2010-TJ de MG

6

Click here to load reader

Transcript of 2010-TJ de MG

Page 1: 2010-TJ de MG

Número do processo: 1.0024.08.140314-9/002(1) Númeração Única: 1403149-

32.2008.8.13.0024

Relator: BRANDÃO TEIXEIRA

Relator do Acórdão: BRANDÃO TEIXEIRA

Data do Julgamento: 12/01/2010

Data da Publicação: 03/02/2010

Inteiro Teor:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - MANDADO DE SEGURANÇA - NOTIFICAÇÃO

221/2008 EXPEDIDA PELA VIGILÂNCIA SANITÁRIA - PROFISSIONAL DA

OPTOMETRIA - PRÁTICA DE ATOS PRIVATIVOS DE MÉDICO

OFTALMOLOGISTA - FISCALIZAÇÃO PELO ÓRGÃO PROFISSIONAL

REGIONAL DE CLASSE - IMPOSSIBILIDADE DE A VIGILÂNCIA SANITÁRIA

ADENTRAR NO ÂMBITO DAS CONDIÇÕES DO EXERCÍCIO DAS PROFISSÕES.

1) O ponto central para o deslinde da controvérsia está situado na interpretação da

Notificação 221/2008, ou seja, na delimitação de sua abrangência. Chegando à

conclusão de que se trata de notificação que adentra no âmbito da fiscalização do

exercício profissional da optometria, na verificação das condições ou validade do

exercício desta profissão, caracterizada está sua ilegalidade, porque, conforme decidido

pelo Superior Tribunal de Justiça (REsp 975322), com supedâneo na Parecer Consultivo

Nº 127/06 da Procuradoria da ANVISA, a Vigilância Sanitária não deve atuar neste

campo. Todavia, chegando à conclusão de que se trata de notificação que determina

apenas a verificação da habilitação ou capacidade legal do profissional de optometria e

o respeito à legislação sanitária, caracterizada estará sua legalidade. 2) Em que pese o

adequado e correto conteúdo da Notificação n° 221/2008, que proíbe o optometrista de

praticar atos privativos de médicos, deve-se considerar que o fato de ela ter sido

expedida pela Vigilância Sanitária impede sua aplicabilidade. É que esta notificação

adentra no âmbito da verificação das condições do exercício da profissão de

optometrista e, por isto, extrapola a competência da Vigilância Sanitária.

APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0024.08.140314-9/002 - COMARCA DE BELO

HORIZONTE - APELANTE(S): YGOR MARQUES SANTOS - APELADO(A)(S):

ESTADO MINAS GERAIS - AUTORID COATORA: PRESID GERENCIA

COLEGIADA SUPCIA VIGILANCIA SANITARIA MG - RELATOR: EXMO. SR.

DES. BRANDÃO TEIXEIRA

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 2ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado

de Minas Gerais, sob a Presidência do Desembargador RONEY OLIVEIRA ,

incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das

notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM DAR PROVIMENTO AO

RECURSO.

Belo Horizonte, 12 de janeiro de 2010.

DES. BRANDÃO TEIXEIRA - Relator

Page 2: 2010-TJ de MG

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

Proferiu sustentação oral, pelo Apelante, o Dr. Fernando Augusto S. Trindade.

O SR. DES. BRANDÃO TEIXEIRA:

Sr. Presidente.

Ouvi com atenção a sustentação oral produzida da tribuna.

VOTO

Em comento, apelação cível interposta em face da r.sentença de fls.324/330 que, nos

autos de mandado de segurança impetrado por YGOR MARQUES SANTOS contra ato

imputado de ilegal e abusivo praticado pelo PRESIDENTE DA

SUPERINTENDÊNCIA DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA DE MINAS GERAIS,

denegou a ordem requerida pelo impetrante, para que se sustasse a "Notificação da

Gerência Colegiada da Superintendência de Vigilância Sanitária/ANTR/VS n°

221/2008", que proíbe o exercício da profissão de optometrista em todo o Estado de

Minas Gerais.

Ao sentenciar, o MM. Juiz consignou que "não está havendo proibição do exercício da

profissão, mas apenas limitação realizada através do Poder de Polícia que detém o ente

estatal, evitando que os optometristas realizem atividades ligadas à medicina" (sic).

Inconformado, o impetrante aviou recurso de apelação.

Nas razões recursais de fls.336/347, alegou que a Vigilância Sanitária não possui

competência para tecer considerações sobre a legalidade, capacidade ou desempenho

profissionais, na forma da Lei n° 9.782/99, tema de competência exclusiva da União

(artigo 22, XVI, da Constituição da República). Sustentou que o artigo 38 do Decreto n°

20.931/32 não foi recepcionado pela Constituição de 1988, que institui princípios do

livre exercício profissional e da livre iniciativa (artigo 5º, XIII; artigo 170, VIII e

parágrafo único). Aduziu que o Decreto n° 20.931/32 é o único subsídio da autoridade

coatora para sustentar que a optometria deva ser proibida em Minas Gerais. Arguiu que

possui direito líquido e certo ao exercício da optometrista, uma vez que amparado por

norma constitucional. Afirmou que a Classificação Brasileira de Ocupações - CBO

autoriza a emissão de receitas de lentes e exame ocular, na medida em que autoriza o

optometrista a medir acuidade visual, mensurar estruturas externas e internas do olho,

identificar deficiências e anomalias visuais, prescrever compensação ótica e recomendar

auxílios ópticos. Salientou que o exame optométrico não é ato médico privativo e que o

próprio Conselho Federal de Medicina não prevê a atuação específica da especialidade e

oftalmologia. Informou que há diversas autorizações do Poder Executivo para a

implantação de cursos de graduação, pós-graduação e técnicos de optometria. Por fim,

ressaltou que a inexistência de regulamentação profissional não é sinônimo de sua

ilegalidade e que, por possuir registro profissional perante o Conselho, ter colado grau

em curso de bacharelado em optometria, atendendo aos requisitos de formação técnica e

estando apto a exercer livremente sua profissão. Com estas considerações, pugnou pelo

provimento do recurso para que a r.sentença seja reformada, concedendo-se a

segurança.

Page 3: 2010-TJ de MG

O apelado apresentou contrarrazões às fls.350/355, pugnando pelo desprovimento do

recurso.

Manifestação da D.Procuradoria Geral de Justiça às fls.367/373, opinando pelo

desprovimento do recurso.

JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE

Admito o recurso interposto, porque presentes os requisitos e pressupostos de

admissibilidade.

MÉRITO

Valendo-se da via mandamental, o apelante pretende a reforma da sentença que

denegou a segurança requerida para que se sustasse da "Notificação da Gerência

Colegiada da Superintendência de Vigilância Sanitária/ANTR/VS n° 221/2008", cujo

inteiro teor está abaixo transcrito, verbis:

"O Subsecretário de Vigilância em Saúde, Presidente da Gerência Colegiada da

Superintendência de Vigilância Sanitária da Secretaria de Estado de Saúde de Minas

Gerais, no uso de suas atribuições legais e de acordo com o disposto no inciso IV do art.

3º da Resolução da SES nº860, de 22 de março de 2006 e considerando que é o dever do

Estado de promover a saúde individual e coletiva, que o exercício de qualquer atividade,

ofício é permitido desde que exista lei regulamentando, as denúncias referentes a

agravos a saúde visual oriundo de exames precedidos por optometrista, que a profissão

de optometrista é catalogada pelo CBO - Código Brasileiro de Ocupações instrumento

meramente informativo, uma vez que este só tem fins meramente classificatórios, sem

função de regulamentação profissional, que o exame ocular vai além de uma consulta

para óculos, que o exame ocular possibilita a avaliação de numerosas doenças que

comprometem outros setores do corpo humano, que o exame realizado por profissional

que não detêm os conhecimentos médicos sobre o olho deixa de detectar várias doenças

oculares ou sistêmicas graves com alto grau de morbidade e letalidade, que o

profissional optometrista compete a confecção de lentes de grau sob receita médica e

sua substituição sendo vedado aos optometristas a prescrição de óculos e adaptação de

lente de contato, que são atos privativos do oftomologista. Notifica aos coordenadores

de vigilância sanitária que é vedado o licenciamento de consultório de optometria nos

termos do art. 30 do Decreto nº 30.931/32, o aviamento de receitas prescritas por

optometrista, a presença de equipamentos para realização de exame ocular em

estabelecimento ótico devendo os notificados ao constatarem a ocorrência das

proibições acima citadas tomarem as medidas sanitárias cabíveis. Publique-se e

notifique-se" (sic.fl.35).

De acordo com os documentos que instruem os autos, o apelante é habilitado e

diplomado para o exercício da profissão de optometrista, recebendo, em fevereiro de

2008, alvará sanitário para a manutenção de consultório optométrico (n° 20460/08/646 -

fls.145/146 e 148). Ocorre que, posteriormente, em abril de 2008, tal alvará foi

suspenso pela Vigilância Sanitária, segundo a qual estaria vedada a atividade de

optometria, "de acordo com o ofício circular 03/02 ANTR/SUS/SES/MG" e com a

"notificação nº 221/2008 ANTR/SVS, de 26/03/08" (v.fls.176/178).

Page 4: 2010-TJ de MG

Verifica-se, então, que a notificação acima transcrita foi um dos fundamentos legais

para a cassação do alvará anteriormente concedido ao apelante, para a manutenção de

consultório de optometria. Em razão desta circunstância e defendendo a ilegalidade da

Notificação n° 221/2008, de lavra da Vigilância Sanitária, o apelante requer a concessão

da ordem para que se suspendam os efeitos deste ato.

Desta forma, o ponto central para o deslinde da controvérsia está situado na

interpretação da notificação retro transcrita, ou seja, na delimitação de sua abrangência.

Chegando à conclusão de que se trata de notificação que adentra no âmbito da

fiscalização do exercício profissional da optometria, na verificação das condições ou

validade do exercício desta profissão, caracterizada está sua ilegalidade, porque,

conforme decidido pelo Superior Tribunal de Justiça (REsp 975322), com supedâneo na

Parecer Consultivo Nº 127/06 da Procuradoria da ANVISA, a Vigilância Sanitária não

deve atuar nestes termos. Todavia, chegando à conclusão de que se trata de notificação

que determina apenas a verificação da habilitação ou capacidade legal do profissional de

optometria e o respeito à legislação sanitária, caracterizada estará sua legalidade e,

consequentemente, o ato apontado pelo impetrante não estará revestido de ilegalidade e

abusividade.

Pois bem.

Em primeiro lugar, pondera-se que a Notificação n° 221/2008, expedida pela Vigilância

Sanitária, não veda o exercício da profissão de optometrista, que, diga-se, é reconhecida

e regulamentada tanto pelos artigos 3º e 38 do Decreto n° 20.931/32 (recepcionado pela

Constituição da República - REsp 975322) quanto pelo item 3223 da Portaria n°

397/2002 do Ministério do Trabalho (Classificação Brasileira de Ocupações).

Contrariamente ao defendido pelo apelante, trata-se de notificação que, na realidade,

apenas veda o licenciamento de consultório de optometria em que haja prescrição de

receitas por optometristas e equipamentos para a realização de exame ocular por estes

profissionais. E nem se diga que o conteúdo desta notificação não encontra respaldo na

jurisprudência pátria, porque, em recente e divulgado julgamento sobre o tema - REsp

975322, o Ministro Luiz Fux expressamente consignou que o optometrista não está

habilitado para desempenhar atividades médicas como diagnosticar e tratar doenças do

globo ocular, realizar cirurgias ou prescrever medicamentos, ou seja, ele "cuida do ato

visual, não do globo ocular". Segundo o Ministro, com respaldo em estudos e no Código

de Ética dos Profissionais do Setor Óptico Oftálmico Brasileiro, o médico

oftalmologista é o "único legitimado para tratar enfermidades oculares e sistêmicas".

Todavia, em que pese o adequado e correto conteúdo da Notificação n° 221/2008, deve-

se considerar que o fato de ela ter sido expedida pela Vigilância Sanitária impede sua

aplicabilidade. É que ela, indubitavelmente, adentra no âmbito da verificação das

condições do exercício da profissão de optometrista e, por isto, extrapola a competência

da Vigilância Sanitária.

Conforme acima explanado e de acordo com o Superior Tribunal de Justiça, "a

competência da vigilância sanitária limita-se apenas à análise acerca da existência de

habilitação e/ou capacidade legal do profissional da saúde e do respeito à legislação

sanitária" (REsp 975322). A fiscalização das condições do exercício da profissão de

Page 5: 2010-TJ de MG

optometrista, ou seja, se o profissional está adentrando ou não no campo exclusivo da

medicina, cabe ao órgão profissional regional de classe.

Neste ponto, importante ressaltar que, quando do julgamento do agravo de instrumento

n° 1.0024.08.140314-9/001, interposto em face da decisão que indeferira o pedido

liminar formulado pelo impetrante, esta Relatoria expressamente consignou que

analisava apenas a existência dos requisitos do artigo 273 do CPC, porque aquele não

era o momento processual e nem a via adequada para se discutir a legalidade ou

ilegalidade da Notificação ANTR/VS nº 221/2008, expedida pela Gerência Colegiada

da Superintendência de Vigilância Sanitária do Estado de Minas Gerais.

Portanto, agora, no julgamento do mérito da demanda, conclui-se que a Notificação

ANTR/VS nº 221/2008, por ter sido expedida pela Vigilância Sanitária do Estado de

Minas Gerais, não deve surtir efeitos quanto à fiscalização do exercício profissional do

apelante.

CONCLUSÃO

Pelo exposto, DOU PROVIMENTO AO RECURSO para reformar a sentença e

conceder a segurança ao apelante, determinando a sustação da Notificação ANTR/VS nº

221/2008 expedida pela Gerência Colegiada da Superintendência de Vigilância

Sanitária do Estado de Minas Gerais. Via de consequência, ficam invertidos os ônus

sucumbenciais, observada a isenção legal da apelada.

O SR. DES. CAETANO LEVI LOPES:

Sr. Presidente.

Ouvi, com atenção, a sustentação oral e gostaria de frisar que o Decreto 20.931 de 1932,

é materialmente Lei, porque expedido pelo então Governo Provisório que assumiu a

chefia do País com a Revolução de 1930. E, somente em 1934, o Legislativo passou a

funcionar novamente, embora por um período curto.

Pode ficar parecendo que é um ato de Poder Executivo, mas não é. É um ato Legislativo

que foi expedido pelo Poder Executivo. Ainda não havíamos copiado da Itália a figura

do Decreto Lei, que só veio em 1937 com o Estado Novo.

Todos sabem que Getúlio Vargas era, neste aspecto, um admirador de Mussolini, e

então copiou a expressão Decreto-Lei, mas em 1937. Portanto, não se trata de ato do

Poder Executivo, mas de um ato tipicamente Legislativo com um rótulo de Decreto.

Feita esta observação, sem dúvida, o Apelante tem direito ao exercício na profissão

legítima e não pode prevalecer a notificação questionada.

Acompanho o Relator, para dar provimento ao recurso e conceder a segurança.

O SR. DES. AFRÂNIO VILELA:

Sr. Presidente.

Page 6: 2010-TJ de MG

Estive atento à sustentação oral.

Estou acompanhando os eminentes Pares, especialmente o voto proferido pelo eminente

Relator, porque, exatamente o ato empregado pela gerência colegiada da

Superintendência de Vigilância Sanitária do Estado de Minas Gerais não está

conformado com a sua atribuição administrativa.

Todavia, quero apenas sugerir ao eminente Relator que na parte dispositiva de seu voto,

onde consta a determinação de sustação dos efeitos da notificação, que seja anotado

como anulação do ato em si.

O SR. DES. BRANDÃO TEIXEIRA:

Sr. Presidente, pela ordem.

A despeito de constar de meu relatório que a pretensão deduzida na inicial fosse a de

que se sustasse os efeitos da notificação, não vejo nenhum obstáculo em aderir à

sugestão do eminente Desembargador Vogal para que, anulados os efeitos da mesma,

fiquem eternamente sustados.

O SR. DES. CAETANO LEVI LOPES:

De acordo com a alteração proposta.

SÚMULA : DERAM PROVIMENTO AO RECURSO.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0024.08.140314-9/002