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    Possibilidades de resistncia na pseudo-formao.

    Manuela Monti aluna especial do Programa de Ps-Graduao do Instituto dePsicologia/USP [email protected]

    O estudo da cultura essencial para entender nossa formao. De acordo comAdorno (1964), a formao a cultura pelo lado de sua apropriao subjetiva e deve sedestinar diferenciao do indivduo em seu meio. Para a formao necessrioexperincia e conceitos, os quais so essenciais para o desenvolvimento do pensamento,e por meio destes que podemos dar nomes as coisas para entender o meio e serelacionar. Segundo Freud (1930), a cultura descreve a soma das realizaes e regrasque distinguem a vida do ser humano com as dos animais e tem como funesprincipais: [...] o de proteger os homens contra a natureza e o de ajustar os seusrelacionamentos mtuos (p. 109); ou seja ela formada tambm pelas relaes sociais.A subjetividade ento constituda pela interiorizao da cultura. Segundo Adorno(1964), o desenvolvimento da subjetividade o mximo de objetivo, dito em outras

    palavras, a conscincia tem ndole subjetiva mas produzida objetivamente. Nestesentido, necessrio entender as relaes sociais e de dominao que esto presentes nasociedade que acabaram influenciando a formao dos indivduos.

    Para entender a formao do individuo hoje, se faz necessrio tambm resgataralguns aspectos da formao tradicional de outrora. A formao clssica, segundo oautor, tinha como elementos essenciais a tradio e a imagem os quais possibilitavam areflexo e sublimao na produo. Entretanto, a sociedade que permitia a possibilidadeda formao tradicional era destinada somente para a elite. necessrio salientartambm que esta prpria formao continha lacunas para o desenvolvimento pleno deformao, pois passa a ser ideologia quando pensada em liberdade e autonomia para osindividuos na sociedade. Hoje a formao para a heteronomia dos sujeitos, pois ela extrojetada e uma formao para a integrao ou adaptao. A formao externa eno de contedos para a transformao, o que se tem ento, segundo Adorno (1964), sopseudo-indivduos fruto de uma pseudo-formao1. De acordo com o autor, a pseudo-formao o esprito conquistado pelo carter de fetiche da mercadoria, desta forma oque ir colaborar para a pseudo-formao tambm dos indivduos, o fato da base daconstituio subjetiva nos indivduos ser balizada pela indstria cultural. De acordo comHorkheimer e Adorno (1985), a indstria cultural ideologia e transmissora deideologia, e responsvel por transformar a cultura em mercadoria. Tal ideologia tcnica, sistemtica e se d pela no diferenciao, e sim a duplicao. Ela produz falsaconscincia e se pe para os indivduos antes do pensamento, ela a priori.

    Todavia, a indstria cultural permanece a indstria da diverso. Seucontrole sobre os consumidores mediado pela diverso. [...] A diverso oprolongamento do trabalho sob o capitalismo tardio. Ela procurada porquem quer escapar ao processo de trabalho mecanizado, para se pr de novoem condies de enfrent-lo. (HORKHEIMER ; ADORNO, 1985, p. 112)

    Atualmente, segundo Adorno (1964), no mais possvel ter o contato corporal(aquilo que vivo de experincia elemento essencial para a formao), com as idias,pois perdeu-se a imagem, e perdendo as imagens, perdeu-se a imaginao. A reflexohoje contra a experincia, pois o homem acumula experincias mas no se desenvolvee no se diferencia, ento os indivduos tm relao com o todo mas no de diferena,

    1Do alemo Halbbildung freqentemente traduzido como semi-formao. Preferiu-se utilizar pseudo-formao, pois se enfatiza a noo de uma falsa-formao, e no de formao pela metade.

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    e sim de composio. Desta forma, os indivduos so formados para no seremdiferenciados, o que j contrrio com o prprio conceito de formao. A ideologia queexiste, a da integrao, marca a ciso e diz menos respeito do contedo do que dasdisposies que podem formar no contedo (forma), o que denota o formalismo atual.

    De acordo com Horkheimer e Adorno (1973) a ideologia um fenmeno

    objetivo, a aparncia necessria da sociedade para que ela se mantenha.a ideologia contempornea o estado de conscientizao e de no-conscientizao das massas como esprito objetivo, e no os mesquinhosprodutos que imitam esse estado e o repetem, para pior com a finalidade deassegurar a sua reproduo. A ideologia, em sentido estrito, d-se onderegem relaes de poder que no so intrinsecamente transparentes,mediatas e, nesse sentido, at atenuadas (p. 193).

    Segundo os autores, com a crise da sociedade burguesa, o conceito tradicional deideologia parece ter perdido seu objeto. A falsa conscincia de hoje, socialmentecondicionada, j no esprito objetivo, [...] trata-se de algo cientificamente adaptado

    sociedade. Essa adaptao realiza-se mediante os produtos da indstria cultural [...] (p.200). De acordo com os autores os elementos dessa ideologia uniforme no so novos,na histria possvel remontar literatura vulgar dos primeiros tempos, por volta de1700. O que conta no so os elementos constitutivos nem sequer a persistncia dascaractersticas primitivas na atual cultura, mas o fato de que todos esses elementos estohoje subordinados a uma direo orgnica que converteu o todo num sistema coeso.

    Nenhuma fuga tolerada, os homens esto cercados por todos os lados e astendncias regressivas, j postas em movimento pelo desenvolvimento dapresso social, so favorecidas pelas conquistas de uma psicologia socialpervertida ou, como corretamente se chamou a essa prtica, de umapsicanlise s avessas (HORKHEIMER; ADORNO, 1973, p. 201).

    De acordo com Adorno (1964) na ideologia liberal havia a idia de que oshomens aparentemente fossem livres. J a ideologia da integrao relativista e porque

    justamente ela no se fixa em nada, ela forte e dificil de ser criticada. No liberalismoprevia a idia de indivduo para se emancipar, entretanto hoje o que temos um pseudo-indivduo, ento se naquela sociedade j no podia existir indivduo liberal, agora ainda mais difcil.

    Segundo Adorno (1995b), o lugar da escola o de desenvolver o esprito e oobjetivo da educao o de permitir e desenvolver nossas experincias. Entretanto,vivemos no formalismo, em que o sujeito alienado de si e j fica presente na escola odio cultura, o que acaba por colocar a ambiguidade na prpria escola. A barbrie seapresenta ento na sociedade e acaba por significar o fracasso da educao. Entretanto,pela experincia se volta desbarbarizao. Neste caso, no se trata de reaver opassado, a formao tradicional, mas pensar sobre a formao atual.

    Enquanto a sociedade gerar barbrie a partir de si mesma, a escola temapenas condies mnimas de resistir a isto. Mas se a barbrie, a terrvelsombra sobre nossa existncia, justamente o contrrio da formaocultural, ento a desbarbarizao das pessoas individualmente muitoimportante. A desbarbarizao da humanidade o pressuposto imediato dasobrevivncia (ADORNO, 1995b, p. 116).

    Ora, se a formao a interiorizao da cultura, ou a sua apropriao subjetiva, apseudo-formao a interiorizao da pseudo-cultura. Se a formao cultural

    justamente o contrrio da barbrie, o estudo sobre a formao cultural e sobre as

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    possibilidades de resistncias e reflexo na indstria cultural, de grande importnciapara se pensar na formao e principalmente na desbarbarizao. Neste sentido necessrio lembrar de que ao se pensar em pseudo-cultura, no se pode, simplesmentedecidir no ter pseudo-cultura, mas pensar sobre ela importante porque possibilita acrtica.

    Recentemente tem surgido em nossa sociedade comunidades e projetos desamba que visam resgatar as razes do samba e os moldes das antigas rodas de samba.Tais projetos possuem como objetivos tambm a reflexo e o resgate da cidadania ecultura atravs da msica. A Comunidade Samba da Vela em So Paulo, um destesprojetos, no qual realiza um encontro semanal no Centro de Cultura de Santo Amaro emque se renem compositores, pesquisadores e a prpria comunidade. Tal projeto temsido considerado como um meio de resistncia e reflexo frente ao processo deestandardizao do samba hoje. Entretanto, como j exposto anteriormente a respeito daformao dos indivduos atualmente, o que temos hoje uma pseudo-formao fruto dainteriorizao da pseudo-cultura. A contradio ento se instala e fica a seguintepergunta: em quais circunstncias pode-se pensar em reflexo e resistncia, por meio de

    projetos sociais, tal como a Comunidade Samba da Vela, na indstria cultural?Um levantamento prvio realizado em alguns meios de comunicao, tais como

    sites e revistas, verificou-se que h um consenso de que foi no final do sculo XIX, quenegros e mulatos, trazidos da frica para trabalhar como escravos em plantaes deacar e caf, comearam a se reunir para fazer o samba. Discriminados social eracialmente, eles procuravam escapar das desigualdades e do preconceito, denunciandoem suas msicas, o sofrimento advindo de sua condio. Com a transferncia de muitosescravos para as plantaes de caf no Estado do Rio de Janeiro, e depois tambm coma abolio da escravatura, o samba ganhou novos contornos, instrumentos e histricoprprio. Os sambistas, ento, passaram a morar em morros distantes do centro nobrecarioca e o samba passou a ser caracterizado como gnero musical. Entretanto, mesmocom tal caracterizao, os sambistas passaram a ser perseguidos na poca por policiais,os quais os proibiam de se reunirem.

    O termo "escola de samba" originrio deste perodo e foi adotado pelosgrandes grupos de sambistas numa tentativa de ganhar aceitao para o samba e para asconsideradas, manifestaes artsticas; o morro era o terreno onde o samba nascia e a"escola de samba" dava aos msicos um senso de legitimidade e de organizao quepermitia romper com as barreiras sociais daquele momento. O sambista que at entoera mal visto pela sociedade, passou a se sentir vitorioso, situao em que os meios decomunicao passaram a dar preferncia aos carnavalescos e vedetes.

    Pode-se entender que no momento em que o samba se torna gnero musical e

    passa a ser inclusive considerado como msica popular brasileira, reconhecido pelosdemais e tocado nas rdios, acaba se tornando tambm produto da indstria cultural.Segundo Horkheimer e Adorno (1985), a indstria cultural abrange praticamente todosos meios de lazer e entretenimento aos quais os indivduos so submetidos, fazendocom que eles possam desfrutar da diverso de forma a capacit-los novamente pararetornar produo. A idia da diverso no s a de abandonar o sofrimento existente,mas a possibilidade de resistir ao pensamento.

    Divertir-se significa sempre: no ter que pensar nisso, esquecer osofrimento at mesmo onde ele mostrado. A impotncia a sua prpriabase. na verdade uma fuga, mas no, como afirma, uma fuga da realidaderuim, mas da ltima idia de resistncia que essa realidade ainda deixa

    subsistir. A liberao prometida pela diverso a liberao do pensamentocomo negao (HORKHEIMER; ADORNO, 1985, p. 119).

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    Quando o samba , enfim, absorvido pela indstria cultural, o carnaval torna-se

    inclusive o cone da diverso propriamente dita. Assim, os pressupostos da origem dosamba enquanto possibilidade de resistncia dos escravos frente sua condio social epreconceito se perdem, e a possibilidade de usufruir da diverso para o abandono do

    sofrimento acaba possibilitando tambm a resistncia do pensamento frente talcondio. A partir de tal advento pode-se tambm considerar o samba como msicapopular descrita por Adorno (1986). Segundo o autor, a caracterstica fundamental damsica popular a estandardizao, ou seja, a melodia e a letra da msica soconstrudas de um modelo ou de uma forma estrutural definidos. Assim, garante-se aoouvinte de que o hit2,assim chamado por Adorno (1986), [...] acabar conduzido tudode volta para a mesma experincia familiar, e que nada de fundamentalmente novo serintroduzido (p. 117). Na msica sria, segundo o autor, como por exemplo, nas peasde Beethoven, ao contrrio do que ocorre na msica popular, permite ao indivduo oaparecimento da espontaneidade e criatividade uma vez que ela no lhe pr-digerida. Outra grande diferena da msica sria da msica popular que na msica

    popular necessria a repetio, como caracterstica, para que o indivduo sejamanipulado a ouvir o que ele j conhece, o que, por exemplo, no se faz necessrio namsica sria.A msica popular ento escamoteada por detalhes e efeitos o que acabagerando a ateno do ouvinte para os detalhes da msica e no para o todo, ao contrrioda msica sria em que cada detalhe deriva o seu sentido musical da tonalidade concretada pea, ou seja, s a partir do todo que se compreende a qualidade lrica e expressivado detalhe.

    A msica popular precisa atender a duas demandas: a de estmulos queprovoquem a ateno dos ouvintes, e a de um material que recaia sobre aquilo que oouvinte entenda como natural, ao que ele est acostumado a ouvir. Com relao sdemandas do consumidor, Adorno (1986) esclarece que

    [...] a estandardizao da msica popular apenas a expresso desse duplodesejo a ela imposto pela mentalidade do pblico: que ela seja estimulantepor desviar-se, de algum modo, do natural institucionalizado e quemantenha supremacia do natural contra tais desvios (p. 122).

    O samba que passa a ser estandardizado adquire uma conotao de mercadoriadiferente do natural institucionalizado, ou seja, dentre as demais disponveis nomercado, um gnero que poder existir e a contemplar inclusive todas as classes dostrabalhadores. Tal envolvimento da produo cultural de massa com a aurola da livre-escolha, ou do mercado aberto, que Adorno (1986) ir chamar de pseudo-

    individuao, mantenedora dos ouvintes enquadrados, [...] fazendo-os esquecer que oque eles escutam j sempre escutado por eles, pr-digerido (p. 123). por meiodesta pseudo-individuao e da repetio que acabam surgindo padres dos tiposgosto/no gosto.

    Embora Adorno (1986) considere as diferentes caractersticas que distinguemuma msica sria da msica popular, tais como a questo das tonalidades, da repetio eda estandardizao, ele acrescenta em seu texto On the Contemporary Relationship ofPhilosophy and Music (2002), que a msica popular no possui seu objeto e no estno comando do nome, ao invs, ela anseia por ele. O autor afirma que os nomesgarantem msica, a dignidade da revelao, embora a msica como arte no nadamais do que a forma de reza preservada secularmente, a qual, para sobreviver, jurou por

    2Termo mantido no texto, originalmente grafado em destaque pelo autor.

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    tudo a seu objeto e se entrega a seu pensamento. De acordo com Horkheimer e Adorno(1985), a arte sria e erudita permitia contradies porque mostravam o sofrimentoexistente. A arte leve, ao contrrio, era destinada queles que no podiam se apossar daarte sria, para assim todos terem acesso ao consumo da arte. Aqueles que detinham aarte sria que tinham voz para expressar o sofrimento dos outros. A indstria cultural

    tenta nivelar as duas, e desta forma, no se pode mais identificar o que arte e o queno .Adorno (1986) acrescenta que concentrao e controle, essenciais para a msica

    sria, escondem-se em nossa cultura e em sua prpria manifestao, pois se no fossemcamuflados, eles provocariam resistncias. No gostar de uma cano tambm, porexemplo, no mais expresso de um gosto subjetivo, mas uma rebelio contra asapincia de utilidade pblica e discordncia entre milhares de pessoas.

    A resistncia encarada como um sinal de m cidadania, comoincapacidade de se divertir, como falta de sinceridade do pseudo-intelectual,pois qual a pessoa normal que poderia se colocar contra essa msicanormal? (ADORNO, 1986, p. 142).

    Entretanto, tal resistncia acaba sendo destruda pelas enormes presses daestrutura social a qual ainda [...] adiciona-lhe m conscincia devido a sua vontade deresistir a tudo (p. 143). O autor afirma que a fim de que se supere a resistncia, aenergia psicolgica precisa ser investida diretamente.

    Pois essa resistncia no desaparece completamente na rendio a forasexternas, mas mantm-se viva dentro do indivduo e continua sobrevivendoat mesmo no exato momento do consentimento (ADORNO, 1986, p. 143).

    Pode-se entender que o samba j surgiu a partir de uma resistncia do escravo

    pela explorao do senhor e da possibilidade de transformar a dor que permeava a suaprpria condio de escravo e de objeto de preconceito, e passou em sua histria, porinmeras tentativas de se resguardar nesta condio de msica da resistncia. Pode-secitar a criao da escola Quilombo fundada por Antnio Candeia Filho, como umatentativa de resistncia frente ao movimento do samba estandardizardo que estavaocorrendo, mas que acabou fechando logo aps a morte do fundador. Pode-se questionartambm que, enquanto os sambistas eram perseguidos por policiais e proibidos de seencontrar, o samba poderia ainda conter caractersticas de resistncia, at porque elequestionava a sociedade, a ordem estabelecida daquela poca, o que poderia dar vazoao pensamento. Quando a indstria cultural se apropria do samba e o nivela com asoutras artes, o samba passa a estar disponvel para todos os indivduos, entretanto se

    perde enquanto arte. Para modificar os detalhes, e trazer inovaes, surgiraminclusive outros gneros derivados do samba, tais como o samba-rock, pagode etc.Atualmente, pode-se observar tal fenmeno tambm em projetos sociais, como a

    Comunidade Samba da Vela, em que acaba sendo atrada por pessoas que procuram aresistncia, ou simplesmente se sintam num local onde ela possa existir, pois comoafirma Adorno (1986), a transferncia da resistncia aumenta muito naquelas esferasque parecem oferecer um escape s foras materiais de represso em nossa sociedade etambm que so encaradas como refgio da individualidade. Entretanto, como apontouo autor, mesmo com tal resistncia, as presses advindas da indstria cultural e daprpria estrutura social, bem como uma certa acomodao e atrao pela glamourizaodisponibilizadas por essa indstria, acabam diluindo tais resistncias, fazendo com que

    tal projeto, se torne em mais um produto da indstria cultural.Horkheimer e Adorno (1973), esclarecem que

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    [...] a indstria cultural consegue apresentar-se como esprito objetivo, namesma medida em que readquire, em cada vez maior grau, tendnciasantropolgicas em seus clientes. [...] A rigidez inexperiente do mecanismode pensamento que domina a sociedade de massa torna-se ainda maisinflexvel, se isso possvel, e a prpria ideologia impede que se desmascare

    o produto oferecido, em sua qualidade de objeto premeditado para fins decontrole social, em virtude de um certeiro pseudo-realismo que, sob oaspecto da exterioridade, proporciona uma imagem permanentemente exatae fiel da realidade emprica (p. 202).

    Um maior estudo sobre as possibilidades de resistncia e reflexo na indstriacultural importante na medida em que por meio desta reflexo, pode-se fornecersubsdios para a teoria e para o conhecimento, o que contribui na transformao social.Pensar um agir, teoria uma forma de prxis; somente a ideologia da pureza dopensamento mistifica este ponto. (ADORNO, 1995a, p. 204).

    Adorno (1995a) discorreu sobre a teoria e a prxis e afirma que estas questesto complexas foram discutidas h muito tempo em toda a histria, e muito poucotrouxeram respostas. Segundo ele, a relao da teoria e da prxis de descontinuidade,ambas no so totalmente independentes entre si, contudo a teoria pertence ao contextogeral da sociedade e autnoma. A prxis segundo o autor nasceu do trabalho, o queacabou trazendo um peso maior sobre a mesma. O ativismo dos nossos dias reprime ofato de que a nostalgia de liberdade acaba sendo aparentada com a averso prxis, poisesta foi o reflexo das penrias da vida. Neste sentido, de acordo com Adorno (1995a), aarte a crtica da prxis enquanto no-liberdade. Com relao ao samba, pode-secompreender a construo do personagem do malandro, intrinsecamente relacionada sua no disposio ao trabalho e mais ainda, era considerado aquele que conseguiaresistir e tirar proveito da vida de alguma forma.

    O autor ressalta que uma prxis oportuna seria a do esforo de sair da barbrie.Entretanto, acrescenta que as faces que dominam cada um dos lados nas discusses,j prepararam de antemo os resultados que procuram obter. Na pseudo-atividade,prxis provocada pelo estado das foras produtivas, tcnica que se impermeabilizacontra o conhecimento, a tendncia objetiva da sociedade liga-se involuo subjetiva.Parodisticamente, a histria universal produz outra vez tipos de homes de quenecessita (ADORNO, 1995a, p. 218). Contudo, de acordo com o autor, o pensar umaforma de agir e somente por meio dele que a resistncia pode ser efetiva.

    Neste sentido, o movimento do esclarecimento um movimento contraditrio edialtico da nossa sociedade, mas este movimento no s regressivo, ele tende a levar emacipao. A crtica industria cultural importante porque ela formadora de

    indivduos, mas neg-la a barbrie. De acordo com Crochk (1998) a possibilidade deum indivduo emancipado, autnomo, necessria decorrncia do projeto da cultura(p. 2). Buscar um entendimento ainda maior sobre esse cenrio se torna de granderelevncia uma vez que a pseudo-formao, como j dito, a interiorizao da pseudo-cultura e que a reflexo sobre tal formao nos permite a crtica, essencial para atransformao e para a desbarbarizao. De acordo com Adorno (1964) a nicapossibilidade de sobrevivncia que resta cultura a auto-reflexo crtica sobre apseudo-formao em que necessariamente se converteu.

    [...] mais importante do que o simples fato de enfatizar a atividade dosmeios de comunicao de massa ser a sua anlise crtico-ideolgica, tantomais que o reconhecimento tcito concedido a essa atividade da investigaodescritiva constitui tambm um elemento de ideologia. O estudo concreto docontedo ideolgico tanto mais urgente quando se pensa na inconcebvel

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    violncia que os seus veculos exercem sobre o esprito dos homens...(HORKHEIMER; ADORNO, 1973, p. 201).

    Referncias

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    FREUD, S. O mal-estar na civilizao. 1930. In: FREUD, S. Obras Completas. Rio de

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