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    PROGRAMA DE ENSINO

    DADOS SOBRE A DISCIPLINA

    DISCIPLINA: Ética e Pensamento Contemporâneo CÓDIGO:

    SEMESTRE: 2º  ANO: 2013  CARGA HORÁRIA: 42 H/AULA

    EMENTA 

    fundamentação filosófica/histórica, definição, campo, objeto e contextos. Moral:definição e contexto contemporâneo brasileiro. Formação sociológica brasileira (

    interelação multicultural e étnico raciais – formação do povo brasileiro – a questãodo indígena, do europeu e do afrodescendente ). Cidadania: conceito, baseshistóricas e questões ideológicas.

    Ética e Cidadania nas relações entre: o público e o privado; entre liberdade, justiçadistributiva e responsabilidade; nas relações no mundo do trabalho e na sociedadeglobal. Diversidade cultural e a fundamentação sociológica do pensamentobrasileiro.

    OBJETIVOS 

     Auxiliar o aluno a analisar de forma crítica a problematização do conceito de ética e morala partir de uma fundamentação filosófica do mundo corporacional hipermodederno.

    CONTEÚDO PROGRAMÁTICO

    Fundamentos de filosofia ( mundo clássico até filosofia contemporânea ). O conceito deética, moral e lei ( a partir de uma análise de seus pensadores citados na fundamentaçãofilosófica ). Ética profissional. Ética empresarial. Desafios éticos do hipermodernismo e suarelação com uma liderança ética

    formação do povo brasileiro – a questão do indígena, do europeu e doafrodescendente ). Cidadania: conceito, bases históricas e questões ideológicas.

    Ética e Cidadania nas relações entre: o público e o privado; entre liberdade, justiçadistributiva e responsabilidade; nas relações no mundo do trabalho e na sociedadeglobal. Diversidade cultural e a fundamentação sociológica do pensamentobrasileiro.

    METODOLOGIA DE ENSINO 

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    Aula expositiva, trabalhos em sala e exercícios de apresentação.

    TÉCNICAS DE AVALIAÇÃO 

    Provas bimestrais (7,0 pontos ) trabalhos e apresentações, assim como participação

    que contabilizem 3,0 pontos.

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    INTRODUÇÃO

    Estimado (a) colega;

    Bem-vindo (a) ao curso de ÉTICA E PENSAMENTO CONTEMPORÂNEO.

     Nosso material ficará disposto da seguinte forma (no site da Instituição):

    - Apostila com reflexões que serão aprofundadas durante as aulas.

    -Vídeos que serão disponibilizados em http://www.facebook.com/pages/Professor-

    Daniel-Medeiros/141296122638397 ( caso você não tenha FACEBOOK poderá retirar

    os vídeos comigo –  em circunstância alguma será cobrado/passado algo em redes sociais

    que depois possa cair em prova  –   as avaliações serão exclusivamente sobre pontos

    discutidos em aulas e presentes nos slides e nesta apostila ).

    -SLIDES das aulas disponíveis no site da instituição ( os slides disponibilizados para os

    alunos são diferentes quanto a fotos e vídeos –  por questão do tamanho –  mas os tópicos

    e definições estão todos presentes como trabalhado em sala).

    Podemos também manter contato pela minha página:

    http://www.facebook.com/profile.php?id=100003131883955 

    A ementa do curso contempla os seguintes tópicos:

    Fundamentos de filosofia;

    O conceito de ética, moral e lei;

    Ética profissional;

    Ética empresarial;

    http://www.facebook.com/pages/Professor-Daniel-Medeiros/141296122638397http://www.facebook.com/pages/Professor-Daniel-Medeiros/141296122638397http://www.facebook.com/pages/Professor-Daniel-Medeiros/141296122638397http://www.facebook.com/profile.php?id=100003131883955http://www.facebook.com/profile.php?id=100003131883955http://www.facebook.com/profile.php?id=100003131883955http://www.facebook.com/pages/Professor-Daniel-Medeiros/141296122638397http://www.facebook.com/pages/Professor-Daniel-Medeiros/141296122638397

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    Desafios éticos da atualidade no mundo empresarial.

    Será um prazer poder passar este semestre com você, creio que teremos muitas dúvidas,

    discussões, incertezas e crescimento –  te desafio a continuar até o fim  –  persevere, haja,

     pois como disse John Kanary:

    "Se a dúvida está te desafiando e você não agir, as dúvidas crescerão.

    Desafie as dúvidas com ação e você crescerá. Dúvida e ação são

    incompatíveis."

    Fraternalmente

    Daniel Medeiros

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    PARTE I – EPISTEMOLOGIA

    Olhe a figura e responda a pergunta a seguir:

    Isto é um ___________________________________________.

    ( isso mesmo, é para você responder no traçado ).

    Para Picasso, a arte é uma mentira que conta uma verdade, para o pintor destequadro acima1 a ideia é justamente esta –  desmascarar o óbvio. A frase em francês quer

    dizer “isto não é um cachimbo” ( creio que vocês respondeu no traçado exatamente isto

     –  cachimbo) e deve estar se perguntando agora: “Como assim? Eu sei que é um cachimbo

     –  estou vendo logo ali!!!!” 

    1http://pt.wikipedia.org/wiki/Ren%C3%A9_Magritte 

    http://pt.wikipedia.org/wiki/Ren%C3%A9_Magrittehttp://pt.wikipedia.org/wiki/Ren%C3%A9_Magrittehttp://pt.wikipedia.org/wiki/Ren%C3%A9_Magrittehttp://pt.wikipedia.org/wiki/Ren%C3%A9_Magritte

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    Cuidado, o que você está vendo não dá para colocar fumo dentro, é bidimensional,

    não tem cheiro e está impresso nesta folha que você lê –  o que você está vendo é a imagem

     pintada de um cachimbo, uma representação, um quadro...

    Basicamente é disto que trata a epistemologia2 ( palavra do grego que quer dizerestudo do conhecimento, ciência do conhecimento ) que nos questiona o como

    conhecemos as coisas e, se as conhecemos, como é que se deu este conhecimento  –  eu

    conheço porque vejo ou a coisa se faz ser vista e então conhecida??

    Em outras palavras, você viu o quadro ou o quadro se fez ser visto por você?

    (Imagino que você está começando a ficar confuso agora, sugiro que pare de ler a apostila

     por um minutinho e assista o vídeo neste link: http://www.youtube.com/watch?v=_Qr3J_k-

    gT8  - creio que ao exercitar o “fair play” este juiz deve ter ficado confuso também). 

    Voltamos – como posso saber que conheço algo? Aliás, o que é conhecimento?

    Podemos definir conhecimento como um processo de apreensão intelectual de um

    objeto.  Vamos por partes:

    Apreender  –   na origem da palavra  –   queria

    dizer “agarrar, tomar posse de” –  apreender é tornar

    seu, fazer com que aquilo que lhe causava

    estranhamento se torne compreensível (esta palavra,

    como o verbo “aprender” derivam de apreender).

    Mas é um tomar posse subjetivo, abstrato, não

    é concreto, é a partir do intelecto, da reflexão, do meditar. O objeto continua fazendo

     parte da realidade –  mas em você ele toma significado –  em outras palavras, você sabia

    do que se tratava o quadro acima  –  mas agora você não iria conseguir responder apenas“cachimbo’ –   você aprofundaria de forma reflexiva

    que iria escrever –  você apreendeu.

    Tendo esta definição de conhecimento, podemos então nos perguntar: Como eu conheço ascoisas?

    2 http://pt.wikipedia.org/wiki/Epistemologia 

    "Isto é o que é aprender: vocêrepentinamente compreende

    algo que você soube durante

    toda a sua vida, mas de um

    modo novo." ( Doris Lessing )

     Definição: Conhecimento

    é a apreensão intelectual

    de um objeto

    http://www.youtube.com/watch?v=_Qr3J_k-gT8http://www.youtube.com/watch?v=_Qr3J_k-gT8http://www.youtube.com/watch?v=_Qr3J_k-gT8http://www.youtube.com/watch?v=_Qr3J_k-gT8http://pt.wikipedia.org/wiki/Epistemologiahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Epistemologiahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Epistemologiahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Epistemologiahttp://www.youtube.com/watch?v=_Qr3J_k-gT8http://www.youtube.com/watch?v=_Qr3J_k-gT8

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    CAPÍTULO II – FORMAS DE CONHECIMENTO

    Agora que conceituamos o que é conhecimento podemos formular um conceito

    quanto a pergunta do final do capítulo anterior –  Como eu conheço as coisas?

    Ao responder que era um cachimbo, você demonstrou conhecimento –  em algum

    lugar você viu um cachimbo, alguém já falou dele para você –  ficou comum a ponto de

    não ser um objeto que mereça tua atenção no dia a dia –  cachimbo é cachimbo e pronto,

    não se discute!

    Boa parte de nosso cotidiano é formado por conhecimento deste nível. Ao fazer

    tua refeição hoje, muito provavelmente ( ser você não estiver passando por tratamento

    médico ou fazendo uma dieta acompanhada por um nutricionista ) você foi até a panela e

     pegou o que tinha em uma quantidade que, mais ou menos, seja proporcional à tua fome.

     Ninguém para pensar em qual é o valor protéico do alimento, quantas calorias cada

    garfada tem, a origem e certificação junto aos órgãos competentes do bife no prato, quem

     plantou os elementos que constituem o tempero desta iguaria, quão saudável era a galinha

    que botou o ovo que agora está frito em teu prato! ( se você quiser fazer uma pausa para

    almoçar, vou entender  –   se você está olhando estranho para o prato agora e se

    questionando quanto a origem dele, cuidado, você pode estar se transformando em um

    filósofo...)

    Este tipo de conhecimento, que guia boa parte de nossa alimentação,

    relacionamentos, moda, escolhas em geral –  chamamos de SENSO COMUM.

    Senso comum é uma visão de mundo composta por opiniões que se tornaram comuns aum grupo social, é  uma visão de mundo vulgar, fragmentária, lacunar e baseada em

    aparências. Quando uma informação torna-se senso comum, todos a repetem, esquece-se

    sua origem e, portanto, ela aparece como verdade. 

    Há um seriado que toda a sua parte cômica reside no fato do personagem principal ser

    incapaz de enxergar as coisas pelo senso comum. O nome do seriado é “the big bang

    theory” e o nome do personagem é Sheldon. Dê uma pausa e assista a ele tentando

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    confortar Penny enquanto ela espera ser atendida em um pronto-socorro -

    http://www.youtube.com/watch?v=Wx-5BSzPO1M&feature=related 

    Note que, sendo a ciência uma forma de conhecimento, ela não cabe a todas as situações

    que compõem o cotidiano.

    O senso comum, assim como a ciência, também é incapaz

    de responder a todos os anseios do existir humano.

    Outra forma de conhecimento é o MITO. O Mito é

    uma forma de conhecimento intuitiva do mundo, que

    fornece uma explicação abrangente e não analítica da

    realidade.

    Ainda poderíamos trabalhar outras formas de conhecimento  –   ciências, religião,antropologia, política, sociologia, mas por uma questão de estrutura do curso vamosenfatizar uma outra forma de conhecimento –  filosofia.

     Definição: Mito é uma forma deconhecimento intuitiva do mundo,

    que fornece uma explicação

    abrangente e não analítica da

    realidade. 

     Definição:Senso comum é umavisão de mundo composta por

    opiniões que se tornaram comuns a

    um grupo social, é uma visão de

    mundo vulgar, fragmentária,

    lacunar e baseada em aparências. 

    http://www.youtube.com/watch?v=Wx-5BSzPO1M&feature=relatedhttp://www.youtube.com/watch?v=Wx-5BSzPO1M&feature=relatedhttp://www.youtube.com/watch?v=Wx-5BSzPO1M&feature=related

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    CAPÍTULO III – O QUE É FILOSOFIA?

    O termo filosofia, em sua etimologia, quer dizer “amor pelo saber”, diz a lenda

    que, ao chamarem Pitágoras3 de sábio ele teria respondido que não era sábio, mas amavaa sabedoria –  e é este o que leva alguém a levantar questionamentos sobre o porquê de

    tudo –  amar saber. Um amor envolto por amizade radical pelos problemas que a realidade

    faz surgir a todo o momento.

    A origem da filosofia acontece em

    cada um de nós todas as vezes que ficamos

    surpresos com a perplexidade do real. A

     primeira vez que vimos estas montanhas que

    margeiam a faculdade por exemplo, ficamos

    calados observando  –   neste momento o real nos surpreende  –   neste momento nos

    espantamos.

    O espanto é esta perplexidade perante o real, é o que impulsiona o sábio, o poeta,

    o homem da ciência perante o eterno e absoluto mistério da vida cotidiana.

    O princípio que rege a filosofia não é de oferecer respostas, mas instrumentalizaro filósofo a fazer as perguntas certas, para chegar a

    conceitos que apontem a verdade. A verdadeira

    filosofia está em conceituar de tal forma que

    consigamos reaprender a ver a realidade e a encarar

    o mistério do real.

    3 http://pt.wikipedia.org/wiki/Pitágoras  

    Filosofia é uma reflexão radical,rigorosa e de conjunto sobre

     problemas que a realidade nos

    apresenta. (Dermeval Saviani)

    “A filosofia nasce do nosso

    espanto em relação ao mundo eà nossa existência, que se impõeao nosso intelecto comoenigma”. (Schopenhauer); 

    “A verdadeira filosofia é reaprender a

    ver o mundo”  

    Merleau-Ponty

    http://pt.wikipedia.org/wiki/Pit%C3%A1gorashttp://pt.wikipedia.org/wiki/Pit%C3%A1gorashttp://pt.wikipedia.org/wiki/Pit%C3%A1gorashttp://pt.wikipedia.org/wiki/Pit%C3%A1goras

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    Portanto, podemos concluir que a filosofia é uma atitude, um ato de reflexão e apreensão

    de algo que está além das aparências e do nível aparente, metodicamente controlado.

    Consistindo em:

    •  Um esforço intelectual do pensamento para a obtenção de um conceito;

    •  Uma análise metódica;

    •  Uma interpretação teórica;

    •  Uma reflexão sobre as possibilidades de certeza ou não dessa interpretação.

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    CAPÍTULO IV - FILOSOFIA ANTIGA

    Quando pensamos em filosofia ( pelo menos ocidental ) pensamos na Grécia,por motivos de

    tempo creio que não seja interessante levantar os motivos socio-histórico-cultural que levouaquela região a ser o berço do pensamento filosófico. A título de curiosidade, o mapa da Grécia

    abaixo mostra as cidades e os devidos pensadores:

    Os considerados pensadores clássicos são Sócrates, Platão e Aristóteles. Porém para

    entender o pensamento de cada um deles se faz necessário conhecermos alguns

     pensadores conhecidos como naturalistas ou pré-socráticos4.

    Por que eles eram chamados de naturalistas? Antes pensemos no quadrinho apresentado:

    4 http://pt.wikipedia.org/wiki/Pr%C3%A9-socr%C3%A1ticos  

    http://pt.wikipedia.org/wiki/Pr%C3%A9-socr%C3%A1ticoshttp://pt.wikipedia.org/wiki/Pr%C3%A9-socr%C3%A1ticoshttp://pt.wikipedia.org/wiki/Pr%C3%A9-socr%C3%A1ticoshttp://pt.wikipedia.org/wiki/Pr%C3%A9-socr%C3%A1ticos

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    O universo, o infinito, sempre causaram perplexidade ao homem, sempre lhe

    causaram espanto, na Grécia Antiga, em torno

    de VII a VI A.C, também se questionavam

    sobre a natureza única e constante no início,

    meio e fim de tudo  –  qual seria a substância

    constante em todas as coisas da natureza. A

    esta substância eles chamavam de “arché”5  -

    estes pensadores ficaram conhecidos como

     pré-socráticos6.

    Para o desenvolvimento do nosso

    curso gostaria de enfatizar o pensamento de

    dois pré-socráticos: Parmênides de Eléia e

    Heráclito de Éfeso.

    Para Parmênides de Eléia7  a

    imutabilidade, a constância da natureza é a sua

    arché –  ou seja –  nada muda, tudo é a mesmacoisa sempre, a mudança, o cíclico é ilusório.

    Já para Heráclito, a mutabilidade, a

    inconstância da natureza é a sua arché  –   ou

    5

     http://pt.wikipedia.org/wiki/Arch%C3%A9 6 http://pt.wikipedia.org/wiki/Pr%C3%A9-socr%C3%A1ticos  7 http://pt.wikipedia.org/wiki/Parm%C3%AAnides_de_Eleia 

    •  Tais filósofos, considerados pioneiros da filosofiaocidental, buscavam um

     princípio, a arché  ,  quedeveria ser um princípio

     presente em todos osmomentos da existência detudo. Essa arché deveria estarno início, no desenvolvimento

    “ O ser é e não pode não

    ser   e o não-ser não é e

    não pode ser de modo 

    algum.” Parmênides de

    Eléia 

    “Nada existe de permanente a não ser amudança” Heráclito de

    Éfeso

    http://pt.wikipedia.org/wiki/Arch%C3%A9http://pt.wikipedia.org/wiki/Arch%C3%A9http://pt.wikipedia.org/wiki/Arch%C3%A9http://pt.wikipedia.org/wiki/Pr%C3%A9-socr%C3%A1ticoshttp://pt.wikipedia.org/wiki/Pr%C3%A9-socr%C3%A1ticoshttp://pt.wikipedia.org/wiki/Pr%C3%A9-socr%C3%A1ticoshttp://pt.wikipedia.org/wiki/Parm%C3%AAnides_de_Eleiahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Parm%C3%AAnides_de_Eleiahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Parm%C3%AAnides_de_Eleiahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Arch%C3%A9http://pt.wikipedia.org/wiki/Arch%C3%A9http://pt.wikipedia.org/wiki/Arch%C3%A9http://pt.wikipedia.org/wiki/Parm%C3%AAnides_de_Eleiahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Pr%C3%A9-socr%C3%A1ticoshttp://pt.wikipedia.org/wiki/Arch%C3%A9

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    seja –  tudo nunca é a mesma coisa, a constância que é ilusória.

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    CAPÍTULO V – SÓCRATES, PLATÃO E ARISTÓTELES

    Os três pensadores que vamos estudar agora são de extrema importância para a

    formação da filosofia no ocidente, são eles: Sócrates8, Platão9 e Aristóteles10. Vejamos como a

    visão socrática ainda está presente nos dias de hoje na cultura pop:

    “Conhece-te a ti mesmo” era a máxima encontrada no oráculo de Delfos e que serviu de pedra

    angular para Sócrates. Para este pensador conhecer a si mesmo era a base da moralidade. E esta

    moralidade só teria sentido com a descoberta de um

    princípio: Nossa ignorância sobre as coisas. Não é à

    toa que a frase mais conhecida dele seja “só sei quenada sei”. 

    Para Sócrates, só era digna a vida ser vivida se esta fosse antes de tudo pensada, meditada  – 

    refletida.

    É neste ponto que encontramos algo de interessante em Sócrates  – é a ideia de que se é mal

    por se ignorar o conhecimento  – bom é quem reflete sobre a vida e suas ações. Mal é quem

    ignora ignorar. Para Sócrates ética ( apesar que nunca ter usado tal termo ) era ser racional.

    Eis enumerado abaixo a posição ética defendida por Sócrates:

    1. "A virtude é um conhecimento";

    2. "Ninguém faz o mal voluntariamente";

    3. "As virtudes constituem uma unidade";

    8 http://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%B3crates 

    9 http://pt.wikipedia.org/wiki/Plat%C3%A3o 10 http://pt.wikipedia.org/wiki/Arist%C3%B3teles  

    O homem deve conhecer-se a simesmo para depois desvendar o

    mundo.(Socrates) 

    http://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%B3crateshttp://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%B3crateshttp://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%B3crateshttp://pt.wikipedia.org/wiki/Plat%C3%A3ohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Plat%C3%A3ohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Plat%C3%A3ohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Arist%C3%B3teleshttp://pt.wikipedia.org/wiki/Arist%C3%B3teleshttp://pt.wikipedia.org/wiki/Arist%C3%B3teleshttp://pt.wikipedia.org/wiki/Arist%C3%B3teleshttp://pt.wikipedia.org/wiki/Plat%C3%A3ohttp://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%B3crates

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    4. "É preferível sofrer injustiça do que cometê-la" (Górgias 469 b-c) ou "jamais se deve

    responder à injustiça pela injustiça, nem fazer mal a outrem, nem mesmo àquele que

    nos fez mal" (Críton 49 c-d).

    Sócrates afirmava que “Ninguém faz o mal voluntariamente, mas por ignorância, pois a

    sabedoria e a virtude são inseparáveis.” 

    E como poderíamos perceber que somos ignorantes? O ateniense desenvolveu um

    método muito interessante de filosofia – a maiêutica – que consistia em, querendo chegar a um

    ponto ( ajudar o interlocutor a perceber que não conhece o que discute ) questioná-lo até fazê-lo

    chegar a esta conclusão.

     Apesar de nunca ter fundado uma escola,

    Sócrates teve vários discípulos, um deles foi Platão.

    Platão é um dos pensadores mais influentes

    do Ocidente. Seu pensamento não só norteou toda a

    filosofia, mas como serviu de base para várias

    vertentes teológicas.

    Depois da morte do mestre, Platão se dedicou

    a tentar conciliar duas linhas de pensamento de dois

    pré-socráticos aparentemente contraditórios:

    Heráclito e Parmênides.

    Platão acaba por então desenvolver o

    conceito de mundo ideal e mundo real.

    No mundo real seria este pelo qual

    conhecemos a realidade  – ele é mutável, voltado à destruição e morte  – nele tudo flui, tudo

    muda, tudo acaba ( assim como no pensamento Heraclitiano ).

    O mundo ideal seria o mundo das ideias – neste tudo é constante, nada muda, é o campo

    da perfeição ( assim como no pensamento de Parmênides ).

    Nesta linha de pensamento, para Platão, a moralidade estaria justamente no perfeito

    subjugando o imperfeito, o ideal controlando o real – a mente dominando o corpo.

    Vejamos a tira abaixo e ilustremos o pensamento Platônico:

    Definição - Sócrates:

    Pai da filosofia: 

    - Filosofia por meio do diálogo; -  Ironia – como se nada

     soubesse, levava ointerlocutor amanifestar sua opinião. 

    -  Demonstrava suaignorância.

    -  Maiêutica: fazer nasceras idéias, depois deelaborá-las. 

    "Eu sou rápido, eu sou forte, nada

    consegue me deter. Meu corpo não

    acredita em palavra alguma que meu

    cérebro está dizendo..." (Calvin and

    Hobbes)

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    Para Platão esta tirinha diria muito. Para ele a harmonia entre mente ( mundoideal ) e corpo ( mundo real ) é que denotaria moralidade. Um corpo que acredita seruma coisa mas a mente pede outra coisa seria, para Platão, fraqueza.

    Podemos contemplar este pensamento em um dos textos mais famosos de Platão

     –  o Mito da caverna. Que se encontra na leitura complementar.

    Aristóteles foi aluno de Platão  –  e foi ele quem usou pela primeira vez o termo

    ética. Apesar de nutrir carinho pelo mestre, ele tinha fortes críticas quanto à ideia de um

    mundo ideal. Toda a filosofia aristotélica gira em torno do conceito do mundo real e sua

    administração voltada ao bem mais que todo ser humano aspira – a felicidade.

    Para Aristóteles, a verdadeira ética ( a primeira obra que trata do assunto chama-

    se “Ética para Nicômaco”) seria aquela que aproximaria o homem da felicidade –  porém

     para o estagirita felicidade é o viver bem, ter paz de espírito, dentro da polis  –  ou seja,

    entre seus pares.

    O que me aproximaria da felicidade? O exercício das virtudes, inclusive

    Aristóteles desenvolveu uma tabela de vícios e virtudes. Como se vê abaixo:

    Definição - Platão

    Influências principais:Sócrates e Parmênides;

    Instrumento para

    apreensão do ser: razão;Mundo sensível: instável,imperfeito, perecível;coisas são cópiasimperfeitas das realidadesinteligíveis;Mundo inteligível: idéias(essências existentes) perfeitas, imutáveis,

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    Virtude  Vício por excesso  Vício por falta 

    Coragem  temeridade  covardia 

    Temperança  libertinagem  insensibilidade 

    Liberalidade   prodigalidade  avareza 

    Respeito próprio  vulgaridade  vileza 

    Magnificência  vaidade  modéstia 

    Gentileza  irascibilidade  indiferença 

    Veracidade  orgulho  Descrédito próprio 

    Agudeza de espírito  zombaria  grosseria 

    Amizade  condescência  tédio 

    Justa indignação  inveja  malevolência 

    É interessante notarmos algo muito forte na Ética aristotélica: para cada virtude

    há dois vícios ( pois para ele vício é o excesso ou falta de uma virtude ), ou seja, é muito

    maior a chance de se errar eticamente do que acertar.

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    Portanto, para Aristóteles, ética seria agir virtuosamente, na sociedade, em busca

    da felicidade.

    Viver bem é viver racionalmente, emequilíbrio e com prudência, sendoesta última a virtude que melhordesigna a maneira como a vontade

     pode ser guiada pela razão.

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    LEITURA COMPLEMENTAR

    O Mito da Caverna 

    Platão 

    Imaginemos uma caverna subterrânea onde, desde a infância, geração após geração, seres

    humanos estão aprisionados. Suas pernas e seus pescoços estão algemados de tal modo

    que são forçados a permanecer sempre no mesmo lugar e a olhar apenas para a frente, não

     podendo girar a cabeça nem para trás nem para os lados. A entrada da caverna permite

    que alguma luz exterior ali penetre, de modo que se possa, na semi-obscuridade, enxergar

    o que se passa no interior.

    A luz que ali entra provém de uma imensa e alta fogueira externa. Entre ela e os

     prisioneiros - no exterior, portanto - há um caminho ascendente ao longo do qual foi

    erguida uma mureta, como se fosse a parte fronteira de um palco de marionetes. Ao longo

    dessa mureta-palco, homens transportam estatuetas de todo tipo, com figuras de seres

    humanos, animais e todas as coisas.

    Por causa da luz da fogueira e da posição ocupada por ela, os prisioneiros enxergam na

     parede do fundo da caverna as sombras das estatuetas transportadas, mas sem poderem

    ver as próprias estatuetas, nem os homens que as transportam.

    Como jamais viram outra coisa, os prisioneiros imaginam que as sombras vistas são as

     próprias coisas. Ou seja, não podem saber que são sombras, nem podem saber que são

    imagens (estatuetas de coisas), nem que há outros seres humanos reais fora da caverna.

    Também não podem saber que enxergam porque há a fogueira e a luz no exterior e

    imaginam que toda a luminosidade possível é a que reina na caverna.

    Que aconteceria, indaga Platão, se alguém libertasse os prisioneiros? Que faria um

     prisioneiro libertado? Em primeiro lugar, olharia toda a caverna, veria os outros seres

    humanos, a mureta, as estatuetas e a fogueira. Embora dolorido pelos anos de imobilidade,

    começaria a caminhar, dirigindo-se à entrada da caverna e, deparando com o caminho

    ascendente, nele adentraria.

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     Num primeiro momento, ficaria completamente cego, pois a fogueira na verdade é a luz

    do sol, e ele ficaria inteiramente ofuscado por ela. Depois, acostumando-se com a

    claridade, veria os homens que transportam as estatuetas e, prosseguindo no caminho,

    enxergaria as próprias coisas, descobrindo que, durante toda sua vida, não vira senão

    sombras de imagens (as sombras das estatuetas projetadas no fundo da caverna) e que

    somente agora está contemplando a própria realidade.

    Libertado e conhecedor do mundo, o priosioneiro regressaria à caverna, ficaria

    desnorteado pela escuridão, contaria aos outros o que viu e tentaria libertá-los.

    Que lhe aconteceria nesse retorno? Os demais prisioneiros zombariam dele, não

    acreditariam em suas palavras e, se não conseguissem silenciá-lo com suas caçoadas,tentariam fazê-lo espancando-o e, se mesmo assim, ele teimasse em afirmar o que viu e

    os convidasse a sair da caverna, certamente acabariam por matá-lo.

     Extraído do livro "Convite à Filosofia" de Marilena Chaui. 

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    CAPÍTULO VI – ÉTICA E MORAL

    Depois deste passeio pela filosofia, podemos nos questionar  – o que é ética? Qual é a

    diferença entre ética e moral?

    As duas palavras, se formos tomar pela tradução da língua original, nos informarão

    pouco – ética em grego como moral em latim querem dizer “costume”. 

    Porém a sua apropriação pela filosofia as distinguem da seguinte forma:

    A ética, enquanto ramo da filosofia, versa sobre a teoria da conduta baseada em padrões

    de Bem em Mal. Quando falamos do que é certo ou errado, bom ou ruim, bem e mal, quando

    discutimos, quando meditamos, quando colocamos no campo do debate, estamos na verdade

    no campo da Ética.

    O propósito da ética é refletir,

    teoricamente sobre o que é agir em vistas do

    bem, quais são os melhores princípios e como

    conceituá-los – fundamentando a vida moral.

    A moral, é a prática oriunda desta teoria,

    ou seja, quando agimos estamos no campo da

    moral. A ação moral advém de um conjunto de regras, teorias, perspectivas de mundo ( que

    estão no campo da ética ) e que são tomadas de forma livre e consciente pelo indivíduo, tendo

    por objetivo organizar as relações sociais baseado em valores de bem e mal.

    Portanto perceba que é um exercício

    dialético: ao pensar eticamente ajo moralmente,

    e minhas ações morais me dão subsídios parapensar eticamente.

    Existem algumas exigências para ser um

    agente moral ( alguém capaz de refletir sobre o

     bem e o mal –  ética –  e agir de acordo com esta reflexão –  moral ), que são:

    Ser consciente de si e dos outros, isto é, ser capaz de reflexão e de reconhecer a

    existência dos outros como sujeitos éticos iguais a si.

    Definição: Ética: Constitui a parte da Filosofia que seocupa com a reflexão sobre asnoções e os princípios que

     fundamentam a vida moral.

    Definição: Moral: Conjunto deregras de conduta assumida livre e

    conscientemente pelos indivíduos,com a finalidade de organizar asrelações interpessoais segundo osvalores do bem e do mal.

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    Ser dotado de vontade, isto é, de capacidade para controlar e orientar desejos,

    impulsos, tendências, sentimentos e de capacidade para deliberar e decidir entre várias

    alternativas possíveis.

    Ser responsável, isto é, reconhecer-se como autor da ação, avaliar os efeitos e as

    conseqüências dela sobre si e sobre os outros.

    Ser livre, isto é, ser capaz de oferecer-se como causa interna de seus sentimentos,

    atitudes e ações, por não estar submetido a poderes externos que o forcem e o constranjam

    a sentir, a querer e a fazer alguma coisa.

    O exercício destas condições visa a formação de um ser humano capaz de

    controlar seus impulsos, suas inclinações e suas paixões, que discute valores e fins

    estabelecidos, que seja capaz de responder pelo que faz, julga as suas próprias intenções

    e recusa a violência contra si e contra os outros, alguém virtuoso  –  a isto chamamos de

    autonomia, que é a exigência essencial da ética.

    Portanto é importante notar que, uma pessoa pode ser ética ( ou seja, se conduzir

    à partir dar regras e convenções sociais –  objetivando o bem-estar conjunto ) antiética (

    negar as regras e convenções sociais  –  desqualificando o bem-estar conjunto ) mas não

    aética ( neste caso seria a situação excepcional daqueles que, por motivos intelectuais ou

    situacionais seriam incapazes de ter liberdade, vontade, responsabilidade sobre seus atos).

    O mesmo podemos dizer sobre uma pessoa poder agir de forma moral, imoral mas

    não de forma amoral.

    Definição: Ética Profissional

    É a ética aplicada aos problemas específicos de

    cada uma das profissões.Muitas vezes é apresentadasob a forma de um Códigode Ética, contendo osdirecionamentosade uados aos casos mais

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    LEITURA COMPLEMENTAR

    A ÉTICA E A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO HOJE

     Mario Sergio Cortella

     Professor-Titular do Departamento de Teologia e Ciências da Religião da PUC-SP  

    Ressaltemos desde o início: a ética é uma questão absolutamente humana! Só se pode

    falar em ética quando se fala em humano, porque a ética tem um pressuposto: a

     possibilidade de escolha. A ética pressupõe a possibilidade de decisão, ética pressupõe a

     possibilidade de opção.

    É impossível falar em ética sem falar em liberdade. Quem não é livre não pode,

    evidentemente, ser julgado do ponto de vista da ética. Outros animais, ao menos nos

     parâmetros que utilizamos, agem de forma instintiva, não deliberada, sem uma

    consciência intencional. Cuidado. Há quem diga: “Eu queria ser livre como um pássaro”;

    lamento profundamente, pois pássaros não são livres, pássaros não podem não voar,

     pássaros não podem escolher para onde voam, pássaros são pássaros. Se você quiser ser

    livre, você tem de ser livre como um humano. Pensemos em algo que pode parecer

    extremamente horroroso: como disse Jean-Paul Sartre, nós somos condenados a ser livres.

    Da liberdade, vêm as três grandes questões éticas que orientam (mas também atormentam,

    instigam, provocam e desafi am) as nossa escolhas: Quero? Devo? Posso? Retomemos o

    cerne: o exercício da ética pressupõe a noção de liberdade. Existe alguém sobre quem eu

     possa dizer que não tem ética? É possível falar que tal pessoa “não tem ética”? Não, é

    impossível. Você pode dizer que ele não tem uma ética como a tua, você pode dizer que

    ele tem uma ética com a qual você não concorda, mas é impossível dizer que alguém nãotem ética, porque ética é exatamente o modo como ele compreende aquelas três grandes

    questões da vida: devo, posso, quero?

    Tem coisa que eu devo mas não quero, tem coisa que eu quero mas não posso, tem coisa

    que eu posso mas não devo. Nessas questões, vivem os chamados dilemas éticos; todas e

    todos, sem exceção, temos dilemas éticos, sempre, o tempo todo: devo, posso, quero?

    Tem a ver com fidelidade na sua relação de casamento, tem a ver com a sua postura como

    motorista no trânsito; quando você pensa duas vezes se atravessa um sinal vermelho ou

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    não, se você ocupa uma vaga quando vê à distância que alguém está dando sinal de que

    ele vai querer entrar; quando você vai fazer a sua declaração de Imposto de Renda; quando

    você vai corrigir provas de um aluno ou de um orientando seu; quando você vai cochilar

    depois do almoço, imaginando que tem uma pia de louça que talvez seja lavada por outra

     pessoa, e como você sabe que ela lava mesmo, e que se você não fizer o outro faz, você

    tem a grande questão ética que é: devo, posso, quero? Por exemplo, quando se fala em

     bioética: podemos lidar com clonagem? Podemos, sim. Devemos? Não sei. Queremos?

    Sim. Clonagem terapêutica, reprodutiva? É uma escolha. Posso eu fazer um transplante

    intervivos? Posso. Devo, quero? Tem coisa que eu devo, mas não quero; aliás, a área de

    Saúde, de Ciência e Medicina, é recheada desses dilemas éticos. Tem muita coisa que

    você quer, mas não pode, muita coisa que você deve, mas não quer.

     Na pesquisa, já imaginou? Por que montamos comitês de pesquisa, por que a gente faz

    um curso sobre ética na pesquisa? Porque isso é complicado, e se fosse uma coisa simples,

    a gente não precisava fazer curso, não precisava estudar, não precisava se juntar. É

    complicadíssimo, porque estamos mexendo com coisas que têm a ver com a nossa

    capacidade de existir. Quando se pensa especialmente no campo da ética, a relação com

    a liberdade traz sempre o tema da decisão, da escolha. Por que estou dizendo isso? Porque

    não dá para admitir uma mera repetição do que disseram muitos dos generais responsáveis pelo holocausto e demais atrocidades emanadas do nazismo dos anos de 1940. Exceto um

    que assumiu a responsabilidade, todos usaram o mesmo argumento em relação à razão de

    terem feito o que fi zeram. Qual foi? “Eu estava apenas cumprindo ordens”. “Estava

    apenas cumprindo ordens”, isso me exime da responsa bilidade? Estava apenas

    obedecendo... Essa é uma questão séria, sabe por quê? Porque “estava apenas cumprindo

    ordens” implica a necessidade de pensarmos se a liberdade tem lugar ou não. 

    Ética tem a ver com liberdade, conhecimento tem a ver com liberdade, porque

    conhecimento tem a ver com ética. Por isso, se há algo que também é fundamental quando

    se fala em ciência, ética na pesquisa e produção do conhecimento, é a noção de

    integridade. A integridade é o cuidado para se manter inteiro, completo, transparente,

    verdadeiro, sem máscaras cínicas ou fissuras. Nessa hora, um perigo se avizinha: assumir-

    se individual ou coletivamente uma certa “esquizofrenia ética”. Ela desponta quando as

     pessoas se colocam não como inteiras, mas repartidas em funções que pareceriam

    externas a elas. Exemplos? “Eu por mim não faria isso, mas, como eu sou o responsável,

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    tenho de fazê-lo”. Ora, eu não sou eu e uma função, eu sou uma inteireza, eu não sou eu

    e um professor, eu e um pesquisador, eu e um diretor, eu e um Secretário, eu sou um

    inteiro. “Eu por mim não faria”, então eu não faço! 

    Cautela! Coloca-se um estilhaçamento da integridade: “Eu, por mim, não lhe reprovaria,

    mas como eu sou seu professor, eu tenho que reprovar”; “Eu, por mim, não lhe mandaria

    embora, mas como eu sou seu chefe...”; “Eu, por mim, não lhe suspenderia, mas como eu

    sou seu superior...”; “Eu, por mim, não faria isso, mas como eu sou o contador...”; “Eu,

     por mim, não faria isso, mas como eu sou o responsável pelo laboratório...”.: “Eu por

    mim não faria”, então eu não faço; “Eu por mim não lhe reprovaria”, então não reprovo.

    De novo: eu não sou eu e uma função, eu não sou eu e um pesquisador, eu e um chefe do

    laboratório, eu e um diretor de instituto, eu e um Secretário... O esboroamento daintegridade pessoal e coletiva é a incapacidade de garantir que a “casa” fique inteira, e

     para compreender melhor a idéia de “casa íntegra”, vale fazer um breve passeio pelas

     palavras. Talvez as pessoas que estudaram um pouco de etimologia se lembrem que a

     palavra ética vem pra nós do grego ethos, mas ethos, em grego, até o século VI a. C.,

    significava morada do humano, no sentido de caráter ou modo de vida habitual, ou seja,

    o nosso lugar. Ethos é aquilo que nos abriga, aquilo que nos dá identidade, aquilo que nos

    torna o que somos, porque a sua casa é o modo como você é, onde está a sua marca. Maistarde, esse termo para designar também o espaço físico foi substituído por oikos. Aliás, o

    conhecimento mais valorizado na sociedade grega era o que cuidava das regras da casa,

     para a gente poder viver bem e para deixar a casa em ordem. Como o vocábulo nomos

    significa “regra” ou “norma”, passou-se a ter a oikos nomos (a economia) como a

     principal ciência. No entanto, a noção original de ethos não se perdeu, pois os latinos a

    traduziram pela expressão more, ou mor, que acabou gerando pra nós também uma dupla

    concepção; uma delas é “morada”, e a outra, que vai ser usada em latim, é o lugar ondevocê morava, o seu habitus. Olha só, a expressão “o hábito faz o monge” não tem a ver

    com a roupa dele, habitus; habitus é exatamente onde nós vivemos, o nosso lugar, a nossa

    habitação.

    Quando se pensa em ética e produção do conhecimento hoje, a grande questão é: como

    está a nossa possibilidade de sustentar a nossa integridade; essa integridade, como se

    coloca? A integridade da vida individual e coletiva, a integridade daquilo que é mais

    importante, porque uma casa, ethos, tal como colocamos, é aquela que precisa fi car

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    inteira, é aquela que precisa ser preservada. Como está a morada do humano? Essa

    morada do humano desabriga alguém? Alguém está fora da casa, alguém está sem comer

    dentro dessa casa? Alguém está sem proteção à sua saúde, alguém está sem lazer dentro

    dessa casa? Essa morada do humano é inclusiva ou é exclusiva? Essa morada do humano

    lida com a noção de qualidade em ciência, ou lida com a noção de privilégio? Cuidado.

    Duas coisas que se confundem muito em ciência são qualidade e privilégio; qualidade

    tem a ver com quantidade total, qualidade é uma noção social, qualidade social só é

    representada por quantidade total. Qualidade sem quantidade não é qualidade, é

     privilégio. São Paulo é uma cidade em que se come muito bem, é verdade; quem come,

    quem come o quê? Qualidade sem quantidade total não é qualidade, é privilégio. Todas

    as vezes em que se discute essa temática, aparece a noção de uma qualidade restrita, e

    qualidade restrita, reforcemos, é privilégio. Nesse sentido, a grande questão volta: será

    que, na morada do humano, alguém está desabrigado? Será que essa casa está inteira, ela

    está em ordem nessa condição? Nessa nossa casa, quando a gente fala em cuidado, é o

    mesmo que falar em saúde; aliás, quando digo: “eu te saúdo”, ou, “queria fazer aqui uma

    saudação”, etimologicamente é a mesma coisa. Saudar é procurar espalhar a possibilidade

    de cuidado, de atenção, de proteção. Nossa casa, que casa é essa? Há nela saúde? A ética

    é a morada do humano; como essa casa é protegida? Qual é o lugar da ciência dentro

    dela? Qual é o papel que ela desempenha? Qual é a nossa tarefa nisso, para pensar

    exatamente aquelas três questões: posso, devo, quero?

    É claro que essas questões e suas respostas não são absolutas, elas não são fechadas, elas

    são históricas, sociais e culturais. A mesma pergunta não seria feita do mesmo modo há

    vinte anos; a grande questão no nosso país há cento e cinqüenta anos, a grande questão

    ética há cento e cinqüenta anos era se eu podia açoitar um escravo e depois cuidar dele,

    ou só açoitá-lo e deixá-lo pra ser cuidado pelos outros; se eu poderia extrair o dente dealguém, se é mais recomendável para o dentista que ele faça a extração ou que ele tente

    o tratamento. Há alguns anos, algumas décadas, uma discussão de natureza ética era algo

    que nem passaria pela cabeça de um dentista. A pessoa chegava ao seu consultório e dizia:

    “Eu quero que o senhor arranque todos os meus dentes”. Ele respondia: “Tá bom”; hoje,

    você tem outra questão. O mesmo vale em relação ao uso de contraceptivos ou à

    legalização do aborto consentido, ou ainda sobre a separação entre princípios religiosos

    e conduta científica. Quando se pensa na manutenção da integridade, do devo, posso e

    quero, a grande questão, junto com essa tríade, é se estamos dirigindo, como critério

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    último, a proteção da morada do humano, da morada coletiva do humano. Afinal de

    contas, não somos humanos e humanas individualmente, pois só o somos coletivamente.

    Fala-se muito em vivência, quando referimos a vida humana; no entanto, o mais correto

    seria sempre dizer convivência, pois ser humano é ser junto. Desse modo, a noção de

    ethos, a noção de morada do humano, oferece um critério para responder ao posso, devo

    e quero, que é: protejo eu a morada ou desprotejo? Incluo ou excluo? Vitimo ou cuido?

    Em um livro delicioso e de complexa leitura, Ética da Libertação, Enrique Dussel escreve

    sobre um percurso da história da ética dentro do mundo. Começa exatamente mostrando

    o lugar que a reflexão ética ocupa na história humana, mas conclui com algo que alguns

    até achariam curioso, hoje: ele não aceita a noção do termo exclusão, ou falar em

    excluídos, porque acha que a noção de excluído é muito pequena e insuficiente. Dussel,ao pensar a Ética e os processos sociais, econômicos e culturais, trabalha com a noção de

    vítimas: as vítimas do sistema, as vítimas da estrutura. Pensa ele que, quando se fala em

    excluído, dá-se a impressão de que é uma coisa um pouco marginal, lateral, enquanto

    vitimação é uma idéia mais robusta e incisiva. A principal virtude ética nos nossos

    tempos, para poder manter a integridade e cuidar da casa, da morada do humano, é a

    incapacidade de desistir, é evitar o apodrecimento da esperança, é evitar aquilo que padre

    Antonio Vieira apontou, no começou de um de seus Sermões, da seguinte maneira: “O peixe apodrece pela cabeça”. Já viu um peixe apodrecer? Tal como algumas pessoas, ele

    apodrece da cabeça para o resto do corpo... Um olhar sobre a ética em ciência e na

     pesquisa tem uma finalidade: manter a nossa vitalidade, manter a nossa vitalidade ética,

    mostrar que nós estamos preocupadas e preocupados, que a gente não se conforma com

    a objetividade tacanha das coisas, que a gente não acha que as coisas são como são e não

     podem ser de outro modo, que a gente não se rende ao que parece ser imbatível.

    Ser humano é ser capaz de dizer não, ser humano é ser capaz de recusar o que parece não

    ter alternativa, ser humano é ser capaz de afastar o que parece sem saída. Ser humano é

    ser capaz de dizer não, e só quem é capaz de dizer não pode dizer sim; aí está a nossa

    liberdade. Tem gente que diz assim: “Ah, a minha liberdade acaba quando começa a do

    outro”; cuidado, a minha liberdade acaba quando acaba a do outro. Liberdade, como

    saúde, tem de ser um conceito coletivo, a minha liberdade não acaba quando começa a do

    outro, a minha liberdade acaba quando acaba a do outro. Se algum humano não for livre,

    ninguém é livre, se algum homem ou mulher não for livre da falta de trabalho, ninguém

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    é livre; se algum homem ou mulher não for livre da falta de socorro, de saúde, ninguém

    é livre; se alguma criança não for livre da falta de escola, ninguém é livre; a minha

    liberdade não acaba quando começa a do outro, minha liberdade acaba quando acaba a

    do outro. Ser humano é ser junto, e é em relação a isso que vale pensarmos nossa

    capacidade de dizer não a tudo que vitima e sermos capazes de proteger o que eleva a

    Vida. O vínculo da Ética com a Produção do Conhecimento está relacionado à capacidade

    deste de cuidar daquela, isto é, manter a integridade digna da vida coletiva. Ética é a

     possibilidade de recusar a falência da liberdade, a ética é a nossa capacidade de recusar a

    idéia de que alguns cabem na nossa casa, outros não cabem; alguns comem, outros não

    comem; alguns têm graça, outros têm desgraça.

    A ética é o exercício do nosso modo de perceber como é que nós existimos coletivamente,e então pensar com seriedade naquilo que François Rabelais vaticinou: “Conheço muitos

    que não puderam, quando deviam, porque não quiseram, quando podiam”. 

    Quero? Devo? Posso?

    http://www.apropucsp.org.br/revista/r27_r15.htm 

    CAPÍTULO VII – ÉTICA E HIPERMODERNIDADE

    Enquanto o mundo grego baseava o conceito de ética na razão, o mundo medieval

    na fé e o mundo romântico no egocentrismo (no sentido de colocar a emoção à frente da

    razão e da fé ) notamos uma mudança de valores quanto ao mundo moderno.

    http://www.apropucsp.org.br/revista/r27_r15.htmhttp://www.apropucsp.org.br/revista/r27_r15.htmhttp://www.apropucsp.org.br/revista/r27_r15.htm

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     Na modernidade vemos o surgimento de algo que podemos considerar como um

    “tecnocentrismo” –   a tecnologia e a técnica como o centro moral e social. Este

    tecnocentrismo levaria o homem à busca do prático, técnico, a busca de uma moral de

    manual, efeito e causa –  uma moralidade baseada no utilitarismo.

    Este utilitarismo e pragmatismo seriam justamente os pontos negados na transição

     para a pós-modernidade  –   aliás, o sinal principal desta é justamente a ruptura com o

    mundo das normas.

    E como seria este homem “hipermoderno”? Nas próximas páginas o prólogo do

    livro “el hombre light” de Enrique Rojas: 

    O HOMEM MODERNO: a luta contra o vazio – Enrique Rojas

    Este é um livro de denúncia. Já há alguns anos me preocupam os rumos seguidos pela

    opulenta sociedade do bem-estar no Ocidente, inclusive porque sua influência no resto do

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    mundo abre caminhos, forma opinião e propõe argumentos. É nessa sociedade, em certa

    medida, doente que emerge o homem moderno ou light , um sujeito cuja bandeira é uma

    tetralogia niilista: hedonismo-consumismo-permissividade-relatividade. Tudo isso

    costurado pelo materialismo. Um indivíduo assim se parece muito com os chamados

     produtos light  de nossos dias: alimento sem calorias e sem gorduras, cerveja sem álcool,

    açúcar sem glicose, cigarro sem nicotina, Coca-Cola sem cafeína e sem açúcar, manteiga

    sem gordura –  um homem sem substância, sem conteúdo, entregue ao dinheiro, ao poder,

    ao sucesso e ao gozo ilimitado, sem restrições.

    O homem moderno não tem referenciais, vive num grande vazio moral, não é feliz,

    embora tenha materialmente quase tudo, e isto é o mais grave. Este é o meu diagnóstico,

    e ao longo destas páginas descrevo suas principais características, ao mesmo tempo em

    que faço sugestões de como escapar e sair desse caminho errado que tem um final triste

    e pessimista.

    Frente à cultura do efêmero está a solidez de um pensamento humanista; frente à ausência

    de vínculos, o compromisso com os ideais. É preciso superar o pensamento débil com

    argumentos e ilusões suficientemente atrativas para que o homem eleve sua dignidade e

    suas pretensões. Assim atravessaremos o itinerário que vai da inutilidade da existência à

     busca de um sentido por meio da coerência e do compromisso com os outros, escapando

    desse modo da grave sentença de Thomas Hobbes: “O homem é o lobo do homem”. 

    É preciso conseguir um ser humano que quer saber o que é bom e o que é ruim; que seapóie no progresso humano e científico, mas não se entregue à cultura da vida fácil, na

    qual qualquer motivação tem como propósito o bem-estar, um determinado nível de vida

    ou prazer gratuito –  sabendo que não existe verdadeiro progresso humano se este não se

    desenvolve com um fundo moral .

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    O HOMEM LIGHT

    Assistimos hoje ao fim de uma civilização, e podemos dizer que ela se encerra

    com a queda em bloco dos sistemas totalitários nos países do Leste Europeu, embora

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    c)   permissividade: arrasa os melhores propósitos e ideais;

    d)  revolução sem finalidade nem projeto: a ética permissiva substitui a moral, o que

    engendra um desconcerto generalizado;

    e)  relativismo: tudo é relativo, o que leva a cair na absolutização do relativo; brotam;

    assim, algumas regras presididas pela subjetividade;

    f)  consumismo: representa a fórmula pós-moderna da liberdade.

    Assim, as grandes transformações sofridas pela sociedade nos últimos anos são, a

     princípio, contempladas com surpresa, depois com progressiva indiferença ou, em outros

    casos, como a necessidade de aceitar o inevitável. A nova epidemia de crises e rupturas

    conjugais, o drama das drogas, a marginalização de tantos jovens, as greves dos

    trabalhadores e outros fatos da vida cotidiana, tudo isso prontamente se admite como algo

    que está aqui e contra o qual não se pode fazer nada.

    Dos meandros dessa realidade sociocultural vai surgindo um novo homem moderno,

     produto de seu tempo. Se observarmos melhor, veremos que esse homem tem os seguintes

    componentes:  pensamento fraco, convicções sem firmeza, assepsia em seus

    compromissos, indiferença  sui generis feita de curiosidade e relativismo ao mesmo

    tempo... sua ideologia é o pragmatismo, sua norma de conduta, a vigência social –  que

    vantagens leva, o que está na moda; sua ética se fundamenta na estatística, substituta da

    consciência; sua moral, repleta de neutralidade, carente de compromisso e subjetividade,

    fica relegada à intimidade, sem se atrever a sair em público.

    O IDEAL ASSÉPTICO

     Não há no homem moderno entusiasmos desmedidos nem heroísmos.  A culturalight é uma síntese insossa que transita pela faixa média da sociedade: alimentos sem

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    calorias, sem gordura, sem excitantes  –  tudo suave, ligeiro, sem riscos, com segurança

    garantida. Um homem assim não deixará marcas. Em sua vida já não há rebeliões, pois

    sua moral se converteu numa ética de regras de urbanidade ou numa mera atitude estética.

    O ideal asséptico é a nova utopia, porque, como diz Lipovetsky,estamos na era do vazio.

    Dessas fendas surge o novo homem cool , representado pelo telespectador que, com o

    controle remoto, passa de um canal ao outro procurando não se sabe bem o quê ou pelo

    sujeito que dedica o fim de semana à leitura dos jornais e revistas, quase sem tempo- ou

    sem capacidade –  para outras preocupações mais interessantes.

    O homem moderno  é frio, não acredita em quase nada, suas opiniões mudam

    rapidamente e deixou para trás os valores transcendentes. Por isso foi ficando cada vez

    mais indefeso; por isso foi caindo numa certa vulnerabilidade. Desse modo, é mais fácilmanipulá-lo, levá-lo daqui para ali, mas tudo sem muita paixão. Muitas concessões foram

    feitas sobre questões essenciais, e os desafios e esforços já não indicam a formação de

    um indivíduo mais humano, culto e espiritual, mas sim voltado para a busca do prazer e

    do bem-estar a qualquer custo, além do dinheiro.

    Podemos dizer que estamos na era do plástico, o novo signo dos tempos. Dele

    deriva um certo pragmatismo do descartável, o que faz com que a cada dia impere com

    mais força um novo modelo de herói: o triunfador, que aspira  –  como muitos homens

    modernos deste final do século XX –  ao poder, à fama, a um bom nível de vida, passando

     por cima de tudo, doa a quem doer. É o herói das séries de televisão americanas, com suas

    motivações primordiais: o sucesso, o triunfo, a relevância social e, especialmente, esse

     poderoso senhor que é o dinheiro.

    É um homem que cedo ou tarde vai ficar órfão da humanidade. Do maio de 1968

    francês não restou nenhum sinal, os protestos acabaram, nem a solidariedade nem a

    colaboração prosperam facilmente; prevalece, isso sim, a rivalidade tingida de

    hostilidade. Trata-se de um homem sem vínculos, descomprometido, no qual a

    indiferença estética une-se à desvinculação de quase tudo que o cerca. Um ser humano

    rebaixado à categoria de objeto, repleto de consumo e bem-estar, cujo fim é despertar

    admiração ou inveja.

    O homem moderno não tem referenciais, perdeu seu objetivo e está cada vez mais

    desorientado diante das grandes interrogações da existência. Isto se traduz em coisas

    concretas, que vão desde não poder ter uma vida conjugal estável a não poder assumir,

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    com dignidade, qualquer tipo de compromisso sério. Quando se perde a bússola, logo se

    navega à deriva, não se sabe a que se agarrar nos temas-chave da vida, o que leva a uma

    aceitação e canonização de tudo. É uma nova imaturidade, que tem crescido lentamente,

    mas que hoje tem uma nítida fisionomia.

    Alguns intelectuais europeus já trataram desse tema. Alain Finkielkraut fala disso

    em seu livro A derrota do pensamento. Jean François Revel ressalta, em O conhecimento

    inútil , que nunca foi tão abundante e prolixa a informação e nunca, contudo, houve tanta

    ignorância. O homem é cada vez menos sábio, no sentido clássico do termo.

     Na cultura niilista, o homem não tem vínculos, faz o que quer em todos os âmbitos

    da existência e vive unicamente para si próprio e para o prazer, sem restrições. Que fazer

    diante desse espetáculo? Não é fácil dar uma resposta concreta quando tantos aspectos

    importantes se converteram em um jogo trivial e divertido, em uma apoteótica e entusiasta

    superficialidade. Infelizmente, muitos desses homens vão precisar passar por um

    sofrimento de certa transcendência para iniciar a mudança, mas não esqueçamos que o 

     sofrimento é a forma suprema de aprendizagem; outros, que não estarão em condições

    tão ruins, terão que fazer um balanço pessoal e começar um novo caminho mais digno,

    de conteúdo mais humano.

    Finalmente, é preciso resumir essa ingente informação, a náusea diante do excesso de

    dados e a conseqüente perplexidade, e para tanto o melhor é tirar dois tipos de conclusão:

    a.   geral : ajuda a interpretar melhor a realidade atual, em sua enorme complexidade;

     b.   pessoal : fará com que surja um ser humano mais consistente, voltado para os

    valores e com eles comprometido.

    2

    HEDONISMO E PERMISSIVIDADE

    O FIM DA CIVILIZAÇÃO

    Estamos diante do fim de uma civilização. Relendo o livro de Indro Mantanelli,

     História de Roma, penso que nos encontramos em uma situação parecida:  pós-modernismo para uns, era psicológica ou pós-industrial  para outros. A década de 60 nos

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    apresentou a polêmica do  positivismo  com o confronto entre Karl Popper e Theodor

    Adorno. A década de 70, o debate sobre a hermenêutica da história  entre Jürgen

    Habermas e Hans Gadamer. A de 80, o significado do pós-modernismo, e a de 90 está

     presidida pela queda dos regimes totalitários. Demonstrou-se que uma das grandes

     promessas de liberdade não passava de uma rede sufocante na qual o ser humano ficava

     preso sem saída possível.

    O panorama é hoje muito interessante: na  política  há uma volta a posições

    moderadas e a uma economia conservadora; na ciência tem lugar um desenvolvimento

    monumental, pois os avanços em vários campos têm dado um giro copernicano brilhante,

    de resultados muito práticos; a arte também se desenvolve de forma experimental, mas já

    é possível estabelecer algumas normas estéticas: atingimos um ecletismo evidente no qualqualquer rumo é válido, todos os caminhos contêm uma certa dose artística; igualmente,

    no mundo das idéias e seu reflexo no comportamento, houve uma mudança sensível, o

    que tenciono analisar em seguida.

    Os dois aspectos mais peculiares são, na minha opinião, o hedonismo  e a

     permissividade, ambos costurados pelo materialismo. Isto faz com que as aspirações mais

     profundas do homem transformem-se gradualmente em aspirações materiais e deslizem

    em direção a uma decadência moral com precedentes muito remotos: o Império Romano

    ou o período compreendido entre os séculos XVII e XVIII.

    Como já notamos antes, hedonismo significa que a lei máxima de comportamento

    é o prazer acima de tudo, a qualquer preço, assim como a busca progressiva de cotas mais

    altas de bem-estar. Além disso, seu código é a permissividade, a busca ávida do prazer e

    do refinamento, sem nenhum outro questionamento. Assim, hedonismo e permissividade

    são os dois novos pilares sobre os quais se apóiam as vidas daqueles homens que querem

    fugir de si próprios e submergir num caleidoscópio de sensações cada vez mais

    sofisticadas e narcisistas, ou seja, contemplar a vida como um gozo ilimitado.

    Uma coisa é desfrutar a vida e saboreá-la em todas as suas vertentes e outra, muito

    diferente, é esse maximalismo cujo objetivo é o afã e o frenesi de diversão sem restrições.

    O primeiro é psicologicamente saudável e sacia uma das dimensões de nossa natureza; o

    segundo, ao contrário, indica a morte dos ideais.

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    Do hedonismo surge um vetor que pede passagem com força: o consumismo.

    Podemos escolher tudo a nosso bel-prazer; comprar, gastar e possuir é uma nova

    experiência de liberdade. O ideal de consumo da sociedade capitalista não tem outro

    horizonte além da multiplicação ou da contínua substituição de objetos por outros cada

    vez melhores. Um exemplo que me parece revelador é o da pessoa que percorre o

    supermercado enchendo seu carrinho até em cima, tentada por todos os estímulos e

    sugestões comerciais, incapaz de dizer não.

    REVOLUÇÃO SEM FINALIDADE NEM PROJETO

    O consumismo tem uma forte raiz na propaganda de massa e na oferta ruidosa que

    cria para nós falsas necessidades. Objetos cada vez mais refinados provocam o desejoimpulsivo de comprar. O homem que entrou por essa porta vai ficando cada vez mais

    fraco.

    O outro aspecto central dessa pseudo-ideologia atual é, como já dissemos, a

     permissividade, que prega a chegada a uma etapa decisiva da história, sem proibições

    nem territórios vedados, sem limitações. É preciso arriscar tudo, a cada dia ir mais longe.

    Impõe-se, assim, uma revolução sem finalidade nem projetos, sem vencedores nem

    vencidos.

    Afinal, se tudo vai se envolvendo em um paulatino ceticismo e, ao mesmo tempo,

    em um individualismo fatal, o que ainda pode surpreender ou escandalizar? Esse

    desmoronamento axiológico produz vidas vazias, mas sem grandes dramas, nem

    vertigens angustiantes ou tragédias. “Aqui não acontece nada”, parecem dizer os que

    navegam por essas águas. É a metafísica do nada, pela morte dos ideais e

    superabundância do resto. Estas existências sem aspirações nem denúncias conduzem à

    idéia de que tudo é relativo.

    O relativismo é filho natural da permissividade, um dos mecanismos de defesa

    que Freud estudou e esquadrinhou de forma quase geométrica. Assim, os juízos ficam

    suspensos e flutuam sem consistência; o relativismo é outro novo código ético. Tudo

    depende, qualquer análise pode ser positiva e negativa; não há nada absoluto, nada

    totalmente bom nem mau. Desta tolerância interminável  nasce a indiferença pura.

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    Estamos diante da ética dos fins ou da situação, mas também do consenso: se há

    consenso, a questão é válida. O mundo e suas realidades mais profundas se submetem a

    um plebiscito para decidir se constituem algo positivo ou negativo para a sociedade,

     porque o importante é o que opina a maioria.

    Falamos de liberdade, de direitos humanos, de conseguir pouco a pouco uma

    sociedade mais justa, aberta e ordeira. Por um lado, defendemos isso; por outro, nos

    colocamos em posições ambíguas que não tornam o homem mais humano, nem o

    conduzem a grandes metas. É a apoteose da incoerência. Então, onde o homem pode

    fincar o pé? Onde irá buscar pontos de apoio firmes e sólidos?

    Um ser humano hedonista, permissivo, consumista e centrado no relativismo tem

     pela frente um prognóstico ruim. Padece de uma espécie de “melancolia” new look :instrumento de experiências apáticas. Vive na condição de objeto, manipulado, dirigido

    e tiranizado por estímulos deslumbrantes, mas que não o gratificam, não o fazem mais

    feliz. Sua paisagem interior está coberta por uma mistura de frieza impassível, de

    neutralidade sem compromisso e, ao mesmo tempo, de curiosidade e tolerância ilimitada.

    Este é o chamado homem cool, que não se preocupa com justiça nem com os velhos temas

    dos existencialistas (Sören Kierkegaard, Martin Heidegger, Jean-Paul Sartre, Albert

    Camus...), nem com os problemas sociais ou com os grandes temas do pensamento (aliberdade, a verdade, o sofrimento). Já não lê o Ulisses de James Joyce, nem  Em busca

    do Tempo Perdido, de Marcel Proust, nem os romances de Hermann Hesse.

    Um homem assim é cada vez mais vulnerável, não tem firmeza, afunda-se; por

    isso é necessário retificar o rumo, saber que o progresso material sozinho não preenche

    as aspirações mais profundas daquele que hoje está faminto de verdade e de amor

    autêntico. Este vazio moral  pode ser superado com humanismo e transcendência (de tras,

    atravessar, e  scando, subir); quer dizer, “atravessar subindo”, cruzar a vida elevando adignidade do homem e sem perder de vista que não existe autêntico progresso se este não

     se desenvolve com base na moral. 

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    LEITURA COMPLEMENTAR

    Beleza

    para todos 

    Filósofo francês diz que ninguém precisaser feio e que lutar para melhorar a

    aparência é ser dono do próprio corpo 

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    Silvia Rogar 

    O francês Gilles Lipovetsky, 58 anos, é um dos nomes mais criativos e polêmicos dopensamento filosófico contemporâneo. Foi ativista dos movimentos que culminaramno maio de 1968, teve participação importante na reformulação do ensino de filosofiana França e, atualmente, trabalha para o programa europeu de unificação escolar.Reconhecido como um intelectual "sério", causou polêmica quando lançou O Impériodo Efêmero, em 1987. O livro aborda a moda ocidental, de sua criação, no séculoXIV, até o século XX. Para Lipovetsky, o assunto não se encerra no vestir, mas estáinterligado ao bem-estar, ao consumo e à mídia. "Não é possível compreender aevolução da sociedade sem dar importância à moda, à sedução, ao luxo", diz. Seupróximo livro, sobre o luxo, será lançado no ano que vem, na Europa. No início deoutubro, ele estará no Rio de Janeiro, para o seminário "O luxo de cada dia". Nasemana passada, Lipovetsky falou por telefone a VEJA, de sua casa, em Grenoble,na França. 

    Veja –  Seu trabalho foi muito criticado quando o senhor começou a sededicar a temas considerados fúteis, como a moda e o luxo. Isso foi em1987. Hoje, esses assuntos conseguiram lugar no meio acadêmico?  Lipovetsky – A academia, em particular sociólogos e historiadores, está mais abertaa essas reflexões. Ainda existe, no entanto, uma resistência muito forte. Está quaseno "código genético" da filosofia a crítica às aparências. Mas a moda virou umaquestão central na sociedade pós-moderna. Não foi pelo lado frívolo que me dediqueiao assunto, e sim porque a moda hoje não se restringe ao vestuário. Ela rege outrasesferas da vida, como o culto ao corpo, o consumo e o bem-estar. Não dar lugar aela é não querer olhar de frente para o que é hoje a nossa sociedade. 

    Veja – Quinze anos depois, que conceitos de O Império do Efêmero o senhorreviu?  Lipovetsky –  Naquela época, eu queria manifestar minha revolta contra ademonização do consumo e da mídia. Mantenho a opinião de que eles não são osdemônios de nossos tempos. Mas hoje estou mais sensível aos aspectos negativosdo império do efêmero. O principal é que ele cria um paradoxo: quanto mais asociedade se volta para o espetáculo, para a frivolidade, mais aumentam suaansiedade, angústia e depressão. Estou mais sensível também à pobreza e àsdesigualdades sociais, questões que não abordei em 1987. São problemas criadospor regras econômicas do mundo moderno e agravados pela omissão do Estado. Masa sociedade regida pelo efêmero contribui para mantê-los. 

    Veja –  Quais seriam os demônios de hoje?Lipovetsky – Não acho que devemos apontar um só culpado pelos problemas atuais.Hoje, quando falamos nesse assunto, surge imediatamente a palavra globalizaçãocomo a síntese de todos os males. Mas devemos discutir seus diferentes efeitos.Estamos numa época em que todos os modelos radicais perderam credibilidade. Nãoprecisamos de mudanças drásticas nas grandes questões do mundo atual. Oimportante é fixar regras dentro de um mundo aberto. 

    Veja –  Nesse mundo aberto, a moda deixou de ser algo que definemarcadamente classes sociais, como acontecia no passado. Houve umademocratização do supérfluo?Lipovetsky – Incontestavelmente sim, se tivermos como referência o nascimentoda moda no Ocidente, na segunda metade do século XIV. No início, a moda só dizia

    respeito a um mundo muito pequeno, à corte. Depois ganhou a alta burguesia e,desde o século XVIII, outras camadas burguesas. Ao longo do século XX, sobretudo

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    em sua segunda metade, a percepção do supérfluo como um ideal de consumoestendeu-se por toda a sociedade ocidental. 

    Veja –  Isso não é contraditório com a constatação de que a desigualdademantém-se e acentua-se no mundo de hoje?Lipovetsky – Não digo, evidentemente, que houve uma democratização do acesso

    ao consumo, mas sim a massificação de um ideal de consumo. Nos bairros maispobres, por exemplo, os jovens querem e fazem sua própria moda. A grandemudança é que, na organização social anterior, as camadas populares seconformavam com a sua posição, existia pouca vontade de mudar. A sociedade deconsumo legitimou o ideal de viver melhor. O poder de compra continua dividido,mas o desejo de melhorar de vida é hoje praticamente universal. 

    Veja – Quando a burguesia passou a imitar o vestuário da nobreza, as cortestentaram criar leis para impedir as cópias. Hoje, boa parte das grifes de luxotêm marcas secundárias, com preços mais baixos. Qual é o fenômeno portrás disso?  Lipovetsky – A nobreza tinha interesses nacionais, como, por exemplo, impedir o

    uso de ouro nas roupas para não diminuir suas reservas do metal – além, é claro, dedeixar explícita sua superioridade em relação aos plebeus. Hoje, a estratégia édiferente. Criou-se um luxo intermediário. São produtos lançados por grifes carasporém acessíveis a uma parcela maior da população. Não deixa de existir a diferençade status. Mas é inegável que houve uma democratização da oferta do luxo. 

    Veja –  Quais são os principais objetos de desejo nesse novo padrão deconsumo?  Lipovetsky – Em primeiro lugar, a comunicação, através de seus novos objetos,como computador, acesso à internet, telefones celulares. Hoje, o bem-estar estáassociado à mobilidade, ao acesso à informação e à rapidez. O que seduz nacomunicação passa, cada vez mais, por tudo que acelera as coisas, pela possibilidade

    de estar conectado com o externo, com os outros. No outro grupo, estão os objetosde sedução ligados ao corpo e à saúde. Existe uma verdadeira obsessão pela saúdee tudo que contribui para nos tornar mais jovem e em forma. Uma alimentação maissaudável exerce uma sedução muito forte nos consumidores. É um novo padrão, emque a saúde e a segurança ocupam lugar de destaque. Um forte argumento de vendade carros de luxo, por exemplo, são os sistemas de proteção ao corpo, como o airbag e os mecanismos contra roubo. 

    Veja –  Com a globalização da indústria da moda, o que deve mudar novestuário? Há como preservar identidades ou vamos assistir a uma

     pasteurização total?Lipovetsky – No século XIX e até a primeira metade do século XX, a moda era mais

    artística. Na época de globalização, é necessário ter um bom faturamento, semriscos. Hoje, escuta-se mais o que as pessoas querem usar. A maior parte daindústria da moda em todo o mundo observa o que o consumidor quer e produzdentro dessa demanda. Isso não significa pasteurização. As pessoas se vestem deforma muito parecida, mas não podemos dizer que não há individualidade. Hoje, oindividualismo é escolher, dentro da oferta, o que mais agrada. É mais psicológicoque estético. O mais provável é que teremos uma moda de qualidade, mas com poucaaudácia de estilos. 

    Veja –  É isso que explica o declínio da alta-costura?Lipovetsky – Exatamente. A alta-costura foi o pólo maior da moda moderna. Nosanos 20, chegou a representar 15% das exportações da França. Agora, não é mais o

    vetor principal de criação. Isso acabou. O mercado de luxo é dominado por marcas

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    como Calvin Klein, Armani. Fazem roupas caras, que no entanto não são um luxoimpensável. 

    Veja – O senhor disse recentemente que fica difícil, hoje em dia, distinguiro que está na moda ou fora dela. Não existe mais uma imposição no vestir?  Lipovetsky – A oposição entre o que "está na moda" e "fora de moda" continua

    muito forte no mundo adolescente, e quase exclusivamente nele. Quase não existefora dessa faixa etária. Acabou a tirania na forma de vestir. Antes, se a nova modafosse a minissaia, quem usasse um modelo longo estaria fora dos padrões. Hojepodemos ter uma tendência da saia mais curta, mas quem vestir um longo não sesentirá forçosamente fora da moda. Existe uma multiplicação de estilos, um vestuáriomais flexível. 

    Veja –  Mas as mulheres continuam submetidas à ditadura da aparência. Lipovetsky –  Sim. O vestuário foi substituído pela ditadura da magreza e da

     juventude. A ansiedade que domina as mulheres quando estão gordas ou com celulitemostra essa tirania. Antes, as filhas sonhavam em se parecer com suas mães,queriam usar roupas parecidas. Hoje, acontece exatamente o contrário, as mães é

    que desejam ter a aparência mais jovem. Estar em forma e não envelhecer é aobsessão número 1 de hoje. 

    Veja –   A que o senhor atribui essa mudança?  Lipovetsky –  O corpo passou a ter outro valor na sociedade democrática etecnológica, que recusa a submissão ao destino. Na sociedade tradicional, a belezaera considerada um dom. Se você não nascia belo, restava-lhe a resignação. Agora,num universo individualista, o que dá grandeza ao homem é não se acomodar. Quemé gordo ou narigudo pode fazer dieta, plástica e ficar bonito. Você pode lutar ou pagarpara ser belo. Não deixa de ser um paradoxo. A imposição da magreza, ao mesmotempo que atinge indiscriminadamente todas as pessoas, é também uma forma de oindivíduo tomar posse do próprio corpo. A tirania da beleza pode oprimir, mas permite

    que a mulher se mantenha jovem e sensual por mais tempo. 

    Veja –  Até agora, falamos do sexo feminino. No entanto, nos últimos anos,a preocupação masculina com a aparência só fez crescer. Como se comportaesse homem vaidoso?  Lipovetsky – A partir da década de 60, o homem passou a olhar mais para a modae para seu corpo. Isso é uma das manifestações do aumento do individualismo: apreocupação consigo mesmo. A vaidade masculina cresceu junto com a valorizaçãodo lazer, do esporte, de uma vida saudável. É diferente da vaidade feminina. Ohomem quer estar bem de uma forma global, seu cuidado é mais em ter um corposaudável. Ele só tem preocupações estéticas específicas quando os cabelos começama cair ou a barriga está grande demais. Enquanto isso, a mulher se apega ao detalhe.

    Ela pode ser linda mas ficar insatisfeita com a pálpebra ou com seu ombro. Quandoestá 2 quilos acima do peso, já corre para fazer dieta. Ela se observapermanentemente. 

    Veja –  Por que essa obsessão?  Lipovetsky –  Porque o belo continua sendo um atributo mais feminino quemasculino. É algo que vem da Renascença, quando a beleza era sagrada e, parapreservá-la, a mulher ficava condenada a um papel limitado, doméstico. A sociedadede consumo e o movimento feminista mudaram esse quadro, mas a mulher nãodeixou de ter uma identidade visceralmente ligada à estética. Ela pode ocupar cargosimportantes, ganhar dinheiro, mas continua investindo na aparência. A diferençafundamental é que, agora, a beleza não restringe mais sua ação. 

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    Veja – Num de seus estudos mais recentes, o senhor escreveu que esta novamulher não se deixa mais encantar pela conquista no estilo Don Juan. Agrande arma de sedução masculina, em sua opinião, estaria em serdivertido, ter senso de humor. Não parece pouco?  Lipovetsky – Parece pouco, sim, mas é o que mais aparece nas pesquisas feitascom as mulheres hoje. O senso de humor está ligado à inteligência e tem boa

    receptividade numa sociedade que valoriza o lazer e o bem-estar. É umacaracterística que faz a mulher sentir-se tratada como um ser igual, e não como umobjeto sexual. A palavra que o homem dirige a ela tornou-se muito importante. Háoutra mudança notável: não se começa mais uma relação falando de amor, como noestilo Don Juan. Primeiro, os dois se conhecem com um espírito apenas decomunicação, de contato, não de sentimento amoroso. 

    Veja –  E na política? Que papel tem a moda na sedução do eleitor?Lipovetsky – A moda é usada na comunicação política de maneira mais ampla quea simples forma de vestir. Faz parte de um processo que tornou o discurso maisacessível, passou a mostrar os candidatos em situações mais cotidianas, para atingirmais as pessoas durante a campanha. Isso nasceu para tornar a propaganda eleitoral

    mais interessante. Mas a tendência da sociedade contemporânea continua a ser dedesconfiança, de distância da política. Ou seja, a lógica da moda, da sedução e doconsumo não atrofiou o senso crítico dos cidadãos. 

    Veja – Mas a imagem continua sendo importante, não? No Brasil, o candidatoque lidera as pesquisas, Luís Inácio Lula da Silva, mudou o discurso, mastambém aparou a barba, cortou o cabelo, passou a usar ternos bemcortados...Lipovetsky –  Com certeza, a preocupação com a aparência contribuiu para suaimagem, mas o mais importante foi a mudança de suas posições, agora maismoderadas. Ele atenuou o discurso em relação ao FMI e à globalização, por exemplo.As razões que levam um candidato à Presidência de um país passam longe da simples

    aparência. A maioria dos políticos, aliás, não é particularmente sedutora. Veja JoséMaría Aznar (primeiro-ministro espanhol)  ou George W. Bush. Não são pessoaspropriamente preocupadas com moda. 

    Veja – O senhor se considera uma pessoa preocupada com moda? Gosta degrifes?  Lipovetsky – Os filósofos hoje não têm mais aquela imagem de que vivem fora domundo, que não se preocupam com coisas materiais. Mas não me preocupo commarcas, que são apenas instrumentos para dar segurança ao consumidor de que estáadquirindo um produto de boa qualidade. Sou um consumidor absolutamentebanal.  http://veja.abril.com.br/250902/entrevista.html 

    CAPÍTULO VIII – ANTINOMISMO E HIERARQUISMO ÉTICO

     Neste capítulo iremos discutir em especial duas formas de se entender a ética –  oantinomismo e o hierarquismo.

    Como o nome demonstra ( no original quer dizer “sem normas” ) o antinomismo e, segundo o prof. Norman Geisler, ele poderia ser definido como sendo uma leitura deética que:

    http://veja.abril.com.br/250902/entrevista.htmlhttp://veja.abril.com.br/250902/entrevista.htmlhttp://veja.abril.com.br/250902/entrevista.html

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    “... os homens usam, ou são destituídas de valor objetivo ou destituídas

    de relevância empírica. São, ou puramente subjetivas, ou completamente

    emotivas. Duas posições que têm pontos de vista, antinomistas são o

    existencialismo e o emotivismo.” 

    Seu principais pilares forma os pensadores Sören Kierkegaard, Friedrich Nietzsche e Jean Paul Sartre.

    Já no hierarquismo, afirma-se que há muitas normas éticas universais, mas quenão são iguais na sua importância intrínseca, de modo que quando duas entram emconflito, a pessoa é obrigada a obedecer o mais alto dos dois mandamentos.

    Quando duas normas absolutas entram em conflito, a norma inferior deve ser deixada delado (os filósofos usam a palavra "transcendida").

    Para tal no hierarquismo tem-se valores elencados e sempre levando emconsideração de, estando entre uma ou outra alternativa, tem-se que se escolheraquela que cause menos dano na seguinte ordem:

    As pessoas são mais valiosas do que as coisas

    As pessoas devem ser amadas e as coisas devem ser usadas. O padrão ético que

    muitas vezes nos é imposto pelo mundo é o contrário: amar as coisas e usar as pessoas. Não podemos abrir mãos de pessoas em troca de coisas.

    Uma pessoa completa é mais valiosa do que uma incompleta

    Uma pessoa incompleta é a que tem capacidades limitadas de receber ou expressaro amor, de se relacionar com as demais pessoas. O estado incompleto é freqüentementeligado com alguma deficiência física ou mental, mas os deficientes não são, de modoalgum, necessariamente incompletos em sua personalidade.

    As situações em que há um conflito insolúvel entre os completos e os incompletossão um pouco raras. Normalmente, tanto a pessoa completa quanto a incompleta podemser ajudadas ou salvas. Há, no entanto, algumas situações, especialmente na medicina ena guerra, em que é impossível ajudar as duas de modo eficaz. Em tais casos, deve-seescolher o valor superior do completo em preferência ao valor inferior do incompleto.Mas é importante frisar que tal escolha só deve ser feita nas situações em que houver umconflito insolúvel .

    Uma pessoa real tem mais valor do que uma pessoa em potencial

    Mais uma vez, trata-se de um princípio que só pode ser aplicado em situaçõesextremas, quando não houver nenhuma outra solução. Uma pessoa real é uma que existe;

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    uma pessoa em potencial é uma que pode vir a existir. Exemplo: uma mãe é uma pessoareal. Um embrião fecundado dentro de seu útero é uma pessoa em potencial.

     Não é demais dizer que o fato de uma pessoa real ter mais valor que uma pessoaem potencial, não significa que as pessoas em potencial não tenham nenhum valor. É o

    que mostra o próximo princípio.

    As pessoas em potencial são mais valiosas do que as coisas reais

    A personalidade é tão valiosa que até mesmo a personalidade em potencial émelhor do que a mera qualidade de coisa. É por isso que se deve dar grande respeito àvida humana, até mesmo no estado embrionário. Uma pessoal em potencial não deve sersacrificada por nenhuma coisa no mundo.

    Muitas pessoas são mais valiosas do que poucas pessoas

    Isto significa que se alguém fosse confrontado com uma decisão que envolvessea possibilidade de salvar uma vida ou salvar cinco vidas, deveria salvar as cinco.

    Atos pessoais que promovem as p