1

download 1

of 206

Transcript of 1

Em busca da conformidade entre o Modelo de jogo do treinador e a performance da equipa em Futebol. Estudo de caso do Sporting Clube dePortugal

Nuno Alexandre Soares de Almeida Porto, 2009

Em busca da conformidade entre o Modelo de jogo do treinador e a performance da equipa em Futebol. Estudo de caso do Sporting Clube dePortugal

Monografia realizada no mbito da disciplina de Seminrio do 5 ano da Licenciatura em Desporto e Educao Fsica, na opo de Futebol, na Faculdade de Desporto da Universidade do Porto

Orientador: Professor Doutor Jlio Manuel Garganta da Silva

Autor: Nuno Alexandre Soares de Almeida

Porto, 2009

Almeida, N. (2009). Em busca da conformidade entre o Modelo de jogo do treinador e a performance da equipa em Futebol. Estudo de caso do Sporting Clube de Portugal. Porto: N. Almeida. Dissertao de Licenciatura apresentada Faculdade de Desporto da Universidade do Porto.

Palavras-Chave: FUTEBOL; MODELO DE JOGO; PRINCPIOS DE JOGO; SISTEMA DE JOGO; ESPECIFICIDADE.

DedicatriaSucesso, reconhecimento, fama, glria, Muitos de ns lutamos por motivos assim. Mas no se constri um bom nome da noite para o dia. preciso trabalhar muito. Ainda que haja tropees e quedas, necessrio superar obstculos. preciso ter motivao, perseverar, insistir, A vida uma sucesso de batalhas. Emprego, famlia, amigos: todos ns temos um status actual. Todo o que fazemos na vida, ecoa na eternidade. E temos tambm expectativas em relao ao futuro. Em trs semanas estarei a fazer a minha colheita. Imaginem onde estaro, e assim ser. No entanto, as reviravoltas do destino surpreendem-nos. A grandeza uma viso. Nem sempre d para se fazer s o que gostamos. Mas aquele que gosta do que faz, sente orgulho em fazer melhor. A cada dia vai mais longe. H momentos de acalmaria e h momentos agitados, decisivos, em que a boa inteno no basta. nesses momentos que a vida nos cobra coragem, arrojo, criatividade e um inabalvel esprito de luta. A verdade que os problemas e reveses ocorrem com maior frequncia do que gostaramos. Os tempos mudam, surgem desafios e novos objectivos. Os guerreiros olham nos olhos do futuro sem medo e sem arrogncia mas com confiana de quem est pronto para o combate. Viver tambm estar preparado para situaes difceis. O modo como encaramos as dificuldades que faz a diferena. s vezes perguntamos: como enfrentar as mudanas radicais que se apresentam diante de ns? Como actuar num novo cenrio, onde as coisas que fazamos to bem precisam ser reaprendidas? Como lutar sem deixar para trs valores fundamentais? E mais: como saber a medida exacta a ser tomada no momento exacto? O incrvel que justamente diante de situaes adversas, muitos redescobrem o que tem de melhor. A tica, a amizade, a capacidade de criar novas estratgias fundamentadas na experincia e o talento para promover alianas positivas. O esprito de liderana, a conscincia da fora que reside no verdadeiro trabalho em equipa. Tudo isto aflora quando as circunstncias exigem, quando se sabe que existe um objectivo maior a ser alcanado. Claro que no fcil abandonar, hbitos, costumes, No fcil adaptar-se a novos ambientes, ou usar recursos com os quais no estvamos familiarizados. Mas todo o guerreiro sabe que o pessimismo e a insegurana nessa hora s atrapalham. Ainda que ameaa venha de vrios lados, com agilidade, fora e determinao, podemos alcanar o resultado. A combinao de energia e inteligncia, assim como o equilbrio entre a razo e a emoo so fundamentais para o sucesso. uma sensao extremamente agradvel chegar ao fim de uma etapa com conscincia do dever cumprido. E obter a consagrao, o respeito de todos, o reconhecimento de dos colegas, a admirao das pessoas que amamos, Ouvir o prprio nome com orgulho. Aquele orgulho de quem viu nos obstculos

V

a oportunidade de crescer. O orgulho de quem soube enfrentar as turbulncias da vida e vencer O orgulho de ser um vencedor que no abriu mo dos seus valores fundamentais. Para todos aqueles que participaram e participam activamente na minha vida, o MEU SNCERO E PROFUNDO OBRIGADO por tudo o que me tem proporcionado ao longo de todo este curto momento que a nossa vida. Como nunca demais agradecer tudo o que esta vida me tem proporcionado atravs das pessoas maravilhosas que por mim tem pensado e por processo de osmose tem penetrado no meu SER, s as seguintes palavras podem demonstrar tudo o que eu sou e tem construdo ao longo desta vida, ou seja:

Em cada minuto, uma escolha, Em cada escolha, um resultado, Em cada resultado, uma experincia Experimentar viver. No emaranhado das sensaes, o Reconhecimento do poder de criar Nossas prprias vivncias, nos limites Das leis da vida. Para uns um jogo, para outros Carregar a espada da luta no fio do destino.

Zbia M. Gasparetto

VI

VII

VIII

AgradecimentosNum momento em que termina uma etapa importante da minha formao pessoal e profissional, existem vrias pessoas s quais tenho de prestar o meu reconhecimento pelo papel que tm assumido na minha vida: Aos meus Pais, Armando Almeida e Adlia Soares, pela perfeio com que tm executado todo este percurso a meu lado, sendo que o amor, a dedicao, o respeito e a compreenso funcionam como equilbrio e harmonia desta trade, a qual tem o seu ponto alto com o brilhar do olhar destes dois progenitores. minha Madrinha, Maria do Carmo, por fazer-me sentir um sobrinho e afilhado amado como de um filho se tratasse, agradecendo-lhe pelos pequenos grandes gestos que comigo tem e pela enorme sintonia que nos acompanha. Aos meus queridos amigos, Anabela Dias e Senhor Gis, pela extrema sensibilidade que vos acompanha e vos torna o espelho da minha alma quando fixamos os nossos olhares, fazendo sentir o fio condutor que liga a terra e o cu. Questiono-me muitas vezes porque razo fazem parte da minha vida mas mais do que me questionar, s tenho de agradecer a quem vos enviou. Ao Z Manel e Ana Soares, dois expoentes mximos de singularidade, amizade, solidariedade, genuinidade, inteligncia, coerncia e conhecimento profundo, os quais aguam a minha essncia enquanto Ser Humano ao longo de todo este percurso que vamos cumprindo juntos. Mais prximos ou mais distantes, a realidade que o nosso pensamento est sempre interconectado. Ao meu av, Joaquim Soares, aos meus tios e primos, o meu obrigado por me verem como um exemplo de dedicao, perseverana, coragem e atitude perante a vida e pelo percurso escolhido por mim, fazendo-me sentir, atravs do vosso olhar, a confiana e o desejo que eu alcance tudo o que pretendo, uma vez que ser o prolongamento de todos aqueles que convosco contribuem para este sucesso colectivo. Famlia Gonalves, Tia Gininha, Tio Toninho, Belocas, Rutocas e Madalena, por serem o meu grande exemplo de equilbrio, harmonia, compreenso, dedicao, talento e inteligncia emocional, as quais foi absorvendo de forma atento e reflexiva ao longo de todos os momentos felizes que temos vivido. Ao Capu, Maia, Baro, PP, Violas, T Z, Serginho, Mizuno, Pinhel, Isa e Biscoito, o meu obrigado por todos os momentos de elevado prazer, satisfao, compreenso, desfrute ao

IX

longo destes cinco anos do nosso curso, nunca esquecendo a grande paixo e loucura que nos une, ou seja, o fenmeno Futebol. Ao Professor Marco Bastos, pelo fabuloso ano de Estgio Pedaggico que me proporcionou, tornando-me num profissional mas, acima de tudo, numa pessoa com mais qualidade e capacidade, fazendo-me compreender com enorme profundidade a ligao da dimenso profissional com a dimenso humana. Todo o sucesso que alcanmos juntos, foi fruto da liberdade de agir sem agir livremente que me concedeu. Aos Professores da Faculdade de Desporto, Jos Soares, Olmpio Bento, Vtor Frade, Jos Guilherme, Andr Seabra, Susana Soares, Manuel Botelho, Olga Vasconcelos, Teresa Lacerda, Antnio Cunha, Ramiro Rolim, Jos Antnio Silva, Antnio Marques, Andr Barreiros, Antnio Fonseca, Rui Garganta, Jos Maia, Ana Lusa e Rui Garganta, por me terem tornado no profissional que hoje sou, fruto da compreenso em reflexo de todos os contedos por vs transmitidos mas, principalmente, por compreender que mais do que professores, em primeiro lugar so pessoas. Aos funcionrios do bar, Sr. Jorge, Menina Carla, Menina Teresa e Meninas Manuelas, pelo bem servir, pelo bem receber, pelo bem-estar e pelo sorriso com que sempre me receberam, existindo mais do que uma troca de servios, ou seja, uma troca de emoes. Ao Professor Jlio Garganta, por ter a capacidade de transformar todos os momentos de conversar e troca de experincias, em autnticas formaes de enriquecimentos pessoal e profissional, tendo a invarivel qualidade de saber conduzir, alinhar e respeitar o modo como cada um executa os projectos a que se destina. Ao Paulo Bento, Ricardo Peres, Joo Aroso, Sr. Aurlio Pereira, Pedro Marques e Pedro Barbosa, pela experincia nica e memorvel que me proporcionaram ao longo de oito longos e exaustivos dias passados na Academia de Alcochete. Ao Paulo Bento, pela confiana depositada em mim ao contribuir neste trabalho de forma to exemplar, cordial e racional, no demonstrando qualquer receio em exprimir todos os conhecimentos que possui mas, acima de tudo, as ideias que possui e pelas quais se rege, revelando ser mais do que uma Valioso Profissional, ou seja, um Grande Ser Humano. Ao Ricardo Peres, pela fora, coragem e crdito que demonstrou possuir ao conceder esta oportunidade a quatro jovens estudantes e apaixonados pelo fenmeno Futebol, permitindonos entrar no seu mundo pessoal. Ao Pedro Marques, um dos responsveis pelo Scouting do Sporting, o meu muito obrigado pelo facto de semanalmente me enviar os jogos do Sporting Clube de Portugal, fazendo com que o meu trabalho atingisse uma dimenso que nem eu prprio expectava.

X

A vocs e a todos aqueles que no esto aqui mas cuja importncia por mim reconhecida, um MUITO OBRIGADO!

XI

XII

ndice Geral

Dedicatria Agradecimentos ndice Geral ndice de Figuras ndice de Anexos Lista de Abreviaturas Resumo Abstract Rsum 1. Introduo 2. Reviso de Literatura 2.1. 2.2. O Mtodo como construo de uma Cultura de referncia Modelo de Jogo: A Teoria que v o seu Sentido na Prtica 2.2.1. Das ideias profundidade das imagens em si contidas, vivenciadas na realidade que o jogo! 2.3. O papel do Modelo de Jogo 2.3.1. na tomada de deciso do Treinador 2.3.2. na interveno do Treinador na construo do processo. 2.4. O papel do Modelo de Jogo na tomada de deciso dos Jogadores 2.4.1. A Cultura da equipa que se verifica no entendimento e interpretao comum do jogo 2.4.2. Da Cultura da Percepo Cultura Comportamental 2.5. A Inteligncia de Jogo que se v na interpretao Tctica 3. Metodologia 3.1. 3.2. 3.3. Metodologia de Pesquisa Caracterizao da Amostra Procedimentos Metodolgicos 3.3.1. Recolha dos Dados 3.3.2. Instrumento3.4.

V IX XIII XVII XXI XXIII XXVII XXIX XXXI 1 9 9 14 17 21 21 23 26 28 32 36 43 43 43 44 44 44 46

Descrio do Instrumento

XIII

3.4.1. Conceptualizao e Explicitao das variveis em observao

46

4. Anlise e Discusso do Contedo da Entrevista 4.1. Anlise da Entrevista a Paulo Bento 4.1.1. Motivao para o exerccio da profisso 4.1.2. Modelo de Jogo a partir da concepo do treinador 4.1.2.1. 5. Concluso 6. Sugestes para o futuro 7. Bibliografia 8. Anexos Relaes e congruncias entre o pretendido e o sucedido

66 66 66 71 95 114 129 135 137 147

4.1.3. Organizao posta em prtica

XIV

XV

XVI

ndice de Figuras

Figura 1. Proposta de Modelo de organizao da dinmica do jogo de Futebol Figura 1.1. A Transio-Estado Ataque/Defesa no modelo de organizao da dinmica do jogo de Futebol da presente investigao Figura 1.2. Campograma da Espacializao do terreno de jogo em doze zonas/categorias Figura 1.3. A Transio-Estado Defesa/Ataque no modelo de organizao da dinmica do jogo de Futebol da presente investigao Figura 2. Sistema de Jogo Base do Sporting Clube de Portugal (poca 2008-2009) Figura 3. Percurso da Equipa em termos Quantitativos Figura 4. Alterao na constituio da Equipa Figura 5. Sistemas Utilizados nas vrias jornadas Figura 6. Desenvolvimento da Posse de Bola Figura 7. Zonas de Perda da Posse de Bola Figura 8. Mtodos de Jogo Ofensivo Figura 9. Golos Obtidos e respectivos Mtodos de Jogo Ofensivo Figura 10. Final da Organizao Ofensiva com Eficcia Figura 11. Relao entre os Remates Fora mais os Remates Contra-adversrio versus os Remates Dentro mais os Remates com obteno de Golo Figura 12. Final da Organizao Ofensiva sem Eficcia Figura 13. Zonas de Perda da Posse de Bola Figura 14. Zonas de Recuperao da Posse de Bola Figura 15. Relao entre a Presso Imediata e a Temporizao

54

56 58

60 88 96 97 97 99101

102 103 104

105 106 107 107 109

XVII

Figura 16. Nmero de Jogadores na Zona de Perda da Posse de Bola

110

Figura 17. Nmero de Jogadores na Zona de Presso sobre a bola

110

Figura 18. Nmero de Jogadores deliberadamente em Organizao Defensiva Figura 19. Meios utilizados para o Incio da Transio Defesa-Ataque / Recuperao da Posse de Bola Figura 20. Meios utilizados para o Desenvolvimento da Transio Defesa-Ataque Figura 21. A reentrada da informao como chave da coerncia (Edelman, 2008, LES DOSSIERS DE La Recherche)

112

113 114

120

XVIII

XIX

XX

ndice de Anexos

Anexo 1 Entrevista a Paulo Bento Anexo 2 Folha de Registos dos Jogos Observados Anexo 3 Jogos Observados e respectivos resultados

I XXV XXVIII

XXI

XXII

Lista de Abreviaturas

DTEDA Desenvolvimento da Transio-Estado Defesa-Ataque DTEDApc Desenvolvimento da Transio-Estado Defesa-Ataque por passe curto DTEDApl Desenvolvimento da Transio-Estado Defesa-Ataque por passe longo DTEDAcd Desenvolvimento da Transio-Estado Defesa-Ataque por conduo DTEDArc Desenvolvimento da Transio-Estado Defesa-Ataque por recepo/controle DTEDAd Desenvolvimento da Transio-Estado Defesa-Ataque por drible DTEDAdu Desenvolvimento da Transio-Estado Defesa-Ataque por duelo DTEDAgr Desenvolvimento da Transio-Estado Defesa-Ataque pelo guarda-redes FOOf Final da Organizao Ofensiva FOOfrf Final da Organizao Ofensiva por remate fora FOOfrd Final da Organizao Ofensiva por remate dentro FOOfrad Final da Organizao Ofensiva por remate contra o adversrio FOOfgl Final da Organizao Ofensiva por golo FOOfof Atingir o tero ofensivo de forma controlada FOOfbad Recuperao da Posse de Bola pelo Adversrio ITEAD Inicio da Transio-Estado Ataque-Defesa ITEADime Inicio da Transio-Estado Ataque-Defesa por presso imediata ITEADprpb Inicio da Transio-Estado Ataque-Defesa sabendo o nmero de jogadores que se encontram na zona perda da posse de bola ITEADpress Inicio da Transio-Estado Ataque-Defesa sabendo o nmero de jogadores na zona de presso ITEADtemp Inicio da Transio-Estado Ataque-Defesa executando a temporizao

XXIII

ITEDA Inicio da Transio-Estado Defesa-Ataque ITEDAi Inicio da Transio-Estado Defesa-Ataque por intercepo ITEDAd Inicio da Transio-Estado Defesa-Ataque por desarme ITEDAgr Inicio da Transio-Estado Defesa-Ataque por aco do guarda-redes ITEDAp Inicio da Transio-Estado Defesa-Ataque seguida de passe OD Organizao Defensiva ODnj Nmero de Jogadores em Organizao Defensiva OOf Organizao Ofensiva OOfpc Organizao Ofensiva por passe curto OOfpl Organizao Ofensiva por passe longo OOfcd Organizao Ofensiva por conduo OOfrc Organizao Ofensiva por recepo/controle OOfd Organizao Ofensiva por drible OOfdu Organizao Ofensiva por duelo OOfgr Organizao Ofensiva pelo guarda-redes OOfca Mtodo de Jogo Ofensivo por Contra-Ataque OOfar Mtodo de Jogo Ofensivo por Ataque Rpido OOfap Mtodo de Jogo Ofensivo por Ataque Posicional SD Sector Defensivo SMD Sector Mdio-Defensivo SMO Sector Mdio-Ofensivo SO Sector Ofensivo ZITEAD Zona de Perda da Posse de Bola / Inicio da Transio-Estado Ataque-Defesa

XXIV

ZITEDA Zona de Recuperao da Posse de Bola / Inicio da Transio-Estado Defesa-Ataque

XXV

XXVI

ResumoNo Futebol, o processo de construo de um jogar de referncia, revela-se um projecto de elevada complexidade, uma vez que decorre de uma ntima relao entre os conhecimentos multidisciplinares e a concepo de jogo do treinador, a cultura do Clube que representa e as competncias de compreenso e execuo por parte dos jogadores. O modelo de referncia preconizado pelo treinador, existe para promover a aquisio de intenes comportamentais de um determinado modo de jogar, a relao entre as ideias e a forma de as operacionalizar, incluindo um conjunto de princpios de aco que sejam Especficos desse mesmo processo. Para o presente estudo foram delineados os seguintes objectivos: (1) Aferir a influncia que as experincias do entrevistado foram tendo ao longo da sua formao desportiva, na construo de uma viso sobre o jogo de Futebol, sobre o Modelo de Referncias e sobre a operacionalizao desse modelo em treino; (2) Definir, caracterizar e saber construir um Modelo de Jogo, verificando qual a sua lgica de concepo para posterior operacionalizao; (3) Estudar e definir um Modelo de Jogo Especfico, tendo conhecimento das ideias mestras que o Treinador da Equipa em estudo preconiza para a mesma, compreendendo a interaco entre as ideias expressas pelo Modelo do Jogo como tambm, o modo como o mesmo pode evoluir; (4) Verificar as relaes e congruncias entre o pretendido e o decorrido, constatando a interaco entre o defendido e preconizado pelo Treinador e o realizado pelos jogadores, manifestando-se a interpretao do Modelo de Jogo (os grandes princpios tcticos da equipa), nos vrios momentos do jogo, tendo em conta os jogos observados e analisados. Na obteno destes objectivos, procedemos a uma entrevista ao treinador do Sporting Clube Portugal, Paulo Bento, analisando posteriormente oito jogos da mesma equipa. Aps a anlise e discusso da entrevista e da observao dos jogos da equipa em estudo, foi possvel extrair algumas concluses, das quais se destacam as seguintes: ter sido jogador profissional, no uma condio essencial para se ser treinador; contudo, ter vivenciado um elevado nmero de experincias como jogador, revela-se uma vantagem substancial na construo do significado pessoal; o Modelo de Jogo a projeco de duas culturas, a do treinador e a do Clube, em Especificidade, numa ntima relao entre a concepo e operacionalizao do mesmo; a dinmica do competir manifesta-se parte integrante da dinmica do treinar, sendo que os princpios comportamentais demonstrados pela Equipa em jogo, revelam a coerncia, congruncia e cumplicidade entre o pretendido e o ocorrido. Palavras-Chave: FUTEBOL; MODELO DE JOGO; PRINCPIOS DE JOGO; SISTEMA DE JOGO; ESPECIFICIDADE.

XXVII

XXVIII

AbstractBuilding a Game Conception in Soccer is a complex assignment, since it holds a straight connexion, between the multidisciplinary knowledge and the game thought of the coach, the culture of the club and the players knowledge and competences to perform. The reference model defined by the coach, must guide the right achievement of behaviours regarding game principles according a specific playing style. So, it is plausible to wait a straight relationship between the ideas of the coach and the way to make it factual to the players and the team. According to these evidences, the present study aims: (1) To check the influence of the experiences that our interviewed had in his sport context during these years, in constructing the vision of a Football game by a Model of References and by the materialization of this Model in training sessions; (2) To define, to characterize and to be able to build a Model of Game, verifying its logic of conception for future enbodiment; (3) To study and to define a Specific Game Model having knowledge of the leading ideas that the trainer of the team in study outlines for it, understanding the interaction between the ideas expressed by the Model of Game as well as the way it can perform evolutions; (4) To verify the relationship and congruences between what was intended to and what really happened , ascertaining the interaction between the defended and the defined by the trainer and the realized by the players, showed the interpretation of the Model of Game (the biggest tactics principles of game), in the many moments of it having in consideration the games observed and analyzed. To reach these goals, we have done an interview to the Soccer Coach of Sporting Club de Portugal, Paulo Bento, and analyzing, later, eight games of this team. After the analysis and discussion of the interviews, we highlight the following conclusions: have been a professional player, is not a prerequisite to be a coach; however, have experienced a high number of experiences as a player, it is a substantial advantage in the construction of personal meaning; the Game Model is the projection of two cultures, the coach and the Club, Specificity in an intimate relationship between the design and operation of same; the dynamics of the compete manifests itself part of the dynamics of the train, and the behavioral principles demonstrated by the team in the game, show consistency, congruence and complicity between the desired and the actual facts. Key Words: SOCCER; GAME MODEL; PRINCIPLES OF GAME; GAME SYSTEM; SPECIFICITY.

XXIX

XXX

ResumDans le foot, le processus de construction dune technique de jeu spciale se rvle un projet de grande complexit, une fois quil possde une liaison profonde entre les connaissances multidisciplinaires et la conception de jeu de lentraneur, la culture du Club quil reprsente et la comprhension dexcution du ct des joueurs. En considrant le modle de rfrence prconis par lentraneur, celui-ci existe pour mettre en train lacquisition dintentions de comportement dune certaine technique, le rapport entre les ides et la forme de les accomplir, y compris un ensemble de principes daction spcifiques de ce mme processus. Daprs tout ce quon a dit, on prsente les objectifs suivants: (1) Dterminer linfluence des expriences de linterview tout au long da sa formation sportive vis--vis la construction du match sur le Modle de Rfrences et encore sur laccomplissement de ce modle en entranement; (2) Dfinir, caractriser et savoir construire un Modle de Jeu, vrifiant toujours sa logique de conception pour oprationnaliser aprs; (3) tudier et dfinir sur un Modle de Jeu Spcifique, en tenant compte de la connaissance des ides principales que lentraneur de lquipe en tude prconise pour la mme, en comprenant linteraction parmi les ides exprims par le modle de jeu ainsi que, la manire comment il peut tre dvelopp; (4) Vrifier les rapports et les convenances entre le prtendu et le fait, en observant linteraction entre le soutenu et dtermin par l entraneur et celui pratiqu par les joueurs, en manifestant linterprtation du Modle de jeu (les grands principes tactiques de lquipe), dans les plusieurs moments du jeu, en tenant compte les jeux observs et analyss. Pour obtenir ces objectifs, on a ralis une interview lentraneur du Sporting Clube de Portugal, Paulo Bento, et analys, ensuite, huit jeux de la mme quipe. Aprs lanalyse et discussion de linterview et de lobservation des jeux de lquipe en tude, on a eu la possibilit dobtenir certaines conclusions, dont on dtache les suivantes: avoir t un joueur professionnel, n'est pas une condition sine qua non pour tre un coach; cependant, ont connu un nombre lev d'expriences en tant que joueur, c'est un avantage substantiel dans la construction de la signification personnelle; le Modle du Jeu est la projection de deux cultures, l'entraneur et le club, spcificit dans une relation intime entre la conception et l'exploitation de mme, la dynamique de la race se manifeste lui-mme partie de la dynamique du train, et les principes de comportement dmontr par l'quipe dans le jeu, preuve de cohrence, congruence et de complicit entre le dsir et la ralit des faits. Mots Cls : FOOT; MODLE DE JEU; PRINCIPES DE JEU; SYSTME DE JEU; SPCIFICIT.

XXXI

XXXII

Em busca da conformidade entre o Modelo de jogo do treinador e a performance da equipa em Futebol. Estudo de caso do Sporting Clube de Portugal

1. IntroduoO mundo inseparvel do sujeito, mas de um sujeito que se limita a ser um projecto de mundo, e o sujeito inseparvel do mundo, mas de um mundo que projectado pelo prprio sujeito. Merleau-Ponty (1999:430)

Com o decorrer destes cincos anos da Licenciatura de Desporto, muitas foram as experincias vividas, muitas aulas assistidas e respectivos contedos discutidos, muitos congressos, colquios, artigos lidos e trabalhos realizados. Por intermdio de todos eles e tendo em conta toda a minha experincia anterior, fui-me apercebendo em constante reflexo e compreenso, que o fenmeno Futebol carece de argumentao, de sustentabilidade, de coerncia, de metodologias aliceradas em bases seguras que lhe confiram uma credibilidade crescente, permitindo que o mesmo no seja aplaudido pelas massas, somente pelo espectculo que promove mas que seja admirado pela complexidade, profissionalismo, inteligncia, emoo, qualidade e objectividade com que o Futebol imana mas que poucos vem e aplicam. Deste modo, o transformar uma viso em aco, o projectar de um futuro a que se aspira, faz com que os lideres de uma determinada equipa, aproveitem todas oportunidades para mostrar em que consiste a sua viso, a sua filosofia, quais os sentimentos que esta pode provocar e como que os elementos impulsionadores da mesma podem viv-la tanto hoje como no futuro. Para tal, utilizam-se a si prprios como instrumentos de descoberta e de mudana, mantendo relaes de proximidade com o processo e organizao onde esto inseridos, no afrouxando esforos para atingirem os seus objectivos. Apela-se a que todos os elementos dessa organizao vivam de acordo com os seus prprios valores e com os da primeira, transformando as estruturas organizacionais e as funes da equipa, mudando normas de relacionamento emergentes, remodelando sistemas e as expectativas de desempenho de acordo com a viso da organizao preconizada pelo lder, ajustando cada vez melhor as tarefas individuais misso da organizao. De acordo com Merleau-Ponty (1999), devemos "reconhecer a conscincia como projecto do mundo que ela no abarca nem possui, mas em direco ao qual ela no cessa de se dirigir", uma vez que a inteno tem uma relao causal com o emprego de uma

1.Introduo

1

Em busca da conformidade entre o Modelo de jogo do treinador e a performance da equipa em Futebol. Estudo de caso do Sporting Clube de Portugal

determinada expresso e constitui aquilo que confere significado ao uso dessa expresso. Falar, comunicar, , portanto, uma forma de agir racional e intencionalmente (Soares, 2005). Como tal, no fenmeno Futebol, exacerba-se a urgncia na compreenso do mesmo como um meio complexo e com um potencial de crescimento que poucos percepcionam e o sufocam, sendo crucial que o modelo de mundo que cada um dos treinadores em si encerra, possua a capacidade de atribuir maior grandeza a um fenmeno que necessita ser pensado, construdo e vivido de foram sria e credvel. Assim, Saussure (1909, cit. por Belo, 1991:29/30) afirma que a cada uma das coisas que considermos como uma verdade, chegmos por tantas vias diferentes que confessmos no saber qual a que se deve preferir. Seria necessrio, para apresentar convenientemente o conjunto das nossas proposies, adoptar um ponto de vista fixo e bem definido, ou seja, o Modelo de Jogo. De tal forma que, para o mesmo autor (1954, cit. por Belo, 1991:30) o lao que se estabelece entre as coisas pr-existe, neste domnio (Modelo de Jogo), s prprias coisas, e serve para as determinar, sendo que s se pode atribuir crenas, desejos ou intenes a uma criatura capaz de usar uma linguagem, um modelo de expresso, um modelo de significado, atravs do qual se institui uma cultura de percepo, de compreenso, de todo o grupo de trabalho, alicerado e sustentado pelos mesmos objectivos (Soares, 2005). No que concerne ao Modelo de Jogo, este funciona como a via de acesso de referncia para a construo do processo, sendo a linguagem que o mesmo preconiza na esfera das ideias, filosofia e viso, a ponte entre o pensamento e o mundo, permitindo-nos interligar esse plano mediador com um modo de perceber e pensar que a linguagem pe em marcha, a constituio de uma Cultura Especfica, de uma Linguagem Prpria e Identificadora de determinada equipa. Por intermdio do supracitado, a compreenso em construo do Modelo de Jogo, revela a sua importncia ao estar alicerado a um axioma fundamental, o qual nos demonstra que a nica via para anlise do pensamento passa pela anlise da linguagem, sendo j essa fabricao da linguagem, uma compreenso do pensamento ao qual esta subordinada toda a viso/filosofia defendida e concebido pelo treinador dentro do Modelo de Jogo. Caracterizando o mesmo no por ser apenas um evento que se d no sujeito, ou algo que este faz instintivamente, mas algo que revela um fim visado e est por isso direccionado para um objectivo. A aco do Modelo, em sentido prprio, uma actualizao e condensao da racionalidade (Soares, 2005), fazendo com que o mesmo seja tanto mais rico, quanto mais criar possibilidades aos indivduos

1.Introduo

2

Em busca da conformidade entre o Modelo de jogo do treinador e a performance da equipa em Futebol. Estudo de caso do Sporting Clube de Portugal

para poder acrescentar qualquer coisa s suas funes, mas nunca revelia das suas funes (Frade, 2003). Segundo esta lgica de percepo, podemos verificar que os acontecimentos mais complexos, conduzem os seres humanos de excelncia nas mais diversas reas, execuo da tarefas aparentemente simples, sendo dotados de uma extrema sensibilidade para algo que s quem foi ou estimulado para e na aco, possui a capacidade de reconhecer tais informaes. Mas, tudo isto acontece porque jogador considerado como um manipulador de smbolos tal como um computador: ambos usam smbolos e realizam operaes baseadas nesses mesmos smbolos (Gibson, 1988). De acordo com Frade (1985), a aprendizagem consiste, num sentido, em fazer significar acontecimentos, em transformar o acontecimento-rudo em acontecimento-sinal, ou mesmo em acontecimento-signo: o rudo transformado pela aprendizagem em sinal, tendo toda a informao que se transmite, estar subordinada a uma slida raiz de ideias, ao Modelo de Jogo que pretendemos operacionalizar conjuntamente com os jogadores, para que a mesma seja assimilada e acomodada por pelos impulsionadores do Modelo. O Modelo de Jogo uma Cultura do jogo e do treino que pretendemos para a nossa organizao, para a nossa equipa, e na procura de compreender as ideias do mesmo, Morin (1987) refere que a Cultura no um mero suplemento de que usufruem as sociedades humanas em contraste com as sociedades animais. ela que institui as regras normas que organizam a sociedade e governam os comportamentos dos indivduos; constitui o capital colectivo dos conhecimentos adquiridos, dos saberes prticos apreendidos, das experincias vividas, da memria histrico-mtica, da prpria identidade de uma sociedade. Consubstanciada com a afirmao de Edgar Morin, Loureno & Ilharco (2007) afirmam que (...) a forma como os outros se vem atravs de quem os rodeia, um aspecto central do processo de formao e desenvolvimento da identidade de cada um, uma vez que a nfase dada ao indivduo deve sempre ter um referencial colectivo. A par do anterior, Frade (2004:XXVII) destaca que no h treino mais individualizado ou repercusses do treino mais individualizadas do que aquelas que permite a Periodizao Tctica. Porque a primeira preocupao que tem eleger os princpios e os princpios so levados a efeito pelos jogadores, os jogadores em determinadas posies e determinadas funes. Portanto se so posies e funes diversas, embora complementares, o que se repercute em cada uma dessas posies ou funes diverso das demais portanto

1.Introduo

3

Em busca da conformidade entre o Modelo de jogo do treinador e a performance da equipa em Futebol. Estudo de caso do Sporting Clube de Portugal

individualizado, sendo que a sua diversidade necessria sua unidade e a sua unidade necessria sua diversidade, uma vez que esta ltima ao ser exigida, mantida, criada e desenvolvida na e pela unidade sistmica que a Equipa, que por sua vez a potencia, faz com que esta relao complexa convirja num processo em que a diversidade organiza a unidade que organiza a diversidade. Como prolongamento da ideia anterior, para Gomes (2006) o Modelo de Jogo (...) a Finalidade do sistema ou seja, o Modelo de Jogo confere um determinado Sentido ao desenvolvimento do processo face a um conjunto de regularidades que se pretendem observar. Deste modo, o modelo permite responder questo: para onde vamos? Para a mesma autora, a questo anterior fundamental para desenvolver um processo direccionado para um determinado jogar ou seja, para um processo Intencional. A partir dele criam-se um conjunto de referncias que definem a organizao da equipa e jogadores nos vrios momentos do jogo. Deste modo, o modelo orienta o processo para um jogar concreto atravs dos princpios colectivos e individuais em funo do que pretendido. Neste sentido, trata-se desenvolver um jogar Especfico e no um jogar qualquer. Evidenciando a importncia deste Modelo de jogo, Vtor Frade (2004) afirma que o jogar uma organizao construda pelo processo de treino, face a um futuro que se pretende atingir. Deste modo, esclarece que o processo configura o jogo fazendo emergir determinadas regularidades no comportamento da equipa e jogadores. Reforando esta lgica, Guilherme Oliveira (2006) refere que atravs dos princpios do modelo que se desenvolve a Organizao colectiva e individual dos jogadores e que se expressa num padro de comportamentos que o treinador objectiva para a equipa. Neste entendimento, o modelo envolve a operacionalizao dos princpios de aco dos jogadores nos vrios momentos do jogo. Por isso, este conceito de modelo de jogo no se reduz a uma ideia geral, tratando-se sobretudo de configurar as interaces dos jogadores. Reforando este lado pragmtico do processo, Vtor Frade (2003:III) afirma que mais importante que a prpria noo de modelo, so os princpios do prprio modelo uma vez que nem todos assumem a mesma importncia nem so operacionalizados da mesma forma. Por isso, a configurao do modelo resulta da articulao e desenvolvimento dos princpios para que o jogo adquira uma dada identidade. Desta forma define uma qualidade comportamental promovida pelos princpios de aco sobre os quais o treinador e jogadores

1.Introduo

4

Em busca da conformidade entre o Modelo de jogo do treinador e a performance da equipa em Futebol. Estudo de caso do Sporting Clube de Portugal

analisam e interpretam os factos do jogo e de desenvolvimento do processo. Assim, atravs do modelo que se concebem e avaliam as intenes e os acontecimentos de todo o processo face ao que se pretende. Alicerado com o Modelo de Jogo e respectivos princpios de aco, surge como continuum dos anteriores um conceito crucial para o desenvolvimento e operacionalizao das ideias do jogar que se pretende atingir, a Tctica. No Futebol assume importncia capital o que Barth (1994) designa por saber estratgico-tctico, e que consiste, no apenas no conhecimento das regras da competio e das regras de gesto e organizao do jogo (estratgico-tcticas), mas tambm no conhecimento das condies de regulao situacional. Deste modo, a dimenso estratgico-tctica emerge simultaneamente como plo de atraco, campo de configurao e territrio de sentido das tarefas dos jogadores no decurso do jogo. Ao longo dos tempos, o conceito de tctica foi-se estendendo a reas diversas, sendo actualmente conotado como a gesto inteligente do comportamento face a situaes que impliquem conflitualidade de interesses, ou concorrncia entre objectivos, de que o desporto uma das expresses mais representativas (Garganta, 1997). Deste modo, a tctica no traduz apenas uma organizao das variveis fsicas (tempo e espao) do jogo mas implica tambm, e sobretudo, uma organizao informacional. Assim sendo, a organizao informacional gerada pelos jogadores e equipa no devem ser apenas consideradas as distncias mtricas, mas tambm o espao de interaco e a componente decisional (Moreno, 1994), sendo que os jogadores devem eleger os espaos de jogo que permitam um intercmbio de funes entre os companheiros (Garganta, 1997), estabelecendo-se, para alm de hipteses possveis, relaes de preferncia que garantam uma maior eficcia. Isto conduz a uma correcta estruturao do espao de aco de cada jogador gerando um determinado sistema de interaco (Menaut, 1982, cit. por Sousa, 2000), ou seja, um complexo de relaes mtuas que se estabelece entre os jogadores, de acordo com as finalidades das respectivas aces de jogo. Assim, so as situaes de jogo com a variabilidade, imprevisibilidade, alternncia e aleatoriedade que lhes inerente, que determinam a direco dos comportamentos a adoptar pelos jogadores, pelo que a estes reclamada uma atitude tctica permanente (Garganta, 1995). Segundo o mesmo autor, a ocorrncia de determinados comportamentos, mesmo os mais

1.Introduo

5

Em busca da conformidade entre o Modelo de jogo do treinador e a performance da equipa em Futebol. Estudo de caso do Sporting Clube de Portugal

elementares como uma corrida ou salto, num dado momento ou numa dada zona do terreno de jogo, mais ou menos pertinente em funo das configuraes que o jogo apresenta. Segundo Tavares (cit. por Garganta, 1997:35), o desempenho dos jogadores depende em primeira anlise dos aspectos relacionados com o processamento da informao (leitura do jogo) e as decises, confluindo esta ideia com o conceito de excelncia cognitiva, o qual se subdivide em capacidades tcticas e habilidades de tomada de deciso (Starkes & Ericsson, 2003). Centrando-me no conhecimento tctico e estratgico, segundo McPherson (1994) e Starkes (1993), o conhecimento tctico no envolve apenas a habilidade para determinar qual a estratgia mais apropriada numa dada situao mas tambm, se a estratgia pode ser executada com sucesso dentro dos constrangimentos dos movimentos requeridos. Assim, a percia tctica no desporto completamente diferente dos domnios de desempenho no motor sendo que as limitaes fisiolgicas e tcnicas, obrigam as opes estratgicas disponveis para sustentar o desempenho. Aps o explanar anterior das ideias e conceitos sobre os quais pretendemos que o trabalho seja desenvolvido e se sustente, determinmos como palavras-chave do mesmo: Futebol, Modelo de Jogo, Princpios de Jogo, Sistema de Jogo, Especificidade, Inteligncia Criativa. Na realizao deste trabalho, tenho como objectivos: Aferir a influncia que as experincias do entrevistado foram tendo ao longo da sua formao desportiva, na construo de uma viso sobre o jogo de Futebol, sobre o Modelo de Referncias e sobre a operacionalizao desse modelo em treino; Definir, caracterizar e saber construir um Modelo de Jogo, verificando qual a sua lgica de concepo para posterior operacionalizao; Estudar e definir um Modelo de Jogo Especfico, tendo conhecimento das ideias mestras que o Treinador da Equipa em estudo preconiza para a mesma, compreendendo a interaco entre as ideias expressas pelo Modelo do Jogo como tambm, o modo como o mesmo pode evoluir; Verificar a relao e congruncia entre o pretendido e o ocorrido, constatando a interaco entre o defendido e preconizado pelo Treinador e o realizado pelos jogadores, manifestando-se a interpretao do Modelo de Jogo (os grandes princpios

1.Introduo

6

Em busca da conformidade entre o Modelo de jogo do treinador e a performance da equipa em Futebol. Estudo de caso do Sporting Clube de Portugal

tcticos da equipa), nos vrios momentos do jogo, tendo em conta os jogos observados e analisados.

Na tentativa de concretizar as nossas intenes, entrevistamos um treinador de futebol conceituado e com uma carreira como profissional curta mas de elevado nvel, o qual trabalha, actualmente, num dos melhores clubes nacionais: Paulo Bento. A partir daquilo que o entrevistado nos revelou, fizemos a relao entre as experincias que passou, com as ideias que apresenta e que procura exponenciar e a forma como concretiza no plano prtico, aquilo que pensa sobre o seu Modelo de Jogo e o modo como o operacionaliza. Partindo destes pressupostos, estruturamos a dissertao em sete pontos. No primeiro, a Introduo, no qual expomos o problema, delimitamos o tema, apresentamos a sua pertinncia e procedemos enunciao dos nossos objectivos. No segundo ponto, fazemos a reviso de literatura, comeando por uma contextualizao das ideias chaves por que se deve reger um Modelo de Referncia, enveredando na construo de um Cultura e Linguagem prprias, culminando na pesquisa em que dever consistir o processo de construo do Modelo de Jogo e como se faz emergir o mesmo. No terceiro ponto, explicamos a metodologia aplicada neste trabalho, bem como a justificao para as categorias de anlise construdas, percepcionadas e registadas, no so atravs da entrevista mas tambm, por meio dos oitos jogos analisados. No quarto ponto, apresentamos e discutimos a nossa entrevista, confrontando aquilo que dito pelo entrevistado com aquilo que encontramos na nossa reviso de literatura e procurando perceber os porqus da forma como pensa e operacionaliza o seu Modelo de Jogo, consubstanciando a mesma com a analisada vdeo dos jogos da respectiva equipa. No quinto ponto evidenciamos aquelas que nos parecem ser as concluses mais importantes e que revelam o alcanar dos objectivos propostos. O sexto ponto reporta-se s referncias bibliogrficas que foram consultadas para a realizao deste estudo. No stimo ponto e ltimo ponto est transcrita de forma integral a entrevista que realizamos, de acordo com o guio utilizado na consecuo da mesma.

1.Introduo

7

Em busca da conformidade entre o Modelo de jogo do treinador e a performance da equipa em Futebol. Estudo de caso do Sporting Clube de Portugal

1.Introduo

8

Em busca da conformidade entre o Modelo de jogo do treinador e a performance da equipa em Futebol. Estudo de caso do Sporting Clube de Portugal

2. Reviso de Literatura 2.1. O Mtodo como construo de uma Cultura de Referncia

No h real para l do que o diz, porque o real espera ser dito, ou seja pensado, para comear a existir. Verglio Ferreira (1978)

Num mundo em que Tudo tem lugar onde Nada existe e onde esse nada caminha para o tudo inalcanvel, o qual nos permite percorrer um caminho, caminho esse que se hace al andar (Machado, cit. por Marques, 2000), h que dizer que o futuro comea hoje, no esperando pelo que faremos num longnquo amanh. Como tal, Bento afirma (1998) que a sua funo de formador de opinio e de pessoas, firma-se na construo e projeco desse futuro atravs de sonhos e ideias, estimulando a realizao das mesmas nesse futuro que semeado no aqui e agora, para ser colhido no amanh. Para Marques (2000), distancimo-nos dos outros seres pela inteligncia, pela linguagem, nas construes com que edificmos a nossa cultura. Foi graas a esta, e pela educao, que supermos a nossa condio animal. Elevando-nos a uma outra condio. A cultura , ento, a verdadeira criao do Homem. A coisa imperecvel por ele criada. Por intermdio da comunicao existente entre os caracteres complexos e profundos que interligam o longo caminho que vai d inteligncia linguagem, sendo que tais conceitos esto intimamente relacionados com a origem da Humanidade, fazem com que o caminho entre ambas seja extremamente complexo mas passvel de ser decifrado, culminando no reconhecimento do mesmo como Cultura. Como afirma Soares (2005:42), o interesse filosfico pela linguagem no se limita ao facto de esta ser uma via de acesso ao pensamento, tambm uma fenmeno revelador da peculiaridade do ser humano enquanto tal, sendo este constitutivamente um animal symbolicum, no s por revelar as competncias lingusticas prprias, mas porque toda a praxis lingustica constitui o seu habitat natural. Apesar desse habitat natural ser um local inacessvel, complexo e labirntico, o qual uma construo e/ou reconstruo sucessiva de muitas passagens ou divises, dispostas to confusamente que com dificuldade se lhe acha a sada, o ser humano permite que a entrada nesse mundo se d atravs da linguagem. A mesma autora menciona que (2005:40), ocorre pensar num outro aspecto da linguagem, o da sua relao com o mundo: ela surge-nos como um plano mediador, uma via de acesso entre o pensamento e mundo, um2.Reviso de Literatura

9

Em busca da conformidade entre o Modelo de jogo do treinador e a performance da equipa em Futebol. Estudo de caso do Sporting Clube de Portugal

espelho no qual se reflectem as coisas. Continua dizendo que se pudermos confiar neste isomorfismo entre as palavras e as coisas, a estrutura da linguagem parece poder servir como uma pauta adequada para reflexo metafsica e ontolgica. A via de acesso que a autora faz referncia, sendo a linguagem a ponte entre o pensamento e o mundo, permite-nos interligar esse plano mediador com um modo de perceber e pensar que a linguagem pe em marcha. Assim sendo, a linguagem pe em marcha processos cognitivos bsicos como os da identificao, reconhecimento, memria e imaginao. Concomitantemente com o nascimento da linguagem, surgiu o nascimento da conscincia central por intermdio da compreenso da relao processual entre o organismo e o objecto, isto , a conscincia central ocorre quando os mecanismos cerebrais de representao geram um relato imagtico, no verbal, de como o prprio estado do organismo afetado pelo processamento de um objeto pelo organismo, e quando esse processo reala a imagem do objeto causativo, destacando-o assim em um contexto espacial e temporal. (Damsio, 2000). A formao desse contexto espacial e temporal prende-se com o bem mais precioso do homem, ou seja, as suas ideias (Karl Popper, cit. por Bento, 1995). O mesmo autor destaca que o Homem v o que as teorias e os conhecimentos permitem ver, funcionando como instrumentos idnticos aos nossos olhos e ouvidos, os quais utilizamos para nos orientarmos e afirmarmos no mundo. So as ideias, as perspectivas e as teorias que permitem exaltar o sentir, o perceber, o entender da nossa realidade. Atravs das primeiras, Bento (1995:73) afirma que samos com elas pelo mundo, vemos e extramos dele uma informao medida dos nossos conhecimentos. A uma diferena de ideias, de teorias e conhecimentos, corresponde uma diferena na captao e no entendimento das coisas. A par da opinio anterior, Cunha e Silva (1999) menciona que o sujeito do conhecimento constri-se a si prprio no acto de conhecer. Serve-se do outro para se edificar. Todas as ideias, consubstanciadas ou no pelas teorias, desenvolvem conhecimento, o qual especfico da realidade que percepcionmos e vivencimos, sendo que as trs dimenses anteriores so desenvolvidas por intermdio das palavras, as quais so a causa do real porque provocam e produzem factos, isto , participam na produo do mundo (Bento, 1995). Cada pessoa trs dentro da sua cabea um modelo mental do mundo, uma representao subjectiva da realidade externa... assim, medida que a experincia e a investigao cientfica insuflam na sociedade conhecimentos mais refinados e exactos, novos conceitos e novos modos de pensar ultrapassam, contradizem e tornam obsoletas anteriores

2.Reviso de Literatura

10

Em busca da conformidade entre o Modelo de jogo do treinador e a performance da equipa em Futebol. Estudo de caso do Sporting Clube de Portugal

ideias e opinies acerca do mundo (Tofler, 1970). Por intermdio da afirmao de Alvin Tofler e reportando-nos ao futebol, podemos depreender que a existncia de um referencial de aco constitudo por um conjunto de orientaes e princpios que coordenam as aces e os comportamentos da equipa, definindo-se assim um modelo de organizao do mundo, ou seja, um modelo de organizao do seu jogo. Corroborando com a afirmao acima, Bento (1995) afirma que () o treinador transporta para as situaes de treino e competio no uma qualquer competncia tcnica ou tctica, mas sim uma verso individual da formao requerida para o desempenho das respectivas funes. Para o efeito, Alves & Arajo (1996) consideram que a qualidade de tomada de deciso do jogador em situao desportiva depende do seu conhecimento declarativo e processual especficos, das suas capacidades cognitivas, da capacidade (competncias) no uso das capacidades cognitivas, das preferncias pessoais e dos factores motivacionais, sendo que o treinador tem um papel fulcral na orientao da percepo dos mesmos. Ou seja, s possvel antecipar, projectar ou problematizar determinadas situaes em funo dos conhecimentos que se possui e dos meios que se conhece e do que se dispe para agir (Graa & Oliveira, 1995). No caso concreto do Futebol, Garganta (2005) menciona que o mesmo se trata de uma modalidade situacional, na qual as competncias dos jogadores e das equipas de Futebol reportam-se a grandes categorias de problemas, atravessando diferentes nveis de organizao, em resposta aos sinais do envolvimento. A problematizao do jogo exige que existam pessoas com formao terica e prtica sustentada, coerente e de elevado nvel, possibilitando que exista uma estreita ligao entre ambas, ou seja, atravs da formao, a qual objectivada em competncias sociais, culturais, pedaggicas (perceptivas, construtivas, didcticas, expressivas, comunicativa, organizativas) e metodolgicas, que o treinador se apresenta em face dos outros sujeitos intervenientes no seu campo profissional (Bento, 1995 e 1999). Assim, a base fundamental do trabalho de cada gestor est na equipa. Ela constitui a sua unidade de aco, a sua ferramenta de trabalho. Com ela o gestor alcana metas e produz resultados. Para tanto, precisa de saber como escolher a sua equipa, como desenhar o trabalho para aplicar as competncias dela, como liderar e impulsionar a equipa, como motiv-la, como avaliar o seu desempenho para melhor-lo cada vez mais e como recompens-la para reforar e reconhecer o seu valor (Chiavenato, 2004) Arajo (1997) define o treinador como um gestor de pessoas, onde lhe cumpre ter uma aco decisiva em tudo o que diga respeito ao rendimento e qualidade de interveno dos

2.Reviso de Literatura

11

Em busca da conformidade entre o Modelo de jogo do treinador e a performance da equipa em Futebol. Estudo de caso do Sporting Clube de Portugal

componentes que a integram, decorrendo num ambiente em constante mutao e a que tem de se adaptar permanentemente, antecipando o futuro na medida do possvel, aqui e agora e no espao e no tempo. inegvel a influncia que o treinador exerce sobre as atitudes e comportamentos, sobre os princpios, valores, orientaes e sentido de vida dos atletas. Nenhum treinador igual, como tal o modelo que transporta para os contextos de treino e competio, possuem a sua impresso digital (Campos, 2007). Assim, treinar modelar atravs de um projecto (Marina, 1995), ou seja, para o treino ser treino, e no apenas exercitao, impe-se uma carta de intenes, um caderno de compromissos que funcione como representao dos aspectos (Garganta, 2000), sendo que a interligao dos mesmos, conferem sentido ao processo, rumando intencionalmente na direco objectivada pelo treinador. por demais evidente que Ser Treinador exige um conhecimento multidisciplinar, uma vez que o treinador deve ter uma aco decisiva em todo o processo evolutivo da equipa, aplicando directamente um conjunto de conhecimentos que vai adquirindo, fruto da evoluo, do treino, da competio, das cincias que os apoiam e da sociedade (Frade, 2007). Csikszentmihalyi et al. (1993) salienta o facto dos treinadores que perduram nas mentes dos jogadores, so aqueles que demonstram entusiasmo e paixo na transmisso dos conhecimentos que outro treinador qualquer o faria sem qualquer emocionalidade. Quando o prazer na profisso demonstrado, isso fica gravado na memria de quem ensinado. Os traos que tornam os treinadores influentes esto relacionados com a capacidade que eles demonstram em encorajar a integrao promovendo suporte e harmonia e, simultaneamente, em estimular a diferenciao ao tornar o envolvimento e a liberdade possveis. Segundo Horn (2002), o treinador visto como um poderoso agente socializador junto dos jovens atletas, o qual, para alm de ser um gestor, um motivador, um potenciador, um condutor, , acima de tudo, um organizador, estando todas as dimenses que o mesmo manipula, ao servio de um plano superior, o plano organizativo. Assim, a palavra organizao est contaminada por um sem nmero de circunstncias que tm a ver com a prpria vida pelo que considerada uma palavra polissmica, quer dizer, pode assumir diversos sentidos (Pires, 2005). Segundo o mesmo autor, A organizao, faz a organizao da organizao, a qual significa:

2.Reviso de Literatura

12

Em busca da conformidade entre o Modelo de jogo do treinador e a performance da equipa em Futebol. Estudo de caso do Sporting Clube de Portugal

A organizao conjunto de princpios que governam a actividade de um clube ou qualquer outro organismo desportivo.

Faz a organizao acto de organizar (gerir), ou esforo dirigido prossecuo de determinados objectivos desportivos;

Da organizao organismo criado, por exemplo, um clube. Desta forma, podemos depreender que a organizao que o modelo de jogo do treinador

possui (o plano das ideias), dirige, conduz e constri uma equipa, dentro de determinados princpios, valores, regras e sentido, culminando numa morfognese da equipa, no s atravs do jogo que pratica, mas tambm, atravs das dinmicas interactivas entre as ideias que os jogadores pem em prtica e as defendidas pelo treinador. Trata-se da construo de um corpo, de uma forma de formas (morfognese), de uma equipa, sendo que o corpo (equipa) e a imagem se fundem at ao corpo (equipa) ser s imagem, e por isso uma matria plstica modelizvel atravs da utilizao das potencialidades videogrficas (Fargier, 1993, cit. por Cunha e Silva, 1999). O corpo como lugar de inscrio, torna-se s inscrio, perde-se e dissolve-se nas sucessivas cadeias de signos que lhe so atribudas. De tanto o vermos, perdemo-lo de vista; de tanto o tornarmos smbolo dos mais fenmenos e acontecimentos, perdemos-lhe os contornos. E uma cultura sem corpo uma cultura incontornvel (Carlos, 1991, cit. por Cunha e Silva, 1999). Perante o Modelo de Jogo o qual um organizador de ideias, possibilitando que se crie um caminho de desenvolvimento das mesmas, cada sujeito percebe o jogo, as suas configuraes, em funo das aquisies anteriores e do estado presente. Perante o fenmeno jogo, o observador constri uma paisagem de observao, entendida como um conjunto de estmulos organizados face ao ponto de vista que ele possui sobre o fenmeno. Ou seja, retm o que se lhe afigura pertinente, interpreta os dados dispersos e organiza-os conferindo-lhes um sentido prprio, o que quer dizer que o sentido do jogo construdo e depende de um modelo de referncia (Garganta, 1997). Para Temprado (1991, cit. por Garganta, 1997) os conhecimentos que esto na base do pensamento tctico esto organizados sob a forma de cenrios, de acordo com um conjunto de indicadores (referncias), de objectivos a alcanar e de efeitos a produzir. Deste modo, os conhecimentos de que um jogador dispe permitem-lhe orientar-se, prioritariamente, para certas sequncias de aco, em detrimento de outras. Assim, os conceitos de ordem (sequncias de aco) e de auto-organizao (o modo como so organizadas essas sequncias), obviamente que esto estritamente relacionados um ao outro. Aps tudo isto, quando dizemos que um2.Reviso de Literatura

13

Em busca da conformidade entre o Modelo de jogo do treinador e a performance da equipa em Futebol. Estudo de caso do Sporting Clube de Portugal

objecto ou um sistema organizado, ns dizemos que este est ordenado com um determinado sentido (Shiner, 1997).

2.2.

Modelo de Jogo: A Teoria que v o seu Sentido na Prtica

O Modelo de Jogo essencialmente mental, porque so os jogadores que jogam e os jogadores tm interpretaes e essas interpretaes quando eles comeam a relacionar-se uns com os outros, do-se de forma independente. Guilherme Oliveira (2003)

Ao longo dos tempos, todas as dimenses da nossa sociedade tem sofrido mudanas constantes, mudanas essas que se devem essencialmente ao principal desafio de quem gere uma Organizao com o objectivo de que a mesma atinja o sucesso pelo seu meio mais complexo, ou seja, o Ser Humano, culminando no facto dessas pessoas comuns terem a capacidade de realizar coisas extraordinrias (Chiavenato, 2002:4). Para tal, necessrio que essa mesma organizao considere as pessoas como seres humanos, profundamente diferentes entre si, dotados de personalidade prpria, com uma histria pessoal particular e diferenciada, possuidores de habilidades e conhecimentos, destrezas e capacidades indispensveis adequada gesto dos recursos organizacionais (Chiavenato, 2000:20). Assim, as organizaes pretendem que a mesma seja constituda por elementos impulsionadores da organizao e capazes de dot-la da inteligncia, do talento e da aprendizagem indispensveis sua constante renovao e competitividade num mundo pleno de mudanas e desafios (idem, 2000:21). Ou seja, pretendem-se que a organizao possua pessoas com capacidade de impulso prprio, que invistam na organizao por intermdio do seu esforo, dedicao, responsabilidade, comprometimento, entre outras, havendo retorno atravs do sucesso colectivo das organizaes. Para que tudo isto possa ser vivel, imperial que a organizao possua um lder o treinador que albergue dentro da sua cabea um modelo mental do mundo, fazendo com que o mesmo possa afigurar-se mais pertinente atravs da sua adequao personalidade do treinador e dos jogadores, bem como cultura especfica do clube onde o trabalho se desenvolve (Garganta, 2004). Isto , o treinador deve possuir um modelo (de Jogo) como algo que incorpora uma determinada realidade confinada a cada contexto especfico (Clube). simultaneamente algo de to concreto pois orientador e permite determinar a direco e o

2.Reviso de Literatura

14

Em busca da conformidade entre o Modelo de jogo do treinador e a performance da equipa em Futebol. Estudo de caso do Sporting Clube de Portugal

sentido em que pretende ir, e tambm algo de utpico porque por mais que se procure nunca se vai encontrar. sempre algo que se procura, nunca est acabado e nunca tem fim. O futuro sempre o elemento estruturante do processo porque o treinador tem de ver sempre mais frente, tem de no momento da operacionalizao, saber aquilo que pretende para verificar se tudo est a decorrer exactamente conforme planeado e nesse sentido, o feedback deve ser o mais congruente possvel. Tudo isto tendo o Modelo de Jogo como pano de fundo. A Concepo/Modelo de Jogo so dois conceitos que se encontram intimamente relacionados, e segundo Guilherme Oliveira (2003:XXII/XXIII) A Concepo de Jogo e o Modelo de Jogo so coisas muito semelhantes, provavelmente a mesma coisa relativamente s ideias, sendo que a nica diferena que a primeira centra-se no plano das ideias enquanto que a segunda centra-se na operacionalizao dessas ideias. A intimidade existente entre os dois conceitos verifica-se num continuum existente entre as ideias de jogo e a operacionalizao das mesmas, isto , um processo de visualizao criado pelo treinador, processo esse que permite que as imagens contidas no modo como se concebe o jogo, se tornem realidade por intermdio das aces dos jogadores, ao operacionalizarem essas mesmas intenes (princpios de aco) em reciprocidade com o treinador. Das ideias operacionalizao das mesmas, do treinador ao jogador, existe um fio condutor que est assente numa base slida na qual se encontra o processo intencional, ou seja, as traves mestras que serviro de bssola para a construo do caminho interminvel a percorrer pelo colectivo, pela equipa. Assim sendo, (...) a Finalidade do sistema ou seja, o Modelo de Jogo confere um determinado Sentido ao desenvolvimento do processo face a um conjunto de regularidades que se pretendem observar. (Gomes, 2006:28). Dessa forma, cria-se um processo intencional, sendo que o mesmo alicera um conjunto de referncias que definem a organizao da equipa e jogadores nos vrios momentos do jogo orientando (...) o processo para um jogar concreto atravs dos princpios colectivos e individuais em funo do que pretendido (idem, 2006:29). Evidenciando a importncia do Modelo de jogo, Vtor Frade (2007) afirma que o jogar uma organizao construda pelo processo de treino, face a um futuro que se pretende atingir. Deste modo, esclarece que o processo configura o jogo fazendo emergir determinadas regularidades no comportamento da equipa e jogadores. Em consonncia com a ideia do autor anterior, Garganta (1997) afirma que a forma de entender e de actuar do praticante de JDC (Futebol), depende de um metanvel o modelo de jogo. As relaes que ele estabelece entre

2.Reviso de Literatura

15

Em busca da conformidade entre o Modelo de jogo do treinador e a performance da equipa em Futebol. Estudo de caso do Sporting Clube de Portugal

o modelo e as situaes que ocorrem no jogo, orientam as respectivas decises, condicionando a organizao da percepo, a compreenso das informaes e a resposta motora. A conduo intencional do processo de jogo que encontra o seu sentido na concepo que o treinador tem sobre o jogo e as ideias especficas que pretende projectar no ltimo, em sintonia com o modelo que pretende operacionalizar dentro do seu contexto especfico (a sua equipa), conduz o olhar, a viso de toda a estrutura organizativa e organizante para um futuro lgico, sustentado, coeso e condutor, tudo isto porque se traa um futebol especfico, um fenmeno construdo. Segundo Tamarit (2007), un Equipo (...) es el resultado de un Fenmeno Construido (de ah que exista una geografa y una historia futebolstica, as como diferentes tipos de ftbol), siendo diferente de cualquier otro juego o ftbol. Para alm do futebol ser um fenmeno construdo, o autor anterior afirma que tambm (...) es Determinstico en la medida en que, en el momento de la construccin, sabemos lo que queremos construir, lo que queremos alcanzar en el futuro. (idem, 2007). Deste modo, podemos dizer que cada treinador tem a sua ideia de jogo, de futebol, alicerada s suas vivncias anteriores e s presentes, operacionalizando-as num contexto singular, com uma matriz cultural enraizada, sendo somente a sua concepo de jogo (ideias sobre o mesmo), o meio mais favorvel para seduzir os jogadores sobre o processo que se pretende conduzir a bom porto. Concorrendo para este sentido, Guilherme Oliveira (2006) refere-nos que importante que o treinador saiba muito bem aquilo que pretende da equipa e do jogo, que tenha ideias muito concretas relativamente s invariantes/padres que pretende que a sua equipa e os respectivos jogadores manifestem. Evidenciando a importncia do Modelo de jogo, Vtor Frade (1985:5) refere que o modelo como uma pedagogia do projecto que deve estar constantemente a ser visualizado assumindo-se no elemento causal do futuro, no jogar especfico que se pretende atingir. Deste modo, esclarece que o processo configura o jogo fazendo emergir determinadas regularidades no comportamento da equipa e jogadores. Como concluso deste ponto, o qual ao mesmo tempo permite realizar a interaco com subcaptulo que se segue, atravs da descrio do processo de visualizao referido pelos autores Elmer e Alyce Green (1977, cit. Por Beswick, 2001) constatmos o quo imperial possuir um guia lgico, identificativo e referencial aquando das nossas aces dentro de uma organizao, ainda para mais quando desempenhamos as funes de treinador, ou seja, como comeamos a percepcionar que no somos totalmente vtimas da gentica, do condicionamento, e dos acidentes, as modificaes comeam a acontecer nas nossas vidas, a natureza comea a

2.Reviso de Literatura

16

Em busca da conformidade entre o Modelo de jogo do treinador e a performance da equipa em Futebol. Estudo de caso do Sporting Clube de Portugal

responder-nos de um novo modo, e as coisas que visualizamos, embora improvveis, comeam a acontecer com uma frequncia crescente - os nossos corpos tendem a fazer o que lhes dizem para fazer, se soubermos como dizer-lhes. Assim sendo, o corpo do treinador d vida s ideias que possui... atravs dos jogadores.

2.2.1.

Das ideias profundidade das imagens em si contidas,

vivenciadas na realidade que o jogo!Os Treinadores pintam imagens - as mais simples, as melhores. Ron Greenwood (cit. por Beswick, 2001)

O Modelo no se restringe ao plano conceptual ou ideolgico do jogo, ou seja, compreende igualmente o lado prtico uma vez que o jogo um fenmeno que se encontra em permanente construo. Em concordncia com este ponto, Castelo (1996) e Guilherme Oliveira (2008) referem que, para alm do modelo de jogo compreender uma evoluo dinmica e criativa ao longo do seu processo de desenvolvimento, tambm consideram que to crucial o lado das ideias do treinador para o jogar como o o lado prtico do processo, da forma como os jogadores compreendem o projecto colectivo da equipa e o desenvolvem. Face a isto, utilizando um dos princpios fundamentais defendidos por Descartes, atravs do qual a cincia se desenvolveu, demonstrando a importncia do treinador no que concerne explanao e operacionalizao das suas ideias, o mesmo afirma que orientar ordenadamente os pensamentos, comeando pelos objectos mais simples e mais fceis de compreender para mostrar como pouco a pouco, por graus sucessivos, se chega ao conhecimento dos mais complexos (1937, cit. por Gomes, 2008a:15). Associado a este princpio, o treinador deve retratar imagens, quadros, pinturas, o mais simples, o melhor possvel como forma dos jogadores compreenderem, reconhecerem e caminharem segundo referncias que preconizam o futuro que se pretende alcanar. Para que a compreenso e formulao dessas mesmas imagens se processe, necessrio consciencializar toda a organizao colectiva que (...) a capacidade de pensar coincide com uma capacidade de simbolizar e de significar (Soares, 2005:38). Deste modo, os jogadores podem dar forma s ideias do treinador imaginando-se em aco, e como Lynch

2.Reviso de Literatura

17

Em busca da conformidade entre o Modelo de jogo do treinador e a performance da equipa em Futebol. Estudo de caso do Sporting Clube de Portugal

(1986, cit. Beswick, 2001) explica as imagens ficam to vivas que o seu sistema nervoso central no consegue distinguir entre um evento verdadeiro ou imaginrio; o seu corpo responde a ambos do mesmo modo. Assim, um atleta que pinta cada movimento de um evento correctamente com antecedncia, ter uma maior possibilidade de repetir aqueles movimentos, tendo-os "praticado", de certo modo, antes do evento real. Pense a visualizao como um experimentar de um vestido. Ele uma forma de prtica que o torna familiar com a tarefa. Pensar a visualizao (do Modelo de Jogo) como um experimentar de um vestido, o qual uma forma de prtica que se torna familiar com a tarefa, faz-nos reportar ao modelo de jogo como se de um vestido se tratasse, ou seja, independentemente das medidas, da matriz, da identidade que o mesmo possui pelas suas formas, no deixa de estar sujeito a reajustes constantes tendo em vista uma evoluo gradativa e interminvel, no sendo um fato pronto-avestir. Segundo Frank Rijkaard (in Barend & Van Dorp, 1999:72) Quando Johan se iniciou como Treinador do Ajax, ele tinha a viso na qual ele continuou acreditar, mesmo quando as coisas no corriam bem, ou seja, constatamos que apesar de toda a complexidade que constitui a construo de um jogar especfico, o qual est subordinado concepo/modelo de jogo do treinador, a essncia do mesmo nunca deve ser alterada, uma vez que as medidas do vestido esto l (viso/filosofia sobre o jogar), alterando-se a sua caracterizao por intermdio de quem o interpreta, dirige, constri e determina o seu caminho (o treinador e os jogadores). A viso na qual um treinador consubstancia os seus referenciais sobre o jogo, assenta num conhecimento especfico, sendo que este se representa atravs da informao que representada mentalmente sobre um formato especfico (Eysenck & Keane, 1994). Dentro de uma mesma perspectiva, Damsio (1994 e 2000) refere que as representaes constituem o depsito de todo o conhecimento, tanto o inato como do adquirido atravs da experincia. Para o mesmo autor (idem, 2000), a representao Significa simplesmente padro consistentemente relacionado com alguma coisa, seja com uma imagem mental, seja com um conjunto coerente de actividades neurais no interior duma regio cerebral especfica, ou seja, as ideias do treinador sero as representaes mentais por intermdio das imagens na cabea dos jogadores, conferindo-lhes um padro de potenciais disposies para a prtica, padres esses relacionados com os referenciais que essas mesmas ideias possuem ao serem operacionalizadas, construindo-se uma ponte entre o que o treinador preconiza e o modo como os jogadores o interpretam. Corroborando com a citao de Damsio e seguindo uma ordem lgica de compreenso das ideias do mesmo, Steve McClaren afirma que Um grande treinador aquele que consegue entrar na cabea dos jogadores e permanecer l, sendo fundamental

2.Reviso de Literatura

18

Em busca da conformidade entre o Modelo de jogo do treinador e a performance da equipa em Futebol. Estudo de caso do Sporting Clube de Portugal

que o treinador para alm de crer numa filosofia de jogo, com ela seduza os seus jogadores (Valdano, 1998:10). Embora existam divergncias acentuadas relativamente origem das imagens mentais, h unanimidade no reconhecimento da relao destas com as experincias, com as memrias, com o conhecimento e com as mudanas que estes provocam (Damsio, 1994, 2000; Greenfield, 2000; Williams et al., 2000; Damsio, 2003, cit. por Guilherme Oliveira, 2004). Como tal, Damsio (1994:112) refere que o conhecimento factual necessrio para o raciocnio e para a tomada de decises chega mente sob a forma de imagens, imagens essas que esto contidas nas ideias que o treinador pretende para o seu jogar, as quais so e esto hierarquizadas de forma lgica, tendo em vista um futuro evolutivo da equipa em direco aos objectivos que esto definidos, sendo que as mesmas s sero compreendidas pelos jogadores, se existir uma forte transmisso da informao terica interligada com a prtica, ou seja, com a operacionalizao dos exerccios relativos a essas mesmas ideias. Assim sendo, o conceito imagem mental significa algo que construdo pelo crebro atravs das modalidades sensoriais e representado na mente (Damsio, 1994; Behrmann, 2000; Damsio, 2000; Greenfield; Kossolyn, 2000; Llinas, 2000, cit. por Guilherme Oliveira, 2004). Ento, falar-se de imagens mentais falar-se das imagens que so criadas atravs do sentir de todas as modalidades sensoriais levadas a cabo pelas experincias vivenciadas. Desta forma, as imagens mentais evidenciam de forma criativa propriedades, processos, relaes e aces do organismo com o mundo (Damsio, 1994; Behrmann, 2000; Damsio, 2000; Greenfield; Kossolyn, 2000; Llinas, 2000; Williams et al., 2000; Damsio, 2003; cit. por Guilherme Oliveira, 2004). Todas essas propriedades, processos, relaes e aces do organismo com o mundo, inserem-se numa realidade de jogo que o treinador pretende, no sendo um jogo qualquer mas sim, o nosso jogar. Se a ligao das ideias do treinador s imagens formadas pelos jogadores, advm no s da transmisso da informao terica associada operacionalizao dessas mesmas ideias no treino, ento, podemos concluir que tudo passa pelo modelo que pretendemos. Segundo Faria (s/d, cit. por Loureno & Ilharco, 2007, pp. 94), Modelo, no fundo, o entendimento da complexidade que o jogo e a identidade do treinador em funo desse jogo. olhar para o jogo, model-lo entre indivduos pensantes, o que se pretende que exista uma linguagem comum. Isto s se consegue se todo o processo de treino e de jogo for

2.Reviso de Literatura

19

Em busca da conformidade entre o Modelo de jogo do treinador e a performance da equipa em Futebol. Estudo de caso do Sporting Clube de Portugal

concebido numa perspectiva de organizar comportamentos que criem essa linguagem comum. Tem de se pensar o jogo a cada minuto e a cada segundo. Dois bons exemplos da complexidade que o jogo em si encerra, tendo em conta a elevada quantidade de imagens que os jogadores processam, gerem, seleccionam e escolhem, as quais esto subordinadas a um referencial comum entre todos eles, ou seja, o modelo de jogo, possvel constatar atravs da afirmao de Bosman (in Barend, F. & Van Dorp, H., 1999:74) e Pel (cit. por Lobo, 2008), respectivamente: Cruyff sempre foi muito perspicaz na distncia entre o avanado centro neste caso o Marco Van Basten e eu prprio, no podendo estar mais de cinco a dez metros, sendo que quando o ataque era travado, eu no devia permitir que o adversrio tivesse espao para o contra-ataque. Quando ns atacvamos, eu tambm tinha de estar perto do Marco devido ao facto dele poder jogar apoiado comigo (passes curtos). Onde eu sinto dificuldade no facto de ter de observar onde est a bola, saber o que decorre atrs de mim e, tambm, percepcionar o que quer que o Marco faa. Eu tenho de antecipar os movimentos do Marco, os quais requerem muita concentrao (...) Mas eu no sou o jogador para o qual eles tem de passar a bola. Eu no tenho de pedir a bola, tenho sim de criar espao.; Num curto dilogo, entre Nlton Santos e Pel, no qual o segundo questiona Nlton sobre o que que se passa na cabea dos jogadores na hora de uma jogada, Nlton respondeu Tem nego a que no passa nada., ao que Pel confessou Pois na minha passa um filme de longametragem! Tendo em conta os dois exemplos anteriores, e verificando-se a complexidade dos referenciais que o jogo possui pela enormidade de estmulos que imana, estando esses estmulos no s associados ao Modelo de Jogo da equipa que representam mas tambm, a todas as vivncias que caracterizam o processo de formao do jogador ao longo da sua carreira, Antnio Damsio (2009) refere que o crebro cognitivo funciona numa escala de milisegundos, por isso extremamente fcil para ns aprendermos muito rapidamente uma quantidade de factos, recolhermos uma quantidade de imagens e recordarmo-nos delas, manipularmos de uma forma inteligente e ao mesmo tempo, as emoes que deviam ter sido disparadas em relao a certos factos, em relao a certos acontecimentos, no conseguem ser disparadas por no h tempo. Assim sendo, o Modelo de Jogo potencia o conhecimento do jogo, o vivenciar das circunstncias do mesmo, o reconhecer dos referenciais colectivos e individuais, dentro dos planos de aco comuns (princpios de jogo) e individuais, dentro dos princpios colectivos da equipa, alicerados aos quatro momentos do jogo, permitindo que a equipa tenha e adopte um

2.Reviso de Literatura

20

Em busca da conformidade entre o Modelo de jogo do treinador e a performance da equipa em Futebol. Estudo de caso do Sporting Clube de Portugal

comportamento prospectivo e no reactivo, ou seja, haja sobre o meio, sobre o jogo, criando no mesmo as circunstncias favorveis para que os padres da prpria equipa se manifestem, fazendo com que os jogadores ajam sobre o jogo e no reajam perante o que o jogo dita. Assim sendo, crucial que o sentido que o Modelo de Jogo d equipa, faa com que a mesma conduza o jogo para onde pretende.

2.3.

O papel do Modelo de Jogo

Nascemos para o sentido, no para o prazer, a no ser que esse prazer esteja embebido de sentido. Jacob Needleman (2008)

Um profundo conhecimento do Modelo de Jogo, permitir conhecer muito bem o jogar que se quer implementar pois s um intenso domnio disto que permite que se jogue com todos os factores em causa com a devida fluidez e sempre com metas especficas bem delineadas (Campos, 2007). atravs do modelo de jogo que o treinador e os jogadores desenvolvem uma dada forma de jogar, com determinados princpios de aco. Como tal, para se conseguir um determinado jogar preciso conhec-lo e conhecer ter um Modelo de Jogo que vai direccionar a Intencionalidade daquilo que ns pretendemos (Gomes, 2007), pelo facto de cada treinador conceber e criar o seu prprio modelo de jogo.

2.3.1. na tomada de deciso do TreinadorO facto do modelo de jogo ser concebido e criado por um determinado treinador, existindo uma ligao intrnseca entre o que se pretende e o que se vai operacionalizar, permitenos dizer que conhecer bem o modelo de jogo ter uma ideia mais geral, a qual est alicerada a comportamentos mais especficos, permitindo que os redireccionamentos e reajustamentos sejam realizados de forma constante, de acordo com as necessidades contextuais, tendo em vista a Especificidade do mesmo, ou seja, no um Modelo de Jogo qualquer, o nosso modelo, o jogar do treinador que o concebeu, criou e conhece. Deste modo, Guilherme Oliveira (2006) afirma que o modelo de jogo uma coisa muito complexa e muitas vezes as pessoas so muito redutoras no entendimento deste conceito de modelo porque pensam que o modelo de jogo apenas um conjunto de comportamentos e

2.Reviso de Literatura

21

Em busca da conformidade entre o Modelo de jogo do treinador e a performance da equipa em Futebol. Estudo de caso do Sporting Clube de Portugal

ideias que o treinador tem que transmitir a determinados jogadores. E por isso acrescenta que o modelo de jogo tem a ver com as ideias que o treinador tem para transmitir aos jogadores, isto , com a sua concepo de jogo, mas tambm tem de estar relacionado com os jogadores que tem pela frente, com o que entendem de jogo. Deve estar relacionado com o clube onde est, com a cultura desse clube porque existem clubes com culturas completamente diferentes. Desta forma, reconhece-se um papel fundamental ao contexto e aos aspectos que influenciam o desenvolvimento e a concretizao do modelo, tendo nos conhecimentos que o jogador dispe, os quais lhe so transmitidos na relao que trava com o treinador no desenvolvimento do processo, uma orientao prioritria para certas sequncias de aco, em detrimento de outras (Tavares, 1993). Visto isto, para Morin (1990, cit. por Tavares, 2003) todo o conhecimento adquirido sobre o conhecimento torna-se num meio de conhecimento, iluminando o conhecimento que permitiu adquiri-lo. Concorrendo com a afirmao anterior, a transmisso do modelo de jogo do treinador aos seus jogadores, permite que haja um cruzar de ideias, as quais esto directamente relacionadas com as vivncias de cada um dos intervenientes. Essas mesmas vivncias conduziram e conduziro o treinador e o jogador no criar dos seus prprios modelos, modelos esses que formam o conhecimento de cada um deles, condicionando e dirigindo a focalizao da sua ateno na informao para a qual ambos esto mais sensveis, permitindo-lhes desenvolver esse conhecimento, ou seja, o seu conhecimento especfico, o de cada um deles. Apesar destes dois intervenientes serem duas das pedras fundamentais para o desenvolvimento do mesmo, h que salientar que ambos se encontram inseridos numa estrutura mais complexa, a qual funciona como ponto de partida para tudo, ou seja, evidente que quando um clube contrata um treinador, contrata ideias de jogo porque sabe que vai jogar dentro de determinadas ideias. Mas tambm o treinador quando chega a um clube tem de compreender que vai para um clube com um determinado tipo de histria, com determinado tipo de cultura, com um determinado historial num pas com determinadas caractersticas. E o treinador tem de compreender tudo isso e o modelo de jogo tem de envolver tudo isso. E se no se envolve com tudo isso, o que vai acontecer que, por mais qualidade que possa ter, pode no ter o mesmo sucesso do que se tudo isso estiver relacionado (Guilherme Oliveira, 2007). Segundo a ideia enunciada pelo autor anterior, o treinador quando contratado para uma organizao superior, o Clube, no vai nem pode alterar as estruturas identificadoras da mesma, pelo facto de estar a sacrificar, anos e anos de histria. Ento, o treinador inserido

2.Reviso de Literatura

22

Em busca da conformidade entre o Modelo de jogo do treinador e a performance da equipa em Futebol. Estudo de caso do Sporting Clube de Portugal

nessa estrutura com o intuito de acrescentar a sua cultura (de jogo) ao mesmo, possibilitando que haja uma evoluo da entidade superior, por intermdio de novas linhas de orientao do processo. Assim, o desenvolvimento de um jogo envolve um conjunto de aspectos que o treinador, enquanto lder do processo, tem de gerir para o conduzir para onde pretende. Neste sentido, para Vtor Frade (2003:VII) o treinador assume-se no comando exterior ao sistema regulado, sendo que o papel do mesmo para interferir com o sentido de catalisar a concretizao do processo. Tendo em conta esta vertente pragmtica, o autor considera determinante que o treinador tem de ser na realidade o indivduo que aproxima tudo que favorvel ao crescimento qualitativo do processo, no sentido do futuro a que se aspira. Ou seja, observando a Inteireza Inquebrantvel do jogo, assumimos o modelo como a concepo de uma expresso de jogo tendo como princpio base, o estar constantemente a ser visualizado, mantendo-se o futuro como o elemento causal do comportamento (Frade, 1985, 2006 e 2007).

2.3.2. e na interveno do mesmo no decorrer da construo do processo.Mais do que planear e estruturar o processo, no entendimento de Guilherme Oliveira (2004), o treinador tem um papel determinante na concretizao do mesmo, atravs da sua interveno. O seu modo de interagir e intervir no desenvolvimento do processo de treino e da competio muito importante, na medida em que regula os acontecimentos no sentido do que pretende (Garganta, 2004). Guilherme Oliveira (2004) reconhece que a forma como o treinador intervm no aqui e agora muito importante para configurar a qualidade do processo, ou seja, os jogadores agem livremente, sem serem livres de agir (Oliveira et al., 2006), em funo do que se pretende. Assim sendo e em funo da construo de um jogar de qualidade que o treinador pretende para a sua equipa, uma das caractersticas marcantes para que tal se verifique o jogar como equipa, e como tal, Mourinho (in Oliveira et al., 2006) afirma que para se jogar desse modo necessrio ter organizao, ter determinadas regularidades que fazem com que, nos quatro momentos do jogo, todos os jogadores pensem em funo da mesma coisa ao mesmo tempo. Para que tal possa ser construdo, o treinador dever ter como bssola orientadora desse processo, a organizao do jogo preconizada no Modelo de Jogo do primeiro.

2.Reviso de Literatura

23

Em busca da conformidade entre o Modelo de jogo do treinador e a performance da equipa em Futebol. Estudo de caso do Sporting Clube de Portugal

Respeitar essa bssola cumprir o supraprincpio da especificidade, atingido atravs do pragmatizar a fraccionao, isto , atravs do contemplar da vivenciao aquisitiva dos diversos princpios, subprincpios, subprincpios dos subprincpios do seu jogar (Oliveira et al., 2006). Portanto, seguindo a ideia dos autores anteriores, no podemos ignorar que a dinmica do competir parte integrante da dinmica do treinar, como tambm, S se poder chamar especificidade Especificidade, se houver uma permanente e constante relao entre as componentes psico-cognitivas, tctico-tcnicas, fsicas e coordenativas, em correlao permanente com o modelo de jogo adoptado e respectivos princpios que lhe do corpo. (Guilherme Oliveira, 1991). Corroborando com a afirmao anterior, Gomes (2007) menciona que o sentido da progresso do menos complexo para o mais complexo tem uma ordem e essa ordem s tem Sentido quando conhecemos bem o jogar e percebemos o que mais difcil. Ou seja, o conhecimento profundo do processo que pretendemos desenvolver, que nos faz criar as linhas de conduo ou referenciais de orientao do processo, fazendo com que o mesmo esteja sob o comando de uma hierarquizao lgica de conduo, permitindo que o desenvolvimento e evoluo do Modelo de Jogo estejam alicerados a uma lgica coerente, que de etapa para etapa, assuma uma complexidade crescente. A construo do Modelo de Jogo assume o desenvolvimento de uma complexidade crescente, rumo evoluo do nosso jogar, o qual tem necessidades contextuais, tendo em vista a Especificidade. Uma vez que a Especificidade depende () dos contextos, do prprio modelo e do prprio jogar. (idem, 2007), a hierarquizao dos princpios adquire uma particular importncia. Assim sendo, a interaco dos princpios da alternncia horizontal, da progresso complexa e das propenses em Especificidade, no podem deixar de estar interligados pelo jogar, por isso que o Modelo extremamente importante, porque uma coisa que se vai desenvolvendo e o que vai dar Sentido articulao destes princpios todos. (ibidem, 2007). Deste modo e tendo em considerao que os trs princpios metodolgicos esto interligados, no sendo possvel dar primazia a nenhum deles, h que saber como que cada um deles contribui para a construo do Modelo, sendo que os mesmos fazem a ponte entre o Modelo de Jogo e o Modelo de Treino. Por intermdio do Princpio das Propenses, o qual se refere criao de contextos propcios a determinadas aquisies, Gomes (2007) refere que tem de haver um Sentido

2.Reviso de Literatura

24

Em busca da conformidade entre o Modelo de jogo do treinador e a performance da equipa em Futebol. Estudo de caso do Sporting Clube de Portugal

associado, pois s aquisitivo quando ao fazermos, soubermos minimamente aquilo que estamos a fazer. (...), conduzindo-nos simultaneamente com os jogadores, numa primeira instncia para uma dimenso maior, que a dimenso do Sentido porque temos que desenvolver o jogar por nveis de organizao e temos que articular os sentidos e hierarquizar. Numa segunda instncia para uma dimenso menor, que saber nesse mesmo Sentido que contexto que vamos proporcionar. Para que os contextos propcios a determinadas aquisies sejam vivenciados na sua plenitude, h que ter em conta o Princpio da Alternncia Horizontal, o qual, segundo Gomes (2007) permite () variar o registo das solicitaes especficas em cada dia () e, atravs dessa variao, reconhecer o desgaste que os jogadores tm, fraccionando o jogar para que em cada dia, estejam a desenvolver esse mesmo jogar dentro de desempenhos mximos, tanto em condies mentais como fsicas. Completando o ciclo metodolgico, h que variar o grau de complexidade e, por consequncia, o tipo de exigncias, permitindo que o objectivo do treinador no se centre somente na evoluo do jogar mas tambm, na necessidade que esse mesmo jogar exige em termos de recuperao. Seguindo o raciocnio anterior, surge uma crescente preocupao com a questo da familiarizao com aquilo que a cultura de jogo da prpria equipa, sendo que o treinador tem um papel crucial no modo como intervm, ou seja, existe uma necessidade constante de avaliar o que a nossa equipa, os nossos jogadores e qual o conhecimento dos mesmos sobre o jogo da equipa (Faria, 2007). Assim, quanto maior for a cultura de jogo da equipa, mais facilitada ser a antecipao do nosso jogo. Portanto, o Modelo de Jogo surge do desenvolvimento de uma procura emprica, a partir dos princpios do modelo de jogo para apreender uma lgica prtica do desenvolvimento desse modelo, conduzindo-o para critrios de anlise contextualizados pelo modelo que o treinador pretende desenvolver com os jogadores. Reforando este lado pragmtico do processo, Vtor Frade (2003:III) afirma que mais importante que a prpria noo de modelo, so os princpios do prprio modelo, uma vez que nem todos assumem a mesma importncia nem so operacionalizados da mesma forma. Seguindo a ideia do autor supracitado, Gomes (2007) afirma que a manuteno do princpio uma coisa dinmica em evoluo constante, permitindo-nos perceber que o treinador potencia uma ideia de evoluo permanente, ou seja, apesar de uma equipa ter solidificado uma determinada forma de jogar, a mesma no deve ser estanque, tendo o treinador um papel

2.Reviso de Literatura

25

Em busca da conformidade entre o Modelo de jogo do treinador e a performance da equipa em Futebol. Estudo de caso do Sporting Clube de Portugal

imperial no criar de uma complexidade crescente desse mesmo jogar. Caso contrrio, no h evoluo nem da equipa nem dos jogadores (Guilherme Oliveira, 2007). Concluindo este ponto, a qualidade da interveno do treinador est dependente de um perfeito conhecimento do Modelo de Jogo. Como tal, Faria (2007) aponta estas preocupaes como nucleares quando diz o seguinte: Durante a execuo do exerccio, a interveno em funo da relao jogador-exerccio-treinador, leva a que por vezes sintamos a necessidade de criar ainda mais qualquer acrescento para que o que pretendemos se manifeste de forma ainda mais vincada e este tipo de interveno apenas possvel se soubermos muito bem onde estamos e para onde queremos ir, isto , exige-se um conhecimento muito bem estruturado do Modelo de Jogo que nos permita reajustar a interveno sempre no sentido de um direccionamento especfico.

2.4.

O papel do Modelo de Jogo na tomada de deciso dos Jogadores

Exercitamos o nosso Modelo de Jogo, exercitamos os nossos princpios e sub-princpios de jogo, adaptamos os jogadores a ideias comuns a todos, de forma a estabelecer a mesma linguagem comportamental. Trabalhamos exclusivamente as situaes de jogo que me interessam, fazemos a sua distribuio semanal de acordo com a nossa lgica de recuperao, treino e competio, progressividade e alternncia. Criamos hbitos com vista manuteno da forma desportiva da equipa, que se traduz por um frequente jogar bem

Mou