1611-2006

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PDF elaborado pela Datajuris Processo nº 1611/2006 Acórdão de: 24-02-2011 Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (1) I. Relatório AA, no Tribunal Judicial de G ..... intentou acção declarativa comum com forma ordinária contra BB pedindo que o testamento seja interpretado no sentido de que a testadora pretendeu legar ao A. depois da sua morte todos os valores pertencentes à conta nº ---.- e contas anexas a prazo e mobiliárias do antigo CC-Banco P... e S... M... agência da Liberdade, actual DD-B..., declarando-se que na proporção de 40% pertencem ao A correspondente à quantia aproximada de 18.705 euros condenando-se assim o R no cumprimento do legado com juros legais. O Réu contestou, dizendo, em síntese: Os factos alegados pelo autor não correspondem à verdade. De facto, a testadora pretendeu deixar e deixou ao A e R o saldo da conta a prazo (e não à ordem e de títulos) na proporção referida no testamento. Reconvindo, diz, em síntese: uma vez que o R. no pressuposto de que a testadora lhe tinha legado a totalidade do saldo da conta à ordem e a totalidade dos títulos prazo (apenas a o saldo da conta a prazo seria para o A. e R) pagou o respectivo imposto sucessório. A ser procedente a acção, deve o A. ser condenado a reembolsar o R. no montante que relativo ao imposto que é da sua responsabilidade (€3.962,98). A 1ª instância veio a julgar a acção improcedente absolvendo o réu do pedido e declarou prejudicado o conhecimento do pedido reconvencional. Inconformado com tal decisão, o A interpôs recurso de apelação da sentença para o Tribunal da Relação do Porto. Neste Tribunal a acção foi julgada parcialmente procedente e condenando réu a entregar ao autor a quantia de 15.705.02 euros, nada sendo decidido sobre o pedido reconvencional. Inconformado, o réu interpôs recurso de revista para este Tribunal, formulando as seguintes conclusões: 1 - A interpretação do testamento efectuada pelo tribunal a quo viola tanto a letra como o espírito do artigo 2187.° do Código Civil que impõe o contexto do testamento como ponto de partida para a aferição da vontade da testadora. 2- O testamento e o seu contexto foram menosprezados pelo tribunal em detrimento de elementos exteriores à declaração testamentária que mais não são do que juízos de valor baseados na convicção pessoal do julgador, juízos esses totalmente alheios aos factos provados ou sequer alegados pelas partes. 3- É a vontade da testadora no momento da outorga do testamento que releva para efeitos de interpretação do mesmo. 4- Entre a outorga do testamento e a data da morte da testadora decorreram mais de 11 anos. 5- O facto de à data da morte da testadora a conta a prazo, tal como a conta à ordem, não possuírem quantias em dinheiro suficientes para sequer cumprir o legado a EE, não pode servir de indício ou elemento complementar para aferição da vontade da testadora. 6- Não tem qualquer apoio no texto da disposição testamentária ou no contexto geral do testamento a interpretação do tribunal a quo segundo a qual a testadora, não obstante fazer expressa referência à conta a prazo, pretendeu legar o saldo da conta a prazo, o saldo da conta à ordem, todas as acções, obrigações, títulos da dívida pública e fundos de investimento. 7- A única dúvida que subsiste é a de saber se a testadora, com a deixa testamentária em apreço, pretendeu legar o saldo da conta a prazo ou o saldo da conta à ordem, isto é, os valores em numerário nelas depositadas. 8- Sendo que do contexto do testamento resulta inequívoco que apenas e só, legar o saldo da conta a prazo tendo por lapso indicado o número da conta à ordem. 9- Não obstante descrever de forma minuciosa todos os seus bens, a testadora não fez qualquer referência, directa ou indirecta, expressa ou tácita, às acções, obrigações, títulos da dívida pública e fundos de investimento que possuía. 10- Não foi produzida qualquer prova complementar que permitisse ao tribunal a quo

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Acórdão

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    Processo n 1611/2006 Acrdo de: 24-02-2011

    Acordam no Supremo Tribunal de Justia (1) I. Relatrio AA, no Tribunal Judicial de G..... intentou aco declarativa comum com forma ordinria contra BB pedindo que o testamento seja interpretado no sentido de que a testadora pretendeu legar ao A. depois da sua morte todos os valores pertencentes conta n ---.- e contas anexas a prazo e mobilirias do antigo CC-Banco P... e S... M... agncia da Liberdade, actual DD-B..., declarando-se que na proporo de 40% pertencem ao A correspondente quantia aproximada de 18.705 euros condenando-se assim o R no cumprimento do legado com juros legais. O Ru contestou, dizendo, em sntese: Os factos alegados pelo autor no correspondem verdade. De facto, a testadora pretendeu deixar e deixou ao A e R o saldo da conta a prazo (e no ordem e de ttulos) na proporo referida no testamento. Reconvindo, diz, em sntese: uma vez que o R. no pressuposto de que a testadora lhe tinha legado a totalidade do saldo da conta ordem e a totalidade dos ttulos prazo (apenas a o saldo da conta a prazo seria para o A. e R) pagou o respectivo imposto sucessrio. A ser procedente a aco, deve o A. ser condenado a reembolsar o R. no montante que relativo ao imposto que da sua responsabilidade (3.962,98). A 1 instncia veio a julgar a aco improcedente absolvendo o ru do pedido e declarou prejudicado o conhecimento do pedido reconvencional. Inconformado com tal deciso, o A interps recurso de apelao da sentena para o Tribunal da Relao do Porto. Neste Tribunal a aco foi julgada parcialmente procedente e condenando ru a entregar ao autor a quantia de 15.705.02 euros, nada sendo decidido sobre o pedido reconvencional. Inconformado, o ru interps recurso de revista para este Tribunal, formulando as seguintes concluses: 1 - A interpretao do testamento efectuada pelo tribunal a quo viola tanto a letra como o esprito do artigo 2187. do Cdigo Civil que impe o contexto do testamento como ponto de partida para a aferio da vontade da testadora. 2- O testamento e o seu contexto foram menosprezados pelo tribunal em detrimento de elementos exteriores declarao testamentria que mais no so do que juzos de valor baseados na convico pessoal do julgador, juzos esses totalmente alheios aos factos provados ou sequer alegados pelas partes. 3- a vontade da testadora no momento da outorga do testamento que releva para efeitos de interpretao do mesmo. 4- Entre a outorga do testamento e a data da morte da testadora decorreram mais de 11 anos. 5- O facto de data da morte da testadora a conta a prazo, tal como a conta ordem, no possurem quantias em dinheiro suficientes para sequer cumprir o legado a EE, no pode servir de indcio ou elemento complementar para aferio da vontade da testadora. 6- No tem qualquer apoio no texto da disposio testamentria ou no contexto geral do testamento a interpretao do tribunal a quo segundo a qual a testadora, no obstante fazer expressa referncia conta a prazo, pretendeu legar o saldo da conta a prazo, o saldo da conta ordem, todas as aces, obrigaes, ttulos da dvida pblica e fundos de investimento. 7- A nica dvida que subsiste a de saber se a testadora, com a deixa testamentria em apreo, pretendeu legar o saldo da conta a prazo ou o saldo da conta ordem, isto , os valores em numerrio nelas depositadas. 8- Sendo que do contexto do testamento resulta inequvoco que apenas e s, legar o saldo da conta a prazo tendo por lapso indicado o nmero da conta ordem. 9- No obstante descrever de forma minuciosa todos os seus bens, a testadora no fez qualquer referncia, directa ou indirecta, expressa ou tcita, s aces, obrigaes, ttulos da dvida pblica e fundos de investimento que possua. 10- No foi produzida qualquer prova complementar que permitisse ao tribunal a quo

  • assumir que a testadora no sabia distinguir entre uma conta ordem e uma conta a prazo; desconhecia o significado de uma conta de valores mobilirios, obrigaes, aces e a sua diferena relativamente a depsitos a prazo; que guardava no mesmo conceito de "contas a prazo" todas as aplicaes de capital que no estivessem ordem; ou que para a testadora as suas poupanas com rendimento significativo estariam em contas que ela pensava serem contas a prazo. 11- A utilizao por parte do tribunal, para efeitos de interpretao da vontade da testadora, de elementos exteriores declarao, que no resultam de factos alegados e provados pelas partes, mas apenas e s de presunes (no legais) e convices pessoais assentes em preconceitos (sexo, idade, alegada falta de habilitaes literrias e local de residncia) consubstancia uma manifesta violao do artigo 2187. do CC. 12- A interpretao dada pelo tribunal a quo para alm de no ter qualquer apoio no contexto do testamento, nem resultar da alegao e prova de factos complementares, frontalmente contrria vontade expressa da testadora. 13- A testadora fez constar no testamento uma clusula que instituiu o recorrente como herdeiro universal do remanescente da sua herana. 14- Todos os bens que no foram expressamente destinados pela testadora designadamente, o saldo da conta ordem, as aces, as obrigaes, os ttulos da dvida pblica e os fundos de investimento, pertencem ao recorrente. 15- Para a hiptese da aco ser considerada procedente o ora recorrente deduziu na contestao um pedido reconvencional, referente ao imposto sucessrio que pagou a mais na convico de que a testadora lhe teria legado 46.762,52 Euros. 16- Foi dado como provado que "O Ru pagou a totalidade do imposto sucessrio relativamente quantia de 46.762,52 Euros, no pressuposto de que aquela disposio testamentria lhe atribua a totalidade do saldo da conta ordem, 60% da conta a prazo e os valores das obrigaes, ttulos de dvida pblica e fundos de investimento". 18- Tendo o tribunal a quo revogado a sentena proferida em primeira instncia, e substituindo-a por outra que considerou que o Autor tem direito a receber 16.709,82 Euros, dos quais j recebeu 1.004,80 Euros, deveria ter julgado procedente o pedido reconvencional formulado pelo Ru e condenado o Autor a pagar ao Ru a quantia 3.962,98 Euros referente ao imposto sucessrio da responsabilidade do Autor mas indevidamente liquidado pelo Ru. 19- No o tendo feito, o acrdo nulo, nulidade que expressamente se argui (artigo 668, n 1 alnea d) ex vi artigo 721, n 2, ambos do CPC). Termos em que se requer a V.Ex.as se dignem considerar que a interpretao dada pelo tribunal a quo disposio testamentria em apreo no se conforma com o texto do documento e no tem nele o mnimo de correspondncia e, em consequncia, substituir a deciso proferida por outra que interprete a deixa testamentria como abrangendo apenas o saldo da conta a prazo. Subsidiariamente e para a hiptese de se manter a interpretao efectuada pelo tribunal a quo, requer-se a V.Ex.as se dignem declarar a nulidade do acrdo recorrido porquanto, o mesmo no se pronunciou sobre o pedido reconvencional formulado, a ttulo subsidirio, pelo Ru/recorrente na contestao. Ou, ainda, caso assim no se entenda, proferir acrdo que mantendo a deciso recorrida, condene o Autor a pagar ao Ru a quantia 3.962,98 Euros referente ao imposto sucessrio da responsabilidade do primeiro mas indevidamente liquidado pelo segundo. No houve contra-alegaes Colhidos os vistos cumpre decidir Sem prejuzo do conhecimento oficioso que em determinados situaes se impe a este Tribunal, o objecto do recurso dado pelas concluses que o recorrente extrai das alegaes (arts 684, n 3 do CPC) (Nas concluses de forma clara e completa - o recorrente resume os fundamentos do recurso). Assim, tendo em ateno o exposto e as concluses formuladas pela recorrente, importa resolver: - Se o Tribunal da Relao violou o disposto nos ns 1 e 2 do artigo 2187 do CC. -A manter-se a deciso do Tribunal da Relao, se este Tribunal cometeu a nulidade prevista no artigo 668, n 1, al. c) do CPC ao no conhecer do pedido reconvencional. II. Fundamentos II.I. Dos factos Nas instncias foram considerados provados os seguintes factos: 1) Por testamento, no dia 08/11/1999, FF declarou, alm do mais, que lega aos mencionados seus sobrinhos BB e AA, na proporo de 60% para o primeiro e 40%, para o

  • segundo, o total do valor do saldo da conta dela testadora, existente no CC-Banco P... e S... M..., na sua agncia da P... da L..., no P..., conta essa a prazo sob o n. ..., com ressalva da disposio a favor da legatria EE, bem como declarou que institui herdeiro do remanescente da sua herana o seu referido sobrinho BB (Alnea A) dos Factos Assentes); 2) A conta a prazo da referida FF no tem o n. ---.-, correspondendo tal nmero conta de depsitos ordem, na qual est associada a conta de depsitos a prazo com o n. ..., no destinando FF a conta de depsitos ordem a nenhum dos legatrios (Alnea B) dos Factos Assentes); 3) data do falecimento de FF a conta ordem apresentava o saldo de 2.512,01 (Alnea C) dos Factos Assentes); 4) Na mesma data a conta a prazo apresentava o saldo de 498,80 (Alnea D) dos Factos Assentes); 5) Na conta de valores mobilirios n. ..., associada conta de depsitos ordem com o mesmo nmero, a qual apresentava data do bito os seguintes valores: a) 1.160 aces cotadas EDP nom. com o valor nominal de 1,00; b) 220 aces cotadas EDP 2000, com o valor nominal de 1,00; c) 200 obrigaes no cotadas GG-B...CX/ESP 2004, com o valor nominal de 50,00; d) 259.4831 ttulos da dvida pblica OT 8,875%J 2004, com o valor nominal de 0,01; e) 100 unidades de participao do fundo de investimento Nova Econom 2005 (Alnea E) dos Factos Assentes); 6) Foi efectuada escritura de habilitao de herdeiros em 14/09/2001 (Alnea F) dos Factos Assentes); 7) Veio o aqui ru a entregar ao autor dos bens e/ou valores depositados a quantia de 1.004,80 (Alnea G) dos Factos Assentes); 8) O valor global do saldo das contas, supra referidas, era, data do bito, 46.762,52 (Alnea H) dos Factos Assentes); 9) A testadora FF referiu por vrias vezes ao autor: o meu dinheiro teu, anda vai e compra o que te apetecer, quando morrer, quem o recebe, s tu e o BB (Alnea I) dos Factos Assentes); 10) Entre o autor e a testadora sempre reinou harmonia, cooperao e acentuado respeito mtuo (Alnea J) dos Factos Assentes; 11) O ru pagou a totalidade do imposto sucessrio relativamente quantia de 46.762,52, no pressuposto de que aquela disposio testamentria lhe atribua a totalidade do saldo da conta ordem, 60% da conta a prazo e os valores das obrigaes, ttulos de dvida pblica e fundos de investimento (Alnea K) dos Factos Assentes); 12) A testadora considerava o autor como seu herdeiro (Resposta ao Quesito 7.). II.II. Do direito 1.Porque se no verifica nenhuma das situaes dos artigos 722, n 3 e 729, n 3, ambos do CPC, a matria de facto considera-se definitivamente assente, tal como foi fixada pelo Tribunal da Relao. Na verdade, e no que diz respeito inteno do testador, no Assento de 19/10/954 (2), hoje com o valor de Acrdo de Fixao de Jurisprudncia(3) e que o STJ de forma pacfica tem seguido (4), decidiu-se que constitui matria de facto da exclusiva competncia das instncias determinar a inteno do testador. No vemos qualquer razo para nos afastarmos deste entendimento. Pretendendo-se saber o que realmente aconteceu, tal conhecimento exige tambm a averiguao de factos do foro interno. De facto, para perceber determinada conduta, v.g. determinada declarao negocial, essencial, para alm do mais, perceber a inteno do declarante ao declarar o que declarou. No caso da interpretao do testamento, em primeiro lugar, importa averiguar da inteno do testador, saber o que o testador disse e com que inteno o disse. Ora esta inteno h-de resultar da prova de factos indicirios que devidamente conjugados com recurso a presunes judiciais permitam determinar aquela inteno, isto , apurar a matria de facto. Sendo esta matria, o realmente acontecido, matria de facto, compete s instncias a sua determinao. Na verdade, factos do foro interno so ainda factos e sendo factos compete s instncias a sua fixao. Sendo as instncias que julgam de facto - que averiguam o que realmente aconteceu compete-lhes ainda tirar as ilaes, de acordo com presunes judiciais, da verificao de determinados factos conclurem pela verificao de outros No nosso direito positivo, as presunes judiciais so qualificadas como meios de prova (artigo 349 do Cdigo Civil), constituindo raciocnios que as instncias efectuam com base em factos conhecidos para comprovao de certos factos desconhecidos. Da que o STJ,

  • enquanto tribunal de revista, ressalvado o caso de violao de regras legais probatrias (por exemplo o recurso a presunes judiciais para comprovao de factos desconhecidos em casos em que no admissvel a produo de prova testemunhal artigos 351 e 393, ambos do Cdigo Civil), no possa sindicar o resultado probatrio obtido pelas instncias com recurso a presunes judiciais. 2.No caso, est assim vedado a este Tribunal questionar o entendimento da Relao expresso quanto vontade da testadora, principalmente, quando para a fixao daquela matria fctica, aquele Tribunal, para alm do contexto do testamento, teve ainda em ateno outros factos dados como provados. Se a voluntas testatoris, como se viu, constitui matria de facto da competncia das instncias, j constitui matria de direito(5) que o STJ por fora do disposto nos artigos e 721 e 722 do CPC est obrigado a conhecer, averiguar se a estabelecida vontade do testador no afronta o quadro normativo substantivo pertinente, no caso, os ns 1 e 2 do artigo 2187 do CC. Claramente: neste recurso de revista, o que est em causa apreciar se a vontade da testadora, definida pela Relao, conforme o contexto do testamento, tendo nele um mnimo de correspondncia, ainda que imperfeitamente expressa. que tal vontade, face ao disposto no n 2 do artigo 2187 do CC, no produzir (surtir, nas palavras da lei) quaisquer efeitos se no tiver no contexto do testamento um mnimo de correspondncia, ainda que imperfeitamente expressa. Esta limitao ao carcter decisivo da vontade real do testador decorre do facto de o testamento ser um negcio formal, como se sabe(6). Ento a questo : a definida, pela Relao, vontade real da testadora relativamente disposio em anlise legar o saldo da conta ordem e contas associadas (a prazo e de ttulos) ao recorrente e recorrido na proporo de 40% e 60%, respectivamente, conforme o contexto do testamento? Tem esta vontade da testadora, no contexto do testamento, um mnimo de correspondncia, ainda que imperfeitamente expressa? Vejamos os factos interessantes: 1) Por testamento, no dia 08/11/1999, FF declarou, alm do mais, que lega aos mencionados seus sobrinhos BB e AA, na proporo de 60% para o primeiro e 40%, para o segundo, o total do valor do saldo da conta dela testadora, existente no CC-B... P... e S... M..., na sua agncia da P... da L..., no P..., conta essa a prazo sob o n...., com ressalva da disposio a favor da legatria EE, bem como declarou que institui herdeiro do remanescente da sua herana o seu referido sobrinho BB (Alnea A) dos Factos Assentes); 2) A conta a prazo da referida FF no tem o n. ---.-, correspondendo tal nmero conta de depsitos ordem, na qual est associada a conta de depsitos a prazo com o n. ..., no destinando FF a conta de depsitos ordem a nenhum dos legatrios (Alnea B) dos Factos Assentes); 9) A testadora FF referiu por vrias vezes ao autor: o meu dinheiro teu, anda vai e compra o que te apetecer, quando morrer, quem o recebe, s tu e o BB (Alnea I) dos Factos Assentes); 10) Entre o autor e a testadora sempre reinou harmonia, cooperao e acentuado respeito mtuo (Alnea J) dos Factos Assentes; 12) A testadora considerava o autor como seu herdeiro (Resposta ao Quesito 7.). Dizendo a testadora conta a prazo, mas indicando o nmero completo da conta ordem, o entendimento da Relao de que ela pretendia referir-se (a 1 instncia julgou precisamente o contrrio) conta ordem a que estavam associadas uma conta a prazo e uma conta de ttulos com o mesmo nmero da conta ordem, conforme o contexto do testamento, tem neste um mnimo de correspondncia, ainda que imperfeitamente expresso? A resposta afirmativa Fundamentemos Em primeiro lugar deve ter-se presente que quando a lei (artigo 2187 do CC) fala em contexto do testamento e no em texto do testamento(7), isto s poder querer dizer que a interpretao do testamento no pode ficar-se por uma interpretao de cada palavra, de cada disposio, isoladamente consideradas, mas que todas as disposies tm de ser analisadas vendo o testamento no seu todo. De facto, uma determinada disposio, separadamente interpretada, pode parecer incompleta, obscura, mesmo ininteligvel, mas vista luz de todo o documento do

  • testamento (e factos complementares) pode ganhar clareza e perfeitamente integrada na vontade real do testador, com correspondncia no contexto do testamento, ainda que imperfeitamente expressa. Isto dito, regressemos ao caso: Se a testadora indica o nmero correcto e completo da conta ordem e no da conta a prazo; se no deixa a conta ordem a nenhum dos legatrios; se refere o total do valor do saldo, o que indicia uma realidade composta, e no apenas o saldo da conta, como seria normal se se referisse ao montante depositado numa conta, pode-se afirmar que a vontade da testadora no tem no contexto do testamento um mnimo de correspondncia? Se a conta de valores mobilirios - associada conta ordem e da a indiciada realidade composta - tem o mesmo nmero da conta ordem - o nmero referido no documento, pode-se afirmar que a vontade da testadora determinada pela Relao no tem no contexto do testamento um mnimo de correspondncia, ainda que imperfeitamente expressa? Se o nmero completo identificador da conta ordem que consta no testamento, como defender que a vontade da testadora (no uso da sua competncia, determinada pelo Tribunal da Relao) no tem no tem no contexto do testamento um mnimo de correspondncia ainda que imperfeitamente expressa? Note-se, como a doutrina e a jurisprudncia (8) tm assinalado, que do que se trata de um mnimo de correspondncia. A lei (artigo 2187, 2 do CC) basta-se com uma qualquer correspondncia. O que fundamental o respeito pela vontade do testador. Esta, uma vez determinada, s no produzir efeitos se de todo em todo no tiver nenhum ponto de contacto com o contexto do testamento. Escreve-se no Ac deste STJ de 03/12/97, melhor identificado na nota 3, e referindo-se inteno do testador. Portanto a inteno s ser considerada irrelevante se no encontrar nenhum ponto de apoio no aludido contexto. Assim porque a interpretao realizada pelo Tribunal da Relao quanto determinao da vontade da testadora tem no contexto do testamento um mnimo de correspondncia, ainda que imperfeitamente expressa, no merece neste particular a deciso recorrida. 3. Aparentemente, s por lapso, o Tribunal da Relao, face procedncia do pedido do autor, no ter conhecido do pedido reconvencional (nada disse). De facto, tal como o Ru desenhou a sua pretenso, o Tribunal estava obrigado a conhecer daquele pedido. Assim sobre tal questo verifica-se invocada nulidade, prevista na 1 parte da al.d) do n 1 do artigo 668 do CCP- omisso de pronncia. Tendo em ateno o exposto e quanto questo do pedido reconvencional, o Acrdo recorrido nulo, impondo-se a a sua reforma naquela parte pelos mesmos juzes, se possvel, o que implica a baixa do processo ao Tribunal da Relao para os referidos efeitos, como dispe o n2 do artigo 731, n2 do CPC (na redaco aplicvel). III. Deciso Pelo exposto e dando parcial provimento revista, decide-se: a)Manter a deciso da Relao quanto ao pedido do autor; b)Julgar procedente a nulidade do Acrdo da Relao por omisso de pronncia, subsidiariamente deduzida pelos recorrentes, relativamente ao pedido reconvencional, e, em consequncia ordenar a baixa do processo para suprimento do indicado vcio pelos mesmo juzes, se possvel. c)Custas pelo recorrente e recorrido na proporo de por este e por aquele Lisboa, 24 de Fevereiro de 2011. Srgio Poas (Relator) Pires da Rosa Granja da Fonseca _____________________________________________ (1) Srgio Poas Relator; Pires da Rosa Adjunto; Granja da Fonseca Adjunto (2) Dirio do Governo, 1 srie, n 247, de 5/11. (3) Artigo 17, n 2 do DL n 329-A/95 de 12/12.

  • (4) Entre muitos outros: de 03/12 de 1997,CJ, STJ, Ano V,TIII,153; de 06/06/2000, CJ,STJ,TII, 89; de 23/01/2001, CJ STJ ,Ano IX,TI,82 e 30/06/2009,CJ,STJ,Ano XVII,T,II, pgina? (5) Neste sentido, e nomeadamente, a jurisprudncia citada na nota anterior. (6) Constitui doutrina (Antunes Varela, Ineficcia do testamento e Vontade Conjectural do Testamento, pg. 23 a 33, e anotaes ao artigo 2187 do CC, Cdigo Civil Anotado, Pires de Lima e Antunes Varela, Coimbra Editora 1998, Volume VI, pginas 305 e 306, anotao 7; Guilherme Oliveira in O testamento, pg. 53 a 56; Rabindranath Capelo de Sousa Lies de Direito das Sucesses, pg. 196 a 200 Volume I, 4 edio renovada, Coimbra Editora 2000; , E Santos Jnior, Sobre a Teoria da Interpretao dos Negcios Jurdicos, pg. 160 a 172 e Erich Danz, A Interpretao dos Negcios Jurdicos,,pg. 320 a 330 ) e jurisprudncia (exemplificativamente os Acrdos do STJ identificados na nota 3 ).pacficas que o artigo 2187 do CC (Interpretao do Testamento) consagra a teoria subjectivista da interpretao. De facto, tendo em conta o carcter unilateral e no receptcio do testamento e a circunstncia do mesmo se traduzir numa manifestao de vontade ltima do seu autor, no n 1, do artigo 2187 do Cdigo Civil, o legislador privilegia na interpretao das disposies testamentrias o que parecer mais ajustado com a vontade do testador, conforme o contexto do testamento, visando a actividade interpretativa a busca daquilo que foi querido pelo testador, numa clara orientao subjectivista. Importa no entanto ter presente que o n 2, do mesmo artigo admite a produo de prova complementar, prevendo que no surtir qualquer efeito a vontade do testador que no tenha no contexto um mnimo de correspondncia, ainda que imperfeitamente expressa. (7) Diversamente do previsto nos artigos 9, n 2 e 238, n 1, ambos do Cdigo Civil, a tarefa interpretativa do testamento no est expressamente limitada pelo texto do acto interpretando mas antes pelo seu contexto (veja-se o n 2, do artigo 2187 do Cdigo Civil). (8) Designadamente os autores citados na nota 6 e a jurisprudncia identificada na nota 3.