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COLEO EXPLORANDO O ENSINO VOLUME 16

ESPANHOL

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Presidncia da Repblica Ministrio da Educao Secretaria Executiva Secretaria de Educao Bsica

COLEO EXPLORANDO O ENSINO

ESPANHOL

VOLUME 16

ENSINO MDIO

COLEO EXPLORANDO O ENSINO Vol. 1 Matemtica Vol. 2 Matemtica Vol. 3 Matemtica Vol. 4 Qumica Vol. 5 Qumica Vol. 6 Biologia Vol. 7 Fsica Vol. 8 Geografia Vol. 9 Antrtica Vol. 10 O Brasil e o Meio Ambiente Antrtico Vol. 11 Astronomia Vol. 12 Astronutica Vol. 13 Mudanas Climticas Vol. 14 Filosofia Vol. 15 Sociologia

Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) Centro de Informao e Biblioteca em Educao (CIBEC) Espanhol: ensino mdio / Coordenao, Cristiano Silva de Barros e Elzimar Goettenauer de Marins Costa. - Braslia : Ministrio da Educao, Secretaria de Educao Bsica, 2010. 292 p. : il. (Coleo Explorando o Ensino ; v. 16) ISBN 978-85-7783-040-4 1. Espanhol. 2. Ensino Mdio. I. Barros, Cristiano Silva de. (Coord.) II. Costa, Elzimar Goetteenauer de Marins. (Coord.) III. Brasil. Ministrio da Educao. Secretaria de Educao Bsica. IV. Srie. CDU 811.134.2:373.5

MINISTRIO DA EDUCAO SECRETARIA DE EDUCAO BSICA

ESPANHOL

Ensino Mdio

Braslia 2010

Secretaria de Educao Bsica Diretoria de Polticas de Formao, Materiais Didticos e de Tecnologias para Educao Bsica Coordenao-Geral de Materiais Didticos Equipe Tcnico-Pedaggica Andra Kluge Pereira Ceclia Correia Lima Elizangela Carvalho dos Santos Jane Cristina da Silva Jos Ricardo Alberns Lima Lucineide Bezerra Dantas Lunalva da Conceio Gomes Maria Marismene Gonzaga Equipe de Apoio Administrativo Gabriela Brito de Arajo Gislenilson Silva de Matos Neiliane Caixeta Guimares Paulo Roberto Gonalves da Cunha

Coordenao da obra Cristiano Silva de Barros Elzimar Goettenauer de Marins Costa Autores Andrea Silva Ponte Adrin Pablo Fanjul Cristiano Silva de Barros Dayala Paiva de Medeiros Vargens Del Carmen Daher Doris Cristina Vicente da Silva Matos Elzimar Goettenauer de Marins Costa Ftima Aparecida Teves Cabral Bruno Fernanda dos Santos C. Rodrigues Gretel Eres Fernndez Lvia Mrcia Tiba Rdis Baptista Luciana Maria Almeida de Freitas Marcia Paraquett Neide Maia Gonzlez Valesca Brasil Irala Vera L. A. SantAnna

Tiragem 27.934 exemplares

MINISTRIO DA EDUCAO SECRETARIA DE EDUCAO BSICA Esplanada dos Ministrios, Bloco L, Sala 500 CEP: 70047-900 Tel: (61) 20228419

SumrioAPRESENTAO .................................................................................................7 INTRODUO .....................................................................................................9 Cristiano silva de Barros elzimar Goettenauer de marins Costa PRIMEIRA PARTE Captulo 1 Leis e lnguas: o lugar do espanhol na escola brasileira ................................... 13 Fernanda dos santos Castelano rodriGues Captulo 2 Iniciativas para a implantao do espanhol: a distncia entre o discurso e a prtica ..........................................................................................25 neide maia Gonzlez Captulo 3 Formao e exerccio profissional de professor de lngua espanhola: revendo conceitos e percursos ...........................................................................55 del Carmen daher vera l. a. santanna Captulo 4 Entre enfoques y mtodos: algunas relaciones (in)coherentes en la enseanza de espaol lengua extranjera .......................................................... 69 Gretel eres Fernndez SEGUNDA PARTE Captulo 5 Elaborao de materiais didticos para o ensino de espanhol ......................... 85 Cristiano silva de Barros elzimar Goettenauer de marins Costa

Captulo 6 Traando caminhos: letramento, letramento crtico e ensino de espanhol ....... 119 lvia mrCia tiBa rdis Baptista Captulo 7 Multiculturalismo, interculturalismo e ensino/aprendizagem de espanhol para brasileiros ................................................................................................. 137 marCia paraquett Captulo 8 A variao lingustica na sala de aula............................................................... 157 andrea silva ponte Captulo 9 Construo de identidade e discurso: implicaes no ensino-aprendizagem de lngua espanhola ......................................................................................... 175 valesCa Brasil irala Captulo 10 Ler e escrever: muito mais que unir palavras .................................................. 191 dayala paiva de medeiros varGens luCiana maria almeida de Freitas Captulo 11 Os gneros orais em aulas de ELE: uma proposta de abordagem ..................221 Ftima apareCida teves CaBral Bruno Captulo 12 La prctica gramatical y el problema de la referencia en la enseanza de ELE a brasileos ......................................................................................... 233 adrin paBlo Fanjul Captulo 13 A avaliao no ensino de ELE ..........................................................................265 doris Cristina viCente da silva matos Bibliografia ...................................................................................................... 280

Apresentao

A Coleo Explorando o Ensino tem por objetivo apoiar o trabalho do professor em sala de aula, oferecendo-lhe um material cientfico-pedaggico que contemple a fundamentao terica e metodolgica e proponha reflexes nas reas de conhecimento das etapas de ensino da educao bsica e, ainda, sugerir novas formas de abordar o conhecimento em sala de aula, contribuindo para a formao continuada e permanente do professor. Planejada em 2004, no mbito da Secretaria de Educao Bsica do Ministrio da Educao, a Coleo foi direcionada aos professores dos anos finais do ensino fundamental e ensino mdio e encaminhada s escolas pblicas municipais, estaduais, federais e do Distrito Federal e s Secretarias de Estado da Educao. Entre 2004 e 2006 foram encaminhados volumes de Matemtica, Qumica, Biologia, Fsica e Geografia: O Mar no Espao Geogrfico Brasileiro. Em 2009, foram cinco volumes Antrtica, O Brasil e o Meio Ambiente Antrtico, Astronomia, Astronutica e Mudanas Climticas. Agora, essa Coleo tem novo direcionamento. Sua abrangncia foi ampliada para toda a educao bsica, privilegiando os professores dos anos iniciais do ensino fundamental com seis volumes Lngua Portuguesa, Literatura, Matemtica, Cincias, Geografia e Histria alm da sequncia ao atendimento a professores do Ensino Mdio, com os volumes de Sociologia, Filosofia e Espanhol. Em cada volume, os autores tiveram a liberdade de apresentar a linha de pesquisa que vm desenvolvendo, colocando seus comentrios e opinies.

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A expectativa do Ministrio da Educao a de que a Coleo Explorando o Ensino seja um instrumento de apoio ao professor, contribuindo para seu processo de formao, de modo a auxiliar na reflexo coletiva do processo pedaggico da escola, na apreenso das relaes entre o campo do conhecimento especfico e a proposta pedaggica; no dilogo com os programas do livro Programa Nacional do Livro Didtico (PNLD) e Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), com a legislao educacional, com os programas voltados para o currculo e formao de professores; e na apropriao de informaes, conhecimentos e conceitos que possam ser compartilhados com os alunos. Ministrio da Educao

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Introduo

Cristiano Silva de Barros Elzimar Goettenauer de Marins Costa**A partir da aprovao da Lei 11.161, em 2005, que estabelece a obrigatoriedade da oferta da Lngua Espanhola no Ensino Mdio, o Ministrio da Educao vem executando uma srie de aes com o objetivo de contribuir positivamente para o processo de incluso da referida disciplina na Educao Bsica: avaliao, seleo e distribuio aos professores do Ensino Mdio de um kit de materiais didticos de Lngua Espanhola; elaborao de um captulo especfico para o Espanhol nas Orientaes Curriculares (2006); incluso das Lnguas Estrangeiras (Ingls e Espanhol) no Programa Nacional do Livro Didtico (PNLD 2011 anos finais do Ensino Fundamental e PNLD 2012 Ensino Mdio) e no Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), entre outras. A presente obra constitui mais uma dessas aes positivas, na medida em que pretende oferecer ao professor de Espanhol caminhos para reflexes terico-metodolgicas sobre o ensino desse idioma na Educao Bsica. O propsito desta publicao, assim, indicar possveis rotas para que o professor possa implementar um ensino crtico e significativo de Espanhol; seu objetivo, portanto, no ser um livro de receitas, mas sim um sinalizador de rumos que o do* Doutor em Letras Hispnicas. Professor da rea de Espanhol da UFMG. ** Doutora em Letras Neolatinas. Professora da rea de Espanhol da UFMG.

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cente pode tomar em seu exerccio pedaggico e um estmulo para que siga (re)construindo esses rumos, adaptando-os a sua realidade. Com tal propsito, busca-se discutir temas relacionados ao ensino de Espanhol na Educao Bsica, assumindo como fundamentos os Parmetros Curriculares Nacionais e as Orientaes Curriculares para o Ensino Mdio; tenta-se articular teoria, metodologia e prtica, de modo que o professor-leitor possa, a partir de cada artigo, ter ideias de como aplicar no planejamento, nos materiais didticos que adapta e/ou cria, nas atividades desenvolvidas em sala de aula etc., o que discutido e sugerido. Tomando como referncia os documentos mencionados, no possvel, portanto, privilegiar um enfoque nico e fechado, apresentando propostas infalveis e definitivas, com pouco ou nenhum espao para criao e ampliao. Ao contrrio, o que se pretende, com o intuito de alcanar os objetivos educacionais do ensino e aprendizagem de ELE, oferecer uma gama de possibilidades para que o professor possa atuar de maneira autnoma. Cabe comentar aqui, embora brevemente, que entendemos a formao e a atuao docente dentro de uma perspectiva crtica e reflexiva que permita avaliar e selecionar as propostas metodolgicas adequadas a sua realidade: o professor no deve ser um reprodutor de informaes, mas sim um construtor de conhecimentos. Tal percepo do papel do professor de Espanhol nos parece fundamental para que essa disciplina cumpra sua funo no contexto do Ensino Regular: contribuir para a formao de cidados letrados e crticos, com autonomia para enriquecer e continuar seu aprendizado. Pode-se concluir, assim, que no vemos a Lngua Estrangeira na Educao Bsica como um mero instrumento para o mercado de trabalho, como um signo de status social ou ainda como um conjunto de saberes tcnicos que se deve dominar para aplicar com fins especficos. Em nossa concepo, o Espanhol na Ensino Regular tem uma funo muito mais ampla a de educar e formar cidados , possibilitando contatos e encontros culturais relevantes e, mais que ensinar um cdigo, promover uma educao lingustica, discursiva e intercultural. Trata-se, em resumo, de cumprir o que sugerem os documentos oficiais que norteiam a

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Educao no Brasil (LDB, PCN, OCEM), por isso, esta obra busca dialogar com tais documentos, detalhando e aprofundando as diretrizes que apontam, discutindo o que se quer para o ensino de ELE na Educao Bsica, bem como apontando formas para se alcanar esse propsito e prticas possveis, desejveis e reais. Os artigos que apresentamos foram escritos por pesquisadores e professores da rea de ensino e aprendizagem de ELE, de diferentes regies e de diferentes Universidades Pblicas do Brasil. Portanto, trata-se de conhecimentos produzidos e pensados a partir de nossa realidade e para o contexto educacional brasileiro. Esses textos se complementam, mas sem perder sua especificidade; mantm-se a autonomia das diferentes vozes e se estabelece uma polifonia, um dilogo em que aparecem congruncias e, ao mesmo tempo, pluralidade de pontos de vista. O professor-leitor deve relacionar e conectar essas vozes, tendo como base sua prpria experincia e considerando seu contexto docente. O livro est organizado em duas partes: a primeira constituda dos quatro primeiros textos abarca temas que servem como uma referncia mais geral sobre o ensino e aprendizagem de Espanhol no Brasil; a segunda formada pelos outros nove textos apresenta temas de carter terico-metodolgico, cujos objetivos so: oferecer ao professor uma viso clara e fundamentada da perspectiva terica e dos conceitos abordados no artigo, por meio de uma linguagem clara e objetiva, com relao aos principais autores do campo tratado; e apontar passos e caminhos metodolgicos para o trabalho em sala de aula, mostrando ao professor como se pode pr em prtica o tema j discutido na teoria. Outros pontos que queremos esclarecer nesta Introduo so: a) para facilitar a referncia aos documentos e textos oficiais, usamos as seguintes siglas: OCEM (Orientaes Curriculares para o Ensino Mdio), PCN-EF (Parmetros Curriculares Nacionais -Ensino Fundamental), PCN-EM (Parmetros Curriculares Nacionais-Ensino Mdio), PNLD 2011 (Edital do Programa Nacional do Livro Didtico para os anos finais do Ensino Fundamental), PNLD 2012 (Edital do Programa Nacional do Livro Didtico para o Ensino Mdio),

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Guia PNLD 2011 (Guia de Livros Didticos do Programa Nacional do Livro Didtico para os anos finais do Ensino Fundamental); b) informamos tambm que h dois textos em espanhol por ser essa a lngua materna dos respectivos autores; c) colocamos ao final da obra a bibliografia referida ao longo dos textos, para facilitar a consulta.

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Captulo 1

Leis e lnguas: o lugar do espanhol na escola brasileiraFernanda dos Santos Castelano Rodrigues* Espanhol Volume 16 Ensino de lnguas estrangeiras: uma questo de poltica lingusticaAt bem pouco tempo, falar em ensino/aprendizagem de lngua estrangeira no Brasil significava, quase exclusivamente, abordar o tema sob a perspectiva da Lingustica Aplicada. Alguns indcios apontam, felizmente, para uma alterao neste panorama. Rajagopalan, por exemplo, em artigo publicado em 2006, afirma que est havendo uma percepo crescente de que o ensino de lngua estrangeira deve estar atento ao contexto poltico em que o mesmo se d, tanto quanto aos aspectos estritamente lingsticos (RAJAGOPALAN, 2006, p. 20). Em vrios momentos, o autor declara estar falando do ensino de ingls como lngua estrangeira, porm, muitas de suas asseres transcendem o campo de atuao nessa lngua. Tal o caso do que coloca quando opina que talvez tenha chegado a hora de no s traar novos rumos para a L.A, mas de livrar o ensino de lnguas, de uma vez por todas, das garras das teorias lingsticas hegemnicas que insistem na tese de autonomismo, segundo o qual o fenmeno lingstico deve ser abordado sem se preocupar com

* Doutora em Lngua Espanhola. Professora da rea de Lngua Espanhola e suas Literaturas da UFSCar.

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seus eventuais desdobramentos polticos e ideolgicos, nem tampouco levar em considerao as implicaes prticas deles decorrentes (op. cit., p. 18-19). O autor comprova a presena do poder poltico at mesmo nos momentos mais cotidianos e triviais da prtica docente no ensino de lnguas estrangeiras afirmando que as tcnicas utilizadas em sala de aula decorrem pelo menos em princpio de mtodos adotados e previamente definidos, que por sua vez, se baseiam em abordagens entendidas como parte integral de uma poltica lingstica, esta sim definida nas altas esferas na escala institucional (op. cit., p. 19-20).

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De nosso ponto de vista, no apenas concordamos totalmente com as palavras do autor, mas tambm afirmamos que escrevemos este trabalho que faz parte de um conjunto amplo de reflexes que vimos desenvolvendo nos ltimos anos com o intuito de contribuir para adensar estas reflexes acerca das polticas lingusticas elaboradas e implementadas pelo poder pblico e das relaes que essas polticas podem ter especificamente com o ensino do espanhol como lngua estrangeira nas escolas brasileiras.

O conceito de poltica lingusticaJustamente porque a poltica lingustica tem sido discutida com mais frequncia e intensidade no mbito acadmico-cientfico h pouco tempo, tambm pode-se dizer que tm proliferado os pontos de vista com os quais se interpretam e analisam este campo1. De nossa parte, coincidimos com Varela, que afirma que o Estado la entidad capaz de asumir una poltica lingstica que aspire a cambiar un estado de cosas (VARELA, 2008, p. 4). Da o fato de a1

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Vale lembrar que a poltica lingustica enunciada e assumida como campo de investigao relativamente recente: Louis-Jean Calvet, um dos primeiros autores a sistematizar definies e alcances da disciplina, explica que o sintagma language planning (traduzido ao portugus como planejamento lingustico) apareceu em 1959 em um texto de Einar Haugen, que descrevia a interveno estandarizadora do Estado noruegus sobre a lngua oficial do pas, com o objetivo de construir uma identidade nacional aps sculos de dominao dinamarquesa (CALVET, 2007, p. 12).

definio deste conceito proposta pela autora explicitar o papel do Estado no planejamento e na execuo dessas polticas: Definimos entonces la poltica lingstica como el conjunto de decisiones y acciones promovidas por el poder pblico, que tienen por objeto principal una (o ms) lengua(s) de su rbita, y estn racionalmente orientadas hacia objetivos que son tanto lingsticos (esto es, determinado efecto sobre el corpus de la lengua, su estatuto y/o su adquisicin) como no lingsticos (op. cit., p. 4). Ainda segundo Varela, essas trs dimenses afetadas por uma poltica lingustica a saber, o corpus de uma lngua, seu estatus e sua aquisio esto estrechamente imbricadas, por lo que decisiones que apunten a una de ellas en primera instancia tendrn necesariamente algn impacto en las otras (op. cit., p. 4). Considerando, pois, a poltica lingustica como uma engrenagem que articula diferentes dimenses, mas que, em todos os casos, se configura como uma ao que se vincula diretamente ao poder do Estado, este trabalho tem como objetivo principal analisar as polticas que visam incluso do espanhol como lngua estrangeira a ser oferecida nos estabelecimentos de Ensino Mdio do pas, com vistas implementao da Lei No 11.1612.

O lugar do espanhol entre as lnguas estrangeiras na legislao educacional brasileira do sculo XX3A presena do espanhol no sistema educacional brasileiro no se inaugura com a aprovao da Lei No 11.161 em 2005 e sua implementao a partir de 2010. Daher (2006) encontra a primeira referncia a esta lngua na rede oficial de ensino em 1919, no Colgio Pedro II, no Rio de Janeiro, quando o professor Antenor Nascentes foi2

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Utilizamos os verbos em presente nesta sentena pois, no momento em que estamos escrevendo o presente artigo (abril de 2010), a oferta obrigatria da lngua espanhola na escola mdia brasileira lei, mas ainda no fato. A apresentao a que procederemos neste item do artigo se baseia nas reflexes contidas em nossa tese de doutorado (cf. RODRIGUES, 2010), realizada sob a orientao da Profa. Dra. Mara Teresa Celada, junto ao Programa de PsGraduao em Lngua Espanhola e Literaturas Espanhola e Hispano-americana da Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas da Universidade de So Paulo (FFLCH/USP).

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aprovado em concurso para ocupar a ctedra de lngua espanhola daquela instituio. Nesse momento, porm, a lngua espanhola no fazia parte das disciplinas de lnguas estrangeiras obrigatrias que a legislao daquele perodo previa para os currculos escolares. A primeira legislao educacional que incluiu a lngua espanhola como disciplina obrigatria nos currculos do ento Ensino Secundrio foi a Lei Orgnica do Ensino Secundrio, de 1942, que se insere em um conjunto de medidas que pretendiam reestruturar a educao nacional, conhecido como Reforma de Capanema nome do ministro que a idealizou, Gustavo Capanema4. De acordo com esse decreto, o espanhol era ensinado como disciplina obrigatria durante o 1o ano dos cursos Clssico ou Cientfico e possua, portanto, uma carga horria bastante reduzida se comparada aos anos de estudo dedicados a outras lnguas modernas, como o ingls e o francs, ou mesmo s clssicas, latim e grego (BRASIL, 1942a; 1942b)5. O panorama que esse decreto de 1942 instaurou para a oferta de lnguas estrangeiras nas escolas brasileiras foi radicalmente alterado em 1961, com a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educao (LDB), em cujo texto no se encontra uma s referncia ao ensino de lnguas estrangeiras: nenhuma das lnguas que compunham o currculo da Reforma de Capanema francs, ingls, espanhol, latim ou grego aparece entre as disciplinas obrigatrias do currculo nessa LDB (BRASIL, 1961). preciso reconhecer, no entanto, que a LDB de 1961 abria uma brecha para que as lnguas estrangeiras continuassem a ser ensinadas nas escolas. Isto se deveu ao fato de que essa lei descentralizou as determinaes sobre a educao no pas ao criar os Conselhos Estaduais de Educao (CEEs), rgos que passaram a ser co-responsveis pela organizao da estrutura curricular, completando o quadro de disciplinas obrigatrias e determinando aquelas que4

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Os nveis escolares, a partir da Reforma de Capanema, passaram a se dividir em Primrio (para crianas de 7 a 11 anos) e Secundrio (dos 12 aos 18 anos). Este ltimo, por sua vez, partia-se em Ginasial (com 4 anos de durao) e Clssico ou Cientfico (com 3 anos de durao). A distribuio dessas outras lnguas como disciplinas obrigatrias no currculo implementado pelo decreto de 1942 era a seguinte: a) Francs: 4 anos no Ginasial e 2 anos no Cientfico ou 2 anos como opo no Clssico (a opo se fazia entre francs e ingls); b) Ingls: 3 anos no Ginasial e a mesma condio do francs no Cientfico e no Clssico; c) Latim: 4 anos no Ginasial e 3 anos no Clssico (ausente no Cientfico); d) Grego: 3 anos no Clssico (ausente no Ginasial e no Cientfico).

seriam includas como optativas, tendo sempre em conta as realidades e especificidades de cada regio. Assim, as lnguas estrangeiras encontraram condies para subsistir, j que, mesmo tendo sido excludas do texto legal na LDB de 1961, poderiam ser includas como obrigatrias ou optativas pelos CEEs. E foi efetivamente o que aconteceu na maioria dos Estados, sobretudo porque as determinaes do decreto de 1942 haviam organizado minimamente uma estrutura escolar para a oferta de vrias lnguas estrangeiras que pode ser aproveitada aps 1961. Essa oportunidade de subsistncia que a LDB abria, porm, no foi sentida da mesma maneira por todas as lnguas que se ensinaram entre 1942 e 1961. O espanhol foi, entre as trs lnguas modernas obrigatrias ao lado do francs e do ingls , aquela que desfrutou do menor poder de adeso na estrutura curricular desse perodo, devido a sua presena praticamente simblica nos cursos Clssico e Cientfico (contando com apenas um ano de estudo) e ao pouco tempo de que disps para poder se consolidar nesse nvel de ensino. Esses foram alguns dos fatores que colaboraram para que a lngua espanhola praticamente desaparecesse dos currculos das escolas brasileiras depois da LDB de 1961 e voltasse a ser discutida somente com a aprovao da Lei No 11.1616. De acordo com tudo o que vimos explicando, podemos afirmar que interpretamos a LDB de 1961 como uma lei que alterou a direo do ensino de lnguas estrangeiras nas escolas das redes oficiais do pas por meio da produo de um apagamento absoluto dessa disciplina no texto legal que determinava a estrutura dos currculos escolares. Ou seja: se o decreto de 1942 valorizava a presena das lnguas estrangeiras (modernas e clssicas) como disciplinas obrigatrias nos currculos do ento Ensino Secundrio, a LDB de 1961 rompeu esse movimento de valorizao e deu incio a um processo que temos chamado de desoficializao do ensino de lnguas

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No desejamos simplificar esse complicado processo por meio do qual o ingls foi se tornando paulatinamente a lngua estrangeira ensinada na escola, mas, neste momento e considerando as dimenses deste trabalho, queremos apenas apontar, como afirmamos, alguns dos fatores que contriburam para que o espanhol no tenha se firmado como lngua estrangeira a ser ensinada nas escolas brasileiras. Para mais informaes sobre este processo, ver Gonzlez, 1996; Celada, 2002; Sousa, 2005 e Rodrigues, 2010.

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estrangeiras por parte do Estado em suas escolas 7, com a excluso dessa disciplina da grade curricular obrigatria. No texto da LDB de 1971, que substituiu a de 1961, voltaram a aparecer as lnguas estrangeiras, mas apenas como sugesto de disciplina a ser escolhida pelos CEEs para compor os currculos dos estabelecimentos de ensino (BRASIL, 1971). Somente numa Resoluo do Conselho Nacional de Educao (CNE) de 1976, que emenda a LDB de 1971, que esse processo de desoficializao passou por alguma alterao e as lnguas retornaram com obrigatoriedade de ensino no ncleo comum da estrutura curricular do 2o Grau hoje Ensino Mdio e tiveram sua incluso tambm recomendada para o 1 o Grau Ensino Fundamental (BRASIL, 1976). interessante notar que o texto da Resoluo de 1976 determinava o estudo de Lngua Estrangeira Moderna (op. cit.), sem especificao sobre qual ou quais lngua(s) deveria(m) ser ensinada(s) determinao que deveria ser feita pelos CEEs , mas promovendo, inequivocamente, a excluso das lnguas clssicas e, consequentemente, a valorizao de lnguas veiculares, em particular, o ingls. A partir desta anlise que apresentamos de maneira breve, podemos dizer que desde a LDB de 1961 nenhuma lngua estrangeira especfica pode ser declarada obrigatria nos currculos escolares pela legislao nacional e a obrigatoriedade da disciplina passou a estar condicionada a sua escolha pelos CEEs.

A obrigatoriedade na LDB de 1996 e na Lei No 11.161/2005A LDB em vigncia atualmente e tambm no momento da sano da Lei No 11.161 data de 1996. Foi essa a lei responsvel por alterar as determinaes sobre o ensino de lnguas estrangeiras da Resoluo de 1976, que comentamos anteriormente. O artigo 36o, inciso III da seo referente ao Ensino Mdio dessa legislao afirma que ser includa uma lngua estrangeira moderna, como disciplina obrigatria, escolhida pela comunidade escolar,7

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Optamos pelo termo desoficializao, pois acreditamos que o processo que tentamos designar se fundamenta basicamente na desvalorizao e, em alguns casos, at mesmo na excluso do ensino de lnguas estrangeiras dos currculos das redes oficiais de ensino do pas (cf. RODRIGUES, 2010).

e uma segunda, em carter optativo, dentro das possibilidades da instituio (BRASIL, 1996; os grifos so nossos). Esse fragmento se diferencia daquele que citamos da Resoluo de 1976 por colocar a escolha de uma lngua estrangeira moderna a ser ensinada nas escolas sob a responsabilidade da comunidade escolar. Continuou presente no texto da LDB de 1996, no entanto, a determinao da obrigatoriedade de uma lngua estrangeira moderna a ser oferecida no Ensino Mdio e surgiu a possibilidade de incluso de uma segunda lngua como optativa, nos casos em que os estabelecimentos tivessem condies de oferta. Tambm prevaleceu nessa ltima LDB a indeterminao quanto a qual/quais seria(m) essa(s) lngua(s) ensinada(s) indicando apenas que fosse moderna. Foi tendo em conta essas normativas de 1996 que a textualidade da Lei No 11.161/2005 precisou funcionar para poder ser aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo presidente da Repblica, isto , para poder existir. Neste sentido, quando o Artigo 1o desta lei afirma que o ensino da lngua espanhola dever ser de oferta obrigatria pela escola e de matrcula facultativa para o aluno [...] nos currculos plenos do ensino mdio (BRASIL, 2005), seu texto est dialogando de modo fundamental com o texto da LDB de 1996, pois tornar o espanhol uma disciplina obrigatria nos currculos desse nvel de ensino suporia ferir a LDB e, neste caso, uma lei que propusesse essa alterao seria declarada inconstitucional, o que inviabilizaria sua aprovao8. Considerando essas especificaes que a LDB de 1996 impunha, o deputado tila Lira apresentou ao Congresso Nacional, em 2000, um projeto de lei (PL) com certas modalizaes que o tornavam aprovvel, ou seja, se constitua numa proposta de incluso da lngua espanhola nos currculos de ensino mdio que preservava o esprito da LDB ao no declarar o ensino obrigatrio do espanhol, mas sim oferta obrigatria com matrcula optativa e, ao mesmo tempo, produzia a determinao da presena obrigatria dessa lngua estrangeira particular no espao de todos os estabelecimentos8

Efetivamente, houve projetos de lei que pretendiam incluir o espanhol como disciplina obrigatria nos currculos de Ensino Fundamental e/ou Mdio que foram declarados inconstitucionais por conta justamente de contrariarem as LDBs de 1971 (na verdade, a Resoluo de 1976) e de 1996. Sobre projetos de lei de 1958, 1987 e 1993, ver RODRIGUES, 2010.

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escolares de nvel mdio do pas. Foi essa verdadeira manobra na redao da proposio apresentada pelo deputado Lira no PL que possibilitou sua aprovao9. Graas ao fato de a Lei No 11.161 promover essa determinao de oferta da lngua espanhola, tem circulado em diversos mbitos acadmico e jornalstico, sobretudo uma metonmia segundo a qual esta a Lei do Espanhol. Nossa interpretao, no entanto, diferente. Tendo em conta algumas respostas que a Cmara de Educao Bsica (CEB) do CNE elaborou para certas questes que o Conselho Estadual de Sergipe formulou com o objetivo de esclarecer pontos obscuros da lei, visando a sua regulamentao naquele Estado cujo contedo completo figura no Parecer N o 18/2007 , acreditamos ser possvel afirmar que esta que tem sido chamada de Lei do Espanhol se configura, na verdade, como uma lei de ampliao da oferta de lnguas estrangeiras no Ensino Mdio visto que, de acordo com as afirmaes do Parecer e do modo como tem sido regulamentada pelos Conselhos Estaduais, a Lei No 11.161 obriga a oferta de ao menos duas lnguas estrangeiras nesse nvel de ensino, sendo uma obrigatria a todos os alunos e de escolha da comunidade escolar e outra, optativa. Embora uma dessas duas posies deva ser sempre ocupada pela lngua espanhola, que passa, portanto, a habitar o espao escolar obrigatoriamente, temos de considerar o fato de que a Lei No 11.161 promove a diversificao da oferta de ensino de lnguas no Ensino Mdio e no sua restrio com a imposio do espanhol como lngua obrigatria. Outro ponto polmico da Lei No 11.161, vinculado ao que vimos chamando de processo de desoficializao do ensino de lnguas estrangeiras nas escolas, aparece expresso nos seguintes artigos: Art. 3 Os sistemas pblicos de ensino implantaro Centros de Ensino de Lngua Estrangeira, cuja programao incluir, necessariamente, a oferta de lngua espanhola.9

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A desoficializao na Lei No 11.161/2005

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verdade que essa oferta obrigatria com matrcula optativa tem gerado discusses e problemas na regulamentao e na implantao da Lei N o 11.161 por parte dos Conselhos e Secretarias Estaduais da Educao. No nos ateremos, neste trabalho, anlise desse aspecto da referida lei.

Art. 4 A rede privada poder tornar disponvel esta oferta por meio de diferentes estratgias que incluam desde aulas convencionais no horrio normal dos alunos at a matrcula em cursos e Centro de Estudos de Lngua Moderna. Ao estipular que A rede privada poder tornar disponvel esta oferta por meio de diferentes estratgias que incluam desde aulas convencionais no horrio normal dos alunos at a matrcula em cursos e Centro de Estudos de Lngua Moderna, os fragmentos destacados colocam em funcionamento uma indeterminao que configura as possibilidades a serem utilizadas por essa rede privada diferentes estratgias , deixando aberto um vo que tudo admitiria desde ... at .... Essa indeterminao aponta para a legitimao de uma prtica que j se d em muitas escolas da rede particular de modo mais intenso desde os anos noventa a partir da qual as lnguas estrangeiras, sobretudo o ingls, j so ensinadas por escolas de idiomas de maneira totalmente alheia no apenas grade curricular do estabelecimento, mas tambm, e o que mais preocupante, sem nenhuma conexo com seu projeto pedaggico. Ademais, do ponto de vista do ensino de lnguas estrangeiras em contexto escolar, acreditamos que esse fragmento da lei funciona no sentido de explicitar aquilo que, a partir das reflexes de Souza (2005), pudemos caracterizar como uma disjuno entre a lngua estrangeira da escola e a lngua estrangeira dos cursos livres nessa textualidade legal denominados, aparentemente, como Centros de Ensino de Lngua Estrangeira ou Centro de Estudos de Lngua Moderna. Ou seja, os artigos 3o e 4o da Lei No 11.161, ao preverem a implantao de Centros de Ensino de Lngua Estrangeira nos sistemas pblicos de ensino (artigo 3o) e a matrcula dos alunos em cursos e Centro de Estudos de Lngua Moderna na rede privada (artigo 4o), materializam no texto legal essa disjuno, funcionando no sentido de legitimar uma prtica que se vincula ao processo de desoficializao do ensino das lnguas estrangeiras em contexto escolar que, como j apontamos, tem incio com a LDB de 1961. Segundo uma imagem que ganha espessura e se estende pelo Brasil a partir dos anos 60, a escola no ensina bem as lnguas estrangeiras e, por isso, essa disciplina deve ser concebida como um contedo extracurricular, podendo ser estudada isoladamente, sem vnculos com as demais disciplinas que

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compem a grade do Ensino Mdio, em centros e institutos que se dedicam exclusivamente a esse ramo de atividade e no se vinculam ao planejamento escolar de modo geral.

O papel das Orientaes Curriculares na implantao da Lei No 11.161/2005So muitos os aspectos da Lei No 11.161 sobre os quais deve incidir o trabalho de interpretao dos CEEs para sua implementao. No vamos nos deter em analisar todos. No entanto, com base no que j afirmamos neste trabalho, ressaltamos o fato de que algumas das interpretaes desses Conselhos, assim como alguns dos movimentos realizados pelas Secretarias de Educao dos Estados para a implantao da lei tm provocado a indignao da comunidade de pesquisadores, docentes e estudantes de lngua espanhola no Brasil, pois parecem desconsiderar toda a reflexo que tem sido elaborada h dcadas no pas. Neste sentido, concordamos com o que destaca Gonzlez: [...] no es suficiente la promulgacin de la ley para que de hecho se implante el espaol en nuestras escuelas de Enseanza Media, especialmente las pblicas; ser necesario [...] mucho ms, sobre todo un efectivo deseo poltico, nacido de intereses y necesidades nacionales y no ajenas, y que se traduzca en gestos firmes y legtimos, en buenas inversiones y en trabajo serio (GONZLEZ, 2009, p. 31). Entre algumas das aes de trabalho srio para a implantao do espanhol nas escolas brasileiras levadas a cabo antes de que expirasse o prazo para a execuo da Lei No 11.161 est a publicao, realizada em 2006 pelo Ministrio da Educao (MEC), das Orientaes Curriculares para o Ensino Mdio (OCEM) Conhecimentos de Espanhol (MEC/SEB, 2006). Sem dvida, este documento pode (e deve) servir de guia para os professores que atuam ou atuaro diretamente no ensino desta lngua estrangeira nas escolas, alm de tambm poder contribuir para que a regulamentao dessa disciplina seja feita com coerncia e responsabilidade por parte dos CEEs. Isso se deve, sobretudo, ao fato de que, na concepo das OCEM, o processo de aprendizagem de lnguas estrangeiras tido como um

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Consideraes finais: um lugar para o espanhol na escola brasileiraNosso objetivo neste trabalho foi o de contribuir para a produo de conhecimento, entre os professores do Ensino Bsico, sobre o funcionamento das determinaes legais acerca do ensino de lnguas estrangeiras e sobre o modo como essas determinaes incidem diretamente em sua prtica docente, mesmo que, na maioria das vezes, isto no aparea como uma evidncia. O reconhecimento dos processos pelos quais o ensino de lnguas estrangeiras em contexto escolar no Brasil tem passado desde a primeira LDB, de 1961, nos ajuda a perceber como, de um modo geral, essa disciplina aparece, num certo imaginrio, desvinculada do estabelecimento escolar, o que explica as numerosas tentativas de produzir sua efetiva separao com relao s demais disciplinas oferecidas pela escola em suas estruturas curriculares.

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momento privilegiado na construo coletiva do conhecimento e na formao do cidado (p. 131), o que contribui para levar o estudante a ver-se e constituir-se como sujeito a partir do contato e da exposio ao outro, diferena, ao reconhecimento da diversidade (p. 133). Esta considerao aponta, portanto, para a necessidade da manuteno do ensino da lngua estrangeira no interior da instituio escolar e no sua terceirizao, ou seja, seu estudo fora da escola, em Centros de Ensino de Lngua Estrangeira ou Centro de Estudos de Lngua Moderna, tal como permitiria a prpria Lei N o 11.161. A integrao do processo de aprendizagem de lnguas estrangeiras com as demais disciplinas que compem o currculo de cada estabelecimento uma forma de respeitar a proposta de formao integral, alm de uma oportunidade de fazer com que a lngua estrangeira estudada, faa sentido no/para aluno. Vale ainda insistir sobre um aspecto significativo das OCEM, destacado por suas autoras: este documento possui um carter minimamente regulador, o que significa que no pretende impor metodologias ou contedos, mas sim trazer esclarecimentos, marcar posies terico-metodolgicas, sugerir caminhos de trabalho (p. 127) que objetivam produzir conhecimento por meio da reflexo crtica acerca dos sentidos que o processo de ensino/aprendizagem da lngua espanhola pode adquirir no contexto escolar brasileiro.

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Ao mesmo tempo, alguns gestos de uma poltica oficial no caminho da implantao da Lei N o 11.161/2005, como a publicao das OCEM, nos do suficiente respaldo para seguir exigindo que o ensino de lnguas estrangeiras continue subordinado s instituies escolares e que seus contedos, obrigatoriamente, se relacionem com o projeto pedaggico dos estabelecimentos, das cidades e das regies nos quais se inserem. No caso especfico da lngua espanhola, sua primeira tentativa de incluso nos currculos escolares por meio do decreto de 1942 no obteve xito, como afirmamos neste artigo e como se pode constatar com a aprovao da Lei No 11.161, que se constitui em mais uma tentativa de fazer prosperar seu ensino no contexto do sculo em que vivemos. Certamente, gestos firmes e legtimos e, sobretudo, trabalho srio so as formas de colaborao para o sucesso desse processo que se esperam das instncias polticas, mas tambm de pesquisadores e professores de espanhol, em todos os nveis de ensino.

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Iniciativas para a implantao do espanhol: a distncia entre o discurso e a prticaNeide Maia Gonzlez* IntroduoA sano da Lei 11.161 em 05/05/2005 trouxe consigo a necessidade de que decises a respeito da implantao da oferta da disciplina de Lngua Espanhola nas escolas tivessem de ser tomadas pelas vrias instncias que regulam as atividades educativas de nosso pas, nos nveis municipal, estadual e federal. Desde aquela data at o momento em que este texto estava sendo escrito, temos procurado acompanhar, tanto quanto possvel, as diversas aes ou a falta delas, em alguns casos e fomos testemunha de alguns gestos positivos, mas tambm de uma sucesso de iniciativas desencontradas e incoerentes, que envolvem, por um lado, a falta de entendimento entre essas diversas instncias (lembremos que a lei federal, mas sua implementao depende dos municpios e principalmente dos estados); por outro, envolvem tambm um jogo permanente com a informao (relativo a nmeros, necessidades, possibilidades, disponibilidades etc.) veiculada por organismos interessados na questo e pela imprensa, jogo esse que no tem feito outra coisa seno levar a uma conveniente desinformao. Alm disso, observa-se uma disputa ferrenha pela ocupao de

* Doutora na rea de Semitica e Lingstica Geral. Professora do Programa de Ps-graduao da USP.

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espaos (quem forma professores, como os forma, que materiais se utilizaro etc.) de modo a garantir hegemonias de diversa ndole (lingustica, cultural, mas tambm poltica e econmica). Como se pode ver, portanto, a Lei 11.161, que alm de tudo apresenta imprecises e ambiguidades, trouxe consigo problemas, disputas, mas tambm abriu espaos para discusses e tomadas de posio que podero, a mdio e longo prazo, trazer benefcios para o ensino do espanhol e para a educao no Brasil. Neste captulo, faremos referncia a algumas dessas iniciativas, a nosso ver bem intencionadas e de qualidade, mas, ao mesmo tempo, procuraremos apontar um pouco a distncia que ainda existe entre algumas delas e o que por ora chamaremos, de modo bastante amplo, de prtica; distncia essa que provavelmente se deve a uma falta de objetivos e de planejamento claros bem como de coordenao entre as diversas instncias polticas. Comentaremos, especificamente, duas dessas iniciativas, tomadas no mbito do governo federal, pelo Ministrio da Educao: a publicao de um captulo especfico sobre Conhecimentos de Espanhol no volume das Orientaes Curriculares para o Ensino Mdio (OCEM) do Ministrio da Educao/SEB (2006) e a incluso da lngua espanhola, juntamente com a lngua inglesa, no Programa Nacional do Livro Didtico (PNLD), tanto na sua verso para as sries finais (6 a 9 anos) do Ensino Fundamental (PNLD 2011) quanto para o Ensino Mdio (PNLD 2012). Nosso foco, neste momento, ser mais o PNLD 2011, no apenas em virtude de termos participado diretamente de todo o processo na qualidade de representante do componente curricular Lngua Estrangeira Moderna (LEM) na Comisso Tcnica instituda pelo MEC, mas tambm porque o outro processo (PNLD 2012) ainda est sendo iniciado e no nos cabe neste momento tecer comentrios at que ele esteja concludo; neste ltimo caso, faremos apenas referncia a alguns dados do edital, neste momento j publicado pelo FNDE em seu portal. Trataremos de enfatizar a importncia dessas iniciativas, em especial como sinalizadoras dos rumos que desejaramos que tomasse o ensino de lnguas estrangeiras na escola regular, e da produo de materiais para esse fim, algo que, quer seja pelas razes j apontadas, quer seja por um conjunto de outras questes que tradicionalmente vm marcando nossas prticas, est distante ainda de acontecer, mas que desejamos que acontea.

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As Orientaes Curriculares para o Ensino Mdio Conhecimentos de EspanholSancionada a Lei 11.161 em 05 de agosto de 2005, recebemos imediatamente um convite por parte da Secretaria da Educao Bsica (SEB), do Ministrio da Educao, inicialmente, para compor a equipe que escreveria sobre o componente curricular LEM. No entanto, por diferentes razes, mas, sobretudo, pelo fato de que o espanhol passava a ser, a partir dessa lei, a nica lngua explicitamente designada como de oferta obrigatria, tomou-se a deciso de que teramos um captulo parte e especfico para questes relacionadas ao ensino e aprendizagem desse idioma1. O impacto dessa deciso exigiu de ns um grande esforo no sentido de entender os motivos pelos quais havamos chegado a essa situao indita e surpreendente para todos os que nos dedicamos ao ensino do espanhol no Brasil e tambm no sentido de traar rumos para que a oferta do ensino da lngua espanhola no ficasse atrelada estritamente a questes de mercado, sobretudo tendo em conta o peso que a assinatura do Tratado do Mercosul havia tido sobre essa nova situao. Ficava claro, assim, que as OCEM (MEC/SEB, 2006) deveriam sinalizar os rumos que o ensino da Lngua Espanhola deveria seguir, o que lhes dava, portanto, um carter at certo ponto regulador que, nas etapas posteriores, precisaria ser amplamente discutido pelas comunidades nas quais esse ensino se concretizaria. A nossa interpretao foi e continua sendo a de que a sano da lei esteve claramente associada a um gesto marcado, de forma inequvoca, por objetivos de natureza cultural, poltica e econmica, [...] uma vez que a LDB prev a possibilidade de oferta de mais de uma lngua estrangeira, sem nenhuma outra especificao (OCEM, p. 127). Por isso dizemos, ainda na introduo ao documento, que a Lei 11.161 constitui [...] um gesto de poltica lingstica, que exige uma reflexo acerca do lugar que essa lngua [o espanhol] pode e deve ocupar no processo educativo., bem como [...] uma reflexoO Captulo Conhecimentos de Espanhol foi escrito em conjunto com a Professora Isabel Gretel M. Eres Fernndez, docente da Faculdade de Educao da Universidade de So Paulo, e contou com uma equipe de leitores crticos integrada por professores de diferentes nveis e de diferentes regies e instituies de ensino do pas.

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sobre a maneira possvel de trabalh-la com o mximo de qualidade e o menor ndice de reducionismo, um reducionismo a que, ao longo da histria, se viu afetada a nossa relao com a Lngua Espanhola e com os povos que a falam (p. 128). Esse reducionismo a que fazemos meno se traduz em idealizaes, em representaes, em esteretipos de todo tipo, quando no de preconceitos, a respeito da lngua (parecida com a nossa, fcil, de estudo dispensvel...), na sua enorme variedade, muitas vezes apagada ou rechaada, e de seus falantes. Todos eles circulam livremente pela imprensa, aparecem em diversas falas e muitas vezes povoam os prprios materiais produzidos para o ensino do espanhol. Fica claro, ento, no documento citado, o papel educativo, formador que deve ter o ensino de lnguas estrangeiras, neste caso especificamente o do espanhol, na educao regular, razo pela qual se torna imprescindvel trabalhar a lngua no apenas como forma de expresso, mas como constituinte de significados e valores que devem ser permanentemente objetos de reflexo, inclusive na relao que estabelecem com os nossos prprios significados e valores e com outros tantos que circulam por esse mundo globalizado. Assumimos que o ensino da lngua estrangeira deve levar o estudante a ver-se e constituir-se como sujeito a partir do contato e da exposio ao outro, diferena, ao reconhecimento da diversidade, valorizando inclusive a diversidade que o constitui e que nem sempre ele reconhece e aceita. Como j dissemos antes, o documento sinaliza rumos, tanto para a concepo de ensino de lnguas quanto para a elaborao de materiais para esse ensino. Em linhas gerais, podemos dizer que, nas OCEM, trabalha-se com determinados conceitos de lngua e cultura e com as formas de abord-las no mundo de hoje e em nossa sociedade, nas quais as antigas habilidades se diluem e interpenetram; procura-se superar o carter puramente veicular do ensino de lnguas nesse nvel 2, dando-lhe um peso especial no processo educativo global, pelo que entende-se que essa

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Isso pode ser estendido tranquilamente aos demais nveis da Educao Bsica, nos quais o propsito educativo deve vir antes de qualquer outro. o que veremos, inclusive, no momento em que comentarmos o PNLD 2011, para as sries iniciais do Ensino Fundamental.

disciplina s tem sentido se interagir com as demais presentes no currculo escolar; parte-se do pressuposto de que a exposio alteridade, diversidade, heterogeneidade e convivncia com o diverso constituem-se num caminho frtil para a construo da identidade, alm de abrirem a possibilidade de desconstruir esteretipos e de superar preconceitos; por isso, uma das competncias bastante valorizadas no documento a (inter-)pluricultural; no se tem a pretenso de trazer solues para todos os eventuais problemas e/ou desafios do ensino em questo, razo pela qual as OCEM no constituem um plano curricular, ficando este a cargo dos estabelecimentos escolares, responsveis pela elaborao do seu projeto poltico pedaggico (PPP), em funo da sua realidade e das suas necessidades; oferece-se, por isso mesmo, uma reflexo de carter amplo e no um modelo fechado, com sequenciamento de contedos, sugestes de atividades a serem seguidas risca e uma nica e exclusiva linha de abordagem; proporcionam-se algumas reflexes de carter terico-prtico para poder compreender um pouco mais os conflitos inerentes educao, ao ato de ensinar, cultura que consolida a profisso de professor, ao aprendizado de Lnguas Estrangeiras e construo de viso de mundo, para que seja possvel, qui, melhor lidar com eles.

As OCEM constituram-se, e ainda se constituem, portanto, na abertura de um caminho que ter de ser permanentemente revisto, reavaliado medida que for sendo percorrido. Mas indica um rumo e esse rumo est diretamente relacionado a um determinado momento histrico e poltico, bem como a um momento da pesquisa no campo dos estudos da linguagem e da lingustica aplicada. Na sua parte mais especfica, para sinalizar esse rumo, as OCEM refletem sobre algumas especificidades no ensino da lngua espanhola a brasileiros. Para dar conta disso, aborda-se, em primeiro lugar, uma questo crucial, que permanentemente aflige os professores e tambm os produtores de materiais didticos: a heterogeneidade do espanhol, expressa nas suas muitas variedades, de diferentes

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naturezas (social, regional, entre muitas outras). O que fazer com ela? Que espanhol ensinar? perguntamo-nos. Aparentemente, e num primeiro plano, a abordagem das variedades do espanhol seria uma questo de natureza fundamentalmente didtica, que exige decises e escolhas. No entanto, preciso explicitar que se trata tambm, talvez, sobretudo, de uma questo de carter poltico e ideolgico, que precisa ser enfrentada com o mximo de conscincia, at para que no fiquemos sujeitos ao peso do poder e dos interesses econmicos que procuram dar a ela uma soluo hegemnica, at mesmo quando essa hegemonia vem atenuada (para no dizer disfarada) pela noo de panhispanismo. Tal noo, segundo Fanjul (2008), propaga uma poltica supranacional que no condiz com o direcionamento que se pretende dar ao ensino do espanhol, em especial quando o pensamos como um elemento chave no processo de integrao com as naes vizinhas, um argumento reiteradamente utilizado at para que a Lei 11.161 fosse aprovada. Segundo Fanjul (2008, s. p.), [...] todos esses passos na integrao regional nos campos educativo e cultural apontam uma perspectiva para o espanhol no Brasil bastante diferenciada da uniformizao panhispnica e da essncia lingstica supranacional que essa poltica propaga mediante produtos para o mercado de ensino j elaborados para condies completamente diferentes. A afirmao de Fanjul se mostra totalmente compatvel com o que preconizam as OCEM, nas quais se estimula at mesmo para tornar possvel o projeto de integrao latino-americana a negao da hegemonia lingustica e cultural e o contato com a diversidade, com a heterogeneidade constitutiva do espanhol. Por isso, no documento se prope que a pergunta Que Espanhol ensinar? seja substituda por uma outra: Como ensinar o Espanhol, essa lngua to plural ...? (OCEM, p. 134). Para dar conta disso, o professor de espanhol atuaria como um articulador de vozes, passando, sempre que necessrio e possvel, a palavra para as muitas vozes, os muitos sotaques, que representem as muitas realidades e histrias que conformam a riqueza desse mundo falado por uma lngua efetivamente policntrica, uma lngua que so muitas lnguas.

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Uma digresso a ttulo de ilustraoApenas a ttulo de ilustrao dessa postura, claramente marcada pela valorizao da heterogeneidade algo que se mostra necessrio quando pensamos que este texto constitui um captulo de um dos volumes da coleo Explorando o ensino, do MEC , faremos uma breve digresso e mencionaremos uma experincia vivida h vrios anos, quando, com duas colegas de departamento (Maite Celada e Zulma Kulikowski), aceitamos o convite para escrever roteiros para uma ps-produo que a Fundao Padre Anchieta TV Cultura de So Paulo estava realizando a partir de um programa para o ensino de espanhol por meio de vdeo, elaborado na Espanha (Salamanca), intitulado Viaje al Espaol3. O programa se passava integralmente em territrio espanhol e a variante privilegiada era o castelhano centro-peninsular. J tocada pelo discurso da integrao, a emissora paulista de TV educativa se mostrava preocupada com isso e nos props e cito as palavras ouvidas na primeira reunio estender uma ponte entre o espanhol falado na Espanha e o falado na Amrica. Desse desafio, que coincidia com nossa convico terica de que a variao no um fato marginal, mas constitutivo das lnguas, nasceram, por sua vez, duas decises capitais que tomamos j nos primeiros programas da srie. A primeira foi a de propor aos espectadores que fizssemos, juntos, mais do que uma viagem ao espanhol (un viaje al espaol), uma viagem com o espanhol (un viaje con el espaol). Ao mesmo tempo, tal proposta antecipava o que queramos: mais do que ensinar variedades (coisa que era praticamente impossvel dentro do espaotempo de que dispnhamos e que talvez nos tivesse imposto certas redues) ou apontar curiosidades de almanaque que carregam as tintas sobre os esteretipos (coisa da qual fugamos), desejvamos refazer alguns percursos, exibi-los e tratar de compreend-los em sua complexidade histrica. A opo pela cumplicidade do com nos colocava, ademais, no caminho da amostragem, da citao, o que, por sua vez, implicava uma opo enunciativa: no era questo de apenas falar sobre; era

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O Programa foi produzido pela TV Espanhola e pela Universidade de Salamanca e, posteriormente, foi comercializado, acompanhado de livros para o ensino de ELE.

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preciso fazer falar, dar a palavra e instalar a polifonia, at para evitar o perigo de que a variante da apresentadora minha colega de equipe Maite Celada, argentina de Buenos Aires estabelecesse simplesmente uma polaridade com a norma predominante no programa original. Era preciso, ento, mostrar, exibir a variedade, lev-la tela e faz-la representar. No a toa que dei minha parte de um trabalho feito pelas trs participantes do projeto em 1996 (e que retomo aqui) o ttulo A variedade entra na tela. Ao exibir a variedade, nos rendamos s vozes mais sedutoras da cultura (claro que da posterior aos anos 70) das quais fala Bosi num texto de 1995 (p. 7): Em vez de unidade estrutural, todas as vozes mais sedutoras da cultura ensinaram a ver os encantos da diferena, da pluralidade, do fragmento, da exceo, da errncia, do descentramento, do acaso, dos pontos de fuga, das ambigidades, das indeterminaes, enfim (e por que no) do caos. Uma das expresses claras dessa opo pelo descentramento foi, tanto quanto o nosso modo de encarar a variao da lngua espanhola na Amrica, o nosso movimento para deslocar a ateno dos espectadores para o no estritamente castelhano (ou madrilenho) na Pennsula e em outras regies que integram a nao espanhola, mediante a incorporao e o tratamento (no assumidos pelo programa espanhol) de variantes peninsulares, como a andaluza, e tambm de outras lnguas peninsulares, como o galego, o vasco e o catalo. Tambm ilustra a opo pelo descentramento o reconhecimento das outras lnguas americanas e inclusive de outra voz no rumor, a do portunhol fronteirio. Tambm marca essa opo o breve e suave questionamento que fazemos, em um dos programas, da legitimidade de estabelecer um centro geogrfico unificador e regulador, representado de certa forma pela Real Academia de la Lengua, que s vezes termina por dar s variaes o estatuto de desvios acidentais. Ainda no se falava, poca, do panhispanismo, algo posterior realizao daquele programa. Mas se voltarmos s ideias de Fanjul (2008), vemos que o centro regulador ainda no deixou de existir, apenas mudou um pouco de cara. Creio que o que tentamos fazer naquele programa, e que usamos aqui para sugerir uma forma possvel de trabalhar a diversidade,

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pode ser resumido da seguinte maneira: tratamos de eliminar o centro (e, consequentemente, a ideia de irradiao a partir desse centro), que substitumos pela de percurso (de mundos, culturas, variedades e sentidos), o que ficou reforado pela substituio do ao (al) (que implica, alis, um para [hacia], e um ter acesso a) pelo com, talvez aquele que est embutido em cumplicidade, em compartilhar, em compreender, em coexistir, em comunicar. Evidentemente no falamos de comunicao simplesmente como participao de algo a outros sujeitos. Trata-se, aqui, de outra comunicao, aquela que E. Coseriu (1977, p. 206) define como comunicacin con otro, garantida por essa dimenso da linguagem dada pela alteridade do sujeito, pelo fato de que, segundo mostra o autor, a conscincia criadora de linguagem uma conscincia aberta a outras conscincias. Vistas assim as coisas, o prprio sentido de comunicativo (que visa a garantir a to decantada competncia comunicativa), um enfoque que predominou nas ltimas dcadas e ainda se mostra forte entre ns, ganha um sentido mais amplo e menos restrito do que aquele que com muita frequncia se observa nos materiais que o adotam, ao menos nas suas declaraes de inteno, j que muitas vezes, em que pesem essas intenes, nem isso ocorre de fato. A vivncia e o contato com situaes e prticas de linguagem socioculturais efetivas e variadas, trabalhadas naquilo que as constitui, a partir das condies em que ocorrem, observando os efeitos que produzem, passam, assim, a dar maior consistncia s habilidades de escuta, de leitura, de fala e de escrita, que precisam ser abordadas de forma integrada, pois nas relaes interpessoais, quer sejam elas estabelecidas por contato direto quer sejam mediadas por algum meio tecnolgico, elas se conjugam, se articulam e se complementam. Habilidades e competncias esto, assim, em funo de ...permitir o conhecimento sobre o outro, a reflexo sobre o modo como interagir ativamente num mundo plurilnge e multicultural, heterogneo. (OCEM, p. 150). A segunda deciso tomada para realizar a proposta da TV Cultura, em consonncia com a primeira e certamente consequncia daquela, surgiu da viagem de trem com a qual comea a parte central do programa espanhol, uma espcie de novela cujos personagens centrais so Juan e Carmen; viagem e novela que, de certo modo, articulam toda a srie didtica. Reflete-se na seguinte afirmao feita a certa altura pela nossa apresentadora: No basta un tren para hacer

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un viaje al espaol, e muito menos, diria agora, com o espanhol. Essa foi, talvez, a maneira que encontramos de comear a ampliar aqueles limites que j estavam dados de antemo no programa original. Afinal de contas, amos cruzar oceanos e cordilheiras. Alm do mais, legitimvamos, assim, cada um desses tantos espanhis com que nos amos deparar; e os legitimvamos como representativos do espanhol, coerentes com a ideia de pluralidade, heterogeneidade nica que nos podia garantir a harmonia de cada variante em sua autonomia por cima da massa, que talvez tivesse descaracterizado tudo. Por isso, na parte escrita por Celada no trabalho de 1996, lemos: Ora, sem dvida, mostrar a lngua reduzida ao geral (como se isto, alm de tudo, fosse um fato) teria sido reiterar o gesto homogeneizador que apaga a diferena e por isso que ela foi mostrada. Mas, para mostrar a diferena evitando a perspectiva extica encalhada no esteretipo, foi necessrio tornar visveis os efeitos de um trao fundamentalmente humano: a inevitvel fora da interpretao. possvel encontrar marcas dessa segunda tomada de posio por todo lado em nossa parte do programa. Uma delas talvez a mais evidente o papel que terminamos dando apresentadora, em realidade uma articuladora de citaes: uma palavra, uma expresso, um trao estilstico, um gesto ou um modo de entoar que apareciam de repente em seu prprio discurso, em sua prpria voz; uma representao; a introduo de outras vozes dialogando com a sua ou diretamente representando. Por isso mesmo, num dos programas, a apresentadora diz: Qu coro, cuntas voces, cuntos tonos! Essa articulao de citaes no se limitava, por outro lado, meno das variedades. Queria tambm chegar a certa plenitude funcional da linguagem, e por isso introduzia, exibia s vezes num tom brincalho discursos e possveis falantes desses discursos: o da autoridade, o do conselho, o do contar, entre tantos outros. E nessa articulao polifnica (de citaes e de vozes) se infiltra a cultura, claro que em seu sentido antropolgico; infiltra-se, em sntese, a histria. Dessa intertextualidade nasce, ento, o que se quis dar a entender a todos: o que o (o?) espanhol; alinhavando todas as citaes que se pode construir o sentido ou os sentidos de nosso prprio texto.

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Para encerrarmos as referncias a esse programa, no qual se tratou de buscar uma soluo para lidar com a heterogeneidade do espanhol, e que usamos aqui, como j foi dito, para apontar um caminho possvel para o tratamento da heterogeneidade do espanhol, vamos fazer referncia a uma estratgia interessante utilizada num dos episdios, no qual se consideravam os meios de transporte pblico e suas designaes em diversas variantes do espanhol (peninsulares e americanas). Para no corroborar a ideia equivocada de que existiria um mundo sempre idntico para cuja referncia disporamos de palavras diferentes, usadas em diferentes espaos sociais, porm equivalentes, adotamos uma estratgia (que se repete em outros episdios do programa). Aps mencionar diversos termos usados para designar os meios de transporte em diferentes regies (mnibus, autobs, colectivo, liebre, guagua), a narradora do programa anuncia a exibio de um fragmento do filme cubano La permuta, no qual a permuta de dois imveis, em funo de necessidades especficas de duas famlias (cabe lembrar que em Cuba os imveis no se vendem), ocorria no espao de una guagua um nibus que percorre a cidade de Havana. Ao final do fragmento, a protagonista exibia sua felicidade exclamando: Bendito sea el que invent la guagua! A narradora encerra a sua participao, ento, mostrando que um cubano, como de resto nenhum outro falante, jamais poderia renunciar a sua forma de falar, que jamais uma guagua, esta na qual a protagonista do filme resolve uma questo essencial para sua vida, seria o mesmo que un mnibus ou un colectivo ou una liebre... Por isso, fecha o episdio afirmando que, para um cubano, [] al fin y al cabo, una guagua es una guagua. Cada forma de expresso, cada aspecto sociocultural integra o idioma como um todo, intrinsecamente heterogneo, em cada espao social e cultural que focalizemos, mas enquanto expresso nica, irrepetvel, insubstituvel. Nesse sentido, o termo sinnimo pura fico.

Voltando s OCEMAbandonando a digresso ilustrativa e retomando, agora, os comentrios ao texto das OCEM, nele fazemos ainda consideraes sobre outras particularidades do espanhol como lngua estrangeira no Brasil, entre elas a de certas representaes sobre essa lngua que circulam em nossa sociedade e aparecem com frequncia na fala de nossos alunos: questes relacionadas to decantada (e to

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enganosa) proximidade entre as lnguas portuguesa e espanhola (que tambm constitui, em grande medida, um esteretipo, alm de alimentar outros) e dos seus efeitos, quer seja nas expectativas de facilidade prontamente frustradas, quer seja nas marcas que ela deixa na produo estrangeira, questes que tm sido objeto de pesquisas no mbito acadmico, porm que nem sempre vemos refletidas nas nossas prticas ou mesmo na produo de materiais para o ensino. Do ponto de vista didtico, essas reflexes nos levam a insistir na importncia de no estimular o que Celada (2002) classifica como a sensao de competncia espontnea, mostrando que o aprendizado do espanhol, como o de qualquer outra lngua estrangeira, e mesmo levando em conta a forma singular de ser estrangeira que a lngua espanhola tem para os brasileiros, requer esforo e estudo, para que seja possvel superar estgios de interlngua bastante conhecidos de todos os que atuamos como professores e pesquisadores nessa rea. Mas preciso, tambm, reconhecer a condio de estrangeiros que nunca deixamos de ter e as formas especiais que temos, os brasileiros, de ser estrangeiros nessa lngua. Da mesma forma, desenvolve-se nas OCEM uma reflexo a respeito do papel da gramtica no ensino e na aprendizagem da lngua espanhola. Afirma-se que [...] a gramtica normativa, prescritiva e proscritiva pautada na norma culta, modalidade escrita, no a nica que deve ter lugar na aula de lngua estrangeira nem deve ser o eixo do curso. (p. 144). Com isso, aponta-se que fundamental que a gramtica esteja permanentemente associada a prticas variadas de linguagem em sociedade e seja, portanto, abordada de forma sempre contextualizada. Em sntese, a gramtica importante, mas no pode ser o eixo condutor do ensino da lngua, at porque h outras formas de trabalhar os limites do que possvel e do que no possvel dizer e fazer em determinadas lnguas e culturas. No que se refere ao aspecto mais propriamente didtico, em conformidade com a viso plural sempre defendida pelo MEC, as OCEM no determinam um enfoque nico, a ser seguido por todos. Elas se propem a definir alguns princpios gerais que permitam aos docentes: refletir sobre a funo da Lngua Espanhola na escola regular; estabelecer os objetivos realizveis, considerando-se as peculiaridades de cada situao de ensino, e das relaes entre o universo hispnico e o brasileiro; selecionar e sequenciar os contedos temticos, culturais, nocional-funcionais e gramaticais mais indicados para a

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c o n s e c u o d o s o b j e t i vo s p r o p o s t o s ; d e f i n i r a ( s ) l i n h a ( s ) metodolgica(s) e as estratgias mais adequadas; fazer a escolha do material didtico adequado para a abordagem; estabelecer critrios de avaliao condizentes com suas escolhas e plausveis nessa situao. O que se apresenta, em matria de contedos a serem trabalhados, tem um carter meramente sugestivo e est organizado em torno a grandes temas geradores, apoiados, sobretudo, na ideia de transversalidade presente na lei que rege a educao brasileira. Aos grandes temas selecionados, no necessariamente os mesmos relacionados no documento, devem vir subordinadas as questes mais propriamente lingusticas, sempre trabalhadas em associao s competncias, s habilidades, bem como aos gneros e tipos textuais diversificados que se espera sejam trabalhados sempre como prticas sociais de linguagem. Assim, estimula-se que sejam feitas reflexes sobre: poltica : formas de governo, estruturas governamentais, relaes de poder e de soberania, direito a voto, representaes partidrias etc. economia: poder aquisitivo, oramento pblico, privado e pessoal , estratgias de publicidade e consumo, recursos agrcolas e industriais, mercado de trabalho etc. educao: sistema educativo, estrutura educacional, incluso/excluso (social e tnica), funo poltica e social da educao etc. sociedade: habitao, escalas e representaes sociais, sade, segurana, transportes etc. esportes: valorizao e prestgio social, fins da sua prtica (profissional, econmico, prazer, sade...), locais de realizao, custos etc. lazer: opes em funo de fatores econmicos, educacionais e sociais. informao : papel da imprensa, confiabilidade, acesso informao, meios de divulgao da informao (jornais, revistas, rdio, televiso, Internet) etc. lnguas e linguagens: questes relativas a polticas lingusticas, diversidade de lnguas presentes nos diversos pases, s lnguas indgenas, ao seu reconhecimento e preservao, ao papel da lngua estudada na formao do estudante, na histria e na sociedade contempornea (questes locais e

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globais), no processo de globalizao; aos efeitos da globalizao sobre as lnguas e linguagens etc.4 Deixa-se, claro, entretanto, que Ainda que essa lista possa e deva adaptar-se s diferentes realidades do pas, importante que a abordagem da lngua estrangeira esteja subordinada anlise de temas relevantes na vida dos estudantes, na sociedade da qual fazem parte, na sua formao enquanto cidados, na sua incluso. (OCEM, p. 150) Para a consecuo de tais objetivos, entende-se que preciso adotar uma viso ampliada dos contedos a serem includos nos programas de curso para alm das tradicionais habilidades, das sequncias lexicais e componentes gramaticais prprios da norma culta, bem como de conjuntos de atos de fala desvinculados de um contexto amplo e relevante nessa situao. Um tema gerador de carter bem amplo pode e deve levar a reflexes de natureza variada: lingustica, pragmtico-discursiva, (inter-, multi-)cultural, scio-histrica, scio-econmica, poltica etc. No que se refere mais especificamente questo metodolgica, as OCEM assumem que [...] considera-se mais oportuno, em lugar de defender o seguimento deste ou daquele mtodo de ensino de lnguas, advogar pela adoo de princpios e pressupostos tericos mais amplos que conduzam reflexo e crtica. (p. 153). Princpios e pressupostos esses que precisam ser explicitados sempre para que no se corra o risco de operar no perigoso plano do vazio terico. fundamental, afirma-se nas OCEM, [...] reconhecer o que est por trs de uma metodologia, de um manual, de um material didtico para poder, em conseqncia, no apenas dialogar com esses pressupostos, mas tambm para no ser presa do ltimo modelo da moda [cujas bases tericas com frequncia desconhecemos] e de interesses puramente comerciais. (p. 155)4

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Na parte das OCEM (MEC/SEB, 2006) relativa a Conhecimentos de Lnguas Estrangeiras (p. 112), sugerem-se temas como: cidadania, diversidade, igualdade, justia social, dependncia/interdependncia, conflitos, valores, diferenas regionais/nacionais.

Chega-se, assim, a uma questo fundamental no processo de ensino e aprendizagem de uma lngua estrangeira: a escolha dos materiais que sero utilizados para alcanar os objetivos almejados, que devem ser condizentes com a concepo de lngua/linguagem adotada, com a concepo mais ampla relativa funo que queremos dar a esse ensino e a essa aprendizagem no mbito em que eles se do. Lembremos que aqui estamos falando de Lngua Estrangeira Moderna Espanhol como componente curricular numa (mas poderia ser em todas) etapa importante do processo educativo formal e nessa perspectiva que precisamos conduzir nosso trabalho e tambm focalizar a escolha dos materiais. Nas OCEM, entende-se que o [...] material didtico um conjunto de recursos dos quais o professor se vale na sua prtica pedaggica, entre os quais se destacam, grosso modo, os livros didticos, os textos, os vdeos, as gravaes sonoras [...], os materiais auxiliares ou de apoio, como gramticas, dicionrios, entre outros. (p. 154) Alm disso, importante ter claro que os materiais didticos, sobretudo o livro didtico, so um meio e no um fim, elementos de mediao e no objetos da aprendizagem, to pouco os compiladores da matria a ser aprendida de modo automtico, os sinalizadores dos rumos do ensino, aqueles que, sobretudo na ausncia de propostas curriculares claras (que o caso mais frequente em nossas escolas), funcionam como o currculo oculto a ser seguido passo a passo, sem reflexo e crtica. Para fechar, ento, esta parte de nosso texto, relativa s OCEM, retomamos brevemente algumas das questes cruciais que aqui apareceram e o que elas sinalizam: a primeira delas a tomada de posio em relao ao papel do ensino de uma lngua estrangeira na educao bsica (e ampliamos a ideia, agora, para a sua etapa anterior ao Ensino Mdio, isto , para o Ensino Fundamental), antes de mais nada e fundamentalmente educativo, um ensino que, no dilogo e na complementaridade com os demais componentes curriculares, colabore para a formao do cidado. No captulo das OCEM correspondente a Conhecimentos de Lnguas Estrangeiras, ao abordar a questo da cidadania na sua relao com o ensino e aprendizagem de lngua estrangeira, afirma-se:

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Admite-se que o conceito muito amplo e heterogneo, mas entende-se que ser cidado envolve a compreenso sobre que posio/lugar uma pessoa (o aluno, o cidado) ocupa na sociedade. Ou seja, de que lugar ele fala na sociedade? Por que essa a sua posio? Ele quer estar nela? Quer mud-la? Quer sair dela? Essa posio o inclui ou o exclui? Nessa perspectiva, no que compete ao ensino de idiomas, a disciplina Lngua Estrangeira Moderna pode incluir o desenvolvimento da cidadania. (p. 91) Isso implica que [...] o valor educacional da aprendizagem de uma lngua estrangeira vai muito alm de meramente capacitar o aprendiz a usar uma determinada lngua estrangeira para fins comunicativos. (p. 92). Em torno dessa grande questo, que o ponto de partida para todo o ensino de lnguas no mbito da educao formal, em todos os seus nveis, organizam-se, portanto, as demais questes: a adoo de um enfoque coerente com essa concepo, integrador e eficaz para que sejam atingidos os objetivos propostos; a substituio do eixo gramatical, por um eixo temtico que faa sentido para o aprendiz, em funo do qual devero estar a sequenciao dos contedos de diversas naturezas e o desenvolvimento integrado das competncias e habilidades, as atividades a serem propostas, os gneros e tipos textuais a serem apresentados e praticados; a substituio das hegemonias em prol de um trabalho que contemple a variedade, a heterogeneidade, em permanente dilogo com a realidade e a lngua, igualmente heterogneas, dos aprendizes; a prtica de avaliaes que revelem critrios claros, plausveis e adequados a essa situao; a escolha de materiais que atendam a todas essas exigncias e possam contribuir para que esse objetivo maior e todos os demais objetivos subsidirios sejam alcanados e que efetivamente a disciplina Lngua Estrangeira Moderna (neste caso o Espanhol) contribua para uma melhor compreenso do sentido do termo cidadania e para a incluso, local e global, do educando. Portanto, os materiais didticos, includas a as colees didticas, para o ensino do espanhol precisam estar em conformidade com essa grande deciso em relao forma de entender a funo do ensino do espanhol na educao regular brasileira e de coloc-la em prtica. Para ampliar nossas reflexes a esse respeito, passaremos agora a abordar a segunda grande iniciativa em nvel federal no sentido de apoiar a

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implementao da lei 11.161: a incluso da disciplina LEM Ingls e Espanhol no PNLD 2011 (seleo e aquisio de colees didticas para os anos finais do Ensino Fundamental) e no PNLD 2012 (seleo e aquisio de colees didticas para o Ensino Mdio).

O Programa Nacional do Livro DidticoConforme afirmamos no princpio deste captulo, em meio a um conjunto de aes desencontradas e incoerentes observadas nas diversas esferas do poder pblico, entre 2008 e 2009 tivemos duas boas surpresas, ainda que tenham sido alvo de muitas crticas e ainda que a explicitao de duas lnguas termine por configurar o reconhecimento de uma obrigatoriedade que tem seus problemas: trata-se do reconhecimento das disciplinas de Lngua Estrangeira Moderna (LEM) Ingls e Espanhol como componentes curriculares e sua consequente incluso no Programa Nacional do Livro Didtico do Ministrio da Educao executado pela Secretaria de Educao Bsica SEB/MEC e pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento Escolar (FNDE) o PNLD 2011 , para os anos finais do Ensino Fundamental, e o PNLD 2012, para o Ensino Mdio. No vamos discutir aqui a legitimidade dessa explicitao de duas lnguas por parte do MEC, um tema que mereceria um trabalho parte, mas vamos tratar de descrever um pouco o programa e ver em que medida, por meio de seus editais, ele tambm sinaliza rumos para a educao lingustica no Brasil, estabelecendo uma interlocuo evidente com as OCEM e outros documentos norteadores da educao no Brasil, entre eles os Parmetros Curriculares Nacionais (MEC/ SEF, 1998; MEC/SEB, 2000). Por outro lado, trataremos de mostrar, a partir da primeira experincia j parcialmente vivenciada (PNLD 2011), a distncia que ainda existe entre as propostas educacionais do MEC e o que de fato se vem fazendo na prtica, particularmente na produo de livros para o ensino de lnguas estrangeiras, mais especificamente de espanhol. Em que pesem as dvidas, as crticas, as falhas, a incluso de Lnguas Estrangeiras no PNLD e nos demais programas do MEC/ FNDE um fato a se comemorar. As escolas pblicas de todo o pas, sejam elas da esfera federal, estadual ou municipal, podem aderir ao programa e receber colees didticas relativas aos diversos componentes curriculares para serem utilizadas pelos alunos. E

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inegvel a contribuio que d essa iniciativa para a incluso social de um grande contingente da populao brasileira. As colees que se inscrevem no PNLD, a partir das exigncias feitas no edital correspondente, passam por um longo, complexo, rigoroso e sigiloso processo de seleo, subdividido em vrias etapas e com a participao de muitos especialistas, de vrios nveis e vrias regies do pas. Estes atuam ou como membro das Comisses Tcnicas correspondentes, designadas pelo ministrio, ou como Coordenadores de rea e Institucionais (estes vinculados instituio escolhida para levar a cabo o processo de avaliao, via de regra uma universidade federal), ou como Coordenadores Adjuntos, responsveis pelo trabalho mais direto com os Avaliadores, estes ltimos escolhidos entre especialistas reconhecidos na rea, com atuao quer no Ensino Superior, quer no Ensino Bsico, e provenientes das diversas regies do pas; alm desses, conta-se, ainda, nas equipes, com leitores crticos, revisores, e por vezes com alguns consultores, responsveis por tarefas especficas (pelo rastreamento de sites citados nas obras, pela parte tcnica e informtica etc.)5. Por fim, as equipes contam com o apoio da equipe tcnica do MEC, que funciona no mbito da Secretaria de Educao Bsica (SEB): a Coordenadoria Geral de Materiais Didticos (COGEAM). A avaliao precedida de uma etapa de triagem, feita por um instituto tcnico (via de regra o Instituto de Pesquisas Tecnolgicas [IPT] de So Paulo) designado para a verificao das colees, que devem apresentar-se segundo as determinaes dos editais, no podendo conter determinadas falhas previstas num anexo do edital; e por uma etapa de pr-anlise. Os avaliadores passam por um perodo de treinamento para tomar cincia dos critrios de avaliao, da ficha elaborada pela coordenao de rea e para receberem suas colees. A avaliao das colees, sempre a partir de exemplares de obras descaracterizadas, feita com base no preenchimento dessa ficha de avaliao, cujos itens baseiam-se nos critrios do edital correspondente, todos eles eliminatrios, e levada a cabo por no mnimo dois avaliadores que no tm conhecimento um do outro, seguida de uma etapa de intercmbio de fichas no identificadas e de outra constituda de uma reunio de ambos com a Coordenao Adjunta, para chegar, assim, ficha consolidada, que passa, ento, coordenao de rea para as decises finais, as quais devero tambm ser5

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Os nomes de todos os componentes da equipe do PNLD 2011 podem ser verificados no Guia de Livros Didticos do PNLD 2011.

corroboradas pelo representante da Comisso Tcnica, a quem cabe supervisionar e aprovar todo o processo. Essas avaliaes terminam com a elaborao do Guia de Livros Didticos, que contm, alm de uma introduo geral sobre a rea bastante elucidativa, as resenhas crticas das colees aprovadas, nas quais no apenas se descrevem as colees, mas tambm apresentam-se seus pontos de destaque e seus eventuais pontos fracos, alertando o professor a respeito de como utiliz-las e complement-las. Tambm elaboram-se criteriosos pareceres tcnicos sobre as colees excludas, que so enviados s editoras e autores6. No caso das lnguas estrangeiras, os livros selecionados so consumveis, isto , pertencero ao aluno e no tero de ser devolvidos para reutilizao, alm de que viro acompanhados de um CD de udio e de um Manual do Professor. Na elaborao dos editais do PNLD que devem guiar a apresentao e a avaliao das colees, so levados em conta: os documentos norteadores da educao brasileira (LDB, PCN, OCEM); a legislao complementar 7; e as pesquisas recentes, tanto sobre a lngua e a cultura quanto sobre o seu ensino e aprendizagem. Assim sendo, em conformidade com os princpios gerais que balizam o ensino e a aprendizagem das lnguas estrangeiras na atualidade, nessa etapa da educao formal, no edital do PNLD 2011 (para o Ensino Fundamental, 6 a 9 anos) assume-se que o livro deve ter por objetivos, entre outros, possibilitar ao aprendiz: vivenciar uma experincia de comunicao humana pelo uso de uma lngua estrangeira, no que se refere a novas e diversificadas maneiras de se expressar e de ver o mundo; e refletir sobre os costumes ou maneiras de agir e interagir em diferentes situaes e culturas, em confronto com as6

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Em 27/01/2010 foi publicado no DOU o Decreto 7.084, que regulamenta em carter definitivo dois programas, que agora deixam de ser de governo para serem programas de Estado: o PNLD (para todos os nveis educativos) e o PNBE (Programa Nacional Biblioteca da Escola), em todas as suas variveis (incluindo Biblioteca do Professor e Peridicos). (1) Constituio da Repblica Federativa do Brasil; (2) Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional, com as respectivas alteraes introduzidas pelas Leis n 10.639/2003, n 11.274/2006, n 11.525/2007 e n 11.645/2008; (3) Estatuto da Criana e do Adolescente; (4) Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental e para o Ensino Mdio; (5) Resolues e Pareceres do Conselho Nacional de Educao, em especial, o Parecer CEB n15, de 04/07/2000, o Parecer CNE/CP n 003, de 10/03/2004 e a Resoluo CNE/CP n 01, de 17/06/2004.

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formas prprias do universo cultural dos alunos, de modo a promover neles uma viso plural e heterognea do mundo e a fazer entender o papel de cada um como cidado em nvel local e global. Guardadas as devidas propores e a adequao s diferentes faixas etrias, o edital do PNLD 2012 Ensino Mdio apresenta uma coerncia absoluta em relao s propostas do edital anterior, na medida em que considera a(s) linguagem(ns) como uma atividade, ao mesmo tempo funcional, de interao, social, poltica, em estado permanente de construo, historicamente ininterrupta e continuada, eminentemente textual e discursiva, uma forma de criao de objetos artsticos, um conjunto complexo de regularidades que, no entanto, se subordinam s necessidades interativas dos sujeitos e se constituem como um meio de acesso do homem a valores culturais e histricos de diferentes regies e culturas. Em ambos os editais assume-se, ento, uma postura idntica, compatvel com a finalidade maior do ensino de lnguas na Educao Bsica, a educativa, esboada nos PCN e claramente assumida nas OCEM, nos captulos dedicados s linguagens: Adquirir conhecimentos, nesta rea, portanto, vai alm de saber o conjunto de normas gramaticais que regulam o uso socialmente prestigiado da lngua. Implica promover a ampliao das competncias comunicativas j adquiridas nos primeiros anos do convvio social, pelo incentivo leitura, escrita, oralidade pblica formal, anlise dos diferentes objetos textuais que circulam em tambm diferentes suportes. (PNLD 2012, p. 23) Os critrios de avaliao das colees esto subdivididos, nos dois programas e nos respectivos editais, em dois grandes blocos: Critrios Eliminatrios Comuns a todas as reas e Critrios Eliminatrios Especficos das reas. So Critrios Eliminatrios Comuns a todas as reas, tanto no PNLD 2011 quanto no PNLD 2012: Respeito legislao, s diretrizes e s normas oficiais relativas ao ensino fundamental. Observncia de princpios ticos necessrios construo da cidadania e ao convvio social republicano.

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Coerncia e adequao entre a abordagem terico-metodolgica assumida pela coleo e a proposta didtico-pedaggica e objetivos explicitados. Correo e atualizao de conceitos, informaes e procedimentos. Observncia das caractersticas e finalidades especficas do Manual do Professor e adequao da coleo linha pedaggica nele apresentada. Adequao da estrutura editorial e do projeto grfico aos objetivos didtico-pedaggicos da coleo.

No caso especfico do PNLD 2011 que, como foi dito, comentaremos mais detidamente, por tratar-se de um processo de avaliao j concludo no momento em que escrevemos este captulo, esperava-se que, nos limites do possvel, as colees: apresentassem linguagem contextualizada e inserida em prticas discursivas variadas e autnticas; oferecessem um ensino de gramtica e vocabulrio integrado ao ensino das quatro habilidades (ler, escrever, falar, ouvir), privilegiando uma perspectiva comunicativa, no sentido mais amplo j descrito no item em que comentamos as OCEM; contribussem para a formao de um aprendiz autnomo, que tenha conhecimento consciente de um repertrio de estratgias de aprendizagem; reconhecessem as marcas identitrias dos diversos alunos brasileiros, a diversidade de contextos de ensino e aprendizagem e previssem a diversidade do pblico alvo; desnaturalizassem as desigualdades e promovessem o respeito s diferenas, inclusive na relao com o estrangeiro. Nos Critrios Eliminatrios Especficos, levaram-se em conta, entre outras coisas: a estrutura e organizao das colees, das quais se esperava clareza, coerncia entre os propsitos explicitados e a sua colocao em prtica, na forma de materiais para o ensino e aprendizagem, e a adequao ao nvel e s finalidades dessa etapa educativa; a coletnea de textos orais e escritos (inclusive os literrios), observando-se a diversidade (de gneros, tipos,

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modalidades e suportes), a autenticidade, a adequao aos objetivos almejados e a possibilidade que proporcionam de ampliao de horizontes. Um outro conjunto de critrios est vinculado explorao das chamadas quatro habilidades: compreenso escrita, compreenso oral, produo escrita e produo oral. Um dos critrios utilizados, alm dos que expomos a seguir, foi o de que essas habilidades no fossem vistas de modo estanque, mas sim de forma interdependente, integrada, at porque no se pode negar que, na sociedade globalizada e informatizada da atualidade, elas se interpenetram e por vezes at se confundem. Na avaliao do desenvolvimento pelas colees dessas quatro habilidades, levou-se em conta e valorizou-se, ento, o que especificamos a seguir, de modo sinttico para cada habilidade. Compreenso Escrita: a concepo da leitura como um processo interativo, refletida nas atividades propostas; a presena de atividades de pr e ps-leitura; a diversidade de gneros, tipos textuais e suportes oferecidos pela coleo; o estmulo ao uso de estratgias diversificadas por parte do aprendiz nas tarefas de compreenso e interpretao; o trabalho com a polifonia, isto , com as muitas vozes presente nos textos e com a intertextualidade; o trabalho voltado para a pluralidade de interpretaes; a presena de atividades que contribuam para a formao do leitor reflexivo e crtico e para a formao do leitor literrio, entendendo a leitura literria como uma atividade de fruio e no apenas um pretexto para a explorao de vocabulrio e de estruturas gramaticais; e a presena de estmulos ampliao do universo de leitura (contextualizao dos fragmentos, incentivo leitura de textos completos, associao dos textos e de seus autores a uma determinada poca, a um perodo da Histria, a uma corrente esttica). Produo Escrita: a concepo da escrita como um processo interativo, em constante reformulao e a consequente possibilidade oferecida ao aprendiz de contemplar e refletir sobre as diferentes etapas do processo de produo (definio de tema, objetivos, provvel veculo de difuso do texto, estratgias a serem utilizadas dependendo dos objetivos e do tipo do texto a ser escrito, organizao geral, primeiras tentativas at chegar ao produto final); a diversidade de gneros trabalhados; a explicitao das condies de produo e das caractersticas scio-discursivas dos textos: quem

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escreve, para quem, com que objetivo e em que suporte; a explorao dos diversos recursos lingusticos e dos mecanismos de coeso e coerncia necessrios a uma produo no apenas correta, mas, sobretudo, adequada s suas finalidades. Compreenso Oral: a presena de um CD de udio com boa qualidade de som e de fcil utilizao, com indicaes precisas para a localizao das faixas por parte de alunos e professores, que no se restringisse apenas apresentao oral dos textos que aparecem no livro do aluno, e que tambm fosse representativo da diversidade que desejvamos que fosse devidamente explorada, com um mnimo de verossimilhana, que apresentasse uma compatibilidade entre as vozes, os sotaques, a prosdia e as inflexes e os possveis falantes representados por essas vozes; o trabalho, nas atividades, com a compreenso intensiva, a extensiva e a seletiva; a presena de atividades que explorassem a diversidade de gneros e situaes e as variedades lingusticas (sociais, regionais e outras); o estmulo interpretao dos textos orais em relao a seus objetivos, condies de produo e as provveis reaes dos interlocutores e seus efeitos para a comunicao. Produo Oral: a presena de atividades que levem ao uso de diferentes estratgias de comunicao (verbais e no verbais); a presena de situaes diversificadas de comunicao que permitam ao aprendiz a prtica de diversas formas de comunicao oral para alm dos clssicos dilogos (conversao, entrevistas, debates, apresentao de trabalhos, dramatizaes, leitura, inclusive de textos poticos e outros gneros orais); o estmulo ao uso de diversas funes comunica