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ESTUDOS DAS CONDIÇÕES DAS MULHERES E DAS DESIGUALDADES

DE GÊNERO EXISTENTES NO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

Pesquisadoras: Clitia Helena Backx Martins (Coord.)

Dulce Vergara

Gabriele dos Anjos

Irene Galeazzi

Marilene Bandeira

Paula Caputo

Porto Alegre, março de 2014

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SECRETARIA DO PLANEJAMENTO, GESTÃO E PARTICIPAÇÃO CIDADÃ SECRETÁRIO: JOÃO MOTTA FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA Siegfried Emanuel Heuser

PRESIDENTE: ADALMIR ANTONIO MARQUETTI DIRETOR TÉCNICO: ANDRÉ LUIS FORTI SCHERER DIRETOR ADMINISTRATIVO: ROBERTO PEREIRA DA ROCHA

SECRETARIA DE POLÍTICAS PARA AS MULHERES SECRETÁRIA: ARIANE LEITÃO

Bibliotecário responsável: João Vitor Ditter Wallauer — CRB 10/2016

E79 Estudos das condições das mulheres e das desigualdades de gênero

existentes no Estado do Rio Grande do Sul / coordenação de Clitia Helena Backx Martins. - Porto Alegre : FEE, 2013. 108p. : il.

1. Condições socioeconômicas - Mulher - Rio Grande do Sul. 2. Gênero - Desigualdade - Rio Grande do Sul. 3. Violência contra a mulher – Rio Grande do Sul. 4. Mercado de trabalho – Gênero – Região Metropolitana – Porto Alegre. I. Martins, Clitia Helena Backx. II. Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel Heuser.

CDU 338.1-055.2(816.5)

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Sumário

APRESENTAÇÃO .................................................................................... 5

CONDIÇÃO DE VIDA DAS MULHERES E DESIGUALDA-DES DE GÊNERO NO RIO GRANDE DO SUL — Clitia Helena

Backx Martins, Marilene Dias Bandeira e Paula Maria Caputo .....................

8

1 Introdução ................................................................................................................ 8

2 Aportes teóricos ........................................................................................................ 10

2.1 Gênero e poder ........................................................................................................ 10

2.2 Divisão sexual do trabalho ...................................................................................... 13

2.3 Participação política das mulheres e políticas públicas .......................................... 17

3 Análise dos indicadores ........................................................................................... 19

3.1 Eixo temático 1: o espaço privado .......................................................................... 19

3.2 Eixo temático 2: o espaço público .......................................................................... 35

3.3 Eixo temático 3: bem-estar ..................................................................................... 40

4 Considerações finais ................................................................................................ 44

Referências .................................................................................................................. 45

VIOLÊNCIA CONTRA MULHERES NO RIO GRANDE DO SUL: ESTUDO A PARTIR DO SUPLEMENTO VITIMIZA-ÇÃO E ACESSO À JUSTIÇA DA PNAD 2009 — Gabriele dos

Anjos ...............................................................................................................

49

1 Apresentação da pesquisa ....................................................................................... 49

2 Crítica à fonte de informação ................................................................................. 52

3 A população investigada e as principais diferenças entre homens e mulheres .. 58

4 As mulheres agredidas por cônjuge ou ex-cônjuge e suas características ......... 73

5 Algumas considerações a partir da análise dos dados .......................................... 82

Anexo ........................................................................................................................... 84

Referências .................................................................................................................. 85

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O TRÁFICO INTERNACIONAL DE MULHERES PARA FINS DE EXPLORAÇÃO SEXUAL — Ariane Leitão ...................................

89

1 Introdução ................................................................................................................ 89

2 O tráfico internacional de mulheres e os direitos humanos ................................. 91

2.1 O trabalho, as mulheres e a violação dos direitos humanos ................................... 100

3 Rotas do tráfico de pessoas ..................................................................................... 104

3.1 Rio Grande do Sul na rota de tráfico de mulheres .................................................. 107

4 Considerações finais ................................................................................................ 113

Referências .................................................................................................................. 116

A EVOLUÇÃO DO PADRÃO DE DESIGUALDADE DE GÊ-NERO NO MERCADO DE TRABALHO DOS ANOS 2000 — Irene Maria Sassi Galeazzi ..............................................................................

121

1 Introdução ................................................................................................................ 121

2 Mudanças no padrão de desigualdade de gênero, no mercado de trabalho da

Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA) ..................................................... 124

2.1 Diminuição do hiato entre as taxas de participação de homens e de mulheres 129

2.2 Queda nos patamares de desemprego menos intensa para as mulheres 130

2.3 Aumento do contingente ocupado feminino reduz o diferencial da taxa de ocu-

pação entre os sexos ..................................................................................................... 132

2.4 Redução do diferencial de rendimentos entre os sexos .......................................... 133

3 Os condicionantes de gênero no rendimento do trabalho feminino .................... 135

4 Reflexões finais ......................................................................................................... 145

Referências .................................................................................................................. 148

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MARTINS, Clitia Helena Backx (Coord.). Estudos das condições das mulheres e das desigualdades de gênero existentes no Estado do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: FEE, 2014.

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APRESENTAÇÃO

Entregamos este livro à comunidade gaúcha como forma de apresentar o resultado do levantamento e da análise de dados demográficos e sociais atualizados para fundamentar diagnósticos da condição das mulheres no Rio Grande do Sul e contribuir para a formulação de políticas públicas específicas. Com indicadores pertinentes, válidos e facilmente compreensíveis, têm-se, a partir de agora, dados reais para desenvolver as políticas públicas para as mulheres no Estado.

Em parceria com a Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel Heuser, nós da Secretaria de Políticas Para as Mulheres do Rio Grande do Sul compreendemos que, ao conhecer a realidade das gaúchas, poderemos repercutir nosso trabalho de forma efetiva na vida das mulheres, contribuindo, assim, para mudar uma realidade imposta há séculos. Mas, com ações articuladas em rede, estamos fazendo a diferença para reverter o quadro das desigualdades de gênero nas diferentes regiões do Estado.

Composto por uma coletânea de artigos, com as mais variadas fontes — Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), Comissão Econômica Para América Latina (CEPAL), Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Projeto Estratégia Nacional de Segurança Pública nas Fronteiras (Enafron), Pesquisa Sobre Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes Para Fins de Exploração Sexual (Pestraf), Organização das Nações Unidas (ONU) —, o livro apresenta uma diversidade de temas referentes à situação da mulher no Rio Grande do Sul e no Brasil, que perpassam questões como sua inserção no mundo do trabalho e no mundo do conhecimento, para promover, de forma contundente, a garantia dos direitos humanos das meninas e das mulheres gaúchas.

Ariane Leitão Secretária de Políticas Para as Mulheres do RS

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MARTINS, Clitia Helena Backx (Coord.). Estudos das condições das mulheres e das desigualdades de gênero existentes no Estado do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: FEE, 2014.

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Esta publicação resulta de uma frutífera parceria realizada entre a Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel Heuser (FEE) e a Secretaria de Políticas Para as Mulheres do Rio Grande do Sul (SPM-RS), visando proporcionar à sociedade e aos gestores públicos dados e análises sobre questões relativas à situação das mulheres e às desigualdades de gênero que ainda persistem em nosso estado.

Nesse sentido, os textos abordam diferentes temáticas, apresentando indicadores que evidenciam a presença feminina nas esferas pública e privada e buscando refletir sobre os desafios que ainda se colocam para as mulheres gaúchas em sua vida cotidiana.

O primeiro artigo, Condição de Vida das Mulheres e Desigualdades de Gênero no Rio Grande do Sul, de Clitia Helena Backx Martins, Marilene Dias Bandeira e Paula Maria Caputo, tem como objetivo traçar um quadro geral sobre o tema, contendo oito dimensões de análise — demografia, composição domiciliar, uso do tempo, trabalho, renda, educação, participação política e saúde, com seus respectivos indicadores demográficos e sociais.

O artigo seguinte, Violência Contra Mulheres no Rio Grande do Sul: estudo a partir do Suplemento Vitimização e Acesso à Justiça da PNAD 2009, de Gabriele dos Anjos, trata da temática da violência de gênero, tendo como foco a violência doméstica, que é cometida, na maior parte dos casos, por cônjuge ou ex-cônjuge e que corresponde a uma das principais formas de agressão contra as mulheres.

No terceiro artigo, O Tráfico Internacional de Mulheres Para Fins de Exploração Sexual, Ariane Leitão analisa o crime de tráfico de mulheres para fins de exploração sexual no Brasil, a partir da perspectiva de violação dos direitos humanos das traficadas e através de um exame sobre os fatores sociais, econômicos, jurídicos e culturais que contribuem para a expansão

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desse fenômeno em nosso país e, em particular, no Estado do Rio Grande do Sul.

Por último coloca-se a contribuição de Irene Maria Sassi Galeazzi, com o artigo A Evolução do Padrão de Desigualdade de Gênero no Mercado de Trabalho dos Anos 2000, que objetiva examinar a inserção laboral feminina num contexto de desenvolvimento econômico, sob a premissa de que à maior estruturação do mercado de trabalho pode corresponder uma redução dos níveis de desigualdade de gênero.

Resta dizer que esta publicação conjunta da FEE e da SPM- -RS consolida nossa articulação institucional e constitui um passo importante para a construção de indicadores e a elaboração de estudos com o intuito de qualificar ainda mais a implementação de políticas públicas relacionadas às questões de gênero no Rio Grande do Sul.

Adalmir Antonio Marquetti

Presidente da FEE

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CONDIÇÃO DE VIDA DAS MULHERES E DESIGUALDADES DE GÊNERO NO RIO GRANDE DO SUL

Clitia Helena Backx Martins* Marilene Dias Bandeira**

Paula Maria Caputo***

1 Introdução Este artigo se situa na área de estudos de gênero, objetivando

contemplar a situação das mulheres e as desigualdades existentes entre homens e mulheres no Estado do Rio Grande do Sul, na atualidade. Ele abrange oito dimensões de análise, com seus respectivos indicadores demográficos e sociais, com vistas a aprofundar diagnósticos e a estabelecer prioridades para a introdução de critérios de equidade de gênero em políticas públicas, planos, programas e projetos sociais.

As dimensões de análise estão classificadas em três eixos temáticos; para tanto, utiliza-se um critério que leva em conta uma sequência de determinantes e consequências da desigualdade de gênero.

________________________ *Doutora em Sociologia, Economista da Fundação de Economia e Estatítica

(FEE). **Mestre em Demografia, Estatística da Fundação de Economia e Estatística

(FEE) e Professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). ***Biomédica, Mestre em Ciências da Saúde, Bacharelanda em Estatística.

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Condição de vida das mulheres e desigualdades de gênero no Rio Grande do Sul

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Dessa maneira, tem-se um primeiro eixo que trata dos processos que estão na origem da desigualdade, ou seja, aqueles relativos à função reprodutiva na sociedade. Esse eixo temático diz respeito aos aspectos em torno do lar e da família, correspondendo ao espaço privado. Os indicadores incluídos nessa área relacionam-se a dados demográficos, bem como a dados sobre o sexo do responsável pelo domicílio e sobre o uso do tempo, que tem a ver com a divisão do trabalho doméstico.

O segundo eixo temático é associado às condições econômicas e sociais vinculadas ao espaço público, que são determinadas pelas dimensões consideradas no primeiro eixo. Consideram-se o trabalho remunerado e a renda como seus principais indicadores. Da mesma forma, o acesso à educação e o grau de participação política das mulheres são relevantes para uma análise de gênero respectiva à igualdade de oportunidades no espaço público.

Por fim, no terceiro eixo temático, são abordados os aspectos referentes ao bem-estar, que decorrem dos processos anteriores, concernentes à inserção das mulheres no espaço privado e no espaço público. Os indicadores de bem-estar manifestam o grau de satisfação das necessidades individuais e coletivas, contendo a dimensão relativa à saúde.

No estudo, foram utilizadas informações de fontes diversas, como: o Censo 2010, da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE); a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2011, da Fundação IBGE; o Relatório Perfil do Trabalho Decente no Brasil de 2012, da Organização Internacional do Trabalho (OIT); a base de dados DATASUS relativa a 2010, do Ministério da Saúde (MS); a Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) de 2011, do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE); e dados do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul (TRE-RS) sobre eleições municipais.

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Condição de vida das mulheres e desigualdades de gênero no Rio Grande do Sul

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Na primeira parte do trabalho, apresentam-se alguns aportes teóricos, com noções sobre gênero, divisão sexual do trabalho e participação política. A segunda parte abarca a análise dos indicadores, organizados segundo cada um dos três eixos temáticos e suas respectivas dimensões. Finaliza-se o texto com algumas considerações.

2 Aportes teóricos 2.1 Gênero e poder

Define-se gênero como a atribuição de papéis sociais diferenciados a homens e mulheres na sociedade, o que determina valorativamente o masculino e o feminino. Assim, a construção social de gênero, enquanto categoria, corresponde às formas hierárquicas de poder, às assimetrias e à subordinação baseadas em diferenças sexuais nas sociedades humanas, que são desenvolvidas socialmente nas esferas privada e pública, em especial, através da educação e das relações de trabalho. O termo gênero refere-se, portanto, às regras, aos costumes e às práticas de diferenças biológicas que se traduzem e são socialmente construídas entre homens e mulheres, meninos e meninas. Pelo fato de que os gêneros são valorizados de forma diferente, eles contam, em geral, com distintas oportunidades e escolhas ao longo da vida.

Nesse sentido, o gênero tem, basicamente, um caráter relacional, pois envolve a construção simbólica das relações de poder entre homens e mulheres, contendo o conjunto de atributos assinalados às pessoas a partir da determinação biológica do sexo. Desse modo, faz-se uma clara distinção entre sexo e gênero: enquanto o sexo é vinculado a instintos ou a características universais que derivam da biologia, gênero refere-se a

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características socialmente produzidas e historicamente variáveis (Chhachhi, 1986).

Na visão de Joan Scott (1983), historiadora e uma das precursoras no uso de gênero, a utilização dessa categoria não implica somente focalizar as ações da mulher na História, mas, sim, tentar perceber como o gênero e a diferença sexual se relacionam com o funcionamento do poder como um todo, ou seja, como o gênero interfere nas relações de poder mais globais. Para “reescrever a História”, ela afirma que uma investigação sobre as vidas das mulheres e os processos de transformação da condição feminina deve ter como eixo principal o gênero, isto é, os papéis sexuais estereotipados atribuídos pela cultura a homens e mulheres.

Nesse contexto, o objetivo fundamental é o de não apenas fazer novas descobertas sobre a história das mulheres, mas, através do desvelamento das construções de gênero, reelaborar a História política e social como um todo. Partindo, pois, do pressuposto de que o gênero é mais uma metodologia de pesquisa do que simplesmente uma teoria, Scott ressalta a necessidade de investigar como o gênero produz a História política e social e como esta constrói o gênero (Scott, 1983).

De acordo com Scott (1995, p. 86), o gênero define-se, então, na conexão entre duas proposições: “1) O gênero é um elemento constitutivo de relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos e 2) o gênero é uma forma primária de dar significado às relações de poder”.

Além disso, a autora ressalta que o gênero compreende quatro aspectos que se inter-relacionam: (a) os símbolos culturalmente disponíveis, com evocação de representações simbólicas; (b) os conceitos normativos expressos em doutrinas jurídicas, religiosas e outras, que interpretam os significados dos símbolos; (c) uma concepção de política com referência às instituições e à organização social; e (d) a identidade subjetiva (Scott, 1995).

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Compreendendo que as relações de gênero não são estáticas nem confinadas ao âmbito do privado, pode-se inferir disso que o conceito de gênero é capaz de abarcar padrões diversos e cambiantes de dominação masculina, bem como suas interfaces com os aspectos de poder (ou influência) das mulheres. Ademais, ele serve para identificar os antagonismos dentro das relações entre homens e mulheres e as possibilidades de mudança dos padrões que subordinam o feminino ao masculino.

Embora gênero seja uma categoria amplamente utilizada desde meados dos anos 70 do século XX (no Brasil, a partir dos 80), existem vários aspectos que dizem respeito a essa categoria que requerem aprofundamento de análise, como as políticas direcionadas a grupos particulares.

Cumpre lembrar que a ausência de uma perspectiva de gênero nas pesquisas sobre movimentos sociais, no Brasil, nos anos 70 e 80, usualmente, provocava uma classificação que separava os movimentos de mulheres envolvidas em clubes de mães, grupos de mulheres rurais ou grupos que pleiteavam por creches de outros movimentos, como os de invasões urbanas ou contra barragens, omitindo tanto a participação das mulheres nesses últimos quanto a

[...] articulação entre vida privada e vida pública, focalizando as práticas tradicionais de mulheres e homens nos espaços que ocupam na sociedade e nas relações que estabelecem com as instituições e o Estado (Souza-Lobo, 1991, p. 189).

Em um terceiro segmento, colocavam-se os movimentos feministas, identificados de acordo com sua orientação, propostas e composição dos grupos, geralmente de classe média universitária

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2.2 Divisão sexual do trabalho A divisão sexual do trabalho consiste, basicamente, em uma

“separação e distribuição das atividades de produção e reprodução social de acordo com o sexo dos indivíduos” (Silva, 1997, p. 61). Essa diferenciação está relacionada a um padrão de discriminação sexual subjetiva, que é reforçada por noções preconcebidas sobre o que sejam tarefas tipicamente masculinas e femininas (Posthuma; Lombardi, 1997).

Em algumas abordagens antropológicas, a desvalorização das tarefas femininas e a supervalorização das atividades masculinas estão relacionadas à capacidade reprodutiva da mulher, no sentido biologicista de que a sobrevalorização do trabalho masculino representaria, simbolicamente, uma “compensação” aos homens pela sua incapacidade de serem geradores da vida, poder reservado às mulheres (Godelier, 1980).

Assim, constata-se que a divisão sexual do trabalho segue a divisão sexual na sociedade, na construção dos gêneros feminino e masculino, apresentando como natural, biológico, um condicionamento que é, na realidade, sociocultural (Stolcke apud Souza-Lobo, 1991).

Disso decorre que a divisão sexual do trabalho, por si só, não estabelece a subordinação e a desigualdade entre homens e mulheres no mercado de trabalho, mas reproduz os padrões de dominação existentes na sociedade, que conferem às mulheres um status inferior nas diversas esferas sociais. Ao mesmo tempo, a separação de operações de trabalho remete a uma hierarquização ditada pelo conhecimento teórico formalizado, que garante o controle masculino do saber-fazer e o privilégio em parcela majoritária dos cargos de liderança e de tomada de decisões.

Historicamente, constata-se que a transição “do mundo do lar para o mundo do trabalho, do mundo das relações familiares para

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o das relações contratuais”1 não se realizou sem sofrimentos e necessidade de ajustes para o conjunto da população feminina, que, no decorrer de dois séculos, protagonizou as mudanças que levaram a uma presença massiva das mulheres no mercado de trabalho (Tilly; Scott apud Corrêa, 1984, p. 34).

Apesar de apresentar um crescimento significativo, a participação da mão de obra feminina no mercado laboral é marcada pela segregação ocupacional, concentrando-se em setores de menor status e com remuneração inferior à dos homens, mesmo exercendo jornadas de trabalho de igual extensão e com níveis de escolaridade equivalentes. Em termos de características do trabalho feminino, percebe-se que as mulheres se concentram em empregos não qualificados ou semiqualificados; as tarefas, em geral, são monótonas, de ciclo curto, requerendo destreza manual e atenção minuciosa; o controle sobre a mão de obra feminina é exercido de formas diferentes daquelas adotadas para o controle da mão de obra masculina, como, por exemplo, o controle dos chefes sobre o uso do banheiro (Souza-Lobo, 1991).

Como fenômeno mundial, percebe-se que os diferenciais de rendimentos entre homens e mulheres seguem a lógica discriminatória de menor valorização socioeconômica do trabalho

1 Em Pena (1981), relata-se a trajetória da mulher brasileira pelo

reconhecimento de sua cidadania, com alusão ao fato de que sua inserção no trabalho, fora do ambiente doméstico, foi obstruída tanto por sua situação de dependência na família quanto por restrições legais. Assim, o Código Civil de 1916 limitou o acesso das mulheres ao trabalho e à propriedade, confirmando a incapacidade da mulher casada, presente no Decreto no 181, de 1890. Apenas a partir de 1943, com a Consolidação das Leis do Trabalho, a mulher casada passou a ter o direito de trabalhar sem precisar de autorização do marido, com a ressalva de que esse poderia retirá-la de sua atividade de trabalho extradoméstico “[...] caso o julgasse suscetível de prejudicar os vínculos da família ou se constituir um perigo manifesto às condições peculiares da mulher” (Moraes Filho apud Pena, 1981, p. 148). Essa situação veio a se transformar em 1962, com o Estatuto da Mulher Casada, que fez com que essa deixasse de ter o status de relativamente incapaz.

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feminino em relação ao masculino, existente em quase todos os países.

Nesse sentido, há que se considerar o fenômeno da “feminização da pobreza”, que acompanha os processos de globalização, reestruturação produtiva e precarização do trabalho, com a concomitante vulnerabilização de grupos específicos da sociedade, entre eles, as mulheres, que predominam no setor informal da economia. Assim, pode-se questionar quais são os mecanismos que fazem com que alguns grupos se tornem mais vulneráveis, numa situação recessiva, quanto a emprego e renda.

O aumento da vulnerabilidade social da classe trabalhadora atinge, pois, principalmente as mulheres e as crianças, ou seja, aqueles grupos familiares nos quais a mulher é a principal ou única provedora, não havendo um adulto do sexo masculino que compartilhe a responsabilidade pela subsistência da família. Contudo a “feminização da pobreza” não pode ser tomada, literalmente, como crescimento do contingente feminino entre os pobres, “mas como o aumento da visibilidade estrutural da pobreza das mulheres” (Castro, 2001, p. 91). As mulheres, em famílias monoparentais, que foram esposas empobrecem não por, simplesmente, perderem o marido provedor, mas porque

[...] foram esposas antes e, assim, não tiveram as mesmas oportunidades dos homens, casados, ou vivendo sós, ou das mulheres sós, de investir em carreira, de socializar-se com as regras e no mercado (Castro, 2001, p. 92).

Por sua vez, o trabalho doméstico continua sendo encarado como tarefa quase exclusivamente feminina, cabendo às mulheres a maior responsabilidade pelas tarefas domésticas.

No caso brasileiro, a inserção das mulheres no mercado de trabalho obedeceu a padrões atávicos ainda não completamente modificados, onde a imagem da mulher correspondia às definições

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sobre seu papel como esposa e mãe. Essa imagem remete aos primórdios da inserção da mulher no trabalho remunerado, no Brasil, tendo horários de trabalho e acessos restritos pela legislação trabalhista e sobre a família (Corrêa, 1984). Assim, apesar de que, no início do século XX, houvesse uma forte participação de mão de obra feminina na indústria têxtil, a inclusão da mulher no mercado de trabalho ocorreu, fundamentalmente, em áreas definidas como “femininas”, na área de serviços, como serviços domésticos e trabalhos auxiliares de escritório, bem como no ensino e nos tratamento e cuidado de idosos e doentes, reforçando a diferença na inserção ocupacional de homens e mulheres.

Em termos de estrutura ocupacional por gênero, pode-se ressaltar, também, o aspecto de “feminização” do Setor Terciário da economia, fenômeno visível não só no Brasil como em boa parte da América Latina. No Brasil, a “feminização da pobreza”, dentro do contexto da globalização, convive, paradoxalmente, com um aumento da empregabilidade de mulheres em unidades de produção de setores modernos da economia, como o Terciário Avançado ou o Setor “Quaternário”2, o que evidencia uma forte heterogeneidade do mercado de trabalho para as mulheres. Por outro lado, com a orientação neoliberal pelo Estado mínimo, de ausência de critérios para cortes, as mulheres são penalizadas duplamente: por ser o Estado um forte empregador de mão de obra feminina nos serviços públicos3, especialmente nos de saúde, educação e assistência social, e por serem as mulheres e as crianças as usuárias primordiais desses serviços, como creches e

2 O Setor “Quaternário” é constituído por serviços de alto conteúdo inovador,

como serviços qualificados para a produção e consultorias especializadas nas áreas financeira, gerencial e de informática, além de atividades ligadas aos meios de comunicação high-tech.

3 Considera-se, aqui, que o setor público é bastante mais equitativo quanto à empregabilidade, em termos de gênero, do que o setor privado de produção de bens e serviços.

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atenção à infância, que facilitam a permanência das mulheres no mercado de trabalho (Castro, 2001).

2.3 Participação política das mulheres e políticas públicas A visão sobre cidadania feminina, ou cidadania de gênero,

abarca a possibilidade e o acesso ao exercício de direitos e obrigações individuais e coletivas, às decisões políticas, ao controle das políticas públicas e à associatividade (Prá, 2001). Contudo a incorporação da perspectiva de gênero nas políticas públicas é, ainda hoje, um tema pouco explorado (Farah, 2004).

Em relação à visão dicotômica entre as esferas pública e privada, essa é amplamente questionada pela teoria feminista, que critica a separação entre o público, como o mundo da política e das atividades produtivas, e o privado, como o mundo das atividades reprodutivas, da família, das relações pessoais. Esse pressuposto tem por trás o viés que restringe as mulheres à esfera privada4, considerada “apolítica”, e os homens à esfera pública5, “política”, não reconhecendo as relações pessoais como políticas.

De acordo com o Observatório da Igualdade de Gênero da América Latina e Caribe, a autonomia das mulheres é uma premissa básica sobre a qual se estruturam os obstáculos e as resistências quanto à igualdade de gênero (Cepal, 2011). Entretanto, como Alves e Cavenaghi (2012) apontam, o empoderamento das mulheres relaciona-se positivamente com o desenvolvimento socioeconômico, evidenciando que esses processos se reforçam mutuamente.

4 Esfera que corresponde ao espaço das emoções e da sexualidade — o "eu

interior". 5 Esfera que corresponde à palavra, à política e ao trabalho — o "eu exterior".

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Nesse sentido, a constituição das mulheres como sujeito político deu-se, inicialmente, por meio de sua mobilização em torno da democratização do regime e de questões que atingiam os trabalhadores, em especial os mais pobres, tais como baixos salários, elevado custo de vida e questões relativas à inexistência de infraestrutura e ao acesso precário a serviços coletivos. Assim, grupos ligados a movimentos sociais organizaram-se em torno de questões como falta de água e de saneamento nas periferias urbanas e de reivindicações por equipamentos coletivos, como escolas, creches e postos de saúde. Simultaneamente a essas denúncias, os movimentos de mulheres passaram também a levantar temas específicos à condição da mulher, como direito à creche, saúde da mulher, sexualidade e contracepção e violência contra a mulher (Farah, 2004).

Com a emergência de temas ligados à problemática da mulher, houve uma convergência de pauta de reivindicações dos movimentos comunitários urbanos e rurais com o movimento feminista. O feminismo, de forma distinta a dos “movimentos sociais com participação de mulheres”, tinha como objetivo central transformar a situação da mulher na sociedade, de forma a superar a desigualdade presente nas relações entre homens e mulheres. Assim, o movimento feminista contribuiu para a inclusão da questão de gênero na agenda de políticas públicas, como uma das desigualdades a serem superadas por um regime democrático. Por sua vez, a discriminação de questões diretamente ligadas às mulheres envolveu não apenas críticas à ação do Estado, mas também a formulação de propostas de políticas públicas abarcando a questão de gênero (Farah, 2004).

Sob o impacto dos movimentos e das entidades feministas, foram implantadas, na década de 80, as primeiras políticas públicas com recorte de gênero. Superada a resistência inicial à colaboração com o Estado, as propostas das entidades passaram a integrar a ideia da articulação de ações governamentais e não

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governamentais para a formulação, a implementação e o controle das políticas públicas voltadas às questões de gênero.

A inclusão de mulheres, especialmente as mais pobres, como beneficiárias de políticas específicas, tanto em áreas urbanas como no meio rural, justifica-se pela tentativa de correção de desigualdades no acesso a recursos, a serviços e à própria cidadania e pelas situações de vulnerabilidade física, material e psicológica a que uma parte delas está exposta.

A análise da situação de homens e mulheres em diferentes dimensões é fundamental para se detectarem as desigualdades existentes entre ambos e, a partir disso, projetar e implementar medidas e políticas que garantam às mulheres o pleno exercício de seus direitos civis, políticos, econômicos e culturais.

3 Análise dos indicadores 3.1 Eixo temático 1: o espaço privado

No eixo temático 1, são contempladas as dimensões de

Demografia, composição domiciliar e uso do tempo. Primeiramente, apresentam-se a estrutura populacional do

Estado com foco na participação da mulher, especialmente do ponto de vista de expectativa de vida, e a sua composição por faixas etárias. Esses indicadores são importantes para entender a posição ocupada pelas mulheres em temos de estrutura populacional.

Os dados do Censo Demográfico de 2010 apontam, para o Rio Grande do Sul, um total de 10.693.929 habitantes, sendo 5.205.057 homens e 5.488.872 mulheres.

A população gaúcha representa 5,6% da população brasileira, evidenciando uma tendência de queda nessa participação, já que o RS foi o estado brasileiro que teve menor crescimento

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populacional na década. De acordo com o Censo, a taxa de crescimento médio anual, entre 2000 e 2010, foi de 0,49%, mas as estimativas populacionais feitas pela Fundação de Economia e Estatística (FEE) para o ano de 2011 indicam uma taxa de crescimento ainda mais reduzida da população gaúcha nesse último ano, da ordem de 0,39%.

Esse pequeno crescimento populacional se deve, basicamente, às baixas taxas de fecundidade6 no Estado. Desse modo, a população do RS tem apresentado uma grande modificação no seu padrão etário, com um envelhecimento da população, devido à queda dos níveis de fecundidade e também por causa do aumento da expectativa de vida ao nascer7.

O Rio Grande do Sul tem-se destacado por apresentar um dos melhores resultados em termos de expectativa de vida no Brasil, tanto quando se consideram ambos os sexos, como quando considerado cada sexo separadamente. A análise do período de 1980 até 2010 indica que, para ambos os sexos, houve um acréscimo de mais de oito anos na expectativa de vida dos sul-rio--grandenses. Segundo dados da Secretaria da Saúde do Rio Grande do Sul, nas últimas três décadas, a expectativa de vida total, no Estado, passou de 67,8 para 75,9 anos, com o aumento de 63,3 para 72,1 anos para os homens e o de 70,2 para 79,5 anos para as mulheres gaúchas.

Assim, é interessante observar que, em 2010, a população, no RS, com 60 anos ou mais era de 1.459.597 pessoas, correspondendo a 13,6% do total. Desses, 627.470 eram homens (12,1% da população masculina), e 832.127 eram mulheres

6 Taxa de fecundidade é a estimativa do número médio de filhos que uma

mulher teria até o fim de seu período reprodutivo, sendo também definida como o número médio de filhos por mulher em idade de procriar, ou seja, de 15 a 49 anos.

7 A expectativa de vida ao nascer representa quantos anos, em média, espera-se que um recém-nascido viva e é um indicador bastante usado para medir o grau de desenvolvimento de uma região.

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(15,2% da população feminina). Em Porto Alegre, do total de 1.409.351 habitantes em 2010, 653.787 eram homens, e 755.564 eram mulheres. Do total de porto-alegrenses, 211.896 (15,0% do total) tinham 60 anos ou mais, sendo, entre esses, 79.985 homens (12,2% da população masculina) e 131.911 mulheres (17,5% da população feminina).

Por outro lado, estimativas da FEE para 2011 indicam que o contingente populacional com 65 anos, no RS, já ultrapassou um milhão de pessoas, correspondendo a 9,6% da população gaúcha. Nesse grupo etário, é predominante a presença das mulheres, devido a mais alta mortalidade entre os homens. Assim, das pessoas de 65 anos ou mais, a população feminina estimada é de 602.360, e a masculina é de 424.538, sendo que, para cada 70 homens nesse grupo, há 100 mulheres.

A estrutura por sexo de uma população pode ser visualizada com a utilização da razão de sexo (número de homens para cada 100 mulheres), que tem apresentado uma tendência de queda ao longo das últimas décadas. Nos anos 2010 e 2011, havia, no Rio Grande do Sul, 94,8 homens para cada 100 mulheres, representando, em números absolutos, cerca de 280 mil mulheres a mais do que homens.

Nota-se que, ao nascer até a juventude, há um número maior de homens, mas, a partir dos 25 anos até as idades mais avançadas, as mulheres são maioria. Para a faixa etária de 70 anos ou mais, há 64,4 homens para cada 100 mulheres. Disso decorre a constatação de que, com o envelhecimento da população e a tendência que se observa de estabilização a partir de 2025 e de posterior decrescimento do tamanho absoluto da população gaúcha, ocorre também uma “feminização” da população, ou seja, mantidas as atuais condições de vida, projeta-se um aumento proporcional da população feminina no total da população gaúcha, nas próximas décadas, em especial, na população mais idosa.

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Esse padrão de “feminização” da população é predominante no caso brasileiro, o que se configura no dado de que, “[...] depois da Rússia, entre as grandes nações, o Brasil é o país mais feminino do mundo” (Alves; Cavenaghi, 2012, p. 87).

Os autores mencionam o aumento das mortes por causas externas no Brasil, em especial, por acidentes de trânsito e violência, como um dos fatores que provocam a sobremortalidade masculina, pois os homens, desde os anos 80, têm sido, proporcionalmente, mais atingidos por esses eventos do que as mulheres. Contudo observa-se que, para o sexo masculino, os óbitos por causas externas ocorrem, principalmente, entre indivíduos na faixa etária dos 20 aos 39 anos (50,4%) e de cor parda (48,1%). Por sua vez, no caso feminino, mais de um terço (33,8%) das vítimas de morte por causas externas estão entre as mulheres com 60 anos ou mais, sendo a maioria de cor branca (53,3%) (Alves; Cavenaghi, 2012).

Nas Tabelas 1 e 2 e nos Gráficos 1 a 6, podem-se visualizar as informações contidas na breve análise demográfica do Estado do RS.

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Tabela 1

Indicadores de estrutura da população do Rio Grande do Sul — 2010-2050

INDICADORES 2000 2010 2020 2030 2040 2050

População total (habitantes)

10.187.798

10.693.929

11.043.710

10.980.552

10.481.016

9.709.87

Taxa de cresci-mento anual da população (%)

1,21

0,49

0,24

-0,16

-0,56

-0,82 Grandes gru-pos etários

0 a 14 anos

Número ........ 2.654.727 2.229.504 1.947.109 1.766.064 1.469.267 1.254.820 % ................... 26,1 20,8 17,6 16,1 14,0 12,9 15 a 59 anos

Número ........ 6.467.587 7.004.828 7.072.772 6.693.503 6.262.550 5.498.436 % 63,5 65,5 64,0 61,0 59,8 56,6 60 anos ou mais

Número ........ 1.065.484 1.459.597 2.023.829 2.520.985 2.749.199 2.956.614 % 10,5 13,6 18,3 23,0 26,2 30,4 Razão de sexo (1)

96,2

94,8

94,4

93,7

93,0

92,4

FONTE: ZUANAZZI, Pedro Tonon; BANDEIRA, Marilene Dias. Projeções populacionais do Estado do Rio Grande do Sul para o período 2015-2050. Indicadores Econômicos FEE, v. 40, n. 3, 2013.

FUNDAÇÃO INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Banco de dados. 2013. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br>. Acesso em: 22 abr. 2013.

(1) Número de homens dividido pelo número de mulheres e multiplicado por 100.

Tabela 2

População, em faixas etárias selecionadas, por sexo, excedente feminino e número de mulheres por homem, do Rio Grande do Sul — 2010

FAIXAS ETÁRIAS

(anos)

POPULAÇÃO EXCEDENTE FEMININO

NÚMERO DE MULHERES POR

HOMEM Total Homens Mulheres

60 ou mais 1.459.597 627.470 832.127 204.657 1,33

65 ou mais 994.613 410.394 584.219 173.825 1,42

70 ou mais 651.034 254.556 396.478 141.922 1,56

75 ou mais 388.989 141.661 247.328 105.667 1,75

80 ou mais 201.901 67.735 134.166 66.431 1,98

85 ou mais 82.828 25.136 57.692 32.556 2,30

90 ou mais 26.846 7.406 19.440 12.034 2,62

95 ou mais 6.227 1.519 4.708 3.189 3,10

100 ou mais 1.039 248 791 543 3,19 FONTE: FUNDAÇÃO INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Banco de

dados. 2013. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br>. Acesso em: 22 abr. 2013.

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Gráfico 1

FONTE: FUNDAÇÃO INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Banco de dados. 2013. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br>. Acesso em: 22 abr. 2013.

Gráfico 2

FONTE: FUNDAÇÃO INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA

(IBGE). Banco de dados. 2013. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br>. Acesso em: 22 abr. 2013.

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Gráfico 3

FONTE: FUNDAÇÃO INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA

(IBGE). Banco de dados. 2013. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br>. Acesso em: 22 abr. 2013.

Gráfico 4

FONTE: FUNDAÇÃO INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E

ESTATÍSTICA (IBGE). Banco de dados. 2013. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br>. Acesso em: 22 abr. 2013.

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Gráfico 5

Pirâmides etárias do Rio Grande do Sul — 2000-2050

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Legenda: Homens Mulheres

FONTE: FUNDAÇÃO INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE).

Banco de dados. 2013. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br>. Acesso em: 22 abr. 2013. ZUANAZZI, Pedro Tonon; BANDEIRA, Marilene Dias. Projeções populacionais do Estado do Rio Grande do Sul para o período 2015-2050. Indicadores Econômicos FEE, v. 40, n. 3, 2013.

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Gráfico 6

FONTE: Fundação IBGE.

A composição domiciliar é importante para identificar o

papel da mulher no lar — especialmente em termos de chefia. Nesse contexto, o papel da mulher associa-se às condições de moradia — qualidade e habitabilidade —, que incluem aspectos relacionados ao esgotamento, ao abastecimento de água, às condições da casa, à posse de eletrodomésticos e demais bens.

A qualidade da moradia e melhores condições de serviços básicos favorecem, principalmente, às mulheres, por serem elas ainda, majoritariamente, as responsáveis pelas atividades relacionadas ao âmbito privado. Assim, esses indicadores, diferenciados por condição de pobreza, são úteis para a verificação das condições de vida das mulheres nos domicílios. Nesse sentido, a pobreza nos domicílios é avaliada através da

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linha oficial do Governo Federal — sempre com foco na condição da mulher.

No Brasil, o percentual de mulheres responsáveis pelo domicílio, segundo dados do Censo de 2010, era de 38,7% do total. Já, no Rio Grande do Sul, esse percentual era um pouco superior, da ordem de 39,8% (IBGE, 2013), que corresponde a 1.432.214 unidades domésticas em que as mulheres figuravam como chefes de família.

No caso específico de Porto Alegre, a capital gaúcha destaca--se positivamente entre as metrópoles brasileiras, em termos de transformações de cunho sociocultural no status feminino, tendo sido mencionada na pesquisa Sistema Integrado de Indicadores de Gênero nas Áreas de Trabalho e de Educação: uma proposta de construção de um índice cultural de gênero, do Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas Para a Mulher (Unifem), do Gesellschaft für Technische Zusammenarbeit (GTZ) e do Instituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM), citada em Oliveira (2002). Essa pesquisa teve como objetivo mensurar mudanças ocorridas na família e na condição da mulher brasileira, levando em consideração questões como: idade média ao casar, formação de uniões sem vínculos legais, número médio de filhos, trabalho extradomiciliar das cônjuges com filhos pequenos e diferencial de escolaridade entre cônjuges (percentual de mulheres com escolaridade superior à dos seus cônjuges).

Efetivamente, dados do Censo de 2010 evidenciam que Porto Alegre apresenta um alto percentual de domicílios com chefia feminina, atingindo 49,9% do total, ou seja, em 253.578 famílias da Capital, a pessoa responsável é uma mulher.

Entretanto informações contidas em tabulações especiais elaboradas pela Fundação IBGE para o Ministério do Desenvolvimento Social sobre as condições de vida e as características da população pobre e extremamente pobre evidenciam que: em Porto Alegre, entre as famílias com

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rendimento mensal per capita de R$ 1,00 a R$ 70,00, a participação feminina na chefia do domicílio chega a 72,5%; e, nas famílias com rendimento mensal per capita de R$ 71,00 a R$ 140,00, a proporção é de 61,8% de mulheres chefiando a família. Nesse contingente de mulheres chefes de família, entre as mais pobres, há uma concentração relativa na faixa de 20 a 24 anos. Pode-se concluir, por esses dados, que a pobreza e a extrema pobreza, em Porto Alegre, mostram uma face evidentemente urbana, mas também de predominância de famílias chefiadas por mulheres jovens, com crianças pequenas.

Considerando-se que o equilíbrio entre o trabalho remunerado e as responsabilidades familiares constitui um grande desafio, o uso do tempo demonstra a desigualdade de gênero, já que as mulheres são mais afetadas, por assumirem a carga maior das tarefas domésticas e das atividades de cuidado de crianças, idosos e de pessoas com deficiências. Esse fator determina, em parte, o acesso diferenciado ao mercado de trabalho e a dificuldade para obter melhores remunerações por parte das mulheres, refletindo-se em condições de reprodução da pobreza e de baixa qualidade de vida. Essa dimensão contempla, portanto, um condicionante fundamental para avaliar a desigualdade de acesso e participação na esfera pública.

Em termos sociais e culturais, segue sendo atribuída às mulheres a responsabilidade de grande parte do trabalho doméstico, bem como do cuidado de crianças, idosos e de pessoas com deficiências, ou seja, atividades não remuneradas no âmbito privado, enquanto aos homens caberia a parcela maior de produção mercantil remunerada no espaço público. Desse modo, apesar da crescente incorporação das mulheres ao mercado laboral, elas não conseguem desligar-se do papel social a elas designado, o que dificulta suas possibilidades de participar equitativamente das oportunidades e gera uma sobrecarga física que prejudica suas condições de bem-estar.

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O indicador de uso do tempo, elaborado com dados da PNAD-IBGE e referências da Comissão Econômica Para a América Latina e o Caribe (CEPAL) e da OIT-Organização das Nações Unidas (ONU), contribui para demonstrar a desigualdade de gênero, evidenciando o peso da dupla jornada de trabalho para as mulheres. Nesse sentido, o indicador mostra a jornada semanal total de trabalho, somando-se o número médio de horas semanais dedicadas ao mercado de trabalho e as destinadas aos afazeres domésticos da população ocupada com 16 anos ou mais de idade.

Os resultados dos dados da PNAD de 2011 mostram que, embora as mulheres, no Brasil, tivessem uma participação menor do que a dos homens em termos de horas semanais no mercado de trabalho (36,9 e 42,6 respectivamente), elas dedicavam, em média, 21,8 horas semanais às tarefas domésticas e de cuidado (reprodução social), representando mais do que o dobro de tempo da dedicação dos homens, com 10,3 horas semanais. Desse modo, acrescentando-se a média de horas semanais no mercado de trabalho, a jornada dupla das mulheres brasileiras chegava a 58,7 horas por semana, contra 52,9 dos homens.

Por outro lado, ao se contemplar o tipo de afazeres domésticos executados pelos homens, um estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) em 2010 ressalta que a participação masculina mais frequente nessas tarefas está concentrada em atividades interativas e em espaços fora do lar, como a realização de compras de mantimentos em supermercados e o transporte dos filhos para a escola; no âmbito do domicílio, os homens dedicam-se, esporadicamente, a atividades de manutenção doméstica, como reparos e consertos. Uma informação do suplemento da PNAD de 2008 é bastante ilustrativa dessa situação: cerca da metade (49,7%) das pessoas de 14 anos ou mais de idade costumavam fazer faxina no próprio domicílio, sozinha ou com a ajuda de outra pessoa. Enquanto essa

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prática era comum para 72,1% das mulheres, entre os homens, era de apenas 25,4%.

Ao se fazer a análise do indicador no conjunto das unidades federativas (UFs), observa-se que, em todas as 27 UFs, as jornadas semanais totais da população ocupada eram mais extensas para as mulheres. Os estados brasileiros onde as trabalhadoras apresentavam a maior jornada são, por ordem, Alagoas (63,1 horas totais e 28,6 de trabalho doméstico), Amapá (62,1 horas totais e 23,3 de trabalho doméstico), Pernambuco (61,9 horas totais e 24,5 de trabalho doméstico), Ceará (61,5 horas totais e 24,7 de trabalho doméstico) e São Paulo (59,8 horas totais e 20,8 de trabalho doméstico). No caso do Rio Grande do Sul, que se encontrava na 10ª posição desse ranking, a jornada total para as mulheres era de 59,1 horas, com 21,1 horas semanais de afazeres domésticos.

Essa desigualdade se reflete nas condições de reprodução da pobreza e de baixa qualidade de vida, especialmente entre mulheres jovens com filhos pequenos, e se combina a outros fatores, como a carência de serviços de proteção à maternidade e o número ainda reduzido de creches e pré-escolas.

Assim, as estratégias de promoção de igualdade de gênero no mundo do trabalho exigem atenção e ações articuladas no âmbito das políticas públicas e da sociedade civil, para que possam ser repensadas as formas de organização do trabalho nas suas diferentes esferas, tanto pública como privada.

Na Tabela 3, vislumbra-se o indicador de uso do tempo para todas as unidades da Federação brasileira.

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Tabela 3

Número médio de horas semanais dedicadas ao mercado de trabalho e aos afazeres domésticos da população ocupada de 16 anos ou mais de idade, em todos os trabalhos, no

Brasil, nas grandes regiões e nas unidades da Federação — 2011

CÓDI-GOS

ÁREAS GEOGRÁFICAS

MÉDIA DE HORAS

SEMANAIS NO MERCADO DE

TRABALHO (A)

MÉDIA DE HO-RAS SEMANAIS GASTAS COM

AFAZERES DOMÉSTICOS

(B)

JORNADA SEMANAL

TOTAL (A + B)

Homens Mulheres Homens Mulheres Homens Mulheres

BRASIL ................. 42,6 36,9 10,3 21,8 52,9 58,7

Grandes regiões Norte ....................... 41,6 35,6 10,3 21,2 51,9 56,8

Nordeste ................. 40,9 35,0 11,0 23,7 51,9 58,7

Sudeste ................... 43,4 37,9 10,1 21,7 53,5 59,6

Sul ........................... 44,0 38,1 9,7 20,9 53,7 59,0

Centro-Oeste ......... 43,8 37,7 10,3 20,3 54,1 58,0

Unidades da Fede-ração

11 Rondônia ............... 43,4 37,5 10,2 19,5 53,5 57,0 12 Acre ........................ 41,7 33,7 9,8 23,8 51,5 57,5 13 Amazonas .............. 41,5 36,9 10,4 19,7 51,9 56,6 14 Roraima ................. 41,2 35,6 9,6 19,3 50,8 54,9 15 Pará ......................... 40,8 34,7 10,3 22,0 51,1 56,7 16 Amapá .................... 44,0 38,8 12,0 23,3 56,0 62,1 17 Tocantins ................ 41,9 34,2 10,0 21,2 51,9 55,5 21 Maranhão ............... 39,2 32,7 11,2 25,8 50,4 58,5 22 Piauí ........................ 38,2 30,3 10,0 25,7 48,3 56,0 23 Ceará ...................... 42,0 36,8 12,0 24,7 54,0 61,5 24 Rio Grande do Nor-

te .............................

41,2

35,6

10,7

21,2

51,8

56,8 25 Paraíba ................... 40,2 33,5 11,1 22,4 51,3 55,9 26 Pernambuco ........... 41,4 37,4 13,3 24,5 54,8 61,9 27 Alagoas ................... 41,0 34,6 13,2 28,6 54,2 63,1 28 Sergipe .................... 40,5 33,8 9,6 22,5 50,2 56,3 29 Bahia ...................... 40,9 34,4 10,0 21,9 50,9 56,4 31 Minas Gerais .......... 43,3 36,7 10,2 22,7 53,5 59,4 32 Espírito Santo ........ 42,9 37,3 8,8 21,1 51,8 58,4 33 Rio de Janeiro ......... 43,2 37,8 10,9 21,9 54,1 59,7 35 São Paulo ................ 43,7 38,9 9,9 20,8 53,5 59,8 41 Paraná ..................... 44,2 37,6 8,9 20,8 53,1 58,4 42 Santa Catarina ........ 43,5 39,4 9,4 20,3 52,9 59,7 43 Rio Grande do Sul .. 44,0 38,1 10,3 21,1 54,3 59,1 50 Mato Grosso do Sul 44,9 35,8 9,2 21,1 54,1 57,0 51 Mato Grosso ........... 44,9 37,5 9,8 20,9 54,7 58,4 52 Goiás ....................... 44,0 38,2 9,4 19,2 53,4 57,4 53 Distrito Federal ....... 41,8 38,4 12,7 21,0 54,5 59,4

FONTE DOS DADOS BRUTOS: FUNDAÇÃO INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD): 2011. Rio de Janeiro: IBGE, 2012. Disponível em:<http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/trabalhoerendimento/pnad2011/microdados.shtm>. Acesso em: 22 abr. 2013.

NOTA: Elaboração da FEE/NISA.

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3.2 Eixo temático 2: o espaço público Neste eixo, são contempladas as dimensões de trabalho,

renda, educação e participação política. No tocante às questões vinculadas à participação feminina no

mercado de trabalho, percebe-se que, embora essa tenha aumentado consideravelmente nas últimas décadas, na maioria dos países, segue ainda sendo caracterizada por uma inserção marginal, frágil, instável e com um nível médio de remuneração bastante inferior ao dos trabalhadores do sexo masculino.

A desigualdade em termos de oportunidade no âmbito do trabalho remunerado expressa-se através de taxas de desocupação, remuneração média e condições de trabalho. Assim, nessa dimensão, verificam-se as características que conformam a participação do sexo feminino no mercado formal de trabalho.

Sobre a proporção de mulheres no mercado formal de trabalho, há uma sinalização de crescimento da participação feminina no total de assalariados, tanto no RS, onde esse percentual foi de 39,2% em 1995 para 44,5% em 2010, como no Brasil, em que os valores foram de 37,4% em 1995 para 41,6% em 2010. Constata-se, portanto, uma participação média mais elevada no Rio Grande do Sul do que no País como um todo, apesar de que, no Brasil, esse percentual também vem aumentando consistentemente (Tabela 4).

Por sua vez, fazendo-se o cruzamento das variáveis escolaridade e sexo dos trabalhadores, verifica-se que, em 2010, aproximadamente, 48% das trabalhadoras do setor formal, no RS, tinham o nível superior completo, enquanto, para os homens, esse percentual era de 24%. Na outra extremidade, observa-se que apenas 1,25% das mulheres eram analfabetas ou tinham cursado até o 5º ano do Ensino Fundamental. Para os mesmos níveis de educação, os homens apresentavam o percentual de 5,5% (Tabela 5).

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Tabela 4

Proporção de mulheres no total de assalariados, no Rio Grande do Sul e no Brasil — 1995, 2000 e 2010

ANOS RS BRASIL

1995 39,2 37,4

2000 41,8 39,1

2010 44,5 41,6

FONTE: BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Relação Anual de Informações Sociais (RAIS): 1995. Brasília, D. F.: Ministério do Trabalho e Emprego, 2013a. Disponível em: <http://www.rais.gov.br/rais_sitio/index.asp>. Acesso em: 20 abr. 2013. BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Relação Anual de Informações Sociais (RAIS): 2000. Brasília, D. F.: Ministério do Trabalho e Emprego, 2013b. Disponível em: <http://www.rais.gov.br/rais_sitio/index.asp>. Acesso em: 20 abr. 2013. BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Relação Anual de Informações Sociais (RAIS): 2010. Brasília, D. F.: Ministério do Trabalho e Emprego, 2013c. Disponível em: <http://www.rais.gov.br/rais_sitio/index.asp>. Acesso em: 20 abr. 2013.

Tabela 5

Número de trabalhadores, por escolaridade e sexo, no Rio Grande do Sul — 2010

ESCOLARIDADE SEXO

TOTAL Masculino Feminino

Analfabeto .............. 1.415 218 1.633

5ª série do Ensino Fundamental com-pleta ........................

25.733

5.588

31.321

Ensino Fundamental completo .................

104.698

31.441

136.139

EnsinoMédio com-pleto ........................

247.205

212.293

459.498

Ensino Superior completo ................

120.131

228.989

349.120

TOTAL .................. 499.182 478.529 977.711

FONTE: BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Relação Anual de Informações Sociais (RAIS): 2010. Brasília, D. F.: Ministério do Trabalho e Emprego, 2013. Disponível em: <http://www.rais.gov.br/rais_sitio/index.asp>. Acesso em: 20 abr. 2013.

Sobre as questões de rendimento médio e distribuição de

renda, é dado foco especial às disparidades de renda entre os

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sexos, para demonstrar as peculiaridades da condição da mulher. A distribuição de renda é avaliada através do Índice de Gini.

Através de dados da RAIS de 2010 sobre faixas de remuneração em salários mínimos (SMs) para trabalhadores do sexo masculino e do feminino no Rio Grande do Sul (setor formal), verifica-se que, do total de mulheres trabalhadoras, 66% recebiam até três salários mínimos por mês, enquanto a mesma faixa salarial para os homens correspondia a 61% dos trabalhadores. Na outra ponta, tomando-se os maiores salários (entre 10 e 20 SMs e mais de 20 SMs), observa-se que 9% dos trabalhadores homens se encontravam nessa faixa de remuneração mensal, estando 7% das mulheres nessa faixa. Na Tabela 6, podem-se constatar esses valores.

Tabela 6

Número de trabalhadores, segundo a faixa de remuneração em salários mínimos (SMs), por sexo, no Rio Grande do Sul — 2010

FAIXAS DE REMUNERAÇÃO SEXO

TOTAL Masculino Feminino

De 0,00 a 3,00 SMs .................... 418.142 383.580 801.722

De 3,01 a 5,00 SMs .................... 130.656 96.662 227.318

De 5,01 a 10,00 SMs .................. 79.575 64.461 144.036

De 10,01 a 20,00 SMs ............... 39.929 28.643 68.572

Mais de 20,00 SMs .................... 19.926 9.968 29.894

TOTAL ..................................... 688.228 583.314 1.271.542

FONTE DOS DADOS BRUTOS: BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Relação Anual de Informações Sociais (RAIS): 2010. Brasília, D. F.: Ministério do Trabalho e Emprego, 2013. Disponível em: <http://www.rais.gov.br/rais_sitio/index.asp>. Acesso em: 20 abr. 2013.

NOTA: Elaboração da FEE/NISA.

Outro indicador importante para aferir a igualdade na

distribuição dos rendimentos é o Índice de Gini. Tomando-se o Índice de Gini da distribuição do rendimento nominal mensal das pessoas de 10 anos ou mais de idade, no RS, em 2010, observa-se

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que, entre os homens economicamente ativos, no meio rural, o índice era de 0,503 e, no meio urbano, era de 0,539. Para os homens não economicamente ativos, o Gini correspondia a 0,353 no meio rural e a 0,546 no meio urbano. Para as mulheres economicamente ativas, no meio rural, esse dado era de 0,45, enquanto, no meio urbano, era de 0,505. Já para mulheres não economicamente ativas, no meio rural, era de 0,369 e, no urbano, era de 0,531. Esses valores, se comparados, mostram que, para todas as categorias e as situações de domicílio, a distribuição de rendimentos entre as mulheres é mais igualitária que entre os homens.

Por sua vez, os indicadores de educação mostram uma melhor posição das mulheres em relação aos homens. Desde a taxa de analfabetismo até os maiores níveis de educação, a mulher apresenta números que se diferem daqueles dos homens. Essa dimensão avalia essas questões, especialmente no que tange à alfabetização e à conclusão do Ensino Fundamental, do Ensino Médio e do Ensino Superior.

Tomando informações contidas nos Censos de 1991, 2000 e 2010, analisaram-se, comparativamente, a situação feminina e a masculina nos diversos níveis educacionais, para todos os municípios gaúchos, através dos indicadores: razão entre mulheres e homens alfabetizados na faixa etária de 15 a 24 anos; razão entre mulheres e homens no Ensino Fundamental; razão entre mulheres e homens no Ensino Médio; e razão entre mulheres e homens no Ensino Superior (Tabela 7).

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Tabela 7 Indicadores de razão entre homens e mulheres, por nível educacional, no Rio Grande do Sul —

1991, 2000 e 2010

INDICADORES ANOS

1991 2000 2010

Razão entre mulheres e homens alfabetizados na faixa etária de 15 a 24 anos ....................................

1,012

1,006

1,004

Razão entre mulheres e homens no Ensino Funda-mental .....................................................................

1,003

0,971

0,969

Razão entre mulheres e homens no Ensino Médio 1,225 1,193 1,206

Razão entre mulheres e homens no Ensino Supe-rior ..........................................................................

1,163

1,363

1,286

FONTE DOS DADOS BRUTOS: FUNDAÇÃO INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTA-TÍSTICA (IBGE). Banco de dados. 2013. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br>. Acesso em: 22 abr. 2013.

NOTA: Elaboração da FEE/NISA.

Percebe-se que, com exceção apenas do indicador referente ao Ensino Fundamental, os demais apresentam valores acima de 1,0 para todos os anos, o que denota uma maior participação proporcional das mulheres nos níveis de alfabetizados, de Ensino Médio e, em especial, de Ensino Superior, no qual, a razão entre mulheres e homens, em 2010, era de 1,286. Entretanto ressalva-se que, simultaneamente, houve uma pequena queda nessa razão, em todos os níveis de educação, entre 2000 e 2010. Há que se acompanharem esses dados e se verificarem as situações específicas nos municípios e no Estado como um todo.

As reivindicações por maior participação política e social das mulheres têm provocado mudanças em relação a oportunidades e mesmo na composição das pautas e das linhas de trabalho relacionadas às desigualdades de gênero. Nessa dimensão, busca- -se avaliar a participação formal das mulheres na esfera política.

Para essa dimensão, tomou-se como base o indicador que mostra a proporção de mulheres entre os vereadores exercendo mandatos nas Câmaras Municipais no Estado do RS e nos

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municípios brasileiros como um todo. Verifica-se, na Tabela 8, que a proporção de vereadoras no Estado, para todos os anos analisados, se encontrava abaixo da média brasileira, embora essa também seja baixa. Desse modo, pelo resultado das últimas eleições (2012), o percentual de mulheres exercendo mandato nas Câmaras Municipais representa apenas 7,40% do total de vereadores no RS.

Tabela 8

Proporção de mulheres exercendo mandatos nas câmaras de vereadores do Rio Grande do Sul e do Brasil — 1992, 2000, 2008 e 2012

ANOS RS BRASIL

1992 5,10 7,40

2000 10,50 11,60

2008 12,29 12,53

2012 7,40 11,88 FONTE: BRASIL. Tribunal Regional Eleitoral (Rio Grande do Sul). Eleições: 1992,

2000 e 2008. Disponível em: <http://www.tre-rs.jus.br/>. Acesso em: 20 abr. 2013.

3.3 Eixo temático 3: bem-estar Questões como saúde materna e atendimento especializado à

saúde feminina são vitais. É fundamental a compreensão das peculiaridades da saúde feminina. Assim, são avaliadas questões relacionadas ao atendimento da saúde da mulher através de questões como: mortalidade materna, doenças crônicas da mulher, Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV)/Síndrome da Imunodeficiência Humana (AIDS), dentre outros aspectos.

No Rio Grande do Sul, a taxa de mortalidade materna (por 100 mil nascidos vivos), que era de 40,0 em 1992, passou a 45,0 em 2000 e chegou a 76,6 em 2010. É relevante apontar que, em 1992, a taxa, no RS, estava abaixo da taxa brasileira (51,6), mas,

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em 2010, a taxa média, no Estado, foi superior à taxa verificada no Brasil (62,5) (Tabela 9).

Tabela 9

Taxa de mortalidade materna (por 100 mil nascidos vivos) no Rio Grande do Sul e no Brasil — 1992, 2000 e 2010

ÁREAS GEOGRÁFICAS ANOS

1992 2000 2010

Rio Grande do Sul ............... 40,0 45,0 76,6

Brasil ................................... 51,6 - 62,5

FONTE DOS DADOS BRUTOS: Ministério da Saúde/DATASUS. NOTA: Elaboração da FEE/NISA.

Por outro lado, a taxa de incidência de HIV/AIDS entre

mulheres, na faixa etária de 15 a 24 anos, no Rio Grande do Sul, por 100 mil pessoas, esteve sempre mais alta do que a média brasileira: em 1991, era de 0,3 no RS e de 0,2 no Brasil, passando, em 2000, a 2,3 no RS e 1,0 no Brasil e reduzindo-se para 1,7 no RS e 0,7 no Brasil, em 2010 (Tabela 10).

Tabela 10

Taxa de incidência de HIV/AIDS entre mulheres, na faixa etária de 15 a 24 anos (por 100 mil pessoas), no Rio Grande do Sul e no Brasil —

1991, 2000 e 2010

ÁREAS GEOGRÁFICAS ANOS

1991 2000 2010

Rio Grande do Sul ........................... 0,3 2,3 1,7

Brasil ............................................... 0,2 1,0 0,7

FONTE DOS DADOS BRUTOS: Ministério da Saúde/DATASUS. NOTA: Elaboração da FEE/NISA

Outros aspectos verificados nessa dimensão dizem respeito a

cuidados preventivos, percepção do próprio estado de saúde e incidência de algumas doenças crônicas. Esses dados foram obtidos apenas para as capitais brasileiras e o Distrito Federal em

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2011, tendo como fonte a Vigilância de Fatores de Risco e Proteção Para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), do Ministério da Saúde.

Na Tabela 11, um primeiro dado que chama atenção refere-se à avaliação realizada por pessoas acima de 18 anos, de ambos os sexos, em todas as capitais do País, sobre seu próprio estado de saúde. Com exceção apenas das cidades de Palmas e de Boa Vista, em todas as demais capitais brasileiras, as avaliações negativas sobre o próprio estado de saúde foram mais frequentes entre as mulheres do que entre os homens. Em Porto Alegre, 4,6% das mulheres e 2,2% dos homens avaliaram seu estado de saúde como ruim ou muito ruim.

Tabela 11

Indicadores de saúde, por sexo, em Porto Alegre — 2011

INDICADORES SEXO

Masculino Feminino Total

Percentual de adultos (18 anos ou mais) que avaliou seu estado de saúde como ruim ou muito ruim ........

2,2

4,6

3,5

Percentual de adultos (18 anos ou mais) fisicamente inativos ......................................................................

12,3

14,7

13,6

Percentual de adultos (18 anos ou mais) que referem diagnóstico médico de diabetes .................................

5,5

7,0

6,3

Percentual de adultos (18 anos ou mais) que referem diagnóstico médico de hipertensão arterial ...............

23,6

27,4

25,7

Percentual de adultos (18 anos ou mais) fumantes .. 24,6 20,9 22,6

FONTE: BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria em Vigilância em Saúde. Vigitel Brasil 2011: Vigilância de Fatores de Risco e Proteção Para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico. Brasília, D. F.: Ministério da Saúde, 2012. Disponível em: <http://portalsaude.saude.gov.br/portalsaude/arquivos/pdf/2012/Ago/22/vigitel_2011_final_0812.pdf>. Acesso em:10 jan. 2013.

Quanto ao percentual de pessoas fisicamente inativas, o dado

mostra que, em Porto Alegre, 14,7% das mulheres e 12,3% dos

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homens se declararam nessa situação. É interessante sublinhar que a categorização de fisicamente inativas da pesquisa da Vigitel abarca

[...] indivíduos que não praticaram qualquer atividade física no lazer, nos últimos três meses, e que não realizam esforços físicos intensos no trabalho, não se deslocam para o trabalho ou para a escola a pé ou de bicicleta, perfazendo um mínimo de 10 minutos por trajeto por dia, e que não participam da limpeza pesada de suas casas (Brasil, 2012).

Relativamente a doenças crônicas, foram utilizados dados sobre diabetes e hipertensão arterial para ambos os sexos.

Sobre a diabetes, observa-se que Porto Alegre é a segunda capital brasileira com a maior taxa reportada de mulheres com diabetes no Brasil (7,0%). Para os homens porto-alegrenses, esse percentual é de 5,5. A hipertensão arterial também é significativa nos diagnósticos médicos, na capital gaúcha: 27,4% das mulheres e 23,6% dos homens, em Porto Alegre, responderam terem sido diagnosticados com esse problema de saúde.

Finalmente, quanto à situação de fumantes, verifica-se que Porto Alegre é a capital brasileira com o mais alto percentual de fumantes no Brasil: 20,9% das mulheres e 24,6% dos homens declararam o uso de fumo (Tabela 11).

Quanto à realização de exames preventivos, apresenta-se o indicador de percentual de mulheres entre 25 e 59 anos de idade que realizaram exame de citologia oncótica para câncer de colo do útero em algum momento de suas vidas e nos últimos três anos, bem como o percentual de mulheres entre 50 e 69 anos de idade que realizaram mamografia em algum momento de suas vidas e nos últimos dois anos, nas capitais brasileiras e no Distrito Federal.

Em relação ao exame de citologia oncótica para câncer de colo do útero, em Porto Alegre, o percentual de mulheres que

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afirmam ter realizado esse exame nos últimos três anos é um dos mais altos entre as capitais brasileiras — 87,2%, sendo que 92,4% afirmaram já ter feito o exame em algum momento de suas vidas. Quanto à mamografia, 79,9% das porto-alegrenses haviam realizado o exame nos últimos dois anos, e 94,4%, pelo menos, alguma vez, estando esses também entre os valores mais altos, no cotejo das capitais brasileiras para esse indicador (Tabela 12).

Tabela 12

Indicadores de cuidados preventivos de saúde feminina em Porto Alegre —2011

INDICADORES

REALIZAÇÃO

Em Algum Momento Nos Dois ou Três

Últimos Anos

Percentual de mulheres de 25 a 59 anos que realizaram exame de citologia oncótica para detecção de câncer de colo do útero em algum momento de sua vida e nos últimos três anos

92,4

87,2 Percentual de mulheres de 50 a 69 anos que realizaram mamografia em algum momento de sua vida e nos dois últimos anos .................

94,4

79,9 FONTE: BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria em Vigilância em Saúde. Vigitel Brasil 2011: Vigilância

de Fatores de Risco e Proteção Para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico. Brasília, D. F.: Ministério da Saúde, 2012. Disponível em: <http://portalsaude.saude.gov.br/portalsaude/arquivos/pdf/2012/Ago/22/vigitel_2011_final_0812.pdf>. Acesso em:10 jan. 2013.

4 Considerações finais

Situando-se na área de estudos de gênero, este estudo objetiva contemplar a situação das mulheres e as desigualdades existentes entre homens e mulheres no Estado do Rio Grande do Sul, na atualidade. Mesmo em face de transformações profundas e relevantes nos contextos social e político, nas últimas décadas, constata-se que as desigualdades de gênero persistem em diversas áreas, tanto no âmbito privado como na esfera pública.

No que se refere ao mundo do trabalho, as diferenças históricas entre homens e mulheres em relação ao acesso ao

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mercado de trabalho formal, às condições de remuneração, à empregabilidade, à proteção social e aos direitos trabalhistas fundamentais somam-se a uma carga maior para o sexo feminino no que diz respeito aos afazeres domésticos. Além disso, observam-se profundas desigualdades em relação à participação política do sexo feminino, como se pode constatar pela baixa participação das mulheres nas Câmaras Municipais, tanto no RS como no Brasil.

Analisando-se as políticas públicas e os programas governamentais a partir da perspectiva de gênero, nota-se que, nas últimas décadas, algumas iniciativas do Estado têm contribuído para modificar esse padrão profundamente arraigado na sociedade brasileira.

Cabe, portanto, seguir pesquisando essas questões, com vistas a aprofundar diagnósticos e estabelecer prioridades para a introdução de critérios de equidade de gênero em políticas públicas, planos, programas e projetos sociais.

Referências ALVES, José Eustáquio Diniz; CAVENAGHI, Suzana Marta. Indicadores de desigualdade de gênero no Brasil. Mediações, Londrina, v. 17, n. 2, p. 83-105, jul.-dez. 2012. Disponível em: <http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/mediacoes/article/view/16472>. Acesso em: 5 nov. 2013. BRASIL. Ministério da Saúde. Departamento de Informática do SUS (Datasus): 2010. Disponível em: <http://w3.datasus.gov.br/datasus/datasus.php>. Acesso em: 12 abr. 2012. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria em Vigilância em Saúde. Vigitel Brasil 2011: Vigilância de Fatores de Risco e

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VIOLÊNCIA CONTRA MULHERES NO RIO GRANDE DO SUL: ESTUDO

A PARTIR DO SUPLEMENTO VITIMIZAÇÃO E ACESSO À JUSTIÇA DA PNAD 2009

Gabriele dos Anjos*

1 Apresentação da pesquisa

O objetivo deste texto é apresentar os principais resultados de uma análise dos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2009. Essa pesquisa traz um suplemento que fornece informações sobre vitimização e acesso à Justiça por parte da população e, como tal, é de grande utilidade para um conhecimento preliminar de como as mulheres são atingidas pelos fenômenos da violência e, em especial, pela violência doméstica. Nesta análise, foram trabalhadas as variáveis do Suplemento expostas no Quadro 1.

_______________________ *Pesquisadora em Sociologia e Coordenadora do Núcleo de Políticas Públicas

do Centro de Estudos Econômicos e Sociais, da Fundação de Economia e Estatística (FEE).

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Violência contra mulheres no Rio Grande do Sul: estudo a partir do Suplemento Vitimização e Acesso à Justiça da PNAD 2009

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Quadro 1 Variáveis do Suplemento da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2009 analisadas

VARIÁVEIS DESCRIÇÃO

V2918 De 27 de setembro de 2008 a 26 de setembro de 2009 foi vítima de agressão

física

V2919 O agressor da última vez foi

V2920 O local da última agressão foi

V2921 Após a última agressão procurou a Polícia

V2922 Principal motivo pelo qual não procurou a Polícia após a última agressão

V2923 Foi feito registro da última agressão em Delegacia de Polícia

V2924 Principal motivo pelo qual não registrou a última agressão

V29180 Quantidade de vezes que foi vítima de agressão física (no período pesquisado)

Conforme a análise dos dados disponíveis, pode-se observar que a agressão cometida por cônjuge ou ex-cônjuge compreende uma das principais formas de violência contra as mulheres. Os casos de mulheres vítimas desse tipo de agressão foram comparados à população feminina total do Estado, procurando diferenças entre esses dois grupos. A comparação realizou-se através das variáveis da PNAD discriminadas no Quadro 2.

Esse paralelo entre os dois grupos permite salientar as características específicas inerentes à população feminina vítima de agressão praticada por cônjuge ou ex-cônjuge, o que é bastante útil na correta definição do público-alvo e no planejamento de políticas públicas eficientes para o enfrentamento da violência doméstica.

O escopo da presente análise é o Rio Grande do Sul, de acordo com a PNAD, que prevê a representatividade de sua amostra para os estados. De qualquer forma, realiza-se uma análise das próprias definições de agressão e do público-alvo do

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Violência contra mulheres no Rio Grande do Sul: estudo a partir do Suplemento Vitimização e Acesso à Justiça da PNAD 2009

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Suplemento da PNAD, a partir de uma comparação com pesquisas específicas sobre violência doméstica realizadas em outros países, a fim de explicitar as limitações do Suplemento. Por fim, é apresentada a análise propriamente dita dos dados, e, a partir dessa, são feitas algumas considerações sobre o combate à violência doméstica.

Quadro 2

Variáveis da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2009 analisadas

VARIÁVEIS DESCRIÇÃO

V0302 Sexo

V4728 Código de situação censitária

V4720 Rendimento mensal de todas as fontes para pessoas de 10 anos ou mais de

idade

V0404 Cor ou raça

V4745 Nível de instrução mais elevado alcançado

V4704 Condição de atividade na semana de referência para pessoas de 10 anos ou

mais de idade

V4805 Condição de ocupação na semana de referência para pessoas de 10 anos ou

mais de idade

V4809 Grupamentos de atividade principal do empreendimento do trabalho principal

da semana de referência para pessoas de 10 anos ou mais de idade

V4810 Grupamentos ocupacionais do trabalho principal da semana de referência para

pessoas de 10 anos ou mais de idade

V4743 Faixa de rendimento mensal domiciliar per capita

V0402 Condição na família

V4011 Estado civil

V8005 Idade do morador na data de referência

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Violência contra mulheres no Rio Grande do Sul: estudo a partir do Suplemento Vitimização e Acesso à Justiça da PNAD 2009

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2 Crítica à fonte de informação

Com a Lei nº 11.340, em vigor desde 7 de agosto de 2006, conhecida como Lei Maria da Penha, o Estado brasileiro oficializou a existência de uma figura da violência: a violência doméstica contra a mulher. Essa é definida como “ação ou omissão baseada no gênero”, que causa à mulher “morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial” (Brasil, 2006)1. Essa lei define, no seu artigo 7º, diferentes categorias de violência: a “violência física”2, a “psicológica”, a “sexual”, a “patrimonial” e a “moral”, permitindo que elas sejam utilizadas pelos agentes e instituições encarregados do tratamento do problema.

Além disso, a Lei circunscreve, em seu artigo 5º, um campo de ação específico: a “unidade doméstica” (“espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar”), muito próxima da definição de “domicílio” das pesquisas estatísticas nacionais, a “família” (“[...] comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou vontade expressa”) e, ainda, “qualquer relação íntima de afeto” em que “o agressor” tenha convivido com a “ofendida”, “independente de coabitação”. Ao mesmo tempo em que está subentendido que o agressor é do sexo masculino, o âmbito dessa lei diz respeito, então, às relações privadas, cuja dinâmica foge às lógicas impessoais mais ou menos vigentes em outros âmbitos, como a relação com o Estado e a inserção no mercado de trabalho. A novidade que isso representa não diz respeito apenas à intervenção do Estado em um âmbito privado — 1 Todas as referências e citações da Lei dessa descrição referem-se a essa publicação, salvo indicação no texto.

2 Optou-se por apresentar entre aspas as definições da lei, por se entender que podem haver outras definições para essas categorias.

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o que, de resto, já acontece com as leis referentes ao casamento e ao divórcio, à herança, às interdições e proibições quanto à prole —, mas à intervenção em favor da “parte” historicamente mais vulnerável, em certos “formatos de relações privadas” entre homens e mulheres que são mediados pela força física.

Essa lei também tem uma origem recente nas demandas do movimento feminista (Meneghel et al., 2013, p. 692) e encontra respaldo em convenções internacionais, como a Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres e a Convenção Interamericana Para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher. Essa novidade temporal e também aquela em termos do tipo de intervenção conferem uma complexidade adicional à Lei, que é a de sua acomodação e cristalização em meio às instituições sociais vigentes. Esse caráter recente da Lei é acompanhado da necessidade de indicadores relativos à violência doméstica que informem as ações ligadas à Lei e permitam mensurar seus efeitos.

No entanto, para trabalhar com os indicadores referentes às situações que a Lei Maria da Penha, enquanto política pública de igualdade de gênero, visa tratar, é necessário deixar de lado a definição de violência doméstica própria à lei, como “[...] violência contra a mulher por parte de homens que são ou foram cônjuges, mantiveram relações íntimas de qualquer caráter, ou ainda são parentes das mulheres vítimas de violência”, e trabalhar com uma noção mais estrita de violência doméstica, como “violência entre cônjuges”, tal como presente em outras pesquisas sobre violência doméstica, apresentadas mais adiante. Essa pequena mudança de foco permite colocar em perspectiva os dados disponíveis a partir da bibliografia que aborda o problema.

Alguns indicadores que podem apresentar o problema ao qual se destina a Lei são:

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a) a evolução da violência doméstica3 contra as mulheres em determinado período;

b) a taxa de violência entendida como o percentual da população total feminina de 15 a 65 anos vítima de qualquer forma de violência doméstica (CEPAL; UNFPA; Unifem, 2006, p. 185);

c) a proporção de eventos de violência (que são eventos de violência doméstica) e sua evolução, em determinado período, para o país ou para os estados e municípios, segundo o sexo. Este último indicador permite ter uma dimensão da magnitude da violência doméstica em relação a outros tipos de violência sofrida e observar as possíveis diferenças de proporção segundo o sexo. A partir disso, pode-se avaliar a importância da Lei Maria da Penha para o enfrentamento da violência contra as mulheres;

d) caracterização social das mulheres vítimas de violência doméstica e detecção das diferenças dessas mulheres em relação à população feminina, segundo algumas variáveis selecionadas.

Dadas as informações disponíveis, optou-se por trabalhar com:

a) proporção de eventos de violência que são eventos de violência doméstica, como violência entre cônjuges ou ex--cônjuges, segundo o sexo; e

b) caracterização das diferenças entre o total da população feminina de 10 anos ou mais e as mulheres vítimas de violência doméstica.

As razões dessa escolha são indissociáveis de uma crítica dos dados disponíveis para a apreensão do problema.

A despeito do vasto entendimento do fenômeno e do amplo raio de atuação das ações propostas para combater o fenômeno da violência doméstica, carece-se de informações estatísticas sobre o 3 Entendida aqui como violência entre cônjuges.

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mesmo. A violência doméstica poderia ser circunscrita, de alguma forma, por registros policiais, prontuários médicos ou ainda pesquisas estatísticas, porém tanto os registros policiais como os boletins médicos não possuem representatividade estatística, dizendo respeito somente aos casos de violência em que a vítima procura os serviços do Estado.

Além disso, a partir desses registros, é bastante difícil conhecer as características de “ofendidas” e “agressores”. Os registros policiais, podendo apresentar alguma informação sobre essas características, são de acesso bastante restrito — em parte, devido às exigências do próprio trabalho policial e judiciário. Os dados sobre morbidade hospitalar disponíveis no DATASUS — Banco de Dados do Sistema Único de Saúde — são os únicos que possibilitam o estabelecimento de uma série temporal mensal com relação a casos de agressão segundo o sexo — através do indicador “Número de internações por agressão”. As categorias usadas nesse banco de dados referem-se aos meios utilizados para agressão, incluindo “Agressão sexual por meio de força física”. Mas, além de guardar correspondência indireta com o evento da agressão, que pode ter ocorrências múltiplas, esse indicador não permite inferir sobre a relação entre agressores e agredidos, sendo inadequado para analisar a violência doméstica.

Tampouco se dispõe de pesquisas especializadas por parte do órgão estatístico nacional, a Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A pesquisa disponível, com a qual é possível identificar algumas tendências sobre as mulheres vítimas de violência doméstica, é o Suplemento Vitimização e Acesso à Justiça da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) 2009. Esse suplemento não se destina somente às mulheres, mas à população de 10 anos ou mais. Ele não possui questões direcionadas aos agressores e engloba diferentes atos passíveis de criminalização (além da agressão física, o furto e o roubo). Foi formulado, basicamente, para conhecer o tipo, a

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frequência (no período de referência), o local, o objeto, o tipo de agressor, a procura de atendimento policial ou não e suas razões para pessoas de 10 anos ou mais. No entanto, as questões sobre agressão física permitem identificar o tipo de agressor segundo o sexo e, através desse dado, os casos de agressão por parte de cônjuges ou ex-cônjuges e parentes — agressores tipificados pela Lei Maria da Penha.

Vale salientar que o indicador de violência limita-se à “agressão física”, que “[...] independe da gravidade da lesão e do uso, ou não, de armas durante a agressão”. A agressão, no Suplemento da PNAD, é definida pela

[...] ocorrência de lesão corporal, ou seja, a vítima teve a integridade de seu corpo atingida pelo agressor de alguma forma, como tapa no rosto, empurrão, espancamento, soco, estupro ou violência sexual, ferimento provocado por arma de fogo, uso da força do corpo do agressor ou de objetos (facas, pedras, tocos de madeira, etc.) (IBGE, 2009b, p. 73).

Diferentemente de outras pesquisas e do próprio entendimento da Lei Maria da Penha, a PNAD inclui “violência física” e “sexual” na categoria “agressão física”. Essa inclusão dificulta a comparação com pesquisas de outros países sobre violência doméstica, nas quais estão definidas e discriminadas as violências física e sexual, além das psicológica e econômica.

Ao se considerar a produção de dados estatísticos de outros países sobre violência doméstica, é possível visualizar as lacunas na informação disponível no Brasil e seus possíveis efeitos. Alguns países da América Latina, como o Equador, a República Dominicana, a Nicarágua e o México, possuem pesquisas com módulos específicos sobre violência doméstica, para serem aplicados a mulheres por entrevistadoras. Tais pesquisas são bastante aprofundadas na temática da violência, abordando diferentes dimensões da violência doméstica (violências

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psicológica, física, sexual e patrimonial) em diferentes momentos do tempo (alguma vez na vida ou no último ano) e, ainda, a violência por parte dos pais (Inegi, 2011; Cesdem, 2007; Cepar, 2004; Inide; Minsa, 2008). Essas pesquisas têm como pressuposto que a investigação sobre violência doméstica contra a mulher exige condições de realização bastante específicas, que levem as mulheres a falar sobre a violência doméstica. Nesse sentido, possuem um questionário bastante efetivo quanto às dimensões de violência que se busca capturar. Além disso, a realização da entrevista é feita por entrevistadores, de preferência, do sexo feminino, preparados(as) para entabular questões sobre a temática.

Deve-se considerar que a forma da coleta de informações na PNAD não prevê condições de declaração de situações de violência doméstica contra a mulher. Não há restrição ou recomendação quanto ao sexo dos entrevistadores, que podem ser homens. Além disso, as respostas podem ser fornecidas por outro declarante morador do domicílio que não a vítima da violência. Conforme uma tabulação especial dos dados da PNAD 2009 para o módulo sobre violência, isso acontece para cerca de 35,4% das mulheres respondentes ao módulo sobre vitimização. No entanto, especificamente para as entrevistadas que responderam que o agressor era o cônjuge ou ex-cônjuge, esse percentual de outro declarante cai para 17,6%, o que indica uma maior fidedignidade da informação.

Finalmente, quanto à concepção das categorias de coleta, a PNAD inclui as situações de violência sexual na categoria “agressão física”. Se bem que, para uma análise das diferenças de vitimização masculinas e femininas, o Suplemento da PNAD 2009 seja bastante interessante, pode-se pensar que, por não ser uma pesquisa especializada, com busca de informações específicas e bem discriminadas e condições de coleta que promovam a declaração das violências sofridas nas relações íntimas, esse suplemento da PNAD subregistra as situações de

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violência dos cônjuges ou dos outros familiares contra as mulheres.

3 A população investigada e as principais diferenças entre homens e mulheres

Observe-se a Tabela 1.

Tabela 1

População de 10 anos ou mais, segundo sofrimento de agressão física no período pesquisado, por sexo, no Rio Grande do Sul — 2009

DISCRIMINAÇÃO HOMENS MULHERES TOTAL

Sim ........................ 78.210 48.137 126.347

Não ........................ 4.489.574 4.850.688 9.340.262

TOTAL ................. 4.567.784 4.898.825 9.466.609

FONTE: FUNDAÇÃO INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2009: Microdados. 2009a Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/trabalhoerendimento/pnad2011/microdados.shtm>. Acesso em: 20 jan. 2013.

Nota-se que os que sofreram agressão física são cerca de

1,3% do total da população no Estado. Homens e mulheres têm uma participação parecida na composição da população de agredidos: homens participando com 0,8 p.p. e mulheres com 0,5 p.p. Ao se considerar a distribuição de homens e mulheres vítimas de agressão, vê-se que os que sofreram agressão não chegam a 2% dos homens e das mulheres (respectivamente, 1,7% dos homens e 1,0% das mulheres).

No entanto, grandes diferenças aparecem entre homens e mulheres conforme o tipo de agressor (Tabela 2).

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Tabela 2

Distribuição percentual da população que sofreu agressão, segundo o tipo de agressor da última agressão, por sexo e total, no Rio Grande do Sul — 2009

TIPO DE AGRESSOR

HOMENS MULHERES TOTAL

Pessoa desconhecida 45,5 34,6 41,4

Policial ...................... 6,2 0,0 3,9

Segurança privada ... 0,3 0,5 0,4

Cônjuge ou ex-côn-juge ...........................

0,8

22,3

9,0

Parente ...................... 4,5 7,2 5,5

Pessoa conhecida ..... 42,7 35,4 39,9

TOTAL .................... 100,0 100,0 100,0

FONTE: FUNDAÇÃO INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2009: Microdados. 2009a Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/trabalhoerendimento/pnad2011/microdados.shtm>. Acesso em: 20 jan. 2013.

NOTA: 1. A questão sobre ter sofrido agressão foi respondida por pessoas de 18 anos ou mais. 2. A pergunta sobre o tipo de agressor da última agressão relaciona-se ao período de referência.

Em primeiro lugar, observa-se, na Tabela 2, que a violência

de cônjuges ou ex-cônjuges é responsável por 9,0% das agressões, ficando em terceiro lugar, atrás de outros tipos de violências cometidas por agressores, como “Pessoa desconhecida” e “Pessoa conhecida”. No entanto, para os homens, o percentual de agressores representados por cônjuge ou ex-cônjuge é baixíssimo, cerca de 0,8%, muito abaixo do tipo “Pessoa desconhecida” e do tipo “Pessoa conhecida”. Para as mulheres, a agressão representada por “Cônjuge ou ex-cônjuge” corresponde a quase um quarto dos casos (22,3%), categoria muito próxima dos tipos “Pessoa conhecida” e “Pessoa desconhecida”.

Além disso, ao se considerarem somente os agredidos por cônjuge ou ex-cônjuge, observa-se que cerca de 94,8% deles são mulheres (Gráfico 1).

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FONTE: FUNDAÇÃO INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2009: Microdados. 2009a Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/trabalhoerendimento/pnad2011/microdados.shtm>. Acesso em: 20 jan. 2013.

A frequência de agressões no período pesquisado também é um importante indicador do que poderia ser qualificado como violência de gênero. O número máximo de agressões por pessoa desconhecida é de três agressões, e, quanto maior o número de agressões, maior a proporção de homens entre os agredidos. Já o número máximo de agressões por pessoa conhecida é 10. Há uma tendência em se verificar a mesma relação entre maior proporção de homens entre os agredidos e maior quantidade de agressões. Já na agressão por parentes, homens e mulheres têm proporções muito similares (50,4% dos agredidos por parentes são homens, e 49,6% são mulheres). A frequência de agressões é de uma e três, e, enquanto as proporções de homens e mulheres agredidos uma vez são similares (52,1% dos que foram agredidos por parentes

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uma vez são homens, e 47,9% são mulheres), todos os indivíduos que foram agredidos três vezes são mulheres.

A frequência de agressões por cônjuge ou ex-cônjuge é ainda mais impressionante. Todos os homens agredidos por cônjuge ou ex-cônjuge (5,2% desses casos) o foram somente uma vez. As frequências superiores a uma agressão são compostas todas por casos de mulheres agredidas, indo de duas a seis vezes continuamente, seguindo-se, depois, frequências bastante expressivas de 10 e 30 agressões, conforme se vê no Gráfico 2.

FONTE: FUNDAÇÃO INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA

(IBGE). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2009: Microdados. 2009a Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/trabalhoerendimento/pnad2011/microdados.shtm>. Acesso em: 20 jan. 2013.

Assim, pode-se pensar que o número de agressões é

indicativo de uma conformação de relações íntimas em que a violência física não é ocasional — como se poderia pensar no caso de um único evento no período de um ano —, mas sistêmica, para mais da metade das mulheres.

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As diferenças de tipo de agressor conforme o sexo e a importância da agressão de cônjuge ou ex-cônjuge para a composição da agressão de mulheres, a proporção de agredidos por cônjuge ou ex-cônjuge que são mulheres e a frequência de agressões por cônjuge ou ex-cônjuge para mulheres apontam a violência doméstica como violência de gênero. Indicam também a importância da Lei Maria da Penha, que tem como objeto um quarto dos tipos de ocorrências de violência contra mulheres. Também é preciso notar que a agressão direcionada a mulheres por cônjuge ou ex-cônjuge representa 8,5% do total dos tipos de agressão segundo categorias de agressores: um percentual bastante expressivo.

Ao se considerar a variável “local da última agressão”, também se encontram diferenças entre homens e mulheres que são bastante significativas. Para o total da população, a maior parte das agressões (51,3%) ocorre em via pública, seguida de mais de um quinto (21,9%) de agredidos na própria residência. Os outros percentuais são menos expressivos, como se verifica na Tabela 3.

No entanto, enquanto mais da metade dos homens (54,9%) é agredido em via pública e apenas 13,7% é agredido na própria residência, 35% das mulheres agredidas o são no próprio domicílio. A agressão em via pública representa o maior percentual de local de agressões também para as mulheres; no entanto, esse percentual é bem inferior ao dos homens, 45,5%. Deve-se notar que, do total de agressões sofridas na própria residência, em 61,1% as vítimas são mulheres (Gráfico 3).

Além disso, ao se considerarem somente as mulheres agredidas (n = 48.137), nota-se a existência de uma espécie de padrão entre local da agressão e tipo de agressor, que também mostra claramente a predominância da violência por parte do cônjuge ou ex-cônjuge nos casos de violência doméstica (Tabela 4).

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Tabela 3

Distribuição percentual, segundo o sexo, das vítimas de agressão física de 18 anos ou mais, por local da última agressão, no Rio Grande do Sul — 2009

LOCAL SEXO

TOTAL Masculino Feminino

Própria residência ............................................ 13,7 35,0 21,9

Residência de terceiros ................................... 3,4 4,8 4,0

Estabelecimento comercial ........................... 10,1 4,5 8,0

Via pública ...................................................... 54,9 45,5 51,3

Estabelecimento de ensino ............................. 7,6 6,2 7,1

Transporte coletivo ......................................... 0,9 0,9 0,9

Ginásio ou estádios esportivos ...................... 4,1 1,2 3,0

Outro ................................................................ 5,2 1,7 3,9

TOTAL ........................................................... 100,0 100,0 100,0

FONTE: FUNDAÇÃO INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2009: Microdados. 2009a Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/trabalhoerendimento/pnad2011/microdados.shtm>. Acesso em: 20 jan. 2013.

Gráfico 3

FONTE: FUNDAÇÃO INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E

ESTATÍSTICA (IBGE). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2009: Microdados. 2009a Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/trabalhoerendimento/pnad2011/microdados.shtm>. Acesso em: 20 jan. 2013.

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Tabela 4 Distribuição percentual do número de mulheres agredidas, segundo o local da agressão, por tipo de agressor, no Rio Grande do Sul — 2009

AGRESSOR

LOCAL DA ÚLTIMA AGRESSÃO

TOTAL Própria Residência

Residência de Terceiros

Estabelecimento Comercial

Via Pública

Estabelecimento de Ensino

Transporte Coletivo

Ginásio ou Estádios

Esportivos Outro

Pessoa desco-nhecida ............

11,1

0,0

20,8

60,7

0,0

100,0

0,0

72,4

34,6

Segurança pri-vada .................

0,0

0,0

10,4

0,0

0,0

0,0

0,0

0,0

0,5

Cônjuge ou ex- -cônjuge ......

59,7

0,0

0,0

3,1

0,0

0,0

0,0

0,0

22,3

Parente ............ 10,2 29,3 0,0 4,8 0,0 0,0 0,0 0,0 7,2

Pessoa conhe-cida ..................

18,9

70,7

68,9

31,4

100,0

0,0

100,0

27,6

35,4

TOTAL .......... 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

FONTE: FUNDAÇÃO INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2009: Microdados. 2009a Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/trabalhoerendimento/pnad2011/microdados.shtm>. Acesso em: 20 jan. 2013.

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Na Tabela 4, é possível verificar que, das mulheres que sofreram agressão na própria residência, 59,7% foram agredidas por cônjuge ou ex-cônjuge, quase dois terços, portanto. Somente 10,2% foram agredidas por parente, e 18,9%, um percentual bem maior que este último, por pessoa conhecida. Por outro lado, das mulheres que foram agredidas na residência de terceiros, quase três quartos (70,7%) foram agredidas por conhecidos. Também, das mulheres que foram agredidas em estabelecimentos comerciais, 68,9% foram agredidas por pessoas conhecidas, e 20,8% foram agredidas por desconhecidos. Das mulheres agredidas em via pública, 60,7% foram agredidas por pessoa desconhecida, 31,4% por pessoa conhecida, apenas 3,1% por cônjuge ou ex-cônjuge, e 4,8% por parente. Das mulheres agredidas em transporte coletivo, 100% foram agredidas por desconhecido. Essas concentrações mostram que os agressores variam conforme o local: na própria residência, há uma alta concentração de agredidas por cônjuges ou ex-cônjuges; nas residências de terceiros, de agredidas por pessoas conhecidas; em estabelecimentos comerciais, por conhecidos e desconhecidos; e, em vias públicas e transporte coletivo, por desconhecidos. Tudo se passa como se, quanto mais privado o local, mais próximos os agressores.

Essa hipótese parece ficar mais claramente demonstrada na Tabela 5.

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Tabela 5 Distribuição percentual do número de mulheres agredidas, segundo o tipo de agressor, por local da agressão, no Rio Grande do Sul — 2009

AGRESSOR

LOCAL DA ÚLTIMA AGRESSÃO

TOTAL Própria Residência

Residência de Terceiros

Estabelecimento Comercial

Via Pública

Estabelecimento de Ensino

Transporte Coletivo

Ginásio ou Estádios

Esportivos Outro

Pessoa desco-nhecida .............

11,2

0,0

2,7

79,8

0,0

2,7

0,0

3,6

100,0

Segurança pri-vada .................

0,0

0,0

100,0

0,0

0,0

0,0

0,0

0,0

100,0

Cônjuge ou ex- -cônjuge ......

93,7

0,0

0,0

6,3

0,0

0,0

0,0

0,0

100,0

Parente ............. 50,0 19,7 0,0 30,3 0,0 0,0 0,0 0,0 100,0

Pessoa conhe-cida ..................

18,7

9,6

8,8

40,4

17,6

0,0

3,5

1,3

100,0

TOTAL .......... 35,0 4,8 4,5 45,5 6,2 0,9 1,2 1,7 100,0

FONTE: FUNDAÇÃO INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2009: Microdados. 2009a Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/trabalhoerendimento/pnad2011/microdados.shtm>. Acesso em: 20 jan. 2013.

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Enquanto mais de três quartos (79,8%) das agressões por pessoa desconhecida foram realizadas em via pública, 93,7% das agressões de cônjuge ou ex-cônjuge ocorreram na própria residência da vítima, o que também é indicativo de violência doméstica e/ou ligada às relações de gênero. A agressão por pessoas conhecidas, por sua vez, distribui-se em 18,7% que sofreram agressão na própria residência, 9,6% que sofreram violência na residência de terceiros, 8,8% que sofreram agressão em estabelecimento comercial e, o maior percentual, 40,4% que sofreram agressão em via pública.

Ao se considerar a população de 18 anos ou mais que sofreu agressão física (n = 126.347) (Tabela A.1 do Anexo), observa-se que aqueles que procuraram a Polícia estão em maior número (52,7%), diferenciando-se de forma pouco expressiva dos que não procuraram (47,3%). Ao se considerar essa proporção segundo o sexo (Tabela A.2 do Anexo), verifica-se que a procura feminina pela Polícia foi ligeiramente maior que a dos homens (55,8% das mulheres que sofreram agressão procuraram a Polícia, em comparação a 50,7% dos homens). Por outro lado, dos que procuraram a Polícia (n = 66.552), 95,6% fizeram o registro policial por agressão física. Esse percentual é o mesmo para homens e mulheres.

Mais interessantes são as informações sobre as mulheres agredidas (n = 48.137) conforme a procura da Polícia, segundo o tipo de agressor.

De acordo com a Tabela 6, observa-se que a procura da Polícia distribui-se, mais ou menos, igualmente pelas principais categorias de agressores: 33,9% foram agredidas por pessoa desconhecida, 27,5% foram agredidas por cônjuge ou ex-cônjuge, e 33,6% foram agredidas por pessoa conhecida. Por outro lado, na Tabela 7, pode-se observar que mais de dois terços (68,7%) das agredidas por cônjuge ou ex-cônjuge procuraram a Polícia, contra pouco mais da metade das agredidas por pessoa conhecida (53%

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procuraram a Polícia) e das agredidas por pessoa desconhecida (54,7% procuraram a Polícia). Essas informações sugerem que a procura pela Polícia devido à violência conjugal é bastante expressiva.

Tabela 6 Distribuição percentual do número de mulheres agredidas, segundo a procura à Polícia, por tipo de agressor, no Rio Grande do Sul — 2009

AGRESSOR PROCUROU A POLÍCIA

TOTAL Sim Não

Pessoa desconhecida .................. 33,9 35,5 34,6

Segurança privada ...................... 0,8 0,0 0,5

Cônjuge ou ex-cônjuge ............. 27,5 15,8 22,3

Parente ......................................... 4,2 10,9 7,2

Pessoa conhecida ........................ 33,6 37,7 35,4

TOTAL ....................................... 100,0 100,0 100,0

FONTE: FUNDAÇÃO INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2009: Microdados. 2009a Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/trabalhoerendimento/pnad2011/microdados.shtm>. Acesso em: 20 jan. 2013.

Tabela 7 Distribuição percentual do número de mulheres agredidas, segundo o tipo de agressor, por procura à Polícia, no Rio Grande do Sul — 2009

AGRESSOR PROCUROU A POLÍCIA

TOTAL Sim Não

Pessoa desconhecida ......................... 54,7 45,3 100,0

Segurança privada ............................. 100,0 0,0 100,0

Cônjuge ou ex-cônjuge .................... 68,7 31,3 100,0

Parente ................................................ 32,8 67,2 100,0

Pessoa conhecida ............................... 53,0 47,0 100,0

TOTAL .............................................. 55,8 44,2 100,0

FONTE: FUNDAÇÃO INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2009: Microdados. 2009a Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/trabalhoerendimento/pnad2011/microdados.shtm>. Acesso em: 20 jan. 2013.

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Os dados sobre o registro policial (n = 26.880) são ainda mais contundentes. Todas as mulheres que procuraram a Polícia por agressão de cônjuge ou ex-cônjuge registraram ocorrência, assim como todos os casos de não registro referem-se à agressão por pessoa desconhecida (Tabelas 8 e 9).

Esses dados mostram que, uma vez procurada a Polícia, as agressões por cônjuge ou ex-cônjuge são registradas, assim como as agressões de parentes e conhecidos. Desse modo, a estrutura policial existente parece, senão atender, ao menos acolher a demanda feminina de resolução de casos de violência em que o agressor é mais ou menos próximo da vítima. Nesse sentido, a Polícia somente não faz o registro para pessoas desconhecidas (por falta de provas em 50% dos casos de não registro, ou, ainda, “A Polícia não quis fazer o registro” em outros 50%). Dessa forma, para se entender a ausência de atendimento feminino por parte do aparato policial, parece mais interessante analisar os motivos da não procura feminina pela Polícia (n = 21.527) (Tabela 10).

A maior parte dos casos de não registro policial refere-se à pessoa conhecida (37,7% dos casos), seguida dos casos de pessoa desconhecida (35,5%). A não procura por agressão de cônjuge ou ex-cônjuge não chega a um quinto dos casos de não procura (15,8% dos casos). Isso mostra a fraca expressão dos casos de violência doméstica na não procura pela Polícia. Por outro lado, ao se considerarem os motivos da não procura conforme o tipo de agressor, verifica-se que esses motivos variam conforme o agressor (Tabela 11).

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Tabela 8 Distribuição percentual do número de mulheres agredidas que procuraram a Polícia, segundo tipo de agressor, por registro policial, no Rio Grande do Sul — 2009

AGRESSOR

REGISTRADA A ÚLTIMA AGRESSÃO EM DELEGACIA DE POLÍCIA

(INCLUINDO DELEGACIA VIRTUAL) TOTAL

Sim Não

Pessoa desconhecida ............... 87,0 13,0 100,0

Segurança privada ................... 100,0 0,0 100,0

Cônjuge ou ex-cônjuge ........... 100,0 0,0 100,0

Parente ...................................... 100,0 0,0 100,0

Pessoa conhecida ..................... 100,0 0,0 100,0

Total ......................................... 95,6 4,4 100,0

FONTE: FUNDAÇÃO INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2009: Microdados. 2009a Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/trabalhoerendimento/pnad2011/microdados.shtm>. Acesso em: 20 jan. 2013.

Tabela 9 Distribuição percentual do número de mulheres agredidas que procuraram a Polícia, segundo

registro policial, por tipo de agressor, no Rio Grande do Sul — 2009

AGRESSOR AGRESSÃO REGISTRADA

TOTAL Sim Não

Pessoa desconhecida ................................. 30,8 100,0 33,9

Segurança privada ..................................... 0,9 0,0 0,8

Cônjuge ou ex-cônjuge ............................. 28,7 0,0 27,5

Parente ....................................................... 4,4 0,0 4,2

Pessoa conhecida ....................................... 35,1 0,0 33,6

TOTA L ..................................................... 100,0 100,0 100,0

FONTE: FUNDAÇÃO INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2009: Microdados. 2009a Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/trabalhoerendimento/pnad2011/microdados.shtm>. Acesso em: 20 jan. 2013.

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MARTINS, Clitia Helena Backx (Coord.). Estudos das condições das mulheres e das desigualdades de gênero existentes no Estado do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: FEE, 2014.

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Tabela 10 Distribuição percentual do número de mulheres agredidas que não procuraram a Polícia, segundo motivo da não procura, por tipo de agressor, no Rio Grande do Sul — 2009

AGRESSOR NA ÚLTIMA

VEZ

PRINCIPAL MOTIVO PELO QUAL NÃO PROCUROU A POLÍCIA APÓS A ÚLTIMA AGRESSÃO

TOTAL Falta de Provas

Não Era Importante

Não Acreditava na Polícia

Não Queria

Envolver a Polícia

Medo de Represália

Recorreu a Terceiros

Resolveu Sozinha

Outro

Pessoa desco-nhecida ............

60,8

44,0

56,9

5,9

17,2

78,3

17,8

21,7

35,5

Cônjuge ou ex- -cônjuge ...........

0,0

15,9

18,9

17,8

17,2

0,0

8,9

56,7

15,8

Parente ............. 0,0 12,2 0,0 21,5 8,6 0,0 32,2 0,0 10,9

Pessoa conhe-cida ..................

39,2

28,0

24,2

54,8

56,9

21,7

41,1

21,7

37,7

TOTAL ........... 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

FONTE: FUNDAÇÃO INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2009: Microdados. 2009a Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/trabalhoerendimento/pnad2011/microdados.shtm>. Acesso em: 20 jan. 2013.

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Tabela 11 Distribuição percentual do número de mulheres agredidas que não procuraram a Polícia, segundo tipo de agressor, por motivo da não procura , no Rio Grande do Sul —2009

AGRESSOR

PRINCIPAL MOTIVO PELO QUAL NÃO PROCUROU A POLÍCIA APÓS A ÚLTIMA AGRESSÃO

TOTAL Falta de Provas

Não Era Importante

Não Acreditava na Polícia

Não Queria

Envolver a Polícia

Medo de Represália

Recorreu a Terceiros

Resolveu Sozinha

Outro

Pessoa desco-nhecida ............

16,8

21,7

32,6

3,0

6,0

10,9

6,0

3,0

100,0

Cônjuge ou ex- -cônjuge ...........

0,0

17,6

24,3

20,2

13,5

0,0

6,7

17,6

100,0

Parente ............. 0,0 19,5 0,0 35,3 9,8 0,0 35,3 0,0 100,0

Pessoa conhe-cida ..................

10,2

13,1

13,1

26,2

18,7

2,8

13,1

2,8

100,0

Total ................ 9,9 17,6 20,4 18,0 12,4 4,9 12,0 4,9 100,0

FONTE: FUNDAÇÃO INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2009: Microdados. 2009a Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/trabalhoerendimento/pnad2011/microdados.shtm>. Acesso em: 20 jan. 2013.

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A falta de provas é um motivo relativamente expressivo (16,8%) somente para pessoa desconhecida, assim como o “Não era importante” (21,7%) e o “Não acreditava na Polícia” (32,6%). Já o motivo “Não queria envolver a polícia” é motivo em cerca de um quinto dos casos (20,2%) de não procura da Polícia por agressão de cônjuge ou ex-cônjuge, 35,3% dos casos para parente e 26,2% para pessoa conhecida. No entanto, é preciso notar que, no caso de agressão de cônjuge ou ex-cônjuge, entram em pauta também a não importância (17,6% dos casos) e a descrença na Polícia (24,3% dos casos). Assim, essa pesquisa mostra certa desistência das mulheres em procurar o aparato policial, motivada principalmente por descrença nesse aparato como forma de resolução de conflitos, ou ainda, descrença na importância do conflito.

4 As mulheres agredidas por cônjuge ou ex-cônjuge e suas características

Quais as características dessas mulheres vítimas de agressão

física por cônjuge ou ex-cônjuge? O que as diferenças de distribuição de acordo com as categorias de variáveis selecionadas, em relação ao total da população feminina de 10 anos ou mais, podem indicar em termos de regularidades na ocorrência da violência doméstica? A análise das informações disponíveis a partir dessas questões pode contribuir para caracterizar, de forma mais acurada, o perfil das vítimas de violência doméstica e contribuir para a eficácia na implementação da Lei Maria da Penha.

Observe-se a Tabela 12.

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Tabela 12 Distribuição percentual da população feminina de 10 anos ou mais total e que sofreu agressão

por cônjuge ou ex-cônjuge, segundo características selecionadas, no Rio Grande do Sul — 2009

CARACTERÍSTICAS SELECIONADAS

POPULAÇÃO

Total Agredida por

Cônjuge ou Ex- -cônjuge

Situação

Urbana .......................................................................... 83,5 82,6

Rural ............................................................................. 16,5 17,4

Subtotal ....................................................................... 100,0 100,0

Cor ou raça

Indígena ....................................................................... 0,2 0,0

Branca .......................................................................... 82,3 67,4

Preta ............................................................................. 5,1 2,1

Amarela ....................................................................... 0,1 0,0

Parda ............................................................................ 12,2 30,5

Sem declaração ............................................................ 0,0 0,0

Subtotal ....................................................................... 100,0 100,0

Faixas de idade

0 a 14 anos ................................................................... 8,5 0,0

15 a 19 anos ................................................................. 9,0 2,1

20 a 29 anos ................................................................. 17,5 16,9

30 a 32 anos ................................................................. 5,3 0,0

33 a 39 anos ................................................................. 11,2 19,5

40 a 49 anos ................................................................. 17,1 31,8

50 a 65 anos ................................................................. 19,8 29,7

66 anos e mais ............................................................. 11,6 0,0

Subtotal ...................................................................... 100,0 100,0

(continua)

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Tabela 12 Distribuição percentual da população feminina de 10 anos ou mais total e que sofreu agressão

por cônjuge ou ex-cônjuge, segundo características selecionadas, no Rio Grande do Sul — 2009

CARACTERÍSTICAS SELECIONADAS

POPULAÇÃO

Total Agredida por

Cônjuge ou Ex- -cônjuge

Rendimento mensal individual (1), segundo faixas (2)

Sem rendimento ........................................................... 32,4 13,2

Até meio salário mínimo (SM) ................................... 6,2 18,2

Mais de meio a 1 SM ................................................... 17,2 26,3

Mais de 1 a 2 SMs ........................................................ 24,7 29,2

Mais de 2 a 3 SMs ........................................................ 7,4 5,5

Mais de 3 a 5 SMs ........................................................ 6,2 7,6

Mais de 5 SM ............................................................... 5,9 0,0

Subtotal ....................................................................... 100,0 100,0

Nível de instrução mais alto Sem instrução ............................................................... 5,3 11,1

Fundamental incompleto ou equivalente ................. 43,5 57,6

Fundamental completo ou equivalente .................... 9,8 4,2

Médio incompleto ou equivalente ............................. 7,1 4,2

Médio completo ou equivalente ................................. 19,4 20,8

Superior incompleto ou equivalente .......................... 5,7 2,1

Superior completo ........................................................ 8,9 0,0

Não determinado .......................................................... 0,2 0,0

Subtotal ....................................................................... 100,0 100,0

(continua)

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Tabela 12 Distribuição percentual da população feminina de 10 anos ou mais total e que sofreu agressão

por cônjuge ou ex-cônjuge, segundo características selecionadas, no Rio Grande do Sul — 2009

CARACTERÍSTICAS SELECIONADAS

POPULAÇÃO

Total Agredida por

Cônjuge ou Ex- -cônjuge

Condição de atividade (3)

Ativas ........................................................................... 57,6 77,1

Inativas ......................................................................... 42,4 22,9

Subtotal ....................................................................... 100,0 100,0

Condição de ocupação (4)

Ocupadas ..................................................................... 92,2 90,1

Desocupadas ................................................................ 7,8 9,9

Subtotal ....................................................................... 100,0 100,0

Grupamentos de atividade (5)

Agrícola ....................................................................... 16,9 8,0

Outras atividades industriais ...................................... 0,3 0,0

Indústria de transformação ....................................... 16,4 18,9

Construção ................................................................... 0,5 3,0

Comércio e reparação ................................................. 15,4 22,0

Alojamento e alimentação ......................................... 3,8 7,9

Transporte, armazenagem e comunicação ............. 1,4 0,0

Administração pública ................................................ 3,9 0,0

Educação, saúde e serviços sociais ........................... 14,8 3,0

Serviços domésticos ..................................................... 14,8 23,1

Outros serviços coletivos, sociais e pessoais ............. 5,0 14,0

Outras atividades .......................................................... 6,9 0,0

Atividades mal definidas ............................................. 0,0 0,0

Subtotal ....................................................................... 100,0 100,0

(continua)

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Tabela 12 Distribuição percentual da população feminina de 10 anos ou mais total e que sofreu agressão

por cônjuge ou ex-cônjuge, segundo características selecionadas, no Rio Grande do Sul — 2009

CARACTERÍSTICAS SELECIONADAS

POPULAÇÃO

Total Agredida por

Cônjuge ou Ex- -cônjuge

Grupamentos ocupacionais (5)

Dirigentes em geral ...................................................... 4,6 0,0

Profissionais das ciências e das artes ........................... 10,5 8,0

Técnicos de nível médio .............................................. 6,9 0,0

Trabalhadores de serviços administrativos ................. 12,4 8,0

Trabalhadores dos serviços .......................................... 26,3 48,1

Vendedores e prestadores de serviço do comércio ..... 9,9 14,0

Trabalhadores agrícolas ............................................... 16,8 8,0

Trabalhadores da produção de bens e serviços de re-paração e manutenção .................................................. 12,4 14,0

Membros das forças armadas e auxiliares ................... 0,1 0,0

Subtotal ....................................................................... 100,0 100,0

Rendimento mensal domiciliar per capita, segundo faixas (1)

Sem rendimento ........................................................... 0,5 0,0

Até um quarto de SM ................................................... 3,9 2,1

Mais de um quarto até meio SM .................................. 11,6 40,3

Mais de meio até 1 SM ................................................ 26,5 29,2

Mais de 1 até 2 SMs ..................................................... 31,8 20,8

Mais de 2 até 3 SMs ..................................................... 10,9 5,5

Mais de 3 até 5 SMs ..................................................... 7,1 2,1

Mais de 5 SMs ............................................................. 5,2 0,0

Sem declaração ............................................................ 2,4 0,0

Subtotal ....................................................................... 100,0 100,0

(continua)

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Tabela 12 Distribuição percentual da população feminina de 10 anos ou mais total e que sofreu agressão

por cônjuge ou ex-cônjuge, segundo características selecionadas, no Rio Grande do Sul — 2009

CARACTERÍSTICAS SELECIONADAS

POPULAÇÃO

Total Agredida por

Cônjuge ou Ex- -cônjuge

Condição na família

Pessoa de referência ..................................................... 28,6 74,2

Cônjuge ........................................................................ 42,4 19,5

Filho ............................................................................. 22,7 6,3

Outro parente ............................................................... 5,8 0,0

Agregado ..................................................................... 0,3 0,0

Pensionista ................................................................... 0,2 0,0

Empregado doméstico ................................................ 0,1 0,0

Parente do empregado doméstico ............................. 0,0 0,0

Subtotal ....................................................................... 100,0 100,0

Estado civil (2)

Solteira ......................................................................... 43,4 43,2

Casada .......................................................................... 39,9 28,4

Desquitada ou separada judicialmente ..................... 3,0 18,7

Divorciada .................................................................... 3,8 7,6

Viúva ............................................................................ 9,9 2,1

Subtotal ....................................................................... 100,0 100,0

FONTE: FUNDAÇÃO INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2009: Microdados. 2009a Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/trabalhoerendimento/pnad2011/microdados.shtm>. Acesso em: 20 jan. 2013.

(1) Somaram-se os rendimentos de todas as fontes. (2) Foram desconsideradas as não respostas (missing). (3) Levou-se em conta a semana de referência para pessoas de 10 anos ou mais. (4) Computada somente para as economicamente ativas. (5) Considerados somente para as ocupadas.

Enquanto não há muita diferença entre as distribuições do

total da população feminina de 10 anos ou mais e a população feminina de 10 anos ou mais vítima de agressão de cônjuge ou ex-

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-cônjuge quanto à distribuição segundo a situação rural ou urbana, é possível notar outras diferenças importantes entre essas duas subpopulações nas distribuições segundo algumas variáveis. Essas diferenças nas distribuições indicam as especificidades das mulheres vítimas de agressão em relação à população total de mulheres de 10 anos ou mais.

Em primeiro lugar, com relação à cor ou raça, há uma proporção muito menor de mulheres que se declaram de cor “Branca” em relação ao total de mulheres de 10 anos ou mais (67,4% contra 82,3% da população total), assim como uma proporção muito menor de mulheres que se declaram de cor “Preta” (2,1% contra 5,1% do total). Por outro lado, a proporção de declaradas de cor “Parda” é muito superior ao total (30,5% contra 12,2%). Com relação à idade, observa-se que as mulheres vítimas de agressão por cônjuge ou ex-cônjuge se concentram: em cerca de 19,5%, na faixa de 33 a 39 anos; 31,8% na faixa de 40 a 49 anos; e 29,7% na faixa dos 50 a 65 anos. Ou seja, nessas três faixas, estão mais de três quartos das mulheres agredidas, distribuição bem diferente daquela do total da população feminina de 10 anos ou mais, para a qual essas faixas agrupam pouco menos da metade das mulheres. As vítimas de agressão estão fortemente concentradas nas faixas de idades mais altas, principalmente nas faixas de final da vida reprodutiva. É bastante significativa e mereceria uma investigação à parte a alta proporção de mulheres na faixa de 50 a 65 anos que são vítimas de agressão física de cônjuge ou ex-cônjuge.

Com relação à renda mensal individual, é preciso notar que, a despeito de quase um terço do total da população feminina de 10 anos ou mais não possuir rendimentos individuais, a concentração de mulheres que sofreram agressão de cônjuge ou ex-cônjuge é bem menor que para aquela subpopulação (13,2% contra 32,4% da população total). Nas faixas seguintes, até dois salários mínimos, há uma ligeira maior concentração de vítimas de

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agressão com relação à população total, com destaque para a faixa de mais de um a dois salários mínimos de renda individual, que concentra quase um terço dessas mulheres (29,2%). Ao contrário, as faixas mais altas tendem a concentrar bem menos mulheres vítimas de agressão de cônjuge ou ex-cônjuge, em relação à população total. Também, ao se considerar o rendimento mensal domiciliar per capita segundo faixas, se observam distribuições análogas, com uma concentração das agredidas, em mais de dois terços (71,6%), nas faixas de até um salário mínimo de renda domiciliar per capita e com uma expressão nula, em relação à população total, nas duas faixas de renda superiores.

Ao se considerar o nível de instrução mais alto dessas populações, também segundo faixas, observa-se que as agredidas por cônjuges ou ex-cônjuges estão concentradas na faixa de Ensino Fundamental incompleto ou equivalente, com mais da metade (57,6%), contra pouco mais de um terço da população total (43,5%) que está nessa faixa. Por outro lado, uma das faixas de ensino mais altas, Superior incompleto, concentra apenas 2,1% das vítimas de agressão, um percentual bem menor em relação à mesma faixa para a população total (5,7%). A faixa de Ensino Superior completo não chega a registrar proporção para as agredidas, enquanto, nessa faixa, estão 8,9% da população total.

É possível fazer toda uma análise com relação à inserção das mulheres agredidas por cônjuge ou ex-cônjuge no mercado de trabalho, a partir da comparação dessa subpopulação com a população total. Em primeiro lugar, elas estão muito mais concentradas na condição de ativas que a população feminina total (77,1% contra 57,6%). Não há grandes diferenças em relação ao total de 10 anos ou mais com relação à situação no mercado de trabalho: 90,1% das agredidas por cônjuge ou ex-cônjuge estão ocupadas, um percentual bastante próximo dos 92,2% da população de mulheres ativas. Ao se considerarem somente as ocupadas, quanto ao grupamento de atividade e os grandes

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grupamentos ocupacionais, observam-se concentrações em relação à população total. As agredidas por cônjuge ou ex-cônjuge estão concentradas em grupamentos de atividade, enquanto o total das ocupadas está distribuído neles de forma mais uniforme. É preciso notar que quase um quarto das agredidas se concentra nos serviços domésticos (23,1% contra 14,8% do total das ocupadas); e outro tanto, no setor de comércio e reparação (22,0% contra 15,4% do total das ocupadas).

Consequentemente, quase a metade (48,1%) das agredidas por cônjuge ou ex-cônjuge trabalha nos serviços. Com relação aos grupamentos ocupacionais, é interessante notar a nula expressão na categoria “Dirigentes e técnicos de nível médio” e a menor proporção em relação ao total das ocupadas das “Profissionais das ciências e das artes” (8% contra 10,5% do total das ocupadas), “Trabalhadores dos serviços administrativos” (8% contra 12,4% do total das ocupadas) e “Trabalhadoras agrícolas” (8% contra 16,8% das ocupadas).

Com relação à condição na família, chama atenção a proporção de mulheres que são pessoas de referência: quase três quartos da população de mulheres agredidas por cônjuge ou ex- -cônjuge (74,2%), duas vezes mais que a proporção de mulheres que são pessoas de referência da população feminina total (28,6%). É importante notar também a baixa proporção de cônjuges (19,5% contra 42,4% da população total) e de filhas (6,3% contra 22,7% da população total.).

Por fim, em relação ao estado civil, é possível dizer que as mulheres que sofreram agressão se distribuem de forma um tanto quanto diferente em relação à população total de 10 anos ou mais. Estão mais concentradas nas categorias solteira (43,2%), desquitada ou separada judicialmente (18,7%) e casada (28,4%). No entanto, ao se considerar a população total, observa-se que a proporção de solteiras é similar à proporção de solteiras que é parte da população total. Por outro lado, a proporção de

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desquitadas ou separadas judicialmente e divorciadas que sofreram violência de cônjuge ou ex-cônjuge é muito superior à proporção dessas duas categorias na população total. Além disso, se as casadas são mais de um quarto das que sofreram agressão, elas estão em menor proporção em relação às casadas da população total. Assim pode-se pensar que as categorias “sin pareja”, ou sem vínculos atuais ou declarados, estão mais vulneráveis à violência de cônjuge ou ex-cônjuge do que as categorias das casadas ou mesmo das viúvas. Isso coloca certos desafios para os “operadores” da Lei Maria da Penha, que teriam que investir no tratamento de situações de ruptura, ou, ainda, não marcadamente “conjugais”.

5 Algumas considerações a partir da análise dos dados

É possível dizer que a maior parte das agredidas por cônjuge

ou ex-cônjuge, principais vítimas da violência doméstica, são, mormente, de meio urbano, mais velhas, e de cor parda. Na família, ocupam, principalmente, a posição de pessoa de referência e são de baixa extração social, o que é indicado, além da chefia familiar, pela baixa escolaridade, níveis de rendas familiar per capita e individual e pela predominância de inserção no mercado de trabalho em ocupações menos valorizadas socialmente.

Assim, é bastante possível que haja uma forte relação entre baixo nível social e violência doméstica. Nesse caso, seria necessário que a aplicação da Lei Maria da Penha desse, por parte dos gestores, uma grande ênfase à implementação de serviços caros e raros à população de baixa renda, como os de acolhimento (as “casas-abrigo”) e apoio psicossocial. Essa ênfase já está apontada em alguns programas governamentais, atualmente.

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Violência contra mulheres no Rio Grande do Sul: estudo a partir do Suplemento Vitimização e Acesso à Justiça da PNAD 2009

MARTINS, Clitia Helena Backx (Coord.). Estudos das condições das mulheres e das desigualdades de gênero existentes no Estado do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: FEE, 2014.

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Por outro lado, a baixa extração social das vítimas de violência pode estar ligada às dificuldades das mulheres agredidas em utilizarem a Lei Maria da Penha. Essas dificuldades dizem respeito ao desconhecimento dos preceitos da Lei por parte das mulheres (em especial, das medidas protetivas) (Carneiro; Fraga, 2012, p. 380) e da necessidade de denúncia e de sua manutenção para o seguimento do processo jurídico. Com relação a este último ponto, há toda uma série de fatores que levam as mulheres a desistirem de processar os agressores: a ruptura em meio à dependência emocional e financeira pode ser bastante penosa (Alves; Oliveira; Maffacciolli, 2012, p. 144; Carneiro; Fraga, 2012, p. 389). Essa necessidade da denúncia (a “ação pública condicionada”), que, de resto, é de entendimento controverso (Meneghel et al., 2013, p. 695) poderia ser revista, tornando a ação pública, como em outros casos criminais, independente da vontade do agredido.

De outra parte, essa lei convive com a precariedade de recursos humanos e físicos das Polícias e do Judiciário (Meneghel et al., 2013, p. 696), em especial com a ausência de equipes multidisciplinares nos equipamentos de Justiça (Alves; Oliveira; Maffacciolli, 2012, p. 145) e a falta de protocolos de atendimento nos serviços (Meneghel et at., 2013, p. 697). Principalmente, não há como garantir, por falta de estrutura policial, a efetividade das medidas protetivas e, assim, que o “agressor” não voltará a importunar e agredir, de qualquer forma, a “ofendida” (Carneiro; Fraga, 2012, p. 390; Meneghel et al., 2013, p. 390). Essas dificuldades parecem ser inerentes ao funcionamento do aparato policial e judiciário como um todo e ameaçam a própria efetividade da Lei.

Talvez um caminho para a redução da violência doméstica seja uma mudança de ênfase na implementação da Lei, tornando-a não tão voltada a uma criminalização que ataca os efeitos de mecanismos socioculturais. Uma forma de enfrentamento às

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Violência contra mulheres no Rio Grande do Sul: estudo a partir do Suplemento Vitimização e Acesso à Justiça da PNAD 2009

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causas da violência doméstica poderia ser uma ênfase maior na elaboração de estratégias de educação contra esse tipo de violência. Essas estratégias são de mais longo prazo, provavelmente mais onerosas ao Estado, mas poderiam ter um efeito mais perene. Também não seria demasiado dizer que, se a violência doméstica está ligada à precariedade de condições de existência, um conjunto de políticas voltado à reversão dessa precariedade certamente teria efeitos nesse fenômeno.

A natureza dos dados disponíveis limita bastante este estudo, principalmente porque não permite nenhum conhecimento sobre os agressores, o que seria de suma importância para o planejamento de políticas de combate à violência contra as mulheres. Ainda assim, este estudo, de caráter exploratório, aponta algumas tendências quanto às características das vítimas de violência doméstica que poderão ser levadas em conta nas ações governamentais e no planejamento de outras pesquisas, aplicadas ou não, na área.

Anexo

Tabela A.1 Distribuição percentual do número de pessoas de 18 anos ou mais vítimas de agressão física, segundo o sexo das vítimas, por procura à Polícia, no Rio Grande do Sul — 2009

PROCUROU A POLÍCIA SEXO

TOTAL Masculino Feminino

Sim .................................................... 50,7 55,8 52,7

Não .................................................... 49,3 44,2 47,3

TOTAL ............................................. 100,0 100,0 100,0

FONTE: FUNDAÇÃO INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2009: Microdados. 2009a Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/trabalhoerendimento/pnad2011/microdados.shtm>. Acesso em: 20 jan. 2013.

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Tabela A.2 Distribuição percentual do número de pessoas de 18 anos ou mais vítimas de agressão física que procuraram a Polícia, segundo o sexo da vítima, por realização do registro, no Rio Grande do Sul — 2009

AGRESSÃO REGISTRADA SEXO

TOTAL Masculino Feminino

Sim ..................................................................... 95,6 95,6 95,6

Não ..................................................................... 4,4 4,4 4,4

TOTAL .............................................................. 100,0 100,0 100,0

FONTE: FUNDAÇÃO INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2009: Microdados. 2009a Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/trabalhoerendimento/pnad2011/microdados.shtm>. Acesso em: 20 jan. 2013.

Referências

ALVES, E. S.; OLIVEIRA, D. L. L. C.; MAFFACCIOLLI, R. Repercussões da Lei Maria da Penha no enfrentamento da violência doméstica em Porto Alegre. Revista Gaúcha de Enfermagem, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 141-147, set. 2012. BRASIL. Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. Porto Alegre: Secretaria de Políticas Para Mulheres-RS; Companhia Estadual de Abastecimento de Água, [s. d.]. CARNEIRO, A. A.; FRAGA, C. K. A Lei Maria da Penha e a proteção legal à mulher vítima em São Borja no Rio Grande do Sul: da violência denunciada à violência silenciada. Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 110, p. 369-397, abr./jun. 2012.

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Violência contra mulheres no Rio Grande do Sul: estudo a partir do Suplemento Vitimização e Acesso à Justiça da PNAD 2009

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MENEGHEL, S. N. et al. Repercussões da Lei Maria da Penha no enfrentamento da violência de gênero. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 18, n. 3, p. 691-700, mar. 2013. POUGY, L. G. Desafios políticos em tempos de Lei Maria da Penha. Revista Katál, Florianópolis, v.13, n. 1, p. 76-85, jan./jun. 2010.

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O TRÁFICO INTERNACIONAL DE MULHERES PARA FINS DE

EXPLORAÇÃO SEXUAL

Ariane Leitão*

1 Introdução

A sociedade atual mantém a prática de hábitos herdados das gerações antepassadas. O modelo socioeconômico que colocava, no centro produtivo, a mão de obra escrava influencia o comportamento contemporâneo, criando conceitos ligados à banalização da violência contra seres humanos, considerando-os inferiores, bem como perpetuando discriminações relativas à raça, ao gênero e à classe.

A troca de seres humanos, utilizados como mercadoria, durante o período de desenvolvimento das economias mundiais, consistia em uma prática naturalizada e que atingiu, sobretudo, negros e índios. Mais tarde, porém, as mulheres também passaram a ser objeto de comercialização, visando atender às necessidades masculinas nas novas sociedades que se desenvolviam a partir das descobertas de territórios distantes do Velho Mundo.

Nesse contexto, o Brasil tem, na sua história, as marcas do tráfico internacional de mulheres para fins sexuais. A busca de mulheres europeias para o exercício da prostituição em solo brasileiro perdurou durante anos, uma vez que as mulheres que aqui residiam, em sua maioria, negras e índias, eram

* Bacharel em Direito, Secretária Estadual de Políticas para as Mulheres

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O tráfico internacional de mulheres para fins de exploração sexual

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submetidas, como parte de suas atribuições enquanto escravas, à servidão sexual.

No entanto, a realidade brasileira não apresenta mais a procura de mulheres em terras estrangeiras para exploração sexual. Na atualidade, o Brasil figura como um dos maiores “exportadores” de mulheres para o mercado internacional do sexo, tendo como destino principal as nações europeias.

No cenário global, as traficadas são oriundas de países empobrecidos e com baixos investimentos em políticas sociais, apresentam-se, em geral, fora do mercado de trabalho, tendo uma história de vida marcada pela violência e pela discriminação. O Brasil, embora convivamos com avanços permanentes em relação à aplicação de políticas públicas para as mulheres, continua representando um cenário apropriado para expansão desse crime, uma vez observados os índices de desemprego e de violência em relação à população feminina.

Com falsas promessas de emprego ou, ainda, conscientes do exercício da prostituição em outro país, milhares de brasileiras tornam-se vítimas das redes do tráfico internacional organizado, especializadas em aliciar mulheres em situação de vulnerabilidade social e econômica para fins de exploração sexual, passando pelo trabalho forçado, pela servidão doméstica e sexual e, até mesmo, pelo regime de escravidão. Dessa forma, o crime em questão apresenta-se como uma violação dos direitos humanos, consagrados universalmente, além de estar caracterizado como uma das formas modernas de escravidão.

Diante disso, apresenta-se aqui uma breve análise do crime de tráfico de mulheres para fins de exploração sexual no Brasil, a partir da perspectiva de violação dos direitos humanos das traficadas, fazendo um exame sobre os fatores sociais, econômicos, jurídicos e culturais que contribuem para a expansão desse fenômeno em nosso país, bem como sobre a responsabilidade do Estado brasileiro e da comunidade internacional em relação ao tema.

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O tráfico internacional de mulheres para fins de exploração sexual

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A próxima parte, intitulada O tráfico de mulheres e os direitos humanos, traz o exame da globalização e da crise do mundo do trabalho como fatores que contribuem para o crime, passando pela condição feminina em relação ao mercado de trabalho e pela violação dos direitos humanos sob todas as suas formas.

Em seguida, analisam-se as rotas e os fluxos pelos quais as mulheres vítimas do tráfico internacional de pessoas percorrem, identificando de onde saem e para onde vão, finalizando com o apontamento de que o Rio Grande do Sul figura como uma das rotas preferenciais para o tráfico internacional de mulheres no Brasil.

2 O tráfico internacional de mulheres e os direitos humanos

O tráfico de pessoas, sobretudo o de mulheres para

exploração sexual, é um fenômeno em expansão no Mundo. Milhares de pessoas são traficadas para os mais diversos fins, desde a exploração sexual, o trabalho escravo, passando pela servidão doméstica, até a retirada de órgãos das vítimas.

Em relação a essa problemática, diversos são os fatores que contribuem para o agravamento da situação do tráfico humano: a economia globalizada, que tem como característica a livre circulação de pessoas, associada a conceitos que incentivam o consumo e a padrões de vida cada vez mais elevados; a precarização das relações de trabalho e a consequente desigualdade social, reforçada pelo preconceito de gênero e raça; a falta de policiamento nas fronteiras, juntamente com políticas migratórias extremamente severas por parte dos países ricos; além da tímida compreensão da comunidade internacional em relação à

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O tráfico internacional de mulheres para fins de exploração sexual

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condição de violação de direitos que as vítimas desse crime sofrem, principalmente em relação aos direitos humanos.

A Organização Internacional de Migração (OIM) estima que cerca de quatro milhões de pessoas sejam traficadas, por ano, no Mundo (Marzagão Júnior, 2010, p. 11), e, segundo dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT), cerca de um milhão dessas vítimas são traficadas com a finalidade de exploração sexual, sendo que, neste caso, 98% são mulheres (Brasil, 2008, p. 5).

A situação de vulnerabilidade da população feminina é resultado de séculos de discriminações e preconceitos, que ainda constituem a realidade das mulheres em todos os cantos do Mundo. A feminização do tráfico de emigrantes é um processo diretamente ligado a um projeto laboral das vítimas e que coloca o tráfico internacional de mulheres como um crime diretamente relacionado ao mundo do trabalho (Rech, 2007, p. 499).

Além disso, a constatação de que a maioria das mulheres traficadas, quando chegam ao país de destino, é explorada sexualmente faz com que esse crime esteja imbuído de visões conservadoras, por se tratar de uma violação relacionada à sexualidade e a formas distintas de prostituição (Leal; Leal; Libório, 2007, p. 19). A visão ligada à proteção dos direitos humanos é reduzida por parte da comunidade internacional, fazendo com que a impunidade das quadrilhas seja o maior desafio a ser enfrentado para a erradicação do problema.

Questões como a globalização e o mundo do trabalho, passando pelo conceito de escravidão contemporânea, podem ser identificadas como alguns dos processos que desencadeiam o tráfico internacional de mulheres.

Para Bauman (1999, p. 85), “Hoje em dia estamos todos em movimento. No mundo que habitamos a distância não parece importar muito. Às vezes parece que só existe para ser anulada”.

A frase acima exprime a situação em que o Mundo está colocado, onde o processo de globalização é a principal causa. Na

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década de 90, a globalização impôs-se como um fenômeno de dimensão planetária, com a proposta de integração das economias e dos mercados nacionais. Esse processo compreende mais do que o fluxo monetário e de mercadoria, implica a interdependência dos países e das pessoas, além da uniformização de padrões tanto no espaço social como no cultural (Brasil Escola, 2014).

Nesse sentido, como resultado da incapacidade estatal em oferecer uma vida digna à sua população, garantindo direitos fundamentais para sua subsistência, e de um modelo que gera exclusão e violência, milhares de pessoas, dos diferentes cantos da Terra, deixam seus lares em busca de melhores condições de vida, buscando a inserção no mundo do consumo e do trabalho.

A situação de vulnerabilidade social, que é característica da maioria dos indivíduos que deixam seu país de origem, torna-os alvos fáceis para as redes do crime internacional organizado ligadas ao tráfico internacional de pessoas. Nesses casos, as vítimas sofrem violações dos direitos humanos de todos os tipos e acabam por vivenciar um processo de escravidão moderna.

O tráfico internacional de seres humanos está inserido no contexto da globalização, com a agilização das trocas comerciais planetárias ao mesmo tempo em que se flexibilizam os controles das fronteiras. Juntamente com o movimento de mercadorias, há um incremento da migração global. São milhões de pessoas em constante movimentação em busca de melhores oportunidades de trabalho e de vida (Jesus, 2003, p. 14).

O comércio do tráfico de pessoas desrespeita diversos instrumentos nacionais e internacionais de proteção aos direitos fundamentais da pessoa. Viola o direito à vida, à dignidade, à segurança individual, de ir e vir, às condições de trabalho justas e satisfatórias, à saúde e à igualdade (Rech, 2007, p. 505).

Tráfico é comércio. Tráfico de pessoas é, portanto, a coisificação do ser humano, transformado em mercadoria e tratado como tal em todos os sentidos: as pessoas são

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transportadas em condições sub-humanas, não raro oferecendo grave risco de vida, empilhadas como caixas em meios de locomoção despreparados para conduzir gente; são deixadas em locais ermos; não recebem alimentos [...]. Sem falar no objetivo final deste transporte, que é a exploração ilícita do trabalho, do sexo, da dignidade de alguém (Marzagão Júnior, 2010, p. 180).

O tráfico internacional de pessoas figura como a terceira atividade mais rentável dentre as praticadas pelo crime internacional organizado, perdendo apenas para o tráfico de drogas e o de armas, movimentando, anualmente, aproximadamente US$ 12 bilhões (Marzagão Júnior, 2010, p. 11).

O lucro das redes criminosas com o trabalho de cada ser humano transportado ilegalmente de um país para outro passa de US$ 13 mil por ano, podendo chegar a US$ 30 mil (Bonjovani, 2004, p. 29).

A globalização possui um papel importante nesse processo, pois a queda das fronteiras facilitou o trânsito de pessoas e de capital entre os países (Trenkle, 2004) e, além disso, vem fortalecendo a característica transnacional do crime organizado, fomentando novas formas de criminalidade.

Entre as principais causas do tráfico internacional de pessoas, estão: a ausência de direitos ou a baixa aplicação das regras internacionais de direitos humanos; a discriminação de gênero; a violência contra a mulher; a pobreza e as desigualdades de oportunidades e de renda; a instabilidade econômica; as guerras; os desastres naturais; e a instabilidade política (Jesus, 2003, p. 18).

As vítimas, na maioria das vezes, são mulheres e têm origem em países em desenvolvimento — Rússia, Ucrânia, Albânia, Tailândia, Nigéria, Bolívia, Brasil (Bonjovani, 2004, p. 31) e outros —, exatamente os mais afetados pelas políticas econômicas e sociais da globalização.

O crime de tráfico passou a englobar o conceito amplo de tráfico de pessoas, definido no artigo 3º do Protocolo de Palermo,

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aprovado no Congresso Nacional, pelo Decreto Legislativo nº 231/2003:

Tráfico de pessoas significa o recrutamento, transporte, transferência, abrigo e guarda de pessoas por meio de ameaças, uso da força ou outras formas de coerção, abdução, fraude, enganação ou abuso de poder e vulnerabilidade, com pagamento ou recebimento de benefícios que facilitem o consentimento de uma pessoa que tenha controle sobre outra, com propósitos de exploração. Isso inclui, no mínimo, a exploração da prostituição de terceiros ou outras formas de exploração sexual, trabalho ou serviços forçados, escravidão ou práticas similares à escravidão, servidão ou remoção de órgãos [...] (Brasil, 2003b, p. 3).

Cerca de 700 mil mulheres são traficadas, todos os anos, para a execução de trabalho forçado em outros países, sobretudo a exploração sexual. Esse cenário remete para uma situação de exclusão e preconceito, que atinge mais fortemente a população feminina em diferentes localidades, como citado anteriormente. Em muitos países, as mulheres e as meninas são desvalorizadas ou são consideradas mercadorias que têm preço no mercado do sexo (Jesus, 2003, p. 19).

A exploração sexual também é uma forma de violência, onde a globalização está inserida. O apelo ao consumo, facilitado pelas tecnologias que proporcionam a compra de serviços sexuais (Leal; Leal, 2002, p. 46), está diretamente ligado ao crime internacional organizado, onde mulheres em situação de vulnerabilidade social são colocadas nas rotas das quadrilhas do tráfico internacional de pessoas, para serem utilizadas como mercadoria sexual.

O sistema de produção globalizado não só proporciona o objeto de consumo, como também determina sua forma, criando, continuamente, novas necessidades de consumo através da influência da publicidade e do marketing na opinião pública. Entre essas novas e incessantes necessidades de consumo, estão os serviços sexuais oferecidos pelo mercado ilegal do tráfico internacional de mulheres para fins de exploração sexual, que

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colocam as mulheres como mercadoria exótica e erotizante (Leal; Leal, 2002, p. 50).

O tráfico de pessoas e a exploração sexual têm raízes no modelo de desenvolvimento desigual no mundo capitalista globalizado e do colapso do Estado, não só do ponto de vista ético, mas, sobretudo, pela diminuição do seu potencial de atenção à questão social (Leal; Leal; Libório, 2007, p. 97).

A precarização das relações de trabalho, inerente à lógica do sistema capitalista e aprofundada pela globalização, atinge diretamente as mulheres. As diferenças sexuais socialmente construídas refletem-se na divisão do trabalho, onde as tarefas mais degradantes e os salários mais baixos são destinados à população feminina (Leal; Leal; Libório, 2007, p. 43). No ponto mais baixo dessa escala social, estão as mulheres pertencentes às camadas populares, que acabam tornando-se as principais vítimas do tráfico internacional de mulheres.

A história da constituição dos direitos humanos é marcada por processos de lutas entre classes antagônicas e Estado, sempre na perspectiva de afirmação dos direitos indispensáveis à condição de vida digna do ser humano (Rech, 2007, p. 158). Ao trabalho atribui-se também a condição de direito humano, pois, através da sua garantia, outros direitos humanos se realizam, como a moradia e a alimentação, confirmando a característica de indivisibilidade e da interdependência dos direitos humanos.

Esse processo, no Brasil, vem-se dando gradativamente, e a Constituição vigente reconhece o direito ao trabalho como um dos direitos fundamentais da população brasileira, além de constar entre os princípios norteadores da Magna Carta:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I - a soberania;

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II - a cidadania;

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V - o pluralismo político (Brasil, 2005, p. 13).

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer (Brasil, 2005, p. 15).

Entretanto a adoção feita pela ordem mundial, no atual sistema político e econômico neoliberal, não vem garantindo o direito ao trabalho da maneira que os instrumentos internacionais assinalam. As violações dos direitos dos trabalhadores e das trabalhadoras são uma constante, e práticas de submissão, como o trabalho forçado, a servidão e o trabalho escravo, ocorrem em escala crescente. Esse processo de violações desencadeia também novas práticas de violência contra a humanidade, como o crescimento do trabalho infantil, da exploração sexual de mulheres e de meninas, da superexploração do trabalho, principalmente no setor agrícola, chegando até a morte de trabalhadores por exaustão (Rech, 2007, p. 145-151).

Segundo estimativas realizadas, em 2009, pelo Ministério das Relações Exteriores, mais de três milhões de pessoas deixaram o Brasil em busca de trabalho. EUA, Europa e América do Sul são os principais destinos (Andrade, 2010). A desigualdade social e a concentração fundiária são os fatores que influenciam diretamente o fluxo emigratório dos brasileiros e das brasileiras (Rech, 2007, p. 502).

Chegando ao destino planejado, os imigrantes representam os grupos de nível mais baixo do mercado de trabalho desregulamentado e, vivendo na ilegalidade, são utilizados com o

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propósito de reduzir ainda mais os salários dos "nativos" (Trenkle, 2004). A entrada no mercado informal é praticamente inevitável, e o cenário da exploração faz parte da realidade da imigração. Aliado a isso, verifica-se o forte preconceito, fortalecido pelas políticas de anti-imigração. O cotidiano é violento, o racismo e a xenofobia refletem-se nas crescentes tendências ao fechamento de fronteiras.

A vulnerabilidade desses grupos contribui para a atuação das redes internacionais do crime organizado, especialmente as quadrilhas ligadas ao contrabando ilegal de imigrantes e ao tráfico de pessoas. Estimativas da Organização Internacional de Migração indicam que, em dezembro de 2001, 200 milhões de imigrantes clandestinos estavam sob o controle do crime organizado.

Entretanto é importante salientar a diferenciação do conceito de imigração ilegal e tráfico de pessoas:

É preciso considerar que, enquanto toda a forma de tráfico é ou deve ser considerada ilegal, nem toda forma de imigração ilegal é ou deve ser considerada tráfico. Imigração ilegal não é tráfico, embora alguns casos de tráfico de pessoas sejam realizados por meios das mesmas estratégias utilizadas pela imigração ilegal. [...] O tráfico pressupõe exploração, e o contrabando de imigrantes não necessariamente (Jesus, 2003, p. 17).

Pela diferenciação sutil que essas práticas criminosas apresentam, a existência de conceitos confusos e a implementação de políticas restritivas, adotadas pelos países receptores, discriminam as vítimas e acabam contribuindo para a expansão do tráfico internacional de pessoas.

É preciso reconhecer que as leis de combate à imigração ilegal ou ao contrabando de imigrantes podem contribuir para o tráfico na medida em que impedem o acesso à proteção legal necessária para as vítimas do tráfico (Jesus, 2003, p. 17).

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Nesse sentido, protocolos suplementares foram apresentados à Convenção Sobre Crime Organizado Transnacional da Organização da Nações Unidas (ONU), definindo o conceito de contrabando e especificando as práticas exigidas para sua caracterização. O Protocolo Adicional Contra o Contrabando de Imigrantes por Terra, Mar ou Ar apresenta a definição:

Contrabando de pessoas consiste na consecução, para obter, direta ou indiretamente, um benefício financeiro ou outro benefício material, da entrada ilegal de uma pessoa em um Estado-membro do qual a pessoa não é nacional ou um residente permanente (Jesus, 2003, p. 17).

Em relação ao tráfico de pessoas, a ideia que diferencia as ações delituosas está no do uso da coerção, do engodo ou de outra forma ilícita durante o processo de convencimento, transporte e abrigo da vítima do tráfico. Ou seja, a pessoa traficada não deve ser tratada como alguém que procurou realizar a imigração ilegal.

Segundo relatório apresentado pela OIT em 2005, estima-se em 2,4 milhões o número de pessoas no Mundo que foram traficadas para serem submetidas a trabalhos forçados. Desse total, 43% das vítimas são subjugadas para exploração sexual, 32% para exploração econômica, e os 25% restantes para uma combinação dessas formas por razões indeterminadas (Leal; Leal; Libório, 2007, p. 44).

Portanto, a relação entre o trabalho e o tráfico de pessoas fica estabelecida de forma objetiva. Atualmente, o entendimento internacional sobre o tráfico de pessoas salienta as condições de fim, a situação do trabalho forçado semelhante à escravidão (Kempadoo, 2006, p. 4), remetendo ao tráfico de pessoas o conceito de escravidão contemporânea, em função das quais ocorre o recrutamento e o transporte de pessoas através das fronteiras nacionais.

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2.1 O trabalho, as mulheres e a violação dos direitos

humanos

Conforme já assinalado, as mulheres estão entre as camadas mais vulneráveis da população mundial, situação causada, sobretudo, pela insuficiência do mercado de trabalho em absorver a demanda feminina, e, quando absorve, na maioria dos casos, não oferece condições de igualdade em relação aos homens.

A feminização das migrações, ou seja, o deslocamento de mulheres em busca de trabalho, representa cerca de 48% do total de migrantes no Mundo (Rech, 2007, p. 502). Na América Latina, os dados sobre imigração revelam que, entre as três principais características sociodemográficas, em destaque, está a elevada participação feminina nos processos migratórios (Andrade, 2010).

As mulheres representam também as principais vítimas do tráfico internacional de pessoas, destinadas especialmente para exploração sexual e para a servidão doméstica e sexual, correspondendo a 98% dos indivíduos traficados para essa modalidade de exploração, conforme citado anteriormente.

A globalização de mercado e o neoliberalismo têm fragilizado e vulnerabilizado sujeitos sexualmente explorados, seja pela precarização das relações de trabalho, pela baixa inclusão nas políticas sociais ou por um discurso legal, ainda moralista e repressor, que favorece a impunidade e provoca pânicos morais (Leal; Leal; Libório, 2007, p. 98).

A mudança do conceito relativo à questão do tráfico de mulheres, ocorrida no final do século XX, em contexto internacional, passou a entender esse fenômeno não mais como prostituição, passando a ser encarado como um processo de migração irregular e trabalho forçado (Kempadoo, 2006, p. 5). Essa alteração é considerada um avanço, pois, quando o tema em pauta se trata de tráfico internacional de mulheres para fins de

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exploração sexual, o conceito estabelecido pela população em geral é o de que esse assunto faz parte do âmbito privado das pessoas, pois trata de sexualidade, culturalmente vista sob uma racionalidade repressiva e objeto de tabu.

A estigmatização feminina, associada ao preconceito existente à prática da prostituição como forma de trabalho, contribui para a violência contra as mulheres-vítimas, tanto nos países receptores como nos de origem, bem como para a impunidade dos criminosos.

A partir de uma perspectiva ligada aos direitos humanos das mulheres e do reconhecimento internacional da prostituição como uma forma legítima de trabalho, o tráfico deixou de ser encarado como um processo de prostituição ligado puramente à sexualidade, para ser entendido como comércio e exploração do trabalho em condições de coação e força (Kempadoo, 2006, p. 5).

A mulher que é vítima do tráfico de pessoas é comercializada como uma mercadoria, ou seja, suas características devem atender às necessidades de quem procura esses tipos de serviços, tendo em vista raça, nacionalidade, classe, etnia e idade. Ou seja, o seu valor de uso.

No caso do tráfico de pessoas, a mercadoria pode ser comercializada várias vezes (Leal; Leal; Libório, 2007, p. 18), diferentemente dos outros tipos de tráfico, como o de drogas ou o de armas. Dessa forma, a exploração da força de trabalho feminina destinada à satisfação das necessidades sexuais de homens das mais diferentes nacionalidades, em diversos lugares do Mundo, transforma-se em um negócio rentável, fomentado, sobretudo, pela mercantilização do sexo, situação inerente ao sistema capitalista.

Daí a relevância da Política Nacional quando esta exclui qualquer forma de consentimento (obtido ou não sob ameaça, violência, fraude, etc.) como elemento para se identificar uma situação de tráfico de pessoas (Ministério da Justiça, 2013a, p. 24).

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Ainda que de forma inconsciente, a inserção no mercado

internacional do sexo, através do tráfico, apresenta-se como uma alternativa em busca de melhores condições de vida, não oferecidas em seus países de origem, uma vez que o tráfico internacional de mulheres para fins sexuais se origina nos países periféricos e se destina aos países desenvolvidos. A discriminação de gênero, associada à ausência de oportunidades laborais e à violência doméstica, é causa da expansão do tráfico internacional de mulheres. A pobreza feminina, fenômeno crescente, faz com que as mulheres se submetam à coação dos traficantes por força da necessidade de sobrevivência, em razão da falta de perspectivas de vida futura (Leal; Leal; Libório, 2007, p. 45).

Em relação aos direitos humanos, o tráfico para fins sexuais apresenta-se como uma relação criminosa de violação de direitos, colocando o Estado e a sociedade como responsáveis na tarefa de enfrentar esse crime:

[...] o contexto multidimensional do fenômeno que, acredita-se, tem suas determinações não somente na violência criminal, mas sobretudo nas relações macro- -sociais (mercado globalizado e seus impactos na precarização do trabalho, migração, na expansão do crime organizado e da exploração sexual comercial). Fundamenta-se também nas relações culturais (valores patriarcais, machistas, de classe, de gênero/etnia, e adultocêntricos que inserem mulheres, crianças e adolescentes em relações desiguais de poder) (Leal; Leal, 2002, p. 30).

Portanto, entre as formas modernas de escravidão, coloca-se o tráfico internacional de mulheres, sobretudo em razão das condições vividas por elas ao desempenharem as atividades de trabalho impostas pelos criminosos das redes de aliciamento. Esse comércio desrespeita diversos instrumentos nacionais e internacionais de proteção dos direitos fundamentais da pessoa, como os direitos à vida, à liberdade, à saúde, ao trabalho digno, à segurança individual e à igualdade.

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O problema do tráfico não é novo. É uma forma moderna de escravidão que persistiu durante todo o século XX, que o mundo democrático ocidental pensava estar extinto. O combate ao tráfico, em sua nova configuração, deve alinhar-se com a garantia dos direitos humanos fundamentais das mulheres. [...] O tráfico está presente em países em que há sistemáticas violações aos direitos humanos (Jesus, 2003, p. 15).

Da mesma forma, vale salientar que esse crime, além de violar vários direitos, sob a ótica do ordenamento jurídico brasileiro, viola um dos princípios fundamentais garantidos pela Constituição Federal, relativo à dignidade da pessoa humana. Princípio este que agrega, em torno de si, a unanimidade dos demais direitos e das garantias fundamentais do homem:

A dignidade da pessoa humana encontra-se no epicentro da ordem jurídica brasileira, tendo em vista que concebe a valorização da pessoa humana como sendo razão fundamental para a estrutura de organização do Estado e para o Direito (Guerra, 2006, p. 27).

A tendência mundial de defesa dos direitos humanos coloca esse princípio no centro das análises internacionais, principalmente a partir da segunda metade do século XX, período pós-Guerra, reconhecendo que os indivíduos possuem direitos inerentes à sua existência e que devem ser protegidos:

No momento em que os seres humanos se tornam supérfluos e descartáveis, no momento em que vige a lógica da destruição, em que cruelmente se abole o valor da pessoa humana, torna-se necessário à reconstrução dos direitos humanos, como paradigma ético capaz de restaurar a lógica razoável [...]. Se a Segunda Guerra significou a ruptura com os direitos humanos, o Pós-Guerra deveria significar a sua reconstrução (Piovesan, 2002, p. 131-132).

A Carta das Nações Unidas de 1945, a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e a Conferência Mundial de Direitos Humanos de 1993, em Viena, representam marcos

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importantes para a consolidação da ideia de universalização dos direitos da pessoa, tendo, no centro, a defesa da dignidade humana.

Esses movimentos, de reivindicação da necessidade de garantia estatal e jurídica dos direitos humanos, influenciaram para que o combate ao tráfico internacional de pessoas, sobretudo o de mulheres, entrasse para a agenda política das nações.

Mesmo não estando entre os temas prioritários da comunidade universal, a instituição dos documentos internacionais e das leis internas iniciaram um processo de mobilização para o enfrentamento desse crime em todos os cantos do Mundo, pois se trata de um crime em que os países, tanto na condição de emissores como de receptores, acabam por ser atingidos.

3 Rotas do tráfico de pessoas Discussões realizadas em âmbito internacional têm

demonstrado a relação entre as rotas do tráfico de pessoas, em especial de mulheres para fins de exploração sexual, os fluxos migratórios, os modos de exploração econômica e os níveis de desenvolvimento. Originários dos países em desenvolvimento, os maiores fluxos de pessoas identificados têm como destino países já desenvolvidos.

A maioria das rotas identificadas são dentro de uma mesma região, ou seja, países de um mesmo continente, seguida de um quarto dos casos de tráfico de pessoas que são entre diferentes regiões (por exemplo, da América do Sul para a Europa) e 27% dos casos de tráfico que são de tráfico interno. Isto se explica porque distâncias menores são mais fáceis para se operacionalizar e controlar do ponto de vista do modus operandi (Ministério da Justiça, 2013a, p. 100).

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As rotas do tráfico de pessoas acompanham as rotas do mercado internacional. As mulheres são recrutadas em países com baixos desenvolvimentos social e econômico, os chamados países de origem, e transportadas para os países receptores, em geral, desenvolvidos. Existem ainda os países chamados transitórios, onde as vítimas permanecem por algum tempo, até a chegada ao destino final da viagem (Bonjovani, 2004, p. 21).

No Brasil, particularmente, foram identificadas 240 rotas em 19 estados e no Distrito Federal, basta identificar

[...] as cidades próximas às rodovias, portos e aeroportos, oficiais ou clandestinos, ou seja, “os pontos de fácil mobilidade”, que casos de tráfico de pessoas podem ser identificados. As vias utilizadas são as mais diversas, ou quase todas as vias disponíveis: terrestres, aéreas, hidroviárias e marítimas (Leal; Leal, 2002, p. 67).

O destino principal das brasileiras é o mercado europeu, sendo a Espanha o país que se destaca na exploração sexual de mulheres brasileiras, logo depois vem a Holanda. Entretanto existe um considerável número de rotas para a América do Sul, liderada pela Venezuela, pelo Suriname e pela Guiana Francesa, e ainda para a Ásia (Leal; Leal, 2002, p. 101).

Particularmente no caso do tráfico de pessoas entre regiões diversas, pessoas traficadas do Sul e Leste da Ásia foram identificadas com mais frequência nas Américas: 28% na América do Norte, Central e Caribe, e 10% na América do Sul. Já as vítimas da América do Sul, América Central e Caribe foram identificadas em números significativos na Europa Central e Ocidental, principalmente brasileiras, colombianas e paraguaias. Por exemplo, o MRE/DAC relata que Espanha, Holanda e Suíça são os países europeus onde mais vítimas brasileiras foram encontradas (Ministério da Justiça, 2013a, p. 101).

Do Norte brasileiro, as mulheres são levadas para a Guiana Francesa, o Suriname, a Venezuela e a Bolívia na América do Sul e para a Espanha, a Holanda e a Alemanha na Europa. As Cidades

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de Belém, Manaus e Boa Vista são as principais localidades de origem das traficadas dessa região (Leal; Leal, 2002, p. 73).

Além disso, no Norte, o tráfico de mulheres está fortemente ligado ao tráfico de drogas e com redes de falsificação de documentos. Conforme a Pesquisa Sobre Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes Para Fins de Exploração Sexual Comercial (Pestraf), o tráfico de mulheres e adolescentes nessa parte do País está também relacionado com a existência da prática de aviamento, vinculada à prostituição, principalmente nos garimpos e nos grandes projetos de mineração.

A prática da migração é naturalizada nessa região, reflexo das condições sociais e econômicas do local, extremante precárias, sendo assim, o mercado do sexo internacional acaba sendo uma alternativa à miséria e ao desemprego.

Na Região Nordeste, o tráfico de mulheres alimenta sobretudo os mercados europeus: Holanda, Espanha, Suíça, Itália e Portugal, embora Israel, os EUA, o Japão, o Suriname, a Argentina e a Guiana Francesa também recebam mulheres nordestinas. Os Municípios de São Luís, Recife, Fortaleza e Salvador são os pontos de saída das vítimas. É importante salientar que aqui as rotas do tráfico de mulheres se relacionam com as rotas do turismo sexual. Diariamente, as cidades do Nordeste recebem muitos turistas estrangeiros, por isso, as propostas de casamento estão entre os principais métodos de aliciamento para o tráfico internacional (Leal; Leal, 2002, p. 74).

Das Cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro saem o maior número de brasileiras da Região Sudeste, que são, geralmente, levadas para Espanha, Portugal, Suíça, Holanda, Itália, Alemanha e, ainda, EUA, Japão, Israel e Paraguai (Collares, 2004, p. 33). Ocorre que mulheres de todas as regiões do País são encaminhadas até o Sudeste, para, de lá, serem transportadas até o país de destino, caracterizando essa região como ponto intermediário do tráfico de mulheres, uma vez que possui os aeroportos de maior tráfego aéreo do País.

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Segundo levantamento da Polícia Federal, tanto o Estado do Rio de Janeiro como o de São Paulo destacam-se entre aqueles que apresentam os maiores números de casos de tráfico de mulheres do Brasil. Concomitantemente, nesses estados, existe um grande número de inquéritos abertos para a investigação desses casos.

O Centro-Oeste é responsável pelas rotas internacionais relativas à Espanha, à Holanda, a Portugal, à Itália, à Alemanha, à Bolívia e ao Paraguai. Nessa região, Goiás é o estado onde está localizado o maior número de casos de tráfico de mulheres em todo o País (Leal; Leal, 2002, p. 75).

E, por fim, na Região Sul, traficam-se mulheres para a Argentina, o Paraguai, a China, Portugal e a Espanha. As Cidades de Uruguaiana, Porto Alegre e Foz do Iguaçu são utilizadas pelas mulheres como saída do País. Recentemente, contrariando várias avaliações sobre o baixo desenvolvimento econômico e o tráfico humano, o Estado do Rio Grande do Sul foi apontado como uma das principais rotas do País referente ao tráfico de mulheres (Leal; Leal, 2002, p. 76).

Com o detalhamento das rotas e de seus destinos, é possível identificar os países que mais recebem mulheres brasileiras. Nesses países, por sua vez, estão organizadas as grandes redes internacionais, às quais são creditadas as movimentações ilícitas de seres humanos.

3.1 Rio Grande do Sul na rota de tráfico de mulheres

Para atuar, efetivamente, em relação à repressão do tráfico

humano, desde outubro de 2006, o Brasil possui a Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, instituída pelo Decreto Presidencial nº 5.948, que possibilitou incorporar o tema à agenda pública governamental. Tendo como base essa política e com o entendimento de que o trabalho precisa ser contínuo e

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permanente, o Governo Federal apresentou, recentemente, o II Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (Brasil, 2013b).

Além dessa diretriz nacional, o Rio Grande do Sul, mesmo não possuindo uma política específica para esse tema, em nível estadual, conta com o Comitê Estadual de Atenção a Migrantes, Refugiados, Apátridas e Vítimas de Tráfico de Pessoas do Estado do Rio Grande do Sul (Comirat), designado, pelo Decreto nº 49.729/2012, como espaço para implementação das orientações nacionais relativas ao enfrentamento a esse crime.

No Estado, essa tem sido também pauta constante nas atividades promovidas pela Secretaria de Políticas Para as Mulheres do Rio Grande do Sul (SPM-RS), criada em 2011, pela Lei nº 13.601. Implementar políticas públicas que retirem mulheres e meninas da condição de vulnerabilidade social e que, consequentemente, anulem sua exposição às redes de tráfico são iniciativas constantes da pasta. Promover a autonomia, a geração de emprego e renda, a qualificação intelectual e a construção da cidadania estão no centro das ações públicas desenvolvidas no Rio Grande do Sul.

No entanto, na última década, o estado gaúcho apresenta-se como uma das rotas preferenciais para o tráfico de mulheres para fins de exploração sexual. Conforme pesquisa divulgada pelo Ministério da Justiça (2006), as Cidades de Uruguaiana e de Caxias do Sul destacam-se, apresentando o maior de número de casos.

Mais recentemente, o diagnóstico apresentado pelo Projeto Estratégia Nacional de Segurança Pública nas Fronteiras (Enafron) em 2013 revela que os principais locais de aliciamento no Estado são Porto Alegre, Caxias do Sul, Santa Maria, Uruguaiana e Passo Fundo. Em relação ao tráfico internacional de pessoas, países como Espanha, Itália, Portugal e Alemanha estão entre os principais destinos das vítimas (Ministério da Justiça, 2013a, p. 188).

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O Rio Grande do Sul ainda apresenta casos de tráfico interno para fins de exploração sexual. Os principais destinos das vítimas são cidades fronteiriças, como Uruguaiana e Santana do Livramento.

No extremo sul do Brasil, o Rio Grande do Sul é o quinto estado mais populoso do País, com 10.735.890 habitantes distribuídos em 496 municípios. Sua área, de 281.758,5 km2, faz divisa com Santa Catarina e fronteira com a Argentina e o Uruguai (Ministério da Justiça, 2013a, p. 78).

[...] é o estado da área de fronteira com o maior número de cidades-gêmeas. Aceguá, Quaraí, Santana do Livramento, Rio Branco e Chuí são cidades--gêmeas, respectivamente, com Acequá, Artigas, Rivera, Jaguarão e Chuy, no Uruguai. Barra do Quaraí faz tríplice fronteira com Bella Unión, no Uruguai, e Monte Caseros, na Argentina. São Borja, Itaqui, Uruguaiana e San Javier são cidades-gêmeas, respectivamente, com Santo Tomé, Alvear, Paso de Los Libres e Porto Xavier, na Argentina (Ministério da Justiça, 2013a, p. 78).

Estatísticas apresentadas pela pesquisa Enafron em 2013

apontam que, em relação ao tráfico de pessoas para fins de exploração sexual, entre os anos de 2005 e 2011, a Polícia Federal registrou 13 procedimentos instaurados no Rio Grande do Sul.

As condições econômicas locais, com a existência de polos regionais de produtividade, juntamente à atratividade formativa e cultural, especialmente para os jovens, no entorno das universidades e serviços, são fatores que favorecem a ação de quadrilhas (Silva, 2005, p. 22). Embora o crime de tráfico de mulheres seja associado, invariavelmente, à vulnerabilidade, os indicadores revelam que a proximidade com a fronteira, como é o caso da Cidade de Uruguaiana, e a apresentação de polos econômicos globalizados, com infraestrutura e transporte, como em Caxias do Sul, também podem representar um cenário propenso para o aliciamento de mulheres, uma vez que abre a

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possibilidade de interação com as mais diferentes nacionalidades no Rio Grande do Sul.

Os países do Mercado Comum do Sul (Mercosul), principalmente, Argentina e Uruguai, são caracterizados tanto como lugares de passagem como de destino. A região fronteiriça acaba estabelecendo relação com outros crimes ligados ao tráfico internacional, como o de drogas, o de armas e o de mercadorias, fazendo com que esses sejam naturalizados naquela região, o que acaba encobrindo o tráfico de pessoas (Silva, 2005, p. 15).

Além da conexão do crime com o Mercosul, China (Hong Kong), Portugal e Espanha também representam rotas internacionais de destino para mulheres gaúchas. Da serra, tem-se a conexão asiática; e, da fronteira, a conexão ibérica (Silva, 2005, p. 15).

O perfil das traficadas é exatamente o mesmo da média geral, ligado à pobreza, baixo índice de escolaridade, relações familiares desestruturadas e histórico de violência (Silva, 2005, p. 22). Os aliciadores, aqui também, operam com falsas promessas de emprego com altos ganhos, atuando em casas noturnas e agências de turismo.

As mulheres são transportadas tanto por via aérea comercial como por via terrestre. São utilizados os aeroportos de Caxias do Sul, Uruguaiana, São Paulo e Rio de Janeiro, bem como a ponte internacional que liga Uruguaiana a Passo de Los Libres (Silva, 2005, p. 19).

Tais dados indicam a necessidade de um olhar especial das autoridades locais e da sociedade gaúcha, pois a relação estabelecida pelo senso comum do tráfico de mulheres no Brasil, especialmente nas Regiões Norte e Nordeste, facilita a atuação dessas quadrilhas. Embora, do ponto de vista orçamentário, essas regiões recebam mais investimento, tanto governamental como internacional, para enfrentamento desse crime, é necessário que, também no Rio Grande do Sul, seja fortalecida a implementação de um conjunto de ações que visem coibir as redes de aliciamento

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de mulheres e que consigam mobilizar a sociedade gaúcha para o tema.

No Rio Grande do Sul, percebe-se ainda a ideia de universalidade desse crime, mostrando que o movimento migratório humano é um fenômeno diretamente ligado ao processo de globalização, à movimentação do mercado internacional e, sobretudo, à incessante entrada no mundo do trabalho e que as mais diferentes regiões do Mundo podem estar sendo atingidas pelo tráfico de seres humanos (TSH), recepcionando e enviando mulheres para fins de exploração sexual.

A humanidade vem sofrendo as consequências desse crime, que favorece a percepção de que a vida humana se tornou tão insignificante, colocada aos sabores do mercado, tanto quanto qualquer outra mercadoria a ser traficada.

Dentro dessa rota seguida pelo tráfico internacional de pessoas, o Brasil apresenta um cenário que dificulta o enfrentamento à problemática: é um país de origem, trânsito e destino de vítimas de tráfico de pessoas (Ministério da Justiça, 2013a, p. 103).

No entanto, aqui no Rio Grande do Sul, projetos, sob a perspectiva de fomentar respostas para reverter esse cenário, estão sendo galgados com a inserção de equipamentos de assistência às pessoas traficadas e aos migrantes, como o recentemente criado Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas do RS.

Além das instituições da rede de assistência social que fazem este tipo de atendimento, o Centro de Referência de Atendimento à Mulher em Situação de Violência, vinculado à Secretaria de Políticas para as Mulheres, atende as mulheres traficadas recambiadas dos seus municípios de origem (Ministério da Justiça, 2013a, p. 201).

Especificamente nas regiões de fronteira, com maior propensão a se tornarem rotas do tráfico de pessoas para fins de

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exploração sexual, já estão sendo desenvolvidas ações para combater esse crime. Em Jaguarão, por exemplo, estão em andamento a implementação da Coordenadoria da Mulher e a do Centro de Atendimento às Mulheres em região de fronteira seca, a ser instalado também em Santana do Livramento, que já conta com a Coordenadoria da Mulher,

[...] uma iniciativa positiva que visa articular o atendimento à mulher em situação de violência, incluindo a possibilidade de atenção estruturada e específica para vítimas do tráfico de pessoas (Ministério da Justiça, 2013a, p. 201).

Além disso, o Rio Grande do Sul ainda possui ferramentas não governamentais empregadas para o atendimento da população migrante.

A CIBAI-Migrações é uma entidade de referência no acolhimento e assistência à população migrante no estado. Outra organização da sociedade civil que pode ser apontada como uma referência para pessoas traficadas é a Igualdade-RS (Associação de Travestis e Transexuais do Rio Grande do Sul). A Associação Antônio Vieira (ASAV), associação católica dos jesuítas, também ganha destaque no Rio Grande do Sul pelo trabalho que desenvolve junto a pessoas em situação de refúgio. Desde 2003, a ASAV, em parceria com o Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE) e o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), atua diretamente com refugiados no âmbito do Programa de Reassentamento de Refugiados no Brasil (Ministério da Justiça, 2013a, p. 201).

Dessa forma, os dados apresentados pela pesquisa Enafron

(Ministério da Justiça, 2013a) demonstram que, apesar da incidência, no Rio Grande do Sul, do tráfico de pessoas para fins de exploração sexual, em relação a outros estados de fronteira, o Estado está amplamente amparado pelas políticas públicas de atendimento à população vulnerável ao TSH, contando, ainda, com o empenho permanente de organizações da sociedade civil.

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4 Considerações finais Conforme os dados analisados neste artigo, constata-se que o

tráfico internacional de pessoas é um crime que atinge principalmente as mulheres e destina-se, na maioria das vezes, à exploração sexual das vítimas. Crime este que viola os direitos humanos sob todas as suas formas, sendo caracterizado como um exemplo de escravidão contemporânea.

Apesar de se encontrar, na literatura, grande número de obras que versam sobre a questão do TSH, ainda há carência de dados atualizados sobre o tema, principalmente com especificações regionais do Brasil. Considera-se a violação dos direitos humanos como principal agravante para esse tipo de crime. Identificados, em sua grande maioria, em países em desenvolvimento, em reconstrução, em situações de conflito ou de pós-conflito, os registros sobre tráfico de pessoas, para qualquer fim, são consideravelmente altos.

Ainda que se falasse em um número reduzido de vítimas, o tráfico de pessoas precisa ser amplamente enfrentado, uma vez que viola a dignidade da pessoa humana, transformando-a em objeto a ser comercializado.

Na atualidade, as mulheres estão incluídas entre as parcelas da população mundial mais atingidas pelo modelo neoliberal, alicerçado na globalização e na flexibilização de direitos sociais, gerando desemprego, pobreza e desigualdade.

Aliado a isso, a população feminina sofre com estigmatizações, de ordem cultural, ligadas a conceitos que impõem à mulher a condição de inferioridade em relação ao homem. Esse modelo social cria uma dominação masculina que condiciona as mulheres a um papel de fragilidade e submissão.

Esse contexto coloca as mulheres como alvos prioritários das redes internacionais de exploração sexual. O Brasil é um dos países que se destaca no envio de mulheres para o mercado

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internacional do sexo, apresentando um cenário social caracterizado pela precarização das relações de trabalho em relação à população feminina.

As políticas públicas específicas para as mulheres ainda não comportam a totalidade do território brasileiro, embora se tenham expandido de forma contundente a partir da criação da Secretaria de Políticas Para as Mulheres da Presidência da República, no ano de 2003. Impulsionada pelo movimento social feminista, a pasta incentiva a instituição de secretarias em nível estadual, como a SPM do Rio Grande do Sul. No entanto, ainda é necessário que as políticas específicas estejam entre as prioridades das agendas políticas locais. Só assim, serão combatidos mais efetivamente esse crime e tantas outras formas de violência e preconceito que atingem as brasileiras, fruto de uma sociedade alicerçada em princípios machistas e patriarcais, que tratam a sexualidade feminina como um tabu.

A legislação brasileira específica sobre o tema apresenta a necessidade de avanços, principalmente na esfera penal. A adequação da lei do Brasil à realidade existente em relação às mulheres brasileiras e a desconstrução de interpretações limitadas e discriminatórias, com destaque ao que diz respeito ao exercício da prostituição, figuram entre os elementos principais de mudança. Embora a ampliação do sujeito passivo do delito de tráfico humano, incluindo também homens, represente progresso significativo em relação à legislação nacional em questão, colaborando para o combate à estigmatização feminina, característica nesse crime.

Os instrumentos internacionais que versam sobre TSH trazem amplas garantias em relação aos direitos humanos das mulheres, bem como representam uma forma global de combate ao crime. Entretanto a falta de comprometimento dos países enriquecidos, principais receptores de mulheres-vítimas, ainda é reduzido, e os órgãos de proteção aos direitos humanos, em nível internacional,

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têm seu poder de eficácia comprometido em consequência da tímida cooperação internacional atualmente existente.

No entanto, várias são as ações sendo desenvolvidas, tanto no Brasil como no exterior, a fim de erradicar essa prática violadora de direitos da realidade das mulheres. No Brasil, desde no Legislativo até na sociedade civil, iniciativas voltadas ao combate e à prevenção do TSH são pautas constantes.

Além disso, organismos internacionais vêm trabalhando no sentido de sensibilizar os diversos países para o problema e desenvolvendo projetos importantes, direcionados para o enfrentamento ao tráfico humano, em especial o de mulheres. O Brasil também tem sido parceiro, sendo sede para atividades específicas sobre o tema, organizadas principalmente pela ONU, com a participação de órgãos governamentais e da sociedade civil voltados ao enfrentamento do crime.

As perspectivas que envolvem a problemática do tráfico internacional de mulheres no Brasil estão diretamente ligadas à implementação de políticas sociais que proporcionem maior autonomia às mulheres brasileiras, gerando emprego e renda, retirando-as da situação de tráfico e colocando-as como parte da sociedade, como cidadãs com direitos garantidos pela Constituição.

Da mesma forma, é necessário maior conhecimento do tema pelas autoridades brasileiras, facilitando o trabalho desenvolvido e evitando práticas discriminatórias. Também é imprescindível a implementação de uma política internacional de cooperação que insira todas as nações e que comprometa os países receptores quanto à garantia de direitos da humanidade, desenvolvendo a compreensão global da violação dos direitos humanos que esse crime representa.

Por fim, salienta-se que esse é um fenômeno em expansão, pois está relacionado, sobretudo, à crise do mundo do trabalho vivida na atualidade, como consequência do sistema econômico-social imposto aos povos de todo o Mundo. Portanto, a

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necessidade de combatê-lo é de responsabilidade de todas as nações, pois está em jogo a vida de milhares de pessoas, sobretudo mulheres, e a lógica do mercado não pode também regular esse direito.

Tratar de um tema voltado aos direitos fundamentais, sobretudo aos direitos humanos das mulheres, condicionadas à situação de extrema vulnerabilidade em tantos lugares do Mundo, inclusive no Brasil, e a relação desse contexto com o tráfico internacional de pessoas são os motivos impulsionadores deste artigo. O crime organizado internacional vem crescendo dentro dos modelos social e econômico mundiais, e essa relação guarda questões comuns ligadas à mercantilização da vida e à submissão das populações ao mundo do consumo.

Trata-se de um crime silencioso, que atinge milhares de mulheres e que, muitas vezes, acaba impune, tanto pela invisibilidade das vítimas, uma vez analisada a condição social das mesmas, quanto por estar relacionado à sexualidade, assunto que, no imaginário popular, em geral, é de âmbito privado e, logo, não deve ser debatido.

É pelo interesse em romper com a lógica que escraviza mulheres em todos os cantos do Mundo e que nos impõe um papel de submissão, violência e preconceito que o tema se apresenta com relevante consideração para ser debatido e denunciado. A busca incessante por uma sociedade onde sejamos realmente livres das amarras da desigualdade é fator estimulante para apresentar este estudo como ferramenta para a valorização da vida, dos direitos humanos.

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A EVOLUÇÃO DO PADRÃO DE DESIGUALDADE DE GÊNERO NO

MERCADO DE TRABALHO DOS ANOS 2000

Irene Maria Sassi Galeazzi*

1 Introdução

O caráter que revestiu o crescimento recente da participação das mulheres no mundo do trabalho não se fez acompanhar por alterações significativas no padrão de desigualdade que, tradicionalmente, marca a presença de homens e mulheres na sociedade.

Os mecanismos discriminatórios que, historicamente, acompanham a inserção das mulheres na sociedade foram transferidos para as relações de trabalho, concomitantemente ao crescente avanço da presença feminina na força de trabalho. Tal realidade pode ser evidenciada a partir do estudo das relações sociais de trabalho e, especialmente, das formas como homens e mulheres se inserem no mercado de trabalho, as quais, por ocorrerem em um espaço público — o espaço da produção —, permitem grande visibilidade e melhor apreensão das desigualdades de gênero. _______________________ *Socióloga, Pesquisadora.

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As identidades masculina e feminina, configurações social e culturalmente estabelecidas,1 mantêm seus efeitos na construção do sujeito feminino trabalhador, resultando em maior exposição das mulheres ao desemprego, maior tempo de procura por trabalho, inserção majoritária em ocupações com menores possibilidades de carreira e com menor status, menor tempo de permanência no posto de trabalho e rendimentos médios reais inferiores aos dos homens.

As desigualdades sociais e os mecanismos que as geram têm subsistido com tenacidade ímpar, fazendo com que sua superação seja muito lenta e exija um esforço permanente de monitoramento e de intervenção. No que respeita ao mundo do trabalho, o enfrentamento das desigualdades no espaço laboral, dentre outras questões, levou a Organização Internacional do Trabalho (OIT) a desenvolver o conceito de trabalho decente, estabelecendo uma agenda internacional, à qual o Brasil aderiu em 2006, que institui metas e mecanismos de eliminação do déficit de trabalho decente nos países signatários. Segundo a OIT (2006, p. 15),

[…] por trabalho decente entende-se um trabalho produtivo e adequadamente remunerado, exercido em condições de liberdade, equidade, seguridade e dignidade humana.

A noção de igualdade é, portanto, um elemento central na

Agenda de Trabalho Decente, e, ainda conforme a OIT (2006, p. 15),

[…] para atingir esse objetivo, deve-se dar uma especial atenção às mulheres trabalhadoras, já que

1 Utilizando-se o conceito de gênero como o processo histórico de construção

hierárquica e interdependente de relações sociais de sexo, a existência de “trabalho de homens” e de “trabalho de mulheres” é a expressão da assimetria nas relações entre os sexos, onde se define a submissão das mulheres aos homens (Silva, 1997).

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estas se encontram em desvantagem em muitos aspectos.

Associando-se ao debate pela superação das desigualdades presentes no mercado de trabalho e considerando as dimensões que tematizam a condição das mulheres na sociedade e no trabalho em particular, o presente estudo objetiva examinar a inserção laboral feminina num contexto de desenvolvimento econômico, sob a premissa de que à maior estruturação do mercado de trabalho pode corresponder uma redução dos níveis de desigualdade de gênero. Para isso, foi utilizada a base de dados da Pesquisa de Emprego e Desemprego na Região Metropolitana de Porto Alegre (PED-RMPA) referente ao período que vai de 1993 a 2012. A extensão do período permite observar décadas marcadas por contextos muito diversos — de reestruturação da economia e precarização da inserção laboral nos anos 90 e de crescimento econômico e (re)estruturação do mercado de trabalho nos anos 2000.

Foram escolhidos cinco indicadores do mercado de trabalho — taxa de participação, taxa de desemprego, taxa de ocupação, tempo médio de permanência no trabalho e rendimento médio — especialmente sensíveis para expressar a situação de desigualdade de gênero, com o propósito de identificar as alterações ocorridas no período recente.

O texto está estruturado em quatro seções, incluindo esta Introdução. A segunda seção apresenta uma breve contextualização do mercado de trabalho brasileiro nas duas décadas elegidas e procede à análise dos indicadores selecionados; a terceira seção é dedicada a um estudo focado no diferencial de rendimentos entre os sexos, indicador emblemático da desigualdade de gênero; e, na última seção, são tecidas algumas considerações sobre os resultados do estudo.

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2 Mudanças no padrão de desigualdade de gênero, no mercado de trabalho da Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA)

No Brasil, o ingresso acentuado de mulheres no mercado de

trabalho permaneceu nos anos 90, apesar da conjuntura de crise vivida pela economia brasileira e de seus reflexos no mercado de trabalho. A taxa de participação feminina cresceu ao longo da década, chegando a 48,95% em 1999, conforme dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A explicação para tal quadro deve considerar um conjunto de fatores, cuja origem pode ser remetida tanto ao campo econômico quanto a fatores socioculturais e institucionais. Portanto, ao lado de elementos relacionados a mudanças estruturais na economia, também devem ser consideradas as modificações comportamentais, bem como a conscientização das mulheres e suas lutas direcionadas à construção de uma situação mais igualitária na sociedade, seja nas relações familiares — no espaço reprodutivo —, seja no mundo do trabalho — no espaço produtivo.

No âmbito do trabalho, o traço marcante das últimas décadas do século XX é, portanto, o aumento das taxas de participação feminina, as quais se expandiram em um processo contínuo, sem alteração diante das diferentes conjunturas econômicas, até o final dos anos 90. Acompanhou esse movimento uma intensa busca de equidade entre homens e mulheres, questionando estereótipos e conceitos, reivindicando novos espaços e direitos. Esses movimentos, se não conseguiram reverter o padrão de desigualdade que, tradicionalmente, marca a presença de homens e mulheres no mercado de trabalho, provocaram alterações importantes, reconfigurando as relações entre os gêneros.

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Destaque-se que, nas décadas de 80 e 90, as economias, especialmente as desenvolvidas, viveram um processo de estagnação, acompanhada de altas taxas de inflação, inaugurando um período de desaceleração no ritmo de geração de empregos, especialmente a geração de empregos assalariados regulamentados. As taxas de desemprego entraram em rota de crescimento, e instalou-se um movimento de precarização do mercado de trabalho. Instaurou-se um processo de exclusão via desemprego e oferta de ocupações a descoberto dos padrões de proteção legal e previdenciária vigentes — assalariamento desregulamentado (sem carteira de trabalho assinada), trabalho por conta própria ou autoemprego. Mesmo nesse contexto mais adverso, a participação das mulheres no mundo produtivo não diminuiu. Ao contrário, as taxas de participação seguiram aumentando, enquanto se intensificava o crescimento das taxas de desemprego e majorava o desemprego de longo prazo, entendendo-se aqui a permanência nessa condição por períodos superiores a um ano.

Ao se encerrar o século XX, não obstante muitos direitos conquistados e a expressiva participação laboral feminina, praticamente todos os indicadores do mercado de trabalho demonstravam que as mulheres se inseriam, na atividade econômica, em clara desvantagem frente à força de trabalho masculina. As mulheres estavam mais expostas ao risco do desemprego — possuíam taxas mais elevadas do que as dos homens — e permaneciam por mais tempo na procura por trabalho. Uma vez ocupadas, a desigualdade expressava-se, principalmente, pela segregação ocupacional e pela remuneração inferior. A elas cabiam ocupações de mais baixo status, com menores oportunidades de desenvolvimento e ascensão ocupacional, e seus rendimentos do trabalho eram significativamente mais baixos do que os auferidos pelos homens.

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A primeira década do século XXI, ao contrário das anteriores, revelou-se um momento virtuoso para o mercado de trabalho brasileiro, consequência do desempenho mais positivo da economia nacional, com taxas de crescimento superiores às observadas nas décadas anteriores. Fatores relevantes nesse contexto foram as mudanças na política cambial promovidas no final dos anos 90, o cenário internacional favorável às exportações, a redução das taxas de juros, a retomada da política habitacional e as políticas de recuperação do salário mínimo (SM) e de elevação da renda das famílias, o que promoveu o crescimento da capacidade de compra do mercado interno (Chaves; Toni; Kreling, 2010). Esse quadro econômico positivo permitiu uma melhora importante nos indicadores do mercado de trabalho, redirecionando-o a uma trajetória de formalização e (re)estruturação: cresceu o emprego formal em detrimento das modalidades mais precárias, o desemprego desenhou uma curva descendente, atingindo taxas inferiores às observadas na década anterior, e os rendimentos do trabalho iniciaram, a partir de meados da década, um movimento de recuperação.

Análises com foco nas mulheres trabalhadoras têm constatado, de modo recorrente, diferenças na inserção de homens e de mulheres no mercado de trabalho, como expressão de desigualdades sociais entre os gêneros, vinculadas a condições e a características do trabalho. Entre essas, têm sido evidenciadas discriminações e preconceitos relacionados a tipos de atividades exercidas, rendimentos do trabalho e atributos naturais ou adquiridos, revelando que existem segmentações no mercado de trabalho que implicam desvantagens para o contingente feminino vis-à-vis ao masculino.

Nos anos 2000, o mercado de trabalho regional refletiu os resultados positivos da economia nacional, principalmente no que tange à geração de ocupações e à consequente redução dos níveis de desemprego. A tônica do período foi a geração de empregos

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assalariados regulamentados, o que contribuiu para reduzir os elevados níveis de precarização ocupacional gerados na década anterior. O aumento do nível de ocupação na RMPA ocorreu em função do crescimento do número de trabalhadores assalariados, principalmente no setor privado. Neste último grupo, o incremento mais expressivo foi verificado entre os empregados com carteira de trabalho assinada.

O nível ocupacional cresceu 23,3% entre 2000 e 2012, e o desemprego diminuiu 53,5%, situando-se no menor patamar da série histórica anual da PED-RMPA, com a taxa de 7,0% em 2012. O rendimento médio real dos ocupados teve uma elevação de 2,3% no período, atingindo R$ 1.340 no último ano.

Esses resultados, quando observados sob a ótica de gênero, desvendam realidades diversas para homens e mulheres, com resultado mais favorável às mulheres em alguns indicadores, reduzindo os níveis de desigualdade. Em outros, todavia, as diferenças acentuaram-se.

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Tabela 1

Taxas de participação, de desemprego e de ocupação, tempo médio de permanência no trabalho e rendimento médio real, por sexo, na Região Metropolitana de Porto Alegre — 1993, 2000 e 2012

INDICADORES

ANOS

1993 2000 2012

Homens Mulheres Diferença relativa

Homens Mulheres Diferença relativa

Homens Mulheres Diferença relativa

Taxa de participação (%) .... 70,7 44,5 -37,1 69,8 49,7 -28,2 65,7 49,4 -24,8

Taxa de desemprego (%) .... 10,7 14,3 33,6 14,2 19,6 38,0 6,0 8,2 36,7

Taxa de ocupação (%) ......... 89,3 85,7 -4,0 85,8 80,4 -6,3 94,0 91,8 -2,3 Tempo de permanência no trabalho (meses) .................. 66 56 -15,2 66 60,0 -9,0 83 72 -13,3

Rendimento médio real (R$) 1.642 1.072 -34,7 1.773 1.204 -31,7 1.776 1.313 -26,1

FONTE: PED-RMPA — Convênio FEE, FGTAS/SINE-RS, PMPA, SEADE e DIEESE e apoio MTE/FAT.

NOTA: Foi utilizado como inflator o Índice de Preços ao Consumidor (IPC) do Centro de Estudos e Pesquisas Econômicas (IEPE); valores em reais de nov./12.

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2.1 Diminuição do hiato entre as taxas de participação de homens e de mulheres

No contexto de recuperação econômica e consequente

reestruturação do mercado de trabalho regional, observado, principalmente, na segunda metade da última década, destacou-se um trânsito entre a inatividade e a força de trabalho, manifesto em oscilações das taxas de participação da região. Diversos fatores socioeconômicos interferem na decisão das famílias quanto ao ingresso de seus membros no mercado de trabalho — renda familiar, situação ocupacional do chefe, dentre outros —, definindo o comportamento das taxas de participação — percentual da população em idade de trabalhar que se encontra de fato engajada no mercado de trabalho, na condição de ocupada ou desempregada.

Esses movimentos populacionais assumem uma conformação especial, ao serem examinados sob a ótica de gênero. O exame das taxas médias anuais de participação na RMPA, no período analisado, expressa esses movimentos, demonstrando uma assimetria na evolução das taxas femininas, em relação às masculinas. Nessa perspectiva, constata-se que a População em Idade Ativa (PIA) feminina apresentou crescimento ligeiramente superior à masculina entre 2000 e 2012.

É sabido que a decisão feminina pelo engajamento no mercado de trabalho é mediada por diversos aspectos: o desejo de desenvolver uma carreira e a necessidade econômica, seja em decorrência da deterioração da renda familiar, seja para fazer frente aos novos anseios de consumo. Alguns elementos derivam, ainda, de características individuais da população feminina, como escolarização e idade. Outros dizem respeito à estruturação do grupo familiar em que a mulher está inserida: o número de adultos, o número e a distribuição etária dos filhos, a renda dos demais membros da família e, finalmente, a posição ou condição

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da mulher no agrupamento familiar (Scorzafave; Menezes-Filho, 2001; Schmitt, 2000). Nesse sentido, as taxas de participação apresentam diferenças na PIA feminina.

No entanto, o destaque, nos anos 2000, foi o arrefecimento na incorporação de mulheres à População Economicamente Ativa (PEA) regional, quando comparada com a da década anterior, que foi de 34,4%. Por exemplo, a taxa de participação feminina, que havia crescido em relação à do início da série em estudo, teve um recuo, embora menor que o observado na taxa masculina, o que permitiu o estreitamento do hiato entre ambas. Esse indicador passou de 44,5% da PIA feminina em 1993 para 49,7% dela em 2000, para, então, recuar em 2012 (49,4%). A taxa masculina vem mostrando contração desde o início do período estudado: em 1993, essa taxa era de 70,7% da PIA masculina, encerrou os anos 90 com 69,8%, reduzindo-se ainda mais nos anos 2000 (65,7% em 2012). Como resultado, a diferença de engajamento no mercado de trabalho, que, em 1993, era 37,1% menor para as mulheres em relação aos homens, passou a ser 24,8% menor em 2012. Assim, essa redução no diferencial das taxas de participação ampliou a proporção de mulheres na População Economicamente Ativa da RMPA (Tabela 1).

2.2 Queda nos patamares de desemprego menos intensa para as mulheres Ao longo dos anos 90 e no início deste novo século, o

desemprego atingiu proporções sem precedentes na história recente do País, fato que colocou esse problema no centro das grandes questões e desafios de nossa sociedade, extrapolando o âmbito do próprio mercado de trabalho. O desemprego viveu uma intensa trajetória de crescimento na década de 90, atingindo taxas

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muito elevadas (14,2% para os homens e 19,6% para as mulheres em 2000).

O desemprego entre as mulheres, nesse contexto, tomou dimensões maiores e desvantajosas, devido às discriminações sofridas por esse segmento no mercado de trabalho. Entretanto esse quadro se alterou, e, a partir de 2000, o desemprego começou a recuar, voltou a crescer até 2003, em decorrência das incertezas geradas pelas eleições presidências de 2002, mas, a partir de 2004, configurou-se uma trajetória sustentada de queda do desemprego, beneficiando tanto a força de trabalho feminina quanto a masculina.

O crescimento ocupacional, sustentado principalmente pela geração de empregos assalariados regulamentados, permitiu uma trajetória de redução das taxas de desemprego, trazendo-as aos menores patamares de toda a série. A expansão do emprego assalariado regulamentado, especialmente no setor privado da economia, impactou positivamente a força de trabalho, não só por ampliar as oportunidades de trabalho, mas também por garantir a um número maior de trabalhadores os benefícios da seguridade, ampliando a cobertura do Seguro-Desemprego — instrumento de proteção social vinculado à perda de um trabalho assalariado regulamentado.2 Em decorrência, o trabalho precário, como forma de subsistência durante a procura por trabalho, diminuiu sua incidência.

Na RMPA, esse movimento afetou de forma especial a PEA masculina, cujas taxas recuaram mais do que as das mulheres, mantendo as últimas como maioria entre os desempregados. A taxa de desemprego feminina passou de 19,6% da respectiva PEA em 2000 para 8,2% em 2012. A taxa masculina, por sua vez,

2 Esse benefício já foi estendido a outras modalidades de inserção laboral, como

os pescadores no período de defeso e, mais recentemente, aos empregados domésticos, através de sua inscrição no Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS).

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decresceu de 14,2% em 2000 para os 6,0% verificados em 2012. Esses movimentos permitiram reduzir o diferencial existente entre as taxas: a feminina era 38,0% maior que a dos homens em 2000 e passou a ser 36,7% maior em 2012. Cabe referir que a manutenção de um diferencial elevado entre as taxas de desemprego de homens e mulheres precisa ser relativizada, em virtude dos níveis muito baixos a que chegou esse indicador no final do período (Tabela 1).

O impacto da redução do desemprego no período em análise foi intenso em todos os segmentos populacionais, beneficiando parcelas significativas de homens e de mulheres. Seja qual for o recorte analítico, a trajetória de queda mostra reduções expressivas nas taxas específicas de cada segmento. Entretanto essa trajetória virtuosa não afetou substancialmente aspectos estruturais de valorização dos grupos populacionais presentes no mercado de trabalho. Tanto é assim que persistem as diferenças, e mantém-se a tradicional hierarquia entre os grupos: as taxas de desemprego continuam sendo tanto menores quanto maior é o nível educacional, e o mesmo aplica-se à questão etária — as taxas diminuem à medida que a idade aumenta —, e as mulheres e os negros detêm as maiores taxas, comparativamente a homens brancos.

2.3 Aumento do contingente ocupado feminino reduz o diferencial da taxa de ocupação entre os sexos

Nos anos 90, a taxa de ocupação refletiu a piora do mercado de trabalho para ambos os sexos, com efeitos mais intensos sobre a PEA feminina. Dessa forma, a razão entre as taxas, que era de -4,0% para as mulheres em 1993, aumentou para -6,3% em 2000. No período seguinte, em decorrência da retomada do crescimento ocupacional, esse indicador aumentou tanto para homens como

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para mulheres. A taxa de ocupação feminina passou de 80,4% da PEA feminina em 2000 para 91,8% em 2012, enquanto a dos homens passou de 85,8% para 94,0% da PEA masculina no mesmo período. Com isso, a diferença entre as taxas de ocupação diminuiu para -2,3% em 2012 (Tabela 1).

No que concerne à incorporação de mulheres no contingente ocupado, registrou-se um crescimento expressivo ao longo do período em foco, tendo a parcela feminina passado de 43,1% para 45,8% do total de ocupados entre 2000 e 2012. Como resultado disso, em 2012, as mulheres ocupadas perfaziam um total de 811 mil. Não obstante persistir uma maioria de homens na condição de ocupados, o incremento mais expressivo do contingente feminino reduziu a diferença na participação de indivíduos de ambos os sexos nessa condição ocupacional.

Associado à expansão ocupacional, o crescimento do tempo médio de permanência no posto de trabalho foi um dos aspectos positivos dos anos 2000, como garantia de maior estabilidade laboral. Embora observado tanto entre os homens como entre as mulheres, o incremento nesse indicador foi maior para os homens: em 2000, era de 66 meses para os homens e de 60 para as mulheres, ampliando-se para 82 e 69 meses, respectivamente, em 2012. Em decorrência disso, a diferença relativa entre os sexos diminuiu, passando de -15,2% em 2000 para -13,3% em 2012 (Tabela 1).

2.4 Redução do diferencial de rendimentos entre os sexos Por fim, cabe examinar um dos indicadores mais expressivos

dos processos discriminatórios na inserção laboral, qual seja, o rendimento do trabalho. Os diferenciais de rendimentos do trabalho são a expressão mais contundente do padrão de

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desigualdade que define a relação social entre os sexos e marca a inserção de homens e mulheres no mercado de trabalho. Esse indicador mostra uma situação generalizada de ganhos inferiores para a mão de obra feminina, qualquer que seja o corte analítico que se faça: considerando os níveis de escolaridade ou de qualificação profissional, o tipo de contrato de trabalho ou a forma de inserção na ocupação, a idade, dentre outros.

Às mulheres cabem ocupações de status mais baixo, com menores oportunidades de desenvolvimento e ascensão ocupacional, decorrendo daí rendimentos do trabalho significativamente mais baixos do que os auferidos pelos homens. Assim, a valoração diferenciada entre a força de trabalho masculina e a feminina pouca ou nenhuma relação guarda com capacidades ou atributos naturais ou adquiridos que justifiquem tratamento desigual. Todavia, frente à crescente presença feminina na atividade econômica e aos inúmeros direitos conquistados pelas mulheres nas últimas décadas, algumas alterações fizeram- -se sentir nesse padrão de desigualdade, notadamente no tocante aos rendimentos do trabalho.

Como se pode observar através dos resultados da PED- -RMPA, a desigualdade de ganhos entre homens e mulheres foi atenuada ao longo do período enfocado, embora tenha sido um dos indicadores que mais lentamente reduziu os níveis de desigualdade. Na comparação entre 2000 e 2012, esse indicador cresceu apenas para as mulheres, diminuindo para os homens. Como consequência, o diferencial de rendimento entre os sexos encurtou. Em 2000, as mulheres percebiam rendimentos 31,7% menores do que o dos homens (com valores de R$ 1.773 para os homens e de R$ 1.204 para as mulheres). Com a evolução desse indicador no período mais recente, em 2012, o rendimento auferido pelas mulheres era 26,1% menor que o dos homens (R$ 1.776 para os homens e R$ 1.313 para as mulheres).

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As informações até aqui analisadas revelam alguns avanços na redução das desigualdades de gênero, considerando os resultados positivos de quatro dos cinco indicadores analisados, com destaque para o aumento da ocupação feminina e para a permanência de uma diferença pequena entre as taxas de ocupação.

3 Os condicionantes de gênero no rendimento do trabalho feminino

Do conjunto de indicadores analisados, o rendimento do trabalho constitui-se na maior expressão das desigualdades de gênero, tanto pela dimensão do diferencial observado, quanto pela lentidão com que esse vem retraindo-se. Assim, procurou-se examinar alguns recortes analíticos em que se manifestam os diferenciais de renda, objetivando desvendar onde se ancora a manutenção das desigualdades e em que direção se fazem necessários o monitoramento e a intervenção de políticas públicas que busquem a equidade social.

O diferencial de rendimentos aparece de forma generalizada, seja qual for o recorte analítico em que se faça a comparação por sexo. Com grandezas diversas, ele está presente nas diferentes situações de inserção ocupacional — segundo setores de atividade, modalidades contratuais e outros — e nos distintos atributos pessoais do trabalhador — níveis de escolaridade ou de qualificação profissional, idade, posição no domicílio, etc. —, reiterando, no âmbito do trabalho, a posição de desvantagem em que as mulheres se encontram na sociedade. Essa presença permanente de diferenciais de ganhos, mesmo quando as condições de trabalho se equiparam, desnuda as reais determinações das desigualdades e remete a discussão ao âmbito mais geral das relações sociais entre os sexos.

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Embora, na média, tenha havido uma redução nos diferenciais de rendimento, no período em estudo, na RMPA, a observação segundo diferentes segmentos mostra movimentos diversos, conforme a situação analisada. Para observar esses movimentos, utilizou-se o indicador proporção do rendimento médio real por hora auferido pelas mulheres em relação ao rendimento médio real por hora auferido pelos homens. A escolha do rendimento/hora prende-se ao fato de a jornada semanal média feminina, no trabalho remunerado, ser ligeiramente inferior à dos homens, o que pode introduzir distorções na comparação dos rendimentos. Assim, esse indicador foi examinado segundo níveis de escolaridade e idade, segundo modalidades de inserção ocupacional, tamanho do negócio ou empresa onde trabalha e níveis de qualificação. Como próxis de qualificação profissional, foram criadas quatro categorias a partir da Classificação Brasileira de Ocupações (CBO): duas de trabalhadores de nível superior (Trabalhadores universitários autônomos e Trabalhadores com Ensino Superior), uma de trabalhadores técnicos de nível médio e a categoria “outros”, abarcando o conjunto de trabalhadores não classificados nas três primeiras.

Considerando os rendimentos sob a ótica dos atributos pessoais, observa-se que alguns requisitos tendem a atenuar os efeitos da desvalorização do trabalho feminino, como é o caso da educação. Quanto a esse atributo, estudos têm mostrado a importância desse quesito como facilitador da inserção laboral e de melhores ganhos: de forma geral, à maior escolaridade correspondem rendimentos mais elevados.

Ao longo do período em foco, houve um avanço importante na escolarização da população total da RMPA, e isso se refletiu na população economicamente e, em especial, na elevação do nível de escolaridade do contingente de ocupados da Região. Os resultados desse estudo mostram redução das parcelas de ocupados com mais baixa escolaridade e aumento das parcelas dos

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que detêm, pelo menos, o Ensino Médio completo. Entre as mulheres ocupadas, a proporção das mais escolarizadas era maior do que a dos homens: em 2012, a proporção de mulheres com, pelo menos, o Ensino Médio completo era de 64,1% (45,0% tinham o Ensino Médio completo; e 19,1%, o Ensino Superior completo), contra 54,5% dos homens ocupados na RMPA (Tabela 2).

Todavia, ao se observar a proporção dos ganhos das mulheres em relação ao rendimento auferido pelos homens, a maior escolaridade das mulheres não lhes tem garantido uma posição de maior equidade. Nos níveis de escolaridade completos, de fato, identifica-se que, quanto mais elevado o grau concluído, maior é a proporção dos rendimentos femininos em relação ao dos homens. Porém chama atenção o fato de, considerando o Ensino Fundamental incompleto, essa proporção ser maior que a encontrada nos níveis de Ensino Fundamental completo e de Ensino Médio completo. Uma possível explicação para esse fato pode estar no exercício de ocupações de menor complexidade, cujos rendimentos são regidos mais diretamente pelo valor do salário mínimo, não admitindo grande variabilidade (Tabelas 2 e 3).

É interessante registrar que, entre 2000 e 2012, a evolução desse indicador foi positiva para os níveis de menor escolaridade, reduzindo o diferencial de ganhos, mas, para as mulheres com nível superior de ensino, ocorreu queda na proporção de seus rendimentos em relação aos rendimentos masculinos — em 2000, essas mulheres percebiam rendimentos equivalentes a 76,6% do rendimento médio real/hora auferido pelos homens de mesmo nível de ensino, proporção que caiu para 74,5% em 2012. Em que pese essa redução, aumentou significativamente a parcela de mulheres ocupadas, na RMPA, com nível superior de ensino, passando de 13,8% em 2000 para 19,1% do total de mulheres ocupadas em 2012 (Tabela 2).

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Tabela 2 Distribuição dos ocupados, por escolaridade, idade, posição na ocupação e tamanho do negócio

ou empresa onde trabalha, segundo o sexo, na Região Metropolitana de Porto Alegre — 1993, 2000 e 2012

(%)

CATEGORIAS 1993 2000 2012

Homens Mulheres Homens Mulheres Homens Mulheres Escolaridade Sem escolaridade ................. 3,0 3,1 1,8 2,0 0,5 0,5 Ensino Fundamental incom-pleto (1) ............................... 48,0 43,4 39,1 33,7 23,5 18,3 Ensino Fundamental com-pleto (2) ............................... 20,5 18,7 21,4 19,2 21,5 17,1 Ensino Médio (3) ................ 20,8 23,2 27,8 31,3 41,4 45,0 Ensino Superior ................... 7,6 11,6 9,9 13,8 13,1 19,1 Idade De 10 a 15 anos ................... 2,4 2,0 0,9 0,9 (4)- (4)- De 16 a 24 anos ................... 20,8 22,2 20,9 20,3 17,7 16,9 De 25 a 39 anos ................... 43,7 45,0 38,7 39,7 37,6 38,7 40 anos e mais ..................... 33,1 30,8 39,5 39,1 44,4 44,2 Posição na ocupação Assalariado do setor privado 57,3 46,1 55,3 44,7 62,6 54,4 Com carteira assinada .... 49,1 40,8 45,1 37,0 54,3 48,2 Sem carteira assinada ..... 8,2 5,3 10,2 7,7 8,2 6,2 Asssalariado do setor públi-co (5) ................................... 13,4 17,6 9,8 14,4 9,6 14,8 Empregado doméstico ....... (4)- 14,7 (4)- 16,8 (4)- 11,4 Autônomos ......................... 18,6 13,3 22,1 13,8 16,9 10,6 Empregador ........................ 4,9 2,1 5,7 2,7 5,6 3,2 Outros (6) ............................ 5,5 6,2 6,7 7,6 5,0 5,6 Tamanho do negócio ou empresa onde trabalha (7) Nenhum, trabalha sozinho ... 15,4 13,6 15,2 14,1 14,1 11,9 Nenhum, trabalha sozinho com familiares ou sócios ..... 7,0 8,1 8,9 9,3 6,3 6,5 De um a cinco empregados 13,6 14,1 15,6 17,2 11,4 12,8 De seis a nove empregados 5,1 5,8 5,6 6,3 5,2 6,2 De 10 a 49 empregados ....... 12,3 13,3 14,2 15,7 15,1 17,8 De 50 a 99 empregados ....... 5,0 5,5 5,4 4,6 5,3 5,2 De 100 a 499 empregados ... 12,4 11,3 10,1 8,2 10,7 9,8 De 500 a mais empregados 21,8 21,4 15,3 14,7 17,0 16,3 FONTE: PED — Convênio FEE, FGTAS/SINE-RS, PMPA, SEADE, DIEESE e apoio MTE/FAT. NOTA: Foi utilizado como inflator o Índice de Preços ao Consumidor (IPC) do Centro de Estudos e Pesquisas Econômicas (IEPE); valores em reais de set./13. (1) Inclui alfabetizados sem escolarização. (2) Inclui Ensinos Fundamental completo e Médio incompleto. (3) Inclui Ensinos Médio completo e Superior incompleto. (4) A amostra não comporta essa desagregação. (5) Engloba empregados nos Governos Municipal, Estadual e Federal, nas empresas de economia mista, nas autarquias, etc. (6) Inclui profissional universitário autônomo, dono de negócio familiar, trabalhador familiar sem remuneração. (7) Medido pelo número de empregados, exclui os assalariados públicos e empregados domésticos. Não está apresentada a parcela dos que não sabem o tamanho da empresa.

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Tabela 3

Proporção do rendimento médio real por hora das muheres em relação ao dos homens, segundo escolaridade, idade, posição na ocupação e tamanho do negócio ou empresa

onde trabalha, na Região Metropolitana de Porto Alegre — 1993, 2000 e 2012 (%)

CATEGORIAS 1993 2000 2012 Escolaridade Sem escolaridade ........................................................................ (1)- (1)- (1)- Ensino Fundamental incompleto (2) .......................................... 63,7 67,3 72,2 Ensino Fundamental completo (3) ............................................. 68,4 65,3 70,6 Ensino médio (4) ........................................................................ 68,6 69,2 71,8 Ensino superior ........................................................................... 67,4 76,6 74,5 Idade De 10 a 15 anos .......................................................................... (1)- (1)- (1)- De 16 a 24 anos .......................................................................... 88,9 89,7 90,8 De 25 a 39 anos .......................................................................... 77,7 85,6 82,8 40 anos e mais ............................................................................ 66,3 72,1 76,4 Posição na ocupação Assalariado do setor privado ...................................................... 76,5 82,6 79,3 Com carteira assinada ............................................................. 78,3 85,8 84,5 Sem carteira assinada ............................................................. 90,3 88,9 77,4 Assalariado do setor público (5) ................................................ 81,0 85,3 86,2 Empregado doméstico ................................................................ (1)- (1)- (1)- Autônomos ................................................................................. 67,0 66,5 70,6 Empregador ................................................................................ (1)- (1)- (1)- Outros (6) ................................................................................... (1)- (1)- (1)- Tamanho do negócio ou empresa onde trabalha (7) Nenhum, trabalha sozinho .......................................................... 76,4 82,4 82,9 Nenhum, trabalha sozinho com familiares ou sócios ................ 77,9 82,8 82,1 De um a cinco empregados ........................................................ 80,2 79,9 76,8 De seis a nove empregados ........................................................ 78,9 77,5 75,0 De 10 a 49 empregados .............................................................. 82,8 78,9 79,5 De 50 a 99 empregados .............................................................. 76,4 93,0 73,2 De 100 a 499 empregados .......................................................... 74,8 87,3 79,9 De 500 a mais empregados ........................................................ 66,9 76,7 75,2 FONTE: PED — Convênio FEE, FGTAS/SINE-RS,PMPA, SEADE, DIEESE e apoio MTE/FAT. NOTA: Foi utilizado como inflator o Índice de Preços ao Consumidor (IPC) do Centro de Estudos e Pesquisas Econômicas (IEPE); valores em reais de set./13. (1) A amostra não comporta essa desagregação. (2) Inclui alfabetizados sem escolarização. (3) Inclui Ensinos Fundamental completo e Médio incompleto. (4) Inclui Ensinos Médio completo e Superior incompleto. (5) Engloba empregados nos Governos Municipal, Estadual e Federal, nas empresas de economia mista, nas autarquias, etc. (6) Inclui profissional universitário autônomo, dono de negócio familiar, trabalhador familiar sem remuneração. (7) Medido pelo número de empregados, exclui os assalariados públicos e empregados domésticos. Não está apresentada a parcela dos que não sabem o tamanho da empresa.

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Quanto ao quesito idade, os resultados do estudo apontam o crescimento da proporção de ocupados com idade mais elevada, expressando as mudanças demográficas observadas nas últimas décadas. Ao longo do período estudado, inverteu-se a concentração da faixa dos 25 aos 39 anos para a de 40 anos e mais: em 1993, a maior parcela de ocupados (43,7% para os homens e 45,0% para mulheres) era composta por indivíduos com idade entre 25 e 39 anos, e, em 2012, proporções semelhantes (44,4% dos homens e 44,2% das mulheres) correspondiam a indivíduos com 40 anos e mais (Tabela 2).

Esse envelhecimento da população ocupada vem acompanhado de um aspecto preocupante para o contingente feminino, como pode ser observado na Tabela 3, cujos dados mostram que a proporção de ganhos das mulheres, em relação ao rendimento masculino, é tanto menor quanto mais avança a idade. Na faixa etária de 16 a 24 anos, que, via de regra, corresponde ao início das atividades laborais dos jovens e onde predomina o assalariamento como modalidade de inserção ocupacional, o diferencial de rendimento é menor: em 2012, as mulheres nessa faixa etária recebiam, em média, 90,8% do valor do rendimento médio real/hora masculino. Já na faixa dos 40 anos e mais, o rendimento feminino correspondia, no mesmo ano, a 76,4% do auferido pelos homens. Vale registrar que, na faixa etária de 25 a 39 anos, houve um aumento do diferencial de ganhos nos anos 2000: em 2000, o rendimento feminino havia atingido a proporção de 85,6% dos ganhos masculinos, tendo-se reduzido para os 82,8% observados em 2012 (Tabela 3).

Essas informações revelam um quadro preocupante, quando se considera que há uma tendência de envelhecimento demográfico e que se espera um aumento da proporção de trabalhadores mais velhos. Quando se observa o comportamento dos rendimentos segundo faixa etária, pode-se notar que, para os homens, o rendimento cresce conforme aumenta a idade. Para as

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mulheres, contudo, o incremento, na passagem da faixa etária de 25 a 39 anos para a de 40 e mais, é muito discreto, o que contribui para a ampliação dos diferenciais nesta última faixa. Aparentemente, após os 40 anos, são poucas as possibilidades que as mulheres têm de continuar ascendendo profissionalmente e aumentar seus ganhos.

Examinando os rendimentos sob a ótica das diferentes formas de inserção ocupacional, percebe-se que as mulheres mantêm menor desigualdade, frente aos rendimentos masculinos, na condição de assalariadas no setor público, onde existem condicionantes, como os concursos públicos com definição de salários para cargos e funções e os planos de carreira. Nesse segmento, a proporção do rendimento feminino em relação ao masculino cresceu ao longo do período investigado e, em 2012, equivalia a 86,2% do rendimento masculino. Os diferenciais salariais também são menores no assalariamento no setor privado com carteira assinada, que concentrava, em 2012, quase metade (48,2%) das mulheres ocupadas. Nessa modalidade de inserção, os ganhos femininos atingiam 84,5% do rendimento médio real/hora masculino (Tabelas 2 e 3).

Em situação oposta, encontravam-se as mulheres que trabalhavam como autônomas, cujos rendimentos apresentaram a pior relação frente ao rendimento dos homens, na mesma modalidade de inserção laboral. Embora a proporção tenha crescido em relação a 2000, o rendimento dessas mulheres correspondia a apenas 70,6% do rendimento masculino em 2012 (Tabela 3).

Considerando o tamanho do negócio ou empresa onde trabalham, constatou-se, na RMPA, uma concentração tanto de homens como de mulheres nos negócios ou empresas com até 49 empregados (55,2% das mulheres e 54,8% dos homens). No decorrer do período em foco, a proporção de ocupados diminuiu no segmento de até nove empregados e cresceu no de 10 a 49

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trabalhadores. Este último segmento é também um dos que apresentou menor desigualdade de renda entre os sexos: em 2012, as mulheres que trabalhavam nesse segmento perceberam rendimentos equivalentes a 79,5% dos auferidos pelos homens, proporção semelhante à observada no segmento de empresas maiores. Nas empresas com o número de trabalhadores entre 100 a 499 empregados — via de regra, mais formalizadas e onde é possível encontrar alguns mecanismos que minimizam as possibilidades de diferenciação salarial, como, por exemplo, estrutura de cargos e salários —, o rendimento feminino perfazia 79,9% do rendimento masculino em 2012. Já no segmento das grandes empresas, com mais de 500 empregados, encontrou-se maior desigualdade salarial: as mulheres trabalhadoras nessas empresas receberam, em 2012, rendimentos equivalentes a 75,2% dos rendimentos masculinos. Nesse segmento, há um peso importante de empresas industriais, setor de atividade que menos absorve mulheres e onde elas exercem, majoritariamente, funções menos qualificadas, o que pode explicar parcialmente a maior desigualdade salarial (Tabela 3).

A formação profissional ainda pode ser um fator inibidor para a expansão do emprego industrial para as mulheres, e isso tem um peso na formação do rendimento médio do contingente feminino, uma vez que o setor industrial apresenta, em grande medida, salários médios mais elevados que os demais setores de atividade econômica.

Para observar o efeito da qualificação profissional sobre a desigualdade de rendimentos, foi construída uma categorização das ocupações a partir da Classificação Brasileira das Ocupações. Chegou-se a quatro categorias analíticas, três delas expressando ocupações que exigem formação através da escolarização formal de nível médio técnico ou superior — conforme a classificação presente nos Grandes Grupos 2 e 3 da CBO —, e uma quarta que reuniu as demais ocupações, contendo tanto ocupações que não

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exigem nenhum tipo de qualificação quanto aquelas com níveis de qualificação inferior ao Ensino Médio Técnico. A premissa presente nessa classificação é a de que mulheres que escolhem fazer uma formação profissional — uma carreira — teriam uma inserção mais vantajosa no mercado de trabalho e poderiam obter ganhos mais equitativos em relação aos homens, se comparadas àquelas que não têm formação ou têm uma formação menor. O período de análise desse recorte analítico é diferente daquele utilizado para os demais aspectos deste estudo, pois a codificação das ocupações através da CBO foi iniciada, na PED-RMPA, em 2004.

Conforme os resultados da PED-RMPA, a maior parte dos trabalhadores ocupados exerce atividades que exigem qualificação inferior ao nível médio técnico ou não exigem nenhuma qualificação específica. A proporção desses trabalhadores diminuiu ao longo do período em estudo, mas ainda se mantém alta (76,2% dos homens e 71,2% das mulheres em 2012). É importante destacar que, entre as mulheres, há uma proporção maior de trabalhadoras nas categorias de Ensino Superior completo (15,1% em 2012) e de profissionais universitários autônomos3 (2,5% em 2012) do que entre os homens (Tabela 4). Independentemente disso, a desigualdade de gênero nos rendimentos está presente em todas as categorias escolhidas e aumentou entre os anos observados (2005 e 2012).

De fato, entre os trabalhadores em ocupações de nível superior, a proporção do rendimento das mulheres, em relação ao dos homens, era de 75,6% em 2005 e caiu para 72,1% em 2012. As trabalhadoras em ocupações de nível médio técnico recebiam rendimentos que equivaliam a 78,5% do rendimento médio masculino em 2005, proporção que se reduziu para 74,5% em

3 Trabalhadores de nível superior que exercem sua profissão de forma autônoma, como médico ou dentista que tem seu consultório, advogado que tem seu escritório de advocacia, etc.

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2012. Na categoria das ocupações com menor nível de formação profissional, os diferencias de renda são semelhantes aos observados nas outras categorias, e a retração no período foi de menor porte: o rendimento feminino, que representava 75,2% da renda masculina em 2005, diminuiu para 74,3% do rendimento masculino em 2012 (Tabela 5).

Tabela 4 Distribuição dos ocupados, por níveis de qualificação da atividade ocupacional exercida,

segundo sexo, na Região Metropolitana de Porto Alegre — 2005 e 2012 (%)

CATEGORIAS 2005 2012

Homens Mulheres Homens Mulheres Trabalhadores universitários autono-mos (1) ............................................... 1,7 2,0 2,0 2,5 Trabalhadores com Ensino Superior completo (2) ....................................... 7,3 11,7 9,5 15,1 Trabalhadores em ocupações de nível técnico médio (3) ................................ 11,3 10,6 12,3 11,2

Outros ................................................. 79,7 75,7 76,2 71,2 FONTE: PED — Convênio FEE, FGTAS/SINE-RS,PMPA, SEADE, DIEESE e apoio MTE/FAT

(1) Exclusive os trabalhadores universitários autônomos que trabalham em ocupações de nível técnico médio. (2) Inclui trabalhadores com escolaridade de nível superior, exclusive os profissionais universitários autônomos e aqueles que trabalham em ocupações de nível técnico médio. (3) Inclui o Grande Grupo 3 da Classificação Brasileira de Ocupações (CBO).

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Tabela 5 Rendimento médio real por hora dos ocupados, por níveis de qualificação da atividade

exercida, segundo o sexo, na Região Metropolitana de Porto Alegre — 2005 e 2012

(R$)

CATEGORIAS 2005 2012

Homens Mulheres Homens Mulheres Trabalhadores universitários autôno-mos (1) ................................................ (2)- (2)- (2)- (2)- Trabalhadores com Ensino Superior completo (3) ........................................ 104,3 78,9 114,0 82,2 Trabalhadores em ocupações de nível técnico médio (4) ................................ 53,9 42,3 58,8 43,8

Outros .................................................. 27,4 20,6 33,8 25,1

FONTE: PED - Convênio FEE, FGTAS/SINE-RS,PMPA, SEADE, DIEESE e apoio MTE/FAT NOTA: Foi utilizado como inflator o Índice de Preços ao Consumidor (IPC) do Centro de Estudos e Pesquisas Econômicas (IEPE); valores em reais de set./13. (1) Exclusive os trabalhadores universitários autônomos que trabalham em ocupações de nível técnico médio. (2) A amostra não comporta essa desagregação. (3) Inclui trabalhadores com escolaridade de nível superior, exclusive os profissionais universitários autônomos e aqueles que trabalham em ocupações de nível técnico médio. (4) Inclui o Grande Grupo 3 da Classificação Brasileira de Ocupações (CBO).

4 Reflexões finais Sob o propósito de captar a evolução das dificuldades que as

mulheres enfrentam em sua inserção no mercado de trabalho, este estudo examinou um conjunto de indicadores capazes de revelar os mecanismos discriminatórios que constroem as desigualdades presentes no mundo laboral.

Apesar de os resultados positivos de quatro dos cinco indicadores analisados revelarem melhora, o pressuposto de que uma redução importante das desigualdades de gênero fosse resultar do contexto favorável ao mercado de trabalho dos anos 2000 não se cumpriu. De fato, o contexto de crescimento econômico e de (re)estruturação do mercado de trabalho não foi capaz de garantir uma efetiva promoção da equidade de gênero no espaço laboral, haja vista a permanência de níveis ainda elevados de desigualdade, especialmente expressos no tamanho da

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diferença que permanece nas taxas de participação e, principalmente, na distância entre os rendimentos de homens e mulheres. Junta-se a isso o aumento da diferença entre os tempos médios de permanência na ocupação atual observados para homens e mulheres.

Ainda assim, cabe serem referidas, como aspectos positivos observados no período, a ampliação da ocupação feminina e a continuação de uma distância pequena entre as taxas de ocupação. Quanto ao desemprego, embora a diferença entre as taxas tenha diminuído muito pouco e o patamar dessa diferença ainda seja muito elevado, é preciso considerar que, nos anos 2000, as taxas, em si, diminuíram expressivamente tanto para mulheres como para homens.

Os resultados da primeira parte do estudo, porém, reafirmam os rendimentos do trabalho como a expressão mais contundente das desigualdades de gênero no mundo do trabalho. O exame desse indicador revelou a manutenção de ganhos ainda muito baixos para a força de trabalho feminina, na comparação com o rendimento médio real/hora auferido pelos homens. Assim, buscou-se examinar esse indicador através de outros recortes analíticos no período em foco. Os resultados dessa análise salientam que os diferenciais de ganhos variam segundo diferentes situações ocupacionais ou atributos, mas estão presentes em todas as comparações com a força de trabalho masculina. Esse fato manifesta a diversidade de situações vivenciadas pelas mulheres no mercado de trabalho e ressalta o fato de algumas mulheres se encontrarem em condição de maior vulnerabilidade no processo de conquista de maior equidade laboral.

Considerando os níveis de escolaridade na análise dos rendimentos, os dados destacam, no período em foco, a redução das desigualdades de rendimento por gênero em quase todos os níveis, excetuando-se no Ensino Superior completo. Apesar do aumento da desigualdade nos ganhos dos trabalhadores com

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Ensino Superior completo, a desigualdade de rendimentos é a menor nesse nível de ensino. Fica evidente que as mulheres com níveis de Ensino Fundamental completo e Ensino Médio completo auferem rendimentos cujas proporções, em relação aos rendimentos masculinos de igual nível de ensino, são menores do que a proporção do rendimento das mulheres com nível de Ensino Superior. A exceção a essa lógica revela-se nos rendimentos das mulheres com mais baixa escolaridade — Ensino Fundamental incompleto —, cuja proporção, em relação aos ganhos masculinos, se mostrou inferior apenas à observada entre as mulheres com Ensino Superior.

Quanto ao atributo idade, um dos achados do estudo expõe a situação mais desfavorável das mulheres com mais idade — 40 anos e mais —, cujos rendimentos mantêm o maior diferencial em relação aos dos homens, e cujo contingente tende a aumentar nos próximos anos, devido às mudanças demográficas que caminham no sentido do envelhecimento da população.

Sob o enfoque das modalidades de inserção ocupacional, as menores desigualdades de renda foram encontradas no segmento das mulheres assalariadas, especialmente entre as assalariadas do setor público, onde os concursos públicos com definição de salários para cargos e funções e os planos de carreira evitam maiores discrepâncias entre os salários de homens e mulheres. Já para as mulheres que trabalham por conta própria, os dados denunciam uma situação mais precária, com os níveis de desigualdade de renda mais altos frente às demais modalidades de inserção.

Por fim, o estudo evidencia a importância da formação profissional na redução das desigualdades de renda, descortinando diferenças mais acentuadas entre os trabalhadores inseridos em ocupações de menor nível de qualificação. A menor proporção do rendimento feminino em relação ao masculino foi encontrada entre os trabalhadores em ocupações sem exigência de

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qualificação ou com exigência de baixa qualificação, inferior à de técnico de nível médio.

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