se os mesmos critérios previstos
nas Lei 9.868/99 por analogia. Inclusive, essa analogia utilizando-se a citada
lei tem fundamento da jurisprudência do Pretório Excelso.
Exemplo de efeito ex nunc: STF, RE 442.683/RS. A decisão tratava dos regimes
jurídicos dos servidores públicos da União, onde tinha dentro das hipóteses de provimento
do cargo público, a ascensão - uma pessoa fazia um concurso de nível médio para
determinado órgão e, após, órgão abria um concurso interno para cargos de nível superior,
ex vis, de técnico do INSS para seu procurador autárquico. O STF declarou essa lei
inconstitucional. Todavia, se ele declarasse inconstitucional com efeito ex tunc, todos
aqueles servidores que estavam em determinados cargos através de ascensão teriam que
deixá-los. Para evitar uma situação de insegurança jurídica o STF declarou a lei
inconstitucional, mas apenas com efeitos ex nunc.
EMENTA: CONSTITUCIONAL. SERVIDOR PÚBLICO:
PROVIMENTO DERIVADO: INCONSTITUCIONALIDADE: EFEITO
EX NUNC. PRINCÍPIOS DA BOA-FÉ E DA SEGURANÇA
JURÍDICA.
I. - A Constituição de 1988 instituiu o concurso público como forma de
acesso aos cargos públicos. CF, art. 37, II. Pedido de desconstituição de
ato administrativo que deferiu, mediante concurso interno, a progressão de
servidores públicos. Acontece que, à época dos fatos 1987 a 1992 , o
entendimento a respeito do tema não era pacífico, certo que, apenas em
17.02.1993, é que o Supremo Tribunal Federal suspendeu, com efeito ex
nunc, a eficácia do art. 8º, III; art. 10, parágrafo único; art. 13, § 4º; art. 17
e art. 33, IV, da Lei 8.112, de 1990, dispositivos esses que foram
declarados inconstitucionais em 27.8.1998: ADI 837/DF, Relator o
Ministro Moreira Alves, "DJ" de 25.6.1999.
II. - Os princípios da boa-fé e da segurança jurídica autorizam a adoção do
efeito ex nunc para a decisão que decreta a inconstitucionalidade.
Ademais, os prejuízos que adviriam para a Administração seriam maiores
que eventuais vantagens do desfazimento dos atos administrativos.
III. - Precedentes do Supremo Tribunal Federal.
IV. - RE conhecido, mas não provido.
Exemplo de efeito pro futuro: STF, RE 197.917/SP. Nesse recurso extraordinário o
STF analisou a questão do número de vereadores dos municípios. O TSE previu uma série
46
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
de critérios para utilizar o número de vereadores. O Pretório entendeu que a resolução era
constitucional. Essa decisão foi proferida em 2002, no meio de uma legislatura (que
terminaria em 2004). Se o Supremo se utilizasse dos efeitos ex tunc, os vereadores teriam
que sair do cargo e devolver tudo que receberam; se ex nunc, eles teriam que sair e
realizar-se novas eleições. Por isso, o STF utilizou-se do pro futuro: a decisão só começa a
produzir efeitos em 2004, quando iniciar-se uma nova legislatura, para preservar a
segurança jurídica do atual momento político.
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. MUNICÍPIOS. CÂMARA DE
VEREADORES. COMPOSIÇÃO. AUTONOMIA MUNICIPAL.
LIMITES CONSTITUCIONAIS. NÚMERO DE VEREADORES
PROPORCIONAL À POPULAÇÃO. CF, ARTIGO 29, IV.
APLICAÇÃO DE CRITÉRIO ARITMÉTICO RÍGIDO. INVOCAÇÃO
DOS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA E DA RAZOABILIDADE.
INCOMPATIBILIDADE ENTRE A POPULAÇÃO E O NÚMERO DE
VEREADORES. INCONSTITUCIONALIDADE, INCIDENTER
TANTUM, DA NORMA MUNICIPAL. EFEITOS PARA O FUTURO.
SITUAÇÃO EXCEPCIONAL.
1. O artigo 29, inciso IV da Constituição Federal, exige que o número de
Vereadores seja proporcional à população dos Municípios, observados os
limites mínimos e máximos fixados pelas alíneas a, b e c.
2. Deixar a critério do legislador municipal o estabelecimento da
composição das Câmaras Municipais, com observância apenas dos limites
máximos e mínimos do preceito (CF, artigo 29) é tornar sem sentido a
previsão constitucional expressa da proporcionalidade.
3. Situação real e contemporânea em que Municípios menos populosos
têm mais Vereadores do que outros com um número de habitantes várias
vezes maior. Casos em que a falta de um parâmetro matemático rígido que
delimite a ação dos legislativos Municipais implica evidente afronta ao
postulado da isonomia.
4. Princípio da razoabilidade. Restrição legislativa. A aprovação de norma
municipal que estabelece a composição da Câmara de Vereadores sem
observância da relação cogente de proporção com a respectiva população
configura excesso do poder de legislar, não encontrando eco no sistema
constitucional vigente.
5. Parâmetro aritmético que atende ao comando expresso na Constituição
Federal, sem que a proporcionalidade reclamada traduza qualquer afronta
aos demais princípios constitucionais e nem resulte formas estranhas e
distantes da realidade dos Municípios brasileiros. Atendimento aos
postulados da moralidade, impessoalidade e economicidade dos atos
administrativos (CF, artigo 37).
6. Fronteiras da autonomia municipal impostas pela própria Carta da
República, que admite a proporcionalidade da representação política em
face do número de habitantes. Orientação que se confirma e se reitera
segundo o modelo de composição da Câmara dos Deputados e das
Assembléias Legislativas (CF, artigos 27 e 45, § 1º). 7.
Inconstitucionalidade, incidenter tantum, da lei local que fixou em 11
(onze) o número de Vereadores, dado que sua população de pouco mais
de 2600 habitantes somente comporta 09 representantes.
8. Efeitos. Princípio da segurança jurídica. Situação excepcional em que a
declaração de nulidade, com seus normais efeitos ex tunc, resultaria grave
ameaça a todo o sistema legislativo vigente. Prevalência do interesse
público para assegurar, em caráter de exceção, efeitos pro futuro à
declaração incidental de inconstitucionalidade. Recurso extraordinário
conhecido e em parte provido.
Obs.: É possível modulação temporal dos efeitos de decisão de inconstitucionalidade em
47
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
caso de recepção (normas pré-constitucionais)? Esta questão foi debatida apenas por estes
dois ministros no meio de um julgamento. Gilmar Mendes entendeu que a modulação seria
possível em relação a normas anteriores à CRFB/88. Já Celso de Melo discordou,
afirmando que não seria possível a modulação em matéria de normas pré-constitucionais.
Esta discussão não foi a causa da decisão, apenas uma questão controversa entre eles obiter
dicta.
6.3.1 Inconstitucionalidade progressiva (ou norma ainda constitucional)
São “situações constitucionais imperfeitas” (expressão utilizada pelo Supremo) que
se situam entre a inconstitucionalidade plena e a constitucionalidade absoluta. Nestas
situações imperfeitas é como se a norma estivesse na zona cinzenta: ela não é nem
totalmente constitucional nem inconstitucional. Apesar de uma aparente
inconstitucionalidade, as circunstâncias fáticas existentes naquele momento justificam a
manutenção da norma dentro do ordenamento jurídico. Existem dois entendimentos sobre
essas situações inconstitucionais imperfeitas:
1. STF, HC 70.514. Aqui o Supremo analisou incidentalmente a
constitucionalidade do art 5º, § 5º da Lei 1.060/50 que teve uma alteração pela
Lei 7.871/89:
§ 5° Nos Estados onde a Assistência Judiciária seja organizada e por eles
mantida, o Defensor Público, ou quem exerça cargo equivalente, será
intimado pessoalmente de todos os atos do processo, em ambas as
Instâncias, contando-se-lhes em dobro todos os prazos.
* Incidentalmente o Ministério Público contestou os prazos em dobro pela
Defensoria Pública, entendendo ser uma discriminação ilegal: porque a
defensoria pode e o MP não? O MP pediu que incidentalmente que a
expressão “em dobro” fosse declarada inconstitucional. O STF entendeu, de
fato, que o prazo deveria ser igual; no entanto, se analisar-se a estrutura de
defensoria e MP, na maioria dos Estados brasileiros, são raras as exceções,
mas entre ambas instituições se percebe que o MP é mais estruturado do que
as defensorias. O Supremo entendeu que enquanto houver uma desigualdade
fática entre a defensoria e o Ministério Público se justifica essa
48
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
desigualdade jurídica: a medida em que a defensoria pública for sendo
estruturada da mesma forma em que o Ministério Público, esta norma
progressivamente irá se tornar inconstitucional.
STF, RE 70.514
EMENTA: - Direito Constitucional e Processual Penal. Defensores
Públicos: prazo em dobro para interposição de recursos (§ 5 do art. 1 da
Lei n 1.060, de 05.02.1950, acrescentado pela Lei n 7.871, de
08.11.1989). Constitucionalidade. "Habeas Corpus". Nulidades. Intimação
pessoal dos Defensores Públicos e prazo em dobro para interposição de
recursos.
1. Não é de ser reconhecida a inconstitucionalidade do § 5 do art. 1 da Lei
n 1.060, de 05.02.1950, acrescentado pela Lei n 7.871, de 08.11.1989, no
ponto em que confere prazo em dobro, para recurso, às Defensorias
Públicas, ao menos até que sua organização, nos Estados, alcance o nível
de organização do respectivo Ministério Público, que é a parte adversa,
como órgão de acusação, no processo da ação penal pública.
2. Deve ser anulado, pelo Supremo Tribunal Federal, acórdão de Tribunal
que não conhece de apelação interposta por Defensor Público, por
considerá-la intempestiva, sem levar em conta o prazo em dobro para
recurso, de que trata o § 5 do art. 1 da Lei n 1.060, de 05.02.1950,
acrescentado pela Lei n 7.871, de 08.11.1989.
3. A anulação também se justifica, se, apesar do disposto no mesmo
parágrafo, o julgamento do recurso se realiza, sem intimação pessoal do
Defensor Público e resulta desfavorável ao réu, seja, quanto a sua própria
apelação, seja quanto à interposta pelo Ministério Público.
4. A anulação deve beneficiar também o co-réu, defendido pelo mesmo
Defensor Público, ainda que não tenha apelado, se o julgamento do
recurso interposto pelo Ministério Público, realizado nas referidas
circunstâncias, lhe é igualmente desfavorável. "Habeas Corpus" deferido
para tais fins, devendo o novo julgamento se realizar com prévia
intimação pessoal do Defensor Público, afastada a questão da
tempestividade da apelação do réu, interposto dentro do prazo em dobro.
2. STF, RE 147.776. Essa hipótese envolveu o art. 68 do Código de Processo
Penal e a CF/88 no seu art. 134.
Art. 68. Quando o titular do direito à reparação do dano for pobre (art. 32,
§§ 1o e 2o), a execução da sentença condenatória (art. 63) ou a ação civil
(art. 64) será promovida, a seu requerimento, pelo Ministério Público.
Art. 134. A Defensoria Pública é instituição essencial à função
jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa,
em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV.
O Ministério Público questionou a constitucionalidade do art. 68 na supracitada
decisão. Ora, a partir da CF/88 quem tem obrigação de defender os pobres é a Defensoria,
portanto, o art. 68 não deveria ser o responsável pela atribuição incumbida no CPP. O STF
entendeu que, de fato, essa responsabilidade era defensoria pública; todavia, nem todos os
Estados-membros possuem defensoria e, por isso a norma discutida é constitucional: se eu
declaro o dispositivo inconstitucional estou privando as pessoas do direito conferido pelo
49
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
artigo. A medida que as defensorias públicas forem sendo criadas e instaladas, o art. 68 do
CPP será inconstitucional. O professor Marcelo Novelino entende que é uma forma de
manipulação temporal dos efeitos da decisão essas hipóteses de inconstitucionalidade
progressiva.
STF, RE. 147.776
EMENTA: Ministério Público: legitimação para promoção, no juízo cível,
do ressarcimento do dano resultante de crime, pobre o titular do direito à
reparação: C. Pr. Pen., art. 68, ainda constitucional (cf. RE 135328):
processo de inconstitucionalização das leis.
1. A alternativa radical da jurisdição constitucional ortodoxa entre a
constitucionalidade plena e a declaração de inconstitucionalidade ou
revogação por inconstitucionalidade da lei com fulminante eficácia ex
tunc faz abstração da evidência de que a implementação de uma nova
ordem constitucional não é um fato instantâneo, mas um processo, no qual
a possibilidade de realização da norma da Constituição - ainda quando
teoricamente não se cuide de preceito de eficácia limitada - subordina-se
muitas vezes a alterações da realidade fáctica que a viabilizem.
2. No contexto da Constituição de 1988, a atribuição anteriormente dada
ao Ministério Público pelo art. 68 C. Pr. Penal - constituindo modalidade
de assistência judiciária - deve reputar-se transferida para a Defensoria
Pública: essa, porém, para esse fim, só se pode considerar existente, onde
e quando organizada, de direito e de fato, nos moldes do art. 134 da
própria Constituição e da lei complementar por ela ordenada: até que - na
União ou em cada Estado considerado -, se implemente essa condição de
viabilização da cogitada transferência constitucional de atribuições, o art.
68 C. Pr. Pen. será considerado ainda vigente: é o caso do Estado de São
Paulo, como decidiu o plenário no RE 135328.
STF, RE 135.328
LEGITIMIDADE - AÇÃO "EX DELICTO" - MINISTÉRIO PÚBLICO -
DEFENSORIA PÚBLICA - ARTIGO 68 DO CÓDIGO DE PROCESSO
PENAL - CARTA DA REPÚBLICA DE 1988. A teor do disposto no
artigo 134 da Constituição Federal, cabe à Defensoria Pública, instituição
essencial à função jurisdicional do Estado, a orientação e a defesa, em
todos os graus, dos necessitados, na forma do artigo 5º, LXXIV, da Carta,
estando restrita a atuação do Ministério Público, no campo dos interesses
sociais e individuais, àqueles indisponíveis (parte final do artigo 127 da
Constituição Federal). INCONSTITUCIONALIDADE PROGRESSIVA -
VIABILIZAÇÃO DO EXERCÍCIO DE DIREITO ASSEGURADO
CONSTITUCIONALMENTE - ASSISTÊNCIA JURÍDICA E
JUDICIÁRIA DOS NECESSITADOS - SUBSISTÊNCIA
TEMPORÁRIA DA LEGITIMAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. Ao
Estado, no que assegurado constitucionalmente certo direito, cumpre
viabilizar o respectivo exercício. Enquanto não criada por lei, organizada -
e, portanto, preenchidos os cargos próprios, na unidade da Federação - a
Defensoria Pública, permanece em vigor o artigo 68 do Código de
Processo Penal, estando o Ministério Público legitimado para a ação de
ressarcimento nele prevista. Irrelevância de a assistência vir sendo
prestada por órgão da Procuradoria Geral do Estado, em face de não lhe
competir, constitucionalmente, a defesa daqueles que não possam
demandar, contratando diretamente profissional da advocacia, sem
prejuízo do próprio sustento.
Obs.: “Apelo ao legislador”: é quando o Judiciário faz um apelo ao legislador para que crie
a norma necessária e conserte determinada questão de sua competência; isso é feito em
casos de Inconstitucionalidade Progressiva No Brasil não há prazo para o Legislador criar
a norma (na Áustria há um prazo de 6 meses). A depender da situação, aqui no Brasil, cabe
50
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
Reclamação Constitucional. Para Novelino o apelo ao legislador é forma de modulação
temporal, mas o STF não considera assim.
6.4 Quanto à extensão da declaração
A modulação temporal dos efeitos da decisão pode ocorrer não só no controle
concentrado, como visto, mas também no controle difuso. Essas técnicas que vamos
estudar agora só podem ser utilizadas no controle concentrado. Logo, as técnicas de
decisão que serão analisadas a seguir só podem ser utilizadas no controle concentrado de
constitucionalidade (ADI, ADC e ADPF). Que técnicas são essas? São as seguintes:
1. “Declaração de nulidade sem redução de texto: ocorrendo quando a lei for
polissêmica ou plurissignificativa (mais de um significado possível). Exemplo:
a lei “A” tem duas interpretações possíveis. O STF, então, declara, não o
dispositivo inconstitucional, mas apenas a interpretação errônea dada ao
dispositivo. Na decisão, portanto, o Pretório Excelso poderá dizer que o
dispositivo é inconstitucional se for interpretado da maneira errônea. Essa
declaração de nulidade sem redução de texto é muito semelhante ao princípio
da interpretação conforme à Constituição --> o STF entendeu que “a
declaração de nulidade sem redução de texto e a interpretação conforme a
Constituição são técnicas de decisão judicial equivalentes.” Exemplo: Ex:
Norma X, com possíveis interpretações A e B. Dispositivo da decisão: “A
norma X é inconstitucional se for interpretada da maneira B”. Com a
interpretação conforme a decisão ficaria da seguinte forma: o dispositivo é
constitucional, desde que interpretado da maneira “A”.
* Há uma distinção feita pelo professor Luis Roberto Barroso: a interpretação
conforme nesse caso é utilizado como técnica de decisão judicial, pois, nesta
forma de decisão o Tribunal exclui uma interpretação e permite outra.
Todavia, a interpretação conforme pode ser utilizada não como uma técnica
de decisão judicial, mas sim como um princípio interpretativo: aí ela terá um
significado diferente. Enquanto princípio interpretativo, a interpretação
conforme impõe que as leis sejam interpretadas à luz dos valores
constitucionais --> Aqui nesse sentido é possível ter duas interpretações
51
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
conforme segundo o mesmo dispositivo. Exemplo: julgamento proferido pelo
TJ/RS que envolvia os dispositivos do CC sobre partilha dos bens: quando o
CC fala em união estável o faz com relação a homem e mulher. A questão
analisada foi a seguinte: um casal homoafetivo teria direito à partilha de bens
no regime de comunhão parcial ou essa regra pode ser aplicada apenas entre
homem e mulher. O TJ/RS interpretou os arts. 1723, 1725 e 1658 do CC/02 à
luz dos princípios da dignidade da pessoa humana e do princípio da isonomia,
e segundo esses ele determinou que o regime da comunhão parcial se
aplicasse à relação homoafetiva.
Art. 1.658. No regime de comunhão parcial, comunicam-se os bens que
sobrevierem ao casal, na constância do casamento, com as exceções dos
artigos seguintes.
Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o
homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e
duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.
Art. 1.725. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros,
aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão
parcial de bens.
TJ/RS AC 70005488812
Relação homoerótica. União estável. Aplicação dos princípios
constitucionais da dignidade humana e da igualdade. Analogia. Princípios
gerais do direito. Visão abrangente das entidades familiares. Regras de
inclusão. Partilha de bens. Regime da comunhão parcial. Inteligência dos
artigos 1.723, 1.725 e 1.658 do código civil de 2002. Precedentes
jurisprudenciais. Constitui união estável a relação fática entre duas
mulheres, configurada na convivência pública, contínua, duradoura e
estabelecida com o objetivo de constituir verdadeira família, observados
os deveres de lealdade, respeito e mútua assistência. Superados os
preconceitos que afetam ditas realidades, aplicam-se os princípios
constitucionais da dignidade da pessoa, da igualdade, além da analogia e
dos princípios gerais do direito, além da contemporânea modelagem das
entidades familiares em sistema aberto argamassado em regras de
inclusão. Assim, definida a natureza do convívio, opera-se a partilha dos
bens segundo o regime da comunhão parcial. Apelações desprovidas.
* A interpretação conforme, enquanto técnica de decisão judicial só pode ser
utilizada no controle concentrado, no entanto, a interpretação conforme
enquanto princípio interpretativo pode ser utilizada por qualquer órgão do
Poder Judiciário (no exemplo acima foi o TJ/RS que aplicou o princípio).
2. Declaração de nulidade com redução de texto: o STF pode afirmar que toda a
lei é inconstitucional (total), ou apenas uma parte (parcial) da lei é
inconstitucional, excluindo as vezes apenas uma palavra, todavia, não pode o
52
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
STF alterar o sentido da norma. Quando o Supremo utiliza a técnica da redução
de texto, ele atua como uma espécie de “legislador negativo.” Essa expressão
foi criada por Hans Kelsen - na obra “Jurisdição Constitucional” e ele entende
que, quando Supremo reduz o texto, estaria ele atuando como um legislador
negativo - pois retira a parte da lei ou toda lei.
6.4.1 Inconstitucionalidade por arrastamento (por atração)
Vamos antes de conceituar o arrastamento, relembrar a inconstitucionalidade
consequente. Exemplo:
- CF/88: norma suprema.
- Lei: se a lei for inconstitucional ela pode ser objeto de ADI.
- Decreto: ocorre quando a lei é inconstitucional e o decreto que regulamenta
esta lei, em consequência da inconstitucionalidade da lei. O decreto, que é
legal constitucionalmente, será indiretamente ilegal. Ora, como a inconstitucionalidade do
decreto é consequência da inconstitucionalidade da lei. É o arrastamento forma de
inconstitucionalidade consequente.
Na ADI o Supremo pode se utilizar da referida técnica: julgo procedente a ADI para
declarar a inconstitucionalidade da Lei “X” e, por arrastamento, do decreto que a
regulamenta. Perceba que o decreto não pode ser objeto de ADI, pois não pode ter como
parâmetro a CF/88. Todavia, se o STF não declará-lo inconstitucional ele ficará perdido no
ordenamento jurídico, por isso, ele usa da técnica do arrastamento. VER ADI 437-QO:
STF, ADI 437-QO (trecho)
A inconstitucionalidade por arrasto ocorre quando há uma relação de
dependência de certos preceitos com os que foram especificamente
impugnados, de maneira que as normas declaradas inconstitucionais
sirvam de fundamento de validade para aquelas que não pertenciam ao
objeto da ação. Trata-se exatamente do caso em discussão, no qual "a
eventual declaração de inconstitucionalidade da lei a que refere o decreto
executivo (...) implicará o reconhecimento, por derivação necessária e
causal, de sua ilegitimidade constitucional. Constatada a ocorrência de
vício formal suficiente a fulminar a Lei estadual ora contestada, reconheço
a necessidade da declaração de inconstitucionalidade conseqüencial ou
por arrastamento de sua respectiva regulamentação, materializada no
Decreto 6.253, de 22.03.06.”
7. Controle jurisdicional de constitucionalidade
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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
7.1 Controle difuso
É aquele controle feito por qualquer juiz ou tribunal. O controle difuso, na verdade,
não tem nada de específico, sendo apenas o controle feito incidentalmente nas ações
processuais. Vamos estudar algumas questões polêmicas para elucidar o tema.
7.1.1 Ação civil pública
Em uma ação civil pública o juiz pode apreciar a constitucionalidade de uma lei ou
será que neste caso estaria usurpando a competência do STF, já que, em alguns casos, a
ação civil pública tem efeitos erga omnes. Em regra, não há óbice. Para que uma ACP
possa ser admitida como instrumento de controle de constitucionalidade, a
inconstitucionalidade deve ser apenas o fundamento do pedido ou a questão incidental ou a
causa de pedir, e não o pedido em si. O dispositivo da sentença apenas afirmará se o
pedido é procedente ou não; a constitucionalidade é discutida na fundamentação como uma
questão incidental, não transitando em julgado. Se na ACP o pedido for uma declaração de
inconstitucionalidade ela estará sendo utilizada como uma ADI, havendo, nesse caso, uma
usurpação da competência do STF. Sobre o tema, acompanhar as seguintes decisões: STJ,
REsp. 557.646 e REsp. 294.022 e STF, RE 227.159.
STJ, REsp 557.646
PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - DECLARAÇÃO
INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE - POSSIBILIDADE -
EFEITOS.
1. É possível a declaração incidental de inconstitucionalidade, na ação
civil pública, de quaisquer leis ou atos normativos do Poder Público,
desde que a controvérsia constitucional não figure como pedido, mas sim
como causa de pedir, fundamento ou simples questão prejudicial,
indispensável à resolução do litígio principal, em torno da tutela do
interesse público.
2. A declaração incidental de inconstitucionalidade na ação civil pública
não faz coisa julgada material, pois se trata de controle difuso de
constitucionalidade, sujeito ao crivo do Supremo Tribunal Federal, via
recurso extraordinário, sendo insubsistente, portando, a tese de que tal
sistemática teria os mesmos efeitos da ação declaratória de
inconstitucionalidade.
3. O efeito erga omnes da coisa julgada material na ação civil pública será
de âmbito nacional, regional ou local conforme a extensão e a
indivisibilidade do dano ou ameaça de dano, atuando no plano dos fatos e
litígios concretos, por meio, principalmente, das tutelas condenatória,
executiva e mandamental, que lhe asseguram eficácia prática,
diferentemente da ação declaratória de inconstitucionalidade, que faz
coisa julgada material erga omnes no âmbito da vigência espacial da lei ou
ato normativo impugnado.
4. Recurso especial provido.
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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
STJ, REsp. 294.022
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONTROLE DIFUSO
DE CONSTITUCIONALIDADE. EFICÁCIA ERGA OMNES.
LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. PRECEDENTES.
1. O STJ vem perfilhando o entendimento de que é possível a declaração
incidental de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos em sede de
ação civil pública, nos casos em que a controvérsia constitucional consista
no fundamento do pedido ou na questão prejudicial que leve à solução do
bem jurídico perseguido na ação.
2. Tratando-se de controle difuso, portanto exercitável incidentalmente no
caso concreto, apenas a esse estará afeto, não obrigando pessoas que não
concorreram para o evento danoso apontado na ação coletiva; ou seja, a
decisão acerca da in⁄constitucionalidade não contará com o efeito erga
omnes, de forma que não se verifica a hipótese de ludibrio do sistema de
controle constitucional.
b) Recurso especial provido.
STF, RE 227.159 Recurso extraordinário. Ação Civil Pública. Ministério Público.
Legitimidade. 1. Acórdão que deu como inadequada a ação civil pública para declarar a
inconstitucionalidade de ato normativo municipal.
2. Entendimento desta Corte no sentido de que "nas ações coletivas, não
se nega, à evidência, também, a possibilidade de declaração de
inconstitucionalidade, incidenter tantum, de lei ou ato normativo federal
ou local."
3. Reconhecida a legitimidade do Ministério Público, em qualquer
instância, de acordo com a respectiva jurisdição, a propor ação civil
pública(CF, arts. 127 e 129, III). 5. Recurso extraordinário conhecido e
provido para que se prossiga na ação civil pública movida pelo Ministério
Público.
Nesse último caso julgado no STF é a situação do Rio de Janeiro onde havia um
decreto regulando os bingos. O Ministério Público ajuizou uma ação civil pública com
pedido de fechamento dos bingos, enquanto que a causa de pedir era a ilegalidade do
decreto. O tribunal que decidiu entendeu que nesta hipótese não houve usurpação de
competência do STF, pois o pedido não foi a inconstitucionalidade do decreto, e sim o
fechamento dos bingos.
Quando há usurpação da competência do STF o instrumento cabível será uma
reclamação.
7.1.2 Cláusula da reserva de plenário (regra do “full bench” = tribunal cheio)
A cláusula da reserva de plenário está disposta no art. 97 da CF/88: determinadas
competências serão reservadas aos plenários dos tribunais, não podendo ser exercida pelos
órgão fracionários.
Art. 97. Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos
membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a
inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.
55
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
Na reserva de plenário, o Pleno pode receber essa competência, ou o órgão especial
previsto no art. 93, XI da CF/88. Só pode ter esse órgão especial os tribunais que
possuírem mais de 25 julgadores. Exemplo: tribunal de SP tem mais de 300
desembargadores.
XI nos tribunais com número superior a vinte e cinco julgadores, poderá
ser constituído órgão especial, com o mínimo de onze e o máximo de
vinte e cinco membros, para o exercício das atribuições administrativas e
jurisdicionais delegadas da competência do tribunal pleno, provendo-se
metade das vagas por antiguidade e a outra metade por eleição pelo
tribunal pleno;
A cláusula da reserva de plenário só é exigida no âmbito dos tribunais, não tendo que
ser observadas fora desse âmbito, ex vis, um juiz singular pode reconhecer a
inconstitucionalidade de uma lei.
Uma pergunta: no âmbito das turmas recursais dos juizados especiais tem que se
observar a reserva de plenário? Ora, turma recursal não é tribunal e, se a reserva de
plenário só é exigida no âmbito dos tribunais, turma recursal não precisa observar tal
ressalva constitucional.
Cuidado: a reserva de plenário é só para declarar a inconstitucionalidade de uma lei.
O tribunal para declarar uma lei constitucional ele pode fazê-lo através dos seus órgãos
fracionários.
Obs.: como ficam as normas pré-constitucionais, anteriores à Constituição? Ficam sujeitas
à reserva de Plenário? Aqui é necessário relembrar que o Brasil não adota a tese da
inconstitucionalidade superveniente, logo, as normas pré-constitucionais ficam sujeitas ao
fenômeno da não recepção, que não é declaração de inconstitucionalidade. Logo, os
tribunais, no que tange as normas pré-constitucionais não se submetem à reserva de
Plenário.
Obs.: muito cuidado com o trâmite processual da reserva de Plenário. A única coisa que
será julgada no Pleno ou no Órgão Especial é a inconstitucionalidade em tese da lei
atacada no caso concreto. Decidida a inconstitucionalidade, o órgão fracionário irá julgar o
caso concreto. Essa decisão dada na reserva de Plenário servirá de leading case dentro
daquele tribunal e, se houver indagações sobre o mesmo tema, o órgão fracionário já
poderá julgar. Os arts. 480 e seguintes do CPC confirmam esse procedimento:
56
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
Art. 480. Argüida a inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo do
poder público, o relator, ouvido o Ministério Público, submeterá a questão
à turma ou câmara, a que tocar o conhecimento do processo.
Art. 481. Se a alegação for rejeitada, prosseguirá o julgamento; se for
acolhida, será lavrado o acórdão, a fim de ser submetida a questão ao
tribunal pleno.
Parágrafo único. Os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao
plenário, ou ao órgão especial, a argüição de inconstitucionalidade,
quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do Supremo
Tribunal Federal sobre a questão.
Art. 482. Remetida a cópia do acórdão a todos os juízes, o presidente do
tribunal designará a sessão de julgamento.
§ 1o O Ministério Público e as pessoas jurídicas de direito público
responsáveis pela edição do ato questionado, se assim o requererem,
poderão manifestar-se no incidente de inconstitucionalidade, observados
os prazos e condições fixados no Regimento Interno do Tribunal.
§ 2o Os titulares do direito de propositura referidos no art. 103 da
Constituição poderão manifestar-se, por escrito, sobre a questão
constitucional objeto de apreciação pelo órgão especial ou pelo Pleno do
Tribunal, no prazo fixado em Regimento, sendo-lhes assegurado o direito
de apresentar memoriais ou de pedir a juntada de documentos.
O STF editou a súmula vinculante nº 10 que trata da reserva de Plenário. Vejamos:
Súmula Vinculante nº 10: VIOLA A CLÁUSULA DE RESERVA DE
PLENÁRIO (CF, ARTIGO 97) A DECISÃO DE ÓRGÃO
FRACIONÁRIO DE TRIBUNAL QUE, EMBORA NÃO DECLARE
EXPRESSAMENTE A INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI OU
ATO NORMATIVO DO PODER PÚBLICO, AFASTA SUA
INCIDÊNCIA, NO TODO OU EM PARTE.
A súmula afirma que quando um tribunal deixe de aplicar a lei, por entender
inconstitucional, mesmo que não declare a inconstitucionalidade e acabe afastando sua
incidência, viola a cláusula de reserva de Plenário. A súmula vinculante quer dizer que a
“reserva de plenário” tem que ser observada mesmo nos casos em que o tribunal afasta a
lei implicitamente, sem fazer menção expressa à declaração de inconstitucionalidade. Essa
declaração de inconstitucionalidade não expressa, de forma a afastar a incidência de
determinada lei foi conceituada como “declaração escamoteada de inconstitucionalidade”,
segundo o entendimento do ministro Celso de Mello.
A inobservância de reserva do Plenário gera a nulidade absoluta da decisão.
7.1.3 Suspensão da execução da lei pelo Senado Federal
A suspensão da execução da lei pelo Senado Federal está disposto no art. 52, X da
Constituição Federal.
Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:
X - suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada
inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal;
57
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
Existem dois sistemas de controle de constitucionalidade: difuso ou concentrado. Lá
no direito americano qualquer juiz pode exercer o controle; já na Europa apenas o tribunal
constitucional pode exercer tal controle. No controle difuso qualquer juiz pode analisar a
constitucionalidade, mas, lá nos EUA existe um instituto chamado stare decisis, onde os
precedentes dos tribunais superiores devem ser observados - os tribunais inferiores devem
observar essa decisão (binding effect). No Brasil, inicialmente foi introduzido o controle
difuso na CF/1891, todavia, não foi introduzido o stare decisis (vinculação do precedente).
Para poder corrigir esse problema e a decisão valesse a todos, na CF/1934 foi introduzida a
competência do Senado: o Supremo dá uma decisão no controle difuso, com efeito inter
partes e, para que a decisão não seja aplicada somente para as partes o Senado pode editar
uma resolução suspendendo a execução desta lei e, como é editada pelo Senado tem efeito
para todos, erga omnes.
Pela leitura do inciso X, art. 52, o que abrange a decisão definitiva? É apenas para o
controle difuso, nos termos do art. 178 do RISTF. Isso está correto, pois a decisão em
controle concentrado já tem caráter erga omnes.
Art. 178. Declarada, incidentalmente, a inconstitucionalidade, na forma
prevista nos arts. 176 e 177, far-se-á comunicação, logo após a decisão, à
autoridade ou órgão interessado, bem como, depois do trânsito em
julgado, ao Senado Federal, para os efeitos do art. 42, VII da Constituição
Obs.: no Brasil todo controle incidental é difuso e todo controle concentrado é abstrato?
No Brasil todo controle difuso é necessariamente incidental, não existindo controle difuso
abstrato. No controle difuso o objeto principal é a proteção de um direito subjetivo, sendo a
inconstitucionalidade uma questão incidental. Ora, quando o STF já uma decisão no
controle difuso reconhecendo a inconstitucionalidade ele comunica ao Senado Federal. O
entendimento majoritário é que a edição de resolução pelo Senado é um ato discricionário,
não estando obrigado a suspender a execução da lei --> é a posição do que predomina no
STF.
Obs.: Essa suspensão da execução tem efeito ex tunc ou ex nunc? Com relação a esses
assuntos há divergências. O ministro Gilmar Mendes possui um artigo onde defende que a
resolução deveria ter efeito ex tunc. Defendendo entendimento contrário, ex nunc, José
Afonso da Silva.
Aula 06 - 25/02/2011
58
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
Fazendo a releitura do art. 52, X da CF/88 é perceptível que o dispositivo
mencionada a expressão “suspender a execução no todo ou em parte”. Este no todo ou em
parte pode causar uma certa dúvida. Exemplo: lei declarada totalmente inconstitucional
pelo STF. Será que o Senado pode suspender a execução de parte desta lei? Ou no caso do
STF declarar apenas parte da lei inconstitucional, pode o Senado suspender toda a
execução da lei? A suspensão da execução da lei pelo Senado deve se ater aos exatos
limites da decisão proferida pelo STF. A expressão “no todo ou em parte” do discutido
inciso significa que o Senado deve suspender a execução nos exatos limites da decisão do
Pretório Excelso - se declarou toda a lei inconstitucional, suspenderá a execução de toda a
lei; se declarou em parte a lei inconstitucional, o Senado somente suspenderá a execução
na parte declarada inconstitucional.
É importante frisar que, o Senado somente pode suspender a execução de lei
declarada inconstitucional; isso significa que em caso de norma anterior à constituição
(norma pré-constitucional), como elas não são consideradas como sendo inconstitucionais
(e sim, não recebidas pelo novo ordenamento), não pode o Senado suspender a execução
da lei.
Obs.: o Senado Federal, sendo parte do Poder Legislativo Federal, pode suspender a
execução da leis municipais ou estaduais? Sim, ele pode suspender a execução de leis
federais, estaduais ou municipais, porque nesta competência ele atua como órgão de
caráter nacional, e não apenas federal. Quando atua como órgão de caráter federal, o
Senado atua como defensor dos interesses da União; todavia, como órgão nacional, o
Senado está defendendo o interesse de todo o Estado brasileiro. Mas por que o Senado
pode atuar como órgão de caráter nacional? O Senado é composto de representantes dos
Estados-membros e, é como todos os membros federativos estivessem participando dessa
competência.
Obs.: RCL 4.335/AC. Nessa reclamação, tanto o ministro Gilmar Mendes quanto Eros
Grau vêm defendendo uma mutação constitucional no que tange à interpretação do art. 52,
X da CF/88. Em vez de interpretar esse dispositivo como sendo de suspensão de execução
da lei, o entendimento seria de que o papel do Senado passaria de ser apenas o de dar
publicidade à decisão do STF. A própria decisão do STF já suspenderia a lei e o Senado
passaria a dar apenas publicidade a tal decisão. O professor Marcelo Novelino afirma que
se esse entendimento for aprovado (está 2 x 2), seria uma verdadeira usurpação de
59
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
competência e se o Supremo passaria a ser verdadeiro Poder Constituinte originário.
Matéria pendente de julgamento.
7.2 Controle concentrado - abstrato
O controle abstrato é aquele cuja competência se concentra no STF, sendo o
parâmetro a CF/88. Se o parâmetro for a constituição estadual se concentra no respectivo
tribunal de justiça. E qual sua finalidade? A finalidade principal do controle abstrato é
assegurar a supremacia da Constituição.
Existe no direito brasileiro uma ação de controle concentrado-concreto. Ora, que
ação é essa? É a ADI - Ação direta de inconstitucional interventiva -, também chamada de
“representação interventiva”.
Existem quatro tipos de ações no controle concentrado: ADI, ADC, ADPF e ADO,
sendo que está última vamos estudar mais para frente, junto com o mandado de injunção.
7.2.1 ADI e ADC - Ação direta de inconstitucionalidade e ação declaratória de
inconstitucionalidade
Vamos estudar as duas ações ao mesmo tempo, pois são muito semelhantes e, de
acordo com a doutrina, têm um caráter dúplice ou ambivalente. Tal caráter fica muito claro
no art. 24 da Lei 9.868/99:
Art. 24. Proclamada a constitucionalidade, julgar-se-á improcedente a
ação direta ou procedente eventual ação declaratória; e, proclamada a
inconstitucionalidade, julgar-se-á procedente a ação direta ou
improcedente eventual ação declaratória.
Então, uma mesma lei pode ser impugnada por ADI ou ADC. Vamos estudá-las
agora.
A ADC não foi criada originariamente na CF/88, e sim foi criada pela EC nº 03 de
1993 e, na época, muitos doutrinadores questionaram a constitucionalidade da ADC sob o
argumento de se existir uma presunção de constitucionalidade da lei, logo, para que uma
ação declaratória de algo que já se presume? Para compreender isso temos que estudar o
contexto histórico. A ADC foi criada após o Plano Collor (que prendeu o dinheiro de todos
no banco), o que gerou uma enxurrada de ações, mas que levaram muito tempo para o
Supremo julgar. A criação da ADC veio para diminuir essa espera: como há muitas
60
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
decisões judiciais de diversas maneiras o legislador resolveu criar a ADC para acabar com
decisões judiciais em vários sentidos. Para evitar, todavia que a ADC virasse um
instrumento de consulta ao STF o legislador criou um requisito de admissibilidade
específico para a ADC no art. 14, III da Lei 9.868/99: a existência de controvérsia judicial
relevante.
Art. 14. A petição inicial indicará:
III - a existência de controvérsia judicial relevante sobre a aplicação da
disposição objeto da ação declaratória.
Ou seja, quem propõe a ADC tem que demonstrar a existência dessa controversa
judicial relevante, com ações judiciais questionando determinada lei e que está havendo
decisões de formas diversas. Exemplo: na época da medida provisória do apagão no
governo FHC houve uma controvérsia muito grande sobre a constitucionalidade do MP.
FHC através do seu advogado geral da União propôs uma ADC pedindo que declarasse
constitucional a MP. Para que fosse comprovado o citado requisito específico juntou 7
processos com decisões de juízes diversos. O STF mandou emendar a inicial, sob pena de
extinção se julgamento de mérito, para provar realmente a controvérsia. O AGU então
juntou muitas ações provando a controvérsia.
7.2.1.1 Pontos em comum da ADI e ADC (vale também para a ADF)
A) Não há partes propriamente ditas (processo objetivo). Nas ações de controle
concentrado não se fala em autor e réu, e sim legitimados para atacar e defender o ato em
discussão. Isso porque são ações de índole objetiva.
B) Não se aplicam a estas ações alguns princípios processuais, dentre eles
contraditório, ampa defesa e duplo grau de jurisdição. Ora, se não existem partes
formais não há que se falar nos citado princípios. Quando há uma ADI proposta por
partido político e o AGU defende a lei, não há defesa de interesse de ninguém, e sim está
protegendo a supremacia da constituição.
C) Não se admite intervenção de terceiros (ver “amicus curiae”), assistência e nem
desistência. Cuidado com a ressalva do amicus curiae, tratada na matéria de direito
processual civil. Para a maioria dos ministros do STF, o amicus curiae é uma espécie de
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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
intervenção de terceiros (exceto Gilmar Mendes). Vamos fazer uma pausa nos pontos em
comum da ADI e ADC para comentar a respeito do amicus curiae.
D) Amicus Curiae
Numa tradução literal seria um “amigo do juízo”. O amicus curiae é alguém que
vai auxiliar o tribunal na sua decisão. Ele existe no ordenamento jurídico brasileiro desde
lei 6.385/76 – CVM (art. 31) e na lei 8.884/94 - CADE (art. 89), porém apenas se tornou
conhecida em 1998 com a lei 9.868/98.
Art. 31 - Nos processos judiciários que tenham por objetivo matéria
incluída na competência da Comissão de Valores Mobiliários, será esta
sempre intimada para, querendo, oferecer parecer ou prestar
esclarecimentos, no prazo de quinze dias a contar da intimação.
Art. 89. Nos processos judiciais em que se discuta a aplicação desta lei, o
Cade deverá ser intimado para, querendo, intervir no feito na qualidade de
assistente.
É uma figura muito conhecida nos países que adotam o sistema da common Law e
nos tribunais internacionais. No Brasil a lei que trata do amicus curiae é a Lei 9.868/98 no
art. 7º, § 2º (ADI). Esta lei também acrescentou um parágrafo ao CPC o art. 482, §3º
(controle difuso).
Art. 7o Não se admitirá intervenção de terceiros no processo de ação
direta de inconstitucionalidade.
§ 2o O relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade
dos postulantes, poderá, por despacho irrecorrível, admitir, observado o
prazo fixado no parágrafo anterior, a manifestação de outros órgãos ou
entidades.
Art. 482. Remetida a cópia do acórdão a todos os juízes, o presidente do
tribunal designará a sessão de julgamento.
§ 1o O Ministério Público e as pessoas jurídicas de direito público
responsáveis pela edição do ato questionado, se assim o requererem,
poderão manifestar-se no incidente de inconstitucionalidade, observados
os prazos e condições fixados no Regimento Interno do Tribunal.
§ 2o Os titulares do direito de propositura referidos no art. 103 da
Constituição poderão manifestar-se, por escrito, sobre a questão
constitucional objeto de apreciação pelo órgão especial ou pelo Pleno do
Tribunal, no prazo fixado em Regimento, sendo-lhes assegurado o direito
de apresentar memoriais ou de pedir a juntada de documentos.
§ 3o O relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade
dos postulantes, poderá admitir, por despacho irrecorrível, a manifestação
de outros órgãos ou entidades.
Obs.: A lei do ADPF não faz menção ao amicus curiae. Mesmo sem previsão legal o STF
tem admitido por analogia a participação do amicus curiae na ADC e no ADPF. Este caso
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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
é de analogia legis, pois se utiliza uma lei para regular um caso sem previsão. Na analogia
juris utiliza-se os princípios gerais do direito.
Qual a natureza jurídica do amicus curiae? Na doutrina existem 3 entendimentos:
a) 1ª corrente: o amicus curiae seria um auxiliar do juízo (Freddie Didier). Não
seria um terceiro interessado. Não se confunde com a intervenção de terceiros.
b) 2ª corrente: o amicus curiae seria uma espécie de assistência qualificada (Edgar
Bueno). Apesar do RISTF não admitir assistência, o amicus seria uma exceção.
c) 3ª corrente: : o amicus curiae seria uma intervenção de terceiros. Seria uma
exceção à inadmissibilidade de intervenção de terceiros no Controle
Concentrado. Este é o entendimento mais simpático ao STF. Ministros que
entendem desta maneira: Celso de Mello, Marco Aurélio, Ricardo
Lewandowski, Joaquim Barbosa, Helen Gracie). O ministro Gilmar Mendes já
afirmou não ser caso de intervenção de terceiros, mas não disse o que seria.
Qual seria a finalidade do amicus curiae? Sua finalidade principal é pluralizar o
debate constitucional tornando-o mais democrático. O amicus curiae também oferece mais
legitimidade às decisões do STF. Como o poder judiciário protege o interesse das
minorias, ao retirar do mundo jurídico uma lei o STF retira uma lei que foi aprovada pelos
representantes do povo. Assim, ouvindo o amicus curiae o STF torna a decisão mais
democrática, pois o círculo de intérpretes da constituição é aberto para a sociedade. É a
aplicação da “teoria da sociedade aberta de intérpretes da constituição” (Peter Häberle).
O STF também utiliza as audiências públicas que também representam esta abertura
da interpretação constitucional (outro exemplo da “teoria da sociedade aberta de intérpretes
da constituição” no Brasil). Ex: caso das pesquisas com células tronco.
Quais são os requisitos do amicus curiae? O § 2º do art. 7º da Lei 9.868/99
estabelece dois requisitos. A lei estabelece 2 requisitos (art. 7º, §2º da Lei 9.868/99).
Vejamos:
a) Relevância da matéria. Não é qualquer matéria. O STF só admite a participação
do amicus curiae se a matéria for relevante.
b) Representatividade do postulante. Não é qualquer pessoa que pode ser amicus
curiae. Tem que ser alguém que possa ajudar o tribunal. Tanto a pessoa pode
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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
se oferecer, como o tribunal pode chamar para ser amicus curiae. Ambos os
requisitos são legais:
Art. 7o Não se admitirá intervenção de terceiros no processo de ação direta
de inconstitucionalidade.
§ 2o O relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade
dos postulantes, poderá, por despacho irrecorrível, admitir, observado o
prazo fixado no parágrafo anterior, a manifestação de outros órgãos ou
entidades.
Obs.: O STF tem exigido ainda que o amicus curiae seja órgão ou entidade. O STF não
tem admitido pessoas físicas. O STF não tem admitido, pois a lei fala em órgãos ou
entidades (art. 7º, §2º).
Obs.: Amicus curiae pode interpor recurso? O amicus por se tratar de terceiro estranho à
relação processual, não pode interpor recurso para discutir a matéria objeto de análise de
no processo objetivo perante o STF, com a única exceção apontada pela ADI 3.615-ED:
STF, ADI 3.615-ED
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO OPOSTOS POR AMICUS CURIAE.
AUSÊNCIA DE LEGITIMIDADE. INTERPRETAÇÃO DO § 2º DA LEI
N. 9.868/99. 1. A jurisprudência deste Supremo Tribunal é assente quanto
ao não-cabimento de recursos interpostos por terceiros estranhos à relação
processual nos processos objetivos de controle de constitucionalidade. 2.
Exceção apenas para impugnar decisão de não-admissibilidade de sua
intervenção nos autos. 3. Precedentes. 4. Embargos de declaração não
conhecidos.
* Vale salientar que alguns ministros estão aceitando a interposição de recurso
para impugnar a decisão de não admissibilidade de intervenção do amicus, ex
vis, o Ministro Marco Aurélio que sustenta o cabimento de embargos de
declaração, mas não admite agravo. O tema contudo está um pouco confuso e
no STF e precisa ser pacificado - matéria não pacificada no STF.
Obs.: Cabe sustentação oral pelo amicus curiae ou só pode fazer memoriais escritos? No
art. 131, § 3º do RISTF está consagrada a sustentação oral pelo amicus. Inclusive também
vale a pena transcrever uma parte do voto do ministro Celso de Mello que coloca
expressamente a questão da sustentação oral (ADI 2321)
§ 3º¹ Admitida a intervenção de terceiros no processo de controle
concentrado de constitucionalidade, fica-lhes facultado produzir
sustentação oral, aplicando-se, quando for o caso, a regra do § 2º do artigo
132 deste Regimento
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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
STF, ADI 2.321 (trecho)
“Entendo que a atuação processual do amicus não deve limiltar-se à mera
apresentação de memoriais ou à prestação eventual de informações que
lhe venham a ser solicitadas. Cumpre permiti-lhe, em extensão maior, o
exercício de determinados poderes processuais, como aquele consistente
no direito de proceder à sustentação oral das razões que justificaram a sua
admissão formal na causa.”
E) A decisão de mérito é irrecorrível, salvo embargos declaratórios. Nenhuma das
decisões proferidas nessas ações podem ser objeto de recurso.
F) Não cabe ação rescisória, nos termos do art. 26 da Lei 9.868:
Art. 26. A decisão que declara a constitucionalidade ou a
inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo em ação direta ou em
ação declaratória é irrecorrível, ressalvada a interposição de embargos
declaratórios, não podendo, igualmente, ser objeto de ação rescisória.
G) As decisões proferidas na ADI, ADC e ADPF se tornam obrigatórias a partir da
publicação da ata da sessão de julgamento no Diário Oficial. Cuidado: a
obrigatoriedade dessas decisões não é a partir do trânsito em julgado, e sim da publicação
da ata de publicação de julgamento. E por que não é do trânsito em julgado? Ora, essas
ações não tem partes formais, pois os efeitos serão para todos, erga omnes, como sendo
uma lei; e como você toma conhecimento da lei? Com sua publicação!
H) Em todas essas ações o STF só pode se manifestar se for provocado. Não pode o
STF agir de ofício, em face ao princípio da inércia da jurisdição. Essa é regra! Mas
cuidado com a exceção: um dispositivo pode ser declarado inconstitucional mesmo sem
provocação quando possuir uma relação de interdependência com o dispositivo
impugnado. Exemplo: vamos imaginar que o art. 1700 do CC foi objeto de uma ADI,
todavia, os arts. 1701 e 1702, apesar de não ser objeto da ADI, são interdependentes em
relação ao 1700 --> os arts. 1701 e 1702 serão declarados inconstitucionais também por
arrastamento / atração. O STF permite isso.
* Cuidado: no controle difuso a inconstitucionalidade pode ser reconhecida de
ofício. Mas por que essa diferença para o concentrado? Qual a razão? O
fundamento é que no controle difuso a inconstitucionalidade não é objeto do
pedido, e sim, apenas, causa de pedir. O pedido é a proteção do direito. A
inconstitucionalidade é uma questão apenas incidental, não sendo o objeto do
pedido, como ocorre no controle concentrado.
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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
7.2.1.2 Legitimidade ativa (são os mesmos na ADI / ADC / ADPF / ADO)
Antes da CF/88 só existia uma ação de controle concentrado abstrato que era a
representação de inconstitucionalidade, sendo a antiga ADI. Nesta época somente 1
legitimado podia propô-la: o Procurador Geral da República. Com o advento da CF/88, no
art. 103, a legitimidade foi ampliada:
Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação
declaratória de constitucionalidade:
I - o Presidente da República;
II - a Mesa do Senado Federal;
III - a Mesa da Câmara dos Deputados;
IV - a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do
Distrito Federal;
V - o Governador de Estado ou do Distrito Federal;
VI - o Procurador-Geral da República;
VII - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;
VIII - partido político com representação no Congresso Nacional;
IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.
§ 1º - O Procurador-Geral da República deverá ser previamente ouvido
nas ações de inconstitucionalidade e em todos os processos de
competência do Supremo Tribunal Federal.
§ 2º - Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para
tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder
competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando
de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias.
§ 3º - Quando o Supremo Tribunal Federal apreciar a
inconstitucionalidade, em tese, de norma legal ou ato normativo, citará,
previamente, o Advogado-Geral da União, que defenderá o ato ou texto
impugnado.
Quando a ADC foi criada o rol de legitimados era mais restrito, de apenas 4
legitimados: presidente da república, PGR, mesa da Câmara e mesa do Senado. Com o
advento da EC nº 45 a legitimidade se tornou idêntica entre todas as ações do controle
concentrado, com exceção da ADI interventiva.
O STF faz uma diferença entre legitimados ativos universais (não há previsão legal
dessa distinção). Qual é essa distinção? Os legitimados especiais precisam demonstrar
pertinência temática, ou seja, a relação entre o interesse por ele defendido e o objeto
impugnado. Já o legitimado universal não precisa demonstrar a pertinência temática,
podendo questionar lei / ato normativo livremente.
Quem são os legitimados universais e os especiais? Quadro sinótico:
Legitimados Poder Executivo Ministério
Público Poder
Legislativo Outros
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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
Universais (União)
Presidente da República
Procurador-geral da república
Mesas da Câmara e do
Senado
- Conselho Federal da OAB - Partidos políticos (com representação no Congresso).
Especiais (Estado)
Governador de Estado / DF
-
Mesas da Assembleia Leg.
- Confederação Sindical - Entidade de classe de âmbito nacional
Observações acerca do quadro sinótico:
a) A única entidade de classe de âmbito nacional que é legitimado universal é o
Conselho Federal da OAB! Todos os outro precisam demonstrar pertinência
temática, sendo legitimados especiais, como o Governador de Estado e as
Mesas das Assembleias Legislativas.
b) Vice não tem legitimidade para ações no controle concentrado. Mas, cuidado,
pois se o vice estiver substituindo o titular tem legitimidade, mas não estará
agindo como vice, e sim como Presidente / Governador efetivo.
c) Mesa do Congresso Nacional não pode propor ADI / ADC / ADPF / ADO.
d) Até 2004 se o partido político ajuizasse, por exemplo, uma ADI e, no curso
dela, perdesse o representante no Congresso Nacional, a ADI não seria julgada.
Após 2004, com um novo entendimento, o STF solidificou que a legitimidade
do partido político deve ser verificada no momento da propositura da ação, não
importando que depois o partido perca o seu representante.
e) No caso da entidade de classe no âmbito nacional, para ser considerada de
âmbito nacional, a entidade de classe deve estar ter representantes em, pelo
menos, 1/3 (um terço), dos Estados-membros, ou seja, 9 Estados da federação.
Caso não esteja, não será considerada de âmbito nacional. Essa entidade tem
que ser representativa de uma categoria social ou profissional.
67
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
f) Até 2004 o STF não admitia legitimados formados por pessoas jurídicas. A
partir de 2004, o STF aceita associações compostas tanto por pessoas físicas,
quanto formadas por outras pessoas jurídicas. O Supremo até utiliza a
expressão “associação de associações” (quando formada por pessoas jurídicas).
g) Quais dos legitimados não possuem capacidade postulatória, ou seja, dependem
de um advogado para propor as ações no âmbito do controle concentrado?
Segundo o STF apenas os partidos políticos, confederações sindicais e
entidades de classe não tem capacidade postulatória.
7.2.1.3 Objeto da ADI / ADC
Vamos analisar o objeto da ADI e ADC sob três aspectos:
1. Quanto à natureza. Para que um ato seja objeto de ADI ou ADC tem que ser lei
ou ato normativo.
* Para o ato ser normativo precisa ter as características da generalidade e
abstração. Além disso, é necessário que a lei ou ato normativo esteja
diretamente ligados à Constituição: isso é chamado de inconstitucionalidade
direta ou antecedente.
* STF: não podem ser objeto de ADI ou ADC:
+ Atos tipicamente regulamentares. Exemplo: um decreto pode ser objeto de
ADI / ADC? Se entre a CF/88 e esse decreto não existir nenhum ato
intermediário, sendo violação constitucional direta, poderá ser objeto de
ação de controle concentrado. Se, todavia, houver lei interposta entre a
Constituição o e Decreto não cabe ADI / ADC, sendo um ato tipicamente
regulamentar. Ainda com relação ao decreto, vale lembrar: quando um
decreto exorbita os limites do que a lei estabelece, ele pode ser objeto de
ADI? Não, pois mesmo quando ele exorbita os limites da
regulamentação, ele continua sendo um decreto tipicamente
regulamentar.
+ Normas constitucionais originárias: são aquelas construídas pelo Poder
Constituinte originário. Todavia, quando a norma é feita por emenda,
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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
pode ser objeto de ADI tranquilamente.
+ Leis temporárias ou leis já revogadas. Em regra o STF não admite que leis
com lapso temporal esgotado seja objeto de ADI, pois, se a lei não
produz mais efeitos, ela não está mais ameaçando a supremacia da
constituição. O mesmo raciocínio vale para a lei revogada: se ela já não
está mais no ordenamento jurídico, não traz perigo à supremacia
constitucional. Todavia, há uma exceção: é a hipótese de acordo com o
STF de “fraude processual”. Exemplo: uma determinada lei foi objeto de
ADI. O STF começa a processar e julgar a ADI e, durante o
processamento o Legislativo revoga essa lei para evitar que o STF
declare a inconstitucionalidade ex tunc. Após, o Poder Legislativo cria
outra lei com o mesmo assunto. Nesse caso, se o STF entender que
existiu fraude processual, o STF continuará com o julgamento da ADI.
* O STF não admitia como objeto de ADI e ADC as leis de efeitos concretos -
que não têm generalidade e abstração. Em 2008 o Supremo modificou esse
posicionamento na medida cautelar da ADI 4048 ao tratar da medida
provisória de sobre matéria orçamentárias (crédito extraordinário): agora
para o Pretório Excelso não interessa o caráter geral ou específico, concreto
ou abstrato do objeto, desde que a controvérsia tenha sido suscitada em
abstrato nessas ações. Nesse novo entendimento não ficou muito claro se o
STF admite isso apenas para lei ou engloba também ato normativo. Segundo
o prof. Novelino é somente para lei, pois, se você coloca um ato normativo
sem generalidade e abstração, ele será um ato meramente administrativo.
EMENTA: MEDIDA CAUTELAR EM AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE. MEDIDA PROVISÓRIA N° 405, DE
18.12.2007. ABERTURA DE CRÉDITO EXTRAORDINÁRIO.
LIMITES CONSTITUCIONAIS À ATIVIDADE LEGISLATIVA
EXCEPCIONAL DO PODER EXECUTIVO NA EDIÇÃO DE
MEDIDAS PROVISÓRIAS.
1. MEDIDA PROVISÓRIA E SUA CONVERSÃO EM LEI. Conversão
da medida provisória na Lei n° 11.658/2008, sem alteração substancial.
Aditamento ao pedido inicial. Inexistência de obstáculo processual ao
prosseguimento do julgamento. A lei de conversão não convalida os
vícios existentes na medida provisória. Precedentes.
2. CONTROLE ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE DE
NORMAS ORÇAMENTÁRIAS. REVISÃO DE JURISPRUDÊNCIA. O
Supremo Tribunal Federal deve exercer sua função precípua de
fiscalização da constitucionalidade das leis e dos atos normativos quando
houver um tema ou uma controvérsia constitucional suscitada em abstrato,
69
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
independente do caráter geral ou específico, concreto ou abstrato de seu
objeto. Possibilidade de submissão das normas orçamentárias ao controle
abstrato de constitucionalidade.
3. LIMITES CONSTITUCIONAIS À ATIVIDADE LEGISLATIVA
EXCEPCIONAL DO PODER EXECUTIVO NA EDIÇÃO DE
MEDIDAS PROVISÓRIAS PARA ABERTURA DE CRÉDITO
EXTRAORDINÁRIO. Interpretação do art. 167, § 3º c/c o art. 62, § 1º,
inciso I, alínea "d", da Constituição. Além dos requisitos de relevância e
urgência (art. 62), a Constituição exige que a abertura do crédito
extraordinário seja feita apenas para atender a despesas imprevisíveis e
urgentes. Ao contrário do que ocorre em relação aos requisitos de
relevância e urgência (art. 62), que se submetem a uma ampla margem de
discricionariedade por parte do Presidente da República, os requisitos de
imprevisibilidade e urgência (art. 167, § 3º) recebem densificação
normativa da Constituição. Os conteúdos semânticos das expressões
"guerra", "comoção interna" e "calamidade pública" constituem vetores
para a interpretação/aplicação do art. 167, § 3º c/c o art. 62, § 1º, inciso I,
alínea "d", da Constituição. "Guerra", "comoção interna" e "calamidade
pública" são conceitos que representam realidades ou situações fáticas de
extrema gravidade e de conseqüências imprevisíveis para a ordem pública
e a paz social, e que dessa forma requerem, com a devida urgência, a
adoção de medidas singulares e extraordinárias. A leitura atenta e a
análise interpretativa do texto e da exposição de motivos da MP n°
405/2007 demonstram que os créditos abertos são destinados a prover
despesas correntes, que não estão qualificadas pela imprevisibilidade ou
pela urgência. A edição da MP n° 405/2007 configurou um patente
desvirtuamento dos parâmetros constitucionais que permitem a edição de
medidas provisórias para a abertura de créditos extraordinários.
4. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA. Suspensão da vigência da Lei n°
11.658/2008, desde a sua publicação, ocorrida em 22 de abril de 2008.
2. Quanto ao aspecto temporal. A ADI / ADC só podem ter como objeto atos
posteriores à CF/88 - 5 de outubro de 1988. Só se admite como objeto de ADI
e ADC leis ou atos normativos posteriores ao parâmetro constitucional
adotado. Vale lembrar que a ADC admite como objeto atos anteriores à sua
criação (visto que é norma processual), mas, desde que este objeto seja
posterior ao parâmetro constitucional invocado.
3. Quanto ao aspecto espacial. Neste aspecto haverá diferença entre ADI e ADC.
Vamos ler o art. 102, I, “a” da CF:
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda
da Constituição, cabendo-lhe:
I - processar e julgar, originariamente:
a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou
estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato
normativo federal;
* No caso da ADI é possível leis e atos normativos da esfera federal e estadual;
no caso da ADC é somente lei ou ato normativo federal. Existe uma PEC em
tramitação na Câmara que pretende ampliar o objeto da ADC com atos
estaduais, mas não aconteceu ainda.
70
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
* E se a lei ou ato normativo for do Distrito Federal? Geralmente no DF lei se
pode tratar de conteúdo estadual ou municipal; por isso, é necessário fazer a
análise. Dependendo do conteúdo, se for de âmbito estadual poderá ser ou não
ser objeto de ADIN. Esse entendimento está na Súmula 642 do STF:
Súmula 642 do STF. Não cabe ação direta de inconstitucionalidade de lei
do Distrito Federal derivada da sua competência legislativa municipal.
* Exemplo: na época que Cristovam Buarque era Governador foi ajuizada uma
ADI com relação a benefícios concedidos a entidades desportivas, no que
tange a impostos estaduais e municipais. O STF entendeu que, com relação
aos tributos estaduais era possível conhecer do pedido; todavia, no que tange
aos municipais não pode ser objeto de ADI. No que tange aos tributos
municipais seria cabível ADI para o Tribunal de Justiça do DF, tendo como
parâmetro a Lei Orgânica do DF.
7.2.1.4 Procurador Geral da República
A participação do PGR no controle concentrado de constitucionalidade é uma
participação “custos constitutionis”, sendo um verdadeiro fiscal da supremacia da
Constituição, garantindo-a que ela não seja violada.
Quais são processos que o PGR vai atuar? Em todos os processos de competência do
Supremo Tribunal Federal, nos termos do art. 103, § 1º da CF:
§ 1º - O Procurador-Geral da República deverá ser previamente ouvido
nas ações de inconstitucionalidade e em todos os processos de
competência do Supremo Tribunal Federal.
O PGR não precisa ser formalmente intimado em todos os processos do STF,
bastando que tenha conhecimento da tese jurídica discutida.
7.2.1.5 Advogado Geral da União
O chefe da advocacia geral da união tem uma participação constitucionalmente
prevista no art. 103, § 3º da CF:
§ 3º - Quando o Supremo Tribunal Federal apreciar a
inconstitucionalidade, em tese, de norma legal ou ato normativo, citará,
previamente, o Advogado-Geral da União, que defenderá o ato ou texto
impugnado.
71
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
AGU não atua como fiscal da Constituição, e sim está obrigado a defender o ato
impugnado, sendo uma participação como “defensor legis”. Ele não defende a supremacia
da constituição, e sim será um curador da presunção de constitucionalidade das leis. O
AGU está obrigado a defender o ato impugnado salvo em dois casos:
a) Quando a tese jurídica já tiver sido considerada inconstitucional pelo STF.
b) Quando o ato for contrário ao interesse da União.
Obs.: O AGU é obrigado a defender não apenas lei federal, mas também as leis estaduais.
Aula 07 - 10/03/2011
7.2.2 Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF)
A) Introdução
A ADPF está sendo questionada em uma ADI proposta pela OAB, sendo que está
parada há muito tempo.
A ADPF está prevista no art. 102, § 1º da CF/88:
§ 1.º A argüição de descumprimento de preceito fundamental, decorrente
desta Constituição, será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na
forma da lei.
A lei que regulamente a ADPF é a Lei 9.882/99. Antes dessa lei ser elaborada não
havia como ninguém ajuizar a ADPF, que só ganhou estrutura pós Lei 9.882/99. Existem
dois pontos básicos que a diferenciam das outras ações do controle concentrado:
1. É uma ação de descumprimento, não sendo de arguição de
inconstitucionalidade, como as outras. Ora, descumprimento da Constituição é
sinônimo de inconstitucionalidade? O descumprimento é visto pela doutrina
como algo mais amplo do que a inconstitucionalidade (se é mais amplo, irá
abranger a inconstitucionalidade). Toda forma de inconstitucionalidade será
um descumprimento da Constituição, mas, além da inconstitucionalidade há
outras formas de descumprimento, ex vis, uma norma pré-constitucional que, se
72
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
é incompatível com a CF/88 nova não é inconstitucional (já que é caso de não-
recepção), mas se essa norma for aplicada, haverá um descumprimento da
Constituição em vigor. Esquematicamente:
Descumprimento Inconstitucionalidade Normas pré-constitucionais +
normas constitucionais. Abrange normas constitucionais
2. É uma ação de descumprimento não de toda Constituição, mas apenas de
preceito fundamental. O parâmetro da ADPF é diferente do parâmetro da ADI
/ADC. Para ser parâmetro para ADPF tem que ser preceito fundamental. Para a
ADI / ADC, toda a CF/88 serve de parâmetro, exceto o preâmbulo. Para a
ADPF interessa apenas um preceito fundamental. Mas o que é preceito
fundamental? Não há uma definição exata do que é preceito fundamental. Na
ADPF nº 01, o ministro Nery Silveira afirmou que “cabe apenas ao STF, como
guardião da Constituição dizer quais são os preceitos fundamentais”, ou seja,
não adianta tentar se fazer um rol exaustivo dos preceitos fundamentais, nem
estabelecer critérios para tal, pois, somente diante das ações que o Supremo for
julgando é que irá se afirmar se o preceito é fundamental ou não. Percebam que
é casuístico. A despeito dessa visão, não se impede que coloquemos requisitos.
Preceito é uma norma. A norma, como já visto, pode ser um princípio ou uma regra.
Quando a CF/88 fala em preceito, pode ser tanto um princípio fundamental quanto uma
regra fundamental da Lei Maior. E como fazer essa diferenciação de normas
constitucionais que seriam fundamentais ou não? De acordo com professor José Afonso da
Silva “fundamental é aquele preceito que confere identidade à Constituição, ao regime por
ela adotada, ou que consagra um direito fundamental.” Exemplos (rol não exaustivo)
reconhecidos pelo STF reconhecidos como preceitos fundamentais:
a) Título I da Constituição (art. 1º ao 4º) - dos princípios fundamentais.
b) Título II da Constituição (art. 5º ao 17) - consagram os direitos e garantias
fundamentais.
c) Princípios constitucionais sensíveis (art. 34, VII): se forem violados podem
gerar, inclusive, uma intervenção federal no Estado.
d) Cláusulas pétreas: normas impassíveis de abolição que conferem identidade à
Constituição.
73
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
B) Objeto
O objeto da ADPF será muito mais amplo do que a ADI / ADC, visto que o
descumprimento à preceito fundamental é mais amplo do que a inconstitucionalidade. Para
facilitar a memorização desse objeto, vamos fazer um estudo comparativo com o objeto da
ADI / ADC:
Objeto da ADI / ADC Objeto da ADPF - Quanto à natureza: Lei / ato normativo
Lei / ato normativo / qualquer ato do Poder Público seja normativo ou não. Exemplos: ato administrativo de efeitos concretos, sentença judicial
- Quanto ao aspecto espacial: ADI: lei federal ou estadual. ADC: apenas lei federal.
Qualquer das esferas da federação: federal, estadual e municipal.
- Quanto ao aspecto temporal: O ato para ser objeto de ADI / ADC deve ser posterior ao parâmetro.
O ato pode ser tanto posterior ao parâmetro, quanto anterior, ou seja, engloba normas pré-constitucionais.
Obs.: Uma lei municipal ser objeto de controle concentrado abstrato, aparentemente,
parece ser novidade. Mas cuidado, visto que há uma hipótese de cabimento de controle
concentrado-abstrato sem ser em sede de ADPF. O art. 125, § 2º abre a possibilidade de
representação de constitucionalidade pelos Estados-membros, sendo o respectivo TJ o
competente para julgá-la.
§ 2º - Cabe aos Estados a instituição de representação de
inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais
em face da Constituição Estadual, vedada a atribuição da legitimação para
agir a um único órgão.
A ADI estadual tem como objeto lei estadual ou municipal, sendo o parâmetro
sempre a respectiva constituição estadual que contenha uma norma de observância
obrigatória. Por exemplo, a competência do chefe de Executivo prevista na CF/88 para o
Presidente da República, ex vis, iniciativa de leis, deve ser observado pela Constituição
Estadual. Da decisão que o TJ julga na representação de constitucionalidade, se o
parâmetro violado for norma de observância obrigatória, caberá recurso extraordinário para
o STF. Perceba que pode haver, então, uma lei municipal sendo examinada por recurso
extraordinário que será instrumento de controle abstrato.
C) Hipóteses de cabimento
74
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
O art. 1º da Lei 9.882 dispõe sobre as hipótese de cabimento:
Art. 1o A argüição prevista no § 1o do art. 102 da Constituição Federal
será proposta perante o Supremo Tribunal Federal, e terá por objeto evitar
ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder
Público.
O caput do citado artigo trata da ADPF autônoma, que pode ser:
a) Preventiva: proposta para evitar a lesão ao preceito fundamental;
b) Repressiva
O inciso I do parágrafo único prevê a hipótese de ADPF incidental:
Parágrafo único. Caberá também argüição de descumprimento de preceito
fundamental:
I - quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre
lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores
à Constituição.
Perceba que o inciso I fala de presença de controvérsia constitucional. O que é essa
controvérsia? Vejamos o art. 3º, V da mesma lei:
Art. 3o A petição inicial deverá conter:
V - se for o caso, a comprovação da existência de controvérsia judicial
relevante sobre a aplicação do preceito fundamental que se considera
violado.
Perceba que o inciso V do art 3º fala justamente dessa controvérsia judicial. Lembre
que em sede de ADI / ADC também é necessário esse controvérsia judicial. O STF não faz
essa distinção entre ADPF autônoma e incidental, sendo eminentemente doutrinária. Por
que? Originariamente o projeto de lei da ADPF permitia que qualquer pessoa pudesse
ajuizar diretamente uma ADPF, todavia, o Presidente da República vetou esse dispositivo,
sob o fundamento de que o Supremo iria ser inundado de causas. Por isso, a legitimidade
para propor ADPF é a mesma da ADI e ADC. Como os legitimados são os mesmos, ele
pode propor tanto a ADPF autônoma quanto a incidental. Pelo projeto de lei somente a
ADPF incidental poderia ser proposta por qualquer pessoa. Resumindo: hoje não se faz
distinção entre a ADPF autônoma e incidental na jurisprudência do STF, sendo tratada da
mesma forma, não necessitando atender o requisito do inciso V, art. 3º da Lei 9.882. Ver
ADI 2231/DF, onde o ministro Nery Silveira, em sede de medida cautelar suspendeu a
75
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
vigência do supracitado inciso (matéria pendende de julgamento no STF).
D) Caráter subsidiário
Este caráter está previsto no art. 4º, §1º da Lei 9.882/99.
Art. 4o A petição inicial será indeferida liminarmente, pelo relator, quando
não for o caso de argüição de descumprimento de preceito fundamental,
faltar algum dos requisitos prescritos nesta Lei ou for inepta.
§ 1o Não será admitida argüição de descumprimento de preceito
fundamental quando houver qualquer outro meio eficaz de sanar a
lesividade.
Se existir outro meio tão eficaz quanto a ADPF, ela não será admitida, pois goza de
caráter subsidiário. Isso significa que tem que ser o instrumento tem que ser de controle
abstrato para ser tão eficaz quanto a ADPF? O STF não faz essa distinção, mas
dificilmente se vai encontrar um meio tão eficaz quanto o controle concentrado. Todavia, o
professor Marcelo Novelino lembra um exemplo: na ADPF nº 1280 o objeto dela era uma
súmula vinculante. Ela pode ser objeto de ADPF? É ato normativo? Sim, é uma norma de
decisão. Mas não pode ser objeto de ADPF segundo o Supremo, pois existe um
procedimento específico para cancelamento ou revisão de súmula vinculante previsto na
Lei 11.417/06.
O STF não exige que o meio seja de controle concentrado abstrato, ou seja, pode ser
difuso, entendendo que o meio eficaz tem que ter. E o que é um meio tão eficaz quanto à
ADPF? Segundo Gilmar Mendes meio eficaz que nem o da ADPF é aquele que tem:
a) A mesma amplitude da ADPF;
b) Imediaticidade
c) Efetividade
Obs.: Súmulas que não são vinculante podem ser objeto de ADPF? O STF tem algumas
decisões recusando possíveis objetos de ADPF:
a) Enunciado de súmula. O Supremo entendeu que o enunciado de súmula é a
consolidação de entendimento que o Tribunal vem adotando. Não faz sentido
ajuizar ADPF contra ele
b) Proposta de emenda à Constituição. A PEC poderia ensejar dúvidas por causa
76
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
daquela ADPF preventiva. Ora, se cabe ADPF incidental preventiva ela se
aplica a PEC. O STF entendeu que não cabe, visto que a PEC é mera proposta
de lei, não sendo ato normativo nem ato do Poder Público, pois não é ato
completo e acabado, estando em formação ainda, podendo até ser rejeitado
posteriormente.
c) Veto presidencial à projeto de lei. O Supremo entendeu que a análise do veto
político deve ser feita pelo Poder Legislativo, não cabendo ao Poder Judiciário.
Mas e o veto jurídico? O professor Marcelo Novelino entende que quando o
Presidente da República veta um projeto sob o fundamento de ser
inconstitucional ele deveria ser analisado pelo Pretório Excelso. Essa não é a
posição do Supremo, pois ele proíbe a análise do veto pelo Judiciário em
qualquer hipótese.
Obs.: “caudas Legais” = colocar em lei assunto completamente diverso do assunto da lei
específica (contrabando legislativo), ou seja, é quando o legislador tenta camuflar um
assunto no meio de uma lei que trata de outro assunto.
7.3 Efeitos da decisão de mérito em sede de ADI / ADC
Os efeitos da decisão de mérito da ADI e ADC podem ter uma diferença da decisão
da ADPF. Vamos iniciar com os efeito na ADI e ADC: essas ações não têm parte formal,
sendo um processo constitucional objetivo; por isso, não há efeitos inter partes, e sim o
efeito sempre será erga omnes. Vale lembrar que em sede estadual, apesar de não existir
previsão legal acerca do efeito erga omnes, não tem problema, pois esse efeito é inerente
de ações objetivas.O efeito erga omnes atinge diretamente tanto Poderes Públicos quanto
os particulares. Por isso é mais amplo, no aspecto subjetivo do que o efeito vinculante.
A ADI / ADC também têm efeito vinculante, criado apenas com a emenda
constitucional nº 03/93. Qual a diferença básica entre o efeito erga omnes e o efeito
vinculante. Tem duas diferenças: no aspecto subjetivo, o efeito vinculante não atinge
diretamente os particulares, atingindo apenas diretamente os Poderes Públicos. Além disso,
não são todos os Poderes Públicos atingidos, excetuando-se desse efeito o próprio STF e o
Poder Legislativo na sua função típica, para evitar o fenômeno da fossilização da
Constituição. Vale lembrar que o chefe do Poder Executivo quando toma a iniciativa do
77
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
projeto de lei, sanciona projeto de lei ou até mesmo edita medida provisória, não fica ele
vinculado à decisão do STF. É a função legislativa criativa como um todo que não precisa
respeitar o efeito vinculante. E aí surge a seguinte questão: se o efeito vinculante é mais
restrito subjetivamente que o efeito erga omnes, por que ele foi introduzido no
ordenamento jurídico brasileiro? Quando o efeito vinculante foi criado com uma
abrangência menor no aspecto subjetivo, no aspecto objetivo era pra ser mais amplo. O
efeito vinculante foi criado não só para atingir o dispositivo, mas para atingir também os
fundamentos da decisão. Inclusive, no anteprojeto da EC 03/2003 se colocou esse objetivo
para o efeito vinculante, visando também atingir as normas paralelas dos entes da
Federação com o mesmo conteúdo --> é a teoria da transcendência dos motivos, ou seja, os
motivos que determinaram a decisão vão transcender do caso analisado para atingir outras
situações idênticas. Exemplo: STF declarou inconstitucional lei da PR sobre pesagem do
bujão de gás. Se outros entes federativos estiverem lei com mesmo conteúdo, serão tidas
automaticamente inconstitucional, não necessitando a propositura de outras ADI’s. Então
qual seria o instrumento cabível parar retirar do ordenamento essas leis contrárias aos
motivos da decisão que transcenderam? É a reclamação para o Supremo.
O STF já adotou a transcendência dos motivos em algumas decisões, todavia, a
questão não está pacificada. O Supremo está discutindo em uma Reclamação sobre a
aplicação dessa teoria em todo o seu controle abstrato. O ministro Gilmar Mendes é o
principal defensor da transcendência dos motivos da decisão em sede de controle
concentrado. Só que a tese estava enfraquecendo e, Gilmar percebendo isso está agora
sugerindo que as outras leis que desrespeitam os motivos transcendentes já julgados sejam
enfrentadas incidentalmente nas reclamações, sendo que a discussão a respeito da
transcendência dos motivos é meramente acadêmica. Percebe-se que está fugindo do
objetivo para qual foi criada reclamação, que é de preservar a competência do Supremo e
resguardar a autoridade das suas decisões.
Em síntese, segundo o ministro Gilmar Mendes a discussão a respeito da
transcendência dos motivos teria se tornado meramente acadêmica, pois na prática poderia
ser feito um controle incidental na própria reclamação.
7.3.1 Aspecto temporal da decisão - modulação dos efeitos
Quando uma lei é declarada inconstitucional a lei é, regra geral, com efeitos ex tunc,
78
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
retroagindo. Só que o STF, como visto, pode modular os efeitos temporais da decisão,
podendo conferir efeito ex nunc ou efeito pro futuro (prospectivo). Para a declaração de
inconstitucionalidade com efeito ex tunc, basta apenas a maioria absoluta dos ministros;
para modular em ex nunc ou pro futuro é necessário o quorum de 2/3 (8 ministros), sendo
que a modulação só pode ser feita por dois motivos: a) razões de segurança jurídica; b)
excepcional interesse social, nos termos do art. 27 da Lei 9.868/99.
Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e
tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse
social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de
seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela
só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento
que venha a ser fixado.
Apesar da previsão de modulação ser expressa na ADI a ADC, a modulação
temporal dos efeitos da decisão é admitida também no controle difuso, utilizando as
mesmas regras supracitadas. Agora uma novidade: no informativo 615, o STF fez essa
modulação dos efeitos temporais da decisão em um caso de não-recepção, ou seja, em caso
de norma pré-constitucional. O que aconteceu no caso julgado? no caso concreto para que
o edital de concurso público possa estabelecer limite de idade para os candidatos, a
jurisprudência do STF é pacífica que necessita de lei para fazer tais ressalvas. Essas
limitações, no caso dos militares, também depende de lei, no entanto, havia uma norma
anterior a CF/88, na qual havia possibilidade do regulamento estabelecer esses limites de
altura e idade. O Supremo então entendeu que o regulamento não pode estabelecer tais
critérios, só que essa Lei que estabelece o regulamento como competente até o final do ano
continua valendo, depois não mais (efeito prospectivo à decisão para uma norma anterior a
CF/88)
7.4 Efeitos da decisão de mérito na ADPF
A ADPF tem efeitos erga omnes previsto legalmente, assim como o efeito
vinculante. Só que no que tange aos efeito vinculante há uma diferença no art. 10, § 3º da
Lei 9.882/99. Vejamos:
§ 3o A decisão terá eficácia contra todos e efeito vinculante relativamente
aos demais órgãos do Poder Público.
79
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
Na ADI / ADC a redação constitucional não fala de Poder Legislativo, e fala apenas
da Administração Pública e do Poder Judiciário, enquanto que o supracitado artigo fala em
“demais órgãos do Poder Público”, o que nos leva a concluir que o STF não está
vinculado. E o legislador então estaria vinculado? Em geral, entende-se que o Poder
Legislativo não fica vinculado pela decisão (apesar da diferença redacional). Esse é o
predominante. O professor Marcelo Novelino adota a ideia de que o legislador ficaria
vinculado, sob o fundamento de que o art. 10 caput da Lei da ADPF:
Art. 10. Julgada a ação, far-se-á comunicação às autoridades ou órgãos
responsáveis pela prática dos atos questionados, fixando-se as condições e
o modo de interpretação e aplicação do preceito fundamental
Observe que no supracitado artigo o próprio legislador entendeu que na ADPF, a
decisão deveria ser comunicada aos órgãos, fixando-se as condições e o modo de
interpretação e aplicação do preceito fundamental, portanto, engessando o legislador pela
interpretação do Pretório Excelso.
No que tange à modulação temporal dos efeitos da decisão da ADPF, aplicam-se as
mesmas ideias da ADI e ADC, nos termos do art. 11 da Lei 9.882/99:
Art. 11. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, no
processo de argüição de descumprimento de preceito fundamental, e tendo
em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social,
poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus
membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só
tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento
que venha a ser fixado.
Obs.: De acordo com o STF a ADI e a ADPF são fungíveis, podendo a ADI ser convertida
em ADPF e vice e versa. Exemplo: governador do Maranhão ajuizou ADPF para contestar
portaria. Só que não havia decreto nem lei regulando a portaria, sendo que ela tinha caráter
geral e abstrato, estando diretamente ligada à CF/88. Por isso, o STF recebeu a ADPF
como sendo uma ADIN.
7.5 Efeitos da decisão em medida cautelar
A Lei 9.882 e a Lei 9.868 colocam de maneira distinta: medida cautelar para ADI e
ADC, sendo liminar para ADPF. Vamos por partes.
A) Na ADC
80
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
Para ADI e ADC quando da concessão de medida cautelar haverá medida erga
omnes e efeito vinculante. Mas haverá uma diferença entre a ADC e ADI: já que existe
uma presunção de constitucionalidade das leis teria sentido medida cautelar em sede de
ADC? Pela lei há a possibilidade de medida cautelar em sede de ADC, mas o efeito da
cautelar é de suspender o julgamento de processos nos quais a questão esteja sendo
discutida Essa suspensão dos processos ocorre no prazo máximo de 180 dias, nos termos
do art. 21 da Lei 9.868:
Art. 21. O Supremo Tribunal Federal, por decisão da maioria absoluta de
seus membros, poderá deferir pedido de medida cautelar na ação
declaratória de constitucionalidade, consistente na determinação de que os
juízes e os Tribunais suspendam o julgamento dos processos que
envolvam a aplicação da lei ou do ato normativo objeto da ação até seu
julgamento definitivo.
Parágrafo único. Concedida a medida cautelar, o Supremo Tribunal
Federal fará publicar em seção especial do Diário Oficial da União a parte
dispositiva da decisão, no prazo de dez dias, devendo o Tribunal proceder
ao julgamento da ação no prazo de cento e oitenta dias, sob pena de perda
de sua eficácia.
Obs.: a medida cautelar em sede da ADC não pode ser proferida monocraticamente, sendo
necessária a maioria absoluta do STF.
Obs.: não é a partir do trânsito em julgado que a medida cautelar (e também a decisão em
de mérito) torna-se obrigatória, e sim da publicação da ata de julgamento.
B) Na ADI
Na ADI o regramento de medida cautelar é diverso, não existindo na Lei 9.868 a
suspensão de julgamento dos processos. Todavia, o STF por analogia vem aceitando essa
suspensão de julgamento dos processos.
Além do efeitos erga omnes e vinculante em sede de medida cautelar pode o STF
suspender o ato ou lei questionado, inclusive, também por maioria absoluta, como na
ADC. Agora uma pergunta: o efeito da suspensão a aplicação da lei será ex tunc ou ex
nunc? Em regra terá efeito ex nunc; todavia, existe a possibilidade de modular os efeitos da
decisão cautelar, podendo conferir expressamente o efeito ex tunc. Isso está expresso no
art. 11 da Lei 9.868/99:
Art. 11. Concedida a medida cautelar, o Supremo Tribunal Federal fará
publicar em seção especial do Diário Oficial da União e do Diário da
Justiça da União a parte dispositiva da decisão, no prazo de dez dias,
81
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
devendo solicitar as informações à autoridade da qual tiver emanado o ato,
observando-se, no que couber, o procedimento estabelecido na Seção I
deste Capítulo.
§ 1o A medida cautelar, dotada de eficácia contra todos, será concedida
com efeito ex nunc, salvo se o Tribunal entender que deva conceder-lhe
eficácia retroativa.
Obs.: Apenas no período de recesso o relator poderá conceder monocraticamente a medida
cautelar. Se for em período normal dependerá de aprovação da maioria absoluta, nos
termos do art. 10 da Lei 9.868/99:
Art. 10. Salvo no período de recesso, a medida cautelar na ação direta será
concedida por decisão da maioria absoluta dos membros do Tribunal,
observado o disposto no art. 22, após a audiência dos órgãos ou
autoridades dos quais emanou a lei ou ato normativo impugnado, que
deverão pronunciar-se no prazo de cinco dias
Obs.: É possível que uma lei anteriormente revogada possa voltar a produzir efeitos.
Exemplo: Lei “A” foi revogada pela Lei “B”. Esta Lei “B” foi objeto de uma ADI, onde o
STF concedeu a medida cautelar. Ao conceder a cautelar, se suspenderá a aplicação da Lei
“B”. De acordo com a Lei 9.868, a suspensão da Lei “B” acarreta automaticamente na
aplicação novamente da Lei “A”. O ministro Gilmar Mendes chama de “repristinação
tácita” ou efeito repristinatório tácito. É tácito visto que o Supremo não invoca a aplicação
da Lei “A” automaticamente, e sim é efeito tácito da decisão, nos termos do art. 11, § 2º:
§ 2o A concessão da medida cautelar torna aplicável a legislação anterior
acaso existente, salvo expressa manifestação em sentido contrário.
É possível também que o Supremo afirme que a Lei “B” é inconstitucional, mas
suspenda também, expressamente, a Lei “A”, impedindo a volta de sua aplicação.
Obs.: A decisão que nega a concessão da medida cautelar tem efeito vinculante? Não, visto
que não há nenhuma previsão legal neste sentido.
C) Na ADPF
Na ADPF a Lei 9.882/99 chama de medida liminar (e não de cautelar). No caso da
ADPF a liminar, em regra, também será concedida por maioria absoluta, todavia, como se
trata de um preceito fundamental, questões teoricamente mais relevantes, existem mais
exceções. Além do período de recesso onde o relator pode conceder liminar
monocraticamente, o relator também poderá concedê-la monocraticamente quando houver
82
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
perigo de grave lesão ou em caso de extrema urgência.
Art. 5o O Supremo Tribunal Federal, por decisão da maioria absoluta de
seus membros, poderá deferir pedido de medida liminar na argüição de
descumprimento de preceito fundamental.
§ 1o Em caso de extrema urgência ou perigo de lesão grave, ou ainda, em
período de recesso, poderá o relator conceder a liminar, ad referendum do
Tribunal Pleno.
§ 2o O relator poderá ouvir os órgãos ou autoridades responsáveis pelo ato
questionado, bem como o Advogado-Geral da União ou o Procurador-
Geral da República, no prazo comum de cinco dias.
A ADPF tem ainda um efeito específico: suspender a tramitação de processos ou os
efeitos de decisões judiciais ou quaisquer outras medidas, salvo se decorrentes de coisa
julgada, nos termos do § 3º do art. 5º da Lei 9.882:
§ 3o A liminar poderá consistir na determinação de que juízes e tribunais
suspendam o andamento de processo ou os efeitos de decisões judiciais,
ou de qualquer outra medida que apresente relação com a matéria objeto
da argüição de descumprimento de preceito fundamental, salvo se
decorrentes da coisa julgada.
Esse parágrafo cai muito em provas objetivas, toda, se exclui a última parte, mas é
importante lembrar sempre: a ADPF, em sede de medida cautelar, respeita a coisa julgada,
não suspendendo seus efeitos - o que poderá mudar com a decisão de mérito, se modular os
efeitos da decisão para ex tunc
Aula 08 - 28/03/2011
TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
1. Introdução
Antes de iniciar o tema, para fins didáticos vamos fazer a distinção entre direitos
83
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
humanos e direitos fundamentais. Ambos estão relacionados aos valores liberdade,
igualdade e são voltados a proteção e promoção da dignidade da pessoa humana. A
diferença é o plano no qual eles estão situados, enquanto os direitos humanos estão
consagrados no plano internacional, os direitos fundamentais situam-se no plano interno,
em geral, na Constituição. Logo, o conteúdo dos direitos é o mesmo: liberdade e igualdade,
sendo que tais valores tutelam a dignidade da pessoa humana. É claro que os direitos
fundamentais de cada país vai variar, por exemplo, os EUA consagram pena de morte e
perpétua, enquanto aqui no Brasil isso não é admitido, exceto pena de morte em casos de
guerra declarada. Muitos autores, inclusive, não fazem essa diferença chamando inclusive
direitos humanos fundamentais. A distinção aqui é essencialmente de plano. Vejamos o art.
5º, § 3º:
§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que
forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos,
por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às
emendas constitucionais
* Em nenhum momento a nossa CF/88 se refere sobre direitos humanos no plano
interno, todavia, o faz no tocante a direitos fundamentais, por exemplo, o título
II - dos direitos e garantias fundamentais.
* De acordo com o supracitado artigo se os tratados internacionais de direitos
humanos forem aprovados com o rito das emendas constitucionais (2 turnos de
votação + 3/5 dos votos do CN), terão os mesmos valores dela, e,
consequentemente, terá o mesmo status de uma emenda constitucional.
Todavia, se o TIDH for aprovados com rito ordinário (são os casos de todos os
tratados antes da EC 45 que acrescentou em 2004 o supracitado parágrafo) terá
status supralegal. Veja que que é uma nova categoria hierárquica da lei:
a) TIDH aprovado com rito de EC: status constitucional.
b) TIDH aprovado com rito ordinário: status supralegal.
c) TI de outra matéria que não direitos humanos. Status ordinário.
O art. 5º, § 2º da CF/88 consagra uma teoria material dos direitos fundamentais. O
que isso significa? Vejamos a redação:
§ 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem
84
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos
tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
* Ao dispor “os direitos ali consagrados” remete-nos aos direitos fundamentais, e
significa que outros direitos fundamentais podem ser adotados pelo
ordenamento jurídico decorrentes de princípios implícitos na CF/88 e direitos
consagrados por tratados internacionais.
* Quando se fala em direitos fundamentais, além deles não serem apenas os que
estão na CF/88, e também os decorrentes de princípios e tratados
internacionais, os direitos fundamentais não estão apenas dentro do título II da
CF/88, encontrando-se espalhados por todo o seu texto.
Outro dispositivo importante é o § 1º do art. 5º da CF/88:
§ 1º - As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm
aplicação imediata
* Se a interpretação do artigo é literal significa que todos os direitos e garantias
fundamentais poderiam ser aplicados independentemente da conjugação de
outra vontade, lei ou ato do Poder Público. É assim que funciona? Alguns
autores defendem essa corrente, como o ministro Eros Grau. O professor não
concorda com esse posicionamento e nos remete ao art. 5º, LXXI da CF/88:
LXXI - conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma
regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades
constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e
à cidadania;
* A grande maioria da doutrina (por exemplo, Dirley Cunha) interpreta o
mandado de injunção como instrumento criado para garantir o exercício dos
direitos fundamentais. Analisando esse inciso com o supracitado parágrafo
percebe-se a incoerência da Lei Maior. Por conta disso, o professor acredita
não ser possível a aplicação automática sempre dos direitos fundamentais. Um
segundo posicionamento (adotado por Ingo Sarlet) interpreta o § 1º do art. 5º
não como uma regra, e sim como a estrutura de um princípio. Segundo Ingo, as
normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais devem ser
interpretadas no sentido que lhes confira a maior efetividade possível para que
cumpram a finalidade para qual forem criadas. A efetividade depende,
85
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
inclusive, de uma série de fatores, por exemplo, o direito de greve precisa de
uma norma regulamentadora. Esse é o entendimento adotado pelo CESPE.
2. Classificações dos direitos fundamentais
2.1 Classificação da CF/88
Vamos ver duas classificações. Primeiramente a realizada pela CF/88 que trata dos
direitos fundamentais no título II e considera que direitos e garantias fundamentais são o
gênero que tem as seguintes espécies:
a) Direitos individuais: apesar de estarem sistematicamente elencados no art. 5º os
direitos e garantias individuais também podem ser encontrados em outras
partes da Constituição. Prova disso é o art. 65, § 4º, IV da CF/88: perceba que
não são todos os direitos fundamentais (apesar de que defendidos por alguns
autores) que são cláusulas pétreas, e sim apenas os direitos e garantias
individuais. E mais: o STF já entendeu que o art. 60, § 4º e o art. 150, III, “b”
foram consideradas garantias individuais e, portanto, cláusulas pétreas.
4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a
abolir:
IV - os direitos e garantias individuais
b) Direitos coletivos: espalhados pelos arts. 5º, 6º e seguintes)
c) Direitos sociais: art. 6º e seguintes
d) Direitos de nacionalidade: arts. 12 e 13
e) Direitos políticos: arts. 14 e seguintes
Obs.: O título II ainda menciona em seu final sobre os partidos políticos.
2.2 Classificação doutrinária
A classificação doutrinária mais aceita é de um autor português chamado José Carlos
Vieira de Andrade, que foi inspirada feito por um autor alemão chamado Jellinek. e divide
os direitos fundamentais em três espécies:
a) Direitos de defesa: são direitos criados para proteger o indivíduo em face do
86
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
Estado. São os direitos individuais, também chamados civis, (ligados ao valor
liberdade) e tem preponderantemente um caráter negativo (exigem do Estado
uma abstenção - status negativus). Ex: para que se tenha uma liberdade
artística, de expressão, de ir e vir, o Estado não deve se intrometer, devendo se
abster.
b) Direitos a prestações: São direitos que exigem do Estado não uma abstenção,
mas uma atuação positiva, ou seja, exigem uma prestação do Estado. Têm
preponderantemente um caráter positivo (status positivus)
* Os direitos prestacionais têm uma carga de eficácia menor que os direitos
de defesa? Sim, pois a maioria dos direitos de defesa estão consagrados em
normas de eficácia plena ou contida, enquanto que os direitos prestacionais
estão geralmente consagrados em normas de eficácia limitada. Os direitos
prestacionais têm menos eficácia e menos efetividade (em razão do custo
oneroso que têm). Vale lembrar também que os direitos prestacionais
dependem de recursos financeiros: quanto mais pobre o Estado e o nível
de desenvolvimento deste, maior é a dificuldade de implementar os
direitos sociais.
* Constituem-se basicamente nos direitos sociais. Alguns direitos
prestacionais podem ser, inclusive, individuais, como o direito de
assistência judiciária. E cuidado: nem todo direito prestacional é um
direito social, e a recíproca também é verdadeira, ex vis, a proteção do
trabalhador através da legislação trabalhista. A criação de legislação
trabalhista não é um direito prestacional por parte do Estado.
* Os direitos prestacionais estão ligados ao valor igualdade material (não à
formal). E em que sentido a exigência de igualdade material faz com que o
Estado tenha que atuar positivamente? Ora, o objetivo das prestações é de
reduzir as desigualdades fáticas. Por que o Estado tem que fornecer
medicamentos para algumas pessoas? Pois, algumas pessoas não tem
como pagar esses remédios, e acaba também fornecendo para quem pode.
Logo, tais direitos prestacionais visam reduzir essa desigualdade fática.
Existem muitos países, como na Alemanha, onde na sua Constituição não
preveem o direito social como um direito fundamental. Ora, como uma
87
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
pessoa vai ter liberdade se ela não tem acesso aos bens básicos como saúde
e educação?
3. Direitos de participação. Têm caráter positivo e negativo. São aqueles direitos
que irão permitir a participação do indivíduo na vida política do Estado. São
direitos ligados à cidadania. Para que o indivíduo possa participar da vida
política do Estado, esses direitos têm tanto um caráter positivo quanto
negativo. Ex: para que se realizem as eleições periódicas, o Estado deve
concretizá-las (face positiva), mas também deve abster-se de impedir cidadãos
de participar do sufrágio universal (face negativa), direitos de Nacionalidade e
Direitos Políticos. Vale salientar que o exercício dos direitos políticos depende
do direito de nacionalidade.
Obs.: a rigor, todos os direitos têm caráter positivo e negativo. Exemplo: liberdade de
locomoção do indivíduo. Em regra, o Estado não pode impedir o indivíduo de ir e vir (face
negativa), mas também se ele não influir construindo estradas, meios de transporte, etc.
(face positiva) as pessoas não poderão exercitá-los.
Obs.: direitos coletivos estão sempre ligados aos direitos individuais ou sociais.
3. Características dos direitos fundamentais
A) Universalidade: o fatos dos direitos fundamentais terem como núcleo comum a
dignidade da pessoa humana conduz à sua universalidade. Quando se fala em
universalidade, significa que o núcleo mínimo de proteção nesses direitos têm que estar
presente em todos os ordenamentos. Exemplo: todo país que respeite direitos humanos tem
que proteger o direito à vida.
B) Historicidade: os direitos fundamentais são direitos históricos, pois surgem
gradativamente através do tempo e se transformam. A historicidade fica muito claro
quando se estudam as dimensões dos direitos ora estudados. Os direitos fundamentais
foram surgindo aos poucos. Exemplo: o direito à igualdade estava presente na época da
Revolução Francesa: “os homens nascem livres e iguais.” Agora, aquela igualdade
consagrada lá era a igualdade meramente formal, tanto que admitiam até a possibilidade de
existirem escravos. Atualmente a igualdade é aplicada em seu sentido material.
88
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
* A ideia de historicidade afasta a tese do jusnaturalismo. Como os direitos
fundamentais seriam direitos naturais se eles surgem e se extinguem com o
passar dos tempos? É o argumento utilizado pelos positivistas. Aí os
jusnaturalistas afirmam que não é que os direitos fundamentais não existiam, é
que eles foram sendo conquistados pela sociedade com o passar do tempo e
positivados a partir dessas conquistas.
C) Imprescritibilidade: direitos fundamentais não prescrevem.
D) Inalienabilidade: direitos fundamentais são indisponíveis, intransferíveis e
inegociáveis, uma vez que não possuem conteúdo patrimonial.
E) Irrenunciabilidade
Essas três características tem um viés jusnaturalista: os direitos fundamentais são
naturais e, portanto, imprescritíveis, inalienáveis e irrenunciáveis. Essas características são
muito polêmicas, por exemplo, uma pessoa que participa do BBB não está negociando um
direito fundamental? A pessoa que deixa de exercer um direito fundamental não está
renunciando a esse direito? Na verdade é feita uma distinção para tentar esclarecer essas
dúvidas: titularidade do direito ≠ exercício do direito. O que é inalienável não é o exercício
desse direito, e sim a titularidade do direito. A pessoa não pode perder o direito de forma
total e definitiva. Exemplo: a pessoa pode abrir mão de herança, mas não pode dizer que
definitivamente nunca vai receber a herança. Essa é a titularidade. Ao abrir mão de um
direito específico (ex vis, abrir mão de uma herança), estaria abrindo mão do exercício do
direito fundamental de forma parcial e temporária. Existem situações, todavia, onde se
pode renunciar ao direito fundamental em outros países, como, por exemplo, a renúncia do
direito de nacionalidade. No Brasil, não é possível a renúncia, e sim a perda por
determinados motivos.
Se fala em renúncia ao exercício, alienação do exercício e prescrição do exercício.
Além disso, não se deve confundir renúncia a um direito fundamental com o não-exercício
dele e com o exercício negativo. Logo, renúncia ≠ não exercício ≠ exercício negativo ≠
perda.
Renúncia Não-exercício Exercício negativo
Perda
Enfraquecimento de uma posição de um
É a opção do titular do direito
É uma das faces do exercício de um
É uma restrição heterônoma. Alguém
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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
titular de um direito fundamental. Ex: castração química de pedófilos*
fundamental de não exercê-lo. Não há renúncia, e sim a ausência do exercício. ** Ex: duplo grau
possível direito fundamental. Ex: não querer se associar.***
impõe que não se exerça determinado direito. Ex: perda da nacionalidade imposta pelo ordenamento.
* A castração química é reversível e é utilizada através de hormônios femininos para
reduzir o nível de testosterona. Um senador está querendo um projeto de lei nesse
sentido, não para obrigar o condenado à castração química - pois, seria renúncia de
direito fundamental, e sim como pena alternativa: em vez de, por exemplo, 20 anos de
prisão, o condenado poderia ter 5 (cinco) anos se trocasse, voluntariamente, a pena
privativa de liberdade pela castração química durante o período de livramento
condicional: aqui não é uma imposição, e sim uma atitude espontânea.
** Duplo grau de jurisdição é direito fundamental? Posso num processo não querer
recorrer. A minha posição não foi enfraquecida, eu apenas não quis exercê-la, mas meu
direito permanece.
*** Liberdade de associação: liberdade de me associar, de não associar ou de permanecer
associado. Quando me recuso a não me associar, estou exercendo o meu direito de uma
forma negativa.
F) Relatividade / limitabilidade: os direitos fundamentais não podem ser considerados
absolutos porque eles encontram limitações impostas por outros direitos também
consagrados na própria Constituição. Os direitos fundamentais não são absolutos, e sim
relativos, pois existe um sistema de tais direitos para que possam conviver dentro desse
sistema; por isso que existem limites. Muitos pensam que a dignidade da pessoa humana é
um princípio absoluto. Na verdade, não é um princípio absoluto, e sim um valor. E qual a
diferença? Quando se usa a dignidade como valor absoluto significa que não existe
gradação entre esse valor: a dignidade é igual para todas as pessoas, não existindo nível de
dignidade da pessoa humana --> isso é absoluto. Agora, dignidade da pessoa humana como
princípio não é absoluto, pois se não, não seria possível fazer a ponderação com o sistema
jurídico. Exemplo: aborto de feto anencéfalo: se eu considerar que a dignidade da pessoa
humana como princípio é absoluto a gestante não poderá realizar o aborto.
90
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
* O italiano Norberto Bobbio em seu livro “A Era dos direitos” sustenta que
existem dois valores absolutos: o direito de não ser torturado e o direito de não
ser escravizado. Ora, a tortura já é uma regra resultante de uma ponderação
feita pelo legislador do constituinte através da dignidade da pessoa humana. A
proibição de trabalho escravo também é uma concretização da dignidade da
pessoa humana. A regra já é muitas vezes o resultado de uma ponderação e,
quem fez essa regra foi o legislador. Costuma dizer que nas regras existem as
“razões entrincheiradas”, que são justamente as ponderações feitas nas
discussões, análise do que seria votado para adentrar no ordenamento.
* Humberto Ávila entende que os direitos fundamentais se expressam muito mais
por regras do que princípios. Agora, inegavelmente os princípios não podem
ser considerados absolutos, bem como essas regras.
4. Eficácia vertical e horizontal dos direitos fundamentais e suas teorias.
Quando os direitos fundamentais surgem, eles foram consagrados nas Constituições
com a finalidade de proteger o indivíduo em face dos arbítrios do Estado. Como a relação
do Estado com o particular é uma relação hierarquizada, de subordinação, dizemos que há
uma relação vertical: a aplicação dos direitos fundamentais a tais relações hierarquizadas),
se fala em eficácia vertical dos direitos fundamentais. A eficácia vertical é, portanto, a
aplicação dos direitos fundamentais, às relações entre o Estado e o particular.
A teoria da eficácia horizontal foi organizada por juiz do tribunal do trabalho alemão,
Nipperdey, em 1950 que começou a aplicar os direitos fundamentais também nas relações
entre os particulares. Como aqui é uma relação horizontal ( particular <--> particular), a
aplicação dos direitos fundamentais nessa relação ficou conhecida como eficácia
horizontal. Só que isto é apenas uma visão superficial do tema. Existem várias teorias
sobre a possibilidade de aplicação ou não dos direitos fundamentais nas relações entre os
particulares.
4.1 Teoria da ineficácia horizontal
Se há uma ineficácia horizontal, os direitos fundamentais não podem ser aplicados
nas relações entre particulares. Não tem muito prestígio entre os países, mas é a doutrina
91
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
adotada nos EUA. Os direitos fundamentais se aplicam apenas às relações entre Estado e
particulares. A 13ª emenda da Constituição americana acabou com a escrivão. Com a
exceção dessa emenda, nenhum outro dispositivo da Constituição americana, nenhum
outro dispositivo dela, de acordo com o entendimento jurisprudencial, se aplicaria a
eficácia horizontal. Isso porque a Constituição de 1787 ainda etá em vigor e nessa época só
existiam direitos fundamentais dos indivíduos em face do Estado.
Nos EUA existe uma teoria que adequa a aplicação dos direitos fundamentais por
parte de particulares contra particulares (Doutrina da State Action). Tal doutrina tenta
buscar um artifício para que algumas situações possam ser aplicados os direitos
fundamentais nas relações entre particulares. Vamos analisar três aspectos da State Action:
a) Pressuposto: só pode haver violação a direito fundamental por meio de uma
ação estatal.
b) Finalidade: tentar afastar a impossibilidade de aplicação dos direitos
fundamentais nas relações entre particulares e definir, ainda que de forma
casuística e assistemática em que situações esta aplicação seria possível. Existe
uma divergência entre o Daniel Sarmento e o Virgílio Afonso. Daniel estudou
nos EUA e sustenta que a doutrina da State Action teria como finalidade evitar
a aplicação dos direitos fundamentais às relações particulares. Já o Virgílio
sustenta que a finalidade da doutrina não é impedir a aplicação, e sim tentar
contornar essa proibição. O professor Marcelo Novelino concorda com
Virgílio.
c) Artifício de sua utilização: equiparação de determinados atos privados a atos
estatais. Os direitos fundamentais só se aplicariam na relação Estado-
particulares, mas também nas relações particular-particular quando os atos dos
particulares se equipararem a atos do Estado.
4.2 Teoria da eficácia horizontal indireta
A teoria da eficácia horizontal surgiu com Nipperdey, mas não é a teoria que
prevalece na Alemanha. A teoria prevalecente entre os Alemães (doutrina e jurisprudência)
é a eficácia horizontal indireta, que surgiu com Günter Dürig. Alexy adota outra teoria
(posição minoritária na Alemanha).
O direito fundamental até pode ser aplicado entre as relações particulares, mas para
ocorrer, o juiz não pode buscar na Constituição diretamente tal direito, pois esse direito na
92
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
Constituição foi construído para garantir o indivíduo contra o Estado. Para que
determinado direito fundamental seja aplicado nas relações entre particulares é necessária a
regulamentação desse direito por parte do legislador legal. Isso porque no direito privado
existe o princípio da autonomia da vontade. Logo, os direitos fundamentais não ingressam
na relação particular x particular como direito subjetivo a ponto de invocar a Constituição.
O indivíduo só pode invocar a lei
A aplicação direta dos direitos fundamentais nas relações privadas aniquilaria a
autonomia da vontade e causaria uma desfiguração no direito privado. Nas relações
contratuais (entre particulares, no mesmo nível) não se pode aplicar os direitos
fundamentais da mesma forma do que nas relações Estado-particulares, devendo, em
primeiro momento, prevalecer a autonomia da vontade. Não se nega a aplicação dos
direitos fundamentais nestas relações, mas para a aplicação dos direitos fundamentais deve
haver uma intermediação da lei prevendo esta aplicação.
Os direitos fundamentais irradiam os seus efeitos nas relações entre particulares por meio
de mediação legislativa (efeito irradiador dos direitos fundamentais). Para não causar uma
desfiguração do direito privado e uma supressão da autonomia da vontade. O direito
privado, por meio da lei, iria trazer os direitos fundamentais às relações privadas.
Segundo a doutrina alemã, os direitos fundamentais entrariam no direito privado e
seriam irradiados (introduzidos) às relações particulares via cláusulas gerais do direito
privado (“portas de entrada” ou “pontos de infiltração” dos direitos fundamentais no
direito privado – interpretação destas cláusulas via direitos fundamentais).
4.3 Teoria da eficácia horizontal direta
Surgiu na Alemanha, por um juiz do Tribunal Constitucional do Trabalho chamado
Hans Karl Nipperdey. Não é prevalecente na Alemanha, mas são prevalecentes em
Portugal, Espanha, Itália e Brasil. Não precisaria fazer uma série de artifícios
interpretativos para a aplicação entre particulares dos direitos fundamentais. Ela
aconteceria diretamente, entretanto, a aplicação dos direitos fundamentais entre
particulares não deve ocorrer com a mesma intensidade com que ocorre nas relações com o
93
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
Estado, pois se deve levar em conta o princípio da autonomia da vontade.
* Ex1: se há uma relação de igualdade fática, real (coordenação), prevalece,
como regra a autonomia da vontade.
* Ex2: se há uma relação de desigualdade fática (subordinação), a proteção aos
direitos fundamentais deve ser maior. Exemplo: particular tem bar e proíbe a
entrada de negros. Isso não é possível.
Sobre esse tema vale conferir no STF o RE 161.243/DF. É a hipótese da air france
que tinha 2 estatutos trabalhistas: um para os franceses e outros para “estrangeiros. O STF
entendeu que, nesse caso, o princípio da autonomia deveria ser aplicado nessa relação. O
Supremo entendeu que na relação trabalhista privada existe uma desigualdade fática entre
empregador e empregado e que é preciso tutelar esse último grupo
STF, RE 161.243
EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRABALHO. PRINCÍPIO DA
IGUALDADE. TRABALHADOR BRASILEIRO EMPREGADO DE
EMPRESA ESTRANGEIRA: ESTATUTOS DO PESSOAL DESTA:
APLICABILIDADE AO TRABALHADOR ESTRANGEIRO E AO
TRABALHADOR BRASILEIRO. C.F., 1967, art. 153, § 1º; C.F., 1988, art.
5º, caput. I. - Ao recorrente, por não ser francês, não obstante trabalhar para
a empresa francesa, no Brasil, não foi aplicado o Estatuto do Pessoal da
Empresa, que concede vantagens aos empregados, cuja aplicabilidade seria
restrita ao empregado de nacionalidade francesa. Ofensa ao princípio da
igualdade: C.F., 1967, art. 153, § 1º; C.F., 1988, art. 5º, caput). II. - A
discriminação que se baseia em atributo, qualidade, nota intrínseca ou
extrínseca do indivíduo, como o sexo, a raça, a nacionalidade, o credo
religioso, etc., é inconstitucional. Precedente do STF: Ag 110.846(AgRg)-
PR, Célio Borja, RTJ 119/465. III. - Fatores que autorizariam a
desigualização não ocorrentes no caso. IV. - R.E. conhecido e provido.
Outro exemplo de aplicação da teoria direta da eficácia horizontal no STF foi o RE
158.285/RS. Alguns associados de uma cooperativa no RS deram uma entrevista no jornal
desafiando os diretores do órgão e que não teriam coragem de expulsá-los. Eles assim o
fizeram. No estatuto da cooperativa, todavia, se assegurava o direito de defesa em casos de
expulsão. Perceba que a matéria não poderia chegar ao Supremo por RE, pois havia norma
infralegal tutelando o caso - o estatuto. Todavia, Marco Aurélio entendeu que houve
violação direta dos direitos fundamentais e conheceu do recurso extraordinário. Veja o teor
da decisão.
STF, RE 158.285
DEFESA - DEVIDO PROCESSO LEGAL - INCISO LV DO ROL DAS
GARANTIAS CONSTITUCIONAIS - EXAME - LEGISLAÇÃO
COMUM. A intangibilidade do preceito constitucional assegurador do
devido processo legal direciona ao exame da legislação comum. Daí a
insubsistência da óptica segundo a qual a violência à Carta Política da
94
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
República, suficiente a ensejar o conhecimento de extraordinário, há de ser
direta e frontal. Caso a caso, compete ao Supremo Tribunal Federal exercer
crivo sobre a matéria, distinguindo os recursos protelatórios daqueles em
que versada, com procedência, a transgressão a texto constitucional, muito
embora torne-se necessário, até mesmo, partir-se do que previsto na
legislação comum. Entendimento diverso implica relegar à inocuidade dois
princípios básicos em um Estado Democrático de Direito - o da legalidade e
do devido processo legal, com a garantia da ampla defesa, sempre a
pressuporem a consideração de normas estritamente legais.
COOPERATIVA - EXCLUSÃO DE ASSOCIADO - CARÁTER
PUNITIVO - DEVIDO PROCESSO LEGAL. Na hipótese de exclusão de
associado decorrente de conduta contrária aos estatutos, impõe-se a
observância ao devido processo legal, viabilizado o exercício amplo da
defesa. Simples desafio do associado à assembléia geral, no que toca à
exclusão, não é de molde a atrair adoção de processo sumário. Observância
obrigatória do próprio estatuto da cooperativa.
Essa teoria gera algumas críticas:
a) Perda da clareza conceitual do Direito Privado.
b) Ameaça à sobrevivência da autonomia privada.
c) Incompatibilidade com os princípios: democrático, da separação dos poderes e
da segurança jurídica.
d) O Judiciário estaria exercendo uma função que deveria ter sido exercida pelo
Legislador (falta de critérios objetivos).
4.4 Teoria integradora
A teoria integradora é definida por Robert Alexy. A teoria é chamada de integradora,
pois vai integrar a teoria da eficácia horizontal direta e a indireta. De acordo com a teoria
integradora o ideal é que exista a intermediação legislativa, no entanto, na ausência de
mediação do legislador, os direitos fundamentais poderiam ser aplicados diretamente.
5. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais
5.1 Introdução
A dignidade da pessoa humana é um direito fundamental? É o ordenamento jurídico
que confere esse direito? A dignidade não é vista pela maioria dos autores como um
direito, pois não é conferida pelo Ordenamento Jurídico. Ainda que não se mencionasse a
95
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
dignidade ela ainda existiria, pois é um atributo que todo ser humano possui,
independentemente da condição do homem. A dignidade, portanto, é uma qualidade
intrínseca do ser humano, não dependendo de nacionalidade, origem, sexo, etc. Sendo
humano, possui dignidade. Kant, por exemplo, sustenta que o fundamento da dignidade da
pessoa humana é a autonomia do indivíduo. Por o ser humano ter vontade, ele teria que ter
dignidade. O professor Marcelo Novelino não concorda, porque algumas pessoas não tem
racionalidade, ex vis, o feto, os senis, teriam uma dignidade relativizada? Alguns autores
dizem que a dignidade tem como fundamento a vida. O professor também discorda. O
morto não teria direito à dignidade? A vida parece para alguns ser o bem mais valioso. E
no caso de testemunha de Jeová que se recusa receber a transfusão de sangue? Houve uma
decisão no TJ/RS que forçou um deles a tomar a transfusão. Mas ora, para o testemunha de
Jeová a sua vida fica indigna. O professor Marcelo Novelino entende que a dignidade não
tem um fundamento, na verdade ela é um fundamento de todos os direitos, inerentes ao ser
humano. Todos os direitos fundamentais decorreriam direta ou indiretamente da dignidade
da pessoa humana.
Aula 09 - 08/04/2011
5.2 Facetas da dignidade da pessoa humana e sua aplicação in concreto
A dignidade da pessoa humana está prevista no art. 1º, III da CF/88 e é tida como um
dos fundamentos da República Federativa do Brasil.
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel
dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado
Democrático de Direito e tem como fundamentos:
III - a dignidade da pessoa humana;
Vale aqui fazer uma distinção: as normas do art. 1º são normas internas, inerentes ao
Estado brasileiro enquanto que as normas do art. 3º são normas externas, aplicáveis pelo
Brasil nas suas relações exteriores.
A maioria da doutrina internacional costuma apontar a dignidade da pessoa humana
como valor constitucional supremo. Agora cuidado: valor constitucional supremo não
significa ser norma suprema. São coisas diferentes. A dignidade da pessoa humana não se
encontra acima das demais normas da Constituição em face ao princípio da unidade que
96
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
dispõe que não existe hierarquia entre as normas constitucionais. A dignidade da pessoa
humana é o valor constitucional supremo, e não a norma suprema, porque nem sempre a
dignidade prevalecerá no caso de ponderação de princípios. É verdade que na maioria dos
casos a dignidade da pessoa humana, por ser um valor supremo, prevalecerá, mas não são
em todos os casos. Exemplo: dignidade de uma pessoa contra a dignidade de outra.
Falamos na semana passada que a dignidade da pessoa humana não é um direito, e
sim é uma verdadeira qualidade intrínseca do ser humano. Nós não temos dignidade
porque ela está prevista no art. 1º, III, e sim porque ela é uma qualidade intrínseca do ser
humano. Apesar de ela não ser um direito ela possui uma íntima relação com os direitos
fundamentais: tal relação se dá, pois, a dignidade da pessoa humana é o núcleo dos direitos
fundamentais. Tais decorrem da dignidade da pessoa humana. O fundamento dos direitos
fundamentais é a dignidade da pessoa humana: os direitos fundamentais existem para
proteger e promover a dignidade da pessoa humana, que é o fundamento de todos eles. É
claro que alguns direitos fundamentais possuem uma derivação mais direta ou indireta à
dignidade da pessoa humana, ex vis, o direito de liberdade é muito mais ligado à dignidade
da pessoa humana, do que um direito de férias. Mas esse não deixa de estar ligado à
dignidade da pessoa humana, pois o direito de férias visa a garantir a dignidade moral e o
direito a repouso.
Se a dignidade é o fundamento dos direitos fundamentais e, se os direitos
fundamentais existem para promover e proteger a dignidade da pessoa humana, quando há,
como no Brasil, uma CF/88 que tutela os direitos fundamentais de forma bem definida,
dificilmente se necessitará recorrer diretamente à dignidade da pessoa humana. Exemplos:
violações à integridade física e mental de uma pessoa e, consequentemente violação
também sua dignidade; a violação da liberdade; da igualdade; dos direitos de
personalidade, etc. O importante é conhecer o raciocínio que se utilizará: se há um
ordenamento jurídico onde não existe um rol de direitos fundamentais específicos (não é o
caso do Brasil), o juiz ao decidir ele vai retirar da dignidade da pessoa humana os direitos
fundamentais. Quando a CF já possui um rol de direitos fundamentais segmentado, o juiz
não vai invocar a dignidade da pessoa humana como norma principal para resolver o caso -
ele usará um dos direitos fundamentais. O magistrado utilizará a dignidade da pessoa
humana apenas como um reforço argumentativo. Inclusive, no sítio do STF não há
decisões baseadas exclusivamente na dignidade da pessoa humana, e sim há sempre
invocação de princípios constitucionais. Talvez o único caso onde o Pretório Excelso se
97
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
utilizou apenas da dignidade da pessoa humana seria a não-obrigatoriedade de submissão
ao exame de DNA. Mesmo assim, o Supremo invocou normas não-constitucionais também
para fundamentar sua decisão.
5.3 Consequências jurídicas da dignidade da pessoa humana como fundamento da
República Federativa do Brasil
Quais são as consequências jurídicas de ter declarado a dignidade da pessoa humana
como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil?
1. Dever de respeito não só por parte do Estado, mas também pelos particulares.
Temos na CF/88 um dispositivo que, segundo o professor Novelino, concretiza
esse dever de respeito à dignidade da pessoa humana: é o art. 5º, III da CF/88:
“ninguém será submetido a tratamento desumano ou degradante.”
2. Dever de proteção das condições de vida digna;
3. Dever de promoção das condições de vida digna.
5.4 “Fórmula do objeto” e “expressão de desprezo”
De acordo com a doutrina européia, mais especificamente segundo Kant: “as coisas
tem um preço; o ser humano tem dignidade. A dignidade exige do ser humano seja tratado
sempre como um fim em si mesmo, e não como um meio para se atingir determinados
fins.” Essa filosofia Kantiana a respeito da dignidade ficou conhecida como “fórmula do
objeto”, pois se o ser humano for tratado como um objeto, a dignidade será violada. A
fórmula do objeto nos ensina que o ser humano não pode ser um meio para o Estado
alcançar as suas finalidades, mas sim, deve ser sempre o fim.
O Tribunal Alemão acrescentou à fórmula do objeto a “expressão de desprezo” pelo
ser humano. O que isso significa? Muitas vezes o ser humano é tratado como meio para
atingir determinado fim, todavia, ser tratado como meio não significa uma violação à
dignidade da pessoa humana, por exemplo, uma pessoa que não tem o vírus HIV se oferece
para fins de pesquisa com o vírus. De certa forma, a pessoa está sendo tratada como um
meio, um instrumento, cobaia para se atingir um fim; todavia, tal meio não significa
violação à dignidade da pessoa humana, uma vez que foi escolha do titular do direito.
Diferente é o caso de forçar um preso à castração química. O que deu a ideia ao Tribunal
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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
Alemão de criar a expressão de desprezo foi a experiência do nazismo, que consideravam
as pessoas não-arianas como pessoas de 2º grau e, portanto, sendo objeto, e expressão de
desprezo dessas pessoas para os arianos. Outro exemplo muito emblemático de violação à
dignidade da pessoa humana foi o arremesso de anões na França: os anões estavam sendo
utilizados como expressão de desprezo, visto que era um meio e eles estavam sendo
tratados como objeto em razão de sua condição física diferenciada.
Um dos temas que envolve a dignidade da pessoa humana é: quem deve decidir que a
dignidade da pessoa humana foi violada? O próprio titular ou uma autoridade pública? No
caso dos anões da França, os próprios anões argumentaram que serem arremessados não
violaria a sua dignidade; o que violaria era eles ficarem desempregados. O professor
Marcelo Novelino comungava desse entendimento, todavia, passou a pensar diferente
quando conheceu uma aluna do LFG que tinha nanismo. Ele trocou e-mails com a aluna na
época do programa pânico na TV que tinha os anões do “pedala robinho”. Certa vez a
aluna estava em uma boate e alguém deu a tapa e falou “pedala robinho”. O professor
entendeu que tais condutas como a do programa de TV criam um estigma para
determinados tipos de pessoas, o que levaria a entender que a própria pessoa não pode
decidir sobre a sua dignidade, que caberia às autoridades públicas analisarem o caso
concreto. É uma questão polêmica que não possui um entendimento majoritário.
5.5 Dignidade da pessoa humana e seu dever de proteção e promoção
O dever de proteção e promoção à dignidade se expressam através do princípio da
dignidade da pessoa humana: tal princípio impõe um dever de proteção + promoção da
dignidade. Geralmente o princípio da dignidade da pessoa humana é concretizado da
seguinte forma:
1. A proteção se dá aos direitos individuais do art. 5º da CF/88;
2. A promoção se dá com o exercício dos direitos sociais do art. 8º da Lei Maior.
Por exemplo, ao dar trabalho, saúde, educação, se dá ao ser humano uma vida
digna. Aqui vale salientar a ideia do “mínimo existencial”, que é o conjunto de
bens e utilidades indispensáveis a uma vida humana digna, ou seja, é aquele
mínimo necessário sem o qual a pessoa não terá dignidade. Na aula de direitos
sociais veremos quais os bens mínimos de acordo com o ensinamento de
99
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
alguns doutrinadores.
Perceba que até agora o professor Marcelo Novelino não definiu a dignidade da
pessoa humana, e sim ele está dizendo apenas o âmbito da sua aplicação e em que casos há
a violação dessa dignidade.
Além desses aspectos já tratados é importante salientar também que a dignidade da
pessoa humana pode ser tratada como uma meta-norma. Alguns autores como Luiz
Roberto Barroso chamam essas meta-normas de princípios instrumentais (Humberto Ávila
usa a expressão “postulados normativos-interpretativos”): isso porque no caso concreto
não se aplica diretamente a dignidade, e sim ela será utilizada para interpretar outra norma
constitucional, sendo que esta é que será aplicada ao caso concreto. Vejamos a redação do
art. 5º, caput:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes
Perceba que os destinatários dos direitos individuais são os brasileiros e os
estrangeiros residentes no país e, os valores tutelados pelo art. 5º são:
a) Inviolabilidade do direito à vida;
b) Liberdade;
c) Igualdade
d) Segurança jurídica
e) Propriedade
Fazendo uma interpretação literal do citado artigo ,e seguindo o entendimento de
José Afonso da Silva, o estrangeiro não-residente no país não teria esses direitos, devendo
invocar tratados internacionais de direitos humanos. Na jurisprudência do STF há vários
casos de impetração de habeas corpus por estrangeiros não-residentes no Brasil, logo se
admite que tais pessoas possam invocar direitos do art. 5º da Lei Maior. Ora, se CF/88
afirma que se garante apenas aos brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil, porque o
STF faz essa interpretação extensiva? Qual a justificativa? A principal justificativa é
justamente a dignidade da pessoa humana, uma vez que o fundamento dos direitos
fundamentais é a dignidade da pessoa humana. Ora, se os direitos individuais do art. 5º
decorrem diretamente da dignidade da pessoa humana e se a dignidade é uma qualidade
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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
intrínseca que todos os seres humanos possuem, independentemente da origem, sexo, raça,
o ordenamento jurídico não poderia excluir alguns direitos fundamentais de determinadas
pessoas (seria negar-lhes dignidade).
Questão de prova: a dignidade é princípio, regra ou postulado? Segundo o professor
Marcelo Novelino são os três: de regra, expressa no art. 5º, III; de princípio com fulcro em
sua promoção e proteção; e, por fim, como postulado, servindo de base interpretativa
(meta-norma) para outros princípios.
6. Conteúdo essencial dos direitos fundamentais
O objetivo do conteúdo essencial dos direitos fundamentais é evitar que a regulação
legal do exercício desnaturalize ou altere o direito fundamental que a Constituição
reconhece. Esse conteúdo essencial é uma garantia dirigida a todos os Poderes Públicos,
mas o principal destinatário, sem dúvida, é o Poder Legislativo que não pode criar uma
norma que retire ou diminua os direitos fundamentais.
Existem duas teorias para definir o conteúdo essencial dos direitos fundamentais:
1. Teoria absoluta: para esse entendimento direito fundamental tem duas partes:
a) “núcleo duro”: parte dos direitos fundamentais que não pode ser violado,
sendo intangível e imodificável até mesmo por emenda constitucional. E
como é definido esse núcleo duro? Por interpretação em abstrato (a priori),
por isso é um limite forte;
b) outra parte inominada, periférica: essa parte poderia ser alterada pelo
legislador, que faria uma espécie de conformação. Essa parte poderia ser
tratada pelo legislador de forma discricionária, mas com certos limites.
* Essa teoria se chama de teoria absoluta, pois todo princípio teria seu
núcleo duro e sua parte periférica, visto que isso é definido em abstrato, e
não pelo caso concreto.
2. Teoria relativa: para essa corrente o conteúdo essencial de um direito
fundamental irá variar de acordo com as circunstâncias fáticas e jurídicas
existentes. Por isso que se chama de teoria relativa: não se define de modo
abstrato qual é o conteúdo essencial daquele direito (não é estabelecido a
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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
priori), e sim, tal conteúdo é analisado a depender de caso concreto. O limite
aqui é fraco - diferente da teoria absoluta de núcleo intangível - admitindo
restrições aos direitos fundamentais. Mas, tal restrição só será legítima se
passar pelo crivo da proporcionalidade (adequação + necessidade +
proporcionalidade em sentido estrito). Em outras palavras, para a teoria relativa
não há como definir a priori o conteúdo essencial de um direito fundamental,
sendo que a lei que restringe o direito fundamental só será válida se ela for
adequada, necessária e proporcional em sentido estrito. Vamos a um exemplo
prático: a CF/88 estabelece no art. 5º, XIII:
XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão,
atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;
* No que tange à necessidade de exame da OAB para tirar a carteira se entende
que é um meio adequado, necessário e proporcional em sentido estrito. E no
caso do músico que necessita da carteira da ordem dos músicos é uma
restrição necessária? Está sendo discutido ainda tal tema. Quanto ao
diploma de jornalista o STF não fez a ponderação utilizando a
proporcionalidade, mas entendeu que não seria necessário o diploma
concedido por instituição de ensino superior para exercer a profissão de
jornalista sob pena de violar a liberdade de expressão.
7. Restrições aos direitos fundamentais
Quando se fala em restrições aos direitos fundamentais apresentam-se também duas
teorias que discutem o assunto:
1. Teoria interna: os limites de cada direito fundamental devem ser fixados por
um processo interno ao próprio direito, sem a interferência de outras normas.
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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
Os limites dos direitos fundamentais seriam limites imanentes ao próprio
direito, ou seja, quem define o limite de um direito fundamental é a própria
Constituição. Quando o legislador regula o direito fundamental ele só está
estabelecendo os contornos do direitos e consagrando os contornos que a
própria Constituição já estabelece. Quando se estabelece que o conteúdo dos
direitos fundamentais é feito a priori, em abstrato, se entenderá que, de acordo
com a teoria de Robert Alexy - juntando a teoria interna com a teoria absoluta
do conteúdo essencial -, que o direito fundamental é entendido como regra e,
portanto, não existiria ponderação entre princípios, uma vez que cada princípio
tem sua aplicação específica (é o entendimento também de Dworkin). Quando
se pega a classificação de José Afonso da Silva de normas constitucionais
(plena ou contida), ela só faz sentido na teoria interna em relação à restrição e
na teoria absoluta com relação ao conteúdo essencial dos direitos
fundamentais. Por exemplo, para José Afonso da Silva, norma plena não
admite restrição, mas admite regulamentação: esta somente estabelece os
contornos que já estavam de antemão previstos na Constituição, não os
restringindo.
2. Teoria externa: por esse entendimento existem dois objetos diferentes: o direito
e suas restrições que estão situadas fora dele. Então, aqui, a definição do direito
não é a partir de um ponto interno, e sim de uma perspectiva externa: só sei
qual é o conteúdo do direito a partir da análise dos outros direitos consagrados
na Constituição. São os outros direitos consagrados constitucionalmente que
vão definir os limites, as restrições de determinado assunto constitucional. Na
teoria externa, portanto, não há diferença entre regulação e restrição.
Apenas a teoria relativa e a teoria externa são compatíveis com a teoria dos
princípios proposta por Alexy. O STF não adota nenhuma dessas teorias em específico, e
sim faz uma miscelânea, adotando várias, a depender do ministro relator do caso.”
No caso da teoria interna e da teoria absoluta o suporte fático do direito (aquilo que o
direito fundamental protege), ele sempre vai ser um direito definitivo. No caso da teoria
externa e da teoria relativa, aquilo que o direito abrange, nunca vai estabelecer um direito
definitivo, e sim estabelecerá um direito prima facie: o direito definitivo só surge após a
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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
ponderação. Vamos elucidar a partir de um exemplo concreto: a liberdade de informação.
De acordo com a teoria absoluta e a teoria interna, o direito à liberdade de informação já
vai ter o seu contorno definido a priori, ex vis, uma decisão do STF que afirme que “o
direito à liberdade de informação compreende apenas informações verídicas, informações
que tenham relevância pública e sejam lícitas.” O STF está estabelecendo em caráter
definitivo, a priori, os contornos do direito à liberdade de informação, não se ponderando
mais com nenhum outro direito. Se a informação for verídica, pública e obtida de forma
licita será divulgada. E como ele excluiu os outros tipos de informação? Isso não fica claro,
logo, as teorias interna e absoluta não são muito democráticas, uma vez que não expõem
totalmente os motivos.
Peguemos o mesmo exemplo da liberdade de informação e apliquemos agora na
teoria relativa e na teoria externa: qualquer tipo de informação, prima facie, está protegida
constitucionalmente. Mas, por que qualquer informação? Segundo Alexy princípios são
normas que devem ser cumpridas na maior medida possível. Em um primeiro momento,
todas as condutas ligadas à liberdade de informação estão protegidas pelo princípio da
liberdade de informação. Mas como vou saber se uma informação inverídica ou sem
relevância pública está protegida? Vou ter que ponderar a liberdade de informação com
outros princípios: por exemplo, se uma informação afetar a vida privada, a honra e a
intimidade de uma pessoa eu vou ter que ponderar com a liberdade de informação e saber
qual princípio deve prevalecer. É diferente do parágrafo acima, onde se estabelece em
abstrato as informações que devem ser protegidas: nas teorias relativa e externa ao fazer a
ponderação principiológica é preciso motivar - o que as torna bem mais democráticas do
que a teoria absoluta e interna.
Obs.: Sobre o tema ver o livro de SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos fundamentais:
conteúdo essencial, restrições e eficácia. Malheiros.
8. Teoria dos limites dos limites
A ideia de limites dos limites surgiu em 1964 por um autor alemão chamado
BETTERMAN. Essa teoria envolve um paradoxo muito interessante: os direitos
fundamentais são direitos de defesa do indivíduo em face do Estado. Então, os direitos
fundamentais funcionam como um limite à atuação do Estado. Agora vejam o paradoxo:
ao mesmo tempo em que os direitos fundamentais atuam como limite na atuação do
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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
Estado, em alguns casos a Constituição admite que o próprio Estado, através de uma lei,
limite um direito fundamental, ex vis, é livre o exercício de qualquer trabalho, atendido os
requisitos que a lei estabelecer. Ou seja, o legislador pode limitar o exercício de direitos
fundamentais. É aí que entra a questão dos limites dos limites: essa limitação feita ao
Estado dos direitos fundamentais não pode ser uma limitação ilimitada: tal limitação terá
que o observar determinados limites.
O limite estabelecido pelo Estado a um direito fundamental tem que observar
determinados limites, pois, se não observar determinados limites, o que vai acontecer que a
lei que limita direito fundamental pode, simplesmente, esvaziar o conteúdo do respectivo
direito fundamental. É por isso que existem as teorias relativa e absoluta em relação ao
conteúdo essencial do direito - para que tal seja respeitado. E quais são esses limites que a
lei restritiva deve observar e não esvaziar o conteúdo dos direitos fundamentais? São
alguns princípios:
1. Princípio da Reserva legal (art. 5º, II da CF/88): a restrição tem que ter base
legal. As restrições aos direitos fundamentais devem ser estabelecidas por lei.
II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão
em virtude de lei
2. Princípio da não-retroatividade (art. 5º, XXXVI): uma lei só pode restringir um
direito fundamental desde que respeite ato jurídico perfeito, direito adquirido e
coisa julgada.
XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e
a coisa julgada
3. Princípio da proporcionalidade: para a teoria relativa é possível admitir a
restrição para o direito fundamental prima facie; todavia, para saber se a
medida é correta deve-se analisar se ela é adequada + necessária +
proporcional em sentido estrito.
4. Princípio da generalidade e abstração: porque uma lei restritiva de um direito
fundamental tem que ser geral e abstrata? Em respeito ao princípio da
isonomia, pois, se for uma restrição a um direito fundamental, a restrição tem
que ser igual para todos naquela situação.
5. Princípio da salvaguarda do conteúdo essencial: se partir da teoria absoluta que
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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
admite um núcleo duro de direitos fundamentais, tal não poderia ser violada; se
da teoria externa, é possível no caso concreto definir o conteúdo essencial
daquele direito. A depender da teoria adotada, o princípio da salvaguarda do
conteúdo essencial terá uma conclusão variada.
Vamos analisar, a partir de agora, os principais direitos individuais analisados pelo
art. 5º da nossa Constituição Federal vigente.
DIREITOS INDIVIDUAIS EM ESPÉCIE
Por organização didática vamos organizar o nosso estudo a partir dos valores
consagrados pelo caput do art. 5º:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes
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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
a) Inviolabilidade do direito à vida;
b) Liberdade;
c) Igualdade
d) Segurança jurídica
e) Propriedade
Não vamos estudar as garantias especificamente, visto que a maior parte são temas
de direito processual. Vamos ver, depois algumas garantias em separado, como o mandado
de injunção.
1. Inviolabilidade do direito à vida
O direito à vida tem uma dupla acepção:
1. Direito a continuar vivo;
2. Direito a uma vida humana digna (art. 1º, III; art. 170 da CF/88)
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel
dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado
Democrático de Direito e tem como fundamentos:
III - a dignidade da pessoa humana;
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho
humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência
digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes
princípios:
Existe uma distinção bastante óbvia que é entre a irrenunciabilidade do direito à vida
e à sua inviolabilidade. Porque a vida é um direito inviolável ela é prima facie, um direito
irrenunciável. Quando se fala em irrenunciabilidade, ela é uma proteção ao direito a vida
pelo próprio titular: a pessoa não pode abrir mão do direito à vida. Esse assunto é
polêmico, pois envolve testemunhas de Jeová, ortotanásia, eutanásia, etc. No caso de
testemunhas de Jeová os tribunais de justiça estaduais estão entendendo que ele não pode
renunciar do seu direito à vida por não querer receber transfusão de sangue: a transfusão
forçada será feita - os testemunhas de Jeová acreditam, fazendo uma interpretação bíblica -
que o sangue não pode ser misturado, ou a pessoa se tornará impura. Ora, recebendo a
transfusão e ficando vivo, ele, na sua consciência, não estaria com uma vida indigna? O
juiz que afirma que “a religião deve preservar a vítima e não exterminá-la” é um juiz
preconceituoso, que não aceita a religião como premissa de vida, algo até maior que ela. É
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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
ponderação de princípios pura. Será mesmo que a vida é o valor mais importante que a
Constituição consagra? Será que a vida é mais importante do que a consciência dessas
pessoas serem respeitadas? Algo a se pensar.
A inviolabilidade protege o direito à vida contra terceiros - diferente do caráter
irrenunciável - que tutela a pessoa de si mesmo. Existem hipóteses em que o nosso
ordenamento jurídico permite violação da vida:
a) Pena de morte no caso de guerra declarada (art. 5º, XLVIII);
b) Aborto nos casos de ser necessário - quando a má-formação do feto
comprometer a vida da gestante - ou sentimental quando a gravidez for
decorrente de estupro. Alguns autores, inclusive, sustentam que o aborto
sentimental não teria sido recepcionado pela CF/88.
c) Aborto em caso de acrania (ADPF 54, pendente de julgamento no STF): a
Confederação Nacional dos Trabalhadores na Área da Saúde sustenta que nos
casos de acrania deveria ser permitida a antecipação terapêutica do parto, sob o
fundamento que não seria aborto. Quer uma interpretação do Código Penal em
conformidade com a CF/88: que não seja aborto, e sim uma antecipação
terapêutica do parto, sob argumento de que a nossa legislação não diz a partir
de que momento o direito à vida deve ser protegido, mas afirma quando não há
mais direito à vida a ser protegido que é a partir da morte encefálica, nos
termos da Lei 9.434/97, onde se permite a partir de tal fato a doação de órgãos.
Ora, se, juridicamente falando a vida termina com a morte encefálica, o início
da vida só ocorreria em termos jurídicos quando a massa encefálica se
formasse a contrario sensu. Já que não haveria cérebro, não existiria aborto, e
sim uma antecipação do parto. Esse argumento é o principal da ADPF 54.
Vamos desenvolver na próxima página um quadro sinótico com ambos os
argumentos:
Argumentos contrários ao aborto Argumentos a favor do aborto - Da mesma forma que não cabe à ciência jurídica dizer quando a vida humana começa, não cabe também às outras ciências afirmar a partir de que momento o direito deve proteger constitucionalmente aquele direito à vida.” Foram as palavras de uma juíza do tribunal alemão. Logo, não seria bom resolver quando a vida começa.
- Direitos fundamentais da gestante: apesar do feto ter direitos que devam ser preservados, a grávida também tem direitos fundamentais que poderiam justificar a violação dos direitos do feto. E quais seriam esses direitos fundamentais que a gestante teria que justificaria esse aborto? São os discriminados nas linhas abaixo:
- A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados provocada sobre o assunto mediante um projeto de lei afirmou que
- Muitas legislações em outros países autorizam o aborto até o fim dos 3 (três) primeiros meses de gestação, inclusive nos EUA, onde a Suprema
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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
tal seria inconstitucional, uma vez que a CF/88 consagra o direito à vida e, portanto, qualquer espécie de aborto seria vedada.
Corte proibiu a criminalização de qualquer aborto até o fim dos primeiros três meses de gestação (Caso Roe X Wade – 1973).
- O direito à vida começa a partir da concepção e não da nidação
- Liberdade de escolha e autonomia reprodutiva.
- Se a vida começa a partir da concepção, qualquer proteção ao direito à vida do feto que não seja a criminalização do aborto, seria insuficiente para protegê-lo de forma adequada. Isso remete ao princípio da proteção insuficiente (face negativa do princípio da proporcionalidade). A proteção insuficiente - de acordo com Canotilho a proteção deficiente - significa que, se eu adoto qualquer medida protetiva do direito à vida diferente da criminalização, eu não estou dando a proteção suficiente à inviolabilidade à vida. Na Alemanha o Tribunal Constitucional Federal entende que, juridicamente a vida começa com a formação do sistema nervoso central, todavia, isso não significa que toda conduta a partir daí precisa ser criminalizada, e sim pode-se tutelar de outra forma: por exemplo, acompanhamento psicológico da gestante.
- Saúde pública. A legalização do aborto não seria em face aos direitos fundamentais da gestante, e sim pelo fato de ser um problema de saúde pública. É um argumento utilizado na França. Permite-se o aborto até a 12ª semana de gestação por motivos de saúde pública. O fato de o aborto ser considerado como crime não impede que ele ocorra. No Brasil estima-se que sejam feitos anualmente um milhão de abortos clandestinos por ano. O SUS tem cerca de 220.000 atendimentos decorrentes de complicações do aborto (espontâneo ou provocado). Criar-se ia uma distinção entre pobres e ricos, pois: os ricos teriam condições para fazer o aborto em clínicas dotadas de condições terapêuticas adequadas (instalações com higiene, acompanhamento psicológico...). Os pobres não teriam como fazer o procedimento com segurança. Se a questão é salvar vidas, deve-se garantir que todas as mulheres tenham acesso ao aborto de forma segura, pois criminalizar não irá impedir que o aborto ocorra.
- O aumento do número de casos. Se o aborto for permitido, ele poderia virar um simples método contraceptivo. É um argumento que não tem muita sustentação jurídica.
- Direito à privacidade da gestante. Foi sob esse fundamento em 1973 no caso Ros vs Wade a Suprema Corte americana proibiu a criminalização do aborto nos três primeiros meses de gestação. O direito à privacidade da mulher é amplo suficiente para que ela faça a opção ou não pelo aborto, não cabendo interferência estatal. O Canadá sustenta a realização do aborto a qualquer tempo, sob o argumento de que é o direito da gestante decidir sob seu corpo ou não.
Obs.: ADI 3510. O STF discutiu a lei de biossegurança, que dispunha sobre células-tronco embrionárias, com votação por 6X5. Os 6 ministros acolheram a posição da constitucionalidade da lei de biossegurança do relator (Carlos Ayres Brito) e os 5 que divergiram elencaram uma série de restrições (classificadas por eles como interpretação conforme à Constituição da lei). Existe uma passagem do voto do relator cuja importância deve ser ressaltada, sem que se possa dizer que essa é a posição do STF: a inviolabilidade do direito à vida ocorre após o nascimento, quando o indivíduo passa a ser dotado de personalidade (art. 2º do CC). Não diz que a vida intrauterina não deve ser protegida, mas a inviolabilidade só existe após o nascimento.
Aula 10 - 19/04/2011
2. Princípio da isonomia
2.1 Igualdade formal
Vejamos a redação do caput e inciso I do art. 5º:
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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos
desta Constituição;
Perceba que só aí se fala em igualdade 3 vezes, consagrando, assim, o princípio da
isonomia. O que significa dizer que “todos são iguais perante a lei sem distinção de
qualquer natureza”? A CF/88 aí consagra a igualdade formal (civil, jurídica ou perante a
lei); vale salientar que não há consenso na doutrina no que tange às classificações da
isonomia, todavia, vamos nos ater ao ponto que mais cai em concurso. E o que seria a
igualdade formal? Podemos conceituá-la como a exigência de tratamento isonômico a
todos os seres que se encontrem em uma mesma categoria essencial. Perceba que a
igualdade formal não exige um tratamento idêntico de todas as situações pessoas, e sim
exige que pessoas que se encontrem em uma mesma situação essencial sejam tratadas da
mesma maneira. Por exemplo: há vários tipos de trabalhadores: iniciativa privada,
servidores públicos, etc. Cada um se encontra em situação distinta. O fato do servidor
público ser tratado diferente do trabalhador privado não fere a igualdade formal. Inclusive,
para José Afonso da Silva o critério de justiça proposto por Aristóteles - que afirma que
justiça é tratar os iguais de forma igual e os desiguais de formal desigual na medida de sua
desigualdade - se encaixa muito bem ao conceito de igualdade no aspecto formal. José
Afonso aponta que era exatamente esse critério de justiça de Aristóteles que se admitia um
tratamento diferenciado para os escravos. O Bill of Rights da época das colônias nos EUA
afirmava que todos nasciam livres e iguais (mas existiam escravos)! Segundo o professor
Marcelo Novelino, que discorda do posicionamento de José Afonso da Silva no que tange
ao conceito de justiça proposto por Aristóteles, entende que tal conceito fala sobre
igualdade material, e não formal. Vamos a um exemplo: no IR, a medida que o valor da
contribuição vai caindo, a alíquota também vai diminuindo. Isso é tratar pessoas que estão
em situação diferente de modo diferente --> tal não é igualdade material, mas meramente
formal.
Ronald Dworkin tem uma definição de democracia constitucional: “uma democracia
constitucional exige o tratamento de todos com igual respeito e consideração.” Essa ideia
nos EUA costuma ser associada a dignidade da pessoa humana, vez que a Constituição dos
EUA não dispõe sobre a dignidade da pessoa humana. Habbersman fala em dignidade
110
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
também no sentido de respeito e consideração. Ora, se a igualdade exige um tratamento
das pessoas com igual respeito e consideraçào, significa que esse respeito e consideração
devem ser no sentido de respeitar e aceitar a diferença entre as pessoas para que cada um
possa viver segundo a sua concepção de vida. Logo, a ideia de igualdade está relacionada
ao direito à diferença; e, Dworkin entende que respeitar a diferença é respeitar o direito à
diferença. O conhecido sociólogo português Boaventura de Souza Santos tem um
pensamento que se mostra muito claro: “temos o direito de ser iguais quando a diferença
nos inferioriza; temos o direito de ser diferentes quando a igualdade nos descaracteriza.”
Por exemplo, uma diferença de situação econômica não faz parte da identidade cultural de
ninguém; agora, com relação aos indígenas há uma diferença no que tange às demais
civilizações. E essa distinção deve ser respeitada, visto que essa diferença é uma aspecto
cultural de determinado grupo. Agora, se a diferença inferiorizar o grupo, ex vis,
preconceitos étnicos, eles tem direito a ser tratados de formal igualitária. A característica
da sociedade hoje é ser pluralista e, essa divergência de valores tem que ser respeitada por
todos.
O tratamento igual entre as pessoas significa que as pessoas não possam ser
diferenciadas? O que a CF/88 exige é que o critério discriminador, o elemento
diferenciador, esteja a serviço de um fim constitucionalmente protegido. Para se
diferenciar pessoas é necessário que o fundamento da diferenciação seja outro princípio
constitucional voltado para um fim constitucionalmente previsto. Exemplo: art. 7º, XXX:
XXX - proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de
critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil;
Mesmo havendo essa vedação constitucional o edital do concurso pode estabelecer
critério de admissão baseado em idade? Sim. O STF admite que em concursos públicos
sejam utilizados limite de altura, sexo ou idade - no que tange a esse último, súmula 683 do
STF:
Súmula 683 do STF. O limite de idade para a inscrição em concurso
público só se legitima em face do art. 7º, XXX, da , quando possa ser
justificado pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido.
Veja que se limita a vedação quando possa ser justificado pela natureza das
atribuições. O fim constitucional da vedação permitida é a eficiência da Administração na
prestação de seus serviços. E se a vedação for com relação ao sexo? Plenamente possível,
111
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
ex vis, concurso para agente penitenciário a ser exercido em penitenciária masculina. E em
razão da cor? É possível vedar? Celso Antônio Bandeira de Melo no livro “O conteúdo
jurídico da igualdade” afirma que o critério utilizado (sexo, idade cor, etc.) em si não diz
muito sobre a constitucionalidade da medida; o que se tem que analisar é se existe um fim
constitucionalmente legítimo. Exemplo: universidade está investigando cientificamente
porque brancos têm melhores rendimentos na natação e decide contratar brancos para fazer
essa investigação --> não há nada de errado com isso. Esse é o entendimento de Celso. O
STF entende que é preciso atender a dois requisitos para que a discriminação possa ser
constitucional:
1. Razoabilidade da exigência decorrente das atribuições do cargo a ser
preenchido;
2. Previsão legal anterior à realização do certame.
2.2 Igualdade material (real, fática ou substancial)
A igualdade material tem por finalidade a igualização dos desiguais por meio da
concessão de vantagens substanciais. O objetivo não é tratar diferentemente, mas sim
conceder às pessoas em situação menos favorecida condições mais benéficas, para reduzir
as desigualdades (ações afirmativas). Com isso, fica evidente a tensão da diferenciação
entre igualdade material e formal. Por exemplo, cotas no vestibular para negros. Isso é
tratar desigualmente ou não? Para o professor Novelino sim, pois está tratando diferentes
alunos de escola pública e particular. É um aspecto da igualdade formal e, por isso, essa
diferença das cotas deve ter um fim constitucionalmente previstos. Luiz Prieto Sanchís
leciona que, para se ter uma igualdade de fato, é necessário ter uma desigualdade jurídica:
se eu tratar todos da mesma forma vou acabar não atendendo a igualdade material que,
para ser atendida precisa criar aspectos discriminatórios.
A CF/88 consagra a igualdade material ou apenas a formal? A igualdade material
pode ser extraída da Constituição a partir da conjugação de alguns dispositivos, por
exemplo, o art. 6º e seguintes (direitos sociais que visam a redução de desigualdade para
tornar os desiguais iguais) e o art. 3º, III:
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do
Brasil:
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades
sociais e regionais;
112
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
É clara aqui a consagração da igualdade no sentido material.
Um dos temas mais polêmicos que envolvem a igualdade material é o das ações
afirmativas, também conhecidas como discriminações positivas). Vejamos o que seriam a
seguir.
2.3 Ações afirmativas (discriminações positivas)
As ações afirmativas tornaram-se conhecidas em 1960 com o governo Kennedy.
Todavia, as ações afirmativas surgiram mesmo na Constituição Indiana de 1947.
As ações afirmativas consistem em políticas públicas ou programas privados
temporários, desenvolvidos com a finalidade de reduzir as desigualdades decorrentes de
discriminações ou de uma hipossuficiência econômica ou física por meio da concessão de
algum tipo de vantagem compensatória de tais condições. Ex: bolsas para alunos carentes.
Ações afirmativas não são remédios permanentes, pois só se justificam enquanto
existirem as desigualdades. O sistema de cotas é apenas uma das formas de ações
afirmativas. Ex: bolsas, cotas, cursinhos pré-vestibulares para pessoas carentes, vantagens
fiscais, programas de treinamento (profissionalizantes). Atualmente, a ADI 3107 ou 3109
(discute a constitucionalidade das ações afirmativas.
Vamos ver os argumentos com relação às cotas:
Sistema de cotas
Argumentos contrários Argumentos a favor - Fere o mérito (critério republicano), pois as pessoas alcançam determinados cargos públicos sem condições para tal.
- Justiça compensatória: Consiste em uma política baseada na retificação de injustiças ou falhas cometidas contra indivíduos no passado, seja por particulares, seja pelo governo.
- Art. 208 da CF/88:
V- acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um;
- Justiça distributiva: Consiste na promoção de oportunidades para aqueles que não conseguem se fazer representar de uma maneira igualitária.
- A cota é uma medida imediatista e inapropriada (TRF da 2ª região). O governo deveria investir na educação em vez de focar no topo da pirâmide.
- Tentativa de corrigir distorção atualmente existente. Forma de concretização do princípio da igualdade material.
- Viola o princípio da isonomia criando uma discriminação reversa. A pessoa que não faz parte do grupo estaria sofrendo uma discriminação de forma reversa (nota melhores, mas exclusão nas vagas).
- Promover a diversidade: A finalidade seria contribuir para o surgimento de uma sociedade mais: diversificada, aberta, tolerante, miscigenada e multicultural.
- Fomenta o racismo e ódio racial - Favoreceria negros de classe média alta
- Em uma sociedade pluralista, a condição de
113
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
membros de um grupo específico não pode ser utilizada como critério de inclusão ou exclusão de
benefícios. - Impossibilidade de se estabelecer critério objetivo do conceito de “negro.” No Brasil vale a autodeclaração.
2.4 Destinatários do princípio da isonomia
Quem pode invocar os direitos do art. 5º, entre eles a isonomia? Como já visto em
aulas passadas, o caput afirma textualmente que os direitos fundamentais são garantidos
aos brasileiros e estrangeiros residentes no país; todavia, o princípio da dignidade da
pessoa humana, que atua como uma meta-norma, faz com que esse dispositivo tenha uma
interpretação extensiva, logo, todas as pessoas, sem exceção, que estejam no território
nacional, devem ter seus direitos fundamentais.
Pessoa jurídica pode invocar algum direito fundamental do art. 5º? Sim. Não só
direitos instrumentais como contraditório, ampla defesa, mandado de segurança, etc., mas
inclusive, os direitos materiais, por exemplo, sofrer dano moral. E pessoa jurídica de
direito público (União, Estado, autarquias, etc.) podem invocar direitos do art. 5º? A
questão é polêmica. Quando estudamos as gerações dos direitos fundamentais, vimos que
tais surgiram para proteger o indivíduo em face do Estado; mas, será que o próprio Estado
pode invocar direitos fundamentais para se proteger? O STF adota o seguinte
entendimento: pessoa jurídica de direito público pode invocar garantias individuais de
natureza instrumental, ex vis, se há um litígio entre um particular um Município, este pode
alegar cerceamento de defesa, etc.
Quem são os destinatários dos deveres do art. 5º? A quem incumbe respeitá-los? Os
destinatários dos deveres são todos os poderes públicos (eficácia vertical) e também os
particulares (eficácia horizontal). O cuidado aqui é que no caso dos particulares é que entra
a autonomia da vontade, por isso é que a isonomia não se aplica na mesma intensidade
para os particulares e poderes públicos. Por exemplo, o poder público para contratar deve
licitar, o particular, não.
Igualdade perante a lei ≠ igualdade na lei
Igualdade perante a lei Igualdade na lei - É dirigida para aqueles Poderes que vão aplicar a lei, ou seja: Judiciário que ao decidir deve se pautar pela isonomia e Executivo, na
- Abrange não só a aplicação da lei, mas também a criação da lei. Logo, a igualdade na lei se dirige a todos os poderes: àqueles que aplicam a lei,
114
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
hora de dar execução às leis. Judiciário e Executivo e ao que cria a lei, Legislativo.
Obs.: essa distinção é típica dos países europeus. Aqui no Brasil essa diferença não faz sentido, uma vez que a CF/88 dispõe que “todos são iguais perante a lei.”: todos os poderes estão obrigados a respeitar a isonomia, inclusive o Legislativo. O STF na passagem de um voto mencionou essa distinção.
2.5 Igualdade entre homens e mulheres
A lei pode estabelecer distinções entre homens e mulheres?
I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos
desta Constituição;
A própria CF/88 estabelece distinções, por exemplo: licença gestante de 120 dias, e a
de paternidade, 5 (cinco dias). E lei infraconstitucional pode estabelecer distinções entre
homem e mulher? Sim, desde que seja para atenuar desníveis, ex vis, a Lei Maria da
Penha. O que se veda é o tratamento discriminatório.
A distinção só será legítima considerando-se o princípio da igualdade material.
3. Direitos de liberdade
Liberdade não é sinônimo de arbitrariedade, mas sim pressupõe responsabilidade. O
direito de liberdade não é um direito absoluto, devendo ser exercido em conjugação com
outros padrões ético-jurídicos a ser observados (limites dos limites.)
3.1 Liberdade de manifestação do pensamento (art. 5º, IV e V)
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da
indenização por dano material, moral ou à imagem;
O que a Constituição está protegendo não é o pensamento em si, pois o ato de pensar
não precisa ser controlado. O que está protegido é a liberdade de manifestação do
pensamento, de expressão do pensamento. O ser humano não gosta apenas de pensar, mas
de expor suas idéias.
Qual é a finalidade de vedação do anonimato?
a) Permitir a responsabilização no caso de manifestações abusivas ou que violem
direitos de terceiros.
115
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
b) Permitir a responsabilização daqueles que exerçam o seu direito de liberdade
sem responsabilidade.
A manifestação de pensamento é um direito que se exaure no momento em que se
realiza (Sepúlveda Pertence), o que não significa que a pessoa não possa ser depois ser
responsabilizada. Se a Constituição veda o anonimato, uma denúncia anônima serve como
prova processual (ex: Disque Denúncia)? Não se admite denúncia anônima como prova
processual lícita. O disque denúncia em si não serve como prova mas ela leva a
informação para que a autoridade responsável possa investigar. Se a denúncia anônima é
considerada ilícita, a investigação não estaria contaminada pela ilicitude da denúncia
(frutos da árvore envenenada)? Segundo o STF a investigação é autônoma em relação à
denúncia.
Bilhetes apócrifos (sem assinatura) são admitidos como prova num processo?
Existem duas situações em que são admitidos:
a) Quando este bilhete constituir o próprio corpo de delito do crime. Ex: carta
ofendendo a honra de uma pessoa, mesmo que não assinada.
b) Quando produzidos pelo próprio acusado. Ex: bilhete pedindo resgate em crime
de extorsão mediante sequestro.
3.2. Liberdade de Consciência, de Crença e de Culto (art. 5º, VI da CRFB/88).
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado
o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a
proteção aos locais de culto e a suas liturgias;
Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos
Municípios:
I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-
lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações
de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de
interesse público;
II - recusar fé aos documentos públicos;
III - criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si.
A liberdade de consciência é mais ampla do que a liberdade de crença, pois engloba
inclusive consciências filosóficas, política, inclusive englobando a escolha de ter crenças
ou não ter crença alguma (ateu). Vejamos alguns conceitos ligados à liberdade de
consciência:
a) Culto: é a forma de exteriorizar a crença. Ex: procissão, missa, etc.
b) Liberdade religiosa. Desde o advento da República, o Estado brasileiro é
considerado um Estado laico, não confessional ou secular. É um Estado que
116
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
não tem uma religião oficial, pois o Estado e a Igreja não se confundem. O
Brasil não tem uma religião oficial.
c) Laicidade. É uma neutralidade em relação às concepções religiosas. Na
CRFB/88 há o art. 19, I que representa esta laicidade. O Estado brasileiro não
despreza a religião, apenas é neutro em relação a todas elas.
Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos
Municípios:
I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-
lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações
de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de
interesse público;
d) Laicismo: espécie de anti-religião, que não é o caso do Estado brasileiro.
e) Ateísmo: não acredita na existência de um Deus, o que não é o caso do Estado
brasileiro. Tanto que o preâmbulo da Constituição afirma que “promulgamos
sob a proteção de Deus...”. O ateísmo é uma “espécie de religião”.
* Por que, numa sociedade pluralista, a neutralidade religiosa por parte do
Estado é importante? A neutralidade no exercício do poder é uma condição
necessária para garantir à simétrica da liberdade religiosa. Permite desarmar
o potencial conflituoso da diversidade religiosa (Habermas).
Aula 11 - 13/05/2011
3.2.1 Símbolos religiosos em locais públicos
No Brasil foram feitos junto ao CNJ quatro pedidos para que houvesse a retirada de
crucifixos de tribunais, sob o fundamento que violaria a neutralidade religiosa que o
Estado deveria ter. O entendimento do CNJ - com exceção do relator - foi que os crucifixos
são símbolos da cultura brasileira e, portanto, não violam o dever de neutralidade do
Estado, não ofendendo, então, a laicidade estatal. Essa decisão do CNJ é oposta àquela
dada ao tribunal constitucional alemão analisando um caso ajuizado pelo mórmons
pedindo que os crucifixos fossem retirado das escolas estaduais; o tribunal alemão se
posicionou no sentido de que colocação de símbolos religiosos em locais públicos é
incompatível com o dever de neutralidade do Estado.
O autor americano Ronald Dworkin no livro “Is democracy possible here?” trata da
questão religiosa e adota o seguinte entendimento: em um Estado secular tolerante os
117
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
símbolos religiosos não devem ser considerados ilegais, mas também não devem ser
colocados nem permitidos em locais públicos.
3.2.2 Escusa de Consciência (art. 5º, VIII da CRFB/88)
VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou
de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de
obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação
alternativa, fixada em lei;
A escusa de consciência é a possibilidade de se alegar um imperativo de consciência
para se abster de cumprir obrigação legal a todos imposta, por exemplo, serviço militar
para os homens, voto, convocação para o júri, etc. Essa prestação alternativa imposta
àqueles que alegam o imperativo de consciência não tem cunho sancionatório. É apenas
uma forma de permitir uma simetria de posições filosóficas. Se a pessoa se recusa a
cumprir a obrigação a todos imposta e também a prestação alternativa, no Brasil esta
pessoa sofrerá a suspensão dos Direitos Políticos (art. 15, IV da CRFB/88).
Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão
só se dará nos casos de:
IV - recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa,
nos termos do art. 5º, VIII;
A pessoa só deverá cumprir a prestação alternativa se existir a lei que preveja a
prestação alternativa. Se não existir a lei, não haverá nem prestação alternativa nem
sanção. Exemplos: serviço Militar, Voto e Júri.
Na STA (Suspensão de Tutela Antecipada) 389 o STF entendeu que a fixação de
datas alternativas para a realização de provas do ENEM para as diversas religiões geraria
um efeito multiplicador e violaria o princípio da isonomia e da neutralidade religiosa do
Estado.
STF, STA 389
EMENTA: Agravo Regimental em Suspensão de Tutela Antecipada. 2.
Pedido de restabelecimento dos efeitos da decisão do Tribunal a quo que
possibilitaria a participação de estudantes judeus no Exame Nacional do
Ensino Médio (ENEM) em data alternativa ao Shabat 3. Alegação de
inobservância ao direito fundamental de liberdade religiosa e ao direito à
educação. 4. Medida acautelatória que configura grave lesão à ordem
jurídico-administrativa. 5. Em mero juízo de delibação, pode-se afirmar
que a designação de data alternativa para a realização dos exames não se
revela em sintonia com o principio da isonomia, convolando-se em
privilégio para um determinado grupo religioso 6. Decisão da Presidência,
proferida em sede de contracautela, sob a ótica dos riscos que a tutela
antecipada é capaz de acarretar à ordem pública 7. Pendência de
julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 391 e nº 3.714,
118
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
nas quais este Corte poderá analisar o tema com maior profundidade.
* O exercício de um poder que não consegue justificar-se de um modo imparcial é
ilegítimo.
* Em um Estado laico não se pode utilizar argumentos religiosos para decisões do
Estado, salvo se forem argumentos acessíveis em geral, por todos aceitos.
* Os argumentos religiosos só serão admitidos na esfera pública com o que se
chama de “Tradução Institucional”: Significa transformar esses argumentos
religiosos em argumentos racionalmente justificáveis. Não se veda que os
religiosos argumentem perante o Estado, mas se o Estado quiser englobar este
argumento, deverá racionalmente justificar a vontade religiosa (República é o
governo da razão e, portanto, a razão deverá estar sempre presente nas decisões
do Estado).
* Critério para a liberdade religiosa em um Estado laico (Habermas): o exercício
de um poder que não consegue justificar-se de um modo imparcial é ilegítimo.
Em um Estado laico não se pode utilizar argumentos religiosos para decisões
do Estado, salvo se forem argumentos acessíveis em geral, por todos aceitos.
Os argumentos religiosos só serão admitidos na esfera pública com o que se
chama de “Tradução Institucional”. Não se veda que os religiosos argumentem
perante o Estado, mas se o Estado quiser englobar este argumento, deverá
racionalmente justificar a vontade religiosa (República é o governo da razão e,
portanto, a razão deverá estar sempre presente nas decisões do Estado).
* Min. Gilmar Mendes (relator que suspendeu a liminar – STA) – argumentos:
a) A designação de uma data alternativa para um determinado grupo religioso
viola o princípio da isonomia e pode gerar um efeito multiplicador
inviabilizando alguns certames.
b) Viola o dever de neutralidade do Estado em face do fenômeno religioso.
3.3 Liberdade de associação e reunião (art. 5º, XVI da CF/88)
XVI - todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos
ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem
outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas
exigido prévio aviso à autoridade competente;
“Qual é a diferença entre reunião e associação?” Jean Rivero propôs um rol de
características comuns e distinções:
* Características comuns:
119
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
a) Em ambos é necessária uma pluralidade de participantes Por isso, alguns
autores as classificam como direitos coletivos.. Para José Afonso da Silva,
reunião e associação são direitos individuais de expressão coletiva.
b) Fim previamente determinado. Uma reunião ou uma associação não
existe quando diversas pessoas se reúnem para ver as conseqüências de um
acidente automobilístico.
* Diferenças:
a) A reunião tem um caráter temporário, episódico. As pessoas se reúnem,
deliberam sobre um determinado assunto, e a reunião acaba.
b) A associação tem um caráter permanente. As pessoas se associam com a
intenção de permanecerem associadas.
O prévio aviso para a reunião não é autorização. Tem 2 finalidades: estabelecer a
preferência do uso do local e fazer com que a autoridade pública tome diversas
providências para o exercício do direito.
A associação não depende de autorização estatal para ser criada. Alguns exemplos de
não-autorização estatal: criações de associações e, na forma da lei, criação de cooperativas;
criação de sindicatos; criação de partidos políticos, etc.
E se a associação for a juízo reclamar algum direito é preciso da autorização de todos
os associados? Sobre o tema, vale citar o art. 5º, XXI da CRFB/88
XXI - as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm
legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente;
* Neste caso, segundo o STF é uma hipótese de representação (pois afirma que é
desde que expressamente autorizadas). Não precisa ser uma autorização
expressa individual (de cada associado), podendo ser dada em uma
Assembléia. A representação tem que estar relacionada aos fins da própria
entidade. E no caso do mandado de segurança coletivo? É representação ou
substituição processual?
LXX - o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por:
a) partido político com representação no Congresso Nacional (podem
também a ADI, ADC e ADPF);
b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente
constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos
interesses de seus membros ou associados; (para a ADI, ADC e ADPF
tem que ser entidade de âmbito nacional)
120
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
* Nesta hipótese, o STF considerou que há uma substituição processual (e não de
representação), também conhecida como legitimação extraordinária.
Concluindo, uma associação precisa de uma autorização expressa para
defender seus associados, salvo em caso de mandado de segurança coletivo
(basta que seu estatuto preveja esta possibilidade). Mas, e o caso art. 8º, III da
CRFB/88? O sindicato precisa de autorização expressa para representar seus
sindicalizados? Segundo o STF, essa hipótese é de substituição processual, não
precisando o sindicato de autorização expressa caso a caso.
III - ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou
individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou
administrativas;
4. Direito de privacidade
O direito de privacidade aqui tratado aqui como gênero, tendo como espécies
(previstas no art. 5º, X, da CRFB/88)
a) Direito à intimidade
b) Direito à vida privada
c) Direito à honra
d) Direito à privacidade
Teoria da esferas (Direito Alemão): quanto mais próxima do indivíduo, maior deve
ser a proteção conferida pelo ordenamento jurídico.
a) Intimidade (segredos, confidências). Não é partilhada nem com as pessoas
mais próximas dele.
b) Vida privada Ex: festa em casa de amigos, local de trabalho, etc. Estes
momentos não podem ser captados sem justa causa. Mesmo uma pessoa
pública tem direito à proteção de sua vida privada.
c) Publicidade: não está protegida pela CRFB/88. Ex: artista realizou show em
local público, se alguém tirar foto dele não há que se falar em violação de
intimidade. Outro exemplo é a divulgação de questões que constam em
processo judicial que não corre em segredo de justiça (são informações
121
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
públicas).
O direito à honra e à imagem são direitos protegidos constitucionalmente de forma
autônoma (apesar de haver algumas decisões do STJ neste sentido).
Exemplos de restrições legítimas ao direito de imagem:
a) Câmera de segurança
b) Radares eletrônicos de velocidade
c) Foto de passeata pública em jornal
Obs.: há que se falar em “justa causa” para se falar em restrição legítima ao direito de
imagem.
4.1 Liberdade x privacidade
Vamos ver três situações nas quais liberdade e privacidade se confundem, analisando
um por um.
1. Gravação clandestina;
2. Quebra de sigilo;
3. Interceptação das comunicações.
A) Gravação clandestina: consiste em uma gravação pessoal, ambiental ou telefônica
feita por um dos interlocutores sem o consentimento dos demais, ex vis, duas pessoas estão
conversando e uma delas está gravando sem o consentimento do outro. Veja que, em
princípio, não há regra geral que impeça a gravação da própria conversa; o que não se pode
fazer é utilizar essa gravação sem uma justa causa. A divulgação é proibida em face do art.
5º, X da CF/88:
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das
pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral
decorrente de sua violação;
* Na jurisprudência do STF há exemplos onde a utilização da gravação é
legítima;
a) Pelo réu no processo penal, em face aos seus direitos de liberdade e ampla
defesa, ficando relativizado o direito de privacidade da outra parte;
122
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
b) Gravações feitas em legítima defesa: contra sequestradores, chantagistas,
estelionatários, etc;.
c) Contra agentes públicos. O Supremo nesse caso faz uma ponderação onde de
um lado coloca a privacidade do agente público e do outro, a publicidade
dos atos administrativos e o princípio da moralidade que rege a
Administração Pública. Pelo posicionamento do professor Marcelo
Novelino quando o servidor público age nessa qualidade, os seus atos não
estariam na esfera de sua intimidade, e sim haveria interesse público na
conduta desse servidor.
d) Gravação para documentar uma conversa com a finalidade de exercer um
futuro direito. No informativo 623 no Ag no AI 560.223 o STF analisou
uma gravação feita por advogado que era sócio do escritório de advocacia, e
após ser demitido usou a gravação. O Pretório afirmou que “a gravação feita
por um dos interlocutores é lícita quando não há causa legal específica de
sigilo nem de reserva de conversação. Então, as câmeras colocadas em
ambientes e elevadores estão protegidas pelo sigilo, todavia, se acontecer
um fato delituoso, haveria justa causa para utilizá-las.
STF, AI 560.223
Ementa: AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE
INSTRUMENTO. GRAVAÇÃO AMBIENTAL FEITA POR UM
INTERLOCUTOR SEM CONHECIMENTO DOS OUTROS:
CONSTITUCIONALIDADE. AUSENTE CAUSA LEGAL DE SIGILO
DO CONTEÚDO DO DIÁLOGO. PRECEDENTES. 1. A gravação
ambiental meramente clandestina, realizada por um dos interlocutores,
não se confunde com a interceptação, objeto cláusula constitucional de
reserva de jurisdição. 2. É lícita a prova consistente em gravação de
conversa telefônica realizada por um dos interlocutores, sem
conhecimento do outro, se não há causa legal específica de sigilo nem de
reserva da conversação. Precedentes. 3. Agravo regimental desprovido.
* E em casos de babás espancando crianças e idosos? Geralmente as
câmeras estão no local do trabalho desses empregados e podem ser
utilizados como prova e ser até mesmo divulgado na mídia pelo interesse
de prevenção da sociedade.
B) Quebra de sigilo: consiste no acesso ao registro de dados a) bancários; b) fiscais, c)
telefônicos; e d) informáticos. A quebra é vedada com relação a esses quatro tipos de
sigilo. Aqui uma situação específica: a quebra de sigilo telefônico ≠ gravação clandestina:
no primeiro não se tem acesso ao conteúdo do diálogo, e sim ao histórico de ligações de
123
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
uma conta telefônica. Há uma divergência se o sigilo bancário tem previsão constitucional:
para alguns, a previsão está no art. 5º, X, para outros no inciso XII do mesmo artigo.
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das
pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral
decorrente de sua violação;
XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações
telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último
caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer
para fins de investigação criminal ou instrução processual penal
* Perceba que o inciso XII fala em dados, o que estaria aqui compreendido o
sigilo bancário. E quem tem a legitimidade para determinar a quebra do sigilo
bancário? O juiz e as CPI’s federal e estadual, estando tal legitimado pelo art.
58, § 3º da Magna Carta:
§ 3º - As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de
investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos
nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos
Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente,
mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de
fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso,
encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a
responsabilidade civil ou criminal dos infratores.
* No que tange à CPI estadual o STF decidiu em ACo 730/RJ que era possível
que ela quebrasse o sigilo bancário em votação apertada, por 6 x 5. E com
relação à CPI municipal? Esta não poderia quebrar sigilo - segundo obiter
dictum na ACO abaixo transcrita, sob o fundamento que o Município não tem
Judiciário próprio, o que não poderia ser dado os poderes de investigação de
órgão judiciário ao ente federativo respectivo.
STF, ACO 730
EMENTA: AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA. MANDADO DE
SEGURANÇA. QUEBRA DE SIGILO DE DADOS BANCÁRIOS
DETERMINADA POR COMISSÃO PARLAMENTAR DE
INQUÉRITO DE ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA. RECUSA DE SEU
CUMPRIMENTO PELO BANCO CENTRAL DO BRASIL. LEI
COMPLEMENTAR 105/2001. Potencial conflito federativo (cf. ACO
730-QO). Federação. Inteligência. Observância obrigatória, pelos estados-
membros, de aspectos fundamentais decorrentes do princípio da separação
de poderes previsto na Constituição federal de 1988. Função fiscalizadora
exercida pelo Poder Legislativo. Mecanismo essencial do sistema de
checks-and-counterchecks adotado pela Constituição federal de 1988.
Vedação da utilização desse mecanismo de controle pelos órgãos
legislativos dos estados-membros. Impossibilidade. Violação do equilíbrio
federativo e da separação de Poderes. Poderes de CPI estadual: ainda que
seja omissa a Lei Complementar 105/2001, podem essas comissões
estaduais requerer quebra de sigilo de dados bancários, com base no art.
58, § 3º, da Constituição. Mandado de segurança conhecido e
parcialmente provido.
124
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
* Segundo o STF nem o Ministério Público nem o Tribunal de Contas podem
quebrar sigilo bancário. Sobre o MP o Supremo, em processo específico
permitiu a quebra direta pelo MP. Entenda o caso: o MP pediu quebra de sigilo
bancário para conseguir a quebra no BB sobre repasses de fundos agrários. In
casu, o MP entendeu que neste caso o MP tinha legitimidade, sob o
fundamento de existir verba pública envolvida, e, por isso, poderia haver
quebra de sigilo bancário diretamente requisitada pelo Ministério Público.
* A LC 105/2001 autoriza autoridades fazendárias a requisitarem dados
bancários diretamente em caso de suspeita de fraude. Existem no STF várias
ADIs questionando essa lei, o que não foi resolvido ainda. Todavia,
recentemente o Supremo julgou o RE 389.808, cujo ministro relator foi o
Marco Aurélio, e ficou determinado por 5 x 4 seguir o relator no seguinte: a
LC 105/2001 deve ser interpretada conforme a Constituição no sentido de que
autoridade fazendária tenha que requisitar a quebra à autoridade judicial;
diretamente solicitar os dados bancários não seria possível. Vale citar que
alguns ministros nesse recurso extraordinário colocaram que o sigilo bancário
era cláusula de reserva da jurisdição - tal não está em lei, sendo criação
jurisprudencial do STF. Segundo o Pretório algumas matérias são reservadas
ao Poder Judiciário e, somente ele, poderá dar a primeira e a última palavra
sobre os temas que sejam reservados a ele. De acordo com esse entendimento
parece haver uma sinalização de mudança de posição, porém, enquanto não
forem julgadas as ADI’s, segue-se o entendimento do julgado transcrito
abaixo.
STF, RE 389.808
SIGILO DE DADOS – AFASTAMENTO. Conforme disposto no inciso
XII do artigo 5º da Constituição Federal, a regra é a privacidade quanto à
correspondência, às comunicações telegráficas, aos dados e às
comunicações, ficando a exceção – a quebra do sigilo – submetida ao
crivo de órgão equidistante – o Judiciário – e, mesmo assim, para efeito de
investigação criminal ou instrução processual penal. SIGILO DE DADOS
BANCÁRIOS – RECEITA FEDERAL. Conflita com a Carta da
República norma legal atribuindo à Receita Federal – parte na relação
jurídico-tributária – o afastamento do sigilo de dados relativos ao
contribuinte.
* Direitos submetidos à reserva de jurisdição segundo o STF:
a) Inviolabilidade do domicílio (art. 5º, XI);
b) Interceptação telefônica (art. 5º, XII);
125
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c) Prisão (art. 5º LXI)
d) Sigilo imposto a processo judicial
C) Interceptação das comunicações: consiste na intromisssão ou na interrupção por parte
de terceiros sem o conhecimento (de um ou de ambos) dos interlocutores. É vedada pelo
art. 5º, XII. Protege-se, sobretudo, a liberdade de comunicação. Não há necessidade da
privacidade da pessoa estar sendo violada, pois o que se protege é a liberdade de
comunicação (ex: envio de carta com cujo conteúdo seria apenas um recorte de jornal – o
conteúdo é publico). Segundo o STF entende que haveria apenas uma proteção à liberdade
de comunicação, mas não ao sigilo do conteúdo.
XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações
telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último
caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer
para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;
* Na gravação clandestina (“grampo telefônico”) um dos interlocutores grava a
conversa sem conhecimento do outro, enquanto na interceptação das
comunicações um terceiro grava a conversa, intercepta uma carta, etc.
* Sigilo de correspondência: a CF/88 fala que o sigilo de correspondência é
inviolável, todavia, em determinadas situações será considerado legítima a
quebra. O STF entende que o sigilo epistolar não pode servir como escudo
protetivo para salvaguardar práticas ilícitas. Ainda, a própria CF/88 excepciona
o sigilo das correspondências no caso de estado de defesa (art. 136, § 1º, “b”) e
no estado de sítio (art. 139, III).
* Sigilo de dados: os dados consagrados pela CF/88 seriam apenas dados
informáticos segundo alguns doutrinadores. Tal entendimento é justificado
pelo fato de que nenhuma constituição brasileira até 1988 não teria
resguardado o sigilo de dados pelo fato do progresso tecnológico não alcançar
aquelas épocas, por isso, que a CF/88 que foi primeiro a adotar o sigilo de
dados informáticos, só o adotou quanto a esse tipo de dados. Quem se
posiciona dessa maneira é Manoel Gonçalves Ferreira Filho e Tércio Sampaio
Ferraz Júnior. Novelino discorda desse entendimento em face do princípio da
máxima efetividade decorrente do art. 5º, I da CF/88: aos direitos fundamentais
devem ser o quanto mais eficaz possível a medida da interpretação. O STF tem
o seguinte entendimento: o que o art. 5º, XII protege não são os dados em si,
126
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mas apenas a sua comunicação.
* Sigilo das comunicações telefônicas: é cláusula de reserva de jurisdição e só
pode haver sua quebra por ordem judicial, nos termos da Lei 9.296/96.
Somente é permitida a quebra em face de investigação criminal ou instrução
processual penal. Vale salientar aqui o julgamento do STF do Inq. 2.424 (Q.O).
que determinou que é possível a utilização de autos de interceptação telefônica
como prova no processo administrativo disciplinar em servidor que também
está sendo investigado criminalmente e onde foi primeiramente produzida esta
prova. E ainda, o Pretório entendeu que podia a gravação ser utilizada para o
outro servidor público que não estava sendo investigado criminalmente.
4.2 Inviolabilidade de domicílio (art. 5º, XI da CF/88)
XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar
sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou
desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação
judicial;
* Hipóteses em que é permitida a inviolabilidade do domicílio a qualquer hora e
sem ordem judicial: flagrante de delito, desastre ou para prestar socorro.
* Hipóteses em que é permitida a inviolabilidade do domicílio por ordem
judicial: apenas durante o dia o domicílio e com ordem judicial o domicílio
pode ser invadido. O que significa dia para fins de proteção constitucional?
Temos dois critérios utilizados na doutrina e jurisprudência:
a) Critério cronológico: dia é o período entre as 6h e 18h.
b) Critério físico-astronômico: dia é a partir do amanhecer, da aurora; com o
crepúsculo, se dá a noite.
c) Misto: proposto por Alexandre de Morais que afirma a possibilidade de
utilização dos dois critérios acima citados, de forma conjunta.
* E se o mandado se inicia a ser cumprido e não termina antes da noite? O STF
entendeu que no caso de ações de grande complexidade quando o mandado
começa a ser cumprido durante o dia ele pode se estender após o período
noturno. Não seria razoável interromper uma operação de grande
complexidade e, portanto, não há porque se considerar as provas ilícitas,
portanto, são provas válidas; porém, se a operação começou às 17:30 e durou
até às 5h da manhã, é um caso de burla à vedação constitucional da
127
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inviolabilidade do domicílio, sendo as provas ilícitas.
* O que deve ser entendido como “casa”? Qual o conceito de casa para fins de
proteção constitucional? A interpretação que se faz do conceito de casa é muito
amplo e próxima ao que o Código Penal faz no art. 150. O STF entende que o
conceito jurídico de casa abrange: escritórios, consultórios, estabelecimentos
comerciais, industriais, quartos de hotel e compartimentos habitados.
* Pergunta: Um fiscal tributário pode entrar na parte reservada de uma empresa
sem o consentimento do proprietário, utilizando-se de força policial? Uma
antiga lei previa esta possibilidade, mas para o STF não houve a recepção da
legislação neste ponto. Segundo o STF a auto-executoriedade da
Administração Tributária cedeu lugar diante da inviolabilidade do domicílio.
Se a autoridade tributária não obtiver o consentimento do proprietário, deverá
ela buscar a autorização judicial. Em caso de fiscalização sanitária ou
urbanística (em caso de urgência) poderá a autoridade entrar mesmo sem a
autorização do proprietário.
5. Direito de propriedade
5.1 Regime jurídico do direito de propriedade
“Qual é o regime do direito de propriedade?” É de direito público ou de direito
privado? Segundo José Afonso da Silva, o regime do direito de propriedade é um regime
de direito público, pois a base do regime do direito de propriedade é na Constituição. A
disciplina do direito de propriedade está consagrada na Constituição. (sobretudo na parte
de política urbana e rural), sendo que segundo José Afonso da Silva o que “o código civil
disciplina são as relações civis decorrentes do direito de propriedade.”
O art. 5º, caput da CF/88 já fala que a propriedade é um dos valores protegidos no rol
dos seus incisos.
Aula 12 - 20/05/2011
5.2 Função social do direito de propriedade
128
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
No art. 5º, XXII e XIII a CF/88 afirma ser garantido o direito de propriedade, que
deve atender à sua função social:
XXII - é garantido o direito de propriedade;
XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;
Interpretando-se os dois incisos separadamente chega-se a uma antinomia: se uma
propriedade não atende a função social ela será garantida, tutelada pela Constituição? Na
doutrina há divergências sobre como interpretar esses dois dispositivos:
a) 1ª corrente: o professor José Afonso da Silva entende que o direito de
propriedade será garantido, desde que ela atenda à sua função social, ou seja a
função social não é apenas uma limitação ao direito de propriedade (como o
confisco, desapropriação, usucapião, etc.), e sim ela faz parte da própria
estrutura do direito de propriedade, é inerente a este direito. Isso porque nesta
concepção o direito da propriedade só será garantido se ela atender a sua
função social; caso não, a propriedade não será tutelada pela Constituição
Federal.
* Exemplo: latifundiário tem uma grande propriedade improdutiva que é
invadida pelo movimento social dos sem terra para promover a reforma
agrária. Essa propriedade recebe proteção constitucional ou pode ser
invadida? O STF tem jurisprudência pacífica no sentido de que a invasão de
terra por movimentos sociais é ilegítima, ou seja, o direito de propriedade,
na verdade, recebe proteção constitucional mesmo quando ele não cumpre a
função social.
b) 2ª corrente: Daniel Sarmento leciona que o direito de propriedade recebe uma
maior proteção quando a propriedade atende a sua função social; caso não
atenda sua função social a propriedade terá seu direito garantido, todavia, não
terá uma proteção tão abrangente quanto se cumprisse o requisito
constitucional. Exemplo: propriedade produtiva não pode ser desapropriada
para fins de reforma agrária.
* Quando uma propriedade cumpre a sua função social
+ Urbana (art. 182, § 2º da CRFB/88)
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Art. 182, § 2º - A propriedade urbana cumpre sua função social quando
atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no
plano diretor.
Art. 182, § 1º - O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal,
obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento
básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.
+ Rural (art. 186 da CRFB/88)
Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende,
simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em
lei, aos seguintes requisitos:
I - aproveitamento racional e adequado;
II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do
meio ambiente;
III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos
trabalhadores.
5.3 Limitações constitucionais ao direito de propriedade
5.3.1 Desapropriação (art. 5º, XXIV)
XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por
necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e
prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta
Constituição;
As propriedades podem ser desapropriadas por três motivos:
1. Necessidade pública;
2. Utilidade pública;
3. Interesse social.
Toda desapropriação deve ser justa, prévia e em dinheiro nos casos previstos em lei.
Esse prévia não significa que a pessoa deve receber o valor integral antes da imissão de
posse; significa que o desapropriado deve receber o valor na imissão da posse,
independente do resgate ser em 10 ou 20 anos. Vale salientar que nem toda indenização é
paga em dinheiro, ex vis, desapropriação-sanção.
Conceito: a desapropriação consiste na transferência compulsória de uma
propriedade para o próprio Poder Público ou para o particular.
O pagamento em desapropriação somente não será feito em dinheiro na hipótese de
desapropriação-sanção nos casos em que a propriedade não está cumprindo sua função
social --> esta é a única exceção de desapropriação cuja indenização não será feita em
130
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dinherio. Aqui o pagamento é feito em títulos da dívida pública ou da dívida agrária. Se
imóvel urbano, a desapropriação-sanção está prevista no art. 182, § 4º, III da CF/88:
Art. 182, § 4º - É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei
específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei
federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não
utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena,
sucessivamente, de:
I - parcelamento ou edificação compulsórios;
II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no
tempo;
III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de
emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate
de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o
valor real da indenização e os juros legais.
Para desapropriação-sanção de imóvel rural a única hipótese é a prevista no art. 184
da Carta Magna - é a desapropriação para fins de reforma agrária que será indenizável via
títulos da dívida agrária
Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de
reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função
social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária,
com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até
vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será
definida em lei.
§ 1º - As benfeitorias úteis e necessárias serão indenizadas em dinheiro.
§ 2º - O decreto que declarar o imóvel como de interesse social, para fins
de reforma agrária, autoriza a União a propor a ação de desapropriação.
§ 3º - Cabe à lei complementar estabelecer procedimento contraditório
especial, de rito sumário, para o processo judicial de desapropriação.
§ 4º - O orçamento fixará anualmente o volume total de títulos da dívida
agrária, assim como o montante de recursos para atender ao programa de
reforma agrária no exercício.
As operações de transferência de imóvel via desapropriação para fins de reforma
agrária são isentas de tributos? Aqui cita-se o art. 184, §5º da CRFB/88: muito cuidado,
pois a imunização diz respeito apenas a impostos federais, estaduais e municipais e apenas
quando a finalidade for reforma agrária.
Art. 184, § 5º - São isentas de impostos federais, estaduais e municipais as
operações de transferência de imóveis desapropriados para fins de reforma
agrária.
Obs.: no informativo 626 o STF no MS 26.192/PB julgou uma importante questão: o
imóvel rural pode ser desapropriado por interesse social quando se trata de uma
propriedade pequena ou média (desde que o proprietário não tenha outra) ou, então, uma
propriedade grande e produtiva? Vale a transcrição do art. 185 da CF:
131
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
Art. 185. São insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária:
I - a pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde que
seu proprietário não possua outra;
II - a propriedade produtiva.
* Veja que o art. 185 veda a desapropriação para fins de reforma agrária, e não
para o interesse social. No mandado de segurança em questão a terra foi
desapropriada para assentamento dos colonos, e não para distribuição para
reformas agrárias. Por necessidade pública, útilidade pública ou interesse social
o STF entendeu ser possível a desapropriação de pequenas ou médias
propriedades rurais e propriedades produtivas, pois essas motivações de
desapropriação não estavam abrangidas pela vedação do art. 185 da CF.
5.3.2 Requisição (art. 5º, XXV)
O art. 5º, XXV fala em requisição civil. Além desta existe a requisição militar
prevista no art. 139, VII. A diferença é que a militar é feita em tempos de guerra.
XXV - no caso de iminente perigo público, a autoridade competente
poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário
indenização ulterior, se houver dano;
A requisição é uma situação emergencial, não havendo tempo de discutir no Poder
Judiciário sobre a possibilidade ou não do Poder Público utilizá-lo. Na requisição não há
transferência da propriedade, há apenas o uso ou ocupação temporária, além de que aqui a
indenização nunca será prévia (pois, é caso de iminente perigo público) e sim será sempre
posterior.
Vamos analisar em quadro sinótico as principais diferenças entre desapropriação e
requisição na página seguinte.
Desapropriação Requisição
Bens Bens e serviços, v. g., profissionais da área de saúde para prestar serviços em local atingido por epidemia
Aquisição da propriedade. Aqui há sempre uma transferência da propriedade feita pelo Poder Público para ele mesmo ou para um terceiro.
Uso da propriedade
Concretizada por acordo ou decisão judicial Concretizada por ato administrativo auto-executório
Sempre indenizável Indenização apenas se houver dano Indenização prévia, justa
e, em geral, paga em dinheiro Indenização sempre em dinheiro e posterior
132
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5.3.3 Confisco
O confisco está previsto no art. 243 da CF:
Art. 243. As glebas de qualquer região do País onde forem localizadas
culturas ilegais de plantas psicotrópicas serão imediatamente expropriadas
(procedimento de retirada da propriedade) e especificamente destinadas
ao assentamento de colonos, para o cultivo de produtos alimentícios e
medicamentosos, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo
de outras sanções previstas em lei.
Parágrafo único. Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em
decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins será
confiscado e reverterá em benefício de instituições e pessoal
especializados no tratamento e recuperação de viciados e no
aparelhamento e custeio de atividades de fiscalização, controle, prevenção
e repressão do crime de tráfico dessas substâncias.
O confisco é diferente da desapropriação-sanção: em ambos há transferência
compulsória da propriedade; porém, a desapropriação é sempre indenizável - não existe
desapropriação sem indenização, ainda que via títulos da dívida pública ou agrária. No
confisco a propriedade é transferida e o proprietário não recebe qualquer tipo de
indenização.
Quais são as hipóteses em que é cabível o confisco?
1. Glebas em que forem localizadas plantações de drogas. Toda vez em que
existir terras que plantem drogas tais serão expropriadas (é o procedimento) e
serão confiscadas pelo Poder Público devendo ter destinação para:
a) assentamento de colonos;
b) cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos.
* Em caso de apenas parte da propriedade sendo utilizada para cultivo de
plantas psicotrópicas o STF no RE 543.974 entende que, mesmo assim,
toda a propriedade será expropriada sem indenização. O Supremo
interpretou a Constituição conforme afirmando que a finalidade do
confisco era de desapropriar toda a propriedade.
STF, RE 543.974
EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL.
EXPROPRIAÇÃO. GLEBAS. CULTURAS ILEGAIS. PLANTAS
PSICOTRÓPICAS. ARTIGO 243 DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL.
INTERPRETAÇÃO DO DIREITO. LINGUAGEM DO DIREITO.
LINGUAGEM JURÍDICA. ARTIGO 5º, LIV DA CONSTITUIÇÃO DO
BRASIL. O CHAMADO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. 1.
Gleba, no artigo 243 da Constituição do Brasil, só pode ser entendida
como a propriedade na qual sejam localizadas culturas ilegais de plantas
psicotrópicas. O preceito não refere áreas em que sejam cultivadas plantas
133
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
psicotrópicas, mas as glebas, no seu todo. 2. A gleba expropriada será
destinada ao assentamento de colonos, para o cultivo de produtos
alimentícios e medicamentosos. 3. A linguagem jurídica corresponde à
linguagem natural, de modo que é nesta, linguagem natural, que se há de
buscar o significado das palavras e expressões que se compõem naquela.
Cada vocábulo nela assume significado no contexto no qual inserido. O
sentido de cada palavra há de ser discernido em cada caso. No seu
contexto e em face das circunstâncias do caso. Não se pode atribuir à
palavra qualquer sentido distinto do que ela tem em estado de dicionário,
ainda que não baste a consulta aos dicionários, ignorando-se o contexto no
qual ela é usada, para que esse sentido seja em cada caso discernido. A
interpretação/aplicação do direito se faz não apenas a partir de elementos
colhidos do texto normativo [mundo do dever-ser], mas também a partir
de elementos do caso ao qual será ela aplicada, isto é, a partir de dados da
realidade [mundo do ser]. 4. O direito, qual ensinou CARLOS
MAXIMILIANO, deve ser interpretado "inteligentemente, não de modo
que a ordem legal envolva um absurdo, prescreva inconveniências, vá ter
a conclusões inconsistentes ou impossíveis". 5. O entendimento sufragado
no acórdão recorrido não pode ser acolhido, conduzindo ao absurdo de
expropriar-se 150 m2 de terra rural para nesses mesmos 150 m2 assentar-
se colonos, tendo em vista o cultivo de produtos alimentícios e
medicamentosos. 6. Não violação do preceito veiculado pelo artigo 5º,
LIV da Constituição do Brasil e do chamado "princípio" da
proporcionalidade. Ausência de "desvio de poder legislativo" Recurso
extraordinário a que se dá provimento.
2. Bens apreendidos em decorrência de tráfico ilícito de entorpecentes: tais bens
serão revertidos em benefícios de instituição e pessoal especializados em
combate do tráfico de drogas
5.3.4 Usucapião constitucional
A CF/88 apresenta duas hipóteses especiais para aquisição de propriedade via
usucapião, nos termos do art. 183 (imóveis urbanos) e 191 (imóveis rurais):
Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e
cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem
oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o
domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
§ 1º - O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao
homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.
§ 2º - Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma
vez.
§ 3º - Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.
Art. 191. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano,
possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de
terra, em zona rural, não superior a cinqüenta hectares, tornando-a
produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia,
adquirir-lhe-á a propriedade.
Parágrafo único. Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.
O prazo do usucapião rural é menor do que os do Código Civil - 5 anos apenas.,
134
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
sendo hipótese excepcional; todavia, determina mais requisitos:
1. Aparentar ser proprietária do imóvel;
2. O imóvel ser utilizado como moradia da própria pessoa ou de sua família;
3. Não ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural;
4. No caso de usucapião urbano, o imóvel deve ter no máximo 250 metros
quadrados; se rural, 50 hectares. Sendo que, no caso de imóvel rural o
possuidor deve tornar a propriedade produtiva através de seu trabalho ou do
trabalho da sua família.
A CF/88 não vai dizer quando a propriedade urbana atenda sua função social, pois
ela transfere essa responsabilidade ao plano diretor de cada Município que é obrigatório
para Municípios com mais 20 mil habitantes. Vejamos a redação do art. 182, § 2º:
§ 2º - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às
exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano
diretor
No caso do imóvel rural é diferente, pois no art. 186 a própria Constituição Federal
estabelece os requisitos necessários para que uma propriedade rural cumpra sua função
social:
Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende,
simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em
lei, aos seguintes requisitos:
I - aproveitamento racional e adequado;
II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do
meio ambiente;
III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos
trabalhadores.
CLASSIFICAÇÃO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS
(José Afonso da Silva)
1. Introdução
Toda classificação é subjetiva; é possível várias classificações acerca de um objeto.
Assim funciona com as normas constitucionais: Maria Helena Diniz, Celso Tomaz Bastos,
Rui Barbosa, entre outros classificaram as normas constitucionais. O importante é que a
classificação feita auxilie na compreensão do objeto.
135
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
2. Eficácia positiva ou negativa
O critério escolhido por José Afonso da Silva é a eficácia das normas constitucionais.
Todavia, quando ele criou a classificação ele não levou em conta a eficácia, já que todas as
normas constitucionais tem eficácia; o que José Afonso fez foi levar em conta a
aplicabilidade da norma. E qual a diferença entre eficácia e aplicabilidade? Eficácia pode
ser de dois tipos:
1. Eficácia positiva: consiste na aptidão da norma para ser aplicada aos casos
previstos por ela. A norma abstrata prevê uma situação, um âmbito de proteção
e quando tem eficácia positiva está apta a ser aplicada diretamente para
resolver o caso concreto, não dependendo de uma lei regulamentadora.
Cuidado: eficácia é aptidão, o que não significa necessariamente que a norma
seja aplicada.
* É possível ter uma norma apta a ser aplicada nos casos concretos, mas que
na prática não cumpre sua função social --> quando isso acontece dizemos
que a norma tem eficácia, mas não tem efetividade. Exemplo: pedestre deve
atravessar na faixa, senão será multado. Nunca foi visto essa norma ser
aplicada no caso concreto por questões de inviabilidade prática. Tem
eficácia, mas não tem efetividade. A eficácia se situa exclusivamente no
plano jurídico, enquanto que a efetividade se situa no plano da realidade
2. Eficácia negativa: é a aptidão da norma para bloquear normas anteriores ou
invalidar normas posteriores. Isso não quer dizer que a norma esteja apta a um
caso concreto; muitas vezes ela depende de uma outra vontade, de um outro ato
para que ela possa ser aplicada. Todavia, essa norma tem o condão de invalidar
outras leis que sejam contrárias a ela, ainda que não exista regulamentação.
Exemplo: lei anterior a CF/88 que não foi recepcionada por ela como a Lei de
Imprensa.
* Toda norma constitucional possui eficácia, ainda que seja apenas uma
eficácia negativa.
136
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
3. Classificação propriamente dita
O que diferencia as normas constitucionais, segundo José Afonso da Silva é o seu
grau de eficácia, dividindo as normas constitucionais em:
1. Eficácia plena: é aquela que tem uma aplicabilidade no caso concreto.
Exemplos: normas que estabelecem imunidades (art. 53), proibições (art. 154,
§ 2º), vedações (art. 19), isenções (art. 184) e prerrogativas (art. 129, § 5º, I).
As normas constitucionais de eficácia plena podem ter aplicabilidade:
a) Aplicabilidade Direta. Pode ser aplicada diretamente ao caso previsto por
ela, independentemente de qualquer ato administrativo ou de lei de
intermediação.
b) Aplicabilidade Imediata: a norma não depende de nenhuma condição para
ser aplicada. Condição é mais amplo do que outra vontade, v. g., quando a
CF/88 entrou em vigor o sistema tributário nacional demorou 6 (seis) meses
para ter eficácia --> era uma condição temporal, sendo, portanto norma
constitucional de eficácia plena com aplicabilidade imediata.
c) Aplicabilidade Integral: a norma constitucional não admite qualquer
restrição, devendo ser aplicada integralmente às hipóteses nelas previstas. A
norma não admite restrição, porém, admite uma conformação. Vejamos as
críticas a partir de um exemplo segundo o art. 53 da CF:
* Crítica 1. Dificuldade de diferenciar conformação de restrição. A
aplicabilidade integral é o tópico mais problemático da classificação de
José Afonso da Silva. Analisando o supracitado artigo, para que os
parlamentares é necessário uma lei regulamentadora desse dispositivo?
Não, tendo o dispositivo aplicabilidade direta, imediata e integral. Vamos
supor que por esse artigo fosse criada uma lei reguladora que afirmasse
que “a imunidade parlamentar se restringe a opiniões e votos no
exercício de sua função. Essa lei estaria restringindo o dispositivo? José
Afonso entende que nesse caso não haveria restrição, e sim apenas uma
137
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
conformação à imunidade, que só faz sentido se for relacionada à função
que o parlamentar exerce.
+ É muito difícil dizer que a conformação de um direito não é uma
restrição, pois, ao se conformar está restringindo. Virgílio Afonso da
Silva (filho de José) afirma que toda conformação importa uma
restrição ao direito. José Afonso da Silva faz essa distinção, pois parte
da ideia que as normas constitucionais são limitadas por “limites
imanentes”, por isso que essa teoria dele faz sentido. O que seria
limite imanente? É como se já fizesse parte daquele direito
determinada conformação. No caso do legislativo que criou a lei
autorizativa permitindo a imunidade dos parlamentares apenas no
âmbito do exercício das suas funções --> é o legislador revelando esse
limite imanente, e não restringindo esse direito. O legislador revela
algo que a própria Constituição já afirma.
* Crítica 2. Todos os direitos consagrados na CF/88 poderão ser
restringidos quando a norma restritiva tiver por finalidade a
promoção de um outro fim constitucional e passar pelo teste da
proporcionalidade. Exemplo: é inviolável a intimidade e a vida de
uma pessoa. Essa inviolabilidade dentro da classificação de José
Afonso da Silva é uma norma constitucional de eficácia plena. E se o
legislador faz uma lei restringindo a intimidade e a vida privada para
tutelar outro direito fundamental, como a segurança pública? Sim,
visto que segurança pública é um direito constitucionalmente
consagrado e passa pelo teste da proporcionalidade (adequação +
necessidade + proporcionalidade em sentido estrito).
* Quem faz essas críticas ao pensamento de José Afonso da Silva é o seu
filho Virgílio Afonso da Silva e Ingo Sarlet.
2. Eficácia contida: é aquela que tem aplicabilidade direta, imediata e
(possivelmente) não integral. Tem aplicação direta porque não depende de
nenhuma outra lei ou ato para ser aplicada, ou seja, pode ser aplicada
diretamente ao caso em concreto. Também não depende de nenhuma condição
para ser aplicada, podendo ser tanto de eficácia positiva quanto negativa, a
138
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
diferença entre a norma de eficácia plena e contida é apenas quanto a
aplicabilidade, e não quanto a eficácia, que será a mesma entre as normas de
eficácia plena e contida. A aplicabilidade possivelmente integral, quer dizer
que a norma de eficácia contida admite restrição, ou seja, admite que o
legislador ordinário limite o seu campo de incidência (aplicação), passando a
se restringir as hipóteses previstas na lei. Um exemplo disso é o art. 5, XIII da
CF/88. Enquanto não existir a lei restringindo, a norma de eficácia contida
produzira os mesmos efeitos de uma norma de eficácia plena.
* Para Michel Temer e Maria helena Diniz, a norma de eficácia contida
deveria ser chamada de norma de eficácia redutível ou restringível. Pois na
verdade a norma não tem a eficácia contida, mas apenas poderá vir a ser
contida. Tal norma não precisa necessariamente de lei para ser aplicada ao
caso em concreto, haja vista que nasce idêntica a norma de eficácia plena,
podendo vir a ser contida.
3. Eficácia limitada: é a norma que tem aplicabilidade indireta ou mediata. A norma
de eficácia limitada vai depender ou de outra vontade ou de alguma outra condição. A
norma de eficácia limitada vai prever uma hipótese, e não vai ter eficácia positiva, só
vai ter eficácia negativa, pois só tem aptidão para invalidar outras normas. Não tem
eficácia positiva porque depende de outra vontade ou condição. Um exemplo disso é o
art. 192, §3 da CF/88, que foi revogado, e que era uma norma de eficácia limitada,
segundo entendeu o STF, pois dependia de uma outra lei para ser aplicada, e esta lei
seria a outra vontade para que tivesse eficácia. Jose Afonso da Silva divide as
normas de eficácia limitada em duas espécies:
a) De princípio institutivo: é aquela que depende de uma outra vontade para
dar corpo, forma ou estrutura a uma determinada instituição consagrada no
texto constitucional. Exemplos: art. 102, §1 da CF/88, que trata da ADPF,
antes da edição da lei 9.882/99, ninguém poderia ajuizar esta ação, o que
tornou a norma de eficácia limitada; outro exemplo é o direito de greve do
servidor público (pois no âmbito particular é uma norma contida), em que o
exercício do direito de greve depende de lei especifica, e segundo o STF não
é possível o exercício da greve pelos servidores públicos, diante disso os
servidores ingressaram com um mandado de injunção, para tornar possível
139
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
esse exercício;
b) De princípio programático: são aquelas que estabelecem programas de ação
a serem implementados pelos poderes públicos. A CF/88 estabelece um
resultado a ser alcançado - uma obrigação de fim. A norma não define os
meios (não é uma obrigação-meio), e sim são os Poderes Públicos que
definirão qual o melhor caminho para atingir a finalidade. Ex: art. 3º da CF:
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do
Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades
sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo,
cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
* Canotilho decretou o óbito de normas de princípio programático, pois as
constituições européias não enfrentam essas normas como não-
obrigatórias, e sim são meros fins, exortações feitas pelo legislador para
atingir os objetivos. O professor Marcelo Novelino discorda dessa
decretação de óbito, pois, embora sejam normas programáticas ela tem
sim, caráter vinculante que, caso não sejam respeitados, serão atitudes
inconstitucionais do Poder Público.
Obs.: Maria Helena Diniz propõe - além da classificação de José Afonso da Silva - as
normas constitucionais de eficácia absoluta ou supereficazes que são as normas que tem
aplicabilidade direta, imediata e integral. A diferença em relação às normas de eficácia
plena é que estas não pode ser restringidas, nem por lei nem por emenda constitucional:
ora, são as cláusulas pétreas, então segundo a ilustre professora. Ora, mas cláusula pétrea
pode ser restringida, o que não pode é sua retirada do ordenamento e além disso, o seu
núcleo essencial deve ser preservado. Essa é uma das críticas que se faz para a
classificação de Maria Helena Diniz, além disso a doutrina aponta que para a classificação
ser boa deve ser abrangida por apenas um critério, e, Maria Helena leva em conta na sua
classificação mais de um critério: a eficácia e a capacidade da norma constitucional ser
alterada por lei ou emenda.
Obs.: normas constitucionais de eficácia exaurida são aquelas cuja eficácia á se esgotou em
razão do cumprimento dos efeitos nelas previstos. Exemplo: algumas normas do ADCT
140
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
que já foram aplicadas ao caso previsto nela, v. g., seus arts. 2º e 3º. Para efeito de reflexão
uma pergunta: quanto ao artigo 2º será que esse dispositivo poderia impedir uma emenda
constitucional que tentasse alterar a forma de governo? O professor Marcelo Novelino
entende que não é possível alterar a forma de governo o legislador por si só, todavia, será
possível a realização de um plebiscito para consultar a população que, se aprovar, alterar a
forma de governo. Da mesma forma, nada impede que se preveja uma nova revisão
constitucional, nos termos do art. 3º se houvesse uma emenda a esse artigo do ADCT.
Art. 2º - No dia 7 de setembro de 1993 o eleitorado definirá, através de
plebiscito, a forma (república ou monarquia constitucional) e o sistema de
governo (parlamentarismo ou presidencialismo) que devem vigorar no
País.
§ 1º - Será assegurada gratuidade na livre divulgação dessas formas e
sistemas, através dos meios de comunicação de massa cessionários de
serviço público.
§ 2º - O Tribunal Superior Eleitoral, promulgada a Constituição, expedirá
as normas regulamentadoras deste artigo.
Art. 3º - A revisão constitucional será realizada após cinco anos, contados
da promulgação da Constituição, pelo voto da maioria absoluta dos
membros do Congresso Nacional, em sessão unicameral.
Aula 13 - 03/06/2011
INSTRUMENTOS DE CONTROLE DAS OMISSÕES INCONSTITUCIONAIS
1. Quadro sinótico distintivo
Ação direta de inconstitucionalidade
por omissão (ADO)
Mandado de Injunção (MI)
Previsão
legal
a) art. 103, § 2º da CF/88 b) Lei 9.868/99: que só previu a regulamentação da ADO apenas em 2009.
- Previsão legal: art. 5º, LXXI da CF/88
141
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
Quanto à
finalidade*
- O objetivo da ADO é assegurar a efetividade das normas constitucionais, protegendo, assim, a supremacia da Constituição --> - É um controle abstrato de constitucionalidade.
- A finalidade precípua do mandado de injunção é a de proteger o exercício de direitos constitucionalmente consagrados (por isso que o MI está localizado no título dos direitos fundamentais. - É um controle concreto de constitucionalidade
Quanto à pretensão deduzida em juízo
- No caso de controle abstrato, a pretensão é deduzida em juízo através de um processo constitucional objetivo, cuja finalidade é tutelar o ordenamento jurídico constitucional.
- É um processo constitucional subjetivo, que tem como finalidade principal assegurar direitos subjetivos
Competência
- Todo controle abstrato no Brasil, necessariamente é um controle concentrado: a) na esfera federal, quando o parâmetro é a CF/88 o controle será de competência do STF; b) para tornar efetiva norma estadual, o Tribunal de Justiça do Estado-membro será o competente
- A doutrina majoritária entende que o MI não é um instrumento de controle concentrado, mas ele também não pode ser julgado por qualquer juiz ou tribunal. O MI tem uma característica peculiar: é um “controle difuso-limitado”, pois apesar de ele não se concentrar em apenas 1 tribunal, também nem todos o Judiciário vai poder manejá-lo. - E quem é competente para julgar o MI? A CF/88 atribui ao: STF, STJ, TSE e TRE e variará de acordo com a autoridade competente para emitir a norma. - A lei poderá atribuir competência a outros órgãos do Poder Judiciário; todavia, essa lei ainda não foi editada; - A Constituição de determinado Estado-membro pode atribuir competência para que certo tribunal seja competente para julgar MI. Por exemplo: a CE/MG prevê que o TJ é competente para julgar MI contra omissão de autoridade estadual; já se a omissão é de autoridade municipal a competência é do juiz de 1º grau.
Legitimidade ativa
- A legitimidade ativa da ADO é a mesma de todas as outras ações de controle abstrato (art. 103 da CF).
- Mandado de injunção individual: qualquer pessoa cujo exercício de um direito constitucionalmente assegurado seja inviabilizado por ausência de norma regulamentadora.** - Mandado de injunção coletivo (não há previsão legal, mas o STF admite): os legitimados são os mesmos do mandado de segurança coletivo do art. 5º, LXX***
Legitimidade
passiva
- Na ADO a finalidade é tornar efetiva norma constitucional que é omissa; portanto, quem ficará no pólo passivo é a autoridade que tem competência para emanar essa norma. Com isso percebe-se que a legitimidade passiva será, em regra, do Poder Legislativo.****
- Para o STF o único legitimado passivo no mandado de injunção é aquele que tem o dever de elaborar a norma regulamentadora, não se admitindo litisconsórcio passivo.
Efeitos da decisão
(ver tópico)
- A CF/88 determina expressamente no art. 103, § 2º que o efeito da decisão em ADO será apenas a ciência ao poder competente de sua omissão.
- A Lei não dispõe nada sobre os efeitos da decisão do mandado de injunção. - O STF adotava a teoria não-concretista; atualmente adota a teoria concretista
142
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
individual. - Vale lembrar que no julgado da greve do servidor público o STF adotou a teoria concretista geral.
Liminar
- Antigamente o STF não admitia liminar em ADO: ora, se a decisão em si não pode compelir o órgão, pois apenas o notifica, por que conceder liminar? Após a regulamentação em 2009 da Lei 9.868/99 este entendimento restou superado com a edição do art. 12-F e § 1º. Inclusive, mesmo havendo omissão total será possível a concessão de liminar para:***** a) Omissão parcial: suspensão da aplicação da lei ou do ato normativo questionado; b) Omissão total: suspensão de processos judiciais ou de procedimentos ou outra medida
- Quando adotava a corrente não-concretista, o STF não admitia o cabimento de liminar no MI, pelo mesmo fundamento que não permitia liminar na ADO. - Mesmo com a mudança de teoria não-concretista para teoria concretista individual, o STF não vem admitindo a concessão de liminar em sede de mandado de injunção.
* Quando se fala em finalidade, é a finalidade principal, pois, os instrumentos que visam a
assegurar direitos objetivos, indiretamente eles asseguram direitos subjetivos; a contrario
sensu quando se tutelam direitos subjetivos constitucionalmente previstos, indiretamente
está se tutelando o ordenamento constitucional.
** Exemplo: a CF/88 prevê aposentadoria especial para os deficientes que depende de lei
que ainda não foi regulamentada. Sendo uma omissão constitucionalmente, é cabível
mandado de injunção individual para tutelar.
*** Como não há lei regulamentando o mandado de injunção o Supremo se utiliza da
legislação relativa ao mandado de segurança, remetendo, inclusive, os seus legitimdos
também para o mandado de injunção.
LXX - o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por:
a) partido político com representação no Congresso Nacional;
b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente
constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos
interesses de seus membros ou associados;
+ No STF todos os mandado de injunção dos direitos de greve do servidor público
foram todos mandados de injunção coletivo.
**** Existem determinadas matérias que têm iniciativa privativa ou exclusiva: se o
143
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
legitimado não age o Parlamento não pode fazer a lei, ficando inviabilizado. Nesses casos,
quando a omissão decorre de inércia de legitimado privativo ou exclusivo, é contra ele que
a ADO por omissão é ajuizada, v. g., os casos de iniciativa privativa do Presidente da
República. A doutrina majoritária entende que, quando o legitimado para propor ADO é o
responsável pela omissão não pode, por óbvio, propor a ADO.
***** Art. 12-F, § 1º da Lei 9.868/99:
Art. 12-F. Em caso de excepcional urgência e relevância da matéria, o
Tribunal, por decisão da maioria absoluta de seus membros, observado o
disposto no art. 22, poderá conceder medida cautelar, após a audiência dos
órgãos ou autoridades responsáveis pela omissão inconstitucional, que
deverão pronunciar-se no prazo de 5 (cinco) dias.
§ 1o A medida cautelar poderá consistir na suspensão da aplicação da lei
ou do ato normativo questionado, no caso de omissão parcial, bem como
na suspensão de processos judiciais ou de procedimentos administrativos,
ou ainda em outra providência a ser fixada pelo Tribunal
Obs.: TRF não julga mandado de injunção tradicionalmente pela doutrina. O professor
Marcelo Novelino segue esse entendimento, mas afirma que, se houver lei regulamentando
tal competência seria possível.
2. Efeitos da decisão da ADO e MI
Vejamos a redação do art. 103, § 2º:
§ 2º - Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para
tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder
competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando
de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias.
Fica muito claro que a Constituição Federal determina que o efeito da ADO é apenas
o de dar ciência ao poder competente da sua omissão. O ministro Gilmar Mendes,
inclusive, sobre o prazo acima fixado, entendeu em alguns julgados que 30 (trinta) dias é
tempo impossível de suprir omissão em alguns casos. A Lei 9.868/99 no art. 12-H e § 1º
em vista disso trouxe uma abertura para que o Supremo analisasse esse prazo que, se não
144
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
for suficiente, determinará prazo razoável.
Art. 12-H. Declarada a inconstitucionalidade por omissão, com
observância do disposto no art. 22, será dada ciência ao Poder competente
para a adoção das providências necessárias.
§ 1o Em caso de omissão imputável a órgão administrativo, as
providências deverão ser adotadas no prazo de 30 (trinta) dias, ou em
prazo razoável a ser estipulado excepcionalmente pelo Tribunal, tendo em
vista as circunstâncias específicas do caso e o interesse público envolvido.
No que tange aos efeitos da decisão do MI não há disposição legal. Quem vai
determinar é a doutrina e o STF. Tradicionalmente, podemos dividir esse estudo em duas
correntes:
a) 1ª corrente: não concretista: foi a corrente adotada pelo STF desde o advento da
CF/88 até 2006. O efeito da decisão do MI é o mesmo da ADO, onde o
Supremo deve dar ciência ao poder competente da sua omissão. O Judiciário
não vai tratar diretamente da norma, e sim apenas cientificar o poder
competente que é omisso. Exemplo: a CF dizia, antes de ser revogado que os
juros eram de, no máximo, de 12% ao ano; quando questionado sobre o tema o
STF via mandado de injunção ele apenas notificativa o Legislativo.
Consequentemente, por isso, não admitia também liminar em sede de MI. A
doutrina questionava esse corrente dizendo que o MI é instrumento de controle
concreto, e apenas notificar o poder omisso esvazia o sentido do MI.
b) 2ª corrente: concretista
+ b.1 geral: no MI 708 (direito de greve do servidor público) O STF teve uma
mudança radical no seu entendimento adotando a teoria concretista geral: a
norma que necessitava de regulamentação seria regulamentada pelo STF -
por isso que é concretista, porque ele concretiza a norma, suprindo a
omissão. E mais: é concretista geral, pois não regulamentará a norma apenas
para quem impetrou o MI, e sim para todos, erga omnes, generalizando, no
caso, para todos os servidores públicos. A doutrina criticou essa decisão sob
o fundamento que esse efeito erga omnes nem era cabível na ação direta de
inconstitucionalidade por omissão, e por que fazê-lo em uma ação
145
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
individual?
+ b.2 individual: após esse entendimento absurdo no MI 708, O STF passou a
adotar em seus julgados a teoria concretista individual --> o tribunal irá
regulamentar o que estava omisso pelo Poder Legislativo apenas
individualmente, para quem impetrou o mandado de injunção, ou seja, com
efeito apenas inter partes. Exemplos no STF: MI 721; MI 758 e MI (QO)
795. Com relação a esse último o Supremo tratou do direito de servidor
público à aposentadoria especial: o entendimento de aposentadoria especial
privada da Lei 8.213 será aplicada ao servidor público. Ora, mas isso não
seria ruim, já que vai haver vários MI’s no mesmo sentido? Aí que o STF
inovou: nos próximos mandado de injunção que tiverem o mesmo objeto
não haverá necessidade de rejulgamento por todo o Supremo, podendo o
relator monocraticamente decidir os outros mandados de injunção da mesma
forma que a Corte já entendeu. Vale lembrar que o Pretório Excelso não vai
fazer cálculo de aposentadoria especial: quem vai calcular é o INSS (o
Supremo afirma apenas que se apliquem aos servidores públicos as mesmas
regras de aposentadoria especial dos trabalhadores privados.
+ b.3 intermediária: o Tribunal deve dar ciência ao Poder competente da sua
omissão, v. g., 120 dias. Se nesse prazo a omissão não for sanada, o
Tribunal já dirá qual é a concretização do direito constitucionalmente
omitido pelo Legislativo. Essa corrente já foi adotada pelo STF no MI 232,
relatado pelo ex-ministro Nery da Silveira. A crítica a esse entendimento é o
seguinte: para que dar ciência de uma omissão constitucional ululante de 20
anos, com a greve dos servidores públicos? A doutrina entende, que a
depender do caso, não há necessidade de ciência ao poder omisso.
Obs.: o AGU atua nas ações de controle abstrato, inclusive na ADO por omissão, devendo
ser intimado para se manifestar. Na ADO sua participação está no art. 12-E, § 2º da Lei
9.868/99. Além dessa previsão há a conhecida disposição do art. 103, § 3º da CF.
§ 2o O relator poderá solicitar a manifestação do Advogado-Geral da
União, que deverá ser encaminhada no prazo de 15 (quinze) dias
146
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
§ 3º - Quando o Supremo Tribunal Federal apreciar a
inconstitucionalidade, em tese, de norma legal ou ato normativo, citará,
previamente, o Advogado-Geral da União, que defenderá o ato ou texto
impugnado.
Veja que as disposições legais são diferentes: o § 3º fala em defesa do ato
impugnado, o que acontece na ADI e, as vezes na ADPF. Ora, uma pergunta: o AGU
estará obrigado a defender sempre o ato impugnado? O Supremo Tribunal Federal vem
cada vez mais relativizando esse entendimento:
1. Tese já considerada inconstitucional pelo STF: o AGU não está obrigado a
defender o ato. Essa hipótese já é pacífica na jurisprudência;
2. Quando a norma viola interesse da União não seria necessário também a defesa
do ato pelo AGU. É o entendimento da doutrina majoritária.
3. ADI 3.916: nessa ação o AGU não defendeu o ato impugnado. Quatro
ministros entenderam que não se poderia obrigar o AGU a defender o ato
impugnado, até mesmo em razão da inexistência de sanção. 2 ministros foram
contrários ao tema. Esse posicionamento é recente, mas deve ser cauteloso,
pois a maioria do Pretório são 6, logo, nem todos os ministros se pronunciaram
sobre o tema; logo, o STF não se pronunciou sobre o tema. Mas, é preciso ser
cauteloso.
Obs.: no julgamento da Rcl. 10.793 a ministra Ellen Grace utilizou o termo “efeito
vinculante” nas decisões proferidas em sede de recurso extraordinário quando são
reconhecidas a repercussão geral. A ministra, apesar de fazer essa afirmação, colocou
também que não cabe reclamação per saltum de decisões de juízes de 1º grau divergentes
do posicionamento do STF em decisão proferida em sede de recurso extraordinário quando
há reconhecimento de repercussão geral. Segundo Ellen Grace a pessoa deve recorrer
normalmente para o respectivo Tribunal de Justiça ou TRF conforme o caso. O Supremo
adotou esse entendimento, sob o fundamento de que, admitindo a reclamação per saltum
seria inviabilizar o trabalho do Pretório.
* CUIDADO: essa hipótese é diferente de decisão que desrespeita à súmula
vinculante. Nessa hipótese cabe reclamação direta do STF.
* CUIDADO: a reclamação contra decisão judicial que desrespeita o que já foi
decidido em sede de controle concentrado (ADI / ADC / ADPF/ ADO) pelo
147
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
STF também é possível ser feita diretamente ao Pretório. O que não pode ser
feita é reclamação direta ao STF quando a decisão judicial descumpre o que foi
decidido em sede de recurso extraordinário afetado ao Pleno do Supremo por
repercussão geral.
DIREITOS SOCIAIS
1. Teoria da reserva do possível
A expressão “reserva do possível’ surgiu a partir de uma decisão em 1972 pelo
Tribunal Constitucional Federal da Alemanha em um caso muito famoso que tratava da
questão de vagas em universidades. A Constituição alemã prevê a liberdade de exercício
de ofício, trabalho ou profissão e aí algumas pessoas ajuizaram ação sob o seguinte
fundamento: ora, se temos a liberdade de ofício, para termos esse direito em grande
amplitude, precisamos de acesso à universidade, ex vis, se quero ser magistrado, preciso
148
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
ser bacharel em direito. Como vou exercer essa profissão se não tenho acesso à
universidade? Na Constituição alemão não há previsão de universidade gratuita para todos,
por isso que eles foram nessa linha. O Tribunal alemão concordou com essa linha de
raciocínio: só que, apesar que seja desejável que todos tenham acesso a universidade, isso
nem sempre é possível, já que o Estado não tem como dar bolsa a todas as pessoas que
queiram cursá-las, em razão das limitações orçamentárias e usou a expressão reserva do
possível.
Há alguns autores que criticam a transposição desse conceito para o direito brasileiro,
como o Andreas Krell, alemão radicado no Brasil professor da UFAL: não seria possível
no Brasil usar a teoria, visto que a desigualdade social é muito grande, o que inviabilizaria
o exercício de direitos fundamentais sociais. O professor Novelino não concorda com essa
posição, sob o fundamento de que, por ter mais desigualdade que a Alemanha essa reserva
do possível seria necessária. Inclusive, autores como Guido Calabresi e Phillip Bobbit
chamam essas hipóteses de “escolhas trágicas”: o orçamento do Estado é limitado; toda
decisão alocativa de recursos causa consequências negativas para outra parte do
orçamento. Exemplo: destino 20% para educação, mas vou desprestigiar os músicos que
vão ficar apenas com 1% de verba. Toda decisão alocativa de recursos, na verdade também
é uma decisão desalocativa. Aí surge a pergunta: a quem cabe fazer essas escolhas
trágicas? O juiz, legislador ou o Executivo? Os membros do Legislativo e Executivo foram
eleitos democraticamente para isso. Isso significa, então, que o Poder Judiciário deve ficar
totalmente de fora? A primazia na definição das políticas públicas é do Poder Executivo e
Legislativo, o que não significa que o Judiciário não pode agir: quando a Constituição for
desrespeitada o Judiciário deve agir. Exemplo: pequeno grupo tem doença rara e o Estado
entende que não precisa agir, pois é uma minoria. Nesse caso o Judiciário deve intervir.
1.1 Dimensões da reserva do possível (Ingo Sarlet)
Ingo Sarlet, professor da PUC/RS, aponta três dimensões para a reserva do possível:
1. Possibilidade fática: consiste na existência de recursos orçamentário para
atender as pretensões individuais. Os direitos sociais tem caráter positivo e, por
isso, vão exigir do Estado prestações e, para o que ele as atenda é preciso de
recursos orçamentários. Exemplo: a CF considera direito à moradia um direito
149
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
social. Será possível exigir do Estado a construção de uma casa para os sem-
teto? É complicado, pois deve analisar não apenas a demanda individual, e sim
a questão como um todo no orçamento estatal, em face ao princípio da
isonomia. Assim, o princípio da isonomia impõe que a possibilidade fática seja
analisada universalmente: todas aquelas que estejam na mesma situação. Ora,
se o princípio da isonomia exige que a análise seja feita de forma universal
para todos que se encontrem na mesma situação, qual seria o meio mais
adequado para que essas situações fosse implementadas? As ações coletivas!
Temos que pensar assim por situações de economia processual e pelo fato de
que aqueles que mais precisam ainda não conseguem chegar ao Judiciário.
2. Possibilidade jurídica: envolve dois aspectos:
a) Análise da existência da previsão orçamentária: deve ser respeitada o
princípio da legalidade na previsão orçamentária. A despesa deve estar
prevista em lei.
b) Análise das competências federativas: saber qual ente federativo é
responsável por aquela demanda. Na saúde, quem é o competente, já que
todos os entes são competentes? Tem se entendido que há uma competência
processual concorrente. Outra celeuma é a educação, mas a própria CF/88
faz uma separação, que tem sido aplicada na teoria da reserva do possível.
* Muito cuidado, pois a análise de previsão orçamentária não deve ser um
limite absoluto, porque senão o Poder Público sempre alegaria que não
existe previsão orçamentária.
3. Razoabilidade da exigência e proporcionalidade da prestação. Exemplo:
possibilidade fática da construção de casa para todos o Estado tem se tirar de
outros setores como saúde e educação e aumentando impostos e
consequentemente a arrecadação. Essas decisões seriam desproporcionais.
Obs.: o professor Novelino pondera muito o direito à saúde: é complicado colocar na
balança o direito à saúde x questão orçamentária x necessidade de tratamento. Existe uma
saída para essa questão, que veremos em instantes. No mais, essas dimensões propostas
por Ingo Sarlet são muito boas.
150
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
1.2 Alegação da reserva do possível
A quem cabe alegar a reserva do possível? O Estado ou quem o aciona? A reserva do
possível é matéria de defesa do Estado e ele deverá provar, tendo, então, o ônus de provar
que não tem como atender a demanda. Nas muitas vezes o procurador ao contestar não
consegue comprovar que o Estado não tem recursos orçamentários. Até tem, mas é matéria
de extrema complexidade financeira.
2. Mínimo existencial
A expressão surgiu no Tribunal Federal Alemão em 1953 e depois começou a ser
utilizada pelo seu tribunal constitucional, passando, depois, a ser citada na jurisprudência
do nosso STF. Por sinal, a maioria das decisões sobre direitos sociais tem como relator o
ministro Celso de Mello e ele sempre comenta o mínimo existencial. Vale lembrar que
quem citou inicialmente o termo “mínimo existencial” foi o professor Ricardo Lobo
Torres.
No direito alemão o mínimo existencial é deduzido de três princípios:
a) Dignidade da pessoa humana;
b) Princípio da liberdade material;
c) Princípio do Estado social.
O mínimo existencial consiste no conjunto de bens e utilidades indispensáveis a uma
vida humana digna. Perceba que o mínimo existencial está ligado à dignidade da pessoa
humana com aqueles três fatores estudados por nós que compõem a dignidade.
O problema é definir o que entraria no mínimo existencial. Quais são os direitos que
compõe o mínimo existencial? Alguns autores como Ricardo Lobo Torres afirmam que
não há como definir precisamente esses direitos porque vai depender da sociedade, do
momento histórico, do ordenamento jurídico, etc., não havendo como definir a priori. A
professora Ana Paula de Barcellos definem quais os direitos que compõem o mínimo
existencial a partir da CF/88 e da legislação infraconstitucional:
a) Direito à saúde. Para o professor Novelino é o mais problemático porque é
151
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
muito extenso, ex vis, o direito ao medicamento que é mais eficaz, mas
extremamente custoso e há um mais barato, todavia, menos eficaz. É possível
tratar-se em Cuba? No Rio de Janeiro aconteceu algo curioso: várias pessoas
aguardavam na fila o tratamento para o câncer e uma delas pediu tratamento
antecipado na frente da fila e o juiz concedeu. Isso é uma decisão que o
Judiciário não tem capacidade para decidir quem tem urgência no tratamento e
quem não o tem.
b) Educação básica. Aqui é simples: a CF/88 no art. 208, I garante educação
fundamental obrigatória e gratuita a todos. É uma regra estabelecida
constitucionalmente. Princípio se pode ponderar, regra não. Vale lembrar que,
após a EC 59/09 a terminologia mudou de educação fundamental para
educação básica.
Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a
garantia de:
I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete)
anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a
ela não tiveram acesso na idade própria;
c) Assistência aos desamparados. Pessoas que se encontram em situação de
miséria - com renda per capta inferior a 1/4 do salário mínimo e que sejam
deficientes ou idosos devem receber um salário mínimo. Inclusive, há uma lei
dizendo que todo cidadão tem direito a uma renda mínima.
d) Acesso à justiça. De nada adianta a pessoa ter os direitos acima, se não há como
requerer sua tutela. O aceso à justiça é o instrumento necessário para efetivar o
mínimo existencial.
* Há autores que ainda colocam o direito à moradia nesse mínimo.
Perceba que é como se o mínimo existencial fosse um subgrupo menor dos direitos
sociais.
Por que a lei se preocupa em estabelece esse núcleo menor? por que os direitos
sociais tem um custo oneroso. Quanto mais se amplia, formalmente, os direitos sociais,
maior é o risco deles não terem efetividade. O mínimo existencial busca justamente o
oposto: garantir a fruição desse mínimo, independentemente de qualquer argumento
Mínimo existencial
Direitos sociais
152
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
contrário.
Obs.: Daniel Sarmento tem um posicionamento no sentido de que o mínimo existencial
não é absoluto e deve ser ponderado com a reserva do possível, direitos de terceiros, etc.
Ingo Sarlet já entende que não cabe essa ponderação e sustenta que não se pode opor a
reserva do possível ao mínimo existencial. Ora, se o medicamento é imprescindível para
que a pessoa continue viva não se pode ponderar. Esse entendimento de Ingo foi o que o
ministro Celso de Mello adotou no RE 482.611/SC:
STF, RE 482.611
EMENTA: CRIANÇAS E ADOLESCENTES VÍTIMAS DE ABUSO
E/OU EXPLORAÇÃO SEXUAL. DEVER DE PROTEÇÃO INTEGRAL
À INFÂNCIA E À JUVENTUDE. OBRIGAÇÃO CONSTITUCIONAL
QUE SE IMPÕE AO PODER PÚBLICO. PROGRAMA SENTINELA–
PROJETO ACORDE. INEXECUÇÃO, PELO MUNICÍPIO DE
FLORIANÓPOLIS/SC, DE REFERIDO PROGRAMA DE AÇÃO
SOCIAL CUJO ADIMPLEMENTO TRADUZ EXIGÊNCIA DE
ORDEM CONSTITUCIONAL. CONFIGURAÇÃO, NO CASO, DE
TÍPICA HIPÓTESE DE OMISSÃO INCONSTITUCIONAL
IMPUTÁVEL AO MUNICÍPIO. DESRESPEITO À CONSTITUIÇÃO
PROVOCADO POR
INÉRCIA ESTATAL (RTJ 183/818-819). COMPORTAMENTO QUE
TRANSGRIDE A AUTORIDADE DA LEI FUNDAMENTAL (RTJ
185/794-796). IMPOSSIBILIDADE DE INVOCAÇÃO, PELO PODER
PÚBLICO, DA CLÁUSULA DA RESERVA DO POSSÍVEL SEMPRE
QUE PUDER RESULTAR, DE SUA APLICAÇÃO,
COMPROMETIMENTO DO NÚCLEO BÁSICO QUE QUALIFICA O
MÍNIMO EXISTENCIAL (RTJ 200/191- -197). CARÁTER COGENTE
E VINCULANTE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS, INCLUSIVE
DAQUELAS DE CONTEÚDO PROGRAMÁTICO, QUE VEICULAM
DIRETRIZES DE POLÍTICAS PÚBLICAS. PLENA
LEGITIMIDADE JURÍDICA DO CONTROLE DAS OMISSÕES
ESTATAIS PELO PODER JUDICIÁRIO. A COLMATAÇÃO DE
OMISSÕES INCONSTITUCIONAIS COMO NECESSIDADE
INSTITUCIONAL FUNDADA EM COMPORTAMENTO
AFIRMATIVO DOS JUÍZES E TRIBUNAIS E DE QUE RESULTA
UMA POSITIVA CRIAÇÃO
JURISPRUDENCIAL DO DIREITO. PRECEDENTES DO SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL EM TEMA DE IMPLEMENTAÇÃO DE
POLÍTICAS PÚBLICAS DELINEADAS NA CONSTITUIÇÃO DA
REPÚBLICA (RTJ 174/687 – RTJ 175/1212-1213 – RTJ 199/1219- -
1220).
3. A teoria da vedação de retrocesso social
A grande maioria dos direitos sociais é consagrada em normas abertas, que vão
necessitar de uma concretização por parte do Poder Público. Não é defeito dos direitos
sociais isso, e sim uma característica inerente dos mesmos. Os Poderes Público irão eleger
as prioridades de acordo com a vontade da maioria, v. g., a CF/88 não deveria, em tese,
estabelecer regras de transporte, saúde, etc., pois o direito que será prioritariamente
atendido deve ser decidido pela maioria. Quando se vota nos políticos se vota justamente
153
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
para quem elege a melhor prioridade.
A partir do momento que os direitos sociais necessitam de uma concretização, de
norma infraconstitucional, é como se essa norma concretizadora passasse a fazer parte do
próprio direito social. Imagine que o direito social é a esponja e o poder público é o
líquido: a norma aberta absorve o líquido que passa a fazer parte dessa esponja, desse
direito social que não mais passa a ter apenas a configuração constitucional, e sim mais
ampla, englobando também a legislação infraconstitucional. Por isso essas normas
concretizadoras passariam a ser materialmente constitucional, já que tais normas são
imprescindíveis para a concretização do direito social. É como se elas começassem a fazer
parte do bloco constitucional. Por isso, a partir do momento em que ocorre a concretização
do direito social, esta não pode mais ser objeto de um retrocesso.
Zagrebelsky, juiz da Suprema Corte italiana, entende que a vedação de retrocesso
social impede reduzir o grau de concretização atingido por uma norma de direito social, ou
seja, a concretização poderia sequer ser reduzida. É um posicionamento radical. Já o autor
português José Carlos Vieira de Andrade proíbe a revogação da concretização quando esta
se revelar manifestamente arbitrária ou desarrazoada --> a vedação de retrocesso não
impede qualquer redução no grau de concretização, e sim impede uma revogação
arbitrária. É um posicionamento sensato, pois a depender da situação a prioridade de
direitos sociais pode mudar com o passar do tempo, v. g., no Brasil está se priorizando pela
Copa de 2014 o transporte urbano e a infraestrutura. É muito lógico.
Obs.:A vedação ao retrocesso, em sede de direitos sociais, vale lembrar, é também
chamada de non cliquet – em alusão à regra de nunca descer, só subir no alpinismo.
Obs.: Cesare Batistti. Em 2009 quando o STF julgou a extradição o Supremo deu decisão
apertada de 5 x 4, cujo voto de desempate foi do ministro Peluso, que entendeu que o
Presidente da República não está vinculado à decisão do Supremo sobre a extradição. O
STF não pode obrigar o Presidente a extraditar ou não. Agora, o Supremo entendeu que o
Presidente da República estaria vinculado ao tratado Brasil-Itália. Confuso, Lula na época
pediu o parecer da AGU. No tratado Brasil-Itália há uma cláusula que a extradição poderia
ser negado em caso de julgamento parcial pelo outro país e o parecer se baseou nesse
AGU. O Presidente Lula deu seu último ato não extraditando Battisti. A Itália, então,
entrou com uma reclamação no STF dizendo que o Presidente da República não respeitou
154
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
a decisão do STF! O STF nem chegou a analisar o mérito e entendeu que o Governo
Italiano não pode questionar no STF um ato de soberania do Estado brasileiro.
Aula 14 – 10/06/2011
PODER CONSTITUINTE
1. Poder Constituinte Originário
1.1 Introdução
O Poder Constituinte, doutrinariamente, costuma a ser classificado em duas espécies:
155
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
originário e reformador – embora que, quem crie algo seja somente a primeira apresentada
abaixo. Vamos estudar inicialmente o Poder Constituinte Originário que é aquele
responsável pela criação de uma nova Constituição. Pode ser a 1ª Constituição ou uma
nova Constituição se for um Estado que já tenha uma trajetória. No Brasil, a primeira CF
foi a de 1824; após, houveram várias manifestações do Poder Constituinte originário até
chegar a de CF/88.
Por ser um Poder que vai criar a Constituição e uma nova ordem jurídica, devemos
examinar sua natureza jurídica. Qual é a essência do Poder Constituinte?
a) 1ª corrente: Juspositivismo. Para a visão juspositivista o Poder Constituinte
Originário é um poder social, energizado pelo povo, sendo verdadeiro poder
político e poder de fato, não havendo limitações para o exercício desse poder.
É a corrente majoritária.
b) 2ª corrente: Jusnaturalismo. Pela corrente do jusnaturalisimo defende-se que,
além do direito positivo – posto pelo Estado – existe um direito natural. E de
acordo com os naturalistas, esse direito natural estaria acima do direito
positivo, que estaria limitado pelos princípios do direito natural. Ora, se o
Poder Constituinte Originário está submetido a determinadas normas jurídicas
do direito natural, dentro desta concepção o Poder Constituinte Originário seria
um poder de direito, jurídico (justamente por estar limitado pelo direito
natural).
1.2 Características do Poder Constituinte Originário
Constituição Federal.
PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO
156
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
Por estar acima do direito positivo o Poder Constituinte Originário tem
características essenciais que o diferenciam dos poderes constituídos. Aqui temos duas
concepções também que podemos tratar o Poder Constituinte:
1. Concepção positivista: o poder constituinte originário é um poder:
a) Poder inicial: é inicial porque não existe nenhum outro poder antes ou acima
dele. Ora, se o ordenamento jurídico se inicia antes da CF/88 e o Poder
Constituinte Originário cria a CF/88, é um poder inicial, o primeiro de
todos.
b) Poder autônomo: é autônomo, pois cabe apenas a ele escolher a ideia de
direito que irá prevalecer. A ideia de direito consagrado pela CF/88 – se será
liberal, social, tipo de Estado, direitos fundamentais consagrados – é uma
ideia que o Poder Constituinte Originário tem autonomia para decidir,
escolhendo livremente que preceitos jurídicos serão consagrados.
c) Poder incondicionado: o poder constituinte originário não está sujeito a
nenhuma condição de forma ou de conteúdo. Não existe nenhum limite
juridicamente pré-estabelecido com relação às formalidades que ele irá
adotar nem ao conteúdo que vai colocar no documento jurídico maior.
Geralmente uma nova Constituição surge com uma ruptura brusca como um
golpe de Estado ou uma revolução. Todavia, a CF/88, segundo Jorge
Miranda, não surgiu com nenhuma dessas rupturas, e sim através de uma
transição constitucional: antes havia a CF/1967 que teve uma emenda
constitucional em 1985 onde houve previsão de Assembleia Nacional
Constituinte – o povo eleger pessoas que iria criar uma nova constituição.
Tal Assembleia foi criada em 1987 que deu origem à CF/88. Alguns
doutrinadores, inclusive, dizem, minoritariamente, que a CF/88 não adveio
de um Poder Constituinte Originário, visto o trâmite acima da transição
constitucional. O professor Novelino não concorda, pois na Assembléia
Constituinte não houve limitação nenhuma para a criação de uma nova
ordem constitucional.
157
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
* Em prova do MP/MG considerou-se correta a assertiva em que se
afirmava que o Poder Constituinte Originário é soberano, independente e
ilimitado juridicamente. Pura questão terminológica.
2. Concepção positivista: é a ideia de um dos principais formuladores do Poder
Constituinte, o Abade Emmanuel Syeyès, através do panfleto “O que é o
terceiro Estado? Ele era um teórico jusnaturalista, como a maioria dos juristas
daquela época. Segundo Abade o Poder Constituinte Originário tinha as
seguintes características (é a mais cobrada em provas):
a) Poder permanente: o poder constituinte não se esgota com o seu exercício,
ou seja, não deixa de existir após a criação da Constituição, mas permanece
existindo de maneira latente.
b) Poder inalienável: a titularidade do poder constituinte não pode ser
transferida. Segundo o Abade Syeyès, o titular do poder constituinte é um
só, é sempre a nação. Com a evolução da teoria, entende-se que o titular é o
povo (conceito mais amplo do que “nação”). O que importa aqui é que para
o Abade, sempre a titularidade do poder constituinte estará pertencendo à
nação, independentemente de quem exerce o poder: uma coisa é a
titularidade (sempre do povo), outra coisa é o exercício – quem elabora uma
nova Constituição exerce esse poder. Exemplo: junta militar deu golpe de
Estado e vai elaborar a uma nova Constituição o titular continua sendo o
povo, mas quem exerceu o poder constituinte foi a junta militar. E qual a
importância dessa distinção? É a análise da legitimidade do poder
constituinte; se o exercício do poder foi exercido de forma legítima ou não.
Agora, quando a CF é feita por um conjunto de representante do povo, nesse
caso o exercício do poder é legítimo.
c) Poder incondicionado pelo direito positivo: o poder constituinte é
incondicionado, não por qualquer direito, mas apenas pelo poder positivo.
Segundo o pensamento do Abade Syeyès, o Poder Constituinte Originário
não está subordinado à nenhuma norma positiva, mas sim, por um direito
natural.
158
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
* Atualmente, a teoria do direito natural evoluiu muito hoje: vários autores
defendem que nem tudo que está no ordenamento jurídico pode ser
considerado direito. Essa corrente ganhou uma força muito grande após a
2ª guerra mundial, principalmente na Alemanha, com autores como: Oto
Bachof que diz existir “normas de sobredireito” (acima do direito
positivo); RadBruch, com sua “fórmula da injustiça” que diz que “o
direito extremamente injusto não é direito”. Robert Alexy, inclusive, em
suas obras, adota a fórmula da injustiça proposta por Radbruch.
Exemplo: Estado alemão confiscando bens de judeu, somente por sua
religião.
1.3 Limitações materiais ao Poder Constituinte Originário
Jorge Miranda, constitucionalista português, aponta três limitações materiais que
podem ser limitações impostas ao Poder Constituinte Originário, isso porque o conceito de
soberania, atualmente, em razão da globalização e cada vez mais um fortalecimento de
proteção aos direitos humanos vem fazendo essa flexibilização. Os limites criados pelo
constitucionalista português são os seguintes:
1. Limitações materiais transcendentes: são aquelas dirigidas ao Poder
Constituinte material e são advindas de imperativos do direito natural ou de
valores éticos ou de uma consciência jurídica coletiva. Existe uma distinção
feita pela doutrina entre poder constituinte material e poder constituinte formal:
o material é aquele responsável pela escolha do conteúdo consagrado pela
Constituição, enquanto que o poder constituinte formal formaliza a escolha do
conteúdo através de normas constitucionais. Veja bem: o titular do Poder
Constituinte Material seria, teoricamente, o povo, enquanto que o Poder
Constituinte formal seria materializado pela Assembleia Constituinte.
* Exemplo dos limites materiais: valores éticos que devem ser observados pelo
ordenamento jurídico, respeito ao direito natural, etc.
* Proibição de retrocesso: os direitos fundamentais conquistados por uma
sociedade não podem sofrer um retrocesso quando da elaboração de uma
nova Constituição. Cuidado para não confundir com a vedação de retrocesso
159
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
estudada nos direitos sociais, que é uma limitação a um poder constituído,
enquanto que a proibição ao retrocesso aqui estudada diz respeito ao Poder
Constituinte Originário. Uma nova CF não poderia consagrar menos direitos
fundamentais do que a anterior. São verdadeiros limites metajurídicos.
2. Limitações imanentes: são relacionadas à configuração do Estado à luz do
poder constituinte material ou a própria identidade do Estado da qual a
Constituição representa apenas um momento em sua marcha histórica.
Exemplo: a Constituição nova não poderia dizer que o Estado não é soberano,
pois é algo imanente a um Estado.
3. Limitações heterônomas: são limitações impostas por outros ordenamentos
jurídicos. Exemplo: hoje em dia se fala em uma constituição europeia, ainda
muito relutada por vários países. Se essa constituição for aprovada, tal servirá
de limite para as constituições de cada país europeu, sendo, assim, uma
limitação heterônoma. Há um movimento cada vez mais forte de um sistema
internacional efetivo no que tange aos direitos humanos.
2. Poder Constituinte Decorrente
2.1 Introdução
O Poder Constituinte decorrente é o responsável pela elaboração das constituições
estaduais. Tal poder tem previsão no art. 11 do ADCT e no art. 25 da CF/88:
Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis
que adotarem, observados os princípios desta Constituição.
Art. 11. Cada Assembléia Legislativa, com poderes constituintes,
elaborará a Constituição do Estado, no prazo de um ano, contado da
promulgação da Constituição Federal, obedecidos os princípios desta.
Parágrafo único. Promulgada a Constituição do Estado, caberá à Câmara
Municipal, no prazo de seis meses, votar a Lei Orgânica respectiva, em
dois turnos de discussão e votação, respeitado o disposto na Constituição
Federal e na Constituição Estadual.
160
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
Desses dispositivos é possível deduzir o famoso princípio da simetria. Segundo tal
princípio, as constituições estaduais devem observar o modelo estabelecido pela
Constituição da República. Os paradigmas da Constituição Federal devem ser observados
pela constituição estadual, o que não é dizer que será uma cópia, mas sim preceitos básicos
que veremos adiante. Interessante citar que alguns autores como Ana Paula Barcellos,
minoritariamente, entende que o princípio da simetria é uma invenção do STF, que não foi
previsto no supracitado art. 25 da CF/88.
Vale citar que os deputados estaduais do art. 11 do ADCT não foram eleitos com o
respectivo fim de realizar a Assembleia Constituinte: eram deputados que já estavam em
suas funções e acabaram incumbidos de criar a respectiva constituição estadual (assim
como o parágrafo único previu que os vereadores criassem a lei orgânica do respectivo
Município). Só que, no que tange aos munícipes, eles deverão respeitar a CF e a respectiva
Constituição Estatual. Exemplos: Governador de Estado pode editar medida provisória,
desde que prevista pela respectiva Constituição Estadual. E o prefeito pode editar medida
provisória? O professor Marcelo Novelino entende que vai depender do modelo da
Constituição Estadual, respeitando as competências do Governador e do Presidente da
República.
2.2 Limitações ao Poder Decorrente
Vamos estudar essas limitações partindo da classificação do professor José Antônio
da Silva que propõe três limitações a partir de espécies de princípios constitucionais:
1. Princípios constitucionais sensíveis: são aqueles princípios relacionados à
essência da organização constitucional da Federação brasileira, sendo
consagrados no art. 34, VII. Sendo violados cabe intervenção federal:
Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal,
exceto para:
VII - assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais:
a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático;
b) direitos da pessoa humana;
c) autonomia municipal;
d) prestação de contas da administração pública, direta e indireta.
e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos
estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e
desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde.
161
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
* A decretação de intervenção, quando há violação dos princípios sensíveis não
pode ser feito diretamente. Sabe-se que a intervenção federal no Estado-
membro somente é decretada pelo Presidente da República; só que em caso
de violação de princípio sensível (e também em situação de recusa de
execução de lei federal) é necessário que o STF julgue procedente um ADI
interventiva, proposta pelo Procurador Geral da República. Essa previsão
está art. 36, III da CF/88:
Art. 36. A decretação da intervenção dependerá:
III de provimento, pelo Supremo Tribunal Federal, de representação do
Procurador-Geral da República, na hipótese do art. 34, VII, e no caso de
recusa à execução de lei federal.
* O Presidente da República só pode decretar intervenção federal em Estado-
membro, Distrito Federal ou Município localizado em Território (não
podendo nos outros Municípios). Decretação em Município – que não
Território – é realizada pelo respectivo Governador do Estado.
* A ADI interventiva é um controle concentrado de constitucionalidade, ou
seja, cabe apenas ao STF processar e julgá-la. Só que, nesse caso, o Estado
concretamente violou um princípio constitucional sensível, portanto, tal
controle não é um controle concentrado abstrato, e sim um controle
concentrado concreto. Se entende que, neste caso, o Procurador da
República atua como um substituto processual, representando a
coletividade.
* A natureza da decisão da ADI interventiva é de decisão político-
administrativa. Aqui dois pontos relevantes:
+ O Procurador Geral de Justiça do Estado-membro pode ajuizar
representação interventiva contra um Município respectivo que violar
princípios constitucionais sensíveis da Constituição estadual. Tal será
decidido pelo TJ, e como a decisão é político-administrativa, não caberá
nessa hipótese recurso extraordinário.
+ O Presidente da República está vinculado pela decisão do STF? Se o STF
julgar procedente a ADI interventiva, o Presidente está obrigado a
decretar a intervenção? Por tal decisão ter natureza político-
administrativa, o Supremo ao realizar o julgamento ele o faz como uma
162
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
conotação política. A maioria da doutrina entende que a decisão do STF
vincula a decisão do Presidente da República: esse entendimento é
reforçado pela Lei 1.079/50, art. 12.3:
Art. 12. São crimes contra o cumprimento das decisões judiciárias:
3 - deixar de atender a requisição de intervenção federal do Supremo
Tribunal Federal ou do Tribunal Superior Eleitoral;
+ Se entender que o dispositivo foi recebido pela CF/88, e que é crime
deixar de atender a requisição, o Presidente da República está vinculado
à decisão do STF.
2. Princípios constitucionais extensíveis: são normas organizatórias da União
extensíveis aos Estados. O Estado deverá observar esta norma organizatória
estabelecida pela União. O STF usa a expressão normas de observância
obrigatória, o que está ligado ao princípio da simetria. Tais normas podem ser
explícitas ou implícitas. Vamos ver alguns exemplos:
a) Art. 28 da CF c/c art. 77. Perceba que se remete à regra de eleições do
Presidente da República.
Art. 28. A eleição do Governador e do Vice-Governador de Estado, para
mandato de quatro anos, realizar-se-á no primeiro domingo de outubro,
em primeiro turno, e no último domingo de outubro, em segundo turno, se
houver, do ano anterior ao do término do mandato de seus antecessores, e
a posse ocorrerá em primeiro de janeiro do ano subseqüente, observado,
quanto ao mais, o disposto no art. 77.
Art. 77. A eleição do Presidente e do Vice-Presidente da República
realizar-se-á, simultaneamente, no primeiro domingo de outubro, em
primeiro turno, e no último domingo de outubro, em segundo turno, se
houver, do ano anterior ao do término do mandato presidencial vigente
b) Art. 75 da CF.
Art. 75. As normas estabelecidas nesta seção aplicam-se, no que couber, à
organização, composição e fiscalização dos Tribunais de Contas dos
Estados e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e Conselhos de
Contas dos Municípios.
Parágrafo único. As Constituições estaduais disporão sobre os Tribunais
de Contas respectivos, que serão integrados por sete Conselheiros.
c) Requisitos para a criação do CPI do art. 58, § 3º. A Constituição não afirma
expressamente que essas regras devem ser observadas no que tange à CPI
estadual; todavia, o STF entendeu que tais são normas de observância
obrigatória.
163
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
§ 3º - As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de
investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos
nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos
Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente,
mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de
fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso,
encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a
responsabilidade civil ou criminal dos infratores.
d) Processo legislativo (art. 59 e seguintes). Curiosamente a CF/1967 previa
que as normas de processo legislativo eram normas extensíveis; todavia, a
CF/88 não afirmou expressamente dessa forma; porém, o Supremo Tribunal
Federal já entendeu diversas vezes que as normas de processo legislativo
são de observância obrigatória.
3. Princípios constitucionais estabelecidos: são aqueles que impõem limitações
ao Estado e que estão espalhados de forma assistemática na Constituição. Não
é igual aos sensíveis que estão todos em um só dispositivo. José Afonso da
Silva dá alguns exemplos:
a) Regras mandatórias: o art. 37, por exemplo, impõe uma norma que os
Estados e os Municípios devem observar.
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes
da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá
aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e
eficiência e, também, ao seguinte
b) Regras vedatórias: o art. 19 é vedatório, pois estabelece vedações expressas
a todos os entes federativos.
Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos
Municípios:
I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-
lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações
de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de
interesse público;
II - recusar fé aos documentos públicos;
III - criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si.
c) Limitações implícitas: o art. 22 prevê normas de competência exclusiva da
União. A contrario sensu, não pode legislação estadual ou municipal prevê
tais normas iguais em suas constituições estaduais ou leis orgânicas.
164
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
3. Poder Constituinte Derivado (Reformador / Instituído / Constituído)
A rigor, Poder Constituinte é apenas o Originário já por nós estudado, enquanto que
o Decorrente e o Reformador são apenas nomenclaturas.
O Poder Constituinte Derivado é o responsável pela modificação da Constituição
Federal. Vamos fazer uma distinção meramente didática.
Estudaremos inicialmente o poder Constituinte Derivado Reformador previsto no
art. 60 da CF/88, que sofre as seguintes limitações:
Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
I - de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do
Senado Federal;
II - do Presidente da República;
III- de mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades da
Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus
membros.
§ 1º - A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção
federal, de estado de defesa ou de estado de sítio.
§ 2º - A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso
Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em
ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros.
§ 3º - A emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara
dos Deputados e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem.
§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a
abolir:
I - a forma federativa de Estado;
II- o voto direto, secreto, universal e periódico;
III - a separação dos Poderes;
IV - os direitos e garantias individuais.
§ 5º - A matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por
prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão
legislativa.
1. Limitações temporais: impedem a modificação da Constituição durante um
determinado período de tempo. Exemplo: a CF/1824 só permitia alteração em
seu texto após 4 (quatro) anos após a sua promulgação, isso para que ela
pudesse ganhar uma certa estabilidade, já que era a 1ª Constituição. Na leitura
do supracitado do art. 60 da CF/88 não existe limitação temporal à
possibilidade de emendar. Ora, e o que diz respeito a regra do art. 3º do ADCT,
que afirma que a revisão constitucional será feita após 5 (cinco) anos da
promulgação. Aqui não é uma limitação temporal para o Poder Constituinte
Reformador, e sim ao Poder Constituinte Revisor que será estudado mais na
frente.
165
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
2. Limitações circunstanciais: impedem a alteração da Constituição em
situações excepcionais, de extrema gravidade, nas quais a livre manifestação
do poder derivado possa estar ameaçada. Aqui se falam de situações, e não de
período de tempo, que é o caso das limitações temporais. A CF/88 possui
limitações circunstanciais: intervenção federal (art. 60, § 1º), estado de defesa e
estado de sítio tais situações são conhecidas por estado de legalidade
extraordinário.
3. Limitações formais: são relacionadas ao processo de elaboração das emendas
constitucionais. Para emendar a CF/88 deve se observar as formalidades
dispostas abaixo:
a) Iniciativa: art. 60, I-III da CF/88 já citados. Muito cuidado apenas com a
participação do Presidente da República que só participa da iniciativa da
PEC, não podendo ele sancionar, vetar ou publicar emenda constitucional.
Vale lembrar que quem promulga a emenda é a mesa da câmara e a mesa do
senado federal, em conjunto.
b) Se determinada matéria foi rejeitada em PEC na sessão legislativa, ela não
pode ser objeto na mesma sessão legislativa, conforme o § 5º do art. 60 da
CF/88. Aqui não é limitação temporal, uma vez que a CF/88 continua
podendo ser emendada; todavia, só não poderá ser no caso em que PEC
sobre o mesmo assunto foi rejeitado na corrente sessão legislativa. Vale
lembrar que sessão legislativa ordinária vai de 07.02 até 17.07, se
reiniciando em 01.08 até 22.12. A sessão legislativa é ANUAL: não se
inicia de semestre em semestre, e sim de ano em ano (já legislatura é o
período de 4 anos). Cuidado com o art. 62, § 10º, pois prevê redação
semelhante:
§ 10. É vedada a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida
provisória que tenha sido rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por
decurso de prazo.
Aula 15 – 17/06/2011
4. Limitações materiais (substanciais): impedem a alteração de determinados
conteúdos consagrados no texto constitucional. A estas normas que não podem
166
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
ser livremente alteradas pelo legislador se dá o nome de cláusulas pétreas
(super-constitucionais / intangíveis / de eternidade / entrincheiradas / cravadas
na pedra)
Quando existem cláusulas pétreas há uma certa tensão com a democracia,
pois, a vontade da maioria fica, de certa forma, obstada, uma vez que tais
cláusulas não permitem alterações. E qual o fundamento dessa limitação,
onde a maioria nem sempre pode impor o que ela quer? Vamos observar as
finalidades das cláusulas entrincheiradas:
1. Preservar a identidade material da Constituição: republicana,
democrática, que consagra direitos fundamentais e sociais, etc. Se tal
identidade pudesse ser livremente alterada a Constituição perderia o seu
jeito de ser. É justamente o que a cláusula pétrea defende: se quer se
modificar a Constituição dessa forma, que faça outra, afinal, o povo é o
titular do Poder Constituinte.
2. Proteger institutos e valores essenciais. As cláusulas pétreas tutelam
valores que a sociedade julga importante.
3. Assegurar a continuidade do processo democrático, ou seja, assegurar a
observância das regras do jogo. Tal é importante porque se não tutela o
interesse democrático, acaba-se asfixiando a democracia: quem está hoje
no poder quer nele permanecer e vai impedir que a minoria chegue lá. O
exemplo mais paradigmático é a anterioridade eleitoral prevista
constitucionalmente, que evita a mudança das regras do jogo no apagar
das luzes.
“Governo dos mortos sobre os vivos“ Thomas Jefferson sustenta que as
constituições deviam ser periodicamente alteradas de 19 em 19 anos, pois
seria como se quem ditasse as regras fossem os mortos que elaboraram a
respectiva Lei Maior.
Teorias de justificação das cláusulas pétreas:
o Teoria do pré-comprometimento (Jon Elster no seu livro Ulisses
libertis): a proteção de determinados conteúdos pelas Constituições visa
167
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
a assegurar o próprio processo democrático, resguardando metas a longo
prazo a fim de proteger a sociedade de suas inconsistências temporais. A
cláusula pétrea é um mecanismo de auto vinculação da sociedade por ela
própria estabelecida para ela se proteger de suas paixões e fraquezas,
visando a proteger as metas à longo prazo. O ser humano tem uma
dificuldade de visualizar interesses à longo prazo, por isso a criação de
cláusulas pétreas, onde há o pré-comprometimento em assegurar
determinados direitos e proteger alguns institutos.
+ Jon Elster cita “A Odisseia” de Homero que conta a seguinte
passagem: Ulisses irá fazer uma viagem com os marinheiros e alguém o
avisa sobre o perigo do canto das sereias, que enlouquece quem escuta
fazendo pular em alto-mar. Ulisses então pede que todos se amarrem e
tapem os ouvidos para não morrer. É o que Elster pega para fazer a
analogia com sua teoria: a sociedade se amarra para ela própria não ser
prejudicada no futuro.
+ Após, Jon Elster muda de ideia e passa adotar a teoria de Ulisses
desacorrentado: a maioria, na verdade, acorrenta o outro com receio de
que no futuro ele venha se tornar majoritário. Ou seja, depois de refletir
mais um pouco Jon Elster entende que quando a Constituição cria
cláusula pétrea a sociedade não acorrenta a si mesmo, e sim a minoria
que agora não está no poder e que um dia pode estar não possa mudar as
regras do jogo.
o Teoria da democracia dualista (Bruce Ackerman): o autor faz uma
distinção entre dois tipos de política: extraordinária e ordinária. A
política extraordinária corresponde aos momentos de intensa
manifestação da cidadania. Ocorre em contextos de grande mobilização
cívica. Já a política ordinária é aquela realizada cotidianamente por meio
das deliberações de órgãos de representação popular. Ackerman entende
que é na política extraordinária onde se manifesta o Poder Constituinte;
por isso esta seria superior à ordinária, podendo, então, estabelecer
limitações como as cláusulas pétreas. É como a se a política
extraordinária estivesse acima da política ordinária.
168
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
Existem dois tipos de cláusulas pétreas:
o Cláusulas pétreas expressas (art. 60, §4º):
§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a
abolir:
I - a forma federativa de Estado;
II - o voto direto, secreto, universal e periódico;
III - a separação dos Poderes;
IV - os direitos e garantias individuais.
+ Perceba que o caput fala em deliberação à proposta; não cabe, portanto,
nem conversa. Se tal disposição for descumprida cabe, inclusive,
controle de constitucionalidade preventivo.
+ O que significa “tendente a abolir”? O STF apesar de não ter posição
pacífica, tem um entendimento, pelo menos, compartilhado pela
maioria: as cláusulas pétreas devem ser interpretadas no sentido de
proteger o núcleo essencial dos princípios e institutos elencados no
dispositivo, e não a sua intangibilidade ideal. Exemplo: uma das
cláusulas pétreas é a separação dos Poderes. Tal quer dizer que
nenhuma competência contida na CF/88 pode ser modificada? Pode-
se responder de início que não. O que não seria possível era
enfraquecer um dos Poderes ao ponto de um controlar o outro. Esse é
o núcleo essencial Uma situação concreta foi quando da criação do
CNJ. O Supremo entendeu que não violaria a separação dos Poderes.
+ Interessante citar o voto, que foi a única cláusula pétrea esmiuçada pela
Constituição – direto, secreto, universal e periódico. Perceba que se a
intangibilidade fosse literal não seria possível alterar a CF como
alguns querem no que diz respeito ao tempo do mandato do Presidente
da República de 4 para 5 anos.
+ Forma federativa de Estado também é cláusula pétrea. Um trecho do
voto do ministro Sepúlveda Pertence cai muito em concurso sobre
esse assunto: “a forma federativa do Estado, consagrada desde a
primeira constituição republicana é princípio intangível na nossa CF”.
Isso é muito importante anotar, pois parece ir de encontro com o que
169
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
dissemos no item acima, mas o STF para a forma federativa fala
expressamente em princípio intangível.
+ Como decorrência da forma federativa do Estado o STF entende que o
princípio da imunidade tributária recíproca do art. 150, VI, “a” é uma
cláusula pétrea decorrente da forma federativa (ADI 939). Essa ADI
foi a do IPMF que curiosamente foi criado por emenda constitucional
justamente para inibir algumas limitações constitucionais, entre elas a
imunidade tributária recíproca. O Supremo, todavia, entendeu que não
era possível, pois tal imunidade é cláusula pétrea decorrente da forma
federativa do Estado. À essa tentativa de burlar a Constituição
desrespeitando o núcleo essencial das cláusulas pétreas via emenda
constitucional se dá o nome de atalhamento constitucional.
STF, ADI 939
EMENTA: - Direito Constitucional e Tributário. Ação Direta de
Inconstitucionalidade de Emenda Constitucional e de Lei Complementar.
I.P.M.F. Imposto Provisório sobre a Movimentação ou a Transmissão de
Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira - I.P.M.F. Artigos
5., par. 2., 60, par. 4., incisos I e IV, 150, incisos III, "b", e VI, "a", "b",
"c" e "d", da Constituição Federal. 1. Uma Emenda Constitucional,
emanada, portanto, de Constituinte derivada, incidindo em violação a
Constituição originaria, pode ser declarada inconstitucional, pelo Supremo
Tribunal Federal, cuja função precípua e de guarda da Constituição (art.
102, I, "a", da C.F.). 2. A Emenda Constitucional n. 3, de 17.03.1993, que,
no art. 2., autorizou a União a instituir o I.P.M.F., incidiu em vício de
inconstitucionalidade, ao dispor, no paragrafo 2. desse dispositivo, que,
quanto a tal tributo, não se aplica "o art. 150, III, "b" e VI", da
Constituição, porque, desse modo, violou os seguintes princípios e normas
imutáveis (somente eles, não outros): 1. - o princípio da anterioridade, que
e garantia individual do contribuinte (art. 5., par. 2., art. 60, par. 4., inciso
IV e art. 150, III, "b" da Constituição); 2. - o princípio da imunidade
tributaria reciproca (que veda a União, aos Estados, ao Distrito Federal e
aos Municípios a instituição de impostos sobre o patrimônio, rendas ou
serviços uns dos outros) e que e garantia da Federação (art. 60, par. 4.,
inciso I, e art. 150, VI, "a", da C.F.); 3. - a norma que, estabelecendo
outras imunidades impede a criação de impostos (art. 150, III) sobre: "b"):
templos de qualquer culto; "c"): patrimônio, renda ou serviços dos
partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos
trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem
fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; e "d"): livros, jornais,
periódicos e o papel destinado a sua impressão; 3. Em consequência, e
inconstitucional, também, a Lei Complementar n. 77, de 13.07.1993, sem
redução de textos, nos pontos em que determinou a incidência do tributo
no mesmo ano (art. 28) e deixou de reconhecer as imunidades previstas no
art. 150, VI, "a", "b", "c" e "d" da C.F. (arts. 3., 4. e 8. do mesmo diploma,
L.C. n. 77/93). 4. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada
procedente, em parte, para tais fins, por maioria, nos termos do voto do
Relator, mantida, com relação a todos os contribuintes, em caráter
definitivo, a medida cautelar, que suspendera a cobrança do tributo no ano
de 1993.
170
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
+ O enfraquecimento do ente tributário imputando-lhe a cobrança do
IPMF poderia, segundo o STF, consequentemente, violar a forma
federativa do Estado.
+ Direitos e garantias fundamentais. Conforme já estudado tal é o gênero
que se divide em: a) direitos e garantias individuais; b) direitos
sociais; c) direitos de nacionalidade; d) direitos políticos. A CF cita
ainda os direitos coletivos. O professor Marcelo Novelino entende que
tais direitos podem ser encontrados nos direitos individuais ou sociais.
Veja que quando a CF/88 fala em cláusula pétrea apenas coloca os
direitos e garantias individuais. Alguns autores como Ingo Sarlet e
Rodrigo Brandão sustentam que, na verdade, que não apenas os
individuais, mas todos os direitos fundamentais são cláusulas pétreas.
+ Pela letra da lei, então, seria possível extinguir direitos sociais, de
nacionalidade e políticos? O professor Marcelo Novelino entende que,
mesmo a CF citando apenas os direitos individuais como cláusulas
pétreas, estariam englobados aí outros direitos fundamentais não como
cláusula pétrea expressa, mas sim como cláusulas pétreas implícitos.
+ O STF pacificou que o princípio da anterioridade eleitoral, que está
entre os direitos políticos, é uma cláusula pétrea. Então o STF entende
que os direitos políticos são uma cláusula pétrea consagrada pela
CF/88? Não. Na leitura da decisão se percebe que o Pretório Excelso
fundamentou que a anterioridade eleitoral é uma garantia individual
do cidadão brasileiro.
+ Os direitos e garantias individuais não se restringem ao art. 5º, segundo
entendimento consolidado no STF. Assim, o Pretório entende também
que o princípio tributário da anterioridade também é uma cláusula
pétrea, pois é uma garantia individual do contribuinte, sendo, portanto,
uma cláusula pétrea expressa, tal como a isonomia.
o Cláusulas pétreas implícitas:
+ Art. 60 (discorre sobre o rito da PEC). José Afonso da Silva e Paulo
Bonavides entendem que não há nenhuma determinação na CF que tal
dispositivo é uma cláusula pétrea, mas eles assim o consideram pelo
171
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
seguinte raciocínio: o art. 60, estabelece limitações ao Poder
Constituinte derivado. A pergunta é: teria sentido se o Poder
Constituinte derivado poderia alterar as limitações estabelecidas para
ele pelo Poder Constituinte originário? Se a resposta for positiva,
esvazia-se o art. 60, o que não é certo. Por isso, defende-se que tal
artigo é uma cláusula pétrea.
# Dupla revisão: é uma espécie de atalhamento constitucional onde se
faz uma dupla modificação na CF/88. O ex-parlamentar Amaral Neto
defendia a pena de morte na Constituição, todavia, tal é cláusula
pétrea. O parlamentar, então, propôs uma PEC para revogar o art. 60,
§ 4º, IV – que diz que os direitos e garantias individuais são cláusulas
pétreas. Se fosse aprovada, não existiria mais essa limitação material e
ele poderia propor outra PEC para, enfim, fazer o que se quiser. Esta é
a dupla revisão. A maioria da doutrina brasileira não admite esse
mecanismo por ser uma espécie de fraude à Constituição.
+ Alguns autores consideram como cláusula pétrea implícita a forma
republicana de governo e o sistema presidencialista. Interessante que
as antigas constituições brasileiras traziam a forma republicana como
cláusula pétrea expressa, o que não foi consagrado pela CF/88. Em
1993, por força do art. 2º do ADCT ocorreu um plebiscito que
escolheu o sistema entre presidencialista e parlamentarismo. Inclusive,
algumas disposições constitucionais foram preparadas para um
sistema parlamentarista, como, por exemplo, o regramento das
medidas provisórias. Após o plebiscito o povo optou por permanecer
com a forma republicana e o sistema presidencialista. O
constitucionalista Ivo Dantas entende que, após o plebiscito, hoje não
é mais compatível essa alteração. O professor Novelino discorda,
afirmando que pode ser alterado o sistema, desde que houvesse um
novo plebiscito.
Art. 2º - No dia 7 de setembro de 1993 o eleitorado definirá, através de
plebiscito, a forma (república ou monarquia constitucional) e o sistema de
governo (parlamentarismo ou presidencialismo) que devem vigorar no
País.
172
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
Tudo que falamos até agora foi sobre a reforma da Constituição. Vamos falar agora
a revisão constitucional prevista no ADCT, art. 3º. A diferença é que a reforma é o meio
ordinário de modificação da Constituição, enquanto que a revisão é a via extraordinária.
Art. 3º - A revisão constitucional será realizada após cinco anos, contados
da promulgação da Constituição, pelo voto da maioria absoluta dos
membros do Congresso Nacional, em sessão unicameral.
Perceba que quando o supracitado artigo fala em revisão se coloca para tal uma
limitação temporal que é de 5 (cinco) anos. Ainda dispõe a limitação formal – voto de
maioria absoluta do Congresso Nacional em sessão unicameral. Perceba que é uma
limitação mais simples do que na reforma, que é de 3/5 em dois turnos. Veja que a revisão
não menciona limitações circunstanciais e materiais. Apesar de não mencionar a doutrina
entende que são as mesmas limitações circunstancias e materiais da reforma presentes do
art. 60 da Lei Maior. A eficácia do art. 3º do ADCT já se exauriu, não podendo mais ser
aplicada.
NORMAS CONSTITUCIONAIS NO TEMPO
1. Teoria da desconstitucionalização
173
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
Essa é uma teoria bastante complexa para adotar na prática. A sorte é que ela não é
admitida pela grande maioria da doutrina pátria. Os maiores defensores dessa teoria são
Pontes de Miranda e Manoel Gonçalves Ferreira Filho.
Quem criou a teoria da desconstitucionalização foi Esmein a partir da linha teórica
de Carl Schimtt. Primeiro, então, vamos falar do pensamento de Carl Schmitt. Para ele, que
adota uma concepção política de Constituição, existe uma diferença entre:
1. Constituição propriamente dita;
2. Leis constitucionais.
Nem tudo que está dentro da Constituição é Constituição propriamente dita:
segundo Carl Schimtt a Constituição propriamente dita é apenas aquilo que decorre de uma
decisão política fundamental. As vezes o texto da Constituição consagra temas que não são
decisões políticas fundamentais e, na verdade, aquelas leis constitucionais não precisariam
estar na Lei Maior. São decisões políticas fundamentais segundo Carl Schimtt:
1. Direitos fundamentais;
2. Estrutura do Estado
3. Organização dos Poderes
Outra teoria afirma que essas decisões políticas fundamentais seriam um tipo
de normas materialmente constitucionais.
Além das decisões políticas fundamentais temos as outras leis constitucionais, por
exemplo, a do art. 242, § 2º que dispõe que o Colégio Pedro II será mantido na órbita
federal. Tal artigo é formalmente constitucional, mas não materialmente constitucionais.
É possível uma norma ser materialmente constitucional, mas não ser formalmente
constitucional? Sim, v. g., os tratados internacionais de direitos humanos aprovados com
quórum de 3/5 em dois turnos, porque não entram dentro do texto constitucional, sendo
mantidos em separado.
Vamos imaginar que em no ano de 2020 seja feita uma nova Constituição. O que
vai acontecer com a CF/88? De acordo com a teoria da desconstitucionalização aquilo que
for Constituição propriamente dita, ou seja, aquelas que leis constitucionais decorrem das
decisões políticas fundamentais, segundo Carl Schimtt, serão automaticamente revogadas
pela nova Constituição. No entanto, a outra parte da antiga CF que é lei constitucional
apenas em sentido formal permanecerá válida, porém, com status infraconstitucional. Em
suma, aqueles dispositivos considerados como leis constitucionais, se forem compatíveis
com o conteúdo da nova Constituição, serão recebidos por ela como normas
174
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
infraconstitucionais por isso que se chama de teoria da desconstitucionalização, pois, as
normas tinham status constitucional, mas passam, depois, a ter status de lei.
Se ela fosse uma teoria aceita no Brasil, além de saber a CF/88 deveríamos também
estudar a CF/67-69 e observar o que é materialmente ou formalmente constitucional. Além
disso, deveríamos conhecer também daquelas que são apenas formalmente constitucionais
e analisar a compatibilidade com a CF/88. É muito complexa na prática e, por isso, não é
admitida no Brasil.
Para o Brasil, quando surge uma nova Constituição a anterior fica inteiramente
revogada. É aquilo que se chama de revogação por normação geral.
2. Teoria da recepção
Essa teoria tem um foco diferente. Enquanto que a teoria da
desconstitucionalização tem um foco de análise entre as Constituições, velha e nova, a
teoria da recepção parte da premissa da análise entre a nova Constituição e as leis
infraconstitucionais anteriormente já existentes.
Pela teoria da recepção, quando a nova Constituição é criada, a anterior fica
completamente revogada, mas as normas infraconstitucionais anteriores que forem
materialmente compatíveis com a nova Constituição serão recepcionadas por ela; as que
forem materialmente incompatíveis não serão recepcionadas (não-recepção). Antigamente
o Supremo em suas decisões usava o termo revogação, o que não era correto, pois,
tecnicamente não houve revogação, e sim é caso de não-recepção. Exemplo: a lei de
imprensa foi considerada materialmente incompatível com a CF/88.
Vamos aprofundar: e se houver uma norma com conteúdo compatível com a nova
Constituição, mas formalmente incompatível? Impede a recepção? A incompatibilidade
formal superveniente não impede a recepção, mas faz com que aquela norma adquira uma
nova roupagem, um novo status. Qual é a consequência jurídica disso? Que a norma
recepcionada só poderá ser revogada / alterada pelo novo status dado a partir da nova
ordem constitucional.
A regra geral é que a incompatibilidade formal não impede a recepção, porém,
existe uma exceção: não haverá recepção quando a incompatibilidade formal for
decorrente de uma mudança de competência entre os entes da Federação. Exemplo: vamos
imaginar que a CF/88 atribua uma competência para os Estados; vem uma nova CF em
175
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
2020 e passa a atribuir essa mesma competência para União. As leis estaduais não serão
recepcionadas como leis federais, e sim serão revogadas. O exemplo é lógico e coerente,
porém, o CESPE adora usar como pegadinha em concurso.
3. Teoria da constitucionalização superveniente
Nesta teoria, a lei nasce inconstitucional, portanto, incompatível com a CF.
Exemplo: Código Penal é alterado e reduz a maioridade penal para 16 anos, em clara
contradição com dispositivo da Lei Maior. Só que, antes de ser declarado inconstitucional
há uma reforma da Constituição através de emenda que também altera a maioridade para
16 anos. A pergunta é: o Código Penal, na parte de maioridade, pode ser
constitucionalizado? É cabível constitucionalização superveniente? O STF não admite esta
hipótese, visto que ele adota a teoria da nulidade advinda do direito norte-americano: a lei
inconstitucional já nasce morta, sendo nula e, por isso, quando se declara uma lei
inconstitucional tal lei tem natureza declaratória. Vale salientar que o STF não adota a tese
de Hans Kelsen que considera que lei constitucional é anulável.
Obs.: alguns autores falam em inconstitucionalidade superveniente. É a mesma coisa.
4. Teoria da Repristinação
A repristinação está prevista no art. 2º, § 3º da LIC.
§ 3o Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter
a lei revogadora perdido a vigência.
Vamos a um exemplo: temos a lei “A” que é revogada pela lei “B” que é revogada
pela lei “C”. Ora, então a lei “A” está em vigor? Depende. Se a lei “C” afirmar
expressamente que fica revogada a lei “B” e volta a ter vigência a lei “A” isso é possível;
todavia, a repristinação tácita não é permitida.
Essa mesma regra da lei de introdução das normas gerais brasileiras vale também
para a Constituição Federal. Exemplo: se a CF/88 revogou a CF/67, então, volta a de
CF/1946? Somente se expresso categoricamente pela CF/88, o que não aconteceu. A regra
é que não se admite repristinação em direito constitucional. O que muda apenas é o
176
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
fundamento, pois é um nível superior de norma, não podendo aplicar a LICC e CF/88. O
fundamento de não se admitir a repristinação tem como base dois princípios:
1. Princípio da segurança jurídica;
2. Princípio da estabilidade das relações sociais
Não se cobra muito esse assunto em concurso. O que cai é o sub-tópico seguinte.
4.1 Efeito repristinatório tácito
Vamos trabalhar com dois exemplos para compreender o efeito repristinatório
tácito:
a) Lei 9.868/99, art. 11, § 2º (medida cautelar em ADI). Existe uma lei “A”
questionada em ADI e o STF concedeu a medida cautelar suspendendo essa lei.
Só que essa lei “A” havia revogado a lei “Z” que existia antes dela. Quando o
STF suspende a lei “A” de acordo com a Lei 9.868/99 faz com que a legislação
anterior – no caso lei “Z” – volte a produzir efeitos enquanto “A” estiver
suspensa é o efeito repristinatório tácito. E se a lei “Z” for inconstitucional?
Nesse caso o Supremo ao conceder a medida cautelar terá que afirmar
expressamente a não-aplicação da legislação anterior.
§ 2o A concessão da medida cautelar torna aplicável a legislação anterior
acaso existente, salvo expressa manifestação em sentido contrário.
Não é uma repristinação propriamente dita, pois a lei “A” não foi
expressamente revogada, e sim foi apenas suspensa sua exigibilidade.
b) Lei “A” foi revogada pela lei “B”. Em ação definitiva de mérito o Supremo
acaba com declarar a Lei “B” inconstitucional. Quando uma lei é declarada
inconstitucional e o tribunal nada fala a respeito do efeito temporal da decisão,
o efeito automático, em regra, é ex tunc, retroativo. Ora, se a Lei “B” pela
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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
teoria da nulidade, já nasceu inconstitucional ela não poderia ser revogada.
Então, se a decisão da inconstitucionalidade da lei posterior tiver efeitos ex
tunc, a lei anterior volta, automaticamente, a ter vigência (porque a lei “B” não
poderia ter existido, visto que nasceu inconstitucional). E se a lei “A” também
for inconstitucional? O STF terá que dizer expressamente.
A diferença aqui com o primeiro exemplo é que na letra “b” não há lei
prevendo; é um entendimento teórico, enquanto que na letra “a” há a própria
lei de ADI prevendo o efeito repristinatório tácito.
Aula 16 – 21/06/2011
5. Mutação constitucional
Mutação constitucional são processos informais de alteração do conteúdo da
Constituição sem que ocorra qualquer modificação em seu texto. O sentido da Constituição
é alterado, mas seu texto permanece intocável.
A ideia de mutação constitucional foi criada por Laband e, após, foi tratada mais
tecnicamente por Jellinek. Essa ideia surgiu em contraposição à reforma constitucional que
é uma modificação formal, textual da cf.
Temos, basicamente, dois processos informais de alteração da CF:
1. Costumes: muito comuns nos países que adotam o sistema da common law.
Ora, se o costume faz parte da Constituição, ao ser alterado, altera-se também,
consequentemente. Isso vinga no Brasil? Existe costume constitucional no
Brasil? Apenas um: o voto de liderança é uma práxis que existe no
Congresso Nacional feita quando o tema não é objeto de divergência; em vez
de cada congressista votar formalmente, reúnem-se as lideranças que votam no
sentido combinado e aprovam a lei.
2. Interpretação: muito comum no sistema da civil law. Interpretand-se a
Constituição é possível fazer uma mudança informal no conteúdo
constitucional. Aqui se distingue muito bem o texto da norma: o texto é o que
está escrito, enquanto que a norma é o produto da interpretação desse texto,
extraindo-se daquele o real sentido.
178
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
A interpretação do art. 52, X da CF/88 está sendo discutida no STF na Rcl
4.335/AC onde um juiz continua aplicando a lei de crimes hediondos e sua
insuscetibilidade de Dois ministros propõem, então, a mutação
constitucional do citado inciso. A interpretação até h oje é de que o Senado
suspende a execução da lei; só que Gilmar Mendes e Eros Grau votaram a
favor da seguinte ideia: em vez do Senado suspender a execução – o que ele
não estava fazendo – o papel dele passava a ser de Diário Oficial do STF; a
resolução do Senado não serviria para suspender a execução; a própria
decisão do STF já teria essa força, dando a resolução do Senado apenas
publicidade ao conteúdo da decisão do Pretório Excelso.
5.2 Critérios para aferição da legitimidade (Canotilho)
De uma forma geral, a mutação em si é utilizada no Brasil. No entanto, Canotilho
propõe critérios para a aferição da legitimidade da mutação constitucional. Inclusive, vale
relembrar que autores como Daniel Assumpção que pertence à escolha norte-americana
tem um pensamento diverso do que vamos ensinar. Nos filiamos aqui ao posicionamento
contrário, da escola alemã.
São os seguintes critérios propostos por Canotilho:
1. A mutação deve estar contida dentro do programa normativo. Muller chama de
programa normativo o texto da norma; tal serviria como um limite para a
mutação, que deve ser feita desde que o texto (programa normativo) permita
essa mudança de entendimento.
2. A mutação não pode contrariar princípios estruturantes da Constituição, v. g.,
separação dos Poderes, princípio federativo, democrático, etc.
DIREITOS DE NACIONALIDADE
1. Conceito
179
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
Nacionalidade é o vínculo jurídico-político que liga o indivíduo ao Estado fazendo
dele um componente do povo. É através da nacionalidade que o indivíduo passa a
pertencer ao povo daquele Estado.
Povo ≠ população. Todos que vivem no Brasil fazem parte da população:
estrangeiros, brasileiros, apátridas, etc. Povo é o conjunto de brasileiros natos e
naturalizados.
2. Espécies de nacionalidade
2.1 Nacionalidade primária / originária
As pessoas que têm a nacionalidade primária são os chamados brasileiro nato e
suas hipóteses estão no art. 12 da CF/88 que será examinado minuciosamente.
A pessoa adquire a nacionalidade originária em razão de um ato natural, um
nascimento, não dependendo de ato de vontade, do desejo dela ou é o local onde nasceu
ou a filiação dela. Então, temos dois critérios para adquirir a nacionalidade primária:
1. Jus soli - critério funcional (critério territorial): nos termos do art. 12, I a,
pessoas nascidas no território brasileiro, ainda que de pais estrangeiro, exceto
no caso de estrangeiros que estão a serviço do seu país de origem.
Art. 12. São brasileiros:
I - natos:
a) os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais
estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país;
Não basta que apenas um dos pais esteja a serviço do seu país; ambos os pais
devem estar à serviço do seu Estado de origem;
Os pais devem estar a serviço do próprio país, não podendo estar a serviço de
outro. Exemplo: diplomatas argentinos estão a serviço do Chile e tem filho
no Brasil. O menino não será brasileiro. Cuidado apenas com o caso do
cônsul e sua mulher que apenas a acompanha; mesmo que a mulher não
esteja trabalhando é considerado como que esteja a serviço do seu país.
2. Jus sangüinis + critério funcional (art. 12, I, b): nascidos no estrangeiro, de
pai brasileiro ou mãe brasileiro. Ao contrário da hipótese anterior, não precisa
180
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
que os dois estejam a serviço do Brasil; basta um dos pais ser brasileiro e estar
a serviço da República Federativa do Brasil.
Art. 12. São brasileiros:
I - natos:
b) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde
que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil;
3. Jus sangüinis + residência no Brasil + opção pela nacionalidade brasileira
(art. 12, I, c). Esse critério já estava previsto antes da EC 54/07. Só que havia
um problema dos brasileirinhos apátridas. Antes de 2007 se os filhos de
brasileiros nascessem no exterior, eles somente poderiam ser brasileiros
quando fixassem residência no Brasil; foi o que aconteceu com o filho de
Ronaldo, o Ronald que era filho de pais brasileiros. Ele ficou sem
nacionalidade um tempo. Em 2007 foi aprovada a EC 54 para corrigir esse
problema que acrescentou uma segunda hipótese à alínea “c” do inciso I do art.
12 que é jus sangüini + registro na repartição brasileira competente (no
caso, um consulado).
Art. 12. São brasileiros:
I - natos:
c) os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe
brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira
competente ou venham a residir na República Federativa do Brasil
e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade,
pela nacionalidade brasileira; (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 54, de 2007)
Se os pais optarem a não fazer o registro no consulado, a criança pode optar
depois pela nacionalidade brasileira, desde que venham a fixar residência no
Brasil, seguindo a regra do início do número 3 acima citado.
Alguns autores sustentam que, além dessas quatro hipóteses acima citadas, haveria
também a nacionalidade originária no caso de adoção, nos termos do art. 227, § 6º da CF.
Ora, como não pode haver diferença de tratamento de filhos, se um brasileiro adota uma
criança estrangeira ela poderá ser reconhecida como brasileiro nato.
Art. 227, § 6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por
adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer
designações discriminatórias relativas à filiação.
2.2 Nacionalidade secundária / adquirida
181
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
A pessoa que optar pela nacionalidade brasileira será considerado como brasileiro
naturalizado. Estas hipóteses estão previstas no art. 12, II. Antes de falar especificamente
das hipóteses vamos falar um pouco da naturalização que pode ocorrer de duas formas:
1. Naturalização tácita (grande naturalização): não depende de uma opção
expressa da pessoa, que não precisa manifestar a vontade de adquirir a
nacionalidade; basta que ela não digna nada. Geralmente esse tipo de
naturalização é adotada por países que estão começando a se desenvolver. No
caso do Brasil, em 1824 quando se libertou de Portugal, na CF/1824 em seu
art. 6º: os portugueses que aqui viviam serão tido como brasileiros,
automaticamente, caso não se manifestassem em sentido contrário. Após a
CF/1891 trouxe o mesmo procedimento no art. 69. Já a CF/88 apenas adotou a
naturalização expressa.
Art. 6. São Cidadãos Brazileiros
IV. Todos os nascidos em Portugal, e suas Possessões, que sendo já
residentes no Brazil na época, em que se proclamou a Independencia nas
Provincias, onde habitavam, adheriram á esta expressa, ou tacitamente
pela continuação da sua residencia.
Art 69 - São cidadãos brasileiros:
4º) os estrangeiros, que achando-se no Brasil aos 15 de novembro de
1889, não declararem, dentro em seis meses depois de entrar em vigor a
Constituição, o ânimo de conservar a nacionalidade de origem;
5º) os estrangeiros que possuírem bens imóveis no Brasil e forem casados
com brasileiros ou tiverem filhos brasileiros contanto que residam no
Brasil, salvo se manifestarem a intenção de não mudar de nacionalidade;
6º) os estrangeiros por outro modo naturalizados.
Naturalização involuntária ≠ naturalização tácita. Aquela são os casos de que,
por exemplo, em alguns países, a mulher se casou com o marido, ela
adquirirá a nacionalidade do marido. Mesmo ela não querendo, vai adquirir a
nacionalidade. Na Itália se adota esse tipo.
2. Naturalização expressa. A CF/88 apresenta no art. 12, II as seguintes espécies
de naturalização expressa:
182
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
a) Naturalização ordinária (art. 12, II, “a”):
a.1 São brasileiros naturalizados o que na forma da lei adquiram a
nacionalidade brasileira. Atualmente, a lei que trata desses requisitos é a
Lei 6.815/80, art. 112 e art. 115, § 2º.
Art. 12. São brasileiros:
II - naturalizados:
a) os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira, exigidas
aos originários de países de língua portuguesa apenas residência por um
ano ininterrupto e idoneidade moral;
Art. 112. São condições para a concessão da naturalização:
I - capacidade civil, segundo a lei brasileira;
II - ser registrado como permanente no Brasil;
III - residência contínua no território nacional, pelo prazo mínimo de
quatro anos, imediatamente anteriores ao pedido de naturalização;
IV - ler e escrever a língua portuguesa, consideradas as condições do
naturalizando;
V - exercício de profissão ou posse de bens suficientes à manutenção
própria e da família;
VI - bom procedimento;
VII - inexistência de denúncia, pronúncia ou condenação no Brasil ou no
exterior por crime doloso a que seja cominada pena mínima de prisão,
abstratamente considerada, superior a 1 (um) ano; e
VIII - boa saúde.
§ 1º não se exigirá a prova de boa saúde a nenhum estrangeiro que residir
no País há mais de dois anos.
§ 2º verificada, a qualquer tempo, a falsidade ideológica ou material de
qualquer dos requisitos exigidos neste artigo ou nos arts. 113 e 114 desta
Lei, será declarado nulo o ato de naturalização sem prejuízo da ação penal
cabível pela infração cometida
§ 3º A declaração de nulidade a que se refere o parágrafo anterior
processar-se-á administrativamente, no Ministério da Justiça, de ofício ou
mediante representação fundamentada, concedido ao naturalizado, para
defesa, o prazo de quinze dias, contados da notificação.
Art. 115, § 2º. Exigir-se-á a apresentação apenas de documento de
identidade para estrangeiro, atestado policial de residência contínua no
Brasil e atestado policial de antecedentes, passado pelo serviço
competente do lugar de residência no Brasil, quando se tratar de:
I - estrangeiro admitido no Brasil até a idade de 5 (cinco) anos, radicado
definitivamente no território nacional, desde que requeira a naturalização
até 2 (dois) anos após atingir a maioridade;
II - estrangeiro que tenha vindo residir no Brasil antes de atingida a
maioridade e haja feito curso superior em estabelecimento nacional de
ensino, se requerida a naturalização até 1 (um) ano depois da formatura.
§ 3º. Qualquer mudança de nome ou de prenome, posteriormente à
naturalização, só por exceção e motivadamente será permitida, mediante
autorização do Ministro da Justiça.
a.2. Originários dos países de língua portuguesa que possuam 1 (um) ano de
residência ininterrupta e idoneidade moral.
É ato discricionário ou vinculado o ato do Presidente da República –
que geralmente delega para o Ministro da Justiça – que concede a
nacionalidade nesses casos? Segundo o STF trata-se de ato
183
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
discricionário, de soberania estatal, não tendo como obrigar o
Presidente da República a fazê-lo.
b) Naturalização expressa extraordinária (quinzenária), nos termos do art.
12, II, “b”. Aqui a CF/88 estabelece três requisitos:
b.1. Residência por 15 (quinze) anos ininterruptos;
b.2. Inexistência de condenação penal;
b.3. Opção expressa pela nacionalidade brasileira
Neste caso o ato do Presidente da República é um ato vinculado, tendo o
indivíduo requerente direito público subjetivo caso reúna as condições
constitucionalmente previstas. Se atender os requisitos, o Estado brasileiro
é obrigado a reconhecer a nacionalidade. O STF entende assim porque na
parte final do dispositivo constitucional tem a expressão “desde que
requeira”.
Art. 12. São brasileiros:
II - naturalizados:
b) os estrangeiros de qualquer nacionalidade, residentes na República
Federativa do Brasil há mais de quinze anos ininterruptos e sem
condenação penal, desde que requeiram a nacionalidade brasileira.
3. Quase nacionalidade
A hipótese de quase nacionalidade está prevista no art. 12, § 1º.
§ 1º Aos portugueses com residência permanente no País, se houver
reciprocidade em favor de brasileiros, serão atribuídos os direitos
inerentes ao brasileiro, salvo os casos previstos nesta Constituição
Esta situação apenas se aplica exclusivamente aos portugueses e não a pessoas de
outras nacionalidade, ainda que falem português. Ainda, Portugal deverá estabelecer os
mesmos benefícios aos brasileiros, ou seja, deverá haver reciprocidade. Atualmente não há
essa permissão por parte de Portugal.
A CF/88 não prevê se o português tem os mesmos direitos do brasileiro nato ou do
naturalizado. Obviamente que é do brasileiro naturalizado. Mas cuidado: aos portugueses
equiparados são atribuídos os mesmos direitos dos brasileiros naturalizados ou, em outras
palavras, os mesmos direitos dos brasileiros natos, salvo os casos previstos na CF/88.
4. Diferenças de tratamento entre brasileiros natos e naturalizados
184
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
Primeiramente lembre que a essa diferença de tratamento somente pode ser feita
pela Constituição Federal, nos termos do art. 12, § 2º.
Art. 12, § 2º - A lei não poderá estabelecer distinção entre brasileiros
natos e naturalizados, salvo nos casos previstos nesta Constituição.
4.1 Cargos privativos de brasileiros natos (art. 12, § 3º)
§ 3º - São privativos de brasileiro nato os cargos:
I - de Presidente e Vice-Presidente da República;
II - de Presidente da Câmara dos Deputados;
III - de Presidente do Senado Federal;
IV - de Ministro do Supremo Tribunal Federal;
V - da carreira diplomática;
VI - de oficial das Forças Armadas.
VII - de Ministro de Estado da Defesa
A CF/88 coloca que alguns cargos são privativos de brasileiros natos, com base em
dois critérios:
1. Linha sucessória do Presidente da República. Qualquer cidadão, ainda que
ocupe temporariamente o cargo de Presidente da República deverá ser
brasileiro nato. São os cargos, sucessivamente, de: Presidente da República,
seu vice, Presidente da Câmara dos Deputados, Presidente do Senado,
Presidente do STF.
Interessante notar que também serão cargos privativos de brasileiros natos o
Presidente e o vice-presidente do CNJ; isso por causa de uma leitura
sistemática da CF/88, pois o presidente e o vice do CNJ são ministros do STF
e, todos, devem ser brasileiros natos.
2. Segurança nacional. Por razões de segurança nacional as carreiras
diplomáticas, oficiais das Forças Armadas e Ministro de Estado e da Defesa
4.2 Seis assentos do Conselho da República (art. 89, VI)
185
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O Conselho da República é um órgão de conselho do Presidente da República para
situações extraordinárias. A composição do Conselho conta com 6 (seis) cidadãos,
brasileiros natos.
VII - seis cidadãos brasileiros natos, com mais de trinta e cinco anos de
idade, sendo dois nomeados pelo Presidente da República, dois eleitos
pelo Senado Federal e dois eleitos pela Câmara dos Deputados, todos com
mandato de três anos, vedada a recondução.
4.3 Propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens
(art. 222)
Art. 222. A propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e
de sons e imagens é privativa de brasileiros natos ou naturalizados há mais
de dez anos, ou de pessoas jurídicas constituídas sob as leis brasileiras e
que tenham sede no País.
A lei não exige que para ser proprietário dessas empresas o brasileiro seja
necessariamente nato. Pode até ser brasileiro naturalizado, mas a naturalização deve ter
ocorrido há, pelo menos, 10 (dez) anos. Essa ressalva é justificada porque? Dizem as más-
línguas que o ex-dono da editora abril precisava dessa ressalva de naturalizados.
4.4 Extradição (art. 5º, LI)
Art. 5º, LI - nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em
caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de
comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas
afins, na forma da lei;
O brasileiro nato não pode ser extraditado em hipótese alguma, ainda que tenha
dupla nacionalidade. Já o brasileiro naturalizado poderá ser extraditado em duas situações:
1. Crime praticado antes da naturalização
2. Tráfico ilícito de entorpecentes ou drogas afins praticados a qualquer
tempo.
O fato de ser casado com brasileira e até mesmo ter filhos com ela não impede a
extradição, nos termos da Súmula 421 do STF.
Súmula 421 do STF. Não impede a extradição a circunstância de ser o
extraditado casado com brasileira ou ter filho brasileiro.
A regra aqui é diferente da expulsão. Na extradição o extraditando praticou um
crime em outros país; na expulsão o estrangeiro praticou ato nocivo no Brasil e, por isso,
186
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será ele expulso do território brasileiro. As hipóteses em que o estrangeiro pode ser
expulso está disciplinado na Lei 6.815, art. 65 que deve ser lida em conjunto com a Súmula
01 do STF:
Súmula 01 do STF. É vedada a expulsão de estrangeiro casado com
brasileira, ou que tenha filho brasileiro, dependente da economia paterna.
Art. 65. É passível de expulsão o estrangeiro que, de qualquer forma,
atentar contra a segurança nacional, a ordem política ou social, a
tranqüilidade ou moralidade pública e a economia popular, ou cujo
procedimento o torne nocivo à conveniência e aos interesses nacionais.
Parágrafo único. É passível, também, de expulsão o estrangeiro que:
a) praticar fraude a fim de obter a sua entrada ou permanência no Brasil;
b) havendo entrado no território nacional com infração à lei, dele não se
retirar no prazo que lhe for determinado para fazê-lo, não sendo
aconselhável a deportação;
c) entregar-se à vadiagem ou à mendicância; ou
d) desrespeitar proibição especialmente prevista em lei para estrangeiro.
Art. 66. Caberá exclusivamente ao Presidente da República resolver sobre
a conveniência e a oportunidade da expulsão ou de sua revogação.
Parágrafo único. A medida expulsória ou a sua revogação far-se-á por
decreto.
Art. 67. Desde que conveniente ao interesse nacional, a expulsão do
estrangeiro poderá efetivar-se, ainda que haja processo ou tenha ocorrido
condenação.
Art. 68. Os órgãos do Ministério Público remeterão ao Ministério da
Justiça, de ofício, até trinta dias após o trânsito em julgado, cópia da
sentença condenatória de estrangeiro autor de crime doloso ou de qualquer
crime contra a segurança nacional, a ordem política ou social, a economia
popular, a moralidade ou a saúde pública, assim como da folha de
antecedentes penais constantes dos autos.
Parágrafo único. O Ministro da Justiça, recebidos os documentos
mencionados neste artigo, determinará a instauração de inquérito para a
expulsão do estrangeiro.
Art. 69. O Ministro da Justiça, a qualquer tempo, poderá determinar a
prisão, por 90 (noventa) dias, do estrangeiro submetido a processo de
expulsão e, para concluir o inquérito ou assegurar a execução da medida,
prorrogá-la por igual prazo.
Parágrafo único. Em caso de medida interposta junto ao Poder Judiciário
que suspenda, provisoriamente, a efetivação do ato expulsório, o prazo de
prisão de que trata a parte final do caput deste artigo ficará interrompido,
até a decisão definitiva do Tribunal a que estiver submetido o feito.
Art. 70. Compete ao Ministro da Justiça, de ofício ou acolhendo
solicitação fundamentada, determinar a instauração de inquérito para a
expulsão do estrangeiro.
Art. 71. Nos casos de infração contra a segurança nacional, a ordem
política ou social e a economia popular, assim como nos casos de
comércio, posse ou facilitação de uso indevido de substância entorpecente
ou que determine dependência física ou psíquica, ou de desrespeito à
proibição especialmente prevista em lei para estrangeiro, o inquérito será
sumário e não excederá o prazo de quinze dias, dentro do qual fica
assegurado ao expulsando o direito de defesa.
Art. 72. Salvo as hipóteses previstas no artigo anterior, caberá pedido de
reconsideração no prazo de 10 (dez) dias, a contar da publicação do
decreto de expulsão, no Diário Oficial da União.
187
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
Art. 73. O estrangeiro, cuja prisão não se torne necessária, ou que tenha o
prazo desta vencido, permanecerá em liberdade vigiada, em lugar
designado pelo Ministério da Justiça, e guardará as normas de
comportamento que lhe forem estabelecidas.
Parágrafo único. Descumprida qualquer das normas fixadas de
conformidade com o disposto neste artigo ou no seguinte, o Ministro da
Justiça, a qualquer tempo, poderá determinar a prisão administrativa do
estrangeiro, cujo prazo não excederá a 90 (noventa) dias.
Art. 74. O Ministro da Justiça poderá modificar, de ofício ou a pedido, as
normas de conduta impostas ao estrangeiro e designar outro lugar para a
sua residência.
Art. 75. Não se procederá à expulsão:
I - se implicar extradição inadmitida pela lei brasileira; ou
II - quando o estrangeiro tiver:
a) Cônjuge brasileiro do qual não esteja divorciado ou separado, de fato
ou de direito, e desde que o casamento tenha sido celebrado há mais de 5
(cinco) anos; ou
b) filho brasileiro que, comprovadamente, esteja sob sua guarda e dele
dependa economicamente.
§ 1º. não constituem impedimento à expulsão a adoção ou o
reconhecimento de filho brasileiro supervenientes ao fato que o motivar.
§ 2º. Verificados o abandono do filho, o divórcio ou a separação, de fato
ou de direito, a expulsão poderá efetivar-se a qualquer tempo.
Já a deportação é a devolução compulsória de um estrangeiro que tenha entrado de
forma irregular no país. As hipóteses de deportação estão na Lei 6.815, arts. 57 e 58.
Art. 57. Nos casos de entrada ou estada irregular de estrangeiro, se este
não se retirar voluntariamente do território nacional no prazo fixado em
Regulamento, será promovida sua deportação.
§ 1º Será igualmente deportado o estrangeiro que infringir o disposto nos
artigos 21, § 2º, 24, 37, § 2º, 98 a 101, §§ 1º ou 2º do artigo 104 ou artigo
105.
§ 2º Desde que conveniente aos interesses nacionais, a deportação far-se-á
independentemente da fixação do prazo de que trata o caput deste artigo.
Art. 58. A deportação consistirá na saída compulsória do estrangeiro.
Parágrafo único. A deportação far-se-á para o país da nacionalidade ou de
procedência do estrangeiro, ou para outro que consinta em recebê-lo.
Art. 59. Não sendo apurada a responsabilidade do transportador pelas
despesas com a retirada do estrangeiro, nem podendo este ou terceiro por
ela responder, serão as mesmas custeadas pelo Tesouro Nacional..
Art. 60. O estrangeiro poderá ser dispensado de quaisquer penalidades
relativas à entrada ou estada irregular no Brasil ou formalidade cujo
cumprimento possa dificultar a deportação.
Art. 61. O estrangeiro, enquanto não se efetivar a deportação, poderá ser
recolhido à prisão por ordem do Ministro da Justiça, pelo prazo de
sessenta dias.
Parágrafo único. Sempre que não for possível, dentro do prazo previsto
neste artigo, determinar-se a identidade do deportando ou obter-se
documento de viagem para promover a sua retirada, a prisão poderá ser
prorrogada por igual período, findo o qual será ele posto em liberdade,
aplicando-se o disposto no artigo 73.
Art. 62. Não sendo exeqüível a deportação ou quando existirem indícios
sérios de periculosidade ou indesejabilidade do estrangeiro, proceder-se-á
à sua expulsão.
188
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
Art. 63. Não se procederá à deportação se implicar em extradição
inadmitida pela lei brasileira.
Art. 64. O deportado só poderá reingressar no território nacional se
ressarcir o Tesouro Nacional, com correção monetária, das despesas com
a sua deportação e efetuar, se for o caso, o pagamento da multa devida à
época, também corrigida.
Nenhuma dessas hipóteses se confunde com a “entrega”(surrender) que está no
Estatuto do Tribunal Penal Internacional. A natureza e a finalidade da entrega são bem
diferentes da extradição: nesta última o estrangeiro será entregue para o seu país de origem
para ser lá julgado. Já na entrega ela não será julgada por um tribunal de outro país, e sim
por uma jurisdição internacional da qual o Brasil faz parte e manifestou expressamente a
sua aquiescência. Nesse caso, do Tribunal Penal Internacional, como o Brasil adotou este
tratado sem ressalvas será possível até a entrega de brasileiro nato.
Esquematicamente as diferenças acima:
Extradição Expulsão Deportação Entrega (surrender)
Consiste na entrega de uma pessoa a um outro Estado, em razão de um crime nele praticado para que seja julgada segundo as suas leis.
Consiste na retirada à força, do território brasileiro, de um estrangeiro que tenha praticado atos tipificados no art. 65 da lei 6.815/80.
Consiste na devolução compulsória que tenha entrado ou esteja de forma irregular no território nacional.
Consiste na entrega de um indivíduo a um Tribunal Penal Internacional para que seja julgado por ele (inclusive para nacionais natos).
O extraditando não cometeu nenhum crime no Brasil.
O estrangeiro não praticou nenhum crime no Brasil, mas sim um ato nocivo dentro do território nacional.
Irá para seu Estado de origem ou para qualquer outro Estado que o aceite.
4.4.1 Questões especiais acerca da extradição
A) O Brasil adota o sistema da contenciosidade limitada pela Lei 6.815/80. Quando um
Estado estrangeiro faz um requerimento da extradição para o Brasil o Supremo não irá
analisar o mérito da questão. Ao falar em contenciosidade limitada quer dizer que o
processo de extradição se limita à análise dos pressupostos necessários à extradição.
B) No art. 5º, LII da CF/88 não se admite extradição em caso de crime político ou de
opinião. O que acontece quando há um entrelaçamento entre crime político e crime
comum? Nesta hipótese o Estatuto do Estrangeiro admite mesmo assim a extradição;
189
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
todavia, segundo entendimento do STF nos casos de entrelaçamento entre crime comum e
de opinião a extradição deve ser indeferida.
LII - não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou
de opinião;
C) Princípio da dupla punibilidade. A extradição só é autorizada quando o fato é punível
nos dois Estados. Não basta que o fato seja típico e ilícito; ele deve ser punível. Portanto,
se o crime estiver prescrito aqui ou lá no Estado estrangeiro, o Brasil através do Supremo
não autorizará a extradição.
D) Princípio da especialidade. O extraditando só poderá ser processado pelos crimes que
foram objeto do pedido de extradição. Se, eventualmente, ficar descoberto que o agente
praticou outros crimes, o Estado estrangeiro deve fazer um pedido de extensão ao Brasil
que para que ele seja julgado por outros crimes.
E) Comutação da pena. Quando a pena é vedada pelo ordenamento jurídico brasileiro o
Supremo só autoriza a extradição se houver comutação da pena. No art. 5º, XLVII há o rol
das penas que não se admitem no Brasil; o Estado estrangeiro deverá respeitar tal e, se
prever penas cruéis, por exemplo, estabelecer pena privativa de liberdade de até 30 anos.
XLVII - não haverá penas:
a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84,
XIX;
b) de caráter perpétuo;
c) de trabalhos forçados;
d) de banimento;
e) cruéis;
F) Retroatividade dos tratados. A assinatura do tratado de extradição pode ser posterior
ao fato que se deseja regular. Esse entendimento é porque a extradição não é matéria penal.
5. Perda da nacionalidade
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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
As hipóteses da perda de nacionalidade estão no art. 12, § 4º da CF/88 e pode
ocorrer, basicamente, em duas situações:
§ 4º - Será declarada a perda da nacionalidade do brasileiro que:
I - tiver cancelada sua naturalização, por sentença judicial, em virtude de
atividade nociva ao interesse nacional;
II - adquirir outra nacionalidade, salvo no casos:
a) de reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira;
b) de imposição de naturalização, pela norma estrangeira, ao brasileiro
residente em estado estrangeiro, como condição para permanência em seu
território ou para o exercício de direitos civis;
1. Ação de cancelamento da naturalização. A naturalização pode ser cancelada
quando:
a) O estrangeiro pratica ato nocivo contra o Estado brasileiro. Cuidado,
pois essa hipótese só vale para brasileiros naturalizados. Se a naturalização
for perdida ele só pode recuperá-la via ação rescisória, não podendo,
futuramente, tentar novamente, se naturalizar.
b) Naturalização voluntária. É quando o brasileiro voluntariamente adquire
outra nacionalidade. Quando o brasileiro adquire, porque assim deseja, outra
nacionalidade, perde a brasileira, inclusive se for nato. Todavia, há exceções
no texto constitucional:
b.1. Para brasileiros natos. No caso de reconhecimento de nacionalidade
originária pela lei estrangeira, o Exemplo: a Itália admite dupla
nacionalidade caso haja pais ou avós italianos. O brasileiro nato que
queira ter a dupla nacionalidade com a Itália ele não perde a
nacionalidade brasileira; agora, se for brasileiro naturalizado e quiser se
naturalizar italiano, nesse caso perde.
b.2. Nacionalidade involuntária. Caso o brasileiro nato ou naturalizado
queira permanecer em território estrangeiro para fixar residência ou
exercer profissão e a lei estrangeira imponha naturalização como
condição de permanência ou para exercício de direitos civis, o brasileiro
não perderá a nacionalidade brasileira.
Obs.: vamos supor que o brasileiro nato quer optar por ser nacional de outro país e
consegue. Ele deixa de ser brasileiro e passa a ser estrangeiro. Após um período ele muda
de ideia e quer ser brasileiro de novo. O que ele pode fazer? Vimos que se fosse brasileiro
191
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
naturalizado não poderia solicitar a nacionalidade brasileira. Mas o nato pode. E se ele
quiser retomá-la novamente ele adquirirá a condição de brasileiro nato ou naturalizado? O
STF não tem decisão sobre o assunto e na doutrina há divergências. O professor José
Afonso da Silva entende que o brasileiro nato retornaria na mesma condição; outros
autores como Valério Mazuolli e Alexandre de Morais defendem que o brasileiro nato
somente poderá voltar como naturalizado o argumento é que para aquisição da
nacionalidade originária brasileira depende-se de um ato natural; se a pessoa tem vontade
de se tornar nacional brasileiro é caso de nacionalidade adquirida, e portanto, de um
naturalizado.
Aula 17 – 01/07/2011
DIREITOS POLÍTICOS
192
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
1. Classificação
Os direitos políticos costumam a ser classificados em dois grupos:
1. Direitos políticos positivos: são aqueles que permitem a participação do
indivíduo na vida política do Estado, seja votando, sendo votado, participando
de referendo, etc. Esses direitos se subdividem em três espécies:
a) Direito de sufrágio: é a essência do direito político em si, sendo através dele
que o cidadão participa da vida política do Estado. O sufrágio costuma ser
classificado em duas espécies:
Sufrágio universal: possibilita a participação de todos os indivíduos sem
estabelecer determinadas condições. A CF/88 no art. 60, § 4º fala que voto
é um direito universal; todavia é terminologicamente errado, devendo ter
falado em direito de sufrágio, de participar do processo eleitoral; e tal é
uma cláusula pétrea.
Sufrágio restrito: exige determinadas condições relacionadas aos
indivíduos, não sendo meros requisitos formais como a idade, e sim
condições discriminatórias que podem ser de três espécies:
o Sufrágio restritivo censitário: exige do indivíduo uma determinada
condição econômica para que ele participe, v. g., determinadas rendas
ou bens. Nas duas primeiras Constituições brasileiras foi adotado esse
tipo de sufrágio;
o Sufrágio restritivo capacitário: exige uma capacidade especial,
geralmente de natureza intelectual. Exemplo: determinados sistemas
somente permitiam a participação de pessoas com curso superior.
o Sufrágio restrito em razão do sexo: adotado pelo Brasil até a década de
1930; a mulher só passou a ter direito de voto com a reforma política de
1932. Antes da CF/1934 não havia tal permissão.
b) Alistabilidade: é uma capacidade eleitoral ativa, ou seja, é o direito de votar,
de participar. Quando se fala em alistabilidade estamos englobando o direito
de participar das eleições. Aqui tem uma questão importante que são as
193
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
características que o voto tem no direito brasileiro de acordo com a CF/88
Vamos examiná-las:
Voto direto: escolhemos diretamente os nossos representantes (tal é
cláusual pétrea): vereadores, prefeitos, deputados, etc. No entanto, temos
uma exceção prevista no art. 81, § 1º da CF que permite a eleição indireta:
Art. 81. Vagando os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República,
far-se-á eleição noventa dias depois de aberta a última vaga.
§ 1º - Ocorrendo a vacância nos últimos dois anos do período
presidencial, a eleição para ambos os cargos será feita trinta dias depois da
última vaga, pelo Congresso Nacional, na forma da lei.
o A vacância é de ambos os cargos ao mesmo tempo!
o Essa norma, para o Supremo, não é de observância obrigatória pelos
Estados-membros, podendo a Constituição estadual prever de modo
diverso.
Voto igual para todos: o voto de todas as pessoas tem o mesmo peso,
valor. A jurisprudência norte-americana utiliza-se da famosa expressão,
one person, one vote desde 1964. Essa previsão, no Brasil, está no caput
do art. 14:
Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo
voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei,
mediante
Voto periódico: a periodicidade do voto decorre da periodicidade das
eleições, sendo tal uma característica da República e estabelecido na nossa
Constituição como cláusula pétrea.
Voto livre. Para assegurar a liberdade do voto, um dos mecanismos que a
CF/88 consagra é o escrutínio secreto. Quem é secreto não é o voto, e sim
o escrutínio – a maneira que você exerce o voto. A CF comete dois
equívocos: quando fala em voto universal, é sufrágio secreto, e, quando
fala em voto secreto, é escrutínio. O escrutínio é o modo como o direito de
voto é exercido.
Voto personalíssimo. O direito de votar é intransferível, inegociável,
somente o próprio indivíduo pode exercê-lo.
Quem são os inalistáveis? Quem não pode ser eleitor? A CF/88 afirma que
são inalistáveis os estrangeiros e os conscritos. Aqui temos duas questões
importantes:
194
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
o Por que os estrangeiros são inalistáveis? Só pode exercer direitos
políticos aquele que tem a nacionalidade brasileiro, natural ou
naturalizada. O estrangeiro não tem esse pré-requisito para exercer
direitos políticos; todavia, existe uma exceção: os portugueses
equiparados (quase-nacionalidade do art. 12, § 1º já estudada).
Havendo reciprocidade por parte de Portugal no mesmo sentido para os
brasileiros com residência permanente naquele país, os portugueses
equiparados poderão votar.
o No que tange aos conscritos, a lei que regulamenta sua situação é a Lei
5.292/67. De acordo com esse diploma, o conceito de conscrito abrange
médicos, dentistas, farmacêuticos e veterinários durante o período do
serviço militar obrigatório. E qual o motivo dessa vedação ao
alistamento? O principal motivo é a hierarquia militar que é muito forte
e pode forçar aos conscritos a votar em alguém.
A CF/88 estabelece que tanto o alistamento eleitoral, quanto o voto, são
obrigatórios para alguns e facultativos para outros. De acordo com a
CF/88 o alistamento e o voto são obrigatórios para os que tem entre 18
(dezoito) e 70 (setenta) anos; é facultativo para os que tem entre 16
(dezesseis) e 18 (dezoito), para os que tem mais de 70 (setenta) anos e
para os analfabetos. Vejamos a redação do § 1º do art. 14:
§ 1º - O alistamento eleitoral e o voto são:
I - obrigatórios para os maiores de dezoito anos;
II - facultativos para:
a) os analfabetos;
b) os maiores de setenta anos;
c) os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos.
o Essas pessoas, mesmo que estejam alistadas, não podem ser obrigadas a
votar. Vejamos também o § 2º do art. 14 que fala nos inalistáveis:
§ 2º - Não podem alistar-se como eleitores os estrangeiros e, durante o
período do serviço militar obrigatório, os conscritos.
c) Elegibilidade: é a capacidade eleitoral passiva, o direito de ser votados. No
Brasil, somente a partir dos 35 (trinta e cinco) anos se atinge a plena cidadania,
ou seja, o direito de ser votado para qualquer cargo, inclusive de Presidente da
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República e Senador; 30 (trinta) anos para Governador; 20 (vinte) anos para
prefeitos, deputado e juiz de paz; por fim, 18 (dezoito) anos para vereador.
Em que momento se exige a idade mínima e as demais condições de
elegibilidade? No momento da inscrição da candidatura ou apenas na posse?
As condições de elegibilidade e as hipóteses de inelegibilidades são
verificadas no registro da candidatura. Com relação à idade mínima a
situação é diversa: apesar dela ser condição de elegibilidade, deve ser
analisada no momento da posse, com fulcro na Lei 9.504/97, art. 11, § 2º.
§ 2º A idade mínima constitucionalmente estabelecida como condição de
elegibilidade é verificada tendo por referência a data da posse.
O art. 14, § 3º da CF/88 elenca as condições de elegibilidade. Existe no
STF várias ações questionando o “na forma da lei”, se seria lei ordinária
ou constitucional. Essa dúvida existia em face do § 9º do mesmo artigo. O
STF firmou entendimento de que as condições de elegibilidade a serem
regulamentadas por lei ordinária não se confundem com as hipóteses de
inelegibilidades a serem estabelecidas por lei complementar
§ 3º - São condições de elegibilidade, na forma da lei:
I - a nacionalidade brasileira;
II - o pleno exercício dos direitos políticos;
III - o alistamento eleitoral para ser elegível, tem que ser alistável;
IV - o domicílio eleitoral na circunscrição;
V - a filiação partidária;
VI - a idade mínima de:
a) trinta e cinco anos para Presidente e Vice-Presidente da República e
Senador;
b) trinta anos para Governador e Vice-Governador de Estado e do Distrito
Federal;
c) vinte e um anos para Deputado Federal, Deputado Estadual ou Distrital,
Prefeito, Vice-Prefeito e juiz de paz;
d) dezoito anos para Vereador.
§ 9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os
prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a
moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do
candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência
do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego
na administração direta ou indireta.
o Elegibilidade não se confunde com hipóteses de inelegibilidade: os
primeiros são direitos políticos positivos, os segundos, negativo
2. Direitos políticos negativos: são aqueles que estabelecem privações ou
restrições ao exercício dos direitos políticos. São espécies de direitos políticos
negativos:
196
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a) Inelegibilidade:
Inelegibilidade absoluta: estão previstas no art. 14, § 4º da CF/88 e tem
duas características:
o Só pode ser estabelecida pela própria CF/88. Lei infraconstitucional
não pode criar novas hipóteses, apenas a Lei Maior;
o Não admite desincompatibilização, por estar relacionada a uma
condição pessoal.
§ 4º - São inelegíveis ABSOLUTAMENTE os inalistáveis e os
analfabetos este último não pode ser votado, apenas votar.
Inelegibilidade relativa: podem ser estabelecidas por lei complementar e,
alguns casos admitem desincompatibilização. Quem rege o assunto é a LC
64/1990, alterada recentemente pela lei da ficha limpa.
Vale lembrar que existem inelegibilidades com relação a ocupantes de
cargos:
o Militares (art. 14, § 8º da CF);
o Membros da magistratura (art. 95, parágrafo único, inciso III);
o Membros do Ministério Público (art. 128, § 5º, II, “e”).
Existem inelegibilidades constitucionais de cargos eletivos relacionadas a
chefe de cargos do Poder Executivo com duas regras:
o Para o mesmo cargo (art. 14, § 5º);
§ 5º O Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito
Federal, os Prefeitos e quem os houver sucedido, ou substituído no curso
dos mandatos poderão ser reeleitos para um único período subsequente.
+ Tem se discutido quanto a questão dos vices, se eles poderiam ter
um terceiro mandato consecutivo. Veja que o § 5º fala em quem
houver sucedido ou substituído o chefe do Executivo, o que torna
impossível a tentativa de segunda reeleição consecutiva. É a lógica
do artigo. O STF, todavia, no RE 366.488/SP firmou o entendimento
que a simples substituição não deve ser computada para fins de
reeleição. O Pretório fez uma interpretação restritiva do § 5º do art.
14 da CF/88 que foi escrito pelo constituinte derivado
STF, RE 366.488
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EMENTA: CONSTITUCIONAL. ELEITORAL. VICE-GOVERNADOR
ELEITO DUAS VEZES CONSECUTIVAS: EXERCÍCIO DO CARGO
DE GOVERNADOR POR SUCESSÃO DO TITULAR: REELEIÇÃO:
POSSIBILIDADE. CF, art. 14, § 5º. I. - Vice-governador eleito duas
vezes para o cargo de vice-governador. No segundo mandato de vice,
sucedeu o titular. Certo que, no seu primeiro mandato de vice, teria
substituído o governador. Possibilidade de reeleger-se ao cargo de
governador, porque o exercício da titularidade do cargo dá-se mediante
eleição ou por sucessão. Somente quando sucedeu o titular é que passou a
exercer o seu primeiro mandato como titular do cargo. II. - Inteligência do
disposto no § 5º do art. 14 da Constituição Federal. III. - RE conhecidos e
improvidos.
o Para outros cargos (art. 14, § 6º)Quando o chefe do Executivo quer
concorrer a outros cargos, que não o que ele exercia, ele tem que se
desincompatibilizar 6 (seis) meses antes da eleição.
§ 6º - Para concorrerem a outros cargos, o Presidente da República, os
Governadores de Estado e do Distrito Federal e os Prefeitos devem
renunciar aos respectivos mandatos até seis meses antes do pleito.
Inelegibilidade reflexa: disposta no § 7º do art. 14:
§ 7º - São inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os
parentes consangüíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do
Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do
Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos
seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e
candidato à reeleição.
o O STF sobre o tema tem a súmula vinculante nº 18. Essa súmula veio
no seguinte contexto: alguns chefes do Executivo estavam se
divorciando durante o mandado para burlar essa norma constitucional.
A súmula vinculante vai justamente contra essa burla.
SÚMULA VINCULANTE Nº 18. A DISSOLUÇAO DA SOCIEDADE
OU DO VÍNCULO CONJUGAL, NO CURSO DO MANDATO, NAO
AFASTA A INELEGIBILIDADE PREVISTA NO 7º DO
ARTIGO 14DA CONSTITUIÇAO FEDERAL.
b) Perdas e suspensão dos direitos políticos. A doutrina diferencia perda de
suspensão, sendo a primeira definitiva, e a segunda, temporária. E no que
tange à cassação de direitos políticos (retirada arbitrária), é possível?
Vejamos a redação do art. 15 da CF/88:
Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou
suspensão só se dará nos casos de:
I - cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado
II - incapacidade civil absoluta;
III - condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus
efeitos;
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IV - recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa,
nos termos do art. 5º, VIII;
V - improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º.
Perda privação definitiva. Hipóteses:
o Cancelamento de naturalização (inciso I)
o A maioria da doutrina entende que o inciso IV é hipótese de perda.
Suspensão privação temporária. Hipóteses:
o Incapacidade civil absoluta (inciso II)
o Condenação criminal transitada em julgado, enquanto duraram os seus
efeitos (inciso III). Até a extinção da punibilidade.
o Escusa de consciência (inciso IV) A partir do momento em que a
pessoa regulariza essa situação pode voltar a exercer os seus direitos (a
lei eleitoral fala em suspensão). A grande maioria dos autores de
Direito Constitucional entende que é hipótese de perda (José Afonso,
Kildare Carvalho, Alexandre de Moraes, etc).
o Condenação por improbidade administrativa. Na sentença deverá
constar a suspensão dos direitos políticos.
CONCEPÇÕES DE CONSTITUIÇÃO
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São formas diferentes de observar o mesmo fenômeno: a Constituição, e varia de
acordo com o tempo. Cada uma das concepções vê a Constituição sob um determinado
fundamento. As concepções mais tradicionais serão estudadas abaixo.
1. Concepção sociológica (Ferdinand Lassale)
Em 1862, Ferdinand Lassale defendeu a concepção sociológica em uma reunião
com a classe trabalhadora. Para compreender a visão de Lassale temos que fazer a
distinção entre:
1. Constituição escrita / jurídica: é o documento do Estado elaborada pelo Poder
Constituinte originário.
2. Constituição real / efetiva: é aquela formada pela soma dos fatores reais de
poder que regem uma determinada nação.
Para Lassale, a Constituição é formada não pelo que está escrito, e sim pelos
poderes reais que regem uma nação, por exemplo, os detentores do poder político (chefes
de Estado), poder econômico (banqueiros), poder religioso (sacerdotes), etc. Se a
Constituição efetiva não se identifica com a efetiva, segundo Lassale, deve prevalecer a
constituição real, posto que é uma visão sociológica. Lassale entende que se a Constituição
escrita não corresponde à realidade ela seria uma mera folha da papel.
2. Concepção política (Carl Schmitt)
Schmitt busca na política o fundamento de constituição. Ele adota o conceito
decisionista de constituição.
A concepção política é do ano de 1928 e segundo tal, o fundamento da Constituição
se encontra na decisão política fundamental que a antecede. E aí Schmitt faz a distinção
entre: constituição propriamente dita que são aquelas normas que decorrem de uma
decisão política fundamental, v. g., direitos fundamentais, estrutura do Estado, organização
dos Poderes, etc., enquanto as demais normas são apenas leis constitucionais. As outras
leis constitucionais com relação à Constituição propriamente dita, são normas formalmente
iguais, mas materialmente distintas, podendo até ter sido tratadas por lei ordinária.
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3. Concepção jurídica (Hans Kelsen)
A primeira edição da teoria pura do direito foi de 1925, sendo, Kelsen, portanto,
contemporâneo de Carl Schmitt. Para Kelsen, o guardião da Constituição deveria ser o
Tribunal Constitucional, enquanto para Schmitt o guardião seria o Reich.
Segundo Hans Kelsen, a Constituição é formada por um conjunto de normas e,
portanto, é uma lei como todas as demais, cujo fundamento se encontra no plano jurídico.
O filósofo no direito não precisa recorrer à sociologia, política ou histórica para buscar o
fundamento da Constituição, segundo Kelsen: ela é lei, tendo, portanto, fundamento no
plano jurídico. É aqui que entra a distinção entre o ser o dever-ser a lei estabelece não o
que é, e sim o que deve ser.
Kelsen faz a seguinte distinção:
1. Constituição em sentido lógico-jurídico. Kelsen questiona: onde está escrito
que eu tenho que obedecer a Constituicão? Onde está o fundamento dela? Aí
ele cria uma teoria: temos que respeitar a Constituição, pois acima dela está a
norma fundamental hipotética. Segundo Hans a norma fundamental hipotética
é justamente a Constituição em sentido lógico jurídico. E por que ela é
hipotética? Pois, é uma norma suposta, e não posta toda sociedade partiria
do pressuposto que essa norma existe para que a Constituição exista.
De acordo com Kelsen o conteúdo da norma hipotética seria: todos devem
obedecer a Constituição.
2. Constituição em sentido jurídico-positivo: é a Constituição escrita em si.
4. Concepção normativa / naturalística / culturalística (Konrad Hesse)
CF/88
Leis infraconstitucionais
Norma fundamental hipotética
201
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Konrad Hesse defendeu essa tese em 1959 no seu livro “A força normativa da
Constituição”. A tese dele tem um contexto pós 2ª guerra mundial. A Constituição deixou
de ser vista como um instrumento político, passando a ser norma efetiva.
Essa concepção foi desenvolvida para combater a tese de Ferdinand Lassale. De
acordo com Hesse, ainda que seja inegável que, muitas vezes, uma Constituição jurídica
possa sucumbir a uma realidade, deve se atribuir a essa Constituição uma força normativa
capaz de modificar esta mesma realidade; para isso é necessário que exista uma “vontade
de Constituição”, e não apenas uma “vontade de poder”. Hesse não nega o pensamento de
Lassale, mas se entendermos que o papel da Constituição escrita é apenas descrever o que
acontece na realidade, tal será indigno de qualquer ciência. A Constituição deve mudar a
realidade, e não apenas descrevê-la.
MÉTODOS DE INTERPRETAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO
202
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Por que as Constituições tem que ter método distinto de intepretação distinto das
leis? Um dos principais fatores para a necessidade de métodos específicos de interpretação
da Constituição é a estrutura aberta das suas normas, sobretudo as de direitos
fundamentais.
Ernst Bockenförde elenca cinco métodos. Vamos estudá-los.
1. Método hermenêutico clássico / jurídico ( Ernst Forsthoff)
Forsthoff afirma que a Constituição é uma lei como as demais, razão pela qual deve
ser interpretada pelos mesmos métodos tradicionais utilizados na interpretação das leis.
Vai de encontro ao pensamento predominantemente adotado por Ernst Bockenförde.
Forsthoff parte da tese da identidade entre lei e Constituição, sendo esta última
também uma lei como algumas peculiaridades, devendo ser interpretado junto com as
demais leis do ordenamento jurídico. Aqui fica a dica: é método clássico, pois se utiliza
dos elementos clássicos desenvolvidos por Savigny para a interpretação das leis:
gramatical (literal), histórico, lógico e sistemático.
Crítica: esses elementos desenvolvidos por Savigny para o direito privado são
insuficientes para dar conta das complexidades envolvendo a interpretação constitucional.
Exemplo: aborto por anencefalia, união homoafetiva, etc.
2. Método científico-espiritual / valorativo / integrativo / sociológico (Rudolf Smend)
Smend busca os valores subjacentes à Constituição, o seu espírito por trás de suas
normas. Foi o que o STF fez na união homoafetiva, interpretando os dispositivos do CC/02
à luz de princípios constitucionais.
Por ser a Constituição o principal elemento de integração comunitária, o intérprete
deve buscar soluções que favoreçam a sua unidade. Devemos interpretar as normas
constitucionais como um todo, e não isoladamente – lembra a interpretação sistemática.
O método pode ser chamado de sociológico, pois leva em consideração fatores
extraconstitucionais, como a realidade social. Canotilho fala que esse método tem uma
interpretação muito mais feição política do que propriamente jurídica.
3. Método tópico-problemático (Theodor Viëhwheg)
203
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Tópico porque é um método baseado em “topus” (plural: topoi) que significa uma
forma de raciocónio, de argumentação, esquema de pensamento. Os topoi são extraídos da
jurisprudência, doutrina ou do senso comum. Exemplo: a mulher de César não basta ser
honesta, e sim parecer honesta.
E por que se chama tópico-problemático? Pois trata-se de um método de
argumentação em torno de um problema a ser resolvido. Aquele que tiver o argumento
mais convincente irá prevalecer. Exemplo: consenso na Corte de que a liberação da marcha
da maconha é plausível, não podendo o legislador editar norma em contrário, visto que a
decisão foi unânime.
Crítica: a solução deve partir da norma para o problema, e não o inverso. As
pessoas que estão reunidas diante do problema, partem do problema para aplicar a norma,
quando deveria ser o contrário. O ministro Marco Aurélio uma vez afirmou que “quando
tenho um caso difícil, geralmente formulo entendimento mais justo, uma pré-compreensão
e, a partir dese pré-entendimento, vou para o ordenamento jurídico buscar a
fundamentação.” Veja que ele parte do problema para a norma. É perigoso, pois gera uma
verdadeira casuística.
4. Método hermenêutico concretizador (Konrad Hesse)
Esse método concretizador é o principal responsável pelo catálogo de princípios
instrumentais (unidade, força normativa, concordância prática, relatividade, etc.). Tais
princípios fazem parte do catálogo de Konrad Hesse.
O método hermenêutico concretizador parte da ideia que interpretação e aplicação
constituem um processo unitário. Só tem como se falar em interpretação se for para aplicar
a norma em um caso concreto: não é possível fazer uma interpretação abstrata, isso é, sem
a presença de um caso concreto. Só há interpretação se houver aplicação, sendo duas
coisas inseparáveis.
Para o método hermenêutico concretizador há três elementos básicos:
1. Norma a ser concretizada;
2. Problema a ser resolvido;
3. Compreensão prévia do intérprete.
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A principal diferença deste método para o anterior é que nele há uma primazia da
norma sobre o problema a ser resolvido. No método tópico-problemático se parte do
problema para a norma; no hermenêutico-concretizador da norma para o problema.
5. Método normativo-estruturante (Friedrich Müller)
O método normativo-estruturante é também um método concretista: a
concretização da norma constitucional é estruturada por Müller através de vários elementos
que são etapas na concretização. Müller estabelece uma estrutura que o intérprete irá
utilizar para que a norma constitucional seja concretizada. A norma vai sendo concretizada
a partir dos seguintes elementos:
1. Elementos metodológicos: são os elementos tradicionais de interpretação de
Savigny + princípios instrumentais do Konrad Hesse.
2. Elementos dogmáticos: doutrina e jurisprudência.
3. Elementos teóricos: fornecidos pela teoria da Constituição.
4. Elementos de política constitucional: reserva do possível.
6. Sociedade aberta dos intérpretes (Peter Härbele)
Sociedade aberta de interpretes constitucionais”: significa que a Constituição é um
documento tão importante, que toda a sociedade deve debater sobre a Constituição (Peter
Haberle). No processo de interpretação constitucional estão potencialmente vinculados
todos os órgãos estatais, todas as potências públicas, todos os cidadãos e grupos, não sendo
possível estabelecer-se um elenco cerrado ou fixado com numerus clausus de intérpretes
da Constituição.”
Isso não significa, é certo, que qualquer pessoa possa deixar de cumprir
determinada regra por interpretá-la como contrária à Constituição. Nem Häberle chega a
insinuar isso, sua tese reconhece a autoridade da jurisdição constitucional para declarar, em
última instância, o sentido das regras e princípios inscritos na Constituição, mas inova ao
indicar que esse processo (de compreensão e realização dessas regras e princípios) não se
dá exclusivamente no interior dos Tribunais e que, em certa medida, pode até afetar a
decisão dos juízes.
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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
EVOLUÇÃO HISTÓRICA CONSTITUCIONAL BRASILEIRA
Vamos nesse tópico fazer um estudo da história das Constituições brasileiras e seus
contextos, tomando como base o livro de Paulo Bonavides e Paes de Andrade: “As
constituições brasileiras”.
A Constituição dos EUA é de 1787. Por volta de 1864 (início da guerra da
secessão), a Suprema Corte afirmou que a escravidão era constitucional. Em 1950 a
suprema corte entendeu que as leis estaduais que proibiam casamentos inter-raciais eram
constitucionais. Em 1960 – alguns estados não permitiam que negros votassem.
1. Constituição de 1824
1.1 Contexto histórico
Em 1777, assume o Trono de Portugal D. Maria e afasta o Marquês de Pombal. Ao
assumir o Trono, D. Maria marca uma política chamada de “Política da Viradeira”. Até
1777, Portugal não travava relações comerciais com a Inglaterra. A partir deste ano
Portugal passa a ter uma dependência econômico-comercial com a Inglaterra (maior
potência da época). Em 1785, D. Maria edita um alvará que proíbe a construção de
manufaturas (indústrias) no Brasil, ou seja, proíbe a industrialização do Brasil, para que o
Brasil continue a ser dependente de Portugal, por consequência à Inglaterra.
Em 1789 se dá a Revolução Francesa D. Maria proíbe que as ideias da Revolução
Francesa fosse divulgados em Portugal e no Brasil. Isso não deu certo, pois os
Inconfidentes de MG mantinham cartas com os revolucionários franceses.
Em 1804, Napoleão editou o Código Civil napoleônico. Neste Código Civil
lei=direito e contrato=lei entre as partes. Em 1806, Napoleão editou o bloqueio
continental. Proibição francesa às nações europeias de comercializar com a Inglaterra; só
que desde 1777, Portugal tinha dependência comercial da Inglaterra.
Em novembro de 1807, a família real portuguesa sai de Portugal e chega no Brasil
em 1808, e com ela mais ou menos 15.000 portugueses. Algumas consequências da
chegada da família real ao Brasil (1808)
Abertura dos portos para as nações amigas (Inglaterra)
206
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
Revogação do alvará de D. Maria de 1785, permitindo a construção de
manufaturas no Brasil (início da industrialização no Brasil).
Criação do Banco do Brasil, incentivado pelo Visconde de Cairú (José da Silva
Lisboa).
Europeização do Brasil (passamos a seguir a cultura europeia).
Regra da extraterritorialidade (por influência da Inglaterra): todo cidadão inglês
no Brasil só poderia ser julgado por juízes ingleses com base nos costumes
ingleses: era uma verdadeira imunidade de jurisdição dos ingleses no Brasil.
Todos os produtos que entrassem no Brasil pagavam uma taxa para entrar. Os
produtos ingleses pagavam taxas mais baixas até do que os produtos
portugueses que eram importados.
Entre 1814-1815 inicia-se na Europa o Congresso de Viena: foi a convenção dos
monarcas europeus que haviam sido afastados por Napoleão, e que redesenhou a Europa.
Foi criada a Santa Aliança (força militar para lutar contra os ideais da Revolução
Francesa). Ficou proibida a participação de D. João VI no Congresso de Viena, pois ele
não estava no Trono em Portugal, mas sim numa colônia d’além mar (Brasil). Para que D.
João VI participasse do Congresso de Viena, D. João VI elevou o Brasil à categoria de
Reino Unido a Portugal e Algarves. Neste momento deixou o Brasil de ser uma colônia de
Portugal. Logo, os representantes de D. João VI participaram no Congresso de Viena.
Em 1820, ocorreu em Portugal a Revolução do Porto (Portugal) que tinha como
líderes grandes aristocratas (comerciantes) portugueses e tinha os seguintes objetivos:
A volta de D. João VI para Portugal.
Recolonização do Brasil.
Dar a Portugal uma nova Constituição. Até que existisse esta nova constituição,
vigeria a Constituição espanhola de Cádiz.
Atendendo às solicitações dos revolucionários do Porto, D. João VI volta para
Portugal. Qualquer decisão que implicasse imposição de poder, haveria que sair de
Portugal. D. João VI ordenou que D. Pedro voltasse; D. Pedro disse que ficaria (Dia do
Fico). Assim, em 7 de setembro de 1822 se deu a independência do Brasil com a
convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte, sendo que no seio desta assembléia
formam-se dois grupos: o partido português (com os portugueses) e o partido brasileiro
(com os brasileiros). Os brasileiros queriam “dar um chapéu” nos portugueses e
207
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
apresentaram um projeto chamado de “Constituição da Mandioca”. Pelo projeto só poderia
votar e ser votado quem tivesse uma determinada extensão de terras que pudesse produzir
uma quantidade “X” de mandioca. A mandioca era a principal fonte de alimento para os
escravos, logo, muito valorizada na época. Os portugueses não eram proprietários rurais e
sim, comerciantes, logo, se esta Constituição fosse aprovada, os portugueses não poderiam
votar. O partido português, que apoiava D. Pedro I, fez com que D. Pedro I dissolvesse a
Assembléia Nacional Constituinte, na “Noite das Agonias”. Nesta noite, vários brasileiros
foram presos, mortos ou degredados para a África (1823). Em 25 de março de 1824 – D.
Pedro I nomeou um conselho de portugueses para criar a Constituição de 1824.
1.2 Características da Constituição de 1824
1. A Constituição foi outorgada, não popular, não democrática.
2. Teve como fonte inspiradora a Constituição Francesa e o Constitucionalismo
Inglês.
3. Pregava a supremacia do Parlamento. Em razão disso, não tratou de controle de
constitucionalidade.
4. Única Constituição do mundo que adotou a Teoria do Poder Moderador ou
Quarto Poder, de Benjamin Constant (Francês), não adotando a Tripartição dos
Poderes.
Poder Executivo e Moderador – Imperador
Poder Legislativo – Bicameral
o Senadores vitalícios escolhidos pelo imperador.
o Elementos da Câmara eram eleitos.
Poder Judiciário: era escolhido pelo Imperador.
5. Sufrágio restritivo censitário: Só exercia direitos políticos quem tivesse um
determinado patrimônio, logo, os portugueses começaram a dominar.
6. Criou um Estado Confessional. O Brasil tinha uma religião oficial, a Católica
Apostólica Romana. Surge o “Padroado”: o padre recebia pecúnia do Império.
Vale salientar que existia a liberdade de crença, mas não existia a liberdade de
culto. Se quisesse professar uma religião diferente da católica, só poderia
professá-la dentro de casa, pois em público era crime professar religião
diferente da católica.
208
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
7. Eram uma Constituição semi-rígida ou semi-flexível que diferenciava normas
materialmente constitucionais e formalmente constitucionais: normas
materialmente constitucionais eram modificadas com um processo mais
dificultoso; já as normas formalmente constitucionais tinham um processo de
modificação menos solene
8. Criou um Estado Unitário: as províncias não tinham capacidade política, ou
seja, não tinham legislativo próprio.
9. A forma de Governo era uma monarquia Perpétua Hereditária, com
irresponsabilidade do Monarca (“o Rei não erra”).
10. Tinha um rol de Direitos Fundamentais de 1ª Geração: falava de liberdade,
igualdade, mas havia escravos no Brasil. Na verdade os escravos não eram
considerados sujeitos de direito, mas sim objeto de direito, por isso é que eram
diferenciados dos demais.
2. Constituição de 1891
2.1 Contexto histórico
Em 1831 D. Pedro I estava desgastado, pois seus seguranças mataram diversos
brasileiros, na “noite das garrafadas”. Enquanto isso, D. João VI morreu em Portugal, e
portanto, os portugueses exigiram que D. Pedro I voltasse, evitando que D. Miguel (irmão
de D. João VI) entrasse no poder. D. Pedro I deixa no Brasil seu filho D. Pedro II (de 5
anos de idade), sob a tutela de José Bonifácio. Por isso que entre 1831-1840 entramos no
período das Regências (Trina Provisória, Trina Permanente e Una, etc).
No ano de 1834 A Constituição foi emendada via “Ato Adicional”, inspirado pelas
pregações federalistas, deu às províncias o Poder Legislativo (Assembleias Provinciais),
havendo assim uma descentralização política e fim do Poder Moderador. Todavia, em
1840 a partir de uma “Interpretação ao Ato Adicional” acabou o Legislativo nas Províncias
(terminaram as Assembleias Provinciais) e voltamos ao Poder Moderador. Tudo isso para
favorecer a antecipação da maioridade de D. Pedro II.
Em 1848 adota-se no Brasil o “Parlamentarismo à brasileira” ou “Parlamentarismo
às avessas”: na Inglaterra, o Rei é Chefe de Estado, mas não governa; no Brasil, o Rei é
Chefe de Estado, mas governa, ou seja, reina e governa.
209
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
Em 1868 termina a Guerra do Paraguai (retomada de Corumbá). Ao final de uma
guerra, fortalecem-se as Forças Armadas, ou seja, as Forças Armadas surgem como uma
instituição. Vale citar ainda que em 13 de maio de 1888 se dá a libertação dos escravos.
Em 15 de novembro de 1889, face à idade avançada do Imperador, sem deixar filho
do sexo masculino (sua filha era casada com um francês chamado Conde D’eu), a perda do
apoio da elite rural, o término da escravatura e o aumento do poder das Forças Armadas
com instituição o Brasil é proclamado República. Com isso há a edição do Decreto 01 do
Governo Provisório, editado por Ruy Barbosa, com o consequente término da monarquia e
revogação da Constituição de 1824. Cria-se, então, a bandeira nacional. O lema “ordem e
progresso” era de inspiração positivista (Augusto Comte), significando, disciplina. Em
1891, convoca-se uma Assembleia Nacional Constituinte, que tem por resultado a
Constituição de 1891.
2.2 Características da Constituição de 1891
1. Constituição promulgada, pois resultou de uma Assembléia Nacional.
2. Tem como fonte inspiradora a Constituição Norte-Americana de 1787. Nesta
época, o Brasil estava muito voltado para os EUA, em face da Doutrina
Monroe (“A América para os americanos”).
3. Ruy Barbosa praticamente redigiu sozinho esta Constituição, inspirado pela
Constituição Norte-Americana, sem levar em conta as características próprias
do Brasil.
4. Adoção da Forma Federativa de Estado, com as províncias sendo transformadas
em Estados, com capacidade legislativa. Interessante salientar que os Estados
tinham competência para legislar sobre processo. Ex: Código de Processo Civil
de SP, MA.
Os EUA surgiram de 13 Estados que se juntaram (Federação por Agregação
ou Centrípeta), já o Brasil surgiu de um Estado Unitário que (Federação por
Desagregação ou Centrífuga).
5. Ruy Barbosa foi muito ajudado por Amaro Cavalcante (advogado
pernambucano que morava nos EUA)
6. Forma de Governo Republicana
7. Sistema ou Regime de Governo Presidencialista
210
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
8. Constitucionalização do Habeas Corpus (que havia surgido em 1832, com o
Código de Processo Penal do Império)
9. Instituição do sistema difuso de Controle de Constitucionalidade
10. O Ministério Público estava dentro do Poder Judiciário.
11. Separação do Estado da Igreja: o Brasil passou a ser um Estado laico.
12. Sufrágio Universal com algumas restrições. Não votavam: a mulher, o
mendigo (antigos escravos) e analfabetos.
13. Grande Naturalização: incorporação dos estrangeiros à nossa economia. Os
estrangeiros tinham que comparecer em 6 meses a uma repartição brasileira e
confirmar a opção de continuar com sua nacionalidade, sob pena de tornarem-
se brasileiros naturalizados.
14. Adoção da Tripartição de Poderes, no chamado “Presidencialismo Imperial”.
15. Possibilidade de criação de Senados Estaduais, logo, em regra, o Legislativo
dos Estados era bicameral.
3. Constituição de 1934
3.1 Contexto histórico
Entre 1819-1930 é o período da “República Velha”. que é dividida em dois
períodos:
República das Espadas com Presidentes das Forças Armadas
República dos Governadores como Presidentes eram ex-governadores
Em 1926 acontece a Reforma às Constituição de 1891:
Acabou com a Doutrina ou Escola Nacional do Habeas Corpus.
De 1891 a 1926 entendia-se que o Habeas Corpus era um instrumento utilizável
na defesa de todos os direitos líquidos e certos (Doutrina defendida por Ruy
Barbosa e acolhida pelo STF, por volta de 1909).
Pedro Lessa entendia que o Habeas Corpus só poderia ser utilizado para a defesa
do direito líquido e certo da liberdade de locomoção (doutrina que prevaleceu
pós-1926).
Acabou a capacidade dos Estados legislarem sobre processo.
211
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
Em 1929 Washington Luís era o Presidente da República e vigorava a política do
“Café com Leite” (Café – SP, Leite – MG). Neste ano, os produtores de Café contraíram
empréstimos para a produção de café, e o Brasil quem arcaria com o prejuízo. Com medo
do representante mineiro não bancar os custos dos empréstimos, Washington quebrou a
política do Café com Leite e apoiou Júlio Prestes (governador de São Paulo. Com isso, os
governadores Getúlio Vargas e Antônio Carlos (RS e MG, respectivamente) lançam uma
chapa para concorrer com Júlio Prestes. João Pessoa apoiou Getúlio (seria o Vice de
Getúlio), negou apoio a Júlio Prestes (por isso que a bandeira da Paraíba tem a palavra
“nego”). Nesta eleição os votos eram contados pelos próprios partidos políticos, e a eleição
teve muitas fraudes e Getúlio perdeu a eleição.
Na Paraíba, João Pessoa manda fazer uma busca e apreensão na casa de um famoso
advogado que apoiou Júlio Prestes. Achou um cofre com cartas de amor de uma mulher
para este advogado, e João Pessoa mandou publicar estas cartas na Paraíba. João Pessoa
foi para Recife e foi assassinado por Dantas em face de uma questão passional. Vargas,
aproveitando-se deste fato e tornando-o político, cria uma revolução, e impede o início do
governo de Júlio Prestes. Assim, inicia-se a República Nova. Getúlio Vargas, através de
um Decreto-Lei, revoga a Constituição de 1891, cria a Justiça Eleitoral, afasta os
Governadores e nomeia interventores. Exemplo: em SP, Vargas colocou como interventor
um Sargento.
Em 23 de maio de 1932 os paulistas começam a pedir a Getúlio Vargas uma nova
Constituição. Quatro estudantes morrem numa manifestação para a nova constituição. No
dia 09 de julho os paulistas pegam em armas e inicia-se a Revolução Constitucionalista.
No Vale do Paraíba, tentando os paulistas irem ao RJ, os paulistas são massacrados. Vale
lembrar que a classe operária paulista não apoiou o movimento revolucionário.
3.2 Características da Constituição de 1934
1. Constituição promulgada, ou seja, decorreu de uma Assembléia Nacional
Constituinte.
2. Teve como fonte inspiradora a Constituição Alemã de 1919, ou seja, a
Constituição de Weimar.
3. Marca a passagem de um constitucionalismo jurídico-político, para um
constitucionalismo econômico-social.
212
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
4. Em 1789, com a Revolução Francesa, surge o Estado Liberal. Este Estado foi
uma reação ao Absolutismo e tinha como núcleo político-jurídico o Estado de
Direito que tinha dois objetivos: divisão orgânica (Montesquieu) e direitos e
garantias fundamentais com Direitos de 1ª Geração ou Dimensão. Possuía
ainda um núcleo econômico no Liberalismo Econômico de Adam Smith (“a
mão invisível do mercado”). Neste momento histórico, as Constituições eram
só jurídico-políticas, pois havia um Estado só garantidor.
No século XX, surge o Estado Social Este Estado Social inicia-se com Marx
(1848), mas só se concretiza nas constituições abaixo. Exemplo: Constituição
Mexicana de 1917 e Constituição Alemã de 1919. No Estado Social, as
Constituições não são somente jurídico-políticas, mas também econômico-
sociais, pois tratam dos direitos sociais (ex: saúde, educação, trabalho,
previdência). A constituição brasileira de 1934 era também econômico-
sociais, por tratar dos direitos sociais (atual art. 6º da CRFB/88), como o voto
da mulher que se deu em 1932 com o Código Eleitoral e foi
constitucionalizado com a CF/1934, voto secreto, criação da Justiça Eleitoral,
liberdade de imprensa, liberdade religiosa e o advento de leis trabalhistas.
5. Todas as decisões do governo provisório (desde 1930) foram incorporadas à
Constituição.
6. Manteve o sistema difuso de controle de constitucionalidade, mas com três
inovações:
Criação da Ação Direta de Inconstitucionalidade Interventiva
Reserva de maioria absoluta ou full bench (atual art. 97 da CRFB/88)
O Senado passa a ter o poder de suspender a execução da lei reconhecida
inconstitucional pelo STF (atual art. 52 da CRFB/88).
7. Ministério Público dentro do Poder Executivo, com atividade de cooperação
governamental.
8. Constitucionalização do Mandado de Segurança e da Ação Popular.
9. Eleição direta para todos os Presidentes, menos para o primeiro, que era
Getúlio Vargas.
213
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4. Constituição de 1937
4.1 Contexto histórico
Em 1934-1937: neste período o Brasil era dividido entre duas grandes forças
políticas:
Ação Integralista Brasileira (AIB): era um grupo de extrema direita (fascista),
chefiado por Plínio Salgado.
o Lema: “Deus, pátria e família”.
o Apoiavam Getúlio Vargas.
o Chamados de “camisas verdes” (a oposição os chamava de “galinhas
verdes”).
Aliança Nacional Libertadora: era um grupo de esquerda que atraía operários,
trabalhadores, sindicalistas e alguns tenentes do exército (daí o nome
“Tenentismo”). Estava constituído em 1600 municípios, tendo mais de 400.000
filiados no Brasil.
o Getúlio Vargas criou a Lei de Segurança Nacional, para prender os que
formavam os focos de esquerda (“os comunistas comem crianças”).
Em novembro de 1935 houve a Intentona Comunista que foi um movimento que
não deu certo. Era para ser no Brasil todo, mas só ocorreu no RN. Getúlio Vargas prendeu
todos os ativistas, inclusive Luis Carlos Prestes. Getulio Vargas promovem uma fraude
chamada “Plano Cohen” (atentados), jogando a culpa nos comunistas, que quereriam tomar
o Brasil, logo, em 1937, Getúlio faz um “contra-golpe”.
Em 1937 acaba a República Nova e inicia-se o Estado Novo O Estado Novo é uma
ditadura fascista, que se constituía num hiato autoritário, ou seja, um período sem respeito
à Constituição. (hiato autoritário é diferente de hiato constitucional), com liberdades
tolhidas. Hiato constitucional é o deslocamento da Constituição com os fatores de reais de
poder, ou seja, a Constituição não espelha a vontade dos grupos da sociedade.
4.2 Características da Constituição de 1937
1. Constituição outorgada por Getúlio Vargas. Quem redigiu a Constituição de
1937 foi Francisco Campos (apelido “Chico Ciência”).
214
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
2. Fonte inspiradora: Constituição polonesa de 1935, por isso que esta
Constituição brasileira é apelidada de “a polaca”.
3. Centraliza o poder no Chefe do Executivo da União.
4. Eleição indireta para Presidente (que nunca houve).
5. Getúlio Vargas afasta os governadores, nomeia interventores para os Estados,
fecha as Assembléias Legislativas e o Congresso Nacional. Getúlio Vargas
passa a legislar através de Decreto-Lei. Ex: Parte Especial do Código Penal é
um Decreto-Lei de 1940 e o CPP é um DL de 1941.
6. Getúlio Vargas tinha a última palavra em Controle de Constitucioinalidade. Se
o STF entendesse que uma lei era inconstitucional, Getúlio Vargas poderia
dizer o que o STF estava errado e dizer (mantendo) que a lei era constitucional.
Tinha-se formalmente três poderes, mas, materialmente, apenas havia o Poder
Executivo. Tinha-se formalmente uma federação, mas, materialmente, um
Estado Unitário, pois os estados membros eram comandados por interventores
e as Assembléias Legislativas estavam fechadas. Por isso que havia uma
ditadura.
7. Havia a pena de morte.
8. Proibição de partidos políticos. Por isso que os Integralistas tornaram-se
inimigos de Getúlio e queriam matá-lo. Atentado integralista de 1938, com
muitos integralistas mortos ou presos (Plínio Salgado foi exilado para
Portugal).
9. Criação do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). O marketing
político começa aqui. Estabelecimento da censura e criação da Voz do Brasil
(propaganda de seu governo).
10. Desconstitucionalização do Ministério Público
11. Desconstitucionalização do Mandado de Segurança e da Ação Popular.
12. A Constituição previa sua aprovação por uma consulta popular.
Esta consulta popular nunca existiu, logo, a Constituição não tinha qualquer
validade.
Se esta consulta popular ocorresse, a Constituição seria Cesarista.
Obs.: neste período, economicamente, substitui-se o café pela indústria.
215
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
5. Constituição de 1946
5.1 Contexto histórico
Hitler estava no poder na Alemanha desde 1933. Em 1939 inicia-se a Segunda
Guerra Mundial. O Brasil fica neutro de 1939 até 1943, porque existiam dois grupos:
Aliados (Estados democráticos)
Eixo (Alemanha, Itália, Japão)
A política de Vargas nesta época ora pendia para os aliados, ora para o eixo.
Todos tinham interesse no Brasil:
o Por sua importância geo-política (extensão territorial e interesse na base da
Barreira do Inferno – RN pelos aliados).
o Por causa da produção de borracha
o O Brasil era o único que possuía um mineral que era usado nos binóculos da
segunda guerra.
Alguns navios Brasileiros foram afundados por submarinos alemães (alguns dizem
que eram os americanos). onde mais de 1000 brasileiros morreram. Em razão dessas
mortes, Getúlio Vargas aceita apoiar os aliados. O Presidente dos EUA vem ao Brasil e
financia a construção da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). Walt Disney vem ao
Brasil e cria o Zé Carioca. O Brasil, então, cria a Força Expedicionária Brasileira (FEB).
Depois da volta dos pracinhas começa o burburinho para a saída de Vargas (manifesto
mineiro, passeata em SP pedindo eleições).
Getúlio Vargas lançou o movimento chamado de “Querelismo”, para que a
população o apoiasse e ele se mantivesse no poder. Em 1945, as Forças Armadas, que
vieram fortalecidas da 2ª Guerra, dão um “Golpe Preventivo” para garantir as eleições de
1945. Getúlio concorreu e se elegeu Senador por SP e RS. Havia 2 candidatos a Presidente
da República: Eurico Gaspar Dutra (marechal, apoiado por Vargas) e Brigadeiro Eduardo
Gomes Dutra ganha as eleições. Junto com as eleições foi convocada uma Assembléia
Nacional Constituinte.
Obs.: foi criado um bolinho para incentivar a eleição do Brigadeiro Eduardo Gomes pelas
mulheres dos militares que foi chamado de “brigadeiro”.
216
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
5.2 Características da Constituição de 1946
1. Constituição promulgada. Foi a Constituição mais democrática que já existiu no
Brasil, com a participação de várias correntes ideológicas no processo (vários
partidos políticos).
2. Fonte inspiradora: Constituição de 1934 (volta ao Constitucionalismo
econômico-social de 1934). Teve como fonte a Constituição de Weimar e o
Constitucionalismo Pós-Segunda Guerra Mundial.
3. Constituição Municipalista: deu competência legislativa e administrativa aos
municípios. A União e o Estado são realidades jurídicas, mas o Município é
concreto.
4. Prevê formal e materialmente a existência de três poderes (EXE, LEG e JUD).
Na Constituição de 1937 havia formalmente 3 poderes, mas materialmente
apenas um poder.
5. A atribuição de legislar via Decretos-Lei foi retirada do Presidente. Em 1937
existia o Decreto-Lei e em 1946 a atribuição de criar Decretos-Lei foi retirada
do Presidente.
6. Retira a atribuição do Presidente no que tange ao controle de
constitucionalidade. Em 1937, a última palavra sobre controle de
constitucionalidade era do Presidente. Em 1946 só existia o sistema difuso de
controle de constitucionalidade.
7. Ministério Público independente. O MP não estava no EXE, LEG ou JUD.
8. Reconstitucionalização do Mandado de Segurança e da Ação Popular. Haviam
sido retiradas da Constituição em 1937. As suas recolocações demonstram a
redemocratização do Estado brasileiro.
9. Marco: redemocratização do Estado e volta às condições de 1934.
6. Constituição de 1967
6.1 Contexto histórico
O Presidente da República em 1946 era Eurico Gaspar Dutra.
217
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
Seu governo foi marcado pelo “Empreguismo”, ou seja, a abertura da economia
nacional às empresas multinacionais e ao capital internacional. Fora, ainda, cinco temas
básicos do governo Dutra: saúde, alimentação, transporte, energia e abertura do capital
internacional para as empresas internacionais. Todavia, a grande crítica do governo Dutra
foi a desvalorização da indústria nacional.
No final do governo Dutra, houve eleições diretas e Getúlio Vargas foi eleito
Presidente e fez um governo nacionalista, populista, contrário ao Empreguismo de Dutra.
Criou a campanha “o petróleo é nosso”, criando a Petrobrás e as empresas multinacionais
foram proibidas de refinar petróleo, causando a elas muitos prejuízos.
O governo Vargas foi marcado por uma grande disputa política. João Goulart
(Jango), ministro do trabalho de Vargas, prometeu aumentar o salário mínimo em 100% e,
por volta de 1954, Vargas demite Jango. Em razão da demissão de Jango, a imprensa
critica Vargas. Nesta época, o governador da Guanabara era Carlos Lacerda, que sofreu um
atentado (1954). Neste mesmo caso (“atentado da Rua Toneleiro”) morre também um
major da aeronáutica, que fazia a segurança de Lacerda. As investigações sobre este caso
chegam a Gregório Fortunato, principal segurança de Vargas. Em razão da pressão do
atentado da Rua Toneleiro, Vargas dá um tiro no peito saindo da vida e entra para a
história.
Em 1954-1955 Café Filho assume sucedendo Vargas. Em 1955 Juscelino
Kubitschek ganha a eleição para Presidente, com João Goulart como Vice. Nesta época
podia-se votar no presidente de uma chapa e no vice de outra chapa. O vice era eleito
separadamente sobre a égide da Constituição de 1946 que substituía o presidente e era o
presidente do Senado Federal, com direito à voz, mas sem direito ao voto. É uma previsão
que foi inspirada na Constituição dos EUA.
Outra mudança conhecida do governo de Juscelino foi a criação de Brasília. Desde
1891 já existia uma previsão para a construção da capital federal no planalto central.
Criticou-se a construção de Brasília sob o fundamento de que a retirada da capital do Rio
de Janeiro para Brasília fez com que a sociedade civil se separasse da classe política.
Em 1961 assume a presidência Jânio Quadro (Governador de São Paulo) que foi
eleito com uma base anticorrupção (a Vassourinha para varrer a corrupção do Brasil)
Interessante ver que Alguns historiadores ligam a campanha de Jânio e a de Collor com os
seguintes fundamentos:
Luta contra a corrupção (Vassourinha e luta contra os marajás).
218
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
Eleitos por partidos pequenos, sem apoio do Congresso Nacional.
Eleitos ambos muito novos (cerca de 40 anos).
Ambos saíram da Presidência da República antes do término do mandato.
Jânio Quadros tomou algumas medidas polêmicas, e o Brasil caminhava para a
esquerda (neste ano se vivia o auge da “guerra-fria”):
Proibiu o biquíni, corridas de cavalos, lança-perfume e brigas de galo.
Reatou-se as relações com a China e a URSS.
Jânio condecorou Che Guevara e foi visitar a China comunista.
Com a Guerra-fria, houve a polarização do mundo (de um lado os EUA e de outro
URSS). Como Jânio e Jango eram populistas (com grande aproximação aos comunistas),
não tinham apoio das Forças Armadas, da classe média e dos empresários.
Jânio governou de fevereiro de 1961 a agosto de 1961 (7 meses). Quando Jânio
renunciou, Jango estava na China. Os militares começaram a divulgar que Jango não
assumiria a Presidência da República. Na época, todos os aviões que vinham da Europa
pousavam em Recife para abastecer, logo ele veio pelos EUA, Chile, Uruguai e entra pelo
Brasil pelo Rio Grande do Sul, cujo governador era Leonel Brizola, cunhado de Jango.
Brizola montou a “Cadeia da Legalidade”, movimento pelo respeito à Constituição de
1946. Os militares disseram que Jango poderia assumir, mas não poderia governar. Assim
foi alterada a Constituição, e Jango assume não como chefe de governo, mas como chefe
de Estado, passando o Brasil (em setembro de 1961 a fevereiro de 1963) a ser
parlamentarista, via consulta popular. O chefe de Estado era João Goulart, enquanto o
chefe de Governo – Tancredo Neves Dividiu-se o governo para evitar que Jango
governasse. Vale lembrar que o Brasil já foi parlamentarista em dois momentos:
1848 – parlamentarismo às avessas
De setembro de 1961 a fevereiro de 1963. Em fevereiro de 1963 houve outra
consulta popular e abandonou-se o parlamentarismo.
Entre fevereiro de 1963 até 31 de março de 1964 existiu o presidencialismo, com
Jango chefe de estado e chefe de governo. Jango lançou as denominadas “Reformas de
Base” (eram cinco), via Emendas Constitucionais.
1. Reforma educacional:proibiu a existência de escolas particulares e determinou
que 15% dos lucros nacionais deveriam ser investidos em educação.
2. Reforma urbana: quem tivesse mais de um imóvel urbano seria desapropriado
pelo valor venal do bem.
219
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
3. Reforma rural: proprietários rurais com mais de 600ha teriam suas terras
desapropriadas para reforma agrária.
4. Reforma tributária: os impostos seriam proporcionais ao lucro pessoal. Quem
ganha mais, paga mais (progressividade).
5. Reforma eleitoral: os analfabetos passariam a ter o direito de votar.
Junto com estas cinco reformas, Jango aprovou a lei de remessa de lucros. As
empresas multinacionais foram impedidas de retirar seu lucro do Brasil, devendo todo o
valor ser re-investido no Brasil. Houve um descontentamento da classe média, mesmo com
o apoio dos trabalhadores.
Jango aprovou a reforma agrária no “Comício dos Cem Mil”. Como reação a esse
comício, houve a “Passeata da Família com Deus pela Liberdade”, promovida pela direita
e pela Igreja Católica. Nesse momento, os militares tinham apoio da classe média e da
Igreja. Face ao descontentando a classe média, o presidente não tinha o apoio econômico.
Neste momento, os militares tinham força e apoio popular.
Os militares, em 31 de março de 1964, efetuam um Golpe de Estado – que tinha
apoio popular – e assumem o poder. Em 31/03/1964 inaugura-se um novo hiato
autoritário. Existiam dois grupos de militares. Um deles era a “Escola de Sorbonne”:
ligados à ESG (Escola Superior de Guerra), sendo mais intelectualizados. Eram da “Linha
Dura” Quem assumiu em 31/03/1864 foi Castelo Branco, ligado à Escola da Sorbonne.
No dia 01/04/1964, Castelo Branco edita o AI 1(Ato Institucional nº 1). O AI 1
tinha força constitucional (tinha poder de Emenda Constitucional) e através dele depõe-se
Jango e inaugura a Ditadura Militar. Além disso, o AI- 1 tinha a justificativa de que os
comunistas estavam querendo tomar o Brasil.
O AI 1 lançou o Brasil no Estado de Sítio e todos os direitos civis foram
suspensos, havendo toque de recolher, cabendo prisão mandado e com a censura em todos
os meios de comunicação.
Em 1965 veio o AI 2 (1965-1979) que inaugura o bipartidarismo, sob a justificativa
de que os EUA só tinham dois partidos políticos, logo nós só tínhamos que ter dois
partidos políticos. Eram os partidos ARENA (Aliança Renovadora Nacional) com Marco
Maciel, José Sarney, Antônio Carlos Magalhães, Paulo Maluf e MDP (Movimento
Democrático Brasileiro) com Covas, FHC, Itamar Franco, Ulysses Guimarães.
Em 1966, veio o AI 3 estabelecendo eleições indiretas para Governadores e Vice-
Governadores e Prefeitos de Capitais. Em dezembro do mesmo ano, o AI 4 que convocou
220
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
uma Assembléia Nacional Constituinte pelo Congresso Nacional (fechado desde o golpe
de 1964). O Congresso trabalhou em dezembro de 1966 e janeiro de 1967 (durante 41 dias)
e aprovou a Constituição de 1967 enviando o projeto pelo pelo Executivo.
O Congresso estava proibido de emendar o projeto enviado pelo executivo, mas,
mesmo assim, o Congresso conseguir aprovar duas emendas: a criação da proibição do
Chefe do Executivo fechar o Congresso Nacional e a criação da imunidade parlamentar.
6.2 Características da Constituição de 1967
1. Formalmente foi uma Constituição promulgada, mas materialmente não se
pode dizer que era uma Constituição democrática.
2. Alguns constitucionalistas afirmam que, quanto à origem, a Constituição de
1967 foi uma Constituição atípica, pois nasceu do Congresso, mas este não
tinha liberdade para votá-la, sem debates democráticos, sem apoio popular.
3. Organizou as previsões contidas nos Atos Institucionais. Exemplo: eleições
indiretas para Presidentes, Governadores e Prefeitos de Capitais.
4. Centralização de poder no Chefe do Executivo da União.
5. Retirada de competência dos Estados-membros, enfraquecendo a federação.
6. Deu ao Presidente o direito de cassar direitos políticos.
7. Possibilidade do Executivo censurar os meios de comunicação.
8. Ministério Público dentro do Poder Judiciário.
9. Controle de Constitucionalidade difuso e concentrado. O Controle concentrado
foi introduzido no Brasil pela Emenda Constitucional nº 16 de 1965 (emenda à
Constituição de 1946).
7. Constituição de 1969
7.1 Contexto histórico
Em 1967 assume a Presidência Costa e Silva (ele era “Linha Dura”).
Começam as passeatas de estudantes em SP, RJ (morrendo até um estudante no
RJ). Vale salientar que as passeatas eram permitidas (legais), desde que não tivessem
violência.
221
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
Em 1968 os militares de linha dura começam a criticar Costa e Silva por dizer que
ele era muito liberal. No início de setembro, Márcio Moreira Alves (deputado de RJ) faz
um discurso convocando a população a boicotar a passeata de 7 de setembro. Dizia
também: filha de militar, não obedeça mais o seu pai; esposa de militar faça greve de sexo;
namorada de militar, não dance mais com ele (ou seja, ofensa aos militares na hierarquia e
disciplina). Em razão do discurso acima, os militares pedem a suspensão da imunidade de
Márcio Moreira Alves, o que é prontamente negado pela Câmara. O líder do MDB na
Câmara era Mário Covas, que faz um discurso pró-demoracia e, em razão disso, os
deputados não suspenderam a imunidade de Márcio Moreira Alves.
Em 13 de dezembro Costa e Silva baixa o AI 5 (vigeu até 1979) e tinha as seguintes
principais características:
1. Diploma mais autoritário da história jurídica do Brasil.
2. Fechou o Congresso Nacional.
3. Cassou mandatos e direitos políticos
4. Estado de Sítio permanente
5. Suspende direitos civis
6. Toque de recolher em determinadas regiões
7. Suspensão da utilização do Habeas Corpus
8. Ampliação da censura: todas as composições, livros e jornais deveriam ser
primeiro analisados por um censor da polícia federal.
9. Proibição de manifestações: não havia como extravasar, logo o povo começou a
pegar em armas.
Em 1969 Costa e Silva, adoentado, é afastado do poder. Quem deveria assumir era
um civil, Pedro Aleixo, mas os militares não permitiram que ele assumisse. Três militares,
então, assumem a Presidência da República, a “Junta Militar” composta por ministros da
Marinha, Exército e Aeronáutica (chamados popularmente de “Três Patetas”). Em outubro
de 1969 a Junta Militar edita a Emenda 01 à Constituição de 1967 (é a Constituição de
1969).
222
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
7.2 Características da Constituição de 1979
1. Foi outorgada pela Junta Militar.
2. Preâmbulo muito longo. Alguns doutrinadores afirmam que quanto maior o
preâmbulo, menor a legitimidade; quanto menor o preâmbulo, maior a
legitimidade.
3. Muitas explicações para o inexplicável
4. Organização da ordem jurídica. Havia a Constituição de 1967, Emendas
Constitucional de 1967 e os AI. Organizou os AIs.
5. Centralização de poderes no Chefe do Executivo ainda mais do que havia na
ordem anterior.
6. Censura
7. Presidente com poder de fechar o Congresso Nacional
8. Estado de Sítio
9. Proibição de manifestações
10. Eleições indiretas
11. Ministério Público dentro do Poder Executivo
8. Constituição de 1988
8.1 Contexto Histórico
Em 1969 o Presidente da República após a Junta Militar foi Emílio Garrastazu
Médici. Com a proibição de manifestações estudantis e operárias se deu o início da luta
armada
O AI 13 instituiu o exílio para pessoas perigosas para o Brasil, enquanto que o AI
14 instituiu a pena de morte. Os militares, então, criaram grupos de repressão às guerrilhas
armadas: OBAM? (Operação Bandeirante) e DOI-CODI (Departamento de Repressaõ
Militar)
Em1974, pós Médici, o Presidente foi Geisel (1974-1979). Foi o início da
redemocratização do Brasil (ele era da Escola da Sorbonne) com a anistia lenta, gradual e
segura, eleições para o Senado e o surgimento do horário político gratuito. Em 1976 foi
criada a Lei Falcão.
223
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
Em 1977 foi editado o pacote de abril que foi um conjunto de Emendas
Constitucionais que alteram a constituição com as seguintes características:
Criação de “Senadores Biônicos” (não eram eleitos diretamente, mas sim pelas
Assembléias Legislativas, cuja maioria era da ARENA).
Alteração da representatividade dos estados do Centro-Oeste, Norte e Nordeste
Tiveram alterada sua representatividade na Câmara dos Deputados, passando a
ter mais deputados. Isso porque o governo estava perdendo vagas na Câmara e
nestes estados, menos desenvolvidos, o governo ainda tinha maioria
(permanência da maioria do governo).
Analfabetos passaram a poder votar, facultativamente, porque o governo estava
perdendo eleitores no sul e sudeste.
Começam os movimentos de greve no ABC paulista, no qual um dos líderes era
Lula. que logo foi preso e, no dia do seu velório, ele foi levado ao velório pelo Delegado
Romeu Tuma.
Em 1979 João Batista Figueiredo assume o poder, sendo o último presidente
militar, com seu mandato foi aumentado de 4 para 6 anos. Em seu mandato foi aprovada a
“lei da anistia”, voltando para o Brasil Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gabeira, FHC,
Brizola. Aconteceu também a revogação do AI 2 e o AI 5. Acaba-se, então, o
bipartidarismo e inicia-se o pluripardidarismo.
A ARENA vira PDS, depois virando o PFL, hoje DEM, enquanto que o MDB se
transformou em:
PMDB (Ulysses Guimarães)
PT (Lula)
PDT (Brizola)
PP (Tancredo Neves)
PTB (Ivete Vargas, sobrinha de Vargas)
PCB
PC do B
O governo conseguiu manter a oposição longe do poder ao dividir a oposição, mas
manter o partido do governo unido.
Em 1984 iniciou-se a campanha “Diretas Já” (Emenda Dante de Oliveira, deputado
federal mato-grossense), para haver eleições diretas em 1985. A PEC Dante de Oliveira foi
rejeitada em 1984.
224
Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino
Mesmo com a não aprovação da PEC, haveria eleições indiretas em 1985. Nestas
eleições indiretas a oposição resolveu lançar como candidato Tancredo Neves. Como não
teria condições de ter votos para ganhar, a esquerda se aproximou de parte do PDS, com a
chapa formada com Sarney com Vice (Presidente do PDS). A eleição foi, então, Tancredo
X Maluf No colégio eleitoral Maluf perde para Tancredo. Antes da eleição no colégio
eleitoral, Tancredo e Sarney fizeram comícios no Brasil todo, com Tancredo prometendo,
se eleito, convocar uma Assembléia Nacional Constituinte.
Tancredo foi eleito para tomar posse no dia 15 de março de 1985. No dia 14 de
março de 1985 Tancredo passou mal e não poderia assumir o cargo. Poderia Sarney
assumir? Sarney não poderia assumir, pois o vice não poderia assumir tendo em vista que o
Presidente não assumiu, logo quem deveria assumir era o Presidente da Câmara, Ulysses
Guimarães. Independentemente da posse pelo Presidente, o Vice poderia assumir.
Houve uma reunião com os militares, Ulysses e Sarney (Figueiredo não gostava de
Sarney), e eles foram à casa de Leitão de Abreu (presidente do STF) e Leitão disse que
Sarney poderia assumir. Sarney reafirma o compromisso de convocar uma Assembléia
Nacional Constituinte. Tancredo Neves morre e Sarney assume definitivamente a
Presidência da República.
Em 1986 Sarney monta uma comissão para criar um projeto de Constituição: era a
Comissão Afonso Arinos (Comissão de Notáveis). Alguns defendiam que houvesse uma
Assembléia Nacional Constituinte exclusiva, enquanto outros defendiam que o Congresso
Nacional fosse investido no Poder Constituinte Originário (tese vitoriosa).
Em 15 de novembro de 1986 o Congresso Nacional Eleição elege um Congresso
Constituinte que é, justamente, ao mesmo tempo, o Poder Constituinte Originário (criando
a Constituição) o o Poder Constituído Legislativo (elabora a norma constitucional).
Todavia, há quem não considere a legitimidade desses trabalhos pelos seguintes
fundamentos:
1. O Congresso continuou a trabalhar em sua função infraconstitucional após esta
data. Logo, é o Congresso Constituinte acusado de legislar em causa própria, v.
g., imunidades, prerrogativas de função.
2. Alguns Senadores tinham sido eleitos em 1982 e participaram da Constituinte,
sem que tivesse legitimidade para isso, pois não foram eleitos para tal.
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8.2 Os trabalhos constituintes (1º fevereiro de 1987 até 05 de outubro de 1988)
Foram criadas 24 subcomissões temáticas, pois se partiu do zero ao abandonar o
projeto da Comissão Afonso Arinos. Eram 24 subcomissões, que passaram a ser 8
comissões. Ex: organização do Estado, Direitos Fundamentais, etc. Foi nomeado para
presidir estas 8 comissões Bernardo Cabral, que foi o presidente da Comissão de
Sistematização. Esta comissão reuniu todos os temas em 551 artigos, que foram
conhecidos como “O Frankstein”.
Foram cometidos vários erros na Constituinte, entre eles a pulverização dos
trabalhos e a baixa qualidade dos Constituintes (pessoas despreparadas). Segundo Celso
Bastos: faltava aos constituintes a “grandeza constitucional”, pois ficavam a defender
interesses de grupos.
“O Frankstein” recebeu 20.790 emendas. Cabral analisou estas emendas em 40
dias, surgindo o “Cabral Zero”, que possuía 374 artigos. O “Cabral Zero” recebeu 14.320
emendas, inclusive emendas populares, chegando-se ao “Cabral Um” (com 336 artigos).
Para resolver a confusão em novembro de 1987 foi criado o “Centrão”: dois terços
dos parlamentares que não participaram da elaboração da Constituição que ficou a cargo
apenas da comissão de sistematização. Neste mês, os que não faziam parte da Comissão de
Sistematização, reivindicaram a mudança da forma de participação da Constituinte, para
participar dos debates.
Em Fevereiro de 1988 é aprovado em 1º turno o projeto da Constituição; entre
julho e outubro de 1988, em 2ª turno Vale citar que alguns artigos, inclusive, não foram
nem aprovados. Por fim, em 5 de outubro de 1988 é promulgada a atual Constituição.