2008-08-14 01 Lingua e Linguagem (Tipos de Texto)

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1 CENTRO UNIVERSITÁRIO AUGUSTO MOTTA LEITURA, INTERPRETAÇÃO E PRODUÇÃO DE TEXTOS I Aula 1: LEITURA E TEXTO: VISÃO GERAL Ler ou não ler? Eis a questão... O brasileiro não lê porque o livro é caro? Errado. O brasileiro não lê porque não o acostumaram a ler. O preço do CD é equivalente ao do livro e, no entanto, vendem-se CDs aos milhões enquanto que uma edição de sucesso de uma obra literária, não ultrapassa, em média, três mil exemplares. Não podemos esquecer também das bibliotecas onde um livro não custa nada, basta retirá-lo, além dos "sebos", livrarias de livros usados, onde se pode adquirir raridades por preço de banana. Na verdade, a grande maioria dos brasileiros não lê porque na escola não o ensinaram a ler, no sentido mais profundo da palavra, ou seja, apreender o que está escrito, refletir, questionar, "viajar" com um texto. (...) A indústria da educação brasileira ensina apenas para o aluno passar no vestibular. A formação humanística, a compreensão do mundo através de sua história, não está em questão. A questão é "passar ou passar", ou seja, competir e ganhar a corrida para a glória do canudo universitário. A leitura deveria ser passada para a criança e os adolescentes como uma busca, uma ação lúdica e prazerosa, que pode perfeitamente substituir com igual grau de prazer uma ida ao cinema, um dia na praia ou um churrasco no sítio, sem qualquer remorso. Todos aqueles que já descobriram o prazer da leitura, o gosto de elaborar, ele mesmo, o "seu" personagem, a "sua" paisagem, voltar a página e emocionar-se de novo com aquelas cenas que mais os tocaram, jamais abrirão mão dessa "descoberta". É um vírus que, uma vez contraído, não tem mais cura. É um não acabar mais de descobrir; uma leitura vai sempre remetendo a outra e a vida torna-se tão curta para tanto livro a ser lido. Só mesmo o portador desse vírus sabe avaliar a diferença entre a "viagem" da leitura e a cena dada pronta, como a daquela via TV. Assistir TV é cômodo e chega a ser hipnótico. Não há participação de quem está do lado de cá, o espectador é passivo, recebe o prato feito, não tem possibilidade de criar, de imaginar, de "viajar". A cena que ele está vendo é só aquela cena, a mesma cena que outros milhões de telespectadores também estão vendo. Ao passo que, no ato de ler a mesma página de um livro, um mesmo poema que tantos outros já leram, entra em jogo o nosso poder de imaginar, de recriar, próprio do ser humano e que os meios de comunicação de massa encarregaram-se de destruir. (...) (VERAS, Dalila Teles. Disponível em <www.terravista.pt/ancora/2367 >. Acesso em 15 de janeiro de 2007). O ato de escrever Escrever não é apenas traduzir a fala em sinais gráficos. O fato de um texto escrito não ser satisfatório não significa que seu produtor tenha dificuldades quanto ao manejo da linguagem cotidiana e sim que ele não domina os recursos específicos da modalidade escrita. A escrita tem normas próprias, tais como regras de ortografia - que, evidentemente, não é marcada na fala - de pontuação, de concordância, de uso de tempos verbais. Entretanto, a simples utilização de tais regras e de outros recursos da norma culta não garante o sucesso de um texto escrito. Não basta, também, saber que escrever é diferente de falar. É necessário preocupar-se com a constituição de um discurso, entendido aqui como um ato de linguagem que representa uma interação entre o produtor do texto e seu receptor; além disso, é preciso ter em mente a figura do interlocutor e a finalidade para a qual o texto foi produzido. Para que esse discurso seja bem-sucedido deve constituir um todo significativo e não fragmentos isolados justapostos. No interior de um texto devem existir elementos que estabeleçam uma ligação entre as partes, isto é, elos significativos que confiram coesão ao discurso. Considera-se coeso o texto em que as partes referem-se mutuamente, só fazendo sentido quando consideradas em relação umas com as outras. (Disponível em <http://www.juliobattisti.com.br/artigos/carreira/mercado.asp>. Acesso em 15/12/2006).

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CENTRO UNIVERSITÁRIO AUGUSTO MOTTA

LEITURA, INTERPRETAÇÃO E PRODUÇÃO DE TEXTOS I Aula 1: LEITURA E TEXTO: VISÃO GERAL

Ler ou não ler? Eis a questão... O brasileiro não lê porque o livro é caro? Errado. O brasileiro não lê porque não o acostumaram a ler. O preço do CD é equivalente ao do livro e, no entanto, vendem-se CDs aos milhões enquanto que uma edição de sucesso de uma obra literária, não ultrapassa, em média, três mil exemplares. Não podemos esquecer também das bibliotecas onde um livro não custa nada, basta retirá-lo, além dos "sebos", livrarias de livros usados, onde se pode adquirir raridades por preço de banana. Na verdade, a grande maioria dos brasileiros não lê porque na escola não o ensinaram a ler, no sentido mais profundo da palavra, ou seja, apreender o que está escrito, refletir, questionar, "viajar" com um texto. (...) A indústria da educação brasileira ensina apenas para o aluno passar no vestibular. A formação humanística, a compreensão do mundo através de sua história, não está em questão. A questão é "passar ou passar", ou seja, competir e ganhar a corrida para a glória do canudo universitário. A leitura deveria ser passada para a criança e os adolescentes como uma busca, uma ação lúdica e prazerosa, que pode perfeitamente substituir com igual grau de prazer uma ida ao cinema, um dia na praia ou um churrasco no sítio, sem qualquer remorso. Todos aqueles que já descobriram o prazer da leitura, o gosto de elaborar, ele mesmo, o "seu" personagem, a "sua" paisagem, voltar a página e emocionar-se de novo com aquelas cenas que mais os tocaram, jamais abrirão mão dessa "descoberta". É um vírus que, uma vez contraído, não tem mais cura. É um não acabar mais de descobrir; uma leitura vai sempre remetendo a outra e a vida torna-se tão curta para tanto livro a ser lido. Só mesmo o portador desse vírus sabe avaliar a diferença entre a "viagem" da leitura e a cena dada pronta, como a daquela via TV. Assistir TV é cômodo e chega a ser hipnótico. Não há participação de quem está do lado de cá, o espectador é passivo, recebe o prato feito, não tem possibilidade de criar, de imaginar, de "viajar". A cena que ele está vendo é só aquela cena, a mesma cena que outros milhões de telespectadores também estão vendo. Ao passo que, no ato de ler a mesma página de um livro, um mesmo poema que tantos outros já leram, entra em jogo o nosso poder de imaginar, de recriar, próprio do ser humano e que os meios de comunicação de massa encarregaram-se de destruir. (...)

(VERAS, Dalila Teles. Disponível em <www.terravista.pt/ancora/2367>. Acesso em 15 de janeiro de 2007).

O ato de escrever Escrever não é apenas traduzir a fala em sinais gráficos. O fato de um texto escrito não ser satisfatório não significa que seu produtor tenha dificuldades quanto ao manejo da linguagem cotidiana e sim que ele não domina os recursos específicos da modalidade escrita. A escrita tem normas próprias, tais como regras de ortografia - que, evidentemente, não é marcada na fala - de pontuação, de concordância, de uso de tempos verbais. Entretanto, a simples utilização de tais regras e de outros recursos da norma culta não garante o sucesso de um texto escrito. Não basta, também, saber que escrever é diferente de falar. É necessário preocupar-se com a constituição de um discurso, entendido aqui como um ato de linguagem que representa uma interação entre o produtor do texto e seu receptor; além disso, é preciso ter em mente a figura do interlocutor e a finalidade para a qual o texto foi produzido. Para que esse discurso seja bem-sucedido deve constituir um todo significativo e não fragmentos isolados justapostos. No interior de um texto devem existir elementos que estabeleçam uma ligação entre as partes, isto é, elos significativos que confiram coesão ao discurso. Considera-se coeso o texto em que as partes referem-se mutuamente, só fazendo sentido quando consideradas em relação umas com as outras.

(Disponível em <http://www.juliobattisti.com.br/artigos/carreira/mercado.asp>. Acesso em 15/12/2006).

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Por mais objetivo e neutro que pareça, o texto manifesta sempre um posicionamento frente a

uma questão qualquer posta em debate. Ao final desta lição, devem ficar bem plantadas as seguintes conclusões:

a) Uma boa leitura não pode basear-se em fragmentos isolados do texto, já que o significado das partes sempre é determinado pelo contexto dentro do qual se encaixam.

b) Uma boa leitura nunca pode deixar de apreender o pronunciamento contido por trás do texto, já que sempre se produz um texto para marcar posição frente a uma questão qualquer.

Meu engraxate É por causa do meu engraxate que ando agora em plena desolação. Meu engraxate me

deixou. Passei duas vezes pela porta onde ele trabalhava e nada. Então me inquietei, não sei que

doenças mortíferas, que mudança pra outras portas se pensaram em mim, resolvi perguntar ao menino que trabalhava na outra cadeira. O menino é um retalho de hungarês, cara de infeliz, não dá simpatia alguma. E tímido o que torna instintivamente a gente muito combinado com o universo no propósitode desgraçar esses desgraçados de nascença. “Está vendendo bilhete de loteria”, respondeu antipático, me deixando numa perplexidade penosíssima: pronto! Estava sem engraxate! Os olhos do menino chispeavam ávidos, porque sou dos que ficam fregueses e dão gorjeta. Levei seguramente um minuto pra definir que tinha de continuar engraxando sapatos toda vida minha e ali estava um menino que, a gente ensinando, podia ficar engraxate bom.

(ANDRADE, Mário de. Os filhos da Candinha. São Paulo: Martins, 1963, p. 167) Para mostrar que, num texto, o significado de uma parte depende de sua relação com outras

partes, vamos tentar fazer uma interpretação isolada do primeiro parágrafo (linhas 1 e 2). Tomada isoladamente, essa parte pode sugerir a interpretação de que o narrador está desolado por ter perdido contato com um garoto ao qual se ligava por fortes laços afetivos. Essa interpretação é inatacável se não confrontarmos essa passagem com outras do texto. Fazendo o confronto, no entanto, essa leitura não tem validade dentro desse texto.

As frases “Pronto! Estava sem engraxate!” (linha 11) definem a razão da perplexidade penosíssima (linhas 10 e 11), da desolação (linhas 1 e 2) e da inquietude do narrador (linhas 3 e 4): perdera os serviços do engraxate e não um amigo. As observações que faz sobre o menino que lhe dá informações sobre o seu engraxate (“retalho de hungarês”, “cara de infeliz”, “não dá simpatia nenhuma”, “tímido”, “propósito de desgraçar esses desgraçados de nascença”) revelam que nenhum sentimento positivo o impele na direção de uma relação amigável com o menino. As frases “tinha que continuar engraxando sapatos toda a vida minha e ali estava um menino que, a gente ensinando, podia ficar engraxate bom” (linhas 13-15) mostram que o que define as relações interpessoais são os interesses: o narrador estava preocupado com recuperar o serviço que lhe era prestado e não a pessoa que lhe prestava o serviço. A atitude dos sois engraxates corrobora a interpretação de que a relação entre eles e o narrador era determinada pelo interesse e não pela amizade: um abandonara o trabalho de engraxate para vender bilhete de loteria (linhas 9 e 10), certamente um trabalho mais rentável; os olhos do outro “chispeavam ávidos” (linhas 11 e 12), ao ver que o narrador procurava um engraxate, porque ele era dos que ficavam fregueses e davam gorjeta (linhas 12 e 13).

Como se pode notar, o texto é um tecido, uma estrutura construída de tal modo que as frases não têm significado autônomo: num texto, o sentido de uma frase é dado pela correlação que ela mantém com as demais.

Desse texto, não se pode inferir, apesar da primeira impressão, que as relações interpessoais sejam pautadas pela amizade ou pelo bem-querer.

Além disso, é preciso ressaltar que, por trás dessa história inventada, existe um pronunciamento de quem produziu o texto: ao relatar a relação interesseira entre as pessoas, sem dúvida, está desmascarando a hipocrisia e pondo à mostra o egoísmo que se esconde nos sentimentos que umas pessoas dizem ter por outras. O que determina as relações sociais são os interesses recíprocos e a troca de favores.

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APRESENTAÇÃO DE TEXTOS DE DIFERENTES CÓDIGOS

Procuro Despir-me do que Aprendi - Alberto Caeiro

Procuro despir-me do que aprendi. Procuro esquecer-me do modo de lembrar que me ensinaram, e raspar a tinta com que me pintaram os sentidos, Desencaixotar minhas emoções verdadeiras, Desembrulhar-me e ser eu, não Alberto Caeiro, Mas um animal humano que a natureza produziu. Mas isso (triste de nós que trazemos a alma vestida!) Isso exige um estudo profundo, Uma aprendizagem de desaprender...

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Leia esta tira, de Luís Fernando Veríssimo:

EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 1- A tira cria o humor a partir de uma situação que retrata as novas formas de relacionamento amoroso e familiar nos tempos de hoje. Que novidade existe no comunicado que a filha trás à família? 2- A fala da moça provoca uma reação no namorado. O que ele faz e fala como reação ao que ela disse? 3- Compare as falas do rapaz e do pai da moça ao se cumprimentarem. A fala do pai surpreende e causa humor. a- O que era esperado que o pai da moça dissesse nesse momento ? b- Considerando que o namorado da filha vai morar com a família e que o apelido dele é Boca, que sentido tem a fala do pai da moça nessa situação ? Conceituando... Na situação retratada pela tira, as pessoas se comunicam e interagem entre si, ou seja, o que uma pessoa diz acaba provocando uma reação na outra pessoa e vice-versa. O trocadilho que o pai faz é responsável pelo humor da tira. Contrapondo Boca a bolso, o pai dá a entender que vai ter de arcar com as despesas de mais uma boca, a do genro. Entre a filha e o pai, ou entre o sogro e o genro, houve uma comunicação, pois, além de as pessoas se compreenderem, ela também interagem, ou seja, o que uma pessoa diz interfere no comportamento da outra. Assim, a comunicação ocorre quando interagimos com outras pessoas utilizando linguagem. Para se comunicar, as personagens da tira não utilizam apenas a linguagem verbal, isto é, as palavras. Elas também gesticulam, se movimentam, fazem expressões corporais e faciais. Tudo isso – palavras, gestos, movimentos, expressões corporais e faciais – é linguagem. Linguagem é um processo comunicativo pelo qual as pessoas interagem entre si. Além da linguagem verbal, cuja unidade básica é a palavra (falada ou escrita), existem também as linguagens não verbais, como a música, a dança, a mímica, a pintura, a fotografia, a escultura etc. Há ainda, as linguagens mistas, como as histórias em quadrinhos, o cinema, o teatro e os programas de TV, que podem reunir diferentes linguagens, como o desenho, a palavra, o figurino, a música, o cenário etc.