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  • ResumoEste artigo pretende investigar a ocorrncia de preconceito racial durante o Campeonato Carioca de Futebol do ano de 1923. A proposta pesquisar nos jornais da poca se h indcios de que o Vasco da Gama sofreu de fato por ter no seu time atletas negros e mulatos. Palavras-chave: futebol, cultura, racismo, Vasco da Gama.

    AbstractThe present article aims to investigate the occurrence of racial prejudice during the Rio de Janeiro state football league in 1923. The proposal is to investigate in news-papers of the time whether there is evidence that Vasco da Gama really suffered for having black and mulatto athletes in its team.Keywords: soccer, culture, racial prejudice, Vasco da Gama.

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    1923: investigao sobre a existncia de racismo no noticirio

    esportivo carioca 1923: a research on the existence of racism in

    sport news from the city of Rio de Janeiro

    Joo Paulo Vieira Teixeira | [email protected] pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e

    mestrando do Programa de Ps-Graduao em Comunicao da Uerj.

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    Introduo

    O Clube de Regatas Vasco da Gama conquistou no ano de 1923 seu pri-meiro ttulo de Campeo Carioca de futebol. O fato tornou-se um marco na histria do esporte pois foi a primeira vez que um time formado por jogadores negros, mulatos e brancos pobres vencia o torneio mais importante da moda-lidade. O triunfo teria desagradado parte da sociedade e a resposta dos clubes das elites foi a criao de uma nova entidade para gerir o esporte e organizar as competies. A proposta era limitar a participao de jogadores que no comprovassem a condio de amadores. Para muitos, essa iniciativa escondia uma estratgia racista.

    Este um dos relatos descritos no livro O negro no futebol brasileiro. A obra do jornalista Mario Filho1 tornou-se a principal referncia para os es-tudos sobre a formao do esporte no pas. No entanto, o pesquisador Antnio Jorge Soares desenvolveu um relevante estudo2 questionando a simples adoo do livro como nica fonte para as reflexes sobre o tema. Uma das suas prin-cipais crticas a de que os estudiosos que seguiram Mario Filho recorrem ao livro como se o texto possusse um retrato fiel dos acontecimentos e acabam por deixar de lado outras fontes, em especial as primrias, para uma confirma-o do que est relatado nas pginas do clssico da literatura nacional.

    Motivados por esta discusso acadmica, pretendemos recorrer s p-ginas dos jornais cariocas de 1923 para investigar como foi feita a cobertura da imprensa escrita na ocasio. O futebol j ocupava espao considervel nos jornais da poca. A dvida se os peridicos destacavam este bom desempe-nho de uma equipe que surpreendeu a todos e at a questo do amadorismo disfarado ou se preferiam apenas enaltecer a miscigenao racial. Por outro lado, ser que h evidncias de que o preconceito racial presente entre os diri-gentes tambm vestia as pginas dos jornais?

    Reconhecemos no se tratar de um tema indito, no entanto, gostara-mos de tentar lanar um novo olhar sobre a questo. A proposta esmiuar a forma com que esta histria foi contada poca. Saber como os jornalistas trataram do assunto. Quais os critrios utilizados para reportar o fato. Foi dei-xado algum resqucio de racismo tambm na cobertura da imprensa?

    A inteno investigar se o passar do tempo fez com que os estudos posteriores criassem uma viso distorcida do fato, enaltecendo demais algo que invariavelmente iria acontecer (a participao decisiva dos negros no fu-tebol). Como a imprensa da poca cobriu o acontecimento? Ser que se tinha a dimenso do que se passava ou o jornalismo carioca no deu a necessria relevncia ao Campeonato do Rio de Janeiro de 1923?

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    JustIfIcatIva

    Ao lanar um olhar atento aos jornais do perodo citado, acreditamos ser possvel acrescentar novos elementos ao debate j existente nas Cincias Sociais. Desde a publicao do livro O negro no futebol brasileiro, de Mario Filho, surgi-ram vrias discusses nos campos da Educao Fsica, Antropologia, Histria e da Comunicao Social, muitas delas envolvendo o Campeonato Carioca de 1923. Um novo estudo dos peridicos poder preencher uma lacuna existente em parte das ltimas pesquisas que apenas retomam o que foi transmitido por Mario Filho.

    Acreditamos que seja possvel contribuir com novas informaes sobre o incio da miscigenao do futebol brasileiro. Ao invs de nos debruarmos ex-clusivamente no que foi escrito, refletindo sobre as conseqncias do fato, pre-tendemos buscar informaes no que foi relatado no calor da ocasio. Soares, numa crtica utilizao exclusiva do livro O negro no futebol brasileiro para pesquisas sobre o tema, alerta para a necessidade de se consultar fontes pri-mrias para uma investigao um pouco mais precisa do fato. Nesse sentido, necessitamos comear a realizar novas leituras e novos levantamentos empri-cos sobre a histria do futebol brasileiro, ao invs de promover um discurso romntico de construo da nao ou de militncia politicamente correta. (SOARES, 2001, p. 45).

    Hugo Lovisolo analisa justamente este trabalho de Soares como uma contribuio importantssima para estimular novas pesquisas. A idia evitar que os estudos recorram ao livro como nica fonte de consulta, criando o que ele chama de um espiral de reiterao do j dito:

    Em outras palavras, cita-se Mrio Filho com baixssima inovao fatual e interpretativa, apenas colaborando na reiterao e solidificao da inveno da tradio por ele realizada. A mensagem de Soares pode ser entendida como uma generosa incitao pesquisa, como desafio a historiadores e analistas do fenmeno esportivo, para gerar dados mais slidos e interpretaes que relatem com maior fidedignidade as tramas dos processos histricos. (LOVISOLO, 2001, p. 79).

    Vale ressaltar que ao fazer o contraponto aos por ele chamados de novos narradores, Soares busca justamente as pginas dos jornais para comprovar que h distores entre o fatos relatados e a narrativa criada dcadas depois. No texto O Racismo no futebol do Rio de Janeiro nos anos 20: uma histria de identida-de3 (2001), ele rebate vrios argumentos utilizados por Mario Filho se valendo de edies de peridicos de 1924. O que est sendo discutido ali a crise poltica deflagrada pelo ttulo do Vasco um ano antes, mas que culmina, em 1924, com a criao de uma nova liga para gerir o esporte. Portanto faz sentido ir at os jornais daquele ano. No entanto, como nosso propsito ser outro, queremos verificar incoerncias nas narrativas criadas no no processo que foi deflagrado, mas sim na trajetria da equipe de futebol. Por isso, tambm, acreditamos que ocuparemos um espao ainda no totalmente esclarecido no debate.

    A discusso e a pesquisa parecem ser relevantes uma vez que trar

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    tona a forma como era feito o jornalismo esportivo numa poca em que o fu-tebol ocupava um espao diferente do atual na vida cotidiana. Alm disso, os resultados podero contribuir para que sejam evitadas novas incorrees nas matrias jornalsticas que tratam sobre o incio da participao dos negros no futebol brasileiro.

    Estudos prElImInarEs

    Nosso trabalho envolver temas relacionados a diversas reas das Cincias Sociais. Aspectos da Comunicao Social, Histria e at Antropologia estaro pre-sentes ao longo do texto. No entanto, impossvel perder de vista que o pano de fundo para todas estas discusses ser o futebol. Desta forma, preciso contextu-alizar de que forma pretendemos enfocar tal modalidade esportiva. Aproveitamos algumas reflexes de Lovisolo, para destacar que a velha idia do esporte enquan-to alienador das massas no cabe mais em trabalhos acadmicos.

    H duas ou trs dcadas, os cientistas sociais pouco se ocupavam com o futebol que era, isso sim, preocupao do jornalismo esportivo, dos polticos e das pessoas da rua. Mais ainda, a corrente principal das cincias sociais considerava o futebol como uma coisa que distancia-va o povo das preocupaes verdadeiras. O futebol era visto como formando parte dos processos de alienao das massas. Os ventos mudaram o rumo da prosa. Hoje, talvez sob o furaco do culturalismo e da importncia concedida identidade, a crtica da alienao foi barrida e as folhas da valorizao da cultura e identidade local formam o piso sobre o qual andamos. (LOVISOLO, 2001a, p.9)

    Feita esta breve ressalva, acreditamos ser conveniente lembrar que, a partir do momento em que os estudos sociais comearam e encontrar no futebol uma poderosa forma de compreender a parte da sociedade, foram dados passos impor-tantes para a compreenso das formas de construo identitria do Brasil.

    Embora o futebol possa ser considerado como quase universal, na linguagem estetizada do gosto e do estilo particular passou a ser uma dimenso importante da construo identitria, tanto no caso da sociedade brasileira quanto de outras. Futebol, alegria, festa, carnaval, msica so temperos recorrentes dessa construo. A alegria do fute-bol, cuja essncia foi posta na ginga de Garrincha, passou a ser uma poderosa metonmia da representao da identidade brasileira: o povo que enfrenta as adversidades com alegria. De fato, o futebol foi visto como teatro da vida. (LOVISOLO, 2001a, p.10)

    No entanto, o prprio Lovisolo nos lembra que o tema exige muito cuidado. Para ele, uma das principais armadilhas que ameaa os pesquisadores o erro comum de apenas repetir a imprensa esportiva, ao invs de fazer uma investigao mais profunda sobre o tema.

    De fato, quando os cientistas sociais passaram a falar do futebol com as categorias organizadoras de cultura e identidade tambm comeara