17101778 Manual de Direito Constitucional Tomo I

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  • MANUAL DE

    DIREITO CONSTITUCIONAL

    TOMO I

  • DO AUTOR

    I Livros e monografias

    Cntributo para uma teoria da inconstitucionalidade, Lisboa, 1968;

    Poder paternal e assistncia social, Lisboa, 1969;

    Notas para uma introduo ao Direito Constitucional Comparado, Lisboa, 1970;

    Chefe do Estado, Coimbra, 1970;

    Conselho de Estado, Coimbra, 1970;

    Decreo, Coimbra, 1974;

    Deptado, Coimba, 1974;

    A Revoluo de 25 de Abril e o Direito Constitucional, Lisboa, 1975;

    A Constituio de 1976 Formao, estrutura, princpios fundamentais, Lisboa, 1978;

    Manual de Direito Constitucional, l. tomo, 5 edies, Coimbra, 1981,1982, 1985, 1990 e 1996; 2. tomo, 3 edies, Coimbra, 1981, 1983 e1991, reimp. 1996; 3. tomo, 3 edies, Coimbra, 1983, 1987 e 1994, reimp. 1996; 4. tomo, 2 edies, Coimbra, 1988 e 1993;

    As associaes pblicas no Direito portugus, Lisboa, 1985;

    Relatrio com o programa, o contedo e os mtodos do ensino de Direilos Fundamentais, Lisboa, 1986;

    Esudos de Direito Eleitoral, Lisboa, 1995;

    Escritos vrios sobre a Universidade, Lisboa, 1995.

    II Lies policopiadas

    Cincia Poltica Formas de Governo, 4 edies, Lisboa, 1981, 1983-84,1992 e 1996;

    Funes, rgos e Actos do Estado, 3 edies, Lisboa, 1984, 1986 e 1990;

    Direito Internacional Pblicol, 2 edies, Lisboa, 1991 e 1995.

    In Principais artigos

    Relevncia da agricultura no Direito Constitucional Portugus, in Rivista di Diritto Agrrio, 1965, e in Scientia urdca, 1966;

  • otas para um conceito de assistncia social, m Informao Social, 1968;

    Colgio eleitoral, in Dicionrio Jurdico da Administrao Pblica, li,1969;

    A igualdade de sufrgio poltico da mulher, in Scientia iuridica, 1970;

    iberdade de reunio, in Scientia urdica, 1971;

    Sobre a noo de povo em Direito Constitucional, in Estudos de Direito Pblico em honra do Professor Marcelo Caeano, Lisboa, 1973;

    Inviolabiidade do domiclio, in Revista de Direito e Estudos Sociais, 1974;

    Inconstitucionalidade por omisso, in Estudos sobre a Constituio, i, Lisboa, 1977;

    O Direito eleitoral na Constituio, in Estudos sobre a Constituio, il,1978;

    Aspects institutionneis de 1adhsion du Portugal Ia Communaut conomique Europenne, m Une Communaut Doue? Lmpact du Nouvel Elargissement sur ls Communauts Europennes, Bruges, 1978;

  • O regime dos direitos, liberdades e garantias, m Estudos sobre a Constituio, Hl, Lisboa, 1979;

    A ratificao no Direito Constitucional Portugus, m Estudos sobre a Constituio, 111, Lisboa, 1979;

    Os Ministros da Repblica para as Regies Autnomas, m Direito e Justia, 1980;

    A posio constitucional do Primeiro-Ministro, in Boletim do Ministrio da Justia n. 334;

    As actuais normas constitucionais e o Direito Internacional, in Nao e Defesa, 1985;

    Autoriaes legislativas, in Revista de Direito Pblico, 1986;

    glises et tat au Portual, in Conscience et liberte, 1986;

    Propriedade e Constituio (a propsito da lei da propriedade da farmcia), in O Direito, 19741987;

    A Administrao Pblica nas Constituies Portuguesas, in O Direito, 1988;

    Tratados de delimitao de fronteiras e Constituio de 1933, m Estado e Direito, 1989;

    O programa do Governo, in Dicionrio Jurdico da Administrao Pblica, vi, 1994;

    Resoluo, ibidem, vil, 1996;

    O patrimnio cultural e a Constituio tpicos, in Direito do Patrimnio Cultural, obra colectiva, 1996;

    U esperienw portoghese di sistema semipresideniale, in Democraia e forme di governo Modelli stranieri e riforma costituzionale, obr colectiva, 1997;

    Sobre a reserva constitcional da funo legislativa, in Perspectivas Constitucionais Nos 20 anos da Constituio de 1976, obra colectiva, 1997.

    IV Colectneas de textos

    Anteriores Constituies Portuguesas, Lisboa, 1975;

    Constituies de Diversos Pases, edies, Lisboa, 1975, 1979 e 1986-1987;

    As Constituies Portuguesas, 3 edies, Lisboa, 1976, 1984 e 1991;

    A Declarao Universal e os Pactos Internacionais de Direitos do Homem, Lisboa, 1977;

  • Fontes e trabalhos preparatrios da Constituio, Lisboa, 1978;

    Direitos do Homem, 2 edies, Lisboa, 1979 e 1989;

    Textos Histricos do Direito Consitucional, 2 edies, Lisboa, 1980 e 1990;

    Jurisprudncia constitucional escolhida, 3 volumes, 1996 e 1997.

    V Obras polticas

    Um projecto de Constituio, Braga, 1975;

    Constituio e Democracia, Lisboa, 1976;

    Um projecto de reviso constiucional, Coimbra, 1980;

    Reviso Constitucional e Democracia, Lisboa, 1983;

    Anteprojecto de Constituio da Repblica de So Tom e Prncipe, 1990;

    Um anteprojecto de proposta de lei do regime do referendo, m Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 1991;

    Ideias para uma reviso constitucional em 1996, Lisboa, 1996.

  • Nenhuma pae desta publicao pode ser reproduzida por qualquer processo electrnico, mecnico ou fotogrfico, incluindo fotocpia xerocpia ou gravao, sem autorizao prvia do edior. Exceptua-se a ranscrio de curtas passagens para efeitos de apresentao, crica ou discusso das ideias e opinies contidas no livro. Esta excepo no pode. porm, ser interpretada como permitindo a transcrio de extos em recolhas aniolgicas ou similares, a quat possa resultar prejuzo para o ineresse pela obra. Os infractores so passveis de procedimeno judicia.

  • JORGE MIRANDA

    Professor Catedrtico das Faculdades de ireito da Universidade de Lisboa e da Universidade Catlica Portuguesa

    MANUAL DE

    DIREITO CONSTITUCIONALTOMO l

    PRELIMINARES

    O ESTADO E OS SISTEMAS CONSTITUCIONAIS

    6. EDIO, REVISTA E ACTUALIZADAABVNL1ADOMNFS

    COIMBRA EDITORA

    1997

    C.G.D.. S

    MEDI AT C A

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  • composiao e impresso oimbra Editora, Limitada

    1SBN 972-32-0419-3 (obra completa) ISBN 972-32-0793-1 Tomo I, 6. ed. (ISBN 972-32-0731-1Tomo I, . ed.)

    Depsito Legal n. 116 116/97

    Outubro de 1997

  • A MINHA ME

    AO MEU IRMO CARLOS

    com SAUDADE E ESPERANA

  • DO PREFCIO DA 7.4 EDIO

    O presente livro nasce do ensino e para o ensino do Direito constitucional. Por isso, compreende ou aproveita, em grande parte, pginas de lies policopiadas destinadas aos alunos da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e da Faculdade de Cincias Humanas da Universidade Catlica Portuguesa.

    trabalho no completo e no definitivo. No completo, porque apesar de uma relativamente longa extenso, no chega a versar todas as numerosssimas matrias que hoje cabem no Direito constitucional. No definitivo, porque ensino dilogo de aquisies recprocas e ensino universitrio implica constante renovao (ainda quando, como sucede em Portugal, se oferecem difceis as condies de investigao).

    Mas, assim mesmo, se justifica a sua publicao. Aberto, doravante, a um mbito mais largo de leitores, mais forte se far sentir, por certo, o estmulo crtico para a correco de deficincias e para o ulterior aperfeioamento, a que, desde j, se fica aspirando.

  • PRELIMINARES

    l. O fenmeno poltico e o Estado

    Como qualquer outra manifestao de socialidade humana, o fenmeno poltico apresenta uma dupla face: a de facto que acontece na vida dos homens em relao ou aspecto desta, e a de realidade impregnada de valores.

    O que seja ele exactamente vem a ser, contudo, desde h muito, ponto de discusso em diferentes disciplinas. Parece ligar-se ao poder, ao poder poltico ou, na tradio clssica, Civitas, realizao do Homem na Cidade e ao bem comum temporal. H quem afirme a sua especificidade irredutvel e h quem, pelo contrrio, o reconduza a fenmenos de distinta natureza.

    Uns acentuam elementos espirituais, v. g., as condies de legitimidade dos governantes; outros concentram-se em elementos materiais, v. g., a subordinao dos mais fracos aos mais fortes ou o domnio exercido por uma classe social e baseado na diferenciao econmica. Uns recorrem a explicaes contratualistas, outros a explicaes institucionalistas, outros ainda, por exemplo, a explicaes funcionalistas.

    Nos nossos dias, toda esta problemtica surge posta, directa ou indirectamente, a respeito do Estado. no Estado organizao de governantes e de governados ou comunidade dos cidados que se patenteia a mais clara luz, pois o Estado constitui a sociedade poltica caracterstica dos ltimos sculos e, decerto, a mais complexa, a mais slida e a mais expansiva da histria.

    Conhecem-se tambm as duas perspectivas primrias das quais o Estado pode ser encarado: como Estado-comunidade e como Estado-poder; como sociedade, de que fazemos parte e em que se exerce um poder para a realizao de fins comuns, e como poder

  • 12Manual de Direito Consiucional

    poltico manifestado atravs de rgos, servios e relaes de autoridade (). Mas estas perspectivas no devem cindir-se, sob pena de se perder a unidade de que depende a subsistncia do poltico; e essa unidade , para o que aqui interessa, uma unidade jurdica, resulta de normas jurdicas.

    2. Sujeio do Estado e das demais instituies pblicas ao Direito

    No so apenas os indivduos (ou os particulares) que vivem subordinados a normas jurdicas. Igualmente o Estado e as demais instituies que exercem autoridade pblica devem obedincia ao Direito (incluindo ao Direito que criam).

    Se pode ter-se por exagerada a posio dos autores que assimilam o fenmeno estadual ao fenmeno normativo, pelo menos claro que o Estado no pode ser compreendido sem Direito que transforma os homens em cidados, que estabelece as condies de acesso aos cargos pblicos, que confere segurana s relaes entre os cidados e entre eles e o poder.

    Para l dos elementos histrico, geogrfico, econmico, poltico, moral e afectivo, encontra-se sempre um elemento jurdico traduzido na criao de direitos e deveres, de faculdades e vinculaes. Os governantes tm de ter o direito de mandar e os governados o dever de obedecer. No bastam a fora ou a convenincia: no h uma ideia de Poder sem uma ideia de Direito e a autoridade dos governantes em concreto tem de ser uma autoridade constituda constituda por um conjunto de normas fundamentais, pela Constituio, como quer que esta se apresente.

    Do mesmo modo, o povo e o territrio no so o povo e o territrio do Estado seno em termos de Direito Direito interno desse Estado e Direito internacional. A pertena de algum ao povo depende das leis da nacionalidade ou cidadania e envolve determinado

    () Por errada, deve, desde j, afastar-se a referncia ao Estado como nao politicamente organizada pois so realidades diferentes a nao e o Estado, e a organizao em si sempre jurdica.

  • Preliminares 13

    estatuto dentro da ordem jurdica estadual; a pertena de alguma poro de territrio ao Estado depende do Direito internacional; e o poder de cada Estado somente atinge o seu povo e o seu territrio, e no os de outros Estados, porque povo e territrio vm a ser condies de existncia (ou limites) do seu ordenamento jurdico.

    E isto que muito no abarca tudo. H ainda que observar que, no desenvolvimento de toda a sua actividade, o Estado e as demais entidades pblicas (regies autnomas, autarquias locais, institutos pblicos, associaes pblicas, etc.) tm de se mover segundo regras jurdicas sejam quais forem as fontes donde essas regras pro venham (nomeadamente de natureza legal ou consuetudinria), o contedo e o sentido que possuam, as concepes que lhes presidam e os processos de agir que instituam.

    So extremamente variados e tantas vezes antagnicos os regimes, as formas de governo, os sistemas polticos: a mais elementar comparao, por exemplo, mostra as diferenas que existem entre um regime como o britnico e um regime como o sovitico de 1917 a 1991, entre um regime como o portugus no domnio da Constituio de 1933 e um regime como o portugus no domnio da Constituio de 1976. Sem embargo, em todos os regimes e sistemas polticos, actuais ou passados, encontram-se ideias e regras jurdicas a defini-los, a legitim-los (ou a procurar legitim-los), a conform-los, a orient-los.

    A sujeio do Estado ao Direito, inclusive ao seu prprio Direito positivo eis a base do Direito pblico e, antes de mais, do Direito constitucional.

    3. O Direito constitucional

    I O Direito constitucional a parcela da ordem jurdica que rege o prprio Estado enquanto comunidade e enquanto poder. o conjunto de normas (disposies e princpios) que recortam o contexto jurdico correspondente comunidade poltica como um todo e a situam os indivduos e os grupos uns em face dos outros e frente ao Estado-poder e que, ao mesmo tempo, definem a titularidade do poder, os modos de formao e manifestao da vontade poltica, os rgos de que esta carece e os actos em que se concretiza.

  • 14Manual de Direito Constitcional

    Chama-se tambm Direito poltico, por essas serem normas que se reportam directa e imediatamente ao Estado, que constituem o estatuto jurdico do Estado ou do poltico, que exprimem um particular enlace da instncia poltica e da instncia jurdica das relaes entre os homens.

    Qualquer Estado, em qualquer poca e lugar, postula sempre normas com tal funo. O que no podem deixar de variar so a intensidade, a extenso e o alcance dessas normas e as funes conexas ou complementares que se lhes prendam. E variam no apenas em virtude das condies gerais de conservao ou de modificao do ordenamento mas sobretudo em virtude dos fins e dos modos de exerccio do poder e das posies recprocas de governantes e governados (em que consistem os regimes, as formas de governo, os sistemas polticos).

    II Falando em Direito constitucional, pensa-se mais na regulamentao jurdica, no estatuto, na forma de Direito que a Constituio. Falando em Direito poltico pensa-se mais no objecto da regulamentao.

    Como Constituio nesta acepo se afigura inerente ao conceito ou indissocivel da existncia do Estado, dir-se-ia de todo em todo indiferente empregar o primeiro ou o segundo qualificativo. Mas no tanto assim, porque cabe proceder a uma delimitao resultante da experincia histrica e exigida pelas necessidades de estudo.

    Na verdade, ningum ignora o marco representado na histria do Estado e do Direito pblico pelas revolues dos sculos xvm e xix e suas sequelas, as quais puseram termo ao Estado absoluto e abriram caminho a um novo modelo ou tipo de organizao poltica, o Estado constitucional, representativo ou de Direito. E, doravante, do que se trata , justamente, do Direito constitucional do Estado constitucional, do Direito que aparece ligado a uma Constituio (escrita, salvo na Gr-Bretanha), do Direito que se encontra numa Constituio com um contedo determinado e com uma fora jurdica diversa da dos outros corpos de normas do ordenamento.

    O Direito constitucional moderno provm do constitucionalismo;

    e mesmo quando, como sucede em numerosos pases no nosso sculo,

  • Preliminares 15

    se distancia muitssimo das linhas ideolgicas iniciais deste, est associado a noes de Constituio material, formal e instrumental antes desconhecidas. E o Direito constitucional assim balizado que se toma, por seu turno, alvo de um tratamento cientfico e didctico especializado aquele que leva a cabo a cincia do Direito constitucional e a que no pode comparar-se o rudimentar e vago tratamento do precedente Direito pblico () (2).

    Por outro lado, no raro, ao adoptar-se a expresso Direito poltico segue-se uma viso restritiva do seu mbito, circunscrevendo-o organizao e limitao jurdica do poder poltico. Ou seja: reduz-se o Direito poltico ao Direito do Estado-poder e relega-se para fora ou para diferentes zonas tudo quanto concerne ao Estado-comunidade. Porm, esta maneira de entender deve ter-se por insatisfatria, pois no pode haver estatuto de poder sem estatuto da comunidade poltica a que se reporta, nem limitao da autoridade dos governantes sem considerao da liberdade dos governados.

    A Constituio tanto Constituio poltica como Constituio social (3), no se cinge ordenao da vida estatal (em sentido estrito) (4). Nem sequer o Direito constitucional do sculo xix se confinou aos rgos e agentes do poder poltico; ele foi, alm disso (ou atravs disso), um Direito dos cidados diante do poder ao garantir os direitos e liberdades individuais e ao incluir neles a propriedade, intervinha, pelo menos negativamente, na sociedade. E, como se reconhece vista desarmada, as Constituies actuais contemplam lar-

    () Sobre a formao do Direito constitucional, v., por agora, entre tantos, GARCIA PELAYO, Derecho Constitucional Comparado, 8. ed., Madrid, 1967, pgs. 22 e segs.; COSTANTINO MORTATI, Diritto Costituwnale (noione e caratteri), m Scritti, n, Milo, 1972, pgs. 25 e segs.; NELSON SALDANHA, Formao da Teoria Constitucional, Rio de Janeiro, 1983; ou PAUL BASTID, UIde de Constitution, Paris, 1985.

    (2) A locuo Direito constitucional ter aparecido em 1797 e tero sido autores italianos (COMPAGNONI, Dl Luzzo, PELLEGRINO Rossi) que, primeiro, a tero empregado.

    (3) MAURICE HAURIOU, Prcs de Droit Constitutionnel, 2. ed., Paris, 1929, pgs. 611 e segs.

    (4) KONRAD HESSE, Escritos de Derecho Constitucional, trad., Madrid, 1983, Pg. 17.

  • 16Manual de Direito Constitucional

    gussimos aspectos e reas da dinmica econmica, social e cultural em interaco com o Estado.

    Por estes motivos, na presente obra preferir-se- o termo Direito constitucional ao termo Direito poltico ().

    4. O Direito constitucional e a ordem jurdica do Estado

    I O poltico o global, o que respeita a todos, o que abrange, coordena e sintetiza a pluralidade de grupos, interesses e situaes. E ter assim de ser tambm o Direito constitucional, enquanto se lhe refere constantemente para o fundamentar, reflectir e conter nas

    suas normas.

    Mais do que um ramo a par de outros, o Direito constitucional deve ser apercebido como o tronco da ordem jurdica estatal (mas s desta), o tronco donde arrancam os ramos da grande rvore que corresponde a essa ordem jurdica (2). Integrando e organizando a comunidade e o poder, ele enuncia (na clebre expresso de PELLEGRINO Rossi) as ttes de chapitre dos vrios ramos do Direito, os princpios fundamentais que os enformam; e enuncia-os, porque tais princpios revestem um significado poltico, identificam-se com as concepes dominantes acerca da vida colectiva, consubstanciam uma ideia de Direito.

    Ou, doutra perspectiva, na medida em que a Constituio estabelece pressupostos de criao, vigncia e execuo das normas do

    () A nossa noo de Direito constitucional aproxima-se das que, na doutrina portuguesa, adoptam ROGRIO SOARES, Constituio, in Dicionrio Jurdico da Administrao Pblica, n, Coimbra, 1972, pgs. 661 e segs.; ou GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional, 6. ed., Coimbra, 1993, maxime pgs. 72 e segs. Diverge, todavia, das propostas por MARQUES GUEDES, Introduo ao Estudo do Direito Polico, Lisboa,1969, pgs. 10 e segs.; MARCELLO CAETANO, Direito Constiucional, i, Rio de Janeiro,1977, pgs. 60 e segs.; ou MARCELO REBELO DE SOUSA, Direito Consitucional, l, Braga, 1979, pgs. 10 e segs. (que consideramos restritivas no sentido indicado no texto).

    (2) Assim, SANTI ROMANO, Principi ai Diritto Costituzionale Generale,2. ed., reimpresso, Milo, 1949, pg. 6; cfr., mais recentemente, RODRIGO FERNANDEZ-CARDAJAL, Notas sobre el Derecho Constituciona como Nuevo Derecho Comun, m Anurio de Derecho Constitucional y Parlamentari (Mrcia), 1989, pgs. 37 e segs.C. G M E U..

  • Preliminares 17

    resto do ordenamento jurdico, determinando amplamente o seu contedo, converte-se em elemento de unidade do ordenamento jurdico da comunidade no seu conjunto, no seio do qual impede tanto o isolamento do Direito constitucional como a existncia isolada das demais parcelas de Direito umas em relao s outras ().

    Este fenmeno toma-se muito patente nas ltimas dcadas com a maior eficcia adquirida pelas normas constitucionais e com o cumulativo incremento dos mecanismos jurisdicionais ou parajurisdicionais de fiscalizao da constitucionalidade (2).

    II A actual Constituio portuguesa, por exemplo, est longe de se esgotar no tratamento dos rgos do poder (constante da sua parte III). A se divisam, com no menor importncia, princpios de Direito penal (arts. 29. e 30.), de Direito processual penal (arts. 28. e 32.), de Direito da famlia (art. 36.), de Direito do trabalho (arts. 53 e segs.), de Direito tributrio (arts. 106. e 107.), de Direito financeiro (arts. 108. e seg.), de Direito judicirio (arts. 208. e segs.), de Direito administrativo (arts. 266. e segs.), etc. (3),

    E estes princpios no so apenas constitucionais por se inserirem na Constituio formal e se imporem ao legislador ordinrio. So, do mesmo passo, princpios constitucionais substantivos ou materiais, pela sua relevncia no plano dos valores da comunidade poltica que se ancoram na Constituio; participam de pleno da Constituio material (4).

    In Atravs dos princpios (ainda que, por natureza, susceptveis de sucessivas reraces e densificaes), a Constituio irra-

    () KONRAD HESSE, op. cit., pg. 17.

    (2) Cfr. LOLIS FAVOREAU, L droit constitutionnel droit de Ia Constitution et constitution du droit, in Revue franaise de droit constitutionnel, 1990, pgs. 71 e segs.; fala em constitucionalizao progressiva dos diversos ramos de direito (pg. 88).

    (3) Cfr., quanto ao Brasil (ainda antes da Constituio de 1988), MIGUEL REALE, Lies Preiminares de Direito, .10. ed., Coimbra, 1982, pgs. 338-339.

    (4) Cfr. ROGRIO SOARES, Direito Pblico e Sociedade Tcnica, Coimbra,1969, pg. 141.2 Man. Dir. Const., I

  • ! 8Manual de Direito Constitucional

    dia para todo o ordenamento, como mostram bem, entre ns (como noutros pases) as reformas legislativas e a jurisprudncia desde 1976 ().

    Nem por isso, porm, cada um dos ramos deixa de se desenvolver num conglomerado de preceitos e at de princpios prprios necessariamente, para subsistirem, no discrepantes daqueles formulados em ateno sua problemtica particular e s exigncias cientfco-culturais a que cabe responder.

    No Direito constitucional s entra o que contende com a estruturao da comunidade e do poder poltico (aquilo que constitutivo ou constitucional do Estado) e possui significado poltico (ou significado poltico imediato). No aquilo que toca aos particulares, aos grupos e aos poderes sociais no polticos enquanto tais. Entra a sociedade enquanto ser poltico, no entra a sociedade na mltipla teia de relaes que se desenvolvem margem da actividade poltica. Outra coisa redundaria quer na desvitalizao dos vrios ramos quer na absoro da sociedade pelo Estado.

    IV Justifica-se, por isso, inteiramente (pelo menos no Ocidente), a clssica dicotomia Direito pblico-Direito privado. No h Direito constitucional Direito pblico e Direito privado (2); h somente Direito pblico e Direito privado, e no primeiro enquadra-se o Direito constitucional (3).

    () Cfr. a obra colectiva Estdos sobre a jurisprudncia do Tribunal Consitucional, Lisboa, 1993.

    (2) Cfr., no sentido de o Direito constitucional se situar antes da distino entre Direito pblico e privado, GEORGES RENARD, Quest-ce que l Droit Constiutionnel? L Droit Constitutionnel et Ia Thorie de linslilution, m Mianges R. Carr de Malberg, obra colectiva, Paris, 1933, pgs. 485 e segs.

    (3) Sobre a distino entre Direito pblico e Direito privado, v., designadamente, GUSTAV RADBRUCH, Filosofia do Direito, 4. ed. portuguesa, Coimbra, 1961, li, pgs. 5 e segs.; CHARLES EISENMANN, Droit public et droit prive (en marge dun livre sur 1volution du droit civilranais du XIX au XX sicle), in Revue du droit public, 1952, pgs. 903 e segs.; JULIEN FREUND, L essence du politique, Paris, 1965, pgs. 280 e segs.; ORLANDO DE CARVALHO, A Teoria Geral da Relao Jurdica Seu sentido e limites, Coimbra, 1970, pgs. 9 e segs.; NORBERTO BOBBIO, La grande dicotomia, m Studi in memria di Cario Esposito, obra colectiva, iv, Pdua, 1974, pgs. 2187 e segs.; GUSTAVO R. VELASCO, Sobre Ia divisin

  • Preliminares 19

    Nem se compreenderia como sendo o Direito constitucional o Direito do poltico, o regime institucional da vida pblica, ele pudesse no ser Direito pblico pois Publicum jus est quod ad statum rei romanae spectact. Privatum, quod ad singulorum utilitatem (ULPIANO, D. 1.1.1.2.).

    5. Os grandes captulos do Direito constitucional

    I Na linha do que se d com a prpria distribuio da ordem jurdica e do que ocorre noutros sectores (no Direito civil, no Direito penal, no Direito administrativo), podem no Direito constitucional ser demarcados captulos algo diferentes, tendo em conta as matrias que recobrem.

    Alguns destes grandes captulos vm desde o incio do constitucionalismo. Assim, o Direito parlamentar, conjunto das regras respeitantes organizao, ao funcionamento e ao processo do Parlamento; ou o Direito eleitoral, conjunto das normas reguladoras das eleies polticas, desde a capacidade eleitoral e o recenseamento ao sufrgio, ao apuramento e ao contencioso.

    Outros, sobretudo alguns dos que se dirigem predominantemente ao Estado-comunidade, so mais recentes. Um dos mais importantes o Direito constitucional da economia ou Constituio econmica, conjunto das normas que definem a organizao e o funcionamento da economia como uma das dimenses da comunidade poltica. E tambm se fala em Constituio financeira, em Constituio social ou em Constituio cultural ().

    Outros somente existem em sistemas constitucionais determinados. Assim, o Direito processual constitucional, que no aparece

    dei Derecho en publico y privado, m Rivista Trimestrale d Diritto Pubblico, 1978, pgs. 847 e segs.; JOO BAPTISTA MACHADO, Introduo ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra, 1983, pgs. 63 e seg.; DIOGO FREITAS DO AMARAL, Direito Pblico, in Polis, li, pgs. 543 e segs.; GOMES CANOTILHO, op. cit., pgs. 133 e segs.; OLIVEIRA ASCENSO, O Direito Introduo e Teoria Geral, 9. ed., Coimbra, 1995, pgs. 323 e seg.

    (i) O surto destas expresses tem, contudo, o risco de inculcar uma desagregao da unidade da Constituio.

  • 20Manual de Direito Constitucional

    seno onde se d uma fiscalizao jurisdicional ou jurisdicionalizada da constitucional idade das leis atravs de um rgo de competncia concentrada (nomeadamente, um tribunal constitucional), com o seu processo prprio sujeito a regras especficas; ou o Direito regional, isto , o Direito respeitante s regies autnomas (nos Estados que se organizem com regies autnomas).

    E, de certa maneira, poderia contrapor-se um Direito constitucional interno ou central (abrangendo as liberdades fundamentais, a organizao do poder poltico, a garantia e a reviso da Constituio) a um Direito constitucional externo ou perifrico (compreendendo os princpios basilares dos grandes ramos do Direito).

    II Todos estes grandes captulos, ramos ou partes especiais do Direito constitucional so preenchidos, primeiro, por normas formalmente tidas por constitucionais e assentes no documento ou texto chamado Constituio e, depois, por normas de outras categorias que quelas do imediato complemento e delas se tomam indissociveis. O Direito parlamentar portugus, por exemplo, abrange as normas contidas na Constituio, vrias leis e, obviamente, o regimento da Assembleia da Repblica e os das assembleias legislativas regionais dos Aores e da Madeira

    Se as normas formalmente constitucionais quer dizer, dotadas de uma forma e de uma fora jurdica especficas no se desprendem nunca de uma referncia material ou substantiva, tambm elas no esgotam as normas materialmente constitucionais quer dizer, as normas que tm por objecto o estatuto do Estado. Uma Constituio nunca um Cdigo no mesmo sentido de um Cdigo Civil.

    6. Direito constitucional e Direito administrativo

    Nem sempre hoje se consegue traar com nitidez as fronteiras do Direito constitucional e do Direito administrativo.

    O Direito administrativo compreende no s as normas reguladoras da estrutura e disciplina interna da Administrao mas tambm as da actuao dos elementos desta como sujeitos de direitos no exerccio dos seus poderes e no cumprimento dos seus deveres legais

  • Preliminares 11

    para com os administrados (). Surgido, tal como o Direito constitucional, com o constitucionalismo, nele perpassa a tenso entre o poder de deciso e de execuo dos rgos administrativos e a necessidade de defesa dos direitos e dos interesses dos administrados. O princpio da legalidade da administrao pressupe o da constitucionalidade da lei.

    Ora, o alargamento da interveno do poder pblico na vida econmica, social e cultural e as mutaes sofridas pela lei tm levado a alguma indefinio acerca das matrias que devem receber a qualidade de constitucionais e daqueloutras que devem ter-se por administrativas. Quando o Estado do sculo xx se apresenta como um Estado administrativo, em vez de legislativo (CARL SCHMITT), muito do que administrativo eleva-se a constitucional; inversamente, quando a lei se traduz em medidas concretas ou emana do Poder Executivo, esse acto de Direito constitucional que parece convolar-se em acto de Direito administrativo.

    Haver ento que apelar, de novo, para os critrios decorrentes do significado dos preceitos luz dos valores e concepes que presidem legitimao e ao exerccio do poder poltico: ser de Direito constitucional tudo quanto estiver em relao imediata com esses valores, ser de Direito administrativo tudo quanto contender com a sua concretizao ou efectivao, por meio das formas prprias de agir da Administrao. Mais aprofundada reflexo no pode ser feita nesta altura (2).

    () MARCELLO CAETANO, Tendncias do Direito Administrativo Europeu, m Estdos de Direito Administrativo, Lisboa, 1974, pg. 453.

    (2) Sobre o assunto, cfr. ERNST FORSTHOFF, Tratado de Derecho Administrativo, trad., Madrid, 1958, pgs. 21 e segs.; ROGRIO SOARES, Direito Pblico cit., pgs. 8 e segs.; GEORGES VEDEL, Discontinuit du droit constitutionnel et continuit du droit administratif L role du juge, m Mianges offerts Mareei Waline, obra colectiva, Paris, 1974, pgs. 777 e segs. (e in Pages de Doctrine, 1980, pgs. 203 e segs.);

    AFONSO QUEIR, Lies de Direito Administrativo, policopiadas, Coimbra, 1976, pgs. 159 e segs.; ANDREAS AUER, Droit Costitutionnel et Droit Administratif, in Mianges Andr Grisel, obra colectiva, Neuchtel, 1983, pgs. 212 e segs.; JORGE MIRANDA, A Administrao Pblica nas Constituies Portuguesas, in O Direito, 1988, pgs. 607 e segs.; DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, l, 2. ed.,

  • 22Manual de Direito Constitucional

    1. A cincia do Direito constitucional

    I Ao Direito constitucional em sentido objectivo (conjunto de normas jurdicas) corresponde o Direito constitucional em sentido subjectivo (conhecimento dessas normas). Ao Direito constitucional corresponde a Cincia do Direito constitucional.

    A Cincia do Direito constitucional no , portanto, seno a Cincia Jurdica ou Jurisprudncia aplicada ao Direito constitucional;

    a disciplina cientfica que, seguindo o mtodo jurdico ou dogmtico, visa reconstruir o Direito constitucional como sistema normativo; a cincia social normativa que procura apreender o sentido de certos factos sociais, os polticos, atravs das normas que os regem.

    Por outras palavras: a Cincia do Direito constitucional a cincia jurdica do Estado, aquela disciplina que tem por objecto o Estado, mas o Estado mediatizado pela Constituio seja o que for que, em rigoroso plano doutrinal ou terico, se entenda ser a Constituio.

    II Sem embargo das especialidades que resultam do objecto material, a natureza e a funo da Cincia do Direito constitucional em nada diferem da natureza e da funo das demais disciplinas judicas. Tal um ponto de partida muito firme.

    No se trata s da unidade essencial de todo o Direito e de toda a Cincia jurdica. Trata-se tambm, porque o Direito constitucional o tronco do ordenamento estatal, da interdependncia de seu estudo e do estudo dessas outras disciplinas. Hoje, no se afigura possvel a elaborao dogmtica, pelo menos, de grandes princpios de diversos ramos de Direito sem uma referncia ou compreenso sistemtica a partir do Direito constitucional.

    In Da mesma maneira que, por exemplo, a Cincia do Direito civil ostenta a marca dos factores de estabilidade ou instabilidade familiar, profissional, tcnica e econmica, a Cincia do Direito constitucional acompanha e reflecte a experincia constitucional (ou poltico-constitucional), com as suas vicissitudes de evoluo e ruptura.

    Coimbra, 1994, pgs. 171 e 172; PAULO OTERO, O poder de substituio em Direito Administrativo, Lisboa, 1995, pgs. 122 e segs.

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    As grandes orientaes de tratamento do Direito constitucional, alm de espelharem diferentes posies gerais sobre o jurdico, recebem o influxo de toda a gama de fenmenos polticos e sociais que se vo sucedendo. E, a par de uma progressiva sedimentao, revelam-se bem diversas as preocupaes e as formulaes do sculo xix, do constitucionalismo liberal, e as do sculo xx, em que se defrontam correntes de pensamento e aco ora complementares, ora antagnicas.

    No to pouco por acaso que a Cincia do Direito constitucional emerge em Portugal to embrionria. Se ela no tem sido muito cultivada, isso deve-se tambm ao constitucionalismo portugus ter andado aos saltos, ter passado por largos tneis e ter havido at momentos de destruio ou involuo, com a consequente falta de instituies consolidadas. Da, em contraste com a abundncia e a pujana de civilistas, o pequeno nmero de constitucionalistas a lembrar (SILVESTRE PINHEIRO-FERREIRA, LOPES PRAA, JOS FREDERICO LARANJO, MARNOCO E SOUSA, ROCHA SARAIVA, JOO MAGALHES COLAO, FEZAS VITAL, MARCELLO CAETANO) e a escassez tanto de monografias como de obras gerais vindas a lume (1).

    8. Cincia do Direito constitucional, Teoria Geral do Direito pblico e Teoria Geral do Estado

    Utilizam ainda o mtodo jurdico, embora em moldes de pura elaborao conceituai e em contraponto da especializao crescente das cincias juspublicsticas, a Teoria Geral do Direito pblico e a Teoria Geral do Estado (2).

    () Sobre o ensino do Direito constitucional em Portugal, v. JOS FREDERICO LARANJO, Princpios de Direito Poltico e Direito Constitucional Portugus, i, Coimbra, 1907, pgs. 72 e segs.; MARQUES GUEDES, op. cit., pgs. 327 e segs.; GOMES CANOTILHO, op. cit., 4. ed., Coimbra, 1986, pgs. 43 e segs.; MARCELO REBELO DE SOUSA, Relatrio..., m Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa,1988, pgs. 234 e segs.

    Cfr. j a viso da cincia do Direito pblico em Portugal de LOPES PRAA, Estudos sobre a Carta Constitucional de 1826 e o Acto Adicional de 1852, l. parte, Coimbra, 1878, pgs. LXXI e segs.

    (2) A primeira, mais desenvolvida na Itlia; a segunda, na Alemanha.

  • 24Manal de Direito Constitucional

    A Teoria Geral ou Doutrina Geral do Direito pblico procura, da mesma forma que a Teoria Geral do Direito civil e, de certo modo, em reaco contra tendncias demasiado privatsticas da Teoria Geral do Direito, encontrar esquemas e categorias comuns s vrias disciplinas de Direito pblico assim, v. g., os conceitos de pessoa colectiva pblica, atribuies, rgo, deliberao, funo, competncia, poder funcional, acto, procedimento, processo.

    A Teoria Geral do Estado, por seu turno, pode ser tomada ou como construo judica do Estado, das suas condies de existncia e das suas manifestaes vitais, ou (menos frequentemente) como enquadramento do Estado na dupla perspectiva de realidade jurdica e realidade social (). Em qualquer dos casos, visa o Estado em si ou, melhor, certo tipo de Estado, no este ou aquele Estado localizado (2).

    Ambas estas disciplinas distinguem-se bem da Cincia do Direito constitucional, pois que no intentam reconstruir sistematicamente nenhum Direito constitucional positivo, nem perscrutar o sentido das suas normas para a aplicao aos casos concretos ou para que delas tomem conscincia os destinatrios. Todavia, so com ela comunicveis: por um lado, a Cincia do Direito constitucional assim como a Histria do Direito constitucional e o Direito constitucional comparado fornecem os dados com que trabalham as Teorias Gerais; em compensao, estas pem disposio do intrprete e do legislador instrumentos mais apurados de anlise e de formulao dos comandos normativos.

    9. Direito constitucional, Histria do Direito constitucional e Direito constitucional comparado

    I A Cincia do Direito constitucional completada ou auxiliada pela Histria do Direito constitucional e pelo Direito constitu-

    () Na linha de G. JELLINEK, Allgemeine Staaslehre, trad. castelhana Teoria General dei Estado, Buenos Aires, 1954, pgs. 5 e segs.

    (2) Sobre a doutrina portuguesa de certo perodo, v. Rui MACHETE, A Teoria Geral do Estado em Portugal nos ltimos vinte anos, in O Direio, ano 97., pgs. 93 e segs. e 185 e segs.

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    cional comparado ( semelhana do que se passa com outras disciplinas da ordem jurdica estadual, mas ainda com mais forte razo).

    A Histria do Direito situa-se no cruzamento de duas disciplinas a Histria e a Cincia Jurdica e, conforme as correntes ou os autores, o pendor , umas vezes, para reduzir a Histria do Direito a uma pura Histria, no mesmo nvel da Histria poltica ou de qualquer outro domnio da Cincia Histrica, e, outras vezes, para reduzir a Histria do Direito Cincia Judica, empregando o mais possvel o mtodo dogmtico. A originalidade e o interesse da Histria do Direito e da histria de qualquer instituio de Direito pblico em particular estaro, contudo, na capacidade dos seus estudiosos de fazerem um trabaho em que se conjuguem todas as virtualidades de ambos os mtodos, o histrico e o jurdico ().

    A Histria constitucional est, pois, para o Direito constitucional como, em geral, a Histria do Direito para a Cincia do Direito. E afasta-se da Histria das instituies polticas (um dos aspectos da Histria poltica) na medida em que a Histria das instituies apenas toma em conta as instituies como realidades existentes na vida social, ao passo que a Histria constitucional pretende chegar s instituies atravs do estudo da sucesso de normas constitucionais e das correspondentes vicissitudes. A Histria das instituies d preferncia ao modo efectivo como se vo conformando, ao longo do tempo, as instituies polticas; a Histria constitucional parte da Constituio para chegar ao conhecimento das instituies (2) (3).

    () Cfr., por todos, MARCELLO CAETANO, Histria do Direito Portugus l, Lisboa, 1981, pgs. 17 e segs.; NUNO ESPNOSA GOMES DA SILVA, Histria do Direito Portugus, 2. ed., Lisboa, 1991, pg. 25; PAULO FERREIRA DA CUNHA, Para uma histria consitcional do Direito porugus, Coimbra, 1995, pgs. 54 e segs; MRIO JLIO DE ALMEIDA COSTA, Histria do Direito Portugus, 3. ed., Coimbra, 1996, pgs. 23 e segs.

    (2) Mas sem recusar esse conhecimento e sem esquecer que as normas constitucionais no se identificam com um texto qualquer (pois o Direito sempre mais que o texto).

    (3) Cfr. GOMES CANOTILHO, op. cit., pgs. 245 e segs.; FULCO LANCHESTER, Alcune riflessioni sulla storia costituionale, in Quaderni Costituionali, 1994, pgs. 7 esegs.; FRANCESCO BONINI, Uno Satuto controverso Consideraim sulla storia costituzionale, ibidem, 1995, pgs. 95 e segs.

  • 26Manual de Direito Constitucional

    Se a Histria equivale rememorao explicativa do passado, o Direito comparado visa surpreender semelhanas e diferenas, interaces e reaces entre institutos jurdicos de mais de um pas ou de um mesmo pas em diferentes pocas. Em vez de se fixar num nico sistema jurdico ou num sistema jurdico vigente, alarga o seu olhar para alm-fronteiras ou projecta-se para trs indagando dos institutos encontrados noutros momentos da evoluo de certo sistema. com efeito, porque questes idnticas ou similares se pem em mltiplos pases ou se puseram no passado no mesmo pas, mister conhecer no s como o Direito positivo as considera aqui e agora mas tambm como so consideradas noutros sistemas ou como o foram noutras pocas no mesmo pas ().

    O Direito constitucional comparado se se quiser, a comparao de Direitos constitucionais assenta em sistemas jurdicos positivos, mas no necessariamente vigentes. Ou se trata de sistemas que coexistem em determinada poca (comparao simultnea) ou de sistemas que pertencem a momentos diferentes em um ou mais de um pas (comparao sucessiva) (2).

    II Para ilustrarmos o que dizemos, tomemos a Constituio portuguesa. Apoiandonos nela podemos levar a cabo um trabalho comparativstico sob mltiplas facetas. Tudo depender dos critrios que adoptarmos e das Constituies (ou dos projectos de Constituio) com que a formos confrontar.

    Assim, se pusermos em paralelo a nossa Constituio com a americana de 1787 e com a francesa de 1958, estaremos no domnio da comparao

    () V., por todos, LONTIN-JEAN CONSTANTINESCO, Trait de Droit Compare,3 tomos Paris, 1972, 1974 e 1984, e, entre ns, FERNANDO JOS BRONZE, Continentaliao do Direito ingls ou insulariao do Direito Continental?, Coimbra, 1982, JOO DE CASTRO MENDES, Direito Comparado, policopiado, Lisboa,1982-1983; CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA, ntroduo ao Direio Comparado, Coimbra, 1994.

    (2) Seguimos as nossas Notas para uma Inroduo ao Direito Constitucional Comparado, Lisboa, 1970; ou, mais recentemente, Sobre o Direito Constitucional Comparado, m Direito e Justia, 1988, pgs. 201 e segs. Cfr. GIUSEPPE DE VERGOTTINI, La comparaone nel diritto costituyonale, in Diritto e Societ, 1986, pgs. 165 e segs., e Diritto Costituonale Comparado, 4. ed., Pdua, 1993, pgs. 9 e segs., ou GIORGIO LOMBARDI, Premesse ai Corso di Diritto Pubblico Comparato, Milo, 1986.

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    simultnea. So trs Constituies coevas umas das outras, visto que, apesar das datas em que foram publicadas, se encontram todas hoje em vigor.

    Diversamente, se colhermos como objecto de comparao Constituies situadas em diversos tempos, iremos elaborar um Direito constitucional comparado que apelidaremos de sucessivo. E esta comparao sucessiva pode ultrapassar o mbito de um s pas, bem pode recair sobre Constituies de diferentes pases em diferentes pocas. Por vezes, mesmo imprescindvel:

    por exemplo, para compreendermos as regies autnomas na Constituio actual, teremos de a confrontar com as Constituies espanhola de 1931 e de 1978 e com a italiana de 1947; e, para compreendermos a fiscalizao da constitucionalidade das leis, teremos de levar em linha de conta quer as Constituies de 1911 e 1933 (bem como as verses de 1976 e de 1982 da Constituio actual) quer a prtica jurisdiciona americana quer as Constituies brasileira de 1891 e austraca de 1920 ().

    Quando a comparao incida sobre um nmero relativamente grande de ordenamentos jurdicos, tendo em vista uma crescente generalizao com base em elementos comuns, o Direito constitucional comparado tende a passar a Direio constitucional geral (em contraste com o Direito constitucional particular de cada Estado). E o Direito constitucional geral no pretende ser seno um esforo de formao de conceitos, esquemas, tipos ideais reveladores da unidade fundamental de instituies dentro de cada continente ou de cada regio ideolgica, dentro do mesmo pas em diversas pocas e at dentro do mundo (2). No limite, pode chegar a identificar-se com a Teoria Geral do Estado.

    In No levanta nenhum problema a distino entre Direito comparado e Histria do Direito a propsito da comparao simultnea no presente. Pelo contrrio, algumas dificuldades podem suscitar-se acerca da comparao simultnea no passado e da comparao sucessiva.

    () No correcto supor que a perspectiva nica do Direito constitucional comparado a espacial (ao passo que a da Histria seria a temporal): tanto pode haver comparao no tempo como no espao. Todavia, como se percebe, a comparao de instituies actuais em dois ou mais pases, seja micro ou macro-comparao, a que oferece maior interesse e a que revela a atitude prpria do comparatista. Cfr. CHARLES EISENMANN, Cours de Droit Constitulionnel Compare, policopiado, Paris, 1950-1951, pgs. 6 e segs.

    (2) Cfr. SANTI ROMANO, op. c/r., pgs. 11 e segs.; GARCIA PELAYO, op. cit., pgs. 21-22; ALESSANDRO PIZZORUSSO, La Comparazione Giuridica e U Diritto Pubblico, in LApporto dela Comparaione ala Scienza Giuridica, obra colectiva, Milo, 1980, pgs. 70 e segs.

  • 28Maa! de Direito Constitucional

    Em princpio, a comparao no passado no deixa de valer como verdadeira comparao. Porm, ela tende a ser subsidiria da Histria, pois se destina em geral a permitir melhor apreender certas situaes histrico-jurdicas ou os condicionalismos histricos de certo sistema. Pode fazer-se o confronto de duas Constituies, devido s suas interinfluncias ou por a primeira a ser decretada ter vindo a ser fonte da segunda.

    Quanto comparao sucessiva, as dvidas pem-se sobretudo quando tenha por objecto Constituies, institutos ou preceitos em conexo temporal imediata ou contiguidade. Como distinguir um estudo comparativo sobre as Constituies de 1911, 1933 e 1976 de um estudo histrico sobre as mesmas Constituies?

    A diferena consiste no seguinte: o Direito comparado tem por fim o estabelecimento de relaes de semelhana ou diferena, de afinidade ou repulsa entre institutos e sistemas; a Histria tem por fim o estabelecimento de relaes de causa e efeito entre institutos e sistemas que se sucedam cronologicamente (); o primeiro acarreta uma viso de predominncia esttica, mesmo se reportada a realidades sucessivas; a segunda uma viso dinmica e gentica mesmo se localizada em dada poca; aquee envolve abstraco; esta requer insero num vasto panorama institucional e social.

    O exame paralelo das trs Constituies republicanas portuguesas (e das suas revises) cabe ao Direito comparado, sempre que procure atentar nos elementos individualizadores e os procure interpretar como idnticos ou opostos. Por exemplo: conhecidas as normas que regem a competncia legislativa do Parlamento e do Governo promover-se- comparao se, independentemente de consideraes de outra ordem, se focar to somente o seu contedo preceptivo.

    Mas a Histria do Direito no se reduz quilo por que se aproximam ou separam as duas Constituies. Revea-nos a medida em que a conformao de um instituto num momento anterior ter contribudo para a sua conformao num momento posterior e, principalmente, a medida em que a justificao de um novo instituto se encontra na concepo e na prtica de um instituto que o precedeu. Estaremos indubitavelmente em Histria do Direito constitucional ao indagarmos at que ponto a prtica do sistema do governo em certo momento ter determinado a adopo de um sistema de governo diferente (ou radicalmente oposto) num momento posterior.

    (i) Desnecessrio ser advertir que um instituto jurdico no causa de outro como se ambos fossem fenmenos fsicos.

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    Enlace entre a Histria e o Direito constitucional comparado vem a dar-se na Histria constitucional comparada (assim, confronto entre o regime da liberdade de imprensa em Portugal e no Brasil desde 1900 ou entre o Parlamento britnico e o francs nos ltimos cem anos). Conceito complexo, o que a distingue no tanto o debruar-se sobre as instituies judicas ao longo dos tempos quanto o procurar captar as respectivas linhas de conservao e de transformao ().

    10. Cincia do Direito constitucional e cincias sociais no normativas

    I Alm da Cincia do Direito constitucional, outras disciplinas tm por objecto material, dos seus ngulos prprios, o fenmeno poltico. So a Cincia Poltica, a Sociologia Poltica, a Sociologia do Direito constitucional, a Cincia Poltica Comparada, a Histria Poltica Comparada.

    A Cincia do Direito constitucional considera a sociedade (poltica) atravs das normas que se lhe dirigem; debrua-se sobre a ordem da sociedade, e no sobre a sociedade enquanto tal; desvenda a imagem do Estado que so as normas, e no (ou no tanto) a que d a sua prtica. As outras disciplinas cada uma das quais, alis, oferecendo certa variedade de orientaes de base e de metodologia voltam-se para os factos, no seu desenrolar emprico e funcional;

    apresentam-se como disciplinas sociais no normativas.

    II Assim, enquanto que a Cincia do Direito constitucional configura o Estado na veste de instituio jurdica, a Cincia Poltica toma-o como sistema de relaes, foras e comportamentos, tendo como fundo o poder ou a interferncia no poder. Enquanto que a Cincia do Direito constitucional se ocupa, antes de mais, da regu-

    () Lembre-se, desde logo, a obra clssica de A. ESMEIN, lments de Droif Constitulionnel Franais et Compare (l. ed. em 1895), com a sua teoria jurdica das instituies do Ocidente (ou iberdade modea), construda a partir das fontes donde fluem: a Constituio inglesa e a Revoluo francesa.

  • 30Manual de Direito Constitucional

    laridade ou da validade da aco do poder, a Cincia Poltica ocupa-se (ou ocupa-se principalmente) da sua efectividade ().

    A distino entre a Cincia do Direito constitucional e a Sociologia Poltica no oferece hoje grande melindre, passada a voga do sociologismo de incio do sculo (2). Outra coisa vem a ser a separao da Cincia Poltica da Sociologia Poltica e desta da Sociologia do Direito Constitucional.

    Aproximativamente, dir-se- que a Cincia Poltica estuda o fenmeno poltico em si, as estruturas govemativas e as estruturas de participao poltica, estuda e tenta reconstituir os sistemas de poder;

    a Sociologia Poltica estuda o fenmeno poltico situado no domnio mais vasto dos fenmenos sociais e pretende conhecer as aces recprocas entre o Estado e outras manifestaes da vida social, pretende conhecer a aco e reaco que existe entre o fenmeno poltico e os demais fenmenos sociais; a Cincia Poltica descreve e analisa os sistemas polticos; a Sociologia Poltica procura explic-los atravs de mtodos sociolgicos adequados (3).

    () Cfr., entre ns, MARCELLO CAETANO, Direito Constitucional cit., i, pgs. 63 e segs.; ADRIANO MOREIRA, Cincia Poltica, Coimbra, 1979; MARCELO REBELO DE SOUSA, Direito Constitucional, cit., pgs. 10 e segs., e Cincia Poltica Contedo e Mtodos, Lisboa, 1989; MANUEL BRAGA DA CRUZ e MANUEL DE LUCENA, Introduo e desenvolvimento da cincia poltica nas universidades portuguesas, m Revista de Cincia Poltica, n. 2, 2. semestre de 1985, pgs. 5 e segs.; VITALINO CANAS, Preliminares do Estudo da Cincia Poltica, Macau, 1992; GOMES CANOTILHO, op. cit., pgs. 159-160; ANTNIO JOS FERNANDES, Introduo Cincia Poltica, Porto,1994; JOS ADELINO MALTEZ, Sobre a Cincia Poltica, Lisboa, 1994. E, no estrangeiro, por exemplo, MAURICE DUVERGER, Institutions Politiques et Droit Consitutionnel, 12. ed., Paris, 1971, i, pgs. 39 e segs.; ENRICO SPAGNA Musso, Osservazioni per uno studio dei Diritto Costituionale quale struttura sociale, in Studi in memria di Cario Esposito, obra colectiva, iv, Pdua, 1974, pgs. 2782 e segs.; JORDI CAPO GIOL, Cincia Poltica y Derecho. Otro encuentro, Barcelona, 1990; ou FRANCISCO FERNNDEZ SEGADO, Aproximacin a Ia Cincia dei Derecho Constitucional, Lima,1995, pgs. 105 e segs. e 129 e segs., maxime 167 e segs.

    (2) O que no impede complementaridades e concorrncias parciais: cfr. MICHEL MERLE, Sociologie politique et droit conslitutionnel, m Archives de Philosophie du Droit, xiv Paris, 1969, pgs. 227 e segs., ou (apelando transdisciplinaridade) MICHEL MIAILLE, L Droit, Constitutionnel et ls Sciences Sociales, in Revue du droit public, 1984, pgs. 277 e segs.

    (3) Cfr., por todos, ARMANDO MARQUES GUEDES, op. cit.. pgs. 26 e segs., ou RALF DAHRENDORF, Sociedade e liberdade, trad., Braslia, 1981.

  • Preliminares 31

    A Sociologia do Direito Constitucional a sociologia jurdica especial cujo fito consiste em dar a conhecer o modo como surgem, perduram e se aplicam as regras constitucionais; ou, doutra perspectiva, a sociologia jurdica especial que se volta para as instituies constitucionais toando-as como instituies sociais (). Mas poder acabar por haver larga zona de sobreposio.

    Quanto Cincia Poltica Comparada, ela est para a Cincia Poltica como o Direito Constitucional Comparado para o Direito Constitucional (2).

    E tambm disciplina de charneira a Histria Poltica Comparada, paralela da Histria Constitucional Comparada (3).

    In Em plano diferente, situa-se a Cincia da Legislao ou estudo sistemtico da produo legislativa. Conexa tanto com a

    () Sobre Sociologia Jurdica e Cincia Jurdica, v., principalmente, MAX WEBER, Wirtschaft und Geselischaft, 1922 (2. ed. castelhana, l. reimpresso, Economia y Sociedad, Madrid, 1969, pgs. 253 e segs.); e ainda, por exemplo, ERNST E. HIRSCH, Sociologia do Direito, in Sociologia, obra colectiva editada por GOTTFRIED EISERMANN, trad., Lisboa, 1973, pgs. 169 e segs., ou RENATO TREVES, Sociologia dei Diritto dei Giuristi e Sociologia dei Diritto dei Sociologi, in Studi onore di Enrico Tuilio Liebman. obra colectiva, iv, Milo, 1979, pgs. 3191 e segs.

    (2) V., por exemplo Comparativ Politics, obra colectiva editada por Harry Eckstein e David E. Apter, Nova Iorque, 1963; Comparativ Government, obra colectiva editada por Jean Blondel, Londres, 1969; STEIN ROKKAN, Citizens, Etections. Parties, Oslo, 1976; MANUEL JIMENEZ DE PRAGA, Los Regmenes Polticos Contemporneos, 5. ed., Madrid, 1974; GARRY K. BERTCH e outros, Comparing Political Systems: Power and Policy in Three Worids, Nova Iorque, 1978;

    DANIEL-LOIS SEILER, La Politique Compare, Paris, 1982; MATTEI DOGAN e DOMINIQUE PELASSY, La scelta dei paesi nelia comparavm internazionale, m Revista italiana di scienw giuridiche, 1983, pgs. 351 e segs.; Trait de Science Poltique, li Ls Regimes Politiques Contemporains, obra colectiva editada por MADELEINE GRAWIZZ e JEAN LECA, Paris, 1985; GIOVANNI SARTORI, Comparaione e mtodo comparato, in Rivista italiana di scienza poltica, 1990, pgs. 397 e segs.

    (3) Dois exemplos: HANNAH ARENDT, On Revolution, Nova Iorque, 1962 (trad. Sobre a Revoluo, Lisboa, 1971), com uma histria comparada das grandes revolues modernas; ADRIANO MOREIRA, Sistemas polticos de conjuntura, in Estudos Polticos e Sociais, 1968, pgs. 285 e segs. (e in Potica Internacional, Lisboa,1970, pgs. 287 e segs.).

  • 32Manual de Direito Constitucioal

    Cincia do Direito Constitucional como com a Cincia Poltica, estruturalmente uma cincia prtica ().

    11. Perspectiva metodolgica

    Sobre o mtodo no tratamento do Direito constitucional sublinhar-se-o apenas os pontos principais que, desde sempre, tm servido de perspectiva e de programa aos nossos estudos (2).

    O primeiro ponto concerne a necessidade de um aprofundamento sistemtico do Direito constitucional. So vrios os obstculos a este aprofundamento, obstculos criados plos elementos exgenos (no jurdicos e no s polticos) e obstculos criados pela primariedade (no dizer de um autor) das situaes e relaes, prestando-se menos ao emprego dos instrumentos da tcnica e da hermenutica judicas (3). No obstante, eles so superveis, a Cincia jurdica capaz de explicar sua maneira o Estado e os seus fenmenos e tudo reside numa exacta (se bem que no rgida) definio do objecto.

    com efeito, o mtodo prprio da Cincia jurdica o mtodo dogmtico, insistimos: interpretao e construo, anlise e sntese, induzir para deduzir mais tarde, andar do particular (da norma ou do preceito) para o geral (a unidade do sistema) e deste, outra vez, para o particular (a subsuno das situaes e relaes da vida); em suma, uma elucidao racionalizante e totalizante. Se foi o positivismo que lhe deu o impulso decisivo, merc da aplicao devotada norma jurdica positiva, ele deve libertar-se da marca e da sorte do positivismo. E, se durante muito tempo foi orientado pelo formalismo, nem por isso equivale a mtodo formalista.

    O maior vcio do positivismo consiste na rendio do jurista perante o legislador, conjuntural ou no. O maior vcio do formalismo reside em pedir lgica mais do que aquilo que pode dar. Pelo

    () Cfr. GOMES CANOTILHO, Relatrio sobre Programa. Contedos e Mtodos de um Curso de Teoria da Legislao, Coimbra, 1990.

    (2) Reiteramos, no essencial, o que escrevemos em Contributo para uma teoria da inconstitucionalidade, Lisboa, 1968, pgs. 25 e segs.

    (3) MORTATI, op. dl., loc. cit., pg. 247.

  • Preliminares 33

    contrrio, o Direito est acima e para alm da lei; h valores suprapositivos a atender, nicos que lhe podem imprimir razo e permanncia; a elaborao cientfica implica o apuramento de conceitos, mas no se esgota na sua concatenao; o sistema confrontado com a mediao do problema (); a lgica fornece processos de raciocnio, no fornece solues.

    De resto, o Direito uma realidade cultural, indesligvel das demais experincias humanas (2), e existe uma comunicao constante e dialctica entre normas e factos. Os valores jurdicos incidem sobre os factos e estes, por seu turno, por vias mltiplas, projectam-se nas normas e no entendimento dos valores. No quer isto dizer que as normas sejam determinadas ou condicionadas mecanicamente plos factos, mas no pode aperceber-se esta ou aquela norma desinserida da situao para a qual est formulada ou das consequncias da sua efectivao, nem aperceberem-se os factos sociais margem da sua modelao pelas normas (3).

    No que nossa disciplina em especial importa, haver que contar com a directa relao entre a Constituio e aquilo que se tem chamado realidade constitucional, ou realidade poltica, econmica, social e cultural que lhe subjaz, a que pretende aplicar-se e de que depende, em maior ou menor medida, o seu modo de vigorar (4). E haver,por conseguinte, com esprito aberto embora sem sincretismo de saber apreender os contributos da Cincia Poltica e das outras disciplinas h pouco indicadas (5).

    Outra dificuldade (e tambm um aliciante) decorre do carcter interdisciplinar que, de certa sorte, assume o estudo do Direito cons-

    () Na expresso de CASTANHEIRA NEVES, A unidade do sistema jurdico, Coimbra, 1979, pg. 102.

    (2) Cfr., entre tantos, RENATO TREVES, Diritto e Culura, reimpresso, Roma,1989.

    (3) Cfr., em geral, JOO BAPTISTA MACHADO, op. cit., pgs. 253 e segs., ou GUSTAVO ZAGREBELSKY, // Diritto Mitte, Turim, 1992, pg. 166.

    (4) Voltaremos ao assunto no tomo li deste Manual.

    (5) Cfr. j JELLINEK, Verfassungsnderung und Verfassungs y Waandiung, Berlim, 1906, trad. Reforma y mutacin de Ia Constitucin, Madrid, 1991, pg. 41:

    uma cincia poltica como doutrina dos poderes criadores do Direito indispensvel para a compreenso dos problemas constitucionais.3 Man. Dir. Const.. l

  • 34Manual de Direito Constitucional

    titucional da comunidade poltica, ao versar os princpios fundamentais dos diversos ramos de Direito, pblico e privado, e ao estabelecer a conexo entre eles. Isso obriga a ter em conta os conceitos e as intenes particulares desses ramos e, do mesmo passo, a procurar subir sntese explicativa imposta pela ideia de Direito em que consiste a Constituio material.

    Por ltimo, sendo da funo do Direito ajudar a resolver os problemas sociais (socioculturais, econmicos, polticos), a Cincia jurdica toma-se uma cincia antecedente da aco. com equilbrio impende-lhe o dever de uma atitude crtica sobre o jus conditum em nome da justia e da conscincia jurdica colectiva, das situaes concretas do pas, da coerncia do sistema e da tcnica legislativa. Em Direito constitucional, cujas normas so e tm de ser to aplicveis vida como quaisquer outras, algo haver a dizer, alguns caminhos haver a rasgar ().

    () Sobre os problemas referidos ou implcitos acima, cfr., de diversas pocas, V. E. ORLANDO, / criteri tecnic per Ia ricostruione giuridica dei Diritto Pubblico,1889, in Diritto Pubblico Generale (scritti vari), Milo, 1941, pgs. 3 e segs.; G. JELLINEK, Teoria General..., cit., pgs. 19 e segs.; HEINRICH TRIEPEL, Staatsrecht und Politik, 1926, trad. Derecho publico y poltica, Madrid, 1974; SANTI ROMANO, // diritto costituonale e l altre sciene giuridiche, in Scritti Minori, l, Milo, 1950, pgs. 201 e segs.; MRIO GALIZIA, Scienw giuridica e Diritto Costituzionale, Milo, 1954;

    GERHARD LEIBHOLZ, Tendncias actuales de Ia doctrina dei Derecho Publico en Alemania, in Conceptos fundamentales de Ia Poltica y de Teoria de Ia Constitucin, trad., Madrid, 1964, pgs. 15 e segs.; ROGRIO SOARES, Direito Pblico..., cit., pgs. 184 e segs.; AFONSO QUEIR, Tendncias actuais da Cincia do Direito Pblico, Coimbra, 1972; PABLO LUCAS VERD, Curso de Derecho Poltico, i, Madrid, 1972, pgs. 49 e segs.; FRANOIS LUCHAIRE, De Ia mthode en droit constitutionnel, in Revue du droit public, 1981, pgs. 275 e segs.; MICHEL TROPER, La thorie dans 1enseignement du droit constitutionnel, in Revue du droit public, 1984, pgs. 263 e segs.;

    DIOGO FIGUEIREDO MOREIRA NETO, Metodologia Constitucional, in Revista de Informao Legislativa, Julho-Setembro de 1986, pgs. 63 e segs.; JORDI CAPO GIOL, op. cit., pgs. 18, 30, 36, 41 e seg., 46, 48, 50 e 56; GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional, cit., pgs. 131 e segs.

  • ELEMENTOS DE ESTUDO

    I O elemento primeiro e fundamental de estudo do Direito constitucional a Constituio. Parece pleonstico ou descabido diz-lo, mas talvez o no seja tanto, em face de certas tendncias (felizmente hoje quase ultrapassadas) para fazer do conhecimento e do manuseio do texto constitucional algo de menos nobre ou secundrio.

    II No basta ler o texto vigente da Constituio do pas. necessrio compar-la com outras Constituies de outros pases e com Constituies j no vigentes do mesmo pas.

    A mais antiga colectnea de Constituies que conhecemos portuguesa, publicada em 1820 ano do incio do constitucionalismo no nosso pas por dois Bacharis. Intitula-se Coleco de Constituies antigas e modernas com o projeco doutras, seguidas de hum exame comparativo de todas ellas, 4 vols., Lisboa, 1820; e inclui grande nmero de Constituies europeias e americanas at data aparecidas.

    Colectneas clssicas viriam a ficar a ser as de:

    F. R. DARESTE, Ls Constitutions Modernes, com vrios volumes e edies (a ltima a revista por J. Larerrire e J. Delpech, Paris, 1928-1934);

    B. MIRKINE-GUETZVITCH, Ls Constitutions Europennes, ltima ed. Paris,1951.

    Mais recentes, e algumas com sucessivas edies actualizadas, so as de:

    MAURICE DUVERGER, Constitutions et Documents Politiques, Paris;

    A. B. PEASLEE, Constitutions ofNations, Leida;

    Corpus Constitutionnel, publicada em fascculos desde 1968 sob a direco de um conselho cientfico internacional, Leida;

    Constitutions ofthe Countries ofthe Worid, editada por Albert P. Blaustein e Gisbert H. Flanz, Nova Iorque, em vrios volumes de folhas soltas;

    JORGE MIRANDA, Textos Constitucionais Estrangeiros, Lisboa, 1974; Constituies de Diversos Pases, 3. ed., Lisboa, 1986-1987; Textos Histricos do Direito Constitucional, 2. ed., Lisboa, 1990;

    JORGE DE ESTEBAN, Constituciones Espanolas y Estrangeras, 2 vols., Madrid, 1977;

  • 36Manual de Direito Constitucional

    PAOLO BISCARETTI Dl RUFFIA, Costituyoni Straniere Contemporanee, . ed.,2 vols., Milo, 1980;

    Constituies do Brasil e Constituies estrangeiras. 2 vols., Senado Federal, Braslia, 1987;

    Ls Constituciones latino-americanas, 2 vols., Mxico, 1988;

    Constitutiones Africae, 1 vols., Bruxelas, 1988 e 1989;

    ELISABETTA PALICI Dl SUI PRAT, MRIO COMBA e FABRIZIO CASSELLA, L Costituzioni dei Paesi delia Comunit Europe, Pavia, 1993;

    JORGE BACELAR GOUVEIA, Constituies dos Estados Lusfonos, Lisboa,1993;

    FRANIS DELPRE, MARC VERDUSSEN e KARINE BIVER, Recueil ds Consttutions Europennes, Bruxelas, 1994;

    The Rebirth of Democracy 12 Constitutions of Central and Eastern Europe, Conselho da Europa, Estrasburgo, 1995.

    Algumas destas colectneas so gerais, outras contm Constituies mais significativas. Algumas tm estudos e notas histricas e bibliogrficas de especial valor: assim, a de DARESTE, o Corpus Constitutionnel e as Constitutions of the Countries of the Worid.

    In O Direito constitucional Direito vivo e prtico. As noes adquiridas tm de ser postas prova, documentadas e cotejadas com o labor e os resultados da interpretao e da aplicao das normas quer plos rgos polticos, quer plos rgos sujeitos a critrios jurdicos de actuao.

    H, por conseguinte, que estar atento legislao de execuo da Constituio e jurisprudncia constitucional (latissimo sensu).

    No caso portugus, esta hoje compreende:

    Os acrdos do Tribunal Constitucional;

    As decises de outros tribunais sobre questes constitucionais;

    Os pareceres da Comisso de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias da Assembleia da Repblica;

    Os pareceres da Procuradoria-Geral da Repblica tambm sobre matrias de Direito constitucional;

    Os relatrios do Provedor de Justia Assembleia da Repblica.

  • Continuam a ter grande importncia os pareceres e acrdos da Comisso Constitucional (prevista no texto inicial da Constituio de 1976 e que foi o primeiro rgo especfico de fiscalizao da constitucionalidade que existiu no Direito portugus).

  • BIBLIOGRAFIA GERAL

    I O estudo universitrio assenta na liberdade, no esprito critico, no confronto de ideias, na capacidade de fundamentar as opinies e as teses a que se adira. Ningum deve satisfazer-se com uma nica maneira de ver qualquer questo, pois so sempre mltiplos os aspectos a dilucidar, a objectividade muitas vezes s se encontra em face de diferentes subjectividades e o que conta a elaborao pessoal que cada um venha a fazer.

    Mas no h estudo sem leitura leitura criteriosa, dirigida ao essencial, atenta, com tempo para assimilao.

    II Antes de mais, para situar e entender devidamente o fenmeno poltico e o Direito constitucional importa ler, ou reler: primeiro, os grandes filsofos desde PLATO e ARISTTELES a S. TOMS, KANT ou HEGEL; depois, os principais doutrinadores e tericos do Estado moderno, como MAQUIAVEL, BODIN, SUAREZ ou HOBBES; enfim, os do constitucionalismo, como MONTESQUIEU, Rous-

    SEAU, HAMILTON, MADISON e JAY, SlEYS, BENJAMIN CONSTANT OU ALEXIS DE TOCQUEVILLE.

    In Como obras clssicas de Direito constitucional indicam-se:

    A. V. DICEY, Introduction to the Study of the Law of fhe Constitution, l.ed.em 1885;

    A. ESMEIN, Elments de Droit Constitutionnel Franais et Compare, 2 vols., l.ed.em 1895;

    GEORG JELLINEK, Allgemeine Saatslehre, l. ed. em 1900, com tradues em francs (Ltat Moderne et son Droit, Paris, 1912), em italiano (La Dottrina Generale dei Diritto deio Stato, Milo, 1949) e em castelhano (Teoria General dei Estado, Buenos Aires, 1954);

    R. CARR DE MALBERG, Contribution Ia Thorie Generale de ltat,2 vols., 1920 e 1922;

    CARL SCHMITT, Verfassungslehre, 1927 (trad. castelhana Teoria de Ia Constitucin, Madrid e Mxico, 1934 e 1966);

    MAURICE HAURIOU, Prcis de Droit Constitutionnel, 2. ed. Paris, 1928;

    RUDOLF SMEND, Verfassung und Verfassungsrecht, 1928 (trad. castelhana Constitucin y Derecho Constitucional, Madrid, 1985);

  • 38Manual de Direito Constitucional

    HERMANN HELLER, Staatslehre, 1934 (trad. castelhana Teoria dei Estado, Mxico, 1942, e portuguesa Teoria do Estado, So Paulo, 1968);

    HANS KELSEN, Allgemeine Staatslehre (trad. castelhana Teoria General dei Estado, Barcelona, 1934, e resumo em portugus Teoria Geral do Estado, Coimbra, 1945); e General Theory of Law and State, 1945 (trad. portuguesa Teoria Geral do Direito e do Estado, Braslia, 1990);

    SANTI ROMANO, Principii dl Diritto Costituzionale Generale, 2 ed., reimpresso, Milo, 1947;

    GEORGES BURDEAD, Trait de Science Politique, 3 eds. (10 vols. na 2. ed., Paris, 1966-1977);

    COSTANTINO MORTAT, Instituwni di Diritto Pubblico, com vrias edies (9. ed., Pdua, 2 vols., 1975);

    KARL LOEWENSTEIN, Political Power and the Governmental Process ou, na edio alem, Verfassungslehre (trad. castelhana Teoria de Ia Constitucin, com 2 eds., Barcelona, 1964 e 1976).

    IV So escassas as obras gerais portuguesas de Direito constitucional:

    SILVESTRE PINHEIRO-FERREIRA, Cours de Droit Public Interne et Externe, Paris, 1830; Prncipes du Droit Public Constitutionnel, Administratif et ds Gens ou Manuel du Citoyen sous un Gouvernement Reprsentaif, Paris, 1934; Prcis dun Cours de Droit Public, Administratif et ds Gens, Lisboa, 1845;

    LOPES PRAA, Estudos sobre a Carta Constitucional de 1826 e o Acto Adicional de 1852, 3 vols., Coimbra, 1878 e 1880;

    MARNOCO E SOUSA, Lies de Direito Poltico, Coimbra, 1900; Direito Poltico Poderes do Estado, Coimbra, 1910; Constituio Poltica da Repblica Portuguesa Coentrio, Coimbra, 1913;

    JOS FREDERICO LARANJO, Princpios de Direito Poltico e Direito Constitucional Portugus. Coimbra, 1907;

    JOS ALBERTO DOS REIS, Cincia Poltica e Direito Constitucional, Coimbra, 1908;

    JOS TAVARES, O poder governamental no Direito Constitucional Portugus, Coimbra, 1909; Cincia do Direito Poltico, Coimbra, 1909;

    MARCELLO CAETANO, Manual de Cincia Poltica e Dreito Constitucional, 6 eds., desde 1952 (6. ed., 2 vols., Lisboa, 1970 e 1972), ou Direito Constitucional, 2 eds. brasileiras, 2 vols. Rio de Janeiro, 1977-1978 e 1988;

    ARMANDO MARQUES GUEDES, Introduo ao Estudo do Direito Poltico,

  • Lisboa, 1969 (h uma nova verso, deologias e sistemas polticos, 3. ed., Lisboa, 1984); Teoria Geral do Estado, Lisboa, 1980;

    GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional. 6 eds. desde 1977 (6. ed., Coimbra, 1993);

    MARCELO REBELO DE SOUSA, Direito Constitucional, l Introduo Teoria da Constituio, Braga, 1979;

  • Preliminares 39

    VIEIRA DE ANDRADE, Os direitos fundamentais na Constituio portuguesa de 1976, Coimbra, 1983.

    Lies universitrias policopiadas das ltimas dcadas so, designadamente:

    FEZAS VITAL, Direito Consitucional, Lisboa, 1936-1937;

    TOtOBKD?iELO, Virito onstitucional, Yisboa, ID?;

    JOS CARLOS MOREIRA, Direito Constitucional, Coimbra, 1958;

    Lus SILVEIRA, Direito das Instituies Pblicas, Lisboa, nstituto de Estudos Sociais, 1966-1967;

    MIGUEL GALVO TELES, Direito Constitucional Portugus Vigente, Lisboa,1970 e 1971;

    ROGRIO SOARES, Lies de Direito Constitucional, Coimbra, 1971;

    JORGE MIRANDA, Cincia Poltica e Direito Constitucional, 1 vols., Lisboa,1972 e 1973 (h verses anteriores); Direito Constitucional, Lisboa, 1977;

    Direito Constitucional Comparado, Lisboa, 1978; Introduo ao Direito Pblico, Lisboa, 1979; Direito Constitucional Direitos, Liberdades e Garantias, Lisboa, 1980; Direito ConstitucionalAditamentos, Lisboa, 1982; Cincia Poltica, 1981-82, 1984 e 1992; Funes, rgos e Actos do Estado, Lisboa, 1984, 1986 e 1990;

    COSTA ROSA, Direito Constitucional, Lisboa, 1977;

    JOO MANUEL LEITO e JOS MANEL PASCOAL, Direito Constitucional, Lisboa, 1977;

    ANTNIO DUARTE SILVA e JOO RAPOSO, Direito Constitucional, Lisboa, 1978.

    V Entre as obras gerais de autores brasileiros apontem-se:

    JOS ANTNIO PIMENTA BUENO, Direito Pblico Brasileiro e Anlise da Constituio do Imprio, 2 vols. Rio de Janeiro, 1857;

    Rui BARBOSA, Comentrios Constiuio Federal Brasileira, 6 vols., So Paulo, 1932-1934;

    WALDEMAR MARTINS FERREIRA, Histria do Direito Consitucional Brasileiro, So Paulo, 1954;

    EUSBIO QUEIROZ LIMA, Teoria do Estado, 8. ed. Rio de Janeiro, 1957;

    PAULINO JACQUES, Curso de Direito Constitucional, 6. ed. Rio, 1970;

  • PINTO FERREIRA, Curso de Direito Constitucional, 2. ed. Recife, 1970;

    PONTES DE MIRANDA, Comentrios Constituio de 1967, com a emenda n. l, de 1969, 2. ed., 6 vols. So Paulo, 1973; Democracia, Liberdade, Igualdade (Os trs Caminhos), So Paulo, 1979;

    JOS ALFREDO DE OLIVEIRA BARACHO, Regimes Polticos, So Paulo, 1977;

    JOS AFONSO DA SILVA, Curso de Direito Constitucional Positivo, 9. ed., So Paulo, 1992;

    MANOEL GONALVES ERREIRA FILHO, Curso de Direito Constitucional,19. ed., So Paulo, 1992;

    PAULO BONAVIDES, Curso de Direito Constitucional, 6. ed. So Paulo, 1996.

  • 40Manual de Direito Constitucional

    VI Como obras gerais de outros pases apontam-se:

    IVOR JENNINGS, The Law and the Constitution, 5. ed., reimpresso, Londres, 1967;

    MANUEL GARCIA PELAYO, Derecho Costitucional Comparado, 8. ed., Madrid, 1967;

    MAURICE DUVERGER, Institutions Politiques et Droit Constitutionnel, 2 vols.,12. ed. Paris, 1971;

    REINHOLD ZIPPELIUS, Allgemeine Staatslehre, l. ed., 1968 (trad. portuguesa Teoria Geral do Estado, Lisboa, 1974);

    GEOFFREY MARSHALL, Constitutional Theory, Oxnia, 1971 (reimpresso, 1980);

    PABLO LUCAS VERD, Curso de Derecho Poltico, 3 vols., Madrid, 1972,1974 e 1976;

    MARTIN KRIELE, Einfhrung m die Staatslehre. Die Geschichtlichen Legitimitts Grundiagen ds Demokratischen Verfassungstaates, Hamburgo, 1975 (trad. castelhana Introduccin a Ia Teoria dei Estado, Buenos Aires, 1980);

    KONRAD HESSE, Escritos de Derecho Constitucional, trad. castelhana, Madrid, 1983;

    BERNARD CHANTEBOUT, Droit Constitutionnel et Science Politique, 9. ed., Paris, 1989;

    PAOLO BARILE, Instituoni di Diritto Pubblico, S. ed., Pdua, 1987;

    KLAUS STERN, Das Staatsrecht der Bundesrepubli Deutschiand (trad. castelhana parcial Derecho dei Estado de Ia Republica Federal Alemana, Madrid, 1987);

    GUSTAVO ZAGREBELSKY, Diritto Costituonale, l, Turim, 1988;

    JACQUES CADART, Institutions Politiques et Droit Constitutionnel, 3. ed.,2 vols., Paris, 1990;

    ENRICO SPAGNA Musso, Diritto Costituionale, 3. ed., Pdua, 1990;

    FRANCISCO FERNNDEZ SEGADO, El sistema costitucional espani, Madrid,1992;

    TEMISTOCLE MARTINES, Diritto Costituionale, 7. ed., Milo, 1992;

    ALESSANDRO PIZZORUSSO, Sistema instituzionale dei Diritto Pubblico Italiana, Npoles, 1992;

  • GIUSEPPE DE VERGOTTINI, Diritto Costituonale Comparato, 4. ed., Pdua,1993;

    JEAN GICQUEL, Droit Constitutionnel et Institutions Politiques, 12. ed., Paris, 1993;

    NESTOR PEDRO SAGUS, Elementos de derecho constitucional, 1 vols., Buenos Aires, 1993;

    JOHN F. MCELDOWNEY, Public Law, Londres, 1994;

    PAOLO CARETTI e UGO DE SIERVO, Instituwni di Diritto Pubblico, 2. ed., Turim, 1994;

    CHRISTIAN STARCK, La Constitution, Cadre et Mesure du Droit, trad., Paris Aix en Provence, 1994;

    IAN LOVELAND, Constitutional LawA Criticai Introduction, Londres, 1996.

  • Preliminares 41

    VII Recomendam-se ainda mais os seguintes estudos e ensaios sobre temas polticos e jurdico-constitucionais:

    JAMES BRYCE, Flexible and Rigid Constitutions, in Studies in History and Jurisprudence, l, 1901 (trad. castelhana Constituciones flexibles y Constituciones gidas, Madrid, 1963);

    ROCHA SARAIVA, Construo jurdica do Estado, Coimbra, 1912;

    PAOLO BARILE, La Costitwione come Norma Giuridica, Florena, 1951;

    GIOVANNI SARTORI, Democraia e definiioni, 2. ed., Bolonha, 1958 (trad. francesa Thorie de Ia Dmocratie, Paris, 1977);

    GEORGES BURDEAU, La Dmocratie (trad. portuguesa A Democracia, Lisboa, 1962);

    LUS CABRAL DE MONCADA, Problemas de Filosofia Poltica, Coimbra, 1963

    GERHARD LEIBHOLZ, Conceptos fundamentales de Ia poltica y de Ia teoria de Ia Constitucin, trad. castelhana, Madrid, 1964; Problemas fundamentales de Ia democracia moderna, trad. castelhana, Madrid, 1971; O pensamento democrtico como pensamento estruturador na vida dos povos europeus, trad., Coimbra, 1974;

    GIORGIO BALLADORE PALLIERI, La Dottrina deio Stato, 2. ed., Pdua,1964 (trad. portuguesa A Doutrina do Estado, 2 vols., Coimbra, 1969);

    JORGE MIRANDA, Contributo para uma teoria da inconstitucionalidade, Lisboa, 1968;

    Nicos POULANTZAS, Pouvoir politique et classes sociales de ltat capitaliste Paris, 1968 (trad. portuguesa Poder poltico e classes sociais do Estado capitalista, 2 vols. Porto, 1971);

    ROGRIO SOARES, Direito Pblico e Sociedade Tcnica, Coimbra, 1969;

    FRANCISCO LUCAS PIRES, O Problema da Constituio, Coimbra, 1970;

    VITAL MOREIRA, Economia e Constituio, Coimbra, 1974 (2. ed., 1979);

    JOS AFONSO DA SILVA, Aplicabilidade das normas constitucionais, 2. ed., So Paulo, 1982;

    GOMES CANOTILHO, Constituio dirigente e vinculao do legislador, Coimbra, 1982;

    NELSON SALDANHA, Formao da Teoria Constitucional, Rio de Janeiro, 1983;

  • MARCELO REBELO DE SOUSA, Os partidos poltcos no Direito constitucional portugus, Braga, 1983;

    JORGE REIS NOVAIS, Contributo para uma teoria do Estado de Direito, Coimbra, 1987;

    NORBERTO BOBBIO, Liberalismo e Democracia, trad. portuguesa So Paulo,1988;

    MANUEL GONALVES FERREIRA FILHO, Estado de Direito e Constituio, So Paulo, 1988;

    NUNO PIARRA, A separao de poderes como doutrina e princpio constitucional, Lisboa, 1989.

    PAULO FERREIRA DA CUNHA, Mito e constitucionalismo, Coimbra, 1990;

    GUSTAVO ZAGREBELSKY, // Diritto Mitte, Turim, 1992;

  • 42Manual de Direito Constitucional

    PAULO BONAVIDES, Do tfito Liberal ao Estado Social, 5. ed. Belo Horizonte, 1993;

    MRIO DOGLIANI, Introduione ai Diritto Costiuonale, Bolonha, 1994.

    VIII Deve igualmente chamar-se a ateno para a importncia das revistas especializadas de Direito constitucional (ou, mais em geral, de Direito pblico) e de Cincia Poltica. So as revistas, mais que os livros, que permitem o conhecimento actualizado dos problemas constitucionais em constante evoluo.

    Entre elas avultam:

    Revue du droit public et de Ia science politique en France et 1tranger;

    Pouvoirs; Revue franaise de droit constiutionnel;

    Archiv ds ffentiichen Rechts; Staat und Recht;

    Rivista Trimestrale di Diritto Pubblico: 11 Poltico; Giurisprudena Costituzionale; Quaderni Costituionali; Diritto e Societ;

    Political Science Quaterly; Political Studies; Parliamentary Affairs;

    Human Rights Law Journal;

    Revista de Estdios Polticos; Revista Espanola de Derecho Costitucional;

    Revista dei Centro de Estdios Constitucionales; Anurio de Derecho Costitucional y Parlamentari;

    Revisa Brasileira de Estudos Polticos; Revista de Direito Pblico; Revista de nformao Legislativa;

    Revue europenne de droit public.

    E em Portugal:

    Revista de Direito Pblico; Estado e Direito; Revista de Cincia Poltica;

    Legislao; Polis.

    PARTE I

    O ESTADO E OS SISTEMAS CONSTITUCIONAIS

    TTULO I

    O ESTADO NA HISTRIA

  • CAPTULO I

    LOCALIZAO HISTRICA DO ESTADO

    1.

    O Estado, realidade histrica

    l. O Estado, espcie de sociedade poltica

    Seja qual for a essncia do poltico e, portanto, do Estado (), h trs maneiras principais de encarar as relaes entre um e outro conceito. O Estado poltico, mas todo o poltico estadual?

    Para alguns, a resposta positiva: Estado e sociedade poltica identicam-se e aquele tomado como fenmeno humano permanente e universal. Para outros, o Estado uma espcie (a mais importante, mas uma entre vrias espcies) de sociedade poltica. Ainda doutro prisma, o problema no se pe, ou por no se lidar com o conceito de Estado (2) ou por se reduzir o Estado ao nome convencionalmente dado a qualquer sociedade poltica.

    () Este problema ser tratado no tomo m.

    (2) Como fazem as teorias sistmicas.

  • 44Manual de Direito Constitucional

    Prefere-se a segunda postura. As sociedades polticas ou sociedades de fins gerais apresentam-se em tal variedade que cientificamente imprescindvel proceder a distines e classificaes. No se justifica confundir as formas primitivas de sociedades polticas com as formas desenvolvidas e complexas que tardiamente surgem. E o Estado tem tanto de peculiar que tudo aconselha a separar o seu tratamento do estudo de outras figuras, embora afins.

    Todavia, o Estado, que conhecemos hoje, comummente definido atravs de trs elementos ou condies de existncia povo, territrio e poder poltico apenas um dos tipos possveis de Estado: o Estado nacional soberano que, nascido na Europa, se espalhou recentemente por todo o mundo ().

    2. O aparecimento histrico do Estado

    Reveste carcter interdisciplinar (de Histria geral, Histria poltica, Histria do Direito, Antropologia cultural, Cincia poltica comparada) a pesquisa respeitante origem do Estado (2).

    C) Cfr. CABRAL DE MONCADA, Problemas de Filosofia Poltica, Coimbra,1963, pgs. 11 e 14 e segs.; MARCEL PRLOT, Science Politique, 3. ed. Paris, 1966, pgs. 90 e segs.; ANTNIO PERPIN RODRIGUEZ, El Estado como situacin (status) y como grupo (persona), m Revista de Estdios Polticos, n. 36, Out.-Dez. de 1983, pgs. 107 e segs.; SILVRIO DA ROCHA E CUNHA, Estado, consenso, legitimao e os paradoxos da modernidade, m Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1987, pgs. 110, 135-136 e 138; SABINO CASSESE, Fortuna e decadenza delia raione di Stato, m Scritti in onore di Massimo Severo Giannini, obra colectiva, i, Milo, 1988, pgs. 91 e seg.; JOS ADELINO MALTEZ, Ensaio sobre o problema do Estado, Lisboa, 1991, n, pgs. 20 e segs.

    (2) Cfr. MAURICE HAURIOU, op. cit., pgs. 78 e segs.; LAWRENCE KRADER, A formao do Estado, trad., Rio de Janeiro, 1970; ELMAN R. SERVICE, Ls origenes dei Estado y de Ia civiliacin, trad. castelhana, Madrid, 1975; MANUEL DE LUCENA, Ensaio sobre a origem do Estado, in Anlise Social, n. 48, 1976, pgs. 917 e segs.; JEAN WILLIAM LAPIERRE, Vivre sans ltat? Essai sur l pouvoir politique et 1innovation sociale, Paris, 1977; The Early State, obra colectiva editada por HENRI J. M. CLAESSEN e PETER SKALNIK, Haia, 1978; BERTRAND BADIE, Culture et Politique, Paris, 1983; GEORGES BALANDIER, Anhropologie Politique, 2. ed., Paris, 1991.

  • Parte lO Estado e os sistemas constitucionais 45

    As concluses principais dessa indagao parecem ser:

    a) Necessidade, em toda a sociedade humana, de um mnimo de organizao poltica;

    b) Necessidade de situar, no tempo e no espao, o Estado entre as organizaes polticas historicamente conhecidas;

    c) Constante transformao das organizaes polticas em geral e das formas ou tipos de Estado em particular;

    d) Conexo entre heterogeneidade e complexidade da sociedade e crescete diferenciao poitc;

    e) Possibilidade de, em qualquer sociedade humana, emergir o Estado, desde que verificados certos pressupostos;

    f) Correspondncia entre formas de organizao poltica, formas de civilizao e formas judicas;

    g) Traduo no mbito das ideias de Direito e das regras jurdicas do processo de formao de cada Estado em concreto.

    3. Sociedades polticas pr-estaduais

    Encontram-se sociedades historicamente antecedentes da formao do Estado, ainda que no inelutavelmente conducentes passagem a Estado: so, entre outras, a famlia patriarcal, o cl e a tribo, a gens romana, a fratria grega, a gentilidade ibrica (), o senhorio feudal.

    Mas importa distinguir entre as sociedades mais simples e as que j contm instituies ou elementos precursores ou idnticos dos elementos ou instituies estaduais (por exemplo, os esquims, os bosquimanos, os pigmeus entre os povos que pertencem ao primeiro grupo) (2); ou, doutro ngulo, entre as sociedades com poder annimo ou difuso (as primitivas) e as sociedades com poder individualizado (exercido por um chefe em nome prprio) (3).

    C) Cfr. sobre diferentes fomas de organizao poltica na Hispnia pr-romana, NUNO ESPNOSA GOMES DA SILVA, op. cit., pg. 48.

    (2) Cfr. LAWRENCE KRADER, op. cit.. pgs. 18 e segs. e 54 e segs.

    (3) Cfr. GEORGES BURDEAU, Trait de Science Politique. l, 2. ed. Paris, 1966, pgs. 476 e segs.; e, doutra ptica, F. H. HINSLEY, Sovereignity, trad. castelhana El concepto de soberania, Barcelona, 1972, pgs. 10 e segs.

  • 46Manual de Direito Constitucional

    Quanto mais uma sociedade global heterognea, quanto mais integra grupos ou estratos diferentes pela cultura, pela posio social e pelo papel na diviso de trabalho tanto mais o seu sistema poltico tende a organizar-se em funes diferenciadas, especializadas, ligadas umas s outras por uma rede complicada de relaes hierrquicas ().

    E cabe, depois, contrapor as sociedades pr-estaduais s infra e supra-estaduais (2). Aquelas, podendo embora levar ao Estado, em si nada tm com o Estado; estas, no atingindo ainda ou, pelo contrrio, ultrapassando o nvel do Estado, assentam todas no poder e na actividade do Estado, com o qual necessariamente coexistem. Sociedade infra-estaduais vm a ser, entre outras, as regies ou provncias autnomas. Sociedades supra-estaduais so as confederaes, outros agrupamentos de Estados, a prpria comunidade internacional (3).

    4. Processos de formao do Estado

    No surpreende, naturalmente, a variedade histrica das formas por que o Estado aparece, em correlao com as causas locais do acontecimento (4).

    Conhecem-se formas pacficas e violentas; formao de acordo com as leis vigentes no Estado ou na sociedade a que a nova comunidade at ento pertence e formao contra essas leis; formao por desenvolvimento interno e por influncia externa.

    No plano da Antropologia histrica, revelam-se processos mais importantes a conquista, a migrao, a aglutinao por laos de sangue ou por laos econmicos, a evoluo social pura e simplesmente para organizaes cada vez mais complexas. No plano do Direito constitucional comparado e do Direito internacional dos ltimos duzentos anos, tambm possvel tipificar processos como a eleva-

    () JEAN-WILLIAN LAPIERRE, op. cit., pgs. 167 e segs. Apresenta nove graus de diferenciao e de complicao na organizao poltica (pgs. 95-96).

    (2) Cfr. a classificao de formas polticas estatais e no estatais de GEORGES BALANDIER, op. cit., pgs. 50 e segs.

    (3) No Direito internacional actual h tambm entidades pr-estaduais (os beligerantes e os movimentos nacionais e de libertao).

    (4) Cfr. The Early State, cit., pgs. 619 e segs.

  • Parte IO Estado e os sistemas constitucionais 47

    co a Estado de comunidade dependente, a secesso ou o desmembramento de Estado pr-existente.

    5. Caractersticas gerais do Estado

    I Apesar de evidentes dificuldades, pode tentar-se reconduzir a um quadro comum as notas caractersticas dos diferentes Estados ou tipos de Estado oferecidos pela histria. Trata-se da complexidade de organizao e actuao, da institucionalizao, da coercibilidade e da autonomizao do poder poltico, bem como, em plano algo diferente, da sedentariedade.

    Estas caractersticas tm de ser vistas em conjunto e no isoladamente (at porque algumas delas se encontram noutras sociedades, polticas e at no polticas).

    II A complexidade de organizao e actuao consiste em centralizao do poder, multiplicao e articulao de funes, diferenciao de rgos e servios, enquadramento dos indivduos em termos de faculdades, prestaes e imposies.

    O Estado uma sociedade poltica com indefinida continuidade no tempo e institucionaliao do poder significa dissociao entre a chefia, a autoridade poltica, o poder, e a pessoa que em cada momento tem o seu exerccio; fundamentao do poder, no nas qualidades pessoais do governante, mas no Direito que o investe como tal; permanncia do poder (como ofcio, e no como domnio) para alm da mudana de titulares; e sua subordinao satisfao de fins no egosticos, realizao do bem comum ().

    A institucionalizao ainda a criao de instrumentos jurdicos de mediao e de formao da vontade colectiva os rgos e figuras afins (2).

    A coercibilidade no uma caracterstica geral do Direito, nem sequer, porventura, do Direito estatal; mas , em certa medida, uma

    () BURDEAU, op. cit., i, pgs. 488 e segs., n, 1967, pgs. 145 e segs.

    (2) Cfr. o nosso estudo rgos do Estado, m Dicionrio Jurdico da Administrao Pblica, Vi, pgs. 244 e segs.

  • 48Manual de Direito Contitucional

    caracterstica da organizao poltica estatal. Ao Estado cabe a administrao da justia entre as pessoas e os grupos e, por isso, tem de lhe caber tambm o monoplio da fora fsica ().

    O Estado promove a integrao, a direco e a defesa da sociedade, e por arrastamento, a prpria sobrevivncia como um fim em si;

    essa preservao a segurana interna e externa, em particular toma-se um fim especfico; surge o fenmeno burocrtico (2); mesmo sem ser absoluto ou totalitrio, o Estado possui a sua mstica de poder e justifica as suas aces em nome de objectivos prprios; as instituies polticas, instituies especializadas, adquirem autonomia (3).

    Finalmente, o Estado requer continuidade no s no tempo mas tambm no espao (4), no duplo sentido de ligao do poder e da comunidade a um territrio e de necessria fixao nesse territrio. Est a a sedentariedade.

    In Em suma, o Estado a resultante da existncia de uma sociedade complexa e, por sua vez, um dos factores de criao de uma sociedade cada vez mais complexa.

    6. A insero territorial do Estado

    O territrio revela-se i