1984-0292-fractal-27-1-0002

2
Editorial do v. 27, n. 1 (2015): Lev Vigotski e a teoria histórico- cultural no Brasil: alguns relatos de pesquisas Zoia Prestes, I, H Jader Janer Moreira Lopes II I Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ, Brasil II Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, MG, Brasil O veresk sobrevive no solo mais infértil e prepara este solo para as plantas mais exigentes. (VIGODSKAIA; LIFANOVA, 1996). A teoria histórico-cultural soviética, desenvolvida na década de 1920, por Lev Semionovitch Vigotski, Aleksandr Romanovitch Luria e Aleksei Nikolaievitch Leontiev surgiu na confluência de problemas que a jovem União Sovié- tica enfrentava à época. Naquele momento, estava em pauta não apenas a organização de uma nova sociedade justa e igualitária, mas, principalmente, a educação do novo homem que seria participante ativo da nova sociedade em construção. Apesar de ter sido desenvolvida há quase um século e ter sido pensada num contexto histórico específico, a abordagem, que assumiu a discussão a respeito da necessidade de uma nova psicologia e de uma nova escola, ainda hoje se apresenta atual. Prova disso é o número expressivo de pesquisas que ainda hoje são realizadas com base em seus postulados no Brasil e em outros países. Ao lançarmos o olhar sobre a história da divulgação no Ocidente das obras dos mais destacados representantes da teoria histórico-cultural, é possível observar que alguns nomes são bem conhecidos, mas outros permanecem como “ilustres desconhecidos” e, na maioria das vezes, são apenas citados por terem sido colaboradores ou alunos de Vi- gotski, Luria ou Leontiev. No entanto, mesmo as obras destes sofreram com as censuras e cortes impostos tanto em seu país de origem como no Ocidente. O linguista mundialmente conhecido Roman Ossipovitch Iakobson disse, em depoimento gravado durante o Congresso Internacional realizado em Tbilissi em 1979, ter sido a pessoa que levou os estudos de Vigotski para o Ocidente, numa época em que poucos se interessavam pelos estudos que estavam sendo realizados na URSS. Por sua vez, Stefan Tulmin afirma que a publicação das obras de Vigotski nos Estados Unidos na década de 1990 evidenciava que seus estudos, realizados nos anos de 1920 e 1930, eram muito atuais e guardavam relação com os trabalhos de pesquisadores norte-americanos do final do século XX (IAKOBSON apud LEVITIN, 1990). A partir de então, teve início o trabalho de traduções dos volumes das Obras Selecionadas de Vigotski publi- cados no início dos anos 1980 na URSS. E foi por meio das traduções norte-americanas que o mundo ocidental passou a conhecer a teoria histórico-cultural; com base nelas foram feitas traduções e publicações em diversos países, inclusive no Brasil e na Alemanha. Atual- mente, existem estudos que revelam a trajetória das traduções dos trabalhos de L. S. Vigotski no Brasil e que apontam para a necessidade de rever as traduções e a compreensão de conceitos basilares do seu pensamento (ver PRESTES, 2012). Ao mesmo tempo, na Rússia, estão sendo publicados livros que têm por base os textos originais de Vigotski e dos principais representantes de sua teoria, pois a grande maioria havia sofrido censura e cortes em diferentes épocas e por diversos motivos, sobretudo ideológicos. Em função do exposto, no mês de agosto de 2013, organizou-se um evento na Universidade Federal Fluminense, com o título de VERESK, que reuniu pesquisadores que desenvolvem estudos sobre a teoria histórico-cultural. O nome VERESK foi escolhido em homenagem à revista de arte editada por Vigotski em 1922. Seu principal ob- jetivo era agrupar os atores, artistas plásticos, músicos, poetas, escritores e chamar a atenção para as questões da arte. A revista intitulava-se VERESK e trazia como primeiras palavras a epígrafe que abre essa introdução, evidenciando a força e a potência de uma planta, que brota e floresce logo depois do inverno no interior do continente euroasiático. Pode-se fazer um paralelo com a teoria histórico-cultural que sobreviveu às intempéries em diferentes momentos de sua história e até hoje continua pautando pesquisas científicas no campo das Ciências Humanas no mundo todo. Para o Iº Veresk foram convidados professores do Brasil, da Rússia e da Alemanha com experiência em pesquisas acadêmicas que têm como base os trabalhos de Vigotski, Luria, Leontiev, Elkonin, Bojovitch, Zaporojets, Slavina, Levina, entre outros. O evento também foi uma oportunidade para aproximação da Universidade Federal Fluminense com universida- des brasileiras e estrangeiras (Universidade Federal do Rio de Janeiro, Universidade de Brasília, Universidade Federal de Mato Grosso, Centro Universitário de Brasília, Universidade de Siegen, da Universidade Russa de Humanidades e Universidade Estatal de Gomel), estreitar laços entre diversos grupos de estudos e pesquisas e ampliar o diálogo teórico e prático que possam contribuir na busca de achados pertinentes aos temas abordados, produzir material e referências para a área da educação e outros campos de conhecimentos. H Endereço para correspondência: Universidade Federal Fluminense, Faculdade de Educação. Campus Gragoatá – Bloco D. Gragoatá. CEP: 24210-201 – Niterói, RJ – Brasil. E-mail: [email protected], [email protected] Fractal: Revista de Psicologia, v. 27, n. 1, p. 2-3, jan.-abr. 2015. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1984-0292/1336

Transcript of 1984-0292-fractal-27-1-0002

  • Editorial do v. 27, n. 1 (2015): Lev Vigotski e a teoria histrico-cultural no Brasil: alguns relatos de pesquisas

    Zoia Prestes,I, H Jader Janer Moreira LopesIII Universidade Federal Fluminense, Niteri, RJ, Brasil

    II Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, MG, Brasil

    O veresk sobrevive no solo mais infrtil e prepara este solo para as plantas mais exigentes. (VIGODSKAIA; LIFANOVA, 1996).

    A teoria histrico-cultural sovitica, desenvolvida na dcada de 1920, por Lev Semionovitch Vigotski, Aleksandr Romanovitch Luria e Aleksei Nikolaievitch Leontiev surgiu na confluncia de problemas que a jovem Unio Sovi-tica enfrentava poca. Naquele momento, estava em pauta no apenas a organizao de uma nova sociedade justa e igualitria, mas, principalmente, a educao do novo homem que seria participante ativo da nova sociedade em construo. Apesar de ter sido desenvolvida h quase um sculo e ter sido pensada num contexto histrico especfico, a abordagem, que assumiu a discusso a respeito da necessidade de uma nova psicologia e de uma nova escola, ainda hoje se apresenta atual. Prova disso o nmero expressivo de pesquisas que ainda hoje so realizadas com base em seus postulados no Brasil e em outros pases.

    Ao lanarmos o olhar sobre a histria da divulgao no Ocidente das obras dos mais destacados representantes da teoria histrico-cultural, possvel observar que alguns nomes so bem conhecidos, mas outros permanecem como ilustres desconhecidos e, na maioria das vezes, so apenas citados por terem sido colaboradores ou alunos de Vi-gotski, Luria ou Leontiev. No entanto, mesmo as obras destes sofreram com as censuras e cortes impostos tanto em seu pas de origem como no Ocidente. O linguista mundialmente conhecido Roman Ossipovitch Iakobson disse, em depoimento gravado durante o Congresso Internacional realizado em Tbilissi em 1979, ter sido a pessoa que levou os estudos de Vigotski para o Ocidente, numa poca em que poucos se interessavam pelos estudos que estavam sendo realizados na URSS. Por sua vez, Stefan Tulmin afirma que a publicao das obras de Vigotski nos Estados Unidos na dcada de 1990 evidenciava que seus estudos, realizados nos anos de 1920 e 1930, eram muito atuais e guardavam relao com os trabalhos de pesquisadores norte-americanos do final do sculo XX (IAKOBSON apud LEVITIN, 1990). A partir de ento, teve incio o trabalho de tradues dos volumes das Obras Selecionadas de Vigotski publi-cados no incio dos anos 1980 na URSS.

    E foi por meio das tradues norte-americanas que o mundo ocidental passou a conhecer a teoria histrico-cultural; com base nelas foram feitas tradues e publicaes em diversos pases, inclusive no Brasil e na Alemanha. Atual-mente, existem estudos que revelam a trajetria das tradues dos trabalhos de L. S. Vigotski no Brasil e que apontam para a necessidade de rever as tradues e a compreenso de conceitos basilares do seu pensamento (ver PRESTES, 2012). Ao mesmo tempo, na Rssia, esto sendo publicados livros que tm por base os textos originais de Vigotski e dos principais representantes de sua teoria, pois a grande maioria havia sofrido censura e cortes em diferentes pocas e por diversos motivos, sobretudo ideolgicos.

    Em funo do exposto, no ms de agosto de 2013, organizou-se um evento na Universidade Federal Fluminense, com o ttulo de VERESK, que reuniu pesquisadores que desenvolvem estudos sobre a teoria histrico-cultural.

    O nome VERESK foi escolhido em homenagem revista de arte editada por Vigotski em 1922. Seu principal ob-jetivo era agrupar os atores, artistas plsticos, msicos, poetas, escritores e chamar a ateno para as questes da arte. A revista intitulava-se VERESK e trazia como primeiras palavras a epgrafe que abre essa introduo, evidenciando a fora e a potncia de uma planta, que brota e floresce logo depois do inverno no interior do continente euroasitico. Pode-se fazer um paralelo com a teoria histrico-cultural que sobreviveu s intempries em diferentes momentos de sua histria e at hoje continua pautando pesquisas cientficas no campo das Cincias Humanas no mundo todo.

    Para o I Veresk foram convidados professores do Brasil, da Rssia e da Alemanha com experincia em pesquisas acadmicas que tm como base os trabalhos de Vigotski, Luria, Leontiev, Elkonin, Bojovitch, Zaporojets, Slavina, Levina, entre outros.

    O evento tambm foi uma oportunidade para aproximao da Universidade Federal Fluminense com universida-des brasileiras e estrangeiras (Universidade Federal do Rio de Janeiro, Universidade de Braslia, Universidade Federal de Mato Grosso, Centro Universitrio de Braslia, Universidade de Siegen, da Universidade Russa de Humanidades e Universidade Estatal de Gomel), estreitar laos entre diversos grupos de estudos e pesquisas e ampliar o dilogo terico e prtico que possam contribuir na busca de achados pertinentes aos temas abordados, produzir material e referncias para a rea da educao e outros campos de conhecimentos.

    H Endereo para correspondncia: Universidade Federal Fluminense, Faculdade de Educao. Campus Gragoat Bloco D. Gragoat. CEP: 24210-201 Niteri, RJ Brasil. E-mail: [email protected], [email protected]

    Fractal: Revista de Psicologia, v. 27, n. 1, p. 2-3, jan.-abr. 2015. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1984-0292/1336

  • Para o desenvolvimento das atividades foram convidados Guenadi Kravtsov, Elena Kravtsova, Oleg Kravtsov, professores e pesquisadores da Universidade Russa de Humanidades/Rssia; Serguei Jerebtsov, professor da Univer-sidade Estatal de Gomel/Beolorssia; Bernard Fichtner, professor da Universidade de Siegen/Alemanha, Elizabeth Tunes, professora do Centro Universitrio de Braslia e Universidade de Braslia/Brasil.

    Por se tratar da primeira verso, a comisso organizadora teve por opo no abrir para o pblico em geral a apresentao de trabalhos, mas procedeu-se o convite a diversos grupos de pesquisas para relatarem e debaterem suas atividades com os participantes.

    Este nmero especial da Fractal: Revista de Psicologia agrupa os textos encaminhados para o evento e que ser-viram de base para ampliar as reflexes e os debates com todos que participaram do encontro. A publicao deste material faz um recorte de algumas temticas que esto sendo trabalhadas no interior desses grupos, e a sua chegada aos diversos leitores do Brasil e claro, de outros pases, permite enveredar por suas pesquisas, evidenciando o quanto os postulados e ideias desses tericos se firmaram no espao e no tempo.

    Ns, organizadores desse evento e deste nmero especial, agradecemos publicamente revista Fractal e ao corpo editorial a publicao deste exemplar, que em muito pretende contribuir com aquilo que Guita Vigodskaia tanto de-fendeu e acreditou: a segunda vida de um autor que comea aps sua morte, como expresso em suas prprias palavras:

    Aps a morte de uma pessoa, comea sua segunda vida.Ela vive nos coraes de quem a amava e nos trabalhos que realizou em vida.

    A vida de um cientista continua nos trabalhos que criou e nos seus alunos.Guita Vigodskaia

    RefernciasLEVITIN, K. I. Litchnostiu nie rojdaiutsia. Moskva: Nauka, 1990.

    PRESTES, Z. R. Quando no quase a mesma coisa: tradues de Lev Semionovitch Vigotski no Brasil. Campinas: Autores Associados, 2012.

    VIGODSKAIA, G. L.; LIFANOVA, T. M. Lev Semionovitch Vigotski: jizn, deiatelnost, chtrirri k portretu. Moscou: Smisl i Smisl, 1996.

    Fractal, Rev. Psicol., v. 27 n. 1, p. 2-3, 2015 3