2002_NP2VILLALTA - Revista Veja

INTERCOM Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicao

XXV Congresso Brasileiro de Cincias da Comunicao Salvador/BA 1 a 5 Set 2002

1 Trabalho apresentado no NP02 Ncleo de Pesquisa Jornalismo, XXV Congresso Anual em Cincia da Comunicao, Salvador/BA, 04 e 05. setembro.2002.

Daniella Villalta (UnP Universidade Potiguar)

O surgimento da revista Veja no contexto da

modernizao brasileira1 Resumo: O presente trabalho resultado da dissertao de mestrado apresentada

Universidade Metodista de So Paulo no ano de 1999, produzida sob a perspectiva da

histria das indstrias de mdia do pas. Busca recuperar a histria do surgimento da

revista Veja, da Editora Abril, a partir do contexto da consolidao do mercado de bens

simblicos, ocorrido a partir dos anos 60. A publicao da Editora Abril tomada aqui

como autntico produto cultural dessa equao. O estudo aponta tambm a formao do

conglomerado de mdia no segmento de revistas que caracteriza a Editora Abril,

empresa que se fortalece a partir da reorientao da poltica econmica associada ao

capital estrangeiro. O recorte temporal da pesquisa situa-se entre 1968, ano de seu

lanamento e 1976, momento de reorientao poltico-editorial na produo da revista.

Palavras-chave: revista Veja, conglomerados de mdia, mercado de bens simblicos.

A Editora Abril: um conglomerado de mdia no segmento de revistas

Na dcada de 1950, o Brasil contava com pouco mais de 50 milhes de

habitantes, dos quais aproximadamente 9 milhes concentravam-se no estado de So

Paulo. Neste perodo, o nmero de analfabetos brasileiros girava em torno de 70% da

populao. neste momento do processo histrico brasileiro que se inicia o processo de

consolidao da Editora Abril de propriedade do talo-americano Victor Civita. E, com

isso, uma sugesto de que ali se firmara um fato concreto sobre as modernas aes

culturais que se instalariam no pas, transformando-o em um lugar exemplar para se

empreender negcios na rea da cultura, com incentivos e apoio por parte do governo e

um mercado que, apesar de pequeno, estava vido por consumir os resultados de uma

empreitada pela modernizao nacional.

Os objetivos de Victor Civita no estavam restritos formao do maior imprio grfico da Amrica Latina, iam alm




disso, pois para sustentar esse investimento era preciso ampliar o mercado leitor brasileiro. Essa empreitada inclua trabalhar duro para exercer um papel renovador, no somente no panorama editorial, mas tambm e, sobretudo, na formao de novas atitudes, influenciando hbitos da nao, aguando curiosidade, avivando seus interesses, aprofundando sua cultura e lhe dando verdadeira dimenso do seu papel no mundo1. Nas palavras de Victor Civita: Eu tinha convico absoluta de que tudo iria dar certo. O Brasil era um pas muito grande que no estava lendo. Havia um universo a ser explorado. O que eu precisava era de idias. Pelo menos duas boas idias por dia. E sempre viria a t-las...2.

O incio da Editora Abril no Brasil tem razes na tradio grfica que a famlia Civita possua e que j tinha sido experimentada em mercados latino-americanos, como na Argentina, onde o irmo de Victor, Cesare Civita, j executava tal empreendimento. O capital para o impulso inicial US$ 500.000,00 lhe pertencia apenas em parte e, alm disso, s havia seu estgio na Argentina e a experincia que tivera no setor de publicidade, ainda nos Estados Unidos, e o contrato para editar Walt Disney no Brasil, cedido por seu irmo Cesare3.

Em 1950, Victor Civita lana sua primeira publicao: o Pato Donald, com uma tiragem de 82.000 exemplares, impressos nas oficinas Lanzara e Grfica dos Tribunais.

O mercado de revistas: ttulos e nmeros da Editora Abril Os nmeros da Editora Abril vo de 7 ttulos entre 1950 e 1959; subindo para 27

no perodo de 1960 a 1969 e alcanando 121 ttulos entre 1970 e 19794. A dcada de 50

na Abril sustentada pelas fotonovelas (Capricho, Voc, Iluso, Noturno), alm disso o

pato tambm ajuda a pagar a conta, o Pato Donald, com quem a famlia Civita inicia

seus negcios editoriais no Brasil, comprando os direitos de publicao5. A

diversificao dos ttulos infantis da Editora Abril vem na dcada de 70, com o

1 Glauco Carneiro. Fazendo a Cabea do Pas. Introduo Histria das Editoras Abril e Nova Cultural e do seu Papel na Difuso de Inovaes dentro da Sociedade Brasileira. Dedoc, So Paulo, 1986. p. 14. n/publicado. (grifos meus.) 2 Glauco Carneiro, op. cit., p. 14. (grifos meus.) 3 Idem, p. 18. 4 Epopia Editorial: uma histria de informao e cultura. So Paulo: Abril, 1987. Apud Renato Ortiz. A Moderna Tradio Brasileira. Cultura Brasileira e Indstria Cultural. So Paulo: Brasiliense, 1988. p.123. 5 Veja, 23/5/1980.




surgimento das revistas Cebolinha, Luluzinha, Piu-Piu, Enciclopdia Disney, entre

outras.

Com Juscelino Kubitschek (1956-61) e a expanso das rodovias brasileiras, a

Editora Abril lana, em agosto de 1960, uma revista para o pblico masculino: a

automotiva Quatro Rodas, que vem tambm para divulgar a implantao das indstrias

de automveis no pas. De inspirao italiana, tem sua frente um expert em revistas, o

tambm italiano Mino Carta.

Outra publicao da Editora Abril, surgida ainda na dcada de 1960, foi a revista

Realidade. Um projeto sob a direo de Roberto Civita, cuja inteno era a de fazer

uma revista semanal de grandes reportagens, que debate com franqueza problemas de

famlia, sexo, poltica e sacode preconceitos e tabus6. Realidade reunia cerca de 30

pessoas, com mdia de idade abaixo dos 30 anos, o que garantia revista um tom

entusistico. Foi uma revista de abrir assuntos e de levantar idias e fatos antes tidos

como tabu ou cercado de preconceitos. Mas foi, sobretudo, uma revista que cuidava do

texto, fazendo cada reportagem uma pea acabada, quase de nvel literrio.7

Segundo a jornalista Micheline Gaggio Grank, a primeira jornalista da Editora

Abril, Realidade teve duas mortes: a primeira em 1968, quando em funo j do clima

que levaria ao AI-5 e de sua repercusso interna na Abril, a equipe original entrou em

choque com a empresa e debandou. A empresa, por sua vez, j tinha uma nova proposta

editorial, que era Veja. E morreu, a segunda vez, em 1978, quando a Editora tirou a

revista de circulao, aps vrias tentativas infrutferas de reforma8.

A estrutura grfica da Editora Abril j estava preparada para trabalhar

semanalmente com grandes tiragens, afinal havia a experincia com os altos nmeros da

circulao dos fascculos, com as grandes tiragens de Realidade e a solidez empresarial

do grupo que era fundamentalmente favorecida pelo esquema de distribuio feito por

uma de suas empresas: a Dinap S.A. Distribuidora Nacional de Publicaes. Alm

disso, o faturamento da Editora chegara aos US$ 28 milhes. Conforme diz Roberto

6 Veja, 23/05/1980. 7Jos Hamilton Ribeiro. Jornalistas: 1937 a 1997. Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de So Paulo, 1998. 8 Depoimento de Micheline Gaggio Grank, Idem, pp. 108-109.




Civita: Era um bom momento. O momento da criatividade, de grande expanso da

empresa. A Abril estava a toda... E o que foi o gatilho? Realidade. Quando Realidade

iluminou o cu, embora transitoriamente, naquele ano de glria eu tive a maluquice de

dizer: vamos, chegou a hora9.

A experincia com a publicao de Realidade gerou um acervo de informaes

vital para a produo de notcias. O departamento de documentao da casa, Dedoc,

renovou os arquivos editoriais das redaes e sistematizou as informaes disponveis.

Alberto Dines diz dessa sistematizao de informaes que, em princpio era utilizado

apenas pelos jornais dirios como no caso do Jornal do Brasil, cuja finalidade (...) no

era apenas armazenar informaes e p-las a servio da reportagem, copy e editoriais.

Esta verso do Research Departament era adotada ento nos grandes jornais

americanos10.

A organizao de um material extensivo servia de apoio para melhor

circunstanciar o noticirio, alm disso a TV obrigou o jornal dirio a tornar-se seletivo,

a escolher melhor os assuntos sobre os quais iria concentrar-se11. Para o lanamento de

uma publicao com periodicidade semanal e carter informativo era imprescindvel

que fosse organizado todo o material armazenado pela editora, para facilitar a seleo

dos mais importantes e teis aos seus objetivos jornalsticos12. Alm da sistematizao

de informaes, a Editora Abril j havia mobilizado recursos tcnicos garantidos e

bastante slidos e mo-de-obra competente para a realizao da empreitada, isto ,

operrios orientados pela diviso capitalista do trabalho e intelectuais formados pelas

profisses tecnocratas em alta. Disso era que precisavam os Civita para lanar seu

semanrio de informaes: o filho convence o pai e Veja lanada nos moldes da Time

americana e no da Oggi italiana. Afinal, os semanrios ilustrados j estavam perdendo

terreno junto ao pblico que via suas expectativas iniciais de informao sendo supridas

pelo telejornalismo, que ganhava espao e se consolidava no Brasil.

Projeto Falco os zeros da revista Veja 9 Ulysses Alves de Souza. A histria secreta de Veja. Revista Imprensa, setembro de 1988. 10 Alberto Dines. 100 anos que fizeram histria. Grandes momentos do jornalismo brasileiro nos ltimos 80 anos. Campinas/So Paulo: Labjor/Observatrio da Imprensa/LF&N, 1997. 11 Idem, ibidem. 12 Idem, ibidem.




O Projeto Falco, nome dado ao processo de fomento da revista, incluiu a

realizao de 14 nmeros zero13, ou seja, pilotos da publicao que serviram de teste ao

modelo almejado. Foi iniciado em 1959, com a consolidao da Editora Abril como um

complexo grfico moderno e potente, o que aconteceu em sintonia com o fortalecimento

do setor industrial brasileiro, e trazendo uma orientao diferente do produto final que

chegou s bancas quase nove anos mais tarde.

A idia inicial para uma nova publicao da Abril vem de navio junto com

Roberto Civita, filho do fundador do Grupo Abril no Brasil, Victor Civita, que retornava

ao pas aps anos de estudo e trabalho nos Estados Unidos. Seu entusiasmo inicial por

fazer uma revista semanal ilustrada demorou a contagiar o pai. Ainda no fim da dcada

de 1950, Victor Civita, j convencido de que o projeto valeria a mobilizao de esforos

humanos e capitais, viaja a Roma para propor a Mino Carta que este retorne ao Brasil

para dirigir, em um primeiro momento, a revista automobilstica Quatro Rodas e, mais

tarde, uma revista chamada Veja, um semanrio ilustrado semelhante Look

americana, ou Life, ou Oggi italiana14.

O Projeto Falco foi preparado por Raymond Cohen que previu um

investimento financeiro para 150.000 exemplares semanais com o desembolso de

capital estimado em aproximadamente NCr$ 2.895.000,00. A esse emprego de capital

foram somados investimentos em mveis, utenslios e instalaes, custo complementar

de campanha de lanamento, estoque complementar de papel para cobrir aumento de 10

para 18 edies iniciais e tiragem de 180 para 500 mil (ns 1 e 2) e 350 mil (3 a 18),

alm de custos aleatrios calculados apenas na fase operacional do projeto. O total do

investimento financeiro alcanou a casa dos NCr$ 5.054.000,0015.

Quanto escolha do modelo orientador da receita editorial da revista, Mino

Carta diz que o projeto inicial cogitado para a nova publicao pretendia ser uma

revista capaz de concorrer com Manchete, portanto pretendia ser uma revista semanal

13 A excluso de um nmero, que no chegou s provas de fotolito e ignorado na histria da revista, deve-se superstio de Mino Carta que credita ao nmero 13 um sinal de sorte pessoal. 14 Nara Damante. Veja volta-se para o futuro para comemorar seus 25 anos. Revista Meio & Mensagem, 06/09/1993. 15 Projeto Falco: clculos suplementares. Arquivos do Dedoc, pesquisado em maio de 1999.

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ilustrada16. O prprio ttulo j pressupunha uma revista ligada s imagens. Carta aponta

que uma explicao para o fracasso inicial justamente o fato de que a campanha

publicitria preparou o pblico para uma revista do tipo Manchete, do gnero revista

ilustrada, no padro Life.

No entanto, no final da dcada de 1960, o modelo de jornalismo proposto pelas

revistas semanais ilustradas estava em franca decadncia. As revistas O Cruzeiro e

Manchete, por exemplo, comearam a usar a cor com regularidade a partir de 1957,

como uma maneira preventiva ao das imagens mveis da TV, a essa poca ainda em

preto-e-branco. A estratgia colorida, adotada pelas semanais ilustradas no fim dos anos

1950, levou seus nmeros de circulao a uma elevao substancial e superou os

padres tcnicos internacionais, mas isso no garantiu sua viabilidade. A densidade

informativa dos jornais dirios (...) e a velocidade da TV foram exercendo uma

tremenda presso sobre o jornalismo ilustrado semanal, que depois da fase de ouro

entrou em crise.17

Alberto Dines explica ainda que o fechamento das trs principais revistas

americanas (Colliers, Look e Life) e o declnio de Paris-Match so os fatos mais

expressivos do panorama. Em todo o mundo, o mercado das ilustradas foi grandemente

atingido. No Brasil, depois do florescimento dos anos 1960, o gnero inclinou-se

sensivelmente para baixo. Exceo deve ser feita s interpretativas e s publicaes

especializadas, que, ao contrrio, tiveram aumento substancial de tiragens como de

novos ttulos18.

A experincia positiva com Realidade, lanada pela Abril em 1966 e caracterizada pelas autnticas reportagens que publicou e a segurana de um parque grfico competente, incentivou Roberto Civita a apostar no projeto de Veja. Em suas palavras: Para os arquivos da nova revista Veja tambm como Realidade saiu de uma reflexo minha, feita em maio de 59 (!), logo depois de minha chegada. E foi comprada no dia 6/7/59 por algo como 20 contos!! Se ela tiver a mesma sorte de Real.[idade], ser timo19.

16 Entrevista concedida autora em So Paulo, na redao de sua revista Carta Capital no dia 11/12/1998. 17 Alberto Dines, op. cit., p. 73. 18 Idem, pp. 79-80. 19 Arquivos do Dedoc - Departamento de Documentao da Editora Abril pesquisado em maio de 1998.

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O modelo trazido diretamente dos Estados Unidos decepcionou os anunciantes

em sua verso brasileira pelas sucessivas quedas em suas tiragens. At mesmo a classe

jornalstica murchou ao ver o produto final propagado pela parafernlia publicitria. Em

uma nota da Tribuna da Imprensa tem-se um exemplo da reao da classe ao

surgimento da revista: o Time em edio provinciana, vestido modestamente, em

roupa caseira, mas na verdade com uma tremenda pretenso. So 68 pginas que

chegam a comprometer o jornalismo nacional, que afinal de contas no to

subdesenvolvido como a pssima qualidade da revista quer fazer crer. impressionante

como se pode pegar um original excelente (o TIME tem uma linha e uma orientao

que condenamos, mas do ponto de vista jornalstico admirvel) e copi-lo jogando

fora todas as suas qualidades. Veja a negao do jornalismo, no tem nada que se

salve, por maior que seja a boa vontade do leitor20. A reao do pblico tambm no

foi favorvel ao produto: em 1968, o pblico consumidor de revistas estava acostumado

com dois tipos de publicaes: as semanais ilustradas, representadas por Manchete e o

modelo de revista de economia e poltica da internacional Viso. Veja vinha com uma

proposta diferente para os padres brasileiros, abria um verdadeiro leque, passava a se

interessar por tudo21.

Lanada em 11 de setembro de 1968, o primeiro nmero da publicao tinha por

ttulo Veja e leia. Esta expresso complementar ao nome vinha acima do ttulo, em

letras bastante pequenas como forma encontrada pela editora para contornar o registro

internacional da revista americana Look22, tendo sido suprimida no n 216 de 1975,

quando Look deixou de circular. Porm, a expresso complementar ao nome deve-se

tambm ao fato de j haver no Brasil, desde 1955, o registro da marca Veja em nome de

Rubens P. Mattar, distinguindo: jornais, revistas, livros, almanaques, lbuns, folhetos e

tudo o mais apontado na classe 32, Dirio Oficial de 06/01/195523. Sua primeira capa

trazia, sobre um fundo vermelho, os smbolos do comunismo, a foice e o martelo, e a

chamada O Grande Duelo no Mundo Comunista, abordando o tema sob a perspectiva

20 Veja. Tribuna da Imprensa, 11/11/1968. 21 Mino Carta in: Carlos Eduardo Lins da Silva, op. cit., p. 28. 22 A histria secreta de Veja. Revista Imprensa, setembro de 1988, p. 85. 23 Documento interno dirigido a Luis Carta e intitulado Resultado de busca solicitada de 25/6/59. Dedoc.

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da invaso da Tchecoslovquia pelo Pacto de Varsvia, que aconteceu em agosto do

mesmo ano, em uma matria que trazia o ttulo Rebelio na Galxia Vermelha. Com

relao a essa capa, Victor Civita expressou insatisfao dizendo em uma entrevista

comemorativa aos 20 anos da revista que no gostou, porque poderia parecer que

estvamos fazendo propaganda dos comunistas24.

A consolidao da revista junto ao mercado consumidor levou alguns anos para

acontecer e talvez no poderia ter sobrevivido se no tivesse por trs, a sustent-la, um

grupo econmico poderoso, como a Abril25. Com caractersticas prprias, embora

baseadas nos j consagrados semanrios norte-americanos Time e Newsweek, e diferente

de outras publicaes bem-sucedidas da casa, como Claudia e Realidade, a revista

semanal de informao Veja, era orientada para a integrao de um pas continental

atravs da notcia, surgia trs meses antes do Estado militar editar o Ato Institucional no

5, caracterizado como a mais autoritria lei de exceo dos militares que entre outras

arbitrariedades, ressuscitava a censura prvia imprensa, modificando profundamente a

noo de liberdade de expresso, to essencial a uma autntica e crtica prtica

comunicacional. O reflexo disso em Veja aparece logo em sua dcima quinta edio, de

18 de dezembro de 1968, que trouxe na matria de capa uma foto do presidente da

Repblica, Marechal Arthur Costa e Silva, sozinho no Congresso, sem nenhuma

chamada ou legenda, tendo sido apreendida logo que chegou s bancas.

Na opinio de Mino Carta, a dificuldade para se implementar esse modelo de

jornalismo esbarrava em dois problemas que possuam graus de importncia diferentes:

o primeiro,mais ameno e fcil de contornar, era o fato de que o possvel pblico leitor

da nova revista no estava acostumado com uma revista de pequeno formato, fotos

pequenas, muito texto que, alm de informativo, propunha uma perspectiva dos

acontecimentos da vida nacional; afinal era interpretativo. O segundo, mais incisivo,

dizia respeito ao fato de o mundo inteiro estar vivendo um momento de inquietaes e

24 Os 20 anos de Veja. OESP. 10/9/88. 25 Carlos Eduardo Lins da Silva. O adiantado da hora. So Paulo: Summus Editorial, 1991.

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aqui havia, alm do mais, um regime ditatorial e absolutamente censrio, que ao menor

sinal de rebeldia de uma publicao no hesitaria em demonstrar sua fora26.

A publicao da Abril conhece logo no incio de sua circulao o xito dos

quase 700 mil exemplares vendidos de seu primeiro nmero, e anos subseqentes de

fracasso (de 1968 a 1972), que culminaram quando sua circulao despencou

continuamente at que as vendas caram abaixo de 40 mil exemplares27, embora haja

outras fontes que registrem a queda em at 19 mil exemplares.

Em um documento interno e confidencial, datado de 12/12/68, Raymond

Cohen e Domingo Alzugaray propem algumas alteraes e cortes que chama de

paliativos, como por exemplo ter uma estimativa mais realista de circulao, aumento

do preo da capa para NCr$ 2,00 a partir de setembro, compensar os anunciantes no ano

de 1969, reduo de custos com transporte, salrios da redao e encargos sociais, papel

e contatos comerciais, dentre outros. Na concluso do comunicado endereado a

Roberto Civita, Cohen expressa um certo desespero com relao aos caminhos tomados

pela publicao: Tudo isto, evidentemente, no passa de paliativos. A revista, como

atualmente est elaborada, carrega um prejuzo potencial e permanente de um milho de

dlares anuais. Nada indica possibilidade de recuperao a mdio prazo (1 ano), nem o

atual decrscimo da circulao permite prever a faixa de estabilizao. Dentro de 3

semanas (at o fim do ms), a revista possivelmente estar vendendo 60.000 ex/ed.!

Isto para mim significa que a sua prpria existncia estar em jogo. O problema no

ser como mant-la (ou custear seu prejuzo) e sim quando fech-la ou mud-la

radicalmente.

Como estratgia de recuperao da fora da revista, em maio de 1969, por uma

sugesto tripartite creditada a Mino Carta, a publicao comea a superar o rombo

financeiro que se havia formado. A primeira delas dizia respeito criao de um encarte

de fascculos semanais sobre a histria da conquista da Lua, que terminariam na semana

em que a Apolo 11 chegasse ao satlite; a outra seria uma entrevista semanal de

26 Entrevista concedida autora. 27 Veja: Retrospectiva de de sculo. In: Veja, edio 1311, encarte especial, p. 6.

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abertura da revista e, ainda, um caderno de investimentos, que a encerraria em cada

edio.

Essas medidas ajudaram a publicao a se recuperar: A Conquista da Lua em

fascculos recobrou o interesse dos leitores, as entrevistas consagraram as pginas

amarelas e o caderno de economia, j publicado anteriormente em outras revistas

tcnicas, foi to bem-sucedido que se transformou em uma publicao independente em

1970, a revista Exame28. Apenas a partir de 1973 a revista comea a se pagar e a cobrir

os prejuzos causados editora. Os valores das perdas nos dois primeiros anos da

publicao so estimados em US$ 6 milhes quase o valor total previsto para ser

gasto29. A implantao, em 1972, de uma operao de assinaturas, que ao final de quatro

anos alcanou os primeiros 100 mil assinantes, assegurou ao menos um nmero

significativo para uma publicao que pretendia alcanar a totalidade do territrio

nacional.

O fato que melhor explica o pleno sucesso de vendas do primeiro nmero a

mobilizao proposta por uma imensa e substantiva campanha publicitria. Criada pela

agncia Standard sob o comando dos publicitrios Roberto Duailib, Neil Ferreira e

Anibal Gustavini, a campanha incluiu a veiculao de um programa de 12 minutos

especialmente produzido pela Rede Record de Televiso e transmitido em rede

nacional, no horrio nobre das 22 horas do domingo que antecedeu seu lanamento,

onde se apresentava ao futuro pblico leitor as imagens da produo da revista. Alm

disso, na mesma noite de domingo aconteceu um jantar para 600 pessoas na boate

paulistana O Beco e nas salas de cinema de todo o pas, antes da exibio dos filmes em

cartaz, foi veiculado um documentrio de Jean Manzon sobre o lanamento da revista,

feito nos meses anteriores, durante o preparo dos pilotos30. A campanha baseava-se nas

rpidas transformaes mundiais, na agitao poltica, nas novas descobertas da cincia

e na necessidade que tm os homens e mulheres de saber, de modo claro, o sentido de

tudo isso. As peas publicitrias impressas eram veiculadas em outras publicaes da

28 Carlos Eduardo Lins da Silva, op. cit., p. 29. 29 O que h por trs da maior revista semanal do pas. Folha de S. Paulo, 02/12/1987. 30 Ulysses Alves de Souza. A histria secreta de Veja. Revista Imprensa, setembro de 1988. p. 88.

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casa, como Claudia e Realidade. Alm disso, as bancas de jornal expunham pequenos

cartazes anunciando o lanamento.

A nova publicao da Abril chegou s bancas ao preo de NCr$ 1,00 e trazia

como um presente de lanamento o mapa do Brasil, talvez como um reforo ao fato de

que o pas no podia mais viver isolado em seus regionalismos. Nas palavras de Mino

Carta, a campanha realizada era capaz de vender at 700 mil rolos de papel

higinico31 .

Atravs da publicidade, lanou-se uma expectativa gerada pela necessidade de

consumir um novo produto apto a trazer para os leitores potenciais informaes sobre os

fatos ocorridos no Brasil e tambm fora dele. O investimento publicitrio no novo

veculo garantiu as 63 pginas de anncios vendidas de antemo para sarem j na

primeira edio, tendo deixado um resduo de 31 anunciantes que deveriam estar no

nmero 2 e dos quais 20 desistem, e a partir do nmero 4, resta apenas um anunciante

fixo da revista, a Souza Cruz, que tendo comprado no escuro 52 capas manteve o

contrato32. Os nmeros seguintes j no contaram com a mesma sorte, o investimento

publicitrio diminuiu, no ultrapassando as dez pginas33. A drenagem de dinheiro de

outras publicaes, principalmente o Pato Donald, capacitou a revista a manter-se em

circulao at que se descobrisse meios e estratgias para corrigir o problema.

Para garantir que a revista chegasse aos seus potenciais leitores, havia um bem

estruturado e fundamental esquema de distribuio montado para que no houvesse um

s rinco do pas que fosse privado de receber o novo modelo de informao

jornalstica34. A propsito disso, lio Gaspari atribui o fracasso inicial de Veja a um

erro de marketing ou empresarial. O fato de no haver o projeto de assinantes que

comprometeu a circulao nos primeiros anos, o que pode ser considerado

concretamente. No entanto, a publicao foi se aperfeioando, ganhando fora e

garantindo espao permanente nas bancas de jornais e na preferncia da classe mdia

brasileira, que a elegeu como o arauto da intelectualidade no pas. Era a possibilidade de

31 Entrevista concedida autora. 32 Ulysses Alves de Souza. Idem, . p. 90. 33 Carlos Eduardo Lins da Silva, op. cit., p. 29. 34 Veja volta-se para o futuro para comemorar os seus 25 anos. Meio & Mensagem, 06/9/1993.

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adquirir semanalmente uma parcela de modernidade, impressa em mquinas

estrangeiras, conforme modelos estrangeiros e com uma nova perspectiva de observao

dos fatos: a interpretao, ainda uma novidade para o jornalismo brasileiro. O

jornalismo interpretativo, ou analtico, relaciona-se com o investigativo onde, ao

inquirir sobre as causas e origens dos fatos, busca tambm a ligao entre eles e oferece

a explicao da sua ocorrncia35.

A revista Veja, amparada em pelas concepes tcnicas, mercadolgicas e

conceituais dos modernos modelos de revistas de informao Time e Nesweek e,

internamente, por um quadro de profissionais intelectuais capacitados e um know how

tecnicamente eficaz, captou rapidamente que, para angariar uma parcela maior de

receptores dentro dos setores mdios da sociedade brasileira, era preciso estar a par das

novidades tecnolgicas do perodo ureo da modernizao, que no Brasil estava sendo

importado pelas empresas de comunicao, ou nos modelos de jornalismo norte-

americanos ou na tecnologia que consolidou a TV. Isto , era preciso responder s

aspiraes de seu pblico a partir de algum modelo de representao.

A publicao da Editora Abril situou-se no contexto da organizao capitalista

da cultura, como um produto cultural em sintonia com o projeto de modernizao do

Brasil atravs da implantao definitiva do capitalismo. Ao menos era isso que dizia a

Carta do editor publicada no primeiro nmero da revista e assinada por Victor Civita:

o Brasil no pode mais ser o velho arquiplago separado pela distncia, o espao

geogrfico, a ignorncia, os preconceitos e os regionalismos: precisa ter informao

rpida e objetiva a fim de escolher rumos novos. Precisa saber o que est acontecendo

nas fronteiras da cincia, da tecnologia e da arte no mundo inteiro. Precisa

acompanhar o extraordinrio desenvolvimento dos negcios, da educao, do esporte,

da religio. Precisa, enfim, estar bem informado. E este o objetivo de Veja36

A revista j vinha sendo modificada sutilmente em sua estrutura desde 1972.

Para que se recuperasse do infindvel rombo que provocava no oramento da Editora

Abril, sua receita editorial contou com o acrscimo de grficos, imagens fotogrficas e

35 Alberto Dines, op. cit., p. 92. 36 Victor Civita. Carta do Editor. Veja, n. 1, setembro de 1968. (grifos meus.)

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ilustraes para que pudesse atender demanda externa ao seu campo de produo, isto

, seus leitores. Afinal, estando num mercado editorial j bastante estruturado, tinha que

atender aos desgnios de seus consumidores para que sua existncia pudesse fazer

sentido. A partir de 1976, Veja estabiliza-se definitivamente e passa a operar um

nmero mdio de 170 mil exemplares/semana. Dois anos mais tarde passa por uma

reforma grfica, introduzindo macia e definitivamente o uso da cor em todas as suas

imagens; sua circulao mantm uma mdia de 250 mil exemplares/semana, dos quais

200 mil fazem parte do mailing de assinantes. Em 1979, lio Gaspari passa a trabalhar

em sintonia com Guzzo e atribui-se dupla o novo estilo de talento que se

potencializou. Gaspari foi responsvel pela redao dos principais textos desta fase: o

Caso Baungartem, a doena, agonia e morte de Tancredo Neves, dentre outros. Nesse

perodo Jos Roberto Guzzo trabalha diretamente na seo de Economia e Negcios. No

comeo da dcada de 80, a revista Veja alcana 400 mil exemplares/semana, com 340

mil assinantes. O parque grfico da Editora Abril torna a ser modernizado com a

aquisio de novas mquinas e com um reajuste na distribuio de suas publicaes.

Veja atualmente j faz parte do hbito de leitura da classe mdia brasileira. O

que segundo Bernardo Kucinski, acontece porque as revistas semanais ilustradas

preenchem no Brasil uma necessidade importante de leitura, devido sua longevidade e

alcance nacional, especialmente entre as classes mdias, que no compram jornais

dirios. Ao contrrio dos jornais, possuem um universo grande e prprio de leitores,

distinto do universo dos protagonistas das notcias, e mantm com esse pblico um forte

lao de lealdade. Nas funes de determinao da agenda e produo de consenso atuam

como usinas de uma ideologia atribuda s classes mdias, inclusive no reforo de seus

preconceitos. A lealdade s classes mdias fez dessas revistas as condutoras da

campanha contra o presidente Collor de Mello, que confiscara suas poupanas37.

Dados da revista Imprensa38 apontam que Veja tem uma circulao mdia

semanal de 980 mil exemplares/assinantes, e 176 mil exemplares/banca, lidos

semanalmente por um total de 4,5 milhes de pessoas. Seu investimento publicitrio no

37 Bernardo Kucinski. Sndrome da Antena Parablica. A tica no jornalismo brasileiro. So Paulo: Fundao Perseu Abramo, 1999. 38 Revista Imprensa, janeiro de 1999. pp. 34-36.




perodo de janeiro/outubro de 1998 foi de US$ 165 mil e um volume de publicidade de

85 pginas editoriais. Ao que parece, os setores mdios brasileiros acreditam que a

publicao da Editora Abril indispensvel, talvez por confiarem no slogan que diz ser

a revista os olhos do Brasil.

Referncias Bibliogrficas:

Livros:

DINES, Alberto. 100 anos que fizeram histria. Grandes momentos do jornalismo brasileiro nos ltimos 80 anos. Campinas/So Paulo: Labjor/Observatrio da Imprensa/LF&N, 1997.

KUCINSK, Bernardo. Sndrome da antena parablica. A tica no jornalismo brasileiro. So Paulo: Fundao Perseu Abramo, 1999.

ORTIZ, Renato. A moderna tradio brasileira. Cultura brasileira e indstria cultural. So Paulo: Brasiliense, 1988.

RIBEIRO, Jos Hamilton. Jornalistas: 1937 a 1997. Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de So Paulo, 1998.

SILVA, Carlos Eduardo Lins da. O adiantado da hora. So Paulo: Summus Editorial, 1991. Documentos de arquivos: CARNEIRO, Glauco. Fazendo a Cabea do Pas. Introduo Histria das Editoras Abril e Nova Cultural e do seu Papel na Difuso de Inovaes dentro da Sociedade Brasileira. Dedoc, So Paulo, 1986. p. 14. n/publicado. Projeto Falco: clculos suplementares. Arquivos do Dedoc, pesquisado em maio de 1999. Resultado de busca solicitada. Documento interno dirigido a Luis Carta. 25/6/59. Dedoc. Peridicos: A histria secreta de Veja. Revista Imprensa, setembro de 1988. Epopia Editorial: uma histria de informao e cultura. So Paulo: Abril. Encarte especial. O que h por trs da maior revista semanal do pas. Folha de S. Paulo, 02/12/1987. Os 20 anos de Veja. OESP. 10/9/88. Veja: Retrospectiva de de sculo. In: Veja, edio 1311. CIVITA, Victor. Carta do Editor. Veja, n 1, setembro de 1968. DAMANTE, Nara. Veja volta-se para o futuro para comemorar seus 25 anos. Revista Meio & Mensagem, 06/09/1993. Indstria Cultural. So Paulo: Brasiliense, 1988. p.123. Revista Imprensa, janeiro de 1999. SOUZA, Ulysses Alves de. A histria secreta de Veja. Revista Imprensa, setembro de 1988. Veja, 23/05/1980. Veja. Tribuna da Imprensa, 11/11/1968.

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