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16 ESPECIAL Sábado 4 de Julho de 2020 Adebayo Vunge As teorias modernas da economia de mercado têm como pedras basilares dois teoremas de enorme relevância e alcance para o momento que vive a nossa economia. 1. Um século depois da pandemia da Gripe Espanhola, a humanidade volta a confrontar-se com uma nova crise pandémica de consequências até aqui inconclusivas. Fazem-se projecções, desenham-se cenários, mas a incerteza domina o debate e o mundo. Ao mesmo tempo, analistas multidisciplinares estão convencidos de que esta situação dará lugar a uma crise económica e financeira à escala global, que em alguns países poderá conduzir a pro- blemas no espectro social e político. Como se denota, esta crise é o corolário de uma crise ainda maior, do ponto de vista sistémico, que afecta os fun- damentos do Estado, do capitalismo e da cooperação internacional. 2. Infelizmente, não estamos ainda no pós-Covid-19, é duvidoso que este- jamos até ao final do próximo ano e ninguém tem como estimar a totalidade dos impactos finais. Estamos depen- dentes de soluções que os outros pos- sam aportar, seja do ponto de vista de um medicamento para a sua cura efectiva, seja em termos preventivos, com uma vacina. 3. Assim, e como ocorre hoje, espe- cialmente nos países asiáticos e euro- peus, o mais certo é que tenhamos de adoptar um comportamento de relançamento das actividades socioe- conómicas numa lógica de convivência com o próprio vírus, gerando-se um cordão de imunidade colectiva ou ‘imunidade de grupo’, onde as dúvidas são tantas como as certezas quanto ao resultado. 4. Este cenário implica a adopção de uma série de medidas emergenciais do ponto de vista da Saúde Pública, mas também económico-sociais e político-institucionais, para acudir (sobretudo, mas não só) aos sectores mais vulneráveis da população. 5. Entretanto, convém dizer que a nossa crise não é nova, alguns sinais deixavam já antever de que estaríamos numa rota descendente, em termos de sustentabilidade das finanças públi- cas, em 2020. É preciso uma estratégia que vise olhar para os nossos problemas de uma forma mais realista (não con- fundir com pessimista) numa espécie de catarse, para criar, a vários níveis, impactos socioeconómicos evidentes e ingentes, e conciliar tudo isso com um plano consequente e sustentável de relançamento do crescimento, e mesmo do real desenvolvimento do País, para não vivermos apenas de reacções meramente contingentes. 6. Assim, a aposta consequente, mesmo que temerária, nas reformas estruturais parece ser o caminho mais avisado, no sentido de se aproveitar o pouco de positivo que traz esse tanto de negativo. 7. O documento segue, pois, a via dos curto e médio prazos, diagnosti- cando e dando alguns contributos para os possíveis caminhos que podem ser seguidos pelo Executivo, tendo em vista a concretização da melhoria do bem-estar colectivo. 8. Do nosso ponto de vista, é impor- tante um amplo debate nacional sobre os temas estruturais. E ainda mais importante do que isso, é fundamental que haja capacidade institucional para a implementação e o monitora- mento das medidas, preservando o foco, não obstante os desafios cir- cunstanciais. Dito de outra forma, consideramos indispensável, e acei- tando acidentes de percurso, definir uma visão estratégica onde, uma a uma, se definam prioridades concretas. Estratégias de curto prazo São identificados três domínios, a saber: a) Domínio Político e Institucional I. Reforma do Estado e redução extrema da burocracia II. Reforma da Lei de Terras b) Domínio das Finanças Públicas I. Redução efectiva da despesa pública III. Dívida pública IV. Liquidações e privatizações V. Mobilização da economia informal VI. Atracção negociada de novos investimentos e PPPs C) Domínio do Ordenamento do Espaço. I. Segurança das pessoas e dos investimentos II. Dividendo demográfico, urba- nização e êxodo rural. Domínio político e institucional - Reforma do Estado e redução extrema da burocracia – a burocracia já provou ser, entre nós, dos mais críticos factores de entrave ao investimento. Não pode- mos continuar a suportar retrocesso ou a manutenção do actual status quo ao nível do doing business. A sim- plificação, desburocratização e eli- minação de um sistema cedular de impostos, taxas, contribuições for- mais e informais onera em demasia e inibe a propensão para os negó- cios.“Menos Estado, menos entraves”. “Menos Estado, mais despacho”, o Estado não pode ser tido como ele- mento bloqueador da acção da livre iniciativa e da capacidade empreen- dedora dos cidadãos. Uma prova disso mesmo é a ausên- cia de Bilhetes de Identidade para todos os cidadãos, apesar dos inves- timentos que foram feitos ao largo dos anos para este fim. Mas podemos igualmente aflorar aspectos que difi- cultam o dia-a-dia do cidadão como: a. A certificação dos diplomas nos moldes actuais do INAREES, com impacto muito negativos sobre o emprego, levando cidadãos ao desespero. b. Na lista cabem ainda o conjunto de documentos exigidos para a par- ticipação em concurso público, muitos dos quais poderiam ser eliminados fruto da interligação e interdepen- dência entre os sistemas. Este expe- diente, muitas vezes, desistimula a participação das PME. c. Prazos demasiado curtos para a vigência dos alvarás ou inexistência de mecanismos de renovação auto- matizados ou com a utilização das actividades inspectivas; d. Para o início de actividades há um excesso de licenciamentos. Reti- rou-se o bloqueio na constituição de empresas, mas continuamos a afunilar nas condições precedentes para o início de qualquer actividade empre- sarial. Poderíamos inclusive optar por mecanismos de licenciamento a pos- terior, permitindo muitas vezes que a actividade financie os custos da sua constituição. e. Idênticos constrangimentos nota- mos para o registo automóvel ou ainda de imóveis, com os governos provinciais e administrações municipais a cons- tituírem um verdadeiro obstáculo por excessivo rigor ora mesmo por ausência total de procedimentos, para além das práticas de inconformidade. - Reforma da Lei de Terras e do sis- tema de registos fundiários e imobiliários – é preciso capitalizar e dinamizar a economia por via do único recurso que está disponível: a terra. Ela tem de servir como garantia dos financia- mentos dos bancos, e para tal é preciso que sejam atribuídos direitos mais robustos e de forma mais célere, seja a nacionais, seja mesmo a estrangeiros (com garantias de grande valor como contrapartidas). É urgentíssimo sairmos da perene incapacidade de dar reconhecimento e valor formal à pouca riqueza que existe. A legitimação da propriedade perante terceiros pelo registo é uma prioridade para revitalização da capa- cidade de endividamento e dinami- zação dos negócios com os bancos e não só. É preciso apostar num regime funcional, ainda que precário, que possibilite, sem grandes burocracias, que se dê dimensão formal ao que já existe materialmente. Domínio das finanças públicas- Redução efectiva da despesa pública – a reforma do Estado, do ponto de vista institucional, tem de partir da reapreciação das próprias funções que o Estado desempenha. O tema transcende, portanto, a mera questão numérica ou de dimensão de insti- tuições e menos ainda de funcionários. Precisamos de apresentar resultados rápidos e efectivos no que tange à percepção real da necessidade e do desempenho de várias instituições, respondendo ainda à crítica assimetria em termos de presença institucional, além dos tradicionais temas de carência brutal de infra-estruturas e meios físicos e o uso pouco proveitoso das tecnologias de informação. Sem prejuízo das evidentes melho- rias ao nível da contratação pública, a verdade é que é preciso aproveitar o património público (mobiliário e imobiliário), evitando-se o despesismo. O comportamento do Estado, como um todo, não é, muitas vezes, coerente em matéria de gastos públicos, inves- tindo no que não é prioritário, gastando sempre mais do que a média em qual- quer compra, nem sempre dando o melhor exemplo em matéria de aus- teridade e, com isso, não contribuindo como exemplo para os demais sectores da sociedade. ¬ Orçamento realista – só devemos inscrever no OGE aquilo que efecti- vamente esteja ao alcance de todos; em segundo lugar, devemos suspender a inscrição de novos projectos, durante um exercício, para que sejam concluí- dos todos os pendentes; ¬ Rigoroso recadastramento dos funcionários civis e cadastramento dos funcionários efectivos dos órgãos de defesa e segurança. Essa medida permite ao Estado ter uma noção do seu real tamanho e volume e, ao mesmo tempo, trabalhar no sentido de corrigir as assimetrias, atendendo às reais necessidades do Poder Local; ¬ Suspender os mecanismos de contratação simplificada, o que exige cultura de planificação, rigor e trans- parência na gestão. ¬ Utilização das facilidades do leasing para a aquisição de viaturas de funções para os funcionários de segunda a terceira linhas da admi- nistração pública. O Estado poderá assim funcionar apenas como garante com ou sem comparticipação de fundos públicos; ¬ Redução das gamas/cilindradas das viaturas de função atribuídas aos funcionários e gestores públicos; adi- cionalmente cortar a atribuição de viaturas de apoio familiar como foi sendo prática; A percepção pública geral é, ainda, de que o Estado gasta muito onde não deveria gastar, e gasta pouco no que deveria ser prioritário. O princípio de recrutar cada vez mais, para fazer o mesmo, quando noutras paragens são preciso menos, mas com mais meios e estímulos, é péssimo. Tra- duz-se numa espécie de socialização da pobreza. “Pagar a menos, mas mais”é capaz de trazer melhores resul- tados. É preciso estimular as pessoas a tomarem o sentido inverso do êxodo para as cidades, estimulando-as a partirem para o interior. O Estado tem as modalidades e os meios de con- trapartida ao seu dispor. É preciso tornar a actuação do Estado muito mais próxima dos privados em matéria da vida económica. - Dívida Pública – É preciso não temer as contrapartidas a prestar a terceiros, mesmo no que toca aos cus- tos das dívidas. Não existem almoços grátis e não podemos contar com a “bondade” dos outros. A virtude de não nos iludirmos deve ser totalmente nossa, mesmo que nos estejam a ven- der o melhor dos sonhos. O problema nunca foi a dívida em si, mas a sua negociação, a sua gestão rigorosa, sustentada, e, muito mais importante, o que estrategicamente se realiza em termos de investimento com o capital mutuado. A culpa não foi de termos ido buscar investimento ou empréstimos, o erro sempre foi nosso na avaliação prévia que fizemos sobre o que deveríamos fazer. Pensar com realismo numa lógica de médio e longo prazos, capitalizar em investi- mentos verdadeiramente reprodutivos, dentro de uma estratégia coerente, são as soluções e não é tarde demais para as adoptarmos. E também aqui preci- samos de um sentido estratégico, a dívida faz mais sentido quando é con- traída para o desenvolvimento do Estado e menos quando acontece para acudir à escassez do Tesouro público. - Liquidações e privatizações – a liquidação e privatização dos activos empresariais ou produtivos não estra- tégicos é urgente. O Estado continua a ter imenso prejuízo na manutenção deste parque (im)produtivo, além do custo de oportunidade em que incorre ao não devolver estes activos ao sector produtivo. O Estado precisa de adoptar uma postura coerente e não pode ser, ao mesmo tempo, “o árbitro e “o jogador”. De resto, há ainda uma massa significativa de ex-trabalhadores que aguardam indemnizações há décadas, e muito património que deve ser devolvido à economia. É urgente a revisão da Lei das Privatizações. - Mobilização da economia informal – a economia informal não precisa e nem deve ser confundida com uma economia criminosa. Não deve ser vista como inimiga, mas sim como uma natural evidência da livre e espontânea iniciativa empreendedora dos angolanos. Deve, pois, ser apoiada e não combatida. É o Estado que deve olhar para ela, para os moldes em que se comporta, a sua fisionomia e características, e procurar adequar os regimes formais à economia infor- mal. Deve procurar entender as neces- sidades e dinâmicas destes negócios e de como é possível gerar um valor regular e não especulativo, predador ou ilegal, dito de outra forma, integrar a informalidade na formalidade, ser- vindo não apenas em termos de tri- butação, mas sobretudo a sua correcta integração urbana seja com feiras rotativas como em mercados muni- cipais, suficientemente espaçosos e organizados. Alguém se lembra do mercado do Kinaxixi? - Atracção negociada de novos investimentos e PPP – deve dinami- zar-se a captação de investimento privado nacional e, sobretudo, externo, por via negociada, quando se tratar de investimento estratégico (incluindo procedimentos de adju- Gilberto Luther |* OPINIÃO Domínio das finanças públicas- Redução efectiva da despesa pública – a reforma do Estado, do ponto de vista institucional, tem de partir da reapreciação das próprias funções que o Estado desempenha -A percepção pública geral é, ainda, de que o Estado gasta muito onde não deveria gastar, e gasta pouco no que deveria ser prioritário. O princípio de recrutar cada vez mais, para fazer o mesmo, quando noutras paragens são preciso menos, mas com mais meios e estímulos, é péssimo Angola 2020: Estratégias para Pós-Covid 19 (CONTINUA NA PÁG.17)

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16 ESPECIAL Sábado4 de Julho de 2020

Adebayo Vunge

As teorias modernas da economiade mercado têm como pedras basilaresdois teoremas de enorme relevânciae alcance para o momento que vivea nossa economia.1. Um século depois da pandemia

da Gripe Espanhola, a humanidadevolta a confrontar-se com uma novacrise pandémica de consequências atéaqui inconclusivas. Fazem-se projecções,desenham-se cenários, mas a incertezadomina o debate e o mundo. Ao mesmotempo, analistas multidisciplinaresestão convencidos de que esta situaçãodará lugar a uma crise económica efinanceira à escala global, que emalguns países poderá conduzir a pro-blemas no espectro social e político.Como se denota, esta crise é o coroláriode uma crise ainda maior, do pontode vista sistémico, que afecta os fun-damentos do Estado, do capitalismoe da cooperação internacional.2. Infelizmente, não estamos ainda

no pós-Covid-19, é duvidoso que este-jamos até ao final do próximo ano eninguém tem como estimar a totalidadedos impactos finais. Estamos depen-dentes de soluções que os outros pos-sam aportar, seja do ponto de vistade um medicamento para a sua curaefectiva, seja em termos preventivos,com uma vacina.3. Assim, e como ocorre hoje, espe-

cialmente nos países asiáticos e euro-peus, o mais certo é que tenhamosde adoptar um comportamento derelançamento das actividades socioe-conómicas numa lógica de convivênciacom o próprio vírus, gerando-se umcordão de imunidade colectiva ou‘imunidade de grupo’, onde as dúvidassão tantas como as certezas quantoao resultado. 4. Este cenário implica a adopção

de uma série de medidas emergenciaisdo ponto de vista da Saúde Pública,mas também económico-sociais epolítico-institucionais, para acudir(sobretudo, mas não só) aos sectoresmais vulneráveis da população. 5. Entretanto, convém dizer que

a nossa crise não é nova, alguns sinaisdeixavam já antever de que estaríamosnuma rota descendente, em termosde sustentabilidade das finanças públi-cas, em 2020. É preciso uma estratégiaque vise olhar para os nossos problemasde uma forma mais realista (não con-fundir com pessimista) numa espéciede catarse, para criar, a vários níveis,impactos socioeconómicos evidentese ingentes, e conciliar tudo isso comum plano consequente e sustentávelde relançamento do crescimento, emesmo do real desenvolvimento doPaís, para não vivermos apenas dereacções meramente contingentes.6. Assim, a aposta consequente,

mesmo que temerária, nas reformasestruturais parece ser o caminho maisavisado, no sentido de se aproveitaro pouco de positivo que traz esse tantode negativo.7. O documento segue, pois, a via

dos curto e médio prazos, diagnosti-cando e dando alguns contributospara os possíveis caminhos que podemser seguidos pelo Executivo, tendoem vista a concretização da melhoriado bem-estar colectivo. 8. Do nosso ponto de vista, é impor-

tante um amplo debate nacional sobreos temas estruturais. E ainda maisimportante do que isso, é fundamental

que haja capacidade institucionalpara a implementação e o monitora-mento das medidas, preservando ofoco, não obstante os desafios cir-cunstanciais. Dito de outra forma,consideramos indispensável, e acei-tando acidentes de percurso, definiruma visão estratégica onde, uma auma, se definam prioridades concretas.

Estratégias de curto prazoSão identificados três domínios, asaber:a) Domínio Político e InstitucionalI. Reforma do Estado e redução

extrema da burocraciaII. Reforma da Lei de Terrasb) Domínio das Finanças PúblicasI. Redução efectiva da despesa

públicaIII. Dívida públicaIV. Liquidações e privatizaçõesV. Mobilização da economia informalVI. Atracção negociada de novos

investimentos e PPPs

C) Domínio do Ordenamento doEspaço.I. Segurança das pessoas e dos

investimentosII. Dividendo demográfico, urba-

nização e êxodo rural.

Domínio político e institucional- Reforma do Estado e redução extremada burocracia – a burocracia já provouser, entre nós, dos mais críticos factoresde entrave ao investimento. Não pode-mos continuar a suportar retrocessoou a manutenção do actual statusquo ao nível do doing business. A sim-plificação, desburocratização e eli-minação de um sistema cedular deimpostos, taxas, contribuições for-mais e informais onera em demasiae inibe a propensão para os negó-cios.“Menos Estado, menos entraves”.“Menos Estado, mais despacho”, oEstado não pode ser tido como ele-mento bloqueador da acção da livreiniciativa e da capacidade empreen-dedora dos cidadãos.Uma prova disso mesmo é a ausên-

cia de Bilhetes de Identidade paratodos os cidadãos, apesar dos inves-timentos que foram feitos ao largodos anos para este fim. Mas podemosigualmente aflorar aspectos que difi-cultam o dia-a-dia do cidadão como:a. A certificação dos diplomas

nos moldes actuais do INAREES,com impacto muito negativos sobreo emprego, levando cidadãos aodesespero. b. Na lista cabem ainda o conjunto

de documentos exigidos para a par-ticipação em concurso público, muitosdos quais poderiam ser eliminadosfruto da interligação e interdepen-dência entre os sistemas. Este expe-diente, muitas vezes, desistimula aparticipação das PME.c. Prazos demasiado curtos para

a vigência dos alvarás ou inexistênciade mecanismos de renovação auto-matizados ou com a utilização dasactividades inspectivas; d. Para o início de actividades há

um excesso de licenciamentos. Reti-rou-se o bloqueio na constituição deempresas, mas continuamos a afunilarnas condições precedentes para oinício de qualquer actividade empre-sarial. Poderíamos inclusive optar pormecanismos de licenciamento a pos-terior, permitindo muitas vezes quea actividade financie os custos da suaconstituição.e. Idênticos constrangimentos nota-

mos para o registo automóvel ou aindade imóveis, com os governos provinciaise administrações municipais a cons-tituírem um verdadeiro obstáculo porexcessivo rigor ora mesmo por ausênciatotal de procedimentos, para além daspráticas de inconformidade.- Reforma da Lei de Terras e do sis-

tema de registos fundiários e imobiliários– é preciso capitalizar e dinamizar aeconomia por via do único recursoque está disponível: a terra. Ela temde servir como garantia dos financia-mentos dos bancos, e para tal é precisoque sejam atribuídos direitos maisrobustos e de forma mais célere, sejaa nacionais, seja mesmo a estrangeiros(com garantias de grande valor comocontrapartidas).É urgentíssimo sairmos da perene

incapacidade de dar reconhecimentoe valor formal à pouca riqueza queexiste. A legitimação da propriedadeperante terceiros pelo registo é umaprioridade para revitalização da capa-cidade de endividamento e dinami-zação dos negócios com os bancose não só. É preciso apostar num regimefuncional, ainda que precário, quepossibilite, sem grandes burocracias,que se dê dimensão formal ao que jáexiste materialmente.Domínio das finanças públicas-

Redução efectiva da despesa pública– a reforma do Estado, do ponto devista institucional, tem de partir dareapreciação das próprias funçõesque o Estado desempenha. O tematranscende, portanto, a mera questãonumérica ou de dimensão de insti-tuições e menos ainda de funcionários.Precisamos de apresentar resultadosrápidos e efectivos no que tange àpercepção real da necessidade e dodesempenho de várias instituições,respondendo ainda à crítica assimetriaem termos de presença institucional,além dos tradicionais temas de carênciabrutal de infra-estruturas e meiosfísicos e o uso pouco proveitoso dastecnologias de informação.Sem prejuízo das evidentes melho-

rias ao nível da contratação pública,a verdade é que é preciso aproveitaro património público (mobiliário eimobiliário), evitando-se o despesismo.O comportamento do Estado, comoum todo, não é, muitas vezes, coerenteem matéria de gastos públicos, inves-tindo no que não é prioritário, gastandosempre mais do que a média em qual-

quer compra, nem sempre dando omelhor exemplo em matéria de aus-teridade e, com isso, não contribuindocomo exemplo para os demais sectoresda sociedade.

¬Orçamento realista – só devemosinscrever no OGE aquilo que efecti-vamente esteja ao alcance de todos;em segundo lugar, devemos suspendera inscrição de novos projectos, duranteum exercício, para que sejam concluí-dos todos os pendentes;

¬ Rigoroso recadastramento dosfuncionários civis e cadastramentodos funcionários efectivos dos órgãosde defesa e segurança. Essa medidapermite ao Estado ter uma noção doseu real tamanho e volume e, aomesmo tempo, trabalhar no sentidode corrigir as assimetrias, atendendoàs reais necessidades do Poder Local;

¬ Suspender os mecanismos decontratação simplificada, o que exigecultura de planificação, rigor e trans-parência na gestão.

¬ Utilização das facilidades doleasing para a aquisição de viaturasde funções para os funcionários desegunda a terceira linhas da admi-nistração pública. O Estado poderáassim funcionar apenas como garantecom ou sem comparticipação defundos públicos;

¬Redução das gamas/cilindradasdas viaturas de função atribuídas aosfuncionários e gestores públicos; adi-cionalmente cortar a atribuição deviaturas de apoio familiar como foisendo prática;A percepção pública geral é, ainda,

de que o Estado gasta muito onde nãodeveria gastar, e gasta pouco no quedeveria ser prioritário. O princípio derecrutar cada vez mais, para fazer omesmo, quando noutras paragenssão preciso menos, mas com maismeios e estímulos, é péssimo. Tra-duz-se numa espécie de socializaçãoda pobreza. “Pagar a menos, masmais”é capaz de trazer melhores resul-tados. É preciso estimular as pessoasa tomarem o sentido inverso do êxodopara as cidades, estimulando-as apartirem para o interior. O Estado temas modalidades e os meios de con-trapartida ao seu dispor. É precisotornar a actuação do Estado muitomais próxima dos privados em matériada vida económica.

- Dívida Pública – É preciso nãotemer as contrapartidas a prestar aterceiros, mesmo no que toca aos cus-tos das dívidas. Não existem almoçosgrátis e não podemos contar com a“bondade” dos outros. A virtude denão nos iludirmos deve ser totalmentenossa, mesmo que nos estejam a ven-der o melhor dos sonhos.O problema nunca foi a dívida em

si, mas a sua negociação, a sua gestãorigorosa, sustentada, e, muito maisimportante, o que estrategicamentese realiza em termos de investimentocom o capital mutuado. A culpa nãofoi de termos ido buscar investimentoou empréstimos, o erro sempre foinosso na avaliação prévia que fizemossobre o que deveríamos fazer. Pensarcom realismo numa lógica de médio elongo prazos, capitalizar em investi-mentos verdadeiramente reprodutivos,dentro de uma estratégia coerente, sãoas soluções e não é tarde demais paraas adoptarmos. E também aqui preci-samos de um sentido estratégico, adívida faz mais sentido quando é con-traída para o desenvolvimento do Estadoe menos quando acontece para acudirà escassez do Tesouro público.- Liquidações e privatizações – a

liquidação e privatização dos activosempresariais ou produtivos não estra-tégicos é urgente. O Estado continuaa ter imenso prejuízo na manutençãodeste parque (im)produtivo, alémdo custo de oportunidade em queincorre ao não devolver estes activosao sector produtivo. O Estado precisade adoptar uma postura coerentee não pode ser, ao mesmo tempo,“o árbitro e “o jogador”. De resto,há ainda uma massa significativade ex-trabalhadores que aguardamindemnizações há décadas, e muitopatrimónio que deve ser devolvidoà economia.

É urgente a revisão da Lei das Privatizações. - Mobilização da economia informal– a economia informal não precisae nem deve ser confundida com umaeconomia criminosa. Não deve servista como inimiga, mas sim comouma natural evidência da livre eespontânea iniciativa empreendedorados angolanos. Deve, pois, ser apoiadae não combatida. É o Estado quedeve olhar para ela, para os moldesem que se comporta, a sua fisionomiae características, e procurar adequaros regimes formais à economia infor-mal. Deve procurar entender as neces-sidades e dinâmicas destes negóciose de como é possível gerar um valorregular e não especulativo, predadorou ilegal, dito de outra forma, integrara informalidade na formalidade, ser-vindo não apenas em termos de tri-butação, mas sobretudo a sua correctaintegração urbana seja com feirasrotativas como em mercados muni-cipais, suficientemente espaçosos eorganizados. Alguém se lembra domercado do Kinaxixi?- Atracção negociada de novos

investimentos e PPP – deve dinami-zar-se a captação de investimentoprivado nacional e, sobretudo,externo, por via negociada, quandose tratar de investimento estratégico(incluindo procedimentos de adju-

Gilberto Luther |*

OPINIÃO

Domínio das finançaspúblicas- Reduçãoefectiva da despesa

pública – a reforma doEstado, do ponto de vista

institucional, tem departir da reapreciaçãodas próprias funções

que o Estadodesempenha

-A percepção públicageral é, ainda, de que oEstado gasta muito ondenão deveria gastar, egasta pouco no que

deveria ser prioritário.O princípio de recrutarcada vez mais, para

fazer o mesmo, quandonoutras paragens são

preciso menos, mas commais meios e estímulos,

é péssimo

Angola 2020: Estratégias para Pós-Covid 19

(CONTINUA NA PÁG.17)

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dicação directa, para investidoresde alto interesse). Deve privilegiar-se uma forma mais directa, menosburocrática de os contactar. Ao níveldas PPP, deverá dar-se atenção especialaos mecanismos de garantias delucros e de swaps; é preciso dina-mizá-los como forma de estimularum investimento.

Pensar fora do caixa poderá sig-nificar uma barganha com o queestiver à mão, como por exemplo:um deferimento por 10 (dez) anos nopagamento de impostos para umaempresa que realize investimentoscomprovados de um valor X, desdeque empregasse mão-de-obranacional até Y e fizesse comprasnacionais até Z; um regime libe-ralizado de saída e de não tribu-tação do capital para quem trouxerinvestimentos ou mantiver contasem divisas em determinados mon-tantes nos bancos nacionais.

Entre os sectores onde mais facil-mente se podem captar investidorespara esta modalidade de financia-mento, encontra-se sobretudo o dasinfraestruturas, particularmente nodomínio das estradas e caminhos-de-ferro, tendo em vista acelararmosa mobilidade urbana e a integraçãoeconómica das regiões. Por exemplo,o Metropolitano de Luanda não devecontinuar a ser adiado. As auto-estra-das não podem continuar a ser umamiragem. E a linha de caminho-de-ferros Sul /Norte é uma inevitabilidade,sendo certo que pode cruzar as trêslinhas actuais, partindo assim doLubango, seguindo-se para o Huambo(onde cruza com o CFB), Waku Kungoaté ao Alto-Dondo, seguindo daí paraLuanda. O terceiro grande projectopara as nossas “obras incríveis” seriaa ponte que liga Cabinda ao Soyo.

Domínio do ordenamento do espaço- Segurança das pessoas e dos inves-timentos – uma das evidências que acrise presente demonstra é que é, sim,possível fazer muito com o pouco. Anível de exemplo, cite-se o papel impor-tantíssimo das FAA e das forças daordem em geral no asseguramento documprimento das medidas do Estadode Emergência quando houver a neces-sidade de ser estabelecido. Mas é pos-sível dar um papel ainda mais produtivoou mais relevante à segurança públicano que tem a ver com os investimentospúblicos e privados (além da segurançapública territorial). Não há ambientede investimento que se crie sem essagarantia de segurança efectiva, e oscustos de asseguramento privadooneram em demasia os custos iniciaisdo investimento.

- Dividendo demográfico, urbani-zação e êxodo rural – a falta de urba-n i zação rep resen ta um custoeconómico altamente relevante.Representa um obstáculo da maisalta importância na estratégia de cap-tação de investimento, e também umrisco de segurança a todos os níveispara as pessoas e para as empresas.É preciso não fomentar novos “mus-seques” e “guetos”, até mesmo emzonas recentemente urbanizadascomo as centralidades.

Estratégia a médio e longo prazos- Educação e ensino – em termosestratégicos, a questão coloca-senuma perspectiva de assertividadee concretização no que tange à fixaçãode metas claras. Não é aceitável que,ano após ano, mantenhamos os mes-mos problemas e os mesmos desafios,sem que se tenha uma notória per-cepção dos avanços, isto porque,muitas vezes, não se conhecia o statusquo ante e as metas (em termos numé-ricos) que se pretendiam alcançar.

A discussão entre o binómio quan-tidade vs qualidade tem de ser supe-rada e a estratégia tem de contemplara definição de metas claras para ele-

vação do ens ino num sent idoprático/profissional e valorização daprodução científica. Sem um avançoclaro neste sentido, não haverá umaefectiva superação do grande déficeexistente ao nível dos recursos huma-nos e do entrave ao desenvolvimentoque isto representa.

A escola é um local relevante paraa formação da pessoa, mas é impor-tante que para além do professor ealuno haja uma presença igualmenteactiva dos encarregados de educação.Não apenas no acompanhamentodas actividades lectivas dos filhos,mas igualmente no processo de ges-tão escolar, permitindo que sejamcriadas novas dinâmicas para amelhoria das condições do ambienteescolar, suprindo aqui e acolá aslacunas do Estado.

Noutras latitudes, a merenda esco-lar é comparticipada, não é o nossocaso. Mas como a Covid-19 veio demos-trar, as nossas escolas têm sériaslacunas em matéria de higiene esaneamento nas áreas onde o conselhode encarregados poderia actuar, porexemplo. Dou como exemplo o casofrancês onde o ensino é feito das 8h30as 15h30 e os encarregados compar-ticipam na refeição na proporção doseu salário e do número de filhos emidade escolar.

A educação é a única chave parasairmos do círculo vicioso de nãogerarmos inovação, conhecimento eriqueza num mundo assaz competitivo,e para oferecermos às pessoas a únicacoisa que é verdadeiramente delas:o conhecimento, a criatividade, a dis-ciplina e a confiança em si mesmas– um processo que tem o seu iníciono ensino básico.

- Sistema Financeiro – Aqui o temafundamental continua a ser essen-cialmente ao nível do subsector ban-

cário, com a concorrência que o Estadofaz aos empresários na busca pelocapital. Os bancos têm reiteradamentepersistido numa política de financia-mento do Estado em detrimento dosoperadores privados do mercado.Nem mesmo as políticas públicas doBNA – com a libertação dos cativosque devem estar sob custódia dobanco central, e outros programascom vista ao financiamento dos empre-sários – parecem estar a trazer algumaconsequência prática de relevo. Emgeral, continua a haver uma gritanteescassez de liquidez e os juros altoscontinuam a desestimular o investi-mento. A falta de boa e rápida análisedo risco de crédito, de garantias cre-díveis e da própria qualidade dos pro-jectos são outros dos aspectos críticos.

- Justiça e combate à corrupção– sendo uma das principais linhasde vanguarda deste Executivo etendo já produzido alguns resultados,é, no entanto, evidente o seu esmo-recimento. Isto ocorreu por váriosfactores que passam pela falta dedefinição de uma estratégia coerenteque acautelasse o investimentoprévio em meios materiais e humanos,que é deficiente ou insuficiente.Acreditamos que três medidas legaisse impõem para galvanizar a mora-lização da sociedade relativamenteà corrupção: a criminalização doenriquecimento sem causa, com aprerrogativa de perda de direitospatrimoniais; o regime geral de incom-patibilidade entre funções públicase privadas, que deverá gerar um efeitodissuasor da maior relevância, noque tange à corrupção; e, por último,a necessidade de um sistema efectivode denúncia e de obrigação de inves-tigação dos órgãos competentes.Vamos concordar que os mecanismosjá existem, então porque esperamospara que sejam uma prática insistentee de forma progressiva, ainda quemais lenta do que desejaríamos,transformar-se numa verdadeiracultura de gestão da República.

A corrupção ou a percepção geralsobre a mesma continua a ser muitogrande entre nós, a nível interno eexterno, gerando um efeito desmo-ralizador em três sentidos: o agentetem a percepção de que vale a penacorrer o risco, porque ninguém colocaquestões sobre o súbito aumentodo seu património; a sociedade, emgeral, passa a acreditar que o crimecompensa; além de gerar uma faltade confiança geral no programa (àmedida que vão surgindo novos casosde corrupção “bem sucedidos”).

- Resgate de valores – muitos

menosprezam o seu valor económico,mas o Executivo esteve bem ao prio-rizá-los. Falhou, no entanto, no foco.Ninguém se torna bom mestre se nãoder o exemplo. O resgate de valoresdeveria começar primeiro pelo Estado,com efeitos visíveis e perceptíveis portodos, e só depois se deveria procurarestender o seu alcance. A mentalidadeconsumista e despesista encontralargo suporte a nível institucional eo padrão de luxo impera. Somos aindamegalómanos e descuramos, por faltade humildade, aspectos básicos. Gos-tamos de grandes obras, mas semprevermos a sua manutenção, depoisvem a degradação. Infelizmente, essaconstante negativa encontra váriasevidências e exemplos práticos.

Mapa Resumido de medidasReformulação da Lei de Terras

Redução do número de licenças parainício de qualquer actividade empresarialou associativa.

Reordenamento e tributação da economia informalDefinição clara no OGE de projectos aconsiderar via PPP com foco nas grandesinfraestruturas nacionais.

Programa de Reordenamento Urbanode Angola “Asfalto, cimento, Árvores eluz” para a melhoria do saneamento eda imagem das grandes cidades e prin-cipais bairros periféricos com envolvi-mento directo dos citadinos para osempreendimentos particulares

Controle, redimensionamento edistribuição dos efectivos da FunçãoPública, em especial dos efectivosmilitares que podem prestar umapoio maior em sectores como o da

Educação em zonas remotas;Reforma educativa com foco na

melhoria da qualidade do ensino,mecanismos de comparticipação einstitucionalização do conselho depais com participação directa nagestão escolar.

Definição clara do sistema nacionalde saúde e melhorias da medicinapreventiva com impacto na melhoriados indicadores da mortalidade pormalária e materno-infantil com prazose metas claras assumidas com envol-vimento nacional.

Realização de Eleições Autárquicas Monitoramento para cumprimento

das metas de melhoria dos indicadoresde Angola no Doing Business.

Grandes projectos de infraestru-turas nacionais: auto-estradas; Inter-ligação das três linhas de caminhos--de-ferro partindo do Lubango aLuanda e a ponte Cabinda-Soyo

À guisa de conclusãoSe por um lado o bem comum entende-se pela capacidade de pertença a umacomunidade, o elo de ligação é umapremissa importante do sentido gre-goriano da democracia participativae da concepção de Karl Popper.

Ainda antes do libelo provoca-tório de Gustavo Costa aos intelec-tuais angolanos começamos esteexercício de reflexão, puramentelivre e descomprometido com qual-quer ditame institucional.

O que propomos é uma séria refle-xão, ou mesmo inflexão, do caminhopercorrido até aqui, a partir do qualse podem ou devem reconfiguraruma série de medidas, algumas por-ventura em execução, mas com menoreficácia, e transformar a sua ampli-tude e alcance de forma a que setornem verdadeiramente visíveisfruto do engajamento colectivo,do Governo, da sociedade civil,dos cidadãos. Não podemos pensarde outro modo quando olhamospara a questão da segurança, daeducação, do crescimento econó-mico inclusivo, só para citar estes.

E tudo isso, por junto e atacado,numa altura em que o mundo assusta-se e comove-se perante os milhõesde casos e os milhares de mortos deuma pandemia que pôs em causapaíses economicamente fortes oublocos económicos tendencialmentehegemónicos. A pandemia reveloua fragilidade dos Estados e confirma-se hoje que um Estado forte é aqueleque tem condições para dar as melho-res respostas e proteger os seus cida-dãos, tanto no plano da Saúde Públicacomo da economia.

Aproveitemos esse momento dequase colapso para a inflexão e

assim agir mais concretamente sobreo País que queremos ter, conscientesde que o que semeamos hoje serácolhido pelas gerações de amanhã.

Fizemos um diagnóstico realista,não pessimista, limitado obviamente,mas acreditamos, porque somos antro-pologicamente optimistas, que comestas e outras medidas concretas,com a definição de prioridades e objec-tivos, podemos preparar melhor oPaís a entregar aos nossos filhos, coma sensação de que se não fizemostudo o que devíamos, fizemos tudoo que nos é possível. Mas fizemos dei-xando assim a nossa pedra sobre esteedifício que se chama Angola.

(*) Apesar da ligação institucional,este texto não vincula o Ministério

das Finanças e foi escrito no espíritodo encontro promovido pelo

Presidente da República com asociedade civil sobre o tema, onde um

dos seus autores foi convidado.(**) Jurista, Docente e Consultor da

Ministra das Finanças(***) Jornalista, Docente e Director do

Gabinete de Comunicação doMinistério das Finanças

17Sábado4 de Julho de 2020ESPECIAL

A escola é um localrelevante para a

formação da pessoa,mas é importante quepara além do professor

e aluno haja umapresença igualmente

activa dosencarregados de

educação

Entre os sectores ondemais facilmente se podemcaptar investidores para

esta modalidade de financiamento,

encontra-se sobretudoo das infraestruturas,particularmente no

domínio das estradas ecaminhos-de-ferro, tendoem vista acelerarmos a mobilidade urbana

e a integração económicadas regiões

VIGAS DA PURIFICAÇÃO | EDIÇÕES NOVEMBRO

É preciso que haja acções concretas para minimizar o impacto negativo da Covid-19 na economia nacional

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Miguel Gomes

Nos últimos anos, pelo menosdesde 2014, Angola vive umperíodo de alta inflação, des-valorização acelerada doKwanza e falta de crescimentoeconómico. São elementosque indicam um forte dese-quilíbrio macro-económico.Quais são as causas que nostrouxeram até aqui?A causa próxima foi o choquepetrolífero de 2014, que cau-sou uma queda muito grandedo nosso Produto InternoBruto (PIB). Isto não é reco-nhecido nem pelo InstitutoNacional de Estatística (INE),nem pela maior parte doseconomistas angolanos. Maseu penso que eles vão mudarde opinião. Todos os paísesexportadores de petróleo,até o Brasil, a Rússia e a Ará-bia Saudita, entraram emrecessão. Eles não reconhe-cem porque aplicam mal osmétodos de contabilidade.Escrevi um livro sobre isso,que vai sair agora em Por-tugal, mas não quero entrarnesse assunto. Quando umaeconomia entra em recessão,em princípio sai da recessãopassados alguns meses. Pre-cisamos de distinguir entreas recessões que têm causasinternas, como aconteceunos EUA, de países comoAngola onde a recessão éimportada. Não saímos darecessão porque enfrentamosuma alta taxa de inflação,que se verifica mesmo naspiores alturas. Essa taxa deinflação impede o BancoNacional de Angola (BNA)de baixar as taxas de juro. Etaxas de juro muito elevadassão das piores coisas para aeconomia.

Porquê?Porque desencorajam o inves-timento privado e sem inves-timento privado não háaumento do emprego. A eco-nomia caiu por causa do choquepetrolífero e não recuperou,

porque a inflação e as taxas dejuro são muito elevadas.

Mas registam-se tambémoutras motivações para a for-mação deste contexto, desdelogo, o modelo económicoinexplicavelmente suportadoapenas pelo petróleo, o mauambiente de negócios ou afaltade confiança no sistema dejustiça: até as instituiçõespúblicas assinam contratosonde admitem recorrer à arbi-tragem internacional pararesolver eventuais conflitos.Tudo isso é de considerar.Mas temos de fazer uma dis-tinção muito clara: uma coisaé quando existe encoraja-mento do investimento pri-vado, dos negócios, mas elesnão se desenvolvem por causado mau ambiente de negócios.Outra coisa é quando os negó-cios são encorajados e aomesmo tempo queremosmelhorar o ambiente denegócios. É completamentediferente. O que se passaactualmente é que os negóciosnão são encorajados devidoà elevada taxa de juro e a taxade câmbio, que se depreciamuito rapidamente. Essessão os dois factores essenciais.O clima de negócios está amudar, o terceiro presidentede Angola, o actual presidente,General João Lourenço, estáa fazer um combate muitoforte nos dois pilares que difi-cultam o ambiente de negó-cios: a corrupção e a pesadaburocracia. Está alimpar estascoisas. Desejo-lhe o melhorsucesso e que seja rápido. Oque tem vindo a piorar é opreço do petróleo e as ele-vadas taxas de juro e de infla-ção, enquanto a taxa decâmbio está a depreciar-semuito rapidamente. É istoque nos está a prejudicar osnegócios.

É uma realidade que o preo-cupa?Sim. Penso que a saída dacrise passa por encarar de

frente a luta contra a inflaçãoe abatê-la para níveis muitobaixos, de dois, três ou quatropor cento/ano. Quantomuito, 5 por cento no curtoprazo. Quando digo no curtoprazo é no máximo de umano e já é muito tempo. Achoque se consegue baixar ainflação para esses valoresem seis meses. Repare quequase não se fala da infla-ção.Espera-se que baixe nolongo prazo, para o ano seráum ponto mais baixo e poraí adiante. Há um desânimona luta contra a inflação.

Porquê?Porque as pessoas deixaramde conhecer a causa da infla-ção. Durante muito tempo,era o défice público que cau-sava inflação. Mas o Governoconseguiu equilibrar as con-tas públicas - não significaque o orçamento foi sempreequilibrado, quer dizer quequalquer desequilíbrio orça-mental é colmatado comempréstimos e não com acriação de moeda. A inflaçãode origem fiscal terminou.Perante isto, continuou ainflação. Algumas pessoasdefendem que é inflaçãoinercial. Uma inflação iner-cial que demora dois anos?

Há algum tempo que espe-cialistas angolanos defendemessa teoria, alegam que per-sistem mecanismos de for-mação de preços que resultamda volatilidade da economiaangolana, dos monopólios,do alto risco que os empre-sários enfrentam e que estecenário provoca uma pressãonatural na inflação.Isso é quando as pessoas nãoconhecem a causa do pro-blema. Então alegam qual-quer co i sa . A causa dainflação é importada. A infla-ção não começa no Orça-mento Geral do Estado(OGE), começa na balançade pagamentos. Enquantonão se encarar isto de frente

e não se mudar o regimecambial vamos ter inflação:ela pode subir, baixar, masvamos ter inflação elevada.Quando se corrigir o pro-blema, a inflação cessa. Ecessando a inflação, astaxasde juro podem baixar.Mais: a correcção da taxa decâmbio não deve servir ape-nas para impedir que abalança de pagamentos estejana origem da inflação. A cor-recção deve el iminar oenclave do dólar no petróleo.No sector petrolífero não hátaxa de câmbio, não háKwanzas, as coisas funcio-nam em dólares. Ora bem,não é difícil provar, epensoque os meus escritos têmexpl icado como, que oenclave é a causa da suba-valiação da moeda angolana.

É possível explicar às pessoasque não dominam a teoriaeconómica as motivações quederam origem a esta reali-dade? O sector petrolíferonão tem confiança no Kwanza?No tempo colonial não eraassim, não havia enclave dodólar. Foi uma decisão queo primeiro governo indepen-dente decidiu tomar. Essaposição explica-se, pensoeu, pelo clima que se viviana altura. Queríamos criar osocialismo mas no sectorpetrolífero funciona o capi-talismo. Então levantamosuma barreira, ali funcionam

com os dólares e nós com osKwanzas. Vamos construir osocialismo com base na nossamoeda e temos a l i umenclave, os trabalhadores sãoquase todos estrangeiros etal. E criou-se este regime enunca se colocou isso emcausa. Ora bem, o que eu digoe não sou só eu, qualquereconomista lhe diz, é que ataxa de câmbio de uma moedareflecte a produtividade dotrabalho desse país e a com-paração entre essa produti-vidade e a produtividade nosEUA e nos seus parceiros eco-nómicos. Mas para isso é pre-ciso que toda a produção sejaamoedada, digamos assim,na moeda nacional, que ossalários sejam todos pagosem moeda nacional. Se vocêestá a pagar salários direc-tamente em dólares, está aexcluir esses trabalhadoresda produtividade angolana.Estamos a falar dos traba-lhadores com mais produti-vidade em Angola.

Ou seja, a grande força eco-nómicado país, que é o petró-leo, não está a alimentar ovalor da moeda nacional, nasua opinião.Exactamente. Agora temosde entender o seguinte: ofacto dos trabalhadores quelá estão transferirem a maiorparte dos salários para forado país, não impede que oKwanza se valorize. Umacoisa são os efeitos, outracoisa é a causa. A causa dadesvalorização é a compa-ração da produtividade. Oefeito na taxa de câmbio sãoos pagamentos que se fazemao exterior do país.

Como se reverte este cenário,com leis?É uma lei, evidentemente,mas o BNA tem de se prepararpara cumprir essa lei. Hádois anos ou três o BNAcomeçou com este processo.

Mas recuou passados poucos

meses, pareceu-me que sobpressão de várias forças vivas.Essas forças vivas manifes-taram-se porque a coisa nãoestava a funcionar bem aonível do sistema bancário.É preciso que o sistema ban-cário se sofistique um boca-dinho para que o sectorpetrolífero não tenha deesperar para comprar divisas.Isso são questões técnicasque o BNA deve atender eque têm soluções fáceis. Nãohá motivos para pensar queos problemas técnicos sãomuito difíceis de ultrapassar.Em primeiro lugar, no tempocolonial, funcionava assim.Em s egundo luga r , noMéxico, no Brasil, nos outrospaíses que exportam petróleofunciona assim. Não estamosa criar nada de especial emAngola. Pelo contrário, esta-mos a tentar sair de umasituação especial em Angola.

As multinacionais do sectorpetrolífero são contra a intro-dução do Kwanza nas suasoperações?Não são contra porque elestrabalham assim em todosos países do mundo, paísescomo Angola são a excepção.Aparentemente, estão con-fortáveis com a situação.Mas, na realidade, não estão,sobretudo a longo prazo,porque eles querem fazerparte da economia angolana,não querem fazer parte deum enclave. E se funcionaassim em toda a parte domundo, por que em Angolanão pode funcionar? O queeles não querem é que estareforma seja feita sem queo sistema bancário se ajustee lhes permita trabalhar. Seos bancos continuarem af un c i on a r d a me smamaneira, sem se modernizar,e se o Governo acabar como enclave do dólar, vamoster problemas. É verdade.Se assim acontecer, maisvale não fazer nada e deixartudo como está.

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“Infelizmente,vamos mudar pelocaminho mais duro.Se o país continuarassim, não passam

muitos meses epraticamentevamos ter de

declarar falência”

18 ENTREVISTA Sábado4 de Julho de 2020

JOSÉ CERQUEIRA, ECONOMISTA

Foi um dos rostos do SEF - Saneamento Económicoe Financeiro, um programa de reformasimplementado ainda durante o regime de partidoúnico, que no fundo preparou o país para aeconomia de mercado e para o fim da economiacentralizada (praticamente sem iniciativa privada).Preocupado com os altos índices de pobreza edesemprego, sobretudo entre os mais jovens,defende que é preciso atacar as elevadas taxas deinflação, de juro e de câmbio. E apresenta umasolução concreta: mudar o regime cambial paraeliminar o enclave do dólar no sector petrolífero

“A saída da crisepassa por encararde frente a lutacontra a inflação”

Page 4: 16 ESPECIAL - SAPOimgs.sapo.pt/jornaldeangola/img/464899573_ii_caderno_04...2020/07/04  · domina o debate e o mundo. Ao mesmo tempo, analistas multidisciplinares estão convencidos

“Podemos fazer capitalismo popular com o café”Desde as últimas eleiçõesque a retórica sobre aagricultura mudou, agoraatribui-se-lhe mais impor-tânc ia , depo is de umperíodo de esquecimentoe de políticas equivocadas.Isto deu origem a uma sériede medidas específicaspara animar o sector. Comotem experiência de gestãono projecto Aldeia Nova,que actua na agro-pecuá-ria, qual é a sua opiniãosobre este novo fôlego?O trabalho no projecto AldeiaNova foi um dos períodosmais felizes da minha vida.Espantou-me, porque sempreestive mais nas questõesmacro-económicas e fiqueiencantado com a agricultura.Não sou um especialista maspude aperceber-me de algu-mas coisas. De uma formamuito simples e sintética, ogrande problema da agricul-tura é o acesso à terra. Umaúnica pessoa pode registarmil ou 2 mil ou 10 mil hectaresem s eu nome , me smoquando nem tem dinheiropara vedar o terreno. Istonão pode acontecer. Umacondição essencial para regis-tar a terra é ter capacidadepara vedá-la. Isto não querdizer que seja possível fecharcaminhos de acesso à águaou a outras estruturas comu-nitárias. Em toda a parte domundo, há leis para protegerestas coisas. Se fossem obri-gadas a vedar, a maior partedas pessoas já não se can-didatava a tantos hectares.O segundo aspecto é quemuita gente se apropriou deterra e não a cultiva. Está àespera de um pai natal, deum padrinho que lhe pagueuma renda muito boa e quefaça agricultura por ela. Istonão existe. Arrenda-se terramas dentro de preços módi-cos. Este é o grande problemaque nós temos. Depois, oescoamento, as estradas, afalta de organização dos mer-cados. Mas estes problemasvão se resolvendo, se houverforça produtiva. O que sepassa hoje é que não existeessa força, quem pretendeinvestir nos terrenos do outro?Quem recebeu terras porrazões políticas nem as veda,nem as cultiva.

Mas a agricultura familiarestá no terreno e tem essaforça e experiência de tra-balho.E estão afastados das terrasmais férteis. Mesmo assim,a maior parte dos produtosque consumimos tem origemnesta agricultura. Temos deapoiar a cultura familiar,mas com regras de proprie-dade: pequenas quintasfamiliares em que a terra émesmo do agricultor. E orga-nizar os mercados. Por exem-plo, no Cuanza Norte, queé a minha província, mas oCuanza Sul também deveser citado neste exemplo,Angola tinha um tipo de café,o robusta, que era cotadoem Londres. Não foi um tipode café importado. É natural.As plantas continuam poraí. O café robusta é angolano.Penso que o Governo teminteresse em promover esta

cultura. Surge o problemade eu plantar um cafeeironovo e só daqui a cincoanos é que está prontopara ser comercializado:então o Governo tem deapoiar o agricultor durantecinco anos.

Com financiamentos?Tem de providenciar umaespécie de salário durantecinco anos. Nesse período,o agricultor só paga os juros,ao mesmo tempo que cultivae comercializa outros pro-dutos agrícolas para garantiralimentação e algum ren-dimento. Passados cincoanos, ele reembolsa o capitale está um homem rico. Evocê pode fazer um capita-lismo popular numa provín-cia como o Cuanza Norte ouSul, com o café. Quem dizo café diz outros produtos,como o cacau.

As frutas, o tomate ou opeixe têm bom potencialde exportação.E as flores, não se esqueçadas flores. O Cuanza Norteé das regiões do mundocom melhor aptidão parao cultivo de flores. Portanto,o Governo poderá promo-ver estes negócios.

Isso implica uma análisedo potencial e dos merca-dos e depois uma selecçãode fileiras de produtos queseriam potencializados devárias formas (fomentoempresarial, acesso ao cré-dito, formação em gestãoe técnicas de cultivo, acessoao mercado)?Mas poucas f i l e i ras . OGoverno está a implementaro PRODESI, em que selec-cionou 50 e tal fileiras deprodutos para apoiar. Issoé megalomania. 50 e tal pro-dutos é toda a economiaangolana, não devemosproduzir muito mais do queisso. Se retirarmos o petró-leo e os diamantes, está látudo, como será possívelcomandar toda a produçãoprivada angolana? Sonha-mos outra vez com o socia-lismo. O Governo comandaa economia pública, as esco-las, a saúde e, depois, naeconomia privada, pretendedirigir 50 e tal produtos. OGoverno não tem meiosfinanceiros para isso. Paraque os bancos orientem ocrédito é preciso que oGoverno dê garantias. OGoverno também não podeestar a indicar quem é queimporta. Um programadeste género teria funda-mento se estivessem a falarde, no máximo, 10 fileirasde produtos. E já é muito.Cinco ou seis seria melhor.

Às vezes, parece que o paísvive numa economia demercado, porque é isto queas leis indicam, mas depois,durante a noite, continua-mos a sonhar com o socia-lismo. Concorda que semantém esta dualidade?Concordo! É preciso assumir,de uma vez por todas, por-que na prática já somos, queAngola é uma economia capi-talista. Mas que precisa de

uma economia pública forteno domínio da educação,da saúde, das infra-estru-turas, da ordem, da segu-rança . Por out ro lado,precisamos de incentivar aliberdade dos empresáriose não esmagá- los comimpostos. O pior que podeacontecer é aumentar nova-mente os impostos , osimpostos têm de diminuirsubstancialmente.

Mas o Governo precisa demais receitas.Então é preciso diminuir asdespesas do Governo. Assubvenções, por exemplo,devem ser abolidas. Aomesmo tempo que acabamas subvenções, é necessáriobaixar os impostos dos bensessenciais para compensaras famílias e as empresas.O Governo não deve acabarcom as subvenções para termais receitas. Deve acabarcom as subvenções porqueisso lhe permite que essessistemas se auto-financiem(falamos da água, electrici-dade, combustíveis) . OGoverno só vai aumentar asua receita quando a iniciativaprivada estiver a crescer. Seo Governo quiser aumentaras receitas antes da economiaprivada crescer, vai impedi-la de se desenvolver.

Concorda com a introduçãodas transferências mone-tárias directamente paraas famílias?Estamos numa situação dra-mática, é por isso que o Pre-sidente da República está ainsistir tanto na implemen-tação destes programas.Quem anda pelas ruas e estáatento às pessoas reparaque os angolanos estão aemagrecer. Nesta situação,temos de ajudar as famílias.Em princípio, não se devedar nada a ninguém. Masquando é preciso temos deo fazer, são pessoas, sãonossos compatriotas.

Neste momento, está a serimplementado um pro-grama do Fundo MonetárioInternacional (FMI), nego-ciado pelo Governo. A recei-ta s do FM I são quasesempre contestadas. Qualé a sua opinião?Os programas do FMI têmcoisas muito válidas, o pro-blema é que o FMI tambémnão identificou qual é acausa da inflação. Não temnenhum conselho a dar edeixa o Governo tomar assuas opções. A ajuda doFMI neste momento é boa,muitas medidas são acei-táveis, mas não é funda-mental. Também está coma teoria da inflação inercial.Outra coisa importante ée v i ta r o aumen to do simpostos - não estou a dizerque eles defendem medi-das deste género. Mas sehouver negociações a sériocom o FMI, podemos aca-bar com as subvenções,tudo bem, mas nos próxi-mos dez anos, os impostosdevem baixar, baixar, bai-xar. Se a economia crescer,o Governo irá arrecadarmuito mais receitas.

Também é notória a ascen-são das teorias liberais oumesmo neoliberais emAngola, tanto nas redessociais, como no espaçopúblico e até nas altas esfe-ras do Governo. Mas porvezes este discurso, quedefende a retirada total doEstado da economia, entreoutras coisas, parece cho-car com as necessidadesdo país, que apresentamvastas zonas sem um únicoedifício ou serviço público,sem escolas, sem hospitais,sem estradas.Não concordo com essesposicionamentos, são ideiasque nasceram em paísesestabelecidos e com bonssistemas de estado social.Na Suécia, podemos colocaras questões nesses termos,são países que estão noutraonda. Nós estamos emAngola. Um dos erros dosúltimos anos, no tempo deJES, foi ter deixado a saúdee a educação para os priva-dos. O crescimento nestesector foi deixado para osprivados. As consequênciasestão à vista. Não quer dizerque não existam parceiros.É difícil calcular em abs-tracto, mas diria que 80 porcento destes sectores essen-ciais devem ser responsa-bilidade do Estado. Paraalém disso, os privadosdevem ser disciplinados.Por exemplo, o Governopode obrigar as universida-des privadas a submete-rem-se a um mecanismo declassificação das instituições,à semelhança dos restau-rantes e hotéis. Seria umaforma das pessoas se situa-rem, enquanto se vai pro-movendo a concorrênciana educação. O Governotambém precisa de selec-cionar os melhores cérebrosatravés de concursos e exa-mes nacionais. E na saúdea mesma coisa. Os privadosestão para ajudar. A res-ponsabilidade maior é doGove rno . N inguém nomundo é contra isto.

19Sábado4 de Julho de 2020ENTREVISTA

O economistaangolano de 65anos, especialista

em macroeconomia,é natural

do Cuanza-Norte. Depois do SEF, nofinal da década de1980, acumulouvários cargos eexperiências emdiversos sectores,inclusive noGoverno

P E R F I L

Existe capacidade interna paraimplementar esta mudança?Penso que sim, as coisasevoluíram muito desde otempo colonial. Não haviacomputadores. As pessoas,para reunirem uma bolsa,tinham de se apresentarfisicamente. Hoje, preci-samos é de um softwareadequado. O nosso sistemade câmbios ainda é, comoposso dizer, emergente.Ainda não está sofisticado.Por exemplo, apenas rea-lizamos operações “spot”oud e t ro c a imed i a t a d emoeda. Eu compro dólaresagora e você vende-me.Falta implementar as ope-rações de futuros, para queseja possível comprar dóla-res para receber dentro deuma semana ou quinzedias. É preciso que o BNAfaça a supervisão e o con-trolo dos bancos comer-ciais. Quando a empresapetrolífera comprar moedapara dali a 15 dias ou ummês, o banco deve ter osdólares em reserva. Não ospode aplicar noutras fun-ções. É só isso. Hoje emdia, com computadores, éfácil de concretizar.

Os seus cálculos indicam queestas medidas reduziriam ainflação dos actuais níveis( b em a c ima do s 2 0 p o rcento/ano), para os valoresque referiu, em apenas seismeses. Não será demasiadooptimista?Não, a experiência de todosos países do mundo que pas-saram por inflações elevadasdiz-nos que a taxa de inflaçãocai rapidamente ou não cai.Isso de cair lentamente nãoexiste, nunca existiu. Por queem Angola será assim?

Que opinião tem sobre asuposta liberalização da taxade câmbio e sobre as medidascambiais que têm sido toma-das pelo BNA?O BNA gostaria que os bancoscomerciais fizessem flutuaro valor da moeda. Mas nocircuito actual tem de ser oBNA a fixar a taxa. Só quandose mudar o circuito cambialé que os bancos comerciaisvão conseguir encontrar ataxa ideal.

Refere-se à questão do enclavedo dólar?Não, refiro-me ao meca-nismo de formação da taxade câmbio. Actualmente, osbancos comerciais emitemmoeda quando compramdólares e cancelam moedanacional quando vendemdólares. Nesse sistema, éimpossível aos bancos faze-rem flutuar a taxa de câmbio.Custa tanto a um banco emi-tir um Kwanza ou 1 milhãode kwanzas - o custo é pra-ticamente igual, é o tempoque demora a escrever numcomputador 1 ou 1 milhão.A diferença é quase irrele-vante. O BNA tem de criarum sistema igual ao queexiste em todos os países,em que o mercado cambiale s tá o rgan izado de ta lmaneira que um banco,quando compra divisas,endivida-se face ao bancocentral. E quando vende asdivisas paga a dívida. Se forcriado este sistema, os ban-cos vão poder flutuar e esta-bilizar a taxa de câmbio.

Enquanto não for assim,teremos a situação que vive-mos actualmente.

Imagino que, pelos cargosque desempenhou e pela pro-ximidade que tem com pes-soas do Governo, já teveoportunidade de apresentarestas questões a um nívelsuperior.Não, talvez algumas con-versas, mas nunca coisassérias. Quando estive noGoverno assumi um cargosecundário, de vice-gover-nador e secretário de Estadodos Transportes, em áreasque não eram adequadaspara desenvolver estestemas. Aqui não há muitodiálogo. Por isso, preo-cupo-me em exprimir aminha opinião por escrito.Estou a escrever livros,escrevo um artigo ou outro;é o meu contributo. O queposso fazer?

Algumas pessoas defendemque a falta de diálogo se tornouquase um estilo de liderançano país e está replicada a váriosníveis. Acredita que este con-texto desencoraja a troca deideias que originem soluçõescomuns e sustentáveis?É um problema. Não existedebate. A situação que secriou com os meios de comu-nicação de massas e com asredes sociais ainda veio difi-cultar mais o processo. Por-que as pessoas sérias nãopodem debater quando apa-recem pessoas menos sérias,que sabotam tudo, que falammal de tudo e todos. As pes-soas sérias não querem entrarnessas coisas.

Que soluções poderiam serimplementadas para fomentaro diálogo e encontrar soluções?Infelizmente, vamos mudarpelo caminho mais duro. Seo país continuar assim, nãopassam muitos meses e pra-ticamente vamos ter dedeclarar falência. Se conti-nuarmos assim, não demo-ram muitos meses até que oGoverno admita que não temdinheiro para pagar salários.Numa situação destas temosque nos unir e colocar osargumentos em cima damesa, para que quem mandano país decida o caminho aseguir. Tenho a sensação deque esta altura vai chegar edarei o meu contributo. Semolhar a cargos.

As suas intervenções recentestêm como destinatário prin-cipal os executantes da políticamonetária. Gostaria de sergovernador do BNA?Não. Gostaria se fosse maisnovo, gostaria muito. Nestemomento, já estou velho,só me ia dar chatices, supo-nho. Sou a favor que seaposte em pessoas maisjovens. O que não querdizer que, pelo facto de seapostar em pessoas maisnovas , e las desprezemcompletamente os maisvelhos. Podem aproveitá-los como assessores, con-selheiros, enfim, nessecaso, estou pronto. Nestemomento, tenho outrasambições, mais introspec-tivas; quero escrever e ficarjunto dos meus filhos paratentar orientá-los. O meutempo ideal de vida públicajá passou.

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Francisco Juliana |*

As teorias modernas da eco-nomia de mercado têm comopedras basilares dois teoremasde enorme relevância e alcancepara o momento que vive anossa economia.

O primeiro refere que nummercado em que os agentesdispõem do mesmo nível deinformação (informação simé-trica) e não existem monopóliose outras imperfeições de mer-cado, a alocação de recursosé feita num ambiente de con-corrência perfeita e do mesmoresultará uma situação de efi-ciência económica.

O segundo teorema refere queneste ambiente de concorrênciaentre os agentes do mercado,nem todos terão o mesmo nívelde sucesso e haverá mesmoaqueles que necessitarão doapoio do Estado para quepossam ter uma vida digna.Surge aqui justificada a inter-venção do Estado no seu papelde redistribuição do rendi-mento nacional.

Em síntese, enquanto o pri-meiro teorema da economiade mercado se refere à neces-sidade de existir eficiência naalocução dos recursos existen-tes numa dada sociedade, osegundo teorema tem a vercom o apoio aos mais vulne-ráveis, através de uma acçãodo Estado de redistribuição dorendimento criado por todos.

Estes dois teoremas são aquitrazidos para nos ajudarem acompreender a situação actualda economia angolana.

Como é de conhecimentopúblico, Angola conseguiufinalmente a Paz no ano de2002 e desde 2003 o país entrounuma trajectória de cresci-mento rápido até ao ano de2014. Nesse período, isto é, de2003 a 2014 o crescimentomédio anual de Angola foi de8 por cento. Houve mesmo umespaço de tempo de 2004 a2008 em que o crescimentomédio foi de 12,54 por cento.Angola era dos países que maiscrescia no mundo.

Entretanto, no período de2015 a 2019, o crescimento médioanual de Angola foi negativo emcerca de 1 por cento. Com excep-ção do ano de 2015 em que opaís exibiu um crescimento pálidode 0,9 por cento, em todos osrestantes anos desse período ocrescimento foi negativo.

O que terá estado na basedesta mudança tão radicalna trajectória de crescimentode Angola?

A resposta está no facto desteforte crescimento do períodode 2003 a 2014 ter sido puxadofundamentalmente por inves-timentos públicos e não poruma economia baseada numsector privado forte, empreen-dedor e competitivo.

Entre 2003 a 2014, Angolaterá gasto em média cerca de9 mil milhões de dólares eminvestimentos públicos, com

recursos provenientes funda-mentalmente do sector petro-lífero. Nessa altura o preço dobarril do petróleo no mercadointernacional chegou a atingira média anual de 102 dólaresamericanos entre os anos de2010 a 2014.

No período de 2015 a 2019os gastos com investimentospúblicos caíram para umamédia anual de 5 mil milhõesde dólares americanos. O preçodo barril do petróleo no mer-cado internacional baixou parauma média anual de cerca de57 dólares norte-americanos

O que temos então comoevidência é que quando o preçodo petróleo no mercado inter-nacional está relativamentealto, os investimentos públicosaumentam e a economiacresce. Inversamente, quandoo mercado do petróleo estáem baixa, os investimentospúblicos diminuem e a eco-nomia reduz drasticamenteos níveis de crescimento.

Esta constatação revelauma fragilidade estrutural daeconomia angolana, isto é, asua grande dependência dosinvestimentos públicos finan-ciados por recursos prove-nientes do sector petrolíferoou de dívida pública.

A nosso ver, este paradigmatem de ser definitivamente alte-rado de modo a que o sectorprivado (não petrolífero) passea ter um papel mais activo nodesempenho da economiaangolana e com a sua acçãodiminua o peso do sector dospetróleos no PIB de Angola. Sódeste modo poderemos ter nopaís uma economia que consigaexibir níveis de crescimentosustentados ao longo do tempoe baseados em critérios de com-petitividade e de eficiência.

E como fazer isso?Para além de todos os aspec-

tos que têm a ver com a melhoriado ambiente de negócios emAngola e do seu capital humano,há aqui a destacar 3 variáveisfundamentais as quais é precisoprestar uma atenção especial:a taxa de juro, a taxa de inflaçãoe a taxa de câmbio.

Devido a redução do preçodo petróleo no mercado inter-nacional, Angola tem apre-sentado desde o ano de 2015saldos orçamentais negativosnas suas contas públicas. Osaldo negativo mais elevadofoi atingido no ano de 2017,com uma cifra de -6,9 porcento do PIB.

Como resultado das medi-das de consolidação fiscallevadas a cabo pelo Executivodo Presidente João Lourenço,esta trajectória foi revertidae nos anos de 2018 e 2019,Angola passou a apresentarsaldos orçamentais positivosem vez de défices.

Com saldos orçamentaispositivos as necessidadesde endividamento do Estadodiminuem e, com isso, astaxas de juro de mercadotenderão a diminuir.

Quando as necessidadesde endividamento de um paíssão altas, as taxas de jurotambém são altas, porqueos que investem na comprada dívida do Estado queremser compensados pelo riscoque correm ao se envolveremem tal transacção.

Taxas de juro altas afastamo investimento do sector pri-vado na economia real e osbancos têm pouco incentivoem emprestar dinheiro aosempresários porque ganhammuito mais com a compra dadívida do Estado.

Por isso, ao passar a apre-sentar saldos orçamentais posi-tivos o Executivo está no bomcaminho no sentido de diminuirde modo sustentado e gradualas taxas de juro prevalecentesna economia.

A taxa de inflação tambémtem tomado uma trajectóriadecrescente. Depois de ter atingidoo nível de 41 por cento em 2016,a mesma alcançou a taxa de17por cento em 2019. Os níveissão ainda relativamente altosem termos absolutos, mas nãohá dúvidas de que a sua tendênciaé claramente descendente.

Com taxas de inflação maisbaixas as taxas de juro nomi-nais serão também mais bai-xas, porque quanto maioresforem as taxas de inflaçãomaiores serão as taxas dejuro nominais.

Noutras palavras, o factode se ter controlado os saldosorçamentais conjugados comuma trajectória decrescentedas taxas de inflação, conduziráa uma diminuição gradual esistemática das taxas de juronominais da economia.

As medidas de estabiliza-ção do mercado cambial queestão em curso desde 2018e com mais intensidade apartir do último quarto doano de 2019, por se basearemnuma maior flexibilidade davariação da taxa de câmbiotêm conduzido a uma maiordepreciação da moeda nacio-nal em relação às principaismoedas internacionais.

Contudo, nas condiçõesactuais de uma acentuada faltade recursos externos do país,esta parece ser ainda a medidamais ajustada. Se o ajustamentonão se fizesse pela via da depre-ciação da taxa de câmbio, entãoas autoridades monetáriasteriam de estar em condiçõesde pôr à disposição do públicoa quan t i dade de moedaexterna demandada pelomesmo com base numa taxade câmbio “administrativa”,o que não é exequível nascondições actuais, pois vol-tar-se-ia ao cenário de mono-pólio no acesso às divisas, aespeculação agressiva damoeda e a dinamização demercados alternativos parapagamentos de bens e servi-ços importados.

A gestão do mercado cam-bial com base em taxas de câm-bio “administrativas” foi o

percurso que foi seguido atéao ano de 2017 e que, clara-mente estava a levar o país atotal exaustão das suas reser-vas internacionais Liquidas.

Basta ver que de Dezembrode 2016 a Dezembro de 2017,Angola viu as suas ReservasInternacionais Liquidas diminuirem mais de 7 mil milhões dedólares americanos. Na verdade,entre 2015 e 2017, período emque se agudizou a crise, asReservas Internacionais caíramem cerca de 50 por cento .

Entretanto, no período deDezembro de 2018 a Dezembrode 2019, fruto das transfor-mações introduzidas no mer-cado cambial, as ReservasInternacionais Líquidas emvez de diminuir aumentaramem cerca de mil milhões dedólares americanos. Este factoocorreu pela primeira vezdesde o ano de 2013.

Por outro lado, a conta cor-

rente da Balança de Pagamentosque era negativa desde 2015,passou a exibir saldos positivosnos anos de 2018 e 2019. Estima-se que a Balança de Pagamentosde Angola tenha sido supera-vitária em 2019, pela primeiravez, depois da crise económicae financeira iniciada em 2014.

A depreciação da moedanacional torna as importaçõesrelativamente mais caras, oque fez com que em 2019 asimportações de bens e serviços,em particular de bens alimen-tares tivessem diminuído emcerca de 31por cento .

Este efeito da depreciaçãoda moeda é positivo porque

induz os agentes económicosa apostarem na produção nacio-nal em vez de simplesmenteimportarem os produtos demaior consumo popular.

Depois do que foi referidoacima, parece não restaremdúvidas de que as medidas quetêm sido tomadas pelo Executivoestão correctas e estão apon-tadas no sentido de ser dado overdadeiro espaço ao sectorprivado e deste modo mudardefinitivamente a estrutura eco-nómica de Angola, tornando opaís menos dependente dosrecursos do petróleo ou doexcessivo endividamento.

É algo de que muito se falouem discursos no passado, masque nunca foi aplicado de modoabnegado e corajoso.

Agora que as medidas e asreformas apropriadas estão aser implementadas, por querazão aparecem vozes que estãoapenas interessadas em apre-sentar um quadro negro dasituação actual do país e aevidenciar uma visão miopeque não consegue ver que osresultados das políticas actuaisvão ser verificados mais àfrente e não de imediato?

Esta visão míope não sónão assenta só em bases teó-ricas fortes mas é tambémperigosa do ponto de vista daformulação das políticas públi-cas em Angola, porque podelevar a que nos acomodemosàs politicas adoptadas no pas-sado e que jamais alcancemosa almejada alteração da suaestrutura económica.

Se os gastos do Estado nãotivessem sido diminuídos eracionalizados a partir de 2018e por esta via não tivessehavido uma forte diminuiçãodas necessidades de endivi-damento do Tesouro Nacional,provavelmente estaríamoshoje no abismo e para sairdele teríamos de enfrentaraltos custos de natureza eco-nómica, financeira e reputa-cional, podendo, em últimaanálise, pôr em causa a sobe-rania do país.

As medidas tomadas doponto de vista fiscal ao dimi-nuírem os gastos globais doEstado, conduziram tambéma diminuição dos investimen-tos públicos e como o cresci-mento de Angola tem estadomuito associado aos investi-mentos públicos, levaram tam-bém a uma retracção dos níveisde crescimento. Com a retracçãoda economia cresceram os níveisde desemprego do país.

Falar e exaltar os níveis dedesemprego hoje prevalecentesem Angola fora deste contextonão é um exercício de rigor téc-nico e analítico.

Não nos podemos esquecerque Angola vive uma situaçãode recessão económica desde2015, que não foi causada pelosdecisores políticos actuais.

Num ambiente de recessãoeconómica, cresce o desem-prego e em termos definitivostal situação só pode ser resolvida

com o crescimento dos sectoresnão petrolíferos, como a agri-cultura, a agro-indústria, aindústria transformadora, aindústria extractiva, as pescas,a construção, o turismo e outrosdomínios que são intensivosem mão-de-obra.

Com o crescimento sus-tentando destes sectores vaiaumentar o emprego no país,vão aumentar os rendimentosdos cidadãos e, por conse-guinte, vão aumentar as con-dições de vida e o bem-estardos angolanos.

E quem deve alavancar ocrescimento destes sectoresdevem ser os empresários e asempresas privadas que deverãoconverter-se no motor da eco-nomia angolana.

As políticas com vista aoaumento da produção nacionalestão a ser implementadas comobjectividade e firmeza e cer-tamente os seus resultadosserão vistos e sentidos nos pró-ximos anos. Temos de ter cons-ciência de que as mudançasestruturais numa economianão se fazem de um dia para ooutro. Levam o seu tempo edurante o período de transiçãode um estado da economia parao outro surgem alguns fenó-menos sociais não desejáveis.Mas o percurso tem de ser feito.

Para atenuar os efeitos destesfenómenos sociais não dese-jáveis o Estado deve intervircom programas expressamentedelineados para este fim, comopor exemplo os programas decombate à pobreza e outros.Assim o diz o 2º teorema da eco-nomia de mercado a que fizemosreferência logo no início.

Os chineses têm um provér-bio que diz que uma longa cami-nhada começa com o primeiropasso. Este passo já está dado.Agora é preciso seguir em frentee não vacilar.

Se não levarmos a cabo comdeterminação e coragem aspolíticas que nos conduzirão auma mudança da estrutura eco-nómica de Angola, o 1º teoremada economia de mercado a quetambém fizemos referência noinício deste artigo não se mate-rializará e a economia angolanapermanecerá sempre depen-dente do sector público e dosinvestimentos públicos paracrescer e Angola jamais alcançaráos níveis de competitividadenecessários para ter uma eco-nomia dinâmica, forte e com-petitiva. E o sector privado nuncaserá capaz de se converter nomotor da economia.

A concorrência e a compe-tição entre os agentes econó-micos são essenciais para quehaja eficiência numa sociedade.

Não percamos de vista queos grandes talentos empresa-riais e de outros domínios davida apenas aparecem emambientes de competição einovação. Esta é a principalimplicação do princípio da des-truição criativa de Shumpeter.

* Economista

OPINIÃO

Se os gastos do Estado não tivessem

sido diminuídos e racionalizados a partir de 2018

e por esta via nãotivesse havido

uma forte diminuiçãodas necessidades de endividamento

do Tesouro Nacional,provavelmenteestaríamos hoje no abismo e para sair dele teríamos de enfrentar altoscustos de natureza

económica, financeirae reputacional,

podendo, em últimaanálise, por em

causa a soberania do país

A miopia dos arautos da desgraça

20 ESPECIAL Sábado4 de Julho de 2020

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Victorino Matias | Dundo

Como outras províncias,Lunda-Norte procura darpassos céleres para o futuro,sem esquecer o seu passado,reconhecidamente valioso.As autoridades lutam parapreservar a estrutura arqui-tectónica das suas vilas. “Aarborização e o verde da relvatratada era a imagem que oDundo e as antigas vilas cons-truídas pela Diamang tinhama oferecer aos moradores evisitantes das outras paragensdo país e do mundo”, subli-nha Josefo Fernandes, chefede Departamento da Culturae Património Histórico doGabinete da Cultura, Turismo,Juventude e Desportos daLunda-Norte.

Com um estilo arquitec-tónico caracterizado pelouso de tijolo queimado, ashabitações têm também aparticularidadede uma orna-mentação com espaço verdeconsiderável que lhes con-feria uma imagem singular,acolhedora e atraente. Ospormenores do desenhoarquitectónico das vilas urba-

nas da Lunda-Norte têm atécerto ponto uma dimensãoidentitária e por isso consi-derado como um patrimóniohistórico local.

O início da construção dascasas, antes designadas poracampamentos mineiros,está relacionado com a his-tória da descoberta dos pri-meiros sete diamantes, noriacho Mussalala, afluente dorio Tchiumbwe, Nordeste deAngola. Uma trajectória secularque remonta dos longínquosanos de 1912/1917, ponto departida da actividade de ope-rações mineiras em Angola.

As residências, na suamaioria de tipologia T2 e T4,foram construídas pela entãoCompanhia de Diamantes deAngola (Diamang) no Dundo(a sede provincial), Nzagi(antiga vila do Andrade),Cassanguidi, Fucauma,Lux i l o Co ssa , Ma lud i ,Lucapa, Calonda e Cafunfu.As casas tinham sido pro-jectadas para finalidade dealbergar trabalhadores damultinacional diamantífera.

O estilo das habitações daagora cidade do Dundo e as

outras vilas urbanas cons-truídas pela Diamang cons-titui um acervo cultural quecarece de preservação. “Anossa preocupação residehoje no facto de não ter sidopreservado “, salientou JosefoFernandes, que defende avalorização da grandeza dopatrimónio material e moraldos povos, a julgar pela suaimportância na promoção doturismo cultural.

Josefo Fernandes lembrouque existiam na vila antigado Dundo jardins zoológicose botânicos que constituíamverdadeiros postais para osvisitantes. “Aqueles espaçosfazem parte da memóriacolectiva das populações destacircunscrição, mas infeliz-mente por falta de interessee valorização acabaram pordesaparecer”, lamentou.

Cultura e DesportoLunda-Norte não era só dia-mantes. A província já foireconhecida no país e naÁfrica Austral pela prática demodalidades como tiro aospratos e ténis de campo, alémdas piscinas que tinham

impacto positivo na promoçãodas actividades olímpicas,proporcionando momentosde lazer e turismo.

As estruturas em referên-cia, segundo Josefo Fernan-des, estavam implantadas noDundo e nas vilas Nzagi,Lucapa e Calonda. Sob olhardas autoridades, os espaçosdos jardins zoológicos e botâ-nicos, por exemplo, foraminvadidos e substituídos porconstruções anárquicas

Aldeia MuseuEntre os espaços de amplovalor cultural que a provínciada Lunda-Norte tinha pelomenos até início da décadade 1990, figura a AldeiaMuseu, um lugar privilegiadoque servia para a transmissãode ofícios, da velha para novasgerações. O recinto, adstritoao Museu Regional do Dundo,era referência obrigatória, quepermitia que os jovens fosseminstruídos na arte de tocar ins-trumentos musicais, comoNgoma e Nguvu (batuques) ea dançar os estilos da Txianda,Makopo, Candoa, Maringa,incluindo aulas de técnicas

de fabrico de esculturas demadeira em estatuetas.

Josefo Fernandes apela aoresgate dos hábitos e costumesda população, como formade se perpetuar a memóriados ancestrais, passando osensinamentos da tradiçãoà nova geração. “Em termosde Cultura, nesses 42 anosde existência da província,precisamos recordar tudode bom que tínhamos, masque perdemos por culpa danossa negligência”, disse,para acrescentar: “queremosresgatar o que é nosso defacto, há muita coisa quese perdeu”.

Candidatura a patrimónioÀ semelhança de MbanzaCongo e pela dimensão cul-tural, as autoridades daLunda-Norte pretendemapresentar ao Executivo umaproposta para a inscriçãoda província como Patri-mónio Mundial da Huma-nidade da Unesco.

As autoridades entendemque, tendo em conta a gran-deza histórica e cultural nocontexto dos povos de Angola,

existem argumentos quejustificam a elevação daLunda-Norte à categoria depatrimónio da Humanidade.

Josefo Fernandes indicaque foram desenvolvidos tra-balhos preliminares, contouo apoio da Universidade LuejiA´Nkonde, com vista ao levan-tamento e inventariação dosprincipais monumentos, acer-vos e sítios que têm a ver coma história dos povos Lunda.

Um dos grandes símbolosda província é a máscara“Mwana Pwo”, que representaa beleza e o encanto dasmulheres Cokwe, e o “Sama-nhonga” (Pensador), peçasque mais atraem os turistasque visitam esta região.

A província da Lunda-Norte é constituída por gru-pos etnolinguísticos osCokwes, Lundas (Arund),Balubas, Kakhongo, Imban-galas, Bondos e Songos, entreoutros, que se revêem norico folclore e na execuçãoda arte de produção do arte-sanato, com destaque paraas esculturas de madeira ea construção de habitaçõestípicas tradicionais.

21Sábado4 de Julho de 2020

VICTORINO MATIAS | EDIÇÕES NOVEMBRO

Um património por reconhecerLunda-Norte está em festa. Hoje, 4 de Julho, a província, reconhecida pelos diamantes e peladimensão cultural, celebra 42 anos de existência. Numa altura em que o país e o mundobuscam soluções para evitar a propagação e combater a pandemia da Covid-19, as

autoridades da Lunda-Norte pretendem apresentar ao Executivo uma proposta para ainscrição da província como Património Mundial da Humanidade da Unesco, tendo em conta

a sua grandeza histórica e cultural no contexto dos povos de Angola

LUNDA-NORTE:

ESPECIAL

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Armando Sapalo | Dundo

Que projectos o Governo pro-vincial tem para este ano?De acordo com a visão estra-tégica escolhida para a pro-víncia e com os compromissosassumidos perante a popu-lação, os projectos vão aoencontro das grandes áreasde desenvolvimento. Desta-camos o desenvolvimentohumano e bem-estar dasfamílias, a redução da pobrezae desigualdades sociais. Por-tanto, o nosso maior desafio,tem a ver com o desenvolvi-mento harmonioso. Outragrande área está relacionadacom as infraestruturas, comoo sistema de produção, tra-tamento e distribuição de águapotável, desde as zonas urba-nas, periurbanas até rurais esaneamento básico, por viade serviços adequados de tra-tamento das águas residuais.Portanto queremos levar águapara o consumo e para o sectorprodutivo. Projectamos, tam-bém, a melhoria de acessi-bilidade e transportes, umavez que a rede viária da pro-víncia é de mais de 2.542 qui-lómetros de extensão deestradas da rede fundamental,para as quais é necessáriogarantir trabalhos de con-servação e manutenção,com vista a assegurarmosa circulação de pessoas, emercadorias essenciais emtoda a província.

Quanto à energia eléctrica?Sobre o fornecimento daenergia eléctrica, existemprojectos delineados para amelhoria e aumento da capa-cidade de produção, desdea reabilitação e construçãode redes de distribuição nasáreas urbanas, periurbanase rurais. A construção denovas centrais hidroeléctricase térmicas. Destacamos asobras de reabilitação, moder-nização e reforço de potênciado aproveitamento hidroe-léctrico do Luachimo de 8.4para 34 megawatts de energia.Depois de concluídas asobras, além da cidade doDundo, a central do Lua-chimo vai, também, levarenergia aos municípios doCambulo e Lucapa, incluindoas localidades de Fucauma,Cassnguidi , Luxilo , N´zagie Calonda.

A verba atribuida anualmenteà província, no quadro do Orça-mento Geral do Estado (OGE),tem sido suficiente para a con-cretização das acções preco-nizadas nos Programas deInvestimento Público?Os números constantes noOGE têm confirmado a ten-dência da economia do país.Aliás, o país vem atraves-sando um período contur-bado devido aos efeitosnegativos da queda do preçodo petróleo. No entanto, ogoverno da Lunda-Norte temprocurado pôr em prática

acções para melhorar a situa-ção económica e social,orientadas para o cresci-mento económico e geraçãode emprego.

Quais as principais dificul-dades para a implementaçãodos projectos?Nesse domínio, assinalamosquesitos de carácter trans-versal, tais como as causasdecorrentes das restriçõesorçamentais, levando a quealguns projectos ou acçõestenham sofrido ajustamento,em termos de execução. Deigual modo, a instabilidadecambial contribuiu parapressionar os preços, no sen-tido ascendente e de formagalopante. A inflação con-tinua a acelerar nos últimostempos, desafiando a pros-secução dos objectivos, prin-cipalmente na aquisição de

bens e serviços. O Plano Inte-grado de Intervenção nosMunicípios (PIIM) veio, cer-tamente, para reduzir muitasdificuldades.

Como é que o PIIM está a serimplementado na Lunda-Norte?O PIIM representa um Planoque pretende aumentar aautonomia dos 164 muni-cípios do país. Ao nível daLunda-Norte, estão a serexecutados projectos emseis dos dez municípios,concretamente em Xá-Muteba, Chitato, Cambulo,Lôvua , Cuílo e Lubalo.

O que falta para chegar aosoutros municípios?Toda a documentação pro-cessual ligada ao PIIM daprovíncia da Lunda-Nortejá se encontram no Ministério

das Finanças para efeitos decertificação e validação dosprojectos. Esperávamos quetodos os municípios já esti-vessem em execução os res-pectivos projectos e que osprocedimentos burocráticos,no Ministério das Finanças,fossem céleres.

Quando se fala em Lunda-Norte, pensa-se logo em dia-mantes. Como está estesector?O nosso foco está na diver-sificação das actividadeseconómicas. Queremosprosseguir com o programade infraestruturação da pro-víncia, de forma a asseguraro crescimento económico ea melhoria das condições devida das populações. A prio-ridade é a definição e requa-lificação da rede viáriaprovincial e intermunicipal,

sistema de distribuição efornecimento de energiaeléctrica, incluindo a ilu-minação pública e extensãodos sistemas de abasteci-mento de água.Procuramos também incre-mentar a agricultura e apecuária, evoluindo de umaagricultura rudimentar desubsistência para a produçãode excedentes comerciali-záveis, promoção do comér-cio rural e a recuperação dasantigas fazendas agropecuá-rias. Estamos também comas atenções voltadas para aprodução de hortícolas,mandioca, batata-doce, fru-tas como banana e ananásem boa escala.

Concretamente que acçõesestão a ser realizadas no sectoragro-pecuário?Estão em curso acções que

22 ENTREVISTA Sábado4 de Julho de 2020

Governo da Lunda-Norte aposta narevitalização dos antigos perímetrosagropecuários da ex-Companhia de

Diamantes de Angola,Lunda-Norte é reconhecida pelo seu

potencial diamantífero, mas o impacto daexploração na vida social e económica doshabitantes está longe do esperado. Por isso,as autoridades apostam em projectos fora do

sector diamantífero, como agricultura,pecuária e o turismo cultural. Em entrevistaao Jornal de Angola, o governador ErnestoMuangala afirmou que o maior desafio do

seu governo tem a ver com odesenvolvimento harmonioso, com vista areduzir as desigualdades sociais, formarquadros e criar infraestruturas para ocrescimento económico da província

“Queremoso desenvolvimentoharmonioso para

combater asdesigualdades”

BENJAMIN CÂNDIDO | EDIÇÕES NOVEMBRO

Formado em Medicina, ErnestoMuangala afirma que, nos últimosanos, a província registou avançossignificativos no sector da Saúde,com a construção de estruturas

sanitárias, formação de quadros eintegração serviços antes

inexistentes

ERNESTO MUANGALA AO JORNAL DE ANGOLA

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23Sábado4 de Julho de 2020

visam a revitalização dasantigas fazendas ou zonasagro-pecuarias da entãoCompanhia de Diamantesde Angola ( Diamang ), commais de 500 mil hectares,precisamente no Cossa,Maludi e Nordestes ( muni-cípio do Cambulo ), Mucoloji( Chitato ) e Calonda ( Lucapa). Estamos a desenvolveracções de apoio à agriculturafamiliar, desde a entrega deinsumos e máquinas agrí-colas, assistência técnicacom o ob j e c t ivo de s eaumentar os níveis de pro-dução. Similarmente têmexistido iniciativas para faci-litar o acesso ao direito desuperfície (títulos de con-cessões), em todos os sec-tores desde o empresarial,cooperativas, associações,e singulares, para permitirque tenham condições parao financiamento bancário.Assinalamos, também, combom agrado uma acção jádesencadeada que consistenum programa de erradica-ção da fome para mais de350 famílias no municípiodo Lôvua, a cargo do Governojaponês em parceria com oMinistério da Agricultura ePescas. Após a sua concre-tização no Lôva, pode esten-der-se para os demaismunicípios.

A Fazenda Cacanda, no Chi-tato, absorveu cerca de 29milhões de dólares de fundospúblicos para revitalização efoi inaugurada em 2012. Qualo impacto na economia daprovíncia?A Fazenda Cacanda, desdeà inauguração até pelo menosno primeiro trimestre de2016, teve resultados satis-fatórios com a criação degalinhas poedeiras e bovinospara a produção de ovos ecarne de abate, bem comoas hortícolas e frutas para omercado local. O excedente,por sua vez, era escoado paraos projectos mineiros locais,província da Lunda-Sul e,também, para a RepúblicaDemocrática do Congo.Grande parte dos factoresprodutivos (matéria-primas)da fazenda era importado.Com a recessão económica,as coisas ficaram mais com-plicadas e, consequente-mente, a empresa israelitaAgricultiva, responsável pelarecuperação da fazenda, viu-se impossibilitada de operar,o que resultou na reduçãoda produção e rescisão docontrato com o Executivo.Entretanto, surgiu no mer-cado, a empresa Gesterra

que, em parceria com aAgressurb, estão a fazer agestão da fazenda. Admiti-mos que há muita oscilaçãona produção, chegandomesmo a n ão c ob r i r ademanda do mercado.

Qual é o impacto da exploraçãodos diamantes na vida sociale económica da população daLunda-Norte?Desde sempre, os projectose as sociedades mineirasforam chamados a inscre-verem nos seus programasde trabalho, matérias ligadasa acções sociais, sobretudojunto das comunidades ondedesenvolvem as actividades.São erguidas escolas e postosde saúde em algumas comu-nidades da nossa provínciae são, igualmente, interven-cionadas algumas vias secun-dárias, que permitem acirculação de pessoas e mer-cadorias. Só para citar umexemplo de relevo, foi cons-truído um complexo escolarno município de Caungula,que inclui dois internatos,sendo um masculino e outrofeminino que aguardam ape-nas a inauguração. A dinâ-mica tem sido diversificar asactividades envolvendo asempresas diamantíferas emprojectos com impacto eco-nómico e social para ascomunidades da província.

Quais são as perspectivas parao Turismo na província?Estamos a criar o perfil turís-tico da província, através daconversão da imagem doSamanhanga como logo-marca do turismo local, alémda promoção da lagoa Naca-rumbo, que é uma das SeteMaravilhas do país. A nossaperspectiva é que a Lagoaseja um destino turísticoda natureza, voltada paraestudos científicos. Esta-mos, também, a trabalharseriamente no turismo cul-tural. É importante, tam-bém, olhar para a expansãoda capacidade da nossa redehoteleira e de restauração,por via do investimento pri-

vado . Quanto a i sso , aLunda-Norte tem aindamuita caminho a percorrer.

Como estão as infraestruturasrodoviárias?Conseguimos melhorias sig-nificativas. Vários troços,entre primários, secundáriosforam construídos e reabi-litados. Hoje, a mobilidadede pessoas e bens é um factona Lunda-Norte. A Rede viá-ria fundamental da provínciaé de mais de 2.254 quilóme-tros de extensão. Uma partedesse percurso necessita deobras de conservação e rea-bilitação para debelarmos oimpacto da distância e doisolamento. Temos locali-dades que distam mais de700 quilómetros da sede pro-vincial. Estão em curso váriasobras ligadas às infraestru-turas rodoviárias em quedestacamos: a Estrada Nacio-nal 225, troço Cassassa / Mat-xibundo, com 26 quilómetrosde extensão, para que sejamconcluidos os 500 que tota-lizam o percurso da via; aEstrada Nacional 180-A ,troço Lucapa / Txilumbica ,20 quilómeros de extensão;construção da Estrada Nacio-nal 170 , troço Caungula/Lubalo , com 87 quilóme-tros, além da Estrada Nacio-nal 230, que compreende arequalificação do troçoCapenda-Camulemba / Xá-Muteba, num percurso de272 quilómetros.

Para quando a conclusão dos26 quilómetros que restamda Estrada Nacional 225, tendoos constrangimentos resul-tantes da EN 230?Tratando-se de um projectode subordinação central, daalçada do Ministério dasObras Públicas e Ordena-mento do Território, conti-nuamos a aguardar que fiquepronta. Existe uma empresaque continua a operar noterreno. Sabemos que o troçoé complexo, porque apre-senta desafios de especiali-dade técnica de engenharia.

É médico de formação eprofissão, que avaliaçãofaz do sector da saúde naprovíncia?O sector da Saúde registouavanços significativos, noque diz respeito a infraes-truturas, recursos humanose aumento de serviços.Temos, agora, serviços deultrassonografia, TomografiaAxial Computarizada–TAC,fisioterapia e electrocardio-grafia. Em termos de recursoshumanos, até 2008, não exis-tia nenhuma escola de ensinomédio, na província. Por-tanto, praticamente nãotinhamos também técnicosmédios. Com a criação daEscola de Formação de Téc-

nicos de Saúde, do nível médio,a província conseguiu formar1.361 técnicos. Quanto àsinfraestruturas, foram cons-truídos quatros hospitais muni-cipais, totalmente equipados,no Cuilo, Lucapa, Capenda-Camulemba e Cuango.Estas estruturas sanitáriastêm serviços de ultrassono-grafia, laborários, electro-cardiografia, salas de partoe serviços de Raio-X. Alémdisso, foram também cons-truídos dois hospitais noDundo, um geral e outromaterno-infantil, incluindocentros e postos de saúdeem todos os municípios. Nasaúde pública, conseguimosa extensão, para todos osmunicípios, dos programasalargados de vacinação, Hiv-Sida e saúde materno-infan-til, passando de 20 para 52postos fixos de vacinação, oque permitiu aumentar acobertura de vacinação naprovíncia. Ainda no domíniodas infraestruturas, foramconstruídos 13 hospitais, 19centros de saúde, 69 postos,perfazendo um total de 101unidades sanitárias.

Qual é o impacto desta Escolade Formação de Técnicos deSaúde?De 2011 até 2019, já forma-mos um total de 1.889 téc-nicos, entre pessoal auxiliare técnicos de enfermagem.Temos também 24 médicosformados no país e oito emformação no ex te r io r .Olhando para onde saímos,

conseguimos bons resulta-dos. Reconhecemos, noentanto, que temos um longocaminho a percorrer. Con-siderando as projecçõesdemográficas, existe aindaum défice, comparado aoscritérios definidos pela Orga-nização da Saúde (OMS), quedetermina que, para cadacinco mil habitantes devemexistir um posto de saúde eum centro, para cada 20 mil.

Como está o sector da Edu-cação? Quantas salas de aulasão necessárias pelo menosnesta fase?Tendo em conta o cresci-mento demográfico da popu-lação com idade estudantile pela superlotação que setem verificado nas salas deaula, precisamos de 1.999salas de aula, pelo menosaté 2022. Com o PIIM, a pro-víncia terá, para os próximosanos lectivos, um total 21novas escolas, que vão pos-sibilitar o surgimento de 185salas de salas de aula. Estasescolas vão contemplar oEnsino Primário e o Iº Ciclodo Ensino Secundário Geral,uma vez que é nesses sub-sistemas que se regista maioríndice de superlotação.

O que está a ser feito parareduzir os focos de imigraçãoclandestina e o garimpo dediamantes?Os principais factores queoriginam esses fenómenossão o modo e nível de vidadas populações fronteiriças,tanto de Angola quanto daRepública Democrática doCongo (RDC), país com oqua l par t i lhamos umaextensa fronteira de 770quilómetros. Temos ques-tões como a facilidade natransposição da fronteiranacional e a incapacidadeem termos de protecçãofísica das áreas por partedas recém-criadas empre-sas de exploração semi-

industrial de diamantes.Há também factores cultu-rais e sociológicos, antro-pológicos e outros . Noentanto, avaliamos de formapositiva a Operação Trans-parência, que vem comba-tendo a imigração ilegal, aexploração e o tráfico ilícitode diamantes. O combatevai prosseguir de forma per-manente, através da con-jugação de esforços entreas Forças de Defesa e Segu-rança, empresas de explo-ração de diamantes e asacções do governo de safis-fação das necessidadesbásicas da população contraa fome, criando condiçõesde saúde pública e forma-ção académica.

Como é que a Lunda-Norteestá a preparar-se para asAutarquias?Estão a ser preparadas medi-das de uma forma estratégica.O primeiro exercício tem aver com a preparação de qua-dros capazes de assumir asresponsabilidades do nossoparadigma em alguns muni-cípios, bem como as estru-turas para o poder Autárquico.No âmbito do PIIM, vão serconstruídos três complexosresidenciais administrativose autárquicos no Lôvua, Cam-bulo e Caungula. Cada estru-tura vai comportar dois pisose 18 apartamentos.A província procura, também,adoptar políticas públicaslevadas a cabo pelo Executivono que diz respeito ao desen-volvimento equilibrado doterritório nacional e a exis-tência de serviços públicosmunicipais de qualidade,fazendo com que a Lunda-Norte desenvolva iniciativase acções de preparação doBalcão Único de Atendimentoao Público (BUAP), levanta-mento de limites geográficosentre municípios, comunas,distritos, bairros e aldeias eo depósito de referência.

ARMANDO SAPALO | EDIÇÕES NOVEMBRO

ENTREVISTA

Criada da divisão da então provínciada Lunda, ao abrigo do Decreto Presidencial

nº 86/78, de 4 de Julho, Lunda-Norteé a terceira maior província do país. Com

103.760 quilómetros quadrados de extensão,a província tem mais de 900 mil habitantes,

nos seus dez municípios e 25 comunas,de acordo com os dados do último Censo

Geral da População e Habitação

O Plano Integradode Intervenção

nos Municípios vaipermitir reforçar aprovíncia com 21novas escolas. Até

2022, a Lunda-Norteprecisa de 97 salas

de aulas

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Page 9: 16 ESPECIAL - SAPOimgs.sapo.pt/jornaldeangola/img/464899573_ii_caderno_04...2020/07/04  · domina o debate e o mundo. Ao mesmo tempo, analistas multidisciplinares estão convencidos

Isidoro Samutula

O desenvolvimento da pro-víncia da Lunda-Nortedepende da diversificação daeconomia, por via de inves-timentos concretos nos sec-tores da agricultura, pecuária,pescas, energia, águas e trans-portes. A afirmação é do eco-nomista e docente universitárioJosé Cangolo. Ao avaliar os 42anos desde a transformaçãoda província, o académicosugere às autoridades fortecomprometimento com ofuturo e bem-estar daspopulações, para atrairpotenciais investidores egarantir um processo con-tínuo e sustentável dos outrossectores da economia.

A falta de cultura empre-sarial, na sua opinião, temprovocado um impactonegativo nas políticas tra-çadas pelas estruturas cen-trais do Executivo voltadospara os vários sectores eco-nómicos que deveriam cons-tituir indicadores para ocrescimento do desenvol-vimento da Lunda-Norte.

“ Não se pode falar dedesenvolvimento, sem antesolhar para os indicadores docrescimento. A Lunda-Norteé uma terra abençoada, poistem inúmeras potenciali-dades, desde solos aráveise recursos hídricos, aliadoao facto de, nos últimos anos,ter beneficiado de projectosestruturantes de reabilitaçãoe construção em algumasestradas nacionais”, sublinhao académico, apontandoalguns factores capazes dealavancar a economia, garan-tir emprego e rendimentopara as famílias.

Cooperativas podemacelerar a agricultura O economista defende acriação de cooperativasempresariais em todos osmunicípios da província,com o apoio do Governo,para o desenvolvimento daagricultura mecanizada epromover a produção local,principalmente da mandioca.

José Cangolo garante quea Lunda-Norte é uma refe-rência em termos de produçãoem grande escala da man-dioca e está entre os principaisfornecedores da fuba debombó consumida no país.Mas vê um problema: as co-operativas existentes não têmcapacidade técnica, finan-ceira nem mesmo infraes-truturas para desenvolveractividade empresarial.

“Em 42 anos, o Governoda Lunda-Norte tinha todas

as condições para que a pro-víncia se especializasse nocultivo da mandioca e asse-gurar mecanismos para asua transformação”, declarao docente da Faculdade deEconomia da UniversidadeLueji A´Nkonde.

As potencialidades agrí-colas da Lunda-Norte, nãose circunscrevem única eexclusivamente na man-dioca. A fuba de bombó ébastante apreciada e a qua-lidade seria um excelenteindicador para uma apostaséria na produção, transfor-mação e exportação do pro-duto. Mas o economista

aponta outros tubérculos degrande valor nutricional,c omo a b a t a -do c e e oInhame. Apesar das poten-cialidades, a Lunda-Nortenão é auto-sustentável emprodutos como a cebola,tomate, cenoura, kiabo,repolho, couve e a pimenta,que chegam do Centro e Suldo País. “A província precisade empresários que apostemseriamente no sector da agri-cultura para contribuíremno relançamento da econo-mia local, aproveitando ascondições existentes do soloe dos recursos hídricos”, fri-sou o economista.

Uma das saídas para garan-tir a segurança alimentar enutricional, reduzir a impor-tação de produtos agro-pecuá-rios, bem como promover acriação de postos de trabalho,além dos diamantes, seria aFazenda Cacanda, reabilitadapelo Executivo com custos de29 milhões de dólares.

O economista lembrouque os investimentos doExecu t ivo na FazendaCacanda, criaram muitasexpectativas cuja produção,poderia atingir níveis con-sideráveis e garantir o abas-tecimento de produtos nosmercados da Lunda-Norte,Lunda-Sul e Moxico.

O académico garante queos objectivos que levaram areabilitação e modernizaçãodo Projecto Agropecuário daCacanda, não foram atingidos,pois a província não sente osefeitos da sua existência.

Inaugurada em 2012, nomunicípio do Chitato, sobgestão da Agricultiva, empresaisraelita responsável pelaexecução das obras de rea-bilitação das antigas infraes-truturas da então Companhiade Diamantes de Angola, oProjecto Agropecuário deCacanda estava projectadopara abastecer a província e,depois, exportar para a região.

O i nvest imento de 29milhões de dólares, de fundospúblicos, tinha como propó-sito revitalizar a estrutura,edificada numa área equiva-lente a cinco mil campos defutebol, para produção de

ovos, hortícolas e carne bovinade abate. Até 2016, chegou aproduzir vinte mil ovos pordia, 11 toneladas de carne de

abate por mês. O número debovinos ascendia as 400 cabe-ças. Em 100 estufas, de 25metros cada, num total de

3,6 hectares, a safra era decinco toneladas por semanade produtos diversos.

Entretanto, desde o ano2017, altura em que o Minis-tério da Agricultura e Pescasentregou a gestão da fazendaà empresa privada Gesterra(que trabalha em parceriacom a Agressurb), os níveisde produção caíram, assus-tadoramente. A força de tra-balho, que era 169, até 2016,ficou reduzida para menosde 50, que asseguram peque-nas actividades. José Cangolonão tem dúvidas: a FazendaCacanda “está praticamenteem queda livre “.

Como umaprovíncia reconhecidapelos diamantes que produz eexporta possui altos níveis depobreza na sua população? “Apobreza da população da Lunda-Norte, deriva da riqueza que pos-sui. Isso influencia de formanegativa no seu custo”, revelaJosé Cangolo. A resposta pareceuma contradição. Mas o econo-mista esclarece: “A provínciadeveria beneficiar, de formadirecta, de um valor provenientedas receitas fiscais de exploraçãoe dos despachos aduaneiros deexportação dos diamantes. Taisreceitas, iriam permitir ao GovernoProvincial distribuir rendimentoàs pessoas desfavorecidas, cons-truir infraestruturas sociais naslocalidades de exploração”.

Para José Cangolo, o sectordiamantífero é o único com capa-cidade para garantir o desenvol-vimento económico da província,uma vez que os indicadores apon-tam que a produção tem vindoa atingir níveis satisfatórios. “Emtermos concretos e de formadirecta, a população da Lunda-Norte ainda não sente os bene-fícios da actividade”, refere, paralembrar, igualmente, a respon-sabilidade social das empresasdiamantíferas, que devem pro-porcionar a qualidade de vida àspopulações que vivem nas zonasde exploração.

Constrangimentos aos investimentos“Do ponto de vista económico, aindústria não pode funcionardependendo de fontes alternativas,tendo em conta os elevados custosoperacionais”, desabafa José Can-golo, para acrescentar: “ A eco-nomia não funciona sem a energianem água. Para o desenvolvimentoeconómico da província, os doissectores são fundamentais e aLunda-Norte necessita de gran-des investimentos”.

O economista lamenta o factode as grandes quantidades derecursos hídricos disponíveis nãoserem devidamente aproveitadas.O docente universitário reconheceque a situação da energia eléctricapode registar melhorias subs-tanciais, com a conclusão dasobras de aproveitamento hidro-léctrico e aumento de potênciada central do Luachimo que, alémdo Chitato, vai fornecer os muni-cípios do Cambulo e Lucapa.

Nas estradas, o economistadestaca os investimentos feitospelo Executivo para ligar os muni-cípios, mas afirma que há aindamuitos desafios pela frente. Umdos grandes problemas residena ligação da província ao litoral,pois, o elevado estado de degra-dação da Estrada Nacional 230cria muitas dificuldades aos ope-radores na transportação de pes-soas e mercadorias essenciais.

O economista lembra quealgumas empresas têm benefi-ciado de autocarros para o trans-porte público, mas ainda persistemproblemas de mobilidade. Osector empresarial dos Trans-portes, segundo José Cangolo,deve tirar maior proveito dosinvestimentos nas vias de comu-nicação, para promover a circu-lação intermunicipal. Sectorfundamental para o desenvolvi-mento económico, os transportes,na Lunda-Norte, aguardam porempresas públicas para velar pelamobilidade das pessoas, princi-palmente nas rotas intermunici-pais, segundo o economista.

BENJAMIN CÂNDIDO | EDIÇÕES NOVEMBRO

Aproveitar as potencialidadespara produzir os alimentos

que a província precisa

A fazenda já produziu, até 2006, vinte mil ovos por dia

Fazenda Cacanda, um gigante em queda livre

O brilho dosdiamantes

BENJAMIN CÂNDIDO | EDIÇÕES NOVEMBRO

“A Lunda-Norte é uma terra abençoada, poistem inúmeras potencialidades, desde solos

aráveis e recursos hídricos, aliado ao facto de,nos últimos anos, ter beneficiado de projectos

estruturantes de reabilitação e construção em algumas estradas nacionais”

DESENVOLVIMENTO

24 ESPECIAL Sábado4 de Julho de 2020