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MANUAL DE IMPLANTAÇÃO DE MUSEUS ESCOLARES

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MANUAL

DE IMPLANTAÇÃO

DE MUSEUS ESCOLARES

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ChancelerDom Dadeus GringsReitorJoaquim ClotetVice-ReitorEvilázio Teixeira

Conselho EditorialAgemir BavarescoAna Maria MelloArmando Luiz BortoliniAugusto Buchweitz Beatriz Regina DorfmanBettina Steren dos Santos Carlos GerbaseCarlos Graeff TeixeiraClarice Beatriz da Costa SohngenCláudio Luís C. FrankenbergElaine Turk FariaErico Joao Hammes Gilberto Keller de Andrade Jane Rita Caetano da SilveiraJorge Luis Nicolas Audy – PresidenteLauro Kopper FilhoLuciano Klöckner

EDIPUCRSJeronimo Carlos Santos Braga – DiretorJorge Campos da Costa – Editor-Chefe

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Porto Alegre, 2013

MANUAL

DE IMPLANTAÇÃO

DE MUSEUS ESCOLARES

GUY BARROS BARCELLOS

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© 2013, EDIPUCRS

DESIGN GRÁFICO [CAPA] Shaiani Duarte

DESIGN GRÁFICO [DIAGRAMAÇÃO] Jardson Corrêa

REVISÃO DE TEXTO Fernanda Lisbôa

ILUSTRAÇÃO DA CAPA detalhe de óleo sobre tela de Beatriz Balen Susin (2012)

ILUSTRAÇÃO DA CONTRACAPA óleo sobre tela de José Maurício Martins (2013)

FOTO DO AUTOR: Marlon Erthal

IMPRESSÃO E ACABAMENTO

Edição revisada segundo o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Ficha Catalográfica elaborada pelo Setor de Tratamento da Informação da BC-PUCRS.

EDIPUCRS – Editora Universitária da PUCRS

Av. Ipiranga, 6681 – Prédio 33Caixa Postal 1429 – CEP 90619-900 Porto Alegre – RS – BrasilFone/fax: (51) 3320 3711E-mail: [email protected] - www.pucrs.br/edipucrs

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B242m Barcellos, Guy BarrosManual de implantação de museus escolares / Guy Barros

Barcellos. – Porto Alegre : EDIPUCRS, 2013.114 p.

ISBN 978-85-397-0364-7

1. Museus Escolares. 2. Museus de Ciência. I. Título.

CDD 069.9371

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Dedico este livro a meu avôArmando Marques de Barros.

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AGRADECIMENTOS

Sou imensamente grato à minha orientadora, Regina Maria Rabello Borges, por sua imensa sabedoria, generosidade e amizade. Sem seu apoio, nada teria acontecido.

Agradeço especialmente ao“mestre dos mestres” Attico Chassot, por sempre ter acreditado em mim e no projeto Museu da Natureza.

Ao professor emérito Eliézer de Carvalho Rios, pela grande aju-da que deu ao Museu da Natureza.

Aos mestres Isabela Castanheira, Juan Mosquera, Maria Salett Biembengut, Milton Piragine, Rose Amaral, Valderez Marina do Ro-sário Lima, por seus importantes ensinamentos.

Aos colegas Elaine Dias, Gislaine Barreto Rosina, Leonardo Pian-ta, Nilse Trennepohl e Viviane do Prado, por terem acreditado em meu trabalho e, de várias formas, contribuído para a sua realização.

Aos ex-alunos Camila Michelon, Dênisson Malhano, Felipe Rau-gust, Gabriel Maia, Gabriel Steinhauser, Leonardo Saul, Nelson Ama-ral, Ricardo Assumpção e a todos aqueles que participaram do Mu-seu da Natureza.

Aos amigos Adriano Schneider, Adriana Breda, Bete Madruga, Bruno Hirsch, Catharina Signorini, Claudio Rodrigues, Cristina Pons, Julia Fernandes, Juliano Camargo, Luís Fernando Timmers, Rafael Caceres e Simone Monteiro, sempre dispostos a ajudar de todas as maneiras com seus conhecimentos e a ler meus textos, dando ideias e sugestões.

Ao meu pai, Lauro Barcellos, pela grande influência que exerce em mim a amar os museus.

À minha mãe, Adriana Franco Barros-Woodward, e ao meu stepdad, Mark Woodward, pelo apoio, amizade e compreensão.

Aos meus avós Heidi Franco Barros e Armando Barros, pelo amor incondicional.

Ao meu irmão, Felipe Chemale, pelos conselhos e revisões nos textos.

À minha avó Judith Cortesão (em memória), por inspirar-me a ser professor.

A todos aqueles que, de alguma forma, me ajudaram e apoia-ram neste trabalho e não foram citados aqui.

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SUMÁRIO

Prefácio Uma isagoge em laudação a um manual .... 11

Apresentação ........................................................... 17

Introitum: O lirismo das coisas ............................... 23

PRIMEIRO ATO

A prática sem teoria é iníqua

1 Museus escolares: curadores do ensino de Ciências ........................................... 27

2 Catalisando uma inteligência naturalista ............. 29

3 Por que e para que(m) ensinar Ciências ................................................... 34

4 Aprendizado de Ciências que motiva o aluno, um desafio ao Mestre ................................................. 37

5 A casa das filhas da Memória ........................................................... 42

6 Epílogo do primeiro ato ........................................ 46

Entr’acte: O Museu da Natureza ................................47

SEGUNDO ATO

A teoria sem prática é inócua

1. Musealização! ...................................................... 51

2. Equipe .................................................................. 54

2.1. Alunos‑curadores ..................................................54

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3. Instalações ........................................................... 56

3.1. O sonho: uma sala somente para o museu ............56

3.2. Uma solução: instalar o museu no laboratório ....57

3.3. Espaços alternativos ..............................................57

3.3. Museu efêmero, um gérmen para a perenidade ...58

3.4. Ao ar livre (Ecomuseu escolar) ..............................58

4. Recursos............................................................... 61

4.1. Materiais ................................................................62

5. Construção por encontros – operacionalização ............................................. 63

5.1. Roteiro geral ..........................................................64

5.2 Exposições ..............................................................64

EXPOSIÇÃO I: A Dança dos Planetas Fundamentação 64

EXPOSIÇÃO II: Continentes Navegando! .....................69

EXPOSIÇÃO III: A Fúria de Geia ..................................72

EXPOSIÇÃO IV: Minúcias da Vida ...............................75

EXPOSIÇÃO V: Escritura Espiralada ...........................80

EXPOSIÇÃO VI: Estranho Mundo Perdido ..................84

EXPOSIÇÃO VII: Tétis e Oceano ...................................88

EXPOSIÇÃO VIII: Caleidoscópios Vivos .......................91

EXPOSIÇÃO IX: Ecos do Passado .................................95

EXPOSIÇÃO X: Sagração da primavera .....................105

Caleidoscópio do ser/conhecer ..................................106

Referências ............................................................ 111

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PREFÁCIO

Uma isagoge em laudação

a um manual

Recebo um recado: “Estou te encaminhando meu livro para que faças a isagoge”. O meu atento corretor de texto – maravilha que rece-bemos quando da transição da máquina de escrever ao computador – alerta ao exotismo do pedido com aquele sinalizador em vermelho, que evoca o ferretear de nossos erros, tão ao agrado dos professores em nossas composições escolares no início de nossas escriturações. O corretor (e eu) não conhece(mos) isagoge.

Como a remessa do manuscrito fora antecedida com um pedido do Guy Barcellos para que eu escrevesse um prefácio para um livro que ele concluía, pude inferir o que queria o meu amigo.

Guy, o polímata, não tinha feito, como imaginara, um pastel (= caracteres que ficam misturados e confundidos). Lá estava no di-cionário. Isagoge = s. f. Rudimentos; proémio, introdução10.

Mas fui aprender mais sobre o pedido do biólogo, que se trans-muta em museólogo, na Wikipédia: Isagoge é o nome da tradução la-tina feita por Boécio (filósofo e teólogo romano do século VI) de obra do filósofo grego Porfírio (do século III). O texto teve uma profunda influência na Filosofia medieval europeia e inspirou diversas obras com o nome Isagoge, chegando mesmo a designar genericamente a introdução ao estudo da filosofia aristotélica e o nome da disciplina na qual esse estudo era feito. Espero que não seja um tratado filo-sófico a expectativa do douto autor deste Manual de implantação de museus escolares que como leitor ora prelibas.

Que desejaria o entusiasta do Museu da Natureza com seu livro nominado como um Manual de implantação de museus escolares? Um manual?

Descobri, na minha ruminação acerca do título da obra que ago-ra o leitor tem a (a)ventura de saborear, que existe na Internet pelo

10  No Michaelis: “s.f. (iso+agoge) pouco usado. 1 Antelóquio, introdução, proêmio. 2 Preliminares. 3 Ru-dimentos”.

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menos um grupo11 que procura estudar e compreender os hábitos de não leitura de manuais de instruções pela “maioria” dos brasileiros.

Terá o Guy escrito um manual para não ser lido? Então como solucionar esse problema de “entender” um manual? Existem novas maneiras de se escreverem manuais? Sim, temos neste livro uma nova maneira de escrever manuais.

Já é hora de dar conta do solicitado: prefaciar um livro. Talvez deva creditar este fazer bastante recorrente em minhas lides aca-dêmicas a percepções de colegas que me elegem. Reconhecem-me marcado pela paixão por um binômio maravilhoso que nos faz des-tacado enquanto humanos: escrita ↔ leitura. Esta afeição à escrita e à leitura materializa-se por alguns livros que escrevi e por manter, há quase sete anos, um blogue que pretensamente faz alfabetização científica.

Escrevi em outras ouvertures que sempre me julgo distinguido quando sou convidado para escrever o prelúdio de um livro. A esta distinção se adita – permito-me lateralmente dizer que uso este ver-bo em duas acepções distintas: adicionar e tornar (alguém) feliz, dito-so – uma imensa responsabilidade: escreve-se por último aquilo que será lido por primeiro e, mais, devemos com um prefácio capturar o leitor. Logo, cabe-me a imensa responsabilidade de seduzir o leitor com este proemiar.

Há que se reconhecer, não sem certa desilusão, que a distinção antes referida não pode ser creditada apenas a méritos acadêmicos daquele que se arvora em prefaciador. Muitos dos convites são pro-dutos – como muito especialmente no caso em tela – da amizade com os autores. O encantamento que tenho pelo ser amigo do Guy Barros Barcellos deslustra o convite. Amigos são suspeitos nos elogios. De minha parte vou tentar abstrair afetos – como se isso fosse possível –, mesmo que valorize a presença dos mesmos no cotidiano da Escola12, lócus privilegiado de nossas ações.

Ao destacar os afetos, não resisto a contar como conheci bem recentemente o Guy. Nosso primeiro encontro se fez anedótico. Era outubro de 2010 – dou-me conta que em menos de três anos já vive-

11  Disponível em: <http://br.groups.yahoo.com/group/leitoresdemanuais/message/1>.12  Sempre que grafar Escola com letra maiúscula, estou me referindo a qualquer estabelecimento que faz educação formal desde a educação infantil até a pós-graduação na Universidade.

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mos tantas gratificações intelectuais –, eu ministrava um curso de História e Filosofia da Ciência no 30º Encontro de Debates de Ensino de Química na PUCRS. De passagem, citei Leeuwenhoek (Delft, 1632-1723) um comerciante de tecidos, importante cientista e construtor de microscópios em Delft, nos Países Baixos. Ele descreveu a estrutu-ra celular dos vegetais, chamando as células de “glóbulos”, utilizan-do um microscópio feito por ele mesmo (possuía talvez a maior cole-ção de lentes do mundo no século XVII, cerca de 250 microscópios), foi o primeiro a observar e descrever fibras musculares, bactérias, protozoários e o fluxo de sangue nos capilares sanguíneos de peixes.

Disse lateralmente: “Leeuwenhoek, em Delft, era amigo do pin-tor...”, e a memória me falhou. Só consegui dizer: “aquele que pin-tou a Moça do brinco de pérola”. Vislumbrava uma reprodução de “A leiteira” que possuo e não me ocorria o nome do famoso pintor holandês, seu autor. Creditava-me, assim, uma dívida com os parti-cipantes. Um ou dois minutos depois, um deles disse: “Vermeer, pro-fessor”. Com humildade, o Professor Guy não deixou transparecer o polímata que é. Mostrou um smartphone (à época algo raro), no qual o oráculo Google lhe viera em ajuda. A dignidade do Guy neste episódio se fez ícone para mim. Ainda em dezembro daquele ano fui fazer uma palestra no Museu da Natureza, em Cachoeirinha, dentro dos atos inaugurais do mesmo. Minhas visitas ao Museu e a amizade com o Guy se adensaram.

Já que me arvorei trazer algo tão pessoal na minha relação com o autor deste livro, permito-me outro narrar que já fez história: é algo acerca da difícil arte de fazer crítica aos escritos de outros, es-pecialmente em bancas de dissertações ou teses. No ano passado, en-tre várias defesas que tive na Universidade do Estado do Amazonas, houve duas em agosto, em Parintins. Uma delas concorridíssima – uma plateia de mais de uma centena de pessoas –na qual o candidato era o Diretor do Centro de Formação de Professores da UEA, pessoa queridíssima na sua comunidade. Como aportar, então, críticas, sem cair no desagrado do público que estava ali torcendo para que seu diretor não fosse escalpelado pelos inquisidores, nesta inspiração medieva que são as bancas?

Comecei contando uma situação que me ocorrera em março daquele ano. Estava na defesa de dissertação de um jovem biólogo

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reconhecido. No auditório estava seu avô, alienígena na Academia. Fiz alguns comentários/sugestões na busca de aprimorar a versão final da dissertação. Terminada a sessão de defesa, perguntei ao ne-omestrando: “Guy, o que teu avô achou dos rituais acadêmicos?”.E Guy respondeu: “Ele disse que tu parecias um técnico de futebol que-rendo ensinar o Neimar a jogar futebol!”. Completei, então em Parin-tins, dizendo que “hoje sou aqui alguém que vai parecer que queira ensinar o Diretor a ‘jogar futebol’”.

Mas, aqui e agora, assoma algo maior falar do livro que, talvez você, como leitor, busque neste prefácio para se decidir por adentrar num mundo (quase) desconhecido do museu escolar. Digo como o Poeta: “cesse tudo que a Musa antiga canta, pois valor mais alto se le-vanta”. Não é sem razão que chamo Camões a esta celebração. Temos neste livro uma elegia às Musas. O Guy musicou isso no lírico introito que está logo em seguida. O templo das musas era o Museion, termo que deu origem à palavra museu: local do cultivo e da preservação das artes e ciências e artefato cultural central nesta obra. Não ques-tionei ao polímata, autor deste livro, qual das nove filhas de Mnemo-sine e Zeus é a musa que tem a capacidade de inspirar a sua criação artística ou científica. Na dúvida, homenageio as nove.

Assim, vivamos, aqui e agora, o ritual de dar a lume o Manual de implantação de museus escolares. Permitam-me, por ser démodé, traduzir essa bonita ação de dar a lume: tornar notório, público; de-clarar, manifestar. Cabe-me nesse prefácio fazer a epifania ou cele-brar o aparecimento ou, ainda, ensejar a manifestação reveladora de um novo livro. Esse ritual quase iniciático se faz em regozijos. Talvez porque este cerimonial tenha marcas litúrgicas da epifania cristã de desvelar o escondido.

Evoco uma ação que correlaciona museu com o “antigamen-te” para, ao saborear o texto pós-moderno do Guy, contrapor com o novo que este Manual nos oferece. Há ações marcadas por palavras--chaves que se fazem modismo. Na segunda década do século XXI, a palavra da moda é inovação. Na década passada era sustentabilidade. Na última década do século XX, foi qualidade.

Parece que aqui reside o diferente neste livro. Mesmo que te-nhamos feito uma regressão ao berço de nossa tradição grega – aque-la que nos impele ao saber – e invocado a proteção das Musas, a pro-

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dução do Guy tem a marca da inovação. Há que fazer nesta marca dois destaques: o primeiro, uma não adesão a modismo; o outro: não houve/há necessidade de forçar a barra para qualificar as trazidas que este “nãomanual” sugere para qualificá-las como inovadoras.

Nesta inovação algo significativo é trazido neste livro. A lei que define a política de museus é noviça: a Lei n. 11.904, de 14 de janeiro de 2009. Assim, a missão dos museus é digna de crescente valoriza-ção, em razão do papel que esses centros de reflexão, humanização e descoberta de novos saberes exercem em nome da difusão do co-nhecimento, concorrendo para a construção de uma sociedade mais justa e inclusiva. Não é, portanto, sem razão que este livro se faz me-ritório.

Basta que leiamos o artigo segundo da citada lei:

São princípios fundamentais dos museus: I – a valorização da dig-nidade humana; II – a promoção da cidadania; III – o cumprimento da função social; IV – a valorização e preservação do patrimônio cultural e ambiental; V – a universalidade do acesso, o respeito e a valorização à diversidade cultural; VI – o intercâmbio institucional.

Vislumbraremos, em cada uma dessas seis alíneas, o explícito fazer a Educação com a Ciência. Talvez por isso Guy se faça um Virgí-lio para nos levar a visitar a casa das filhas da Memória.

Quase posso antecipar às leitoras e aos leitores que se aventura-rão a acompanhar o Guy no desvelo (aqui na acepção do verbo cuja ação é tirar o véu) do fazer um Museu de Ciências que há de se viajar na proposição de ações que contemplem fazeres para cada uma das seis alíneas trazidas no diploma legal.

Sonhar é preciso!Após este espraiar-se em utopias, voltemos às saborosas rea-

lidades que estão amealhadas neste livro. Vale sorvê-las. Com elas, muito provavelmente, se arquitetarão sonhos, e com estes se cons-truirão museus. Aqui há pressupostos teóricos que merecem ser compartilhados para uma árdua, mas muito necessária situação: pôr em prática as densas e viáveis propostas trazidas por este Manual de implantação de museus escolares.

E bem-vindo a um mundo (quase) encantado, mas transmutá-vel em apaixonante realidade.

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Attico Chassot Licenciado em Química e Doutor em Educação

www.professorchassot.pro.br Numa chuviscosa e fria noite do inverno gaúcho de 2013.

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Apresentação

Sinto-me feliz ao apresentar este livro que é, sobretudo, um presente amorosamente elaborado pelo autor, a fim de compartilhar com outros professores as vivências e o trabalho que tem desenvolvi-do em museus escolares construídos com seus alunos. A edição con-tou com apoio da Central de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (CAPES), entidade do governo brasileiro voltada à formação de recursos humanos, pois esta produção está integrada a um proje-to de pesquisa.

Tive o privilégio de acompanhar Guy Barros Barcellos na gra-duação em Ciências Biológicas e ser sua orientadora no Mestrado em Educação em Matemática, na PUCRS, curso em que foi contempla-do com uma bolsa da CAPES no projeto interinstitucional “Ciência, História, Educação e Cultura” (Programa Pró-Cultura – CAPES/MinC), do qual sou coordenadora-geral. O projeto, que integra três univer-sidades10 (PUCRS, UFPE e UFBA), focaliza contribuições de centros e museus de ciências para a alfabetização científica, a educação em diversos níveis de ensino e a formação inicial e continuada de pro-fessores de Ciências.

Nesse contexto, o autor realizou sua dissertação de mestrado11 e elaborou o livro, mas sua fascinação por museus se iniciou bem antes, desde a infância. Como filho de Lauro Barcellos, diretor do Museu Oceanográfico de Rio Grande, teve diversas oportunidades de conhecer museus e interagir com museólogos, conforme depoimen-tos seus. Como exemplo, Guy lembra, no capítulo introdutório da dis-sertação, a baleia azul de 32 metros que morreu na Praia do Cassino e foi transportada à sua casa em três caminhões, sendo seu esqueleto armado ao ar livre: “Minha infância teve baleias no jardim. [...] Mi-nha alfabetização científica ocorreu assim, por osmose, catalisada por momentos especiais, neste ambiente de estudo e trabalho para muitos, mas para mim também de muita diversão”. O amadureci-mento e o desenvolvimento da sua competência como educador e

10  Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (instituição líder), Universidade Federal de Pernambuco e Universidade Federal da Bahia. 11  Dissertação intitulada “O papel de um Museu de Ciências construído por alunos de Ensino Fundamen-tal na divulgação científica” (BARCELLOS, 2012), defendida e aprovada em março de 2012.

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pesquisador vieram depressa e intensamente, mas sem deixar de priorizar aspectos lúdicos e a alegria de viver.

Na estrutura do livro, os capítulos estão distribuídos e agru-pados em “atos”, como em uma apresentação teatral. Os “atos” são precedidos por uma introdução breve e poética sobre o lirismo que perpassa a obra como um todo: “Introitum: o lirismo das coisas”.

A seguir, no “Primeiro ato: A prática sem teoria é iníqua”, o livro apresenta capítulos que resumem fundamentos sobre museus esco-lares. Em “Museus escolares: curadores do ensino de Ciências”, o au-tor argumenta sobre a relevância de engajar os alunos na pesquisa, o que pode ser realizado em museus nos quais os curadores sejam alunos selecionados a partir dos seus próprios interesses.

Em “Catalisando uma inteligência naturalista”, destaca, entre diversos tipos de inteligência, a inteligência naturalista com ênfase no questionamento e na investigação, por meio da construção parti-cipativa de um museu de ciências (MC) na escola.

Em “Por que e para que(m) ensinar Ciências”, há reflexões so-bre a necessidade de alfabetização científica (AF), esclarecendo como um museu escolar pode contribuir nesse sentido: o aluno-curador não apenas pesquisa, mas também divulga e, assim, se alfabetiza cientificamente.

O capítulo “Aprendizado de Ciências que motiva o aluno, um desafio ao Mestre” parte da consideração de que o professor é o me-diador que incentiva e desafia a construção de conhecimentos, pois o aprendizado deve ocorrer através da pesquisa e da ação dos alunos, em um clima de liberdade, harmonia e colaboração.

“A casa das filhas da Memória” aborda museus e memória. Es-clarece a definição de museu como lugar em que a memória é culti-vada, bem como sua função sócio-histórica, política e cultural, com embasamento legal12.

Segue-se o “Epílogo do 1º ato”, com depoimentos pessoais que remetem a outra parte da obra, com operacionalização de todo o processo. Antes disso, porém, traz um belo depoimento: “Entr’acte: o Museu da Natureza”. Questionando-se sobre quando aprendeu mais Ciências durante o período escolar, percebeu que foi no Museu da Natureza (MN), espaço que criou e organizou, e não em sala de aula.

12  Lei n. 11.904, de 14 de janeiro de 2009, em especial os dois primeiros parágrafos.

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Decidiu então oportunizar o mesmo aos seus alunos e compartilhar com outros professores essas vivências.

E inicia o “Segundo Ato: A teoria sem prática é inócua”, que contém a operacionalização de todo o processo de construção de um museu escolar. Nele reúne capítulos nos quais argumenta sobre o processo de musealização, tendo alunos como curadores, formação da equipe, instalação, recursos, materiais necessários e, enfim, a “Construção por encontros – Operacionalização”, em que apresenta dez exemplos detalhados e ilustrados de exposições:

• planetário com modelo heliocêntrico (“A dança dos pla-netas”);

• fases do planeta Terra e evolução dos seres vivos (“Con-tinentes navegando”);

• modelo de vulcão (“A fúria de Geia”);

• modelos de célula (“Minúcias da vida)”;

• modelo de cadeia de DNA (“Escritura espiralada”);

• maquete do período Cambriano (“Estranho mundo per-dido)”;

• móbile com seres do mar (“Tétis e Oceano”);

• modelagem de moluscos nudibrânquios (“Caleidoscó-pios vivos”);

• modelagem de fósseis (“Ecos do passado”);

• construção de um jardim vertical (“Sagração da Prima-vera”).

Em cada uma dessas exposições há uma fundamentação, suges-tão de trabalhos, materiais, procedimentos e ilustrações. Contudo o autor alerta: “Não tenho a intenção de oferecer ‘receitas’, mas alguns protocolos de atividades já validadas, ou seja, realizadas e bem-su-cedidas em um ambiente escolar”. A expectativa é que os exemplos sejam considerados, analisados e adaptados pelos colegas que acei-tarem o desafio.

Com carinho e admiração, garanto que os resultados podem ser extraordinariamente gratificantes para os que dele participarem, tanto alunos curadores como professores orientadores, rompendo li-

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mites e integrando com encantamento diferentes habilidades e emo-ções.

Regina Maria Rabello Borges

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À concha corresponde um conceito tão claro, tão fir-me, tão rígido que, não podendo simplesmente de-senhá-lo, o poeta, reduzido a falar dele, a princípio fica com um déficit de imagens. Em sua evasão para valores sonhados, é interrompido pela realidade ge-ométrica das formas. E as formas são tão numerosas, por vezes tão novas que, a partir do exame positivo do mundo das conchas, a imaginação é vencida pela rea-lidade. Aqui a natureza imagina e a natureza é sábia. [...] Será possível que um ser viva na pedra [...]? Esse espanto, quase não tornamos a senti-lo. A vida des-gasta os primeiros espantos. Aliás, para uma concha “viva”, quantas conchas mortas! Para uma concha ha-bitada, quantas conchas vazias! Mas a concha vazia, como um ninho vazio, sugere devaneios de refúgio. É sem dúvida um requinte de devaneio seguir imagens tão simples. [...] Por isso, consideramos interessante propor uma fenomenologia da concha habitada.

Bachelard

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Introitum: O lirismo das coisas

Coloria o ar com sons alegres, Orfeu e sua lira, gaio e rejubiloso de seu amor por Eurídice. Ninfas faceiras pululavam celebrando a união conjugal, álacres por terem suas almas acariciadas pelo som inexplicável da lira. Contudo, as artimanhas das Parcas são penosas...

A víbora, colubrina e traiçoeira, rastejando pela relva, subtrai--lhe a razão de musicar, inoculando sua peçonha fatal na cândida Eu-rídice. Qual não é o desespero de Orfeu que o faz descer aos abismos infernais do Hades, implorar clemência aos ministros da morte. Sua música suplicante soa tão bela que arrefece a decisão funérea das di-vindades do Estige. Os deuses infernais devolvem a amada com uma condição: que jamais volte seu olhar para trás, na longa caminhada até a superfície...

O amor, esta força que inebria a razão e entorpece o pensar, faz Orfeu olhar para trás, vendo, pela última vez, o objeto de sua afeição. As sombras pálidas da morte roubam Eurídice da custódia de Orfeu para todo o sempre. Acerba situação imprime em Orfeu uma tristeza que o encharca. Afogado em lágrimas não toca mais a lira, não alegra mais as ninfas. Seu pranto mesto não foi suficiente para amortecer a fúria das ninfas que, iradas pelo silêncio vazio, estraçalham Orfeu como fúrias famélicas. As mesmas ninfas que celebraram seu matri-mônio aspergiram seus pedaços pela Terra. Assim, como produto da ação furibunda das ninfas, a poesia e o lirismo são espalhados pelo mundo e contaminam todas as coisas...

Se todas as coisas (materiais ou imateriais) têm, impressas em si, a poesia de Orfeu, cumpre-nos resgatar, (re)descobrir, (re)ler ou, quem sabe, reinventar o lirismo orfeão de cada objeto. É mister ao ser humano, para completar-se em sua essência, ligar-se ao belo e ao que lhe faz humano. Ver, tocar, sentir e significar a sépsis lírica do mundo que o cerca. É da relação profunda do ser humano com as coisas que trata este livro...

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Figura 1 “Orfeu e as bacantes”, óleo sobre tela de Gregorio Lazzarini (1710). Fonte: Disponível em <http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Gregorio_Lazzarini_-_Orpheus_and_the_Bacchantes_-_WGA12527.jpg>.

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PRIMEIRO ATO:

A práticA sem teoriA é iníquA

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1 MUSEUS ESCOLARES: CURADORES

DO ENSINO DE CIÊNCIAS

Quem nunca ousa quebrar as regras nunca as supera. Lorenzo Bernini (1598‑1680)

Em um mundo cada vez mais repleto de virtualidades, este tra‑balho propõe algo concreto, no sentido de ser palpável: um museu “real”, curado por alunos também “reais”. Sabe‑se que projetos de Ciências oferecem aos estudantes raras oportunidades de engajar‑se na pesquisa científica. Pois, diversamente dos experimentos de‑monstrativos em sala de aula, estes projetos desafiam os estudantes a desenvolverem suas próprias questões, conduzirem suas pesquisas e divulgarem‑nas aos seus pares (HERR, 2008). Dentro dessa concep‑ção, os alunos‑curadores construiriam um museu cujo fim não é o museu em si. Trata‑se de um meio, uma ferramenta, para realizar alfabetização científica através de um processo (inter)ativo, (re)construtivo, analítico, comunicativo, emocional e afetivo. Signi‑fica a experiência científica e oferece múltiplas possibilidades, que podem despertar no aluno interesse pela pesquisa, pela arte, pelo co‑nhecimento e pelo trabalho em equipe. Nesse trabalho, guiado pela construção participativa, os alunos curam e musealizam a coleção visando a um fim: construir um Museu de Ciências (MC) na escola, orientados por um professor1. Segundo Campbell et al. (2000, p. 207):

Embora seja típico pensarmos em museus como prédios com va‑liosas coleções de arte, ciência ou história, as salas de aula podem ser transformadas em locais similares de inspiração e estudo. Para fazê‑lo, os alunos assumem os papéis de colecionadores, pesquisa‑dores e curadores.

1  Apesar de eu próprio não ter sido orientado por nenhum professor quando fiz o “Museu da Natureza” (BARCELLOS, 2009) na escola onde cursava o ensino médio, hoje vejo, como docente, que a presença de um professor que oriente sem interferir pode ser uma facilitadora de aprendizagens.

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Na presente proposta, não será em sala de aula que o museu irá “ocorrer”. Sobre a aula Demo afirma ser útil, mas não o suficiente: “Aula é expediente auxiliar, cuja função maior é viabilizar a constru‑ção de conhecimento, jamais seu mero repasse. Cultiva‑se a autoria do aluno […]. O equilíbrio entre a pesquisa e educação não é fácil, pois a tradição é avessa” (2010, p. 22). Não é negativa nem descartável a possibilidade de construir um museu em (no sentido de durante e no espaço das) aulas, pelo contrário, esse processo pode ser produtivo. A ressalva consiste em a dificuldade ser maior em desenvolver as ativi‑dades da construção participativa com grupos grandes, como costu‑mam ser as turmas na maioria das escolas. Além disso, a cobrança de cumprir‑se um calendário de conteúdos programáticos acaba sendo inimiga da lentidão necessária para construir‑se um museu.

Quando o estudante assumir o papel de curador/pesquisador2, poderá aprender através da pesquisa e da (re)descoberta e (re)cons‑trução do (seu) conhecimento. De acordo com Demo (2010, p. 19):

Pesquisa como princípio educativo proporciona a expectativa da cidadania ancorada em pesquisa ou produção própria de conheci‑mento, possibilitando a combinação de educação e Ciência. Como se pode pesquisar educando e educar pesquisando? Primeiro urge não separar os cenários, mas mesclá‑los.

Neste universo, o processo educativo é misturado ao processo investigativo, quando os alunos recebem parte do acervo e musea‑lizam‑no. De outra parte, constroem, como se preenchessem as la‑cunas de um livro com trechos em branco. Este trabalho gera duas possibilidades: de o aluno pesquisar sobre um fóssil, molusco, rocha, inseto ou fenômeno e, a partir daí, construir exposições e textos de pesquisa e divulgação. E, outra, de os alunos fazerem modelos de cé‑lulas, cadeias de DNA, sistema solar, planetas e ecossistemas... Desde a posição de observador dos alunos, o professor que interessar‑se neste tipo de projeto pode detectar quais alunos têm maior facilida‑de de compreensão e expressão nesta “área”3 (de Ciências e Biolo‑gia). Sobre essa capacidade, aprofundo no próximo capítulo.

2  Digo ser o aluno‑curador também um pesquisador porque a atividade do primeiro está diretamente ligada àquela do segundo. Um curador pesquisa sobre um (ou mais) objeto(s), visando produzir conhecimento e, por ser curador, não se limita a fazê‑lo como também age visando sua preservação e divulgação para a comunidade.3  Uso o termo área por ausência de outro mais apropriado.

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2 CATALISANDO UMA

INTELIGÊNCIA NATURALISTA

O psicólogo americano Howard Gardner mudou a perspectiva e o entendimento dos educadores sobre inteligência quando criou a teoria das múltiplas inteligências. Afirma que os seres humanos apresentam diferentes capacidades voltadas para áreas determina‑das. Gardner (1993) identificou nove inteligências: lógico‑matemáti‑ca, espacial, linguística, cinestésico‑corporal, musical, interpessoal, intrapessoal, naturalista e existencial. Não são meramente classes de uma suposta “taxonomia” cognitiva. O autor coloca como elementos que compõem a complexa mente humana (GARDNER, 2000). Acres‑centa que as pessoas podem possuir mais de uma e ressalta que as relações delas entre si, bem como suas intensidades, são variáveis e únicas em cada indivíduo. Também coloca que podem mudar com o tempo e de acordo com as experiências que se vivenciam.

Atenho‑me neste livro, por razões evidentes, à inteligência na‑turalista. Segundo Campbell et al.(2000, p. 200):

Gardner formulou a hipótese de que a inteligência naturalista me‑recia reconhecimento como uma inteligência distinta. Ele descreve as habilidades básicas do naturalista como alguém que é capaz de reconhecer flora e fauna, fazer distinções coerentes no mundo na‑tural e usar tal capacidade da maneira produtiva. Além disso, os naturalistas são hábeis em identificar membros de um grupo ou es‑pécie, [...] reconhecer a existência de outras espécies e perceber os relacionamentos entre várias espécies. […] Alguns indivíduos com inteligência naturalista altamente desenvolvida criam produtos ou categorias que cruzam as fronteiras culturais e sobrevivem duran‑te gerações. Charles Darwin, George Washington, Rachel Carson, Luther Burbank e Jane Goodhal são exemplos de indivíduos com um conhecimento notável do mundo vivo e de suas criaturas.

Ademais, a inteligência naturalista pode despertar no aluno uma postura mental questionadora. Explorando a curiosidade dos alunos, pode‑se estimulá‑los a formularem perguntas que não te‑nham respostas prontas (CAMPBELL et al., 2000), visto que “uma educação de perguntas é a única educação criativa e apta a estimu‑

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lar a capacidade humana de assombrar‑se, de responder ao seu as‑sombro e resolver seus verdadeiros problemas essenciais” (FREIRE, FAUNDEZ, 1981, p. 52).

Desta forma, o desenvolvimento da inteligência naturalista em um ambiente onde se motiva o aluno e se proporciona que o mesmo faça suas próprias perguntas é desejável, dado que “hoje é preciso recriar a educação, para que sempre se desperte não ape‑nas a inteligência, mas também a sensibilidade. [...] Problematizar criadoramente, sem recusar o fardo da complexidade dos questiona‑mentos” (ROCHA FILHO et al., 2009, p. 57).

Este recriar exige que se envolvam os estudantes e os motive na busca pelo conhecimento. Perrenoud (2000, p. 69) afirma ser neces‑sário “suscitar o desejo de aprender, [...] o sentido do trabalho esco‑lar e desenvolver na criança a capacidade de autoavaliação; Oferecer atividades opcionais à formação, à la carte; Favorecer a definição de um projeto pessoal do aluno”. Portanto, a função do aluno‑cura‑dor é estabelecida a partir de seus interesses. Quando vê sentido e emociona‑se com algum conhecimento, gera perguntas a seu respeito. Estas perguntas podem ser a ignição para seu projeto de pesquisa/curadoria. Sobre alunos‑curadores, Campbell afirma:

Como “curadores”, os papéis dos alunos mudam. Não mais reci‑pientes de conhecimento, [...] criam ambientes em que os outros pesquisam e aprendem. Além disso, ao criar novos acervos, os alunos usam muitas habilidades do pensamento naturalista. Per‑cebem e processam informações, categorizam e priorizam dados e estendem as teorias que aprenderam na aula, demonstrando o seu conhecimento de maneiras extremamente pessoais.

A construção participativa de um MC, além de propiciar mo‑mentos de alfabetização científica (AF), é um espaço onde os alu‑nos‑curadores despertam e desenvolvem a inteligência naturalista. Dentro dessa proposta, o aluno pode identificar os mais diversos organismos presentes nos ecossistemas, relacioná‑los entre si e per‑ceber as delicadas relações entre os seres vivos. Mais do que isso, podem entender que todos os organismos do planeta Terra são pro‑duto de um longo e tempestuoso processo de mutação, seleção natu‑ral, adaptação e evolução. As vivências em um museu escolar seriam uma forma de buscar formar melhor o aluno, unindo a capacidade

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de, não somente apre(e)nder, perceber e compreender, mas também de significar e explicitar o conhecimento científico (BIEMBENGUT, 2013).

Simpatizo com essa forma de pensar porque a considero ele‑gante e porque sinto‑me, de certa forma, confortado por ela. Sempre fui um péssimo aluno para matemática e educação física, no entanto, destacava‑me em biologia, línguas, artes, história e geografia... Mes‑mo assim, considerava‑me um incapaz. Ora, não poderia ser inte‑ligente se não era bom em todas as matérias... Quantos alunos não pensam o mesmo de si? Hoje entendo que, por possuir uma inteli‑gência predominantemente naturalista, e bastante linguística, era assaz difícil tentar entender (já que estavam insistindo em ensinar) a matemática pura ou tentar jogar futebol...

Por que iria calcular probabilidades estatísticas e quadrantes trigonométricos se aquilo que me inspirava, que me encantava e que fazia sentido em minha mente era a migração das baleias, a evolução dos invertebrados, a fotossíntese, as reações da glicólise e a estru‑tura das proteínas? Evidentemente, é necessário compreender uma base de cada área, afinal, a própria biologia tem sua matematização, mas a situação acima serve como exemplo de que temos mais faci‑lidade para determinadas áreas do conhecimento... Gardner desta‑ca a importância de identificarmos o mosaico de inteligências que possuímos, que possuem nossos alunos. É fundamental tentarmos perceber quais se destacam mais e trabalharmos e desenvolvermos atividades utilizando o arranjo de inteligências de cada pessoa. Que sentido faz morfologia vegetal para um médico? Qual é a necessidade de um artista plástico saber sobre balanceamento estequiométrico?

Evidentemente, um médico precisa saber quais vegetais são tó‑xicos ou medicinais. Obviamente, um pintor deve saber que precisa quantificar periodicamente o chumbo em seu sangue, devido à com‑posição de algumas tintas. Mas obrigar alguém de inteligência natu‑ralista pouco voltada para a botânica a saber todos os tecidos e cé‑lulas que compõe um vegetal é um equívoco. Ou, pior ainda, perder meses forçando um indivíduo, de inteligência predominantemente musical ou linguística, a estudar os números atômicos e os orbitais dos elementos da tabela periódica... Não seria muito melhor usar todo este tempo para ensiná‑lo a compor cores? A desenhar uma pai‑

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sagem? A fazer um retrato? A tocar um instrumento ou a cantar? So‑bre os méritos de “utilidades” do ensino, Attico Chassot debate com muita eloquência em seu livro Para que(m) é útil o ensino? (CHASSOT, 2004).

Não irei desenvolver prolongadamente minhas opiniões sobre o ENEM e vestibulares, provas que tratam a todos os estudantes como se fossem iguais. Afinal, a partir do que leu o leitor poderá imaginar o que penso deste tipo de avaliação... Mas vale colocar algumas bre‑ves considerações.

O que me parece mais perverso é utilizar as mais nobres artes, as ciências mais belas e fascinantes, construtos dos gênios que fize‑ram nossa compreensão de mundo como enigmas para testar um calouro. Transfigurar as ciências em obstáculos, enfim, esfingificar os conhecimentos para selecionar alguém para alguma coisa. Criar uma situação eivada de artificialidade para escolher quem entra e quem fica fora, para deixar alguns irem adiante e outros não. Assim são quase todas as provas tradicionais e testes objetivos, em alguns países realizados até com controle remoto, completamente cegos às diferenças de cada ser humano e protagonistas de um sistema alta‑mente exclusivo, opressor e irreal. Os alunos realizam na vida escolar centenas de provas. Já na vida adulta, em seus trabalhos e profissões, nada disso encontrarão. Irão aparecer projetos que exigem criativi‑dade, situações que demandam capacidade de decisão, tenacidade e paixão. Mas, que pena, foram treinados para fazer provas... Ou seja, anos postos fora. Dias roubados, horas, em que poderiam estar fa‑zendo algo realmente útil, ou que lhes desse prazer, para estudar o que não fazia sentido. Ainda mais, com uma grande possibilidade de frustração geradora de sentimento de nulidade...

A partir dos problemas apontados, podemos perceber que a te‑oria das múltiplas inteligências pode ser uma solução, um caminho para mitigá‑los e uma justificativa plausível para a implantação de um museu escolar. Criar uma ilha4 no ambiente escolar onde seja possível, além de ensinar Ciências, prospectar e desenvolver inteligências!

4  Visto que em muitas escolas há uma verdadeira obsessão por testes, provas e quantificações que, supos‑tamente, “medem” o quanto os alunos estão aprendendo. Muitas vezes faz lembrar uma indústria que sub‑mete seus produtos a um teste de qualidade, afinal todos são, ou deveriam ser, iguais. Após o teste aqueles que o superam vão adiante e outros que não atenderam às exigências ficam para trás.

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Em minha dissertação de mestrado (BARCELLOS, 2012) cria ser a inteligência naturalista aquela mais destacada nos alunos‑curado‑res. Continuo pensando assim o ser, no entanto, após alguns anos de experiência no Museu da Natureza, percebi que pode ser um espaço para o desenvolvimento de todas as nove inteligências... No capítulo seguinte defendo a necessidade de ensinar Ciências de uma maneira menos ortodoxa.

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3 POR QUE E PARA QUE(M)

ENSINAR CIÊNCIAS

Por muito cuidado que se tenha educar também é podar; deixar crescer com

toda força o ramo que nos agrada.

Agostinho da Silva (1906‑1994)

Neste primeiro momento é importante notar que a Ciência é uma linguagem construída pela humanidade para explicar o mundo natural, sendo, portanto, uma construção humana, segundo Chassot (2008), que argumenta:

A Ciência não tem a verdade, mas aceita algumas verdades transi‑tórias, provisórias em um cenário parcial onde os humanos não são o centro da natureza, mas elementos da mesma. O entendimento destas verdades – e, portanto, não a crença nas mesmas –, tem uma exigência: a razão. Aqui temos um primeiro alerta: diferentemente das religiões que admitem verdades reveladas, a Ciência não tem verdade (CHASSOT, 2008, p. 63).

Esta forma de pensar desprovida de verdades absolutas urge ser ensinada porque “entender a Ciência nos facilita, também, con‑tribuir para controlar e prever as transformações que ocorrem na natureza. Assim, teremos condições de fazer que estas transforma‑ções sejam propostas para que conduzam a uma melhor qualidade de vida” (CHASSOT, 2008, p. 73). O conceito de AF divide‑se em três dimensões: (1) o conhecimento de termos e conceitos científicos; (2) uma compreensão da natureza da Ciência; e (3) o entendimento so‑bre o impacto da ciência sobre a sociedade (MILLER, 1983), comple‑tando‑se com a seguinte definição:

a alfabetização científica é um conjunto de conhecimentos que fa‑cilitam ao ser humano fazer uma leitura, seguida de uma interpre‑tação, do mundo onde vivem. [...] seria desejável que os alfabeti‑

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zados cientificamente não apenas tivessem facilitada a leitura do mundo em que vivem, mas entendessem as necessidades de trans‑formá‑lo, ou transformá‑lo para melhor. (CHASSOT, 2011, p. 62)

Ademais, existe consenso da necessidade de uma AF que per‑mita preparar cidadãos para participação inteligente em questões sociais relativas à Ciência. Na Conferência Mundial sobre a Ciência para o século XXI, organizada pela UNESCO e pelo Conselho Inter‑nacional para a Ciência, declara‑se: “Hoje, mais do que nunca, é ne‑cessário fomentar e difundir a AF em todas as culturas e em todos os setores da sociedade, [...] a fim de melhorar a participação dos cidadãos na adoção de decisões relativas à aplicação de novos conhe‑cimentos” (DECLARAÇÃO DE BUDAPESTE, 1999).

Segundo Furió e colaboradores (2001), AF significa possibilitar que a maioria da população disponha de conhecimentos científicos e tecnológicos necessários para se desenvolver na vida cotidiana, ajudar a resolver os problemas e as necessidades de saúde e sobre‑vivência, tomar consciência das complexas relações entre ciência e sociedade.

O desafio maior reside em educar fazendo ciência, visto que a AF significa saber lidar com a presença dos conhecimentos cientí‑ficos na sociedade para oportunizar desenvolvimentos como: apro‑veitar conhecimentos científicos que possam melhorar a qualidade de vida; aproveitar chances de formação mais qualificada em áreas científicas e tecnológicas; universalizar o acesso ao conhecimento, persistindo na afirmação de que a pesquisa é uma forma qualifica‑da de ensino; focar atenção à proteção ao meio ambiente através da educação (DEMO, 2010).

A construção participativa de um MC, sob essa ótica, mostra‑se como alternativa, ou até mesmo uma solução parcial, para um erro comum apresentado em alguns livros e currículos de Ciências, o qual Azevedo (2004) denomina como “operativismo” (exercícios repetiti‑vos), já que essa construção propicia momentos de pesquisa prática e teórica.

Na mesma perspectiva, Hodson (1992 apud AZEVEDO, 2004, p. 19) alega que “os estudantes aprendem mais sobre ciência quando participam de investigações científicas semelhantes às feitas nos laboratórios de pesquisa”. Em coerência com essa ideia, propõe‑se

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aqui uma ferramenta que poderia ser adaptada por outros professo‑res, contemplando as diferentes realidades e ajustando às limitações de escolas e comunidades, a fim de realizar AF através da pesquisa. Também serviria para ir de encontro a concepções generalizantes, portanto, possivelmente injustas, de que: “O espírito científico da es‑cola depende, sumamente, do espírito científico dos professores que, como regra, é nenhum” (DEMO, 2011, p. 11).

A construção participativa de um MC não se limita a pesquisar e produzir conhecimento, mas, também, a divulgá‑lo através de uma comunicação acessível a todos que o visitarem. Ou seja, além de o aluno‑curador, em um sentido coletivo, realizar pesquisa, ele tam‑bém realiza divulgação de Ciência. Sumarizando: o aluno‑curador pesquisa e divulga para alfabetizar‑se cientificamente.

O leitor poderá dizer: pois bem, a proposta é válida, mas como mobilizar os alunos para um projeto desta envergadura? Como con‑correr com todos os atrativos que as tecnologias hodiernas galvani‑zam as atenções dos estudantes? Justamente a este tipo de pergun‑ta que tento responder no capítulo a seguir. Nas próximas páginas mostro que não é por experiências fumegantes ou aulas 3D que cha‑mamos a atenção e motivamos nossos alunos, mas pela valorização de seu trabalho e pela significação de suas experiências (práticas e teóricas) que ocorrem na escola. Quando, no espaço escolar, o alu‑no encontra eco para seus pensamentos, alívio para seus anseios e não respostas secas, mas reflexões problematizantes para seus ques‑tionamentos, ele irá motivar‑se para a pesquisa e irá, finalmente, aprender. Nesta selva opaca reside um desafio...

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4 APRENDIZADO DE CIÊNCIAS

QUE MOTIVA O ALUNO, UM

DESAFIO AO MESTRE

É um rematado erro crer que o ser humano possui um cére‑bro que pode ser comparado a uma folha de papel em branco e que, à medida que a pessoa é educada, os professores vão preenchendo essa folha com informações e conhecimento (REINACH, 2010). Se‑gundo Delizoicov et al. (2011, p. 131):

Nenhum aluno é folha de papel em branco em que são depositados conhecimentos sistematizados durante sua escolarização. As expli‑cações e os conceitos que formou e forma, em sua relação social mais ampla do que a de escolaridade, interferem em sua aprendi‑zagem de Ciências Naturais.

Logo, o aluno não aprende Ciências somente em sala de aula ou somente quando estuda. Pode‑se dizer que o expediente escolar, dentro de suas limitações de horário, pessoal, recursos e espaços, é insuficiente para um aprendizado de Ciências que catalise a AF pro‑priamente dita.

Do ponto de vista biológico, a educação pode ser entendida como a tentativa da sociedade de influenciar o funcionamento do cérebro dos indivíduos (REINACH, 2010). Contudo esse conceito não é plenamente satisfatório. Por mais que uma demonstração prática pareça ser suficiente para que o aluno aprenda e compreenda o que o professor deseja, isso nem sempre ocorre (SHIMAMOTO, 2008), porque a aprendizagem se explica através das mudanças de compor‑tamento resultantes de uma experiência (MOSQUERA, 1984) e não de uma observação.

Na presente proposta, sugere‑se que o aprendizado deva ocor‑rer através da pesquisa e da ação dos alunos. Sobre isso, Demo (2010, p. 13) afirma:

Facilmente interpomos separação desnecessária entre dois termos: na escola se imagina educar, não fazer Ciência; na universidade de

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pesquisa se imagina fazer conhecimento, sem maior foco na edu‑cação. É preciso unir os termos [...] partindo da proposta de educar pela pesquisa.

Na escola é importante refletir sobre a concepção de que os alu‑nos possam receber e absorver conhecimentos externos ou se, na verdade, ampliam o que já foi anteriormente aprendido (MORAES, 2007). Por essas razões um MC construído por alunos pode ser um espaço de produção de conhecimentos e aprendizagem sobre as Ci‑ências, já que “as habilidades de observar, classificar e categorizar podem ser desenvolvidas e aplicadas a objetos artificiais” (GARDNER apud CAMPBELL, 2000, p. 205), como réplicas e modelos de seres vi‑vos e estruturas relacionadas. Não obstante, em um MC, “os alunos podem criar coleções de flora e/ou fauna [...]. Após reunirem seus ‘espécimes’, os alunos podem começar a classificá‑los [...]”. (GARD‑NER apud CAMPBELL, 2000, p. 215). Já que “aprender exige intensa participação de quem aprende, representando sempre uma amplia‑ção e reconstrução de aprendizagens anteriores” (MORAES, 2007, p. 24).

Portanto, a “alfabetização científica só faz sentido em um am‑biente de produção textual, não de passividade reproduzida” (DEMO, 2010, p. 68). Esta atividade poderá/deverá ser frequente no processo de construção participativa.

Quanto à construção de exposições e seus respectivos textos ex‑plicativos, cabe ao professor orientador reconhecer quais alunos têm interesse e competência na produção de textos. Obrigar alguém a fa‑zer textos poderá ser uma maneira de fazer o aluno odiar as ativida‑des de construção participativa. Para motivar os alunos, a atmosfera deverá ser de liberdade e harmonia.

A reflexão sobre a prática é a condição necessária do desenvol‑vimento do conhecimento (MORAES, 2007). Por isso, ao fim de cada encontro o professor orientador pode convidar os alunos a fazerem uma “assembleia”, para avaliarem o que foi feito naquele dia, quais pontos foram positivos e quais foram negativos, o que poderão fazer nos encontros seguintes, explorando as razões de estarem partici‑pando e permitindo que expressem como se sentem. Afinal, se não houver prazer, deleite e emoção não vale a pena.

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39MANUAL DE IMPLANTAÇÃO DE MUSEUS ESCOLARES

Sendo o museu um local onde o ensino é vinculado a um senti‑do, o aluno pode ter vontade de apropriar‑se do conhecimento (PER‑RENOUD, 2000), orgulhando‑se de ser conhecedor de um determina‑do assunto e sendo valorizado por aquilo que sabe e não ranqueado por sua ignorância...

Um exemplo de que o ensino transmissivo e conteudista pode ser contraproducente e desestimular o estudante, encontra‑se no se‑guinte depoimento de Sir Winston Churchill:

Mal havia completado 12 anos, quando adentrei na inóspita região das provas, pela qual faria jornada durante os próximos sete anos. Essas provas eram um grande teste para mim. As matérias mais queridas aos examinadores eram, quase invariavelmente, as que eu menos gostava. Gostaria de ter sido examinado em história, poesia e redação. Os examinadores, por outro lado, tinham predileção por latim e matemática. [...] Além disso, as questões [...] eram quase sem‑pre aquelas às quais eu era incapaz de responder algo satisfatório [...]. Quando estava disposto a exibir meu conhecimento, eles explo‑ravam minha ignorância. Esse tipo de tratamento teve apenas um resultado: eu não ia bem nas provas. (LEWIS, 2010, p. 22)

Se perguntasse a um grupo de pessoas quem se identifica com esse desabafo, possivelmente todos diriam que sim. Essas experiên‑cias produzem nas pessoas fracassos futuros e uma imagem tão de‑teriorada de si mesmos que as memórias escolares são, em sua maio‑ria, de angústia e sofrimento. Trabalhando a educação pela pesquisa e a construção de um MC pelo trabalho dos alunos, busca‑se explorar o seu conhecimento, valorizando‑os e, portanto, motivando‑os. Ace‑der ao conhecimento somente é possível se os alunos forem protago‑nistas de seu aprendizado.

Nas palavras de Perrenoud (2000, p. 76): “o projeto pessoal de uma criança não é necessariamente completo, coerente e estável. A melhor maneira de fazê‑lo desaparecer é, sem dúvida, aplicar‑lhe a lógica de adulto”. Portanto, não convém um rigor excessivo na ava‑liação da qualidade ou nos parâmetros de constituição dos projetos. A sensibilidade do professor orientador permite reconhecer e res‑peitar os ritmos biológicos dos estudantes, evitando o cansaço e o esforço inútil. Permite perceber a capacidade criativa e cognitiva de cada aluno notando que esse aprendeu quando adquiriu uma nova

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competência, ou quando pode dar respostas satisfatórias ante as si‑tuações ambientais de seu cotidiano (MOSQUERA, 1984).

Para finalizar esta seção, pontuamos que a construção partici‑pativa de um MC não é, de forma alguma, competitiva ou merito‑crática. Devem‑se evitar a obrigação e o peso que geram ansiedade. Cada um pode progredir em seu ritmo sem interiorizar sentimentos de nulidade. Conforme Rocha‑Filho et al. (2009, p. 62):

Uma ação comum muito comum na sociedade e nas escolas deve ser evitada [...]: qualquer forma de competição. Não há competi‑ção boa ou saudável. Se existisse não seria necessário adjetivá‑la. A Educação não deve ajoelhar‑se ante um mecanismo sórdido de humilhação de muitos em beneficio do ego de poucos, usando ar‑gumentos educacionais (a favor de jogos educativos, por exemplo) [...] ou resignados e redundantes (a competição está no mercado de trabalho, por exemplo). Não importa se a competição existe no mundo externo à escola, pois o professor é idealista e não deve preparar seus alunos para o mundo que está aí, mas para o mundo que ele sonha.

Sob essa ótica, o processo de AF, por ser também um processo educativo, flui em um clima de colaboração, respeitando as parti‑cularidades de cada aluno e ajudando‑os a desenvolver suas inte‑ligências a partir de seus gostos e aspirações, motivando‑os em um projeto no qual possam aprender dentro de seus próprios ritmos.

A ideia de que exista uma “competição sadia” é sempre uma armadilha. As pessoas, sendo diversas como são, não têm condições de competir com igualdade. Haverá, quase sempre, disparidades, e os sentimentos produzidos pela derrota são sempre mais abissais do que enlevados seriam aqueles produzidos pelo triunfo. Não entendo que seja um método eficaz motivar os alunos pela competição ou pela meritocracia. Motivar em um ambiente de bem‑estar, amizade e colaboração assemelha‑se muito mais ao que sonhamos como um “mundo ideal”5.

5  Não tenho a ingenuidade de acreditar nesta utopia, mas tenho o otimismo de investir em uma organiza‑ção escolar em que não se reproduza o que há de mais nefasto no mundo: uma competição desleal e atroz‑mente excludente, na qual aqueles que têm dificuldades em vez de receberem ajuda são deixados de lado, proscritos, abandonados como se fossem culpados em não conseguir vencer regras arbitrárias elaboradas, muito provavelmente, por alguém que as fez justamente porque eram convenientes às suas incapacidades. Quantas vezes vemos isso na escola?

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Reitero que a informalidade deve ser preservada como o gran‑de diferencial, na aula propriamente dita cumpre‑se levar a sério ri‑tuais mais formais, ao passo que, em um MC, a atitude poderá ser diferente, com mais matizes de comportamento e mais sonoridades de emoções.Faz‑se necessário então, uma vez que estou “importan‑do” um sistema que opera em museus, que se esclareça a definição de museu, bem como sua função social, política, histórica, cultural e legal. Sobre isso trato no próximo capítulo.

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5 A CASA DAS FILHAS

DA MEMÓRIA

Os museus chegam à cultura hodierna pelos antigos Mouseions, casas dedicadas a cultuar as musas, divindades do panteão grego, detentoras do saber absoluto e filhas da titã Mnemosine, deusa da memória. Ou seja, os museus são espaços onde se cultiva o que há de mais precioso em uma civilização e em qualquer ser humano: a memória.

A memória faz‑nos ser o que somos, cunha nossa identidade... Quando perdemos a memória, perdemos também o referencial de nosso eu. Quando uma civilização afunda‑se no obumbramento de sua memória torna‑se incapaz de reconhecer‑se como um conjunto de culturas e volta ao barbarismo e à animalidade mais desumana.

Criar um museu de Ciências na escola é, também, oportunizar à comunidade escolar um ensejo para aprender sobre essas insti‑tuições que guardam o conhecimento e o patrimônio desde o século XVI. Os museus, além de preservarem o patrimônio, divulgam o co‑nhecimento, são agentes sociais e animadores culturais. Vêm trans‑formando‑se e ampliando suas ações por diversos debates travados no campo da museologia durante o século XX e, mais intensamente, no século XXI. Por essas razões, considero fundamental esclarecer algumas definições legais, acerca de museus, em nosso país. Confor‑me o parágrafo 1º da Lei 11.904, de 14 de janeiro de 2009:

Consideram‑se museus, para os efeitos desta Lei, as instituições sem fins lucrativos que conservam, investigam, comunicam, in‑terpretam e expõem, para fins de preservação, estudo, pesquisa, educação, contemplação e turismo, conjuntos e coleções de valor histórico, artístico, científico, técnico ou de qualquer outra nature‑za cultural, abertas ao público, a serviço da sociedade e de seu de‑senvolvimento. Parágrafo único. Enquadrar‑se‑ão nesta Lei as ins‑tituições e os processos museológicos voltados para o trabalho com o patrimônio cultural e o território visando ao desenvolvimento cultural e socioeconômico e à participação das comunidades.

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43MANUAL DE IMPLANTAÇÃO DE MUSEUS ESCOLARES

Um MC encontrar‑se‑ia, portanto, dentro do que define a lei. Não obstante possuir fins fundamentalmente educacionais ou, como já foi dito, ser uma “ferramenta” para alfabetização científica, é con‑siderado, pelo ponto de vista legal, um museu. O artigo 2º coloca, como princípios fundamentais destas instituições,

I – a valorização da dignidade humana; II – a promoção da cidada‑nia; III – o cumprimento da função social; IV – a valorização e pre‑servação do patrimônio cultural e ambiental; V – a universalidade do acesso, o respeito e a valorização à diversidade cultural; VI – o intercâmbio institucional.

Pelo fato de ser um espaço que valoriza as convivências e a igualdade, que promove a AF, que conserva um patrimônio (coleções de fósseis, moluscos e rochas6), que é aberto à visitação de qualquer indivíduo e que (pode) dialoga(r) com outras instituições, o projeto de um MC está de acordo com o artigo 2º da Lei 11.904. Embora seja, conforme a definição legal, um museu, o MC construído pelos alunos não necessariamente precisa seguir todos os parâmetros que forma‑tam um museu “de verdade”. Ou seja, não é preciso criar todos os do‑cumentos que estabeleçam a “instituição” museu ou atender rigoro‑samente às normas de museologia e museografia. Isso complica(ria) bastante o projeto e retarda(ria) sua abertura.

Reitero que a intenção não é ensinar, a priori, museologia, mas sim ensinar Ciências utilizando a instituição “museu” como uma fer‑ramenta. Tal como um laboratório escolar prescinde de rigorosos protocolos e cadernos de laboratório. Ou a produção de um artigo por um aluno dispensa a linguagem técnica altamente densa de um artigo de um doutorando, bem como a avaliação por implacáveis re‑ferees. Tudo isso tornaria o trabalho dos alunos muito difícil e árduo7. As dificuldades burocráticas de um museu ou um laboratório de pes‑quisa podem aguardar. Aqueles que quiserem seguir suas carreiras nessas áreas irão conhecê‑las oportunamente e aprender a lidar com suas agruras a seu tempo, com a devida maturidade.

Sobre a importância dos museus e seu papel na sociedade, Va‑lente (2007, p. 11) explica:

6  E outras que possam surgir...7  A construção participativa de um MC deve ser baseada na liberdade e no prazer.

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A interação do museu com o mundo em suas distintas dimensões, científica, cultural e social, é condição essencial no momento atual. [...] Esses facilitam aos atores do empreendimento museológico – profissionais e público visitante – interrogar o mundo e a época em que se vive.

Os primeiros museus públicos em sua origem tinham fins es‑sencialmente educativos. Antes disso, eram coleções privadas de pes‑soas muito ricas que mostravam somente aos seus pares (JACOMY, 2007). O (suposto) espírito libertário da Revolução Francesa causou uma transformação, no sentido de dar aos museus a função educati‑va e o compromisso de preservar memória. A memória e o conheci‑mento acerca da natureza podem encontrar‑se em coleções.

Quase tudo o que existe pode ser colecionado, documentado e, assim, transformado em musealia8, do mais raro fóssil ao mais mo‑desto fragmento de rocha. “Essa plasticidade de significado pode ser entendida nos modos como os pesquisadores dos estudos da ciência analisaram a construção de objetos científicos como uma transfor‑mação no seu estado ontológico” (PANESE, 2007, p. 32). Sobre o ob‑jeto, Jacomy (2007, p. 24) afirma que sua importância está ligada à

Necessidade de se agarrar a algo concreto, algo tangível e, por sua vez, dotado de uma presença carregada de um fator emocional e outro de curiosidade; e por outro lado, o fato que o objeto é tridi‑mensional [...]. Enquanto as exposições tendem a se tornar livros verticais ou televisões horizontais, o público se torna mais reticen‑te e irá procurar outras mídias, frequentemente menos apropria‑das do que as mídias que estão em suas próprias casas.

Portanto, é imperativo que um museu ofereça ao seu público – e curadores – objetos tridimensionais, que possam comovê‑los e levá‑los a mergulhar nas profundezas de suas mentes e a transfor‑mar seu entendimento do mundo, uma vez que “aprender Ciências, em geral, não é apropriar‑se de conhecimentos inteiramente novos, mas é dar novos sentidos, mais rigorosos e específicos, àqueles já anteriormente construídos” (MORAES, 2007, p. 30).

“Coleções e exposições são lugares onde os significados dos ob‑jetos são continuamente transformados para a contemplação de co‑

8 Peças de museu, objetos ou espécimes que fazem parte do acervo.

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lecionadores e visitantes” (PANESE, 2007, p. 32). Logo, “o processo de musealização de determinados bens (tangíveis ou intangíveis) além de ser uma forma de preservação, é um dispositivo de ressignifica‑ção desses mesmos bens e a indicação clara de que eles participam da vida social” (CHAGAS, 2007, p. 29). Assim, o desafio reside em con‑ciliar a importância da divulgação científica como elemento consti‑tutivo da construção da memória da ciência e da tecnologia, com a utilização das potencialidades museológicas para o melhoramento do meio ambiente e da vida humana (BRUNO, 2007). Não é de agora a ideia de usar um museu como ferramenta de AF, já que tive essa experiência em minha formação escolar (BARCELLOS, 2009). Ade‑mais, há razões teóricas para considerar que esse espaço pode cata‑lisar aprendizados nos participantes, que os levem a cuidar melhor de si, de suas comunidades e do planeta. Nas palavras de Chagas, os museus são microcosmos sociais que “existem na sociedade, são resultado de práticas sociais específicas [...]. Por tudo isso, é possível [...] sustentar que as coleções, os objetos musealizados e os museus são ‘bons’ para pensar” (CHAGAS, 2007, p. 29).

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6 EPÍLOGO DO PRIMEIRO ATO

Quando tinha seis anos de idade, então aluno da Professora Isa‑bela, na primeira série do Ensino Fundamental, fui com minha turma visitar o Museu Oceanográfico. Para mim, isso não era nenhuma novi‑dade. Já conhecia aquele e vários outros museus. Contudo jamais visi‑tara junto de meus colegas e minha professora. Foi um dia inesquecí‑vel, aprendi sobre as baleias e os pinguins, mas também aprendi sobre o deleite de aprender entre amigos. Aquela visita foi a primeira de muitas outras que se sucederam ao longo de minha vida escolar. Posso tomar minha realidade como um padrão: a escola vai ao museu. Ir ao museu é extremamente saudável, desperta a curiosidade e atiça a sede de conhecer. Mas a visita acaba e volta‑se à aula, o desgaste da faina diária faz diluírem‑se as emoções produzidas pela ida ao museu. E aquela lembrança torna‑se cada vez mais longínqua.

O que abordei neste primeiro ato não foi uma escola visitando um mu‑seu nem ao menos um museu visitando a escola9. O que mostrei foi a pos‑sibilidade de um museu nascer na escola, germi‑nar cultivado pelos alunos, que serão seus curadores. A construção participati‑va (musealização) de um MC é capaz de converter objetos, inanimados, sem sentido, em patrimônio. Essa metamorfose, catalisa‑da pelos alunos orientados pelo professor seria uma forma de fazer alfabetização científica, na qual uma imensa quantidade de infor‑mações converte‑se em conhecimento dos alunos. O estudante, por‑

9  Isto também existe em exposições itinerantes.

Figura 2 O “mecanismo” de um Museu de Ciências Escolar Fonte: Imagem elaborada por Maurício Aresso.

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tanto, apropria‑se do objeto, dá voz a ele e torna‑o “museália” (ou patrimônio), sobrevivendo ao esquecimento que, espontaneamente, as areias do tempo dão a quase tudo. Neste ato, altamente complexo (retratado na Figura 2), aprende sobre o objeto, captura seus signifi‑cados e os divulga, assim alfabetiza‑se cientificamente.

Sobre a operacionalização deste processo (inter)ativo, (re)cons‑trutivo, analítico, comunicativo, emocional e afetivo, discorro no se‑gundo ato.

ENTR’ACTE: O MUSEU DA NATUREZA

Quando comecei a lecionar não queria ser mais um professor: “aulista”, transmissor de conhecimento, engavetador de informação, embora não soubesse como não sê‑lo. Durante meus primeiros meses de docência, vi‑me em crise com meus conceitos aprendidos na facul‑dade, com os valores da escola, somados àqueles que carregava inti‑mamente. Não sabia por onde começar. Depois de alguns meses em sala de aula, e, para meu alívio, gozando de bom prestígio entre alunos e direção por ter feito algumas aulas práticas e muitas (quase todas) ilustradas com lindas imagens e animações no datashow, tive um lam‑pejo, uma ideia, inicialmente aparentando ser uma pergunta: quando aprendi mais Ciências em meu período escolar? A resposta foi imedia‑ta: não foi em aula! Então onde foi? No Museu da Natureza (MN). Es‑paço que criei na escola, para musealizar minha coleção de fósseis.

Ora, se onde aprendi mais Ciências foi no construir um mu‑seu, então iria fazer o mes‑mo como docente. Propiciar a coleção que ainda possuía aos meus alunos e orientá‑los na construção de um museu. Essa foi a pesquisa de minha dissertação, já citada no Pri‑meiro Ato, e a razão de fazer este livro. Trabalhei com AF no MN durante três anos, na primeira escola onde lecionei. O projeto cresceu e mostrou

ser um caminho interessante a Figura 3 Alunos‑curadores trabalhando no MN. Fonte: Acervo do autor.

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ser trilhado por qualquer professor que tenha vontade de ensinar de uma maneira em que o aluno não somente apre(e)nda e compreen‑da, mas signifique e expresse o conhecimento científico. A ecologista e educadora Judith Cortesão dizia que “para aprendermos temos de conhecer não apenas as teses, mas o vivenciar” (1989). Essa frase sempre ecoou como uma denúncia e um anúncio, primeiro por dizer que não bastam os livros e depois por afirmar que aprende‑se fazen‑do. Nada melhor que construir coletivamente um museu na escola para aprender‑se pelo vivenciar.

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SEGUNDO ATO:

A teoriA sem práticA é inócuA

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1. MUSEALIZAÇÃO!

Embora tenha abordado e teorizado sobre educação, museus, alfabetização científica e múltiplas inteligências na primeira parte deste livro, vale retomar algumas reflexões e aspectos sobre esta pro‑posta de trabalho. Agora com um olhar focado na prática propria‑mente dita.

Um museu “de verdade” precisa produzir conhecimento – no âmbito científico, ou seja, inédito e fruto de pesquisa – e precisa tam‑bém de curadores que façam a correta preservação das coleções, sejam elas materiais ou imateriais. Após ler esse trecho poder‑se‑á dizer: “Então a proposta deste livro não é construir um museu!”. Realmente, não há pretensão (ou sugestão) de fundar‑se um museu como instituição, mas utilizar o processo de construção e funcio-namento de um museu como ferramenta didática. Criar uma sala de aula de Ciências com feições de museu e os papéis invertidos: o aluno é o curador, não o visitante.

Há escolas com “empresas escolares”, nas quais os funcionários são os alunos ou até mesmo partidos políticos escolares com candi‑datos e eleições. Pois bem, neste livro, como já disse anteriormente, proponho um museu escolar.

Este projeto dispensa algumas das rigorosas re‑gras para fazer um museu oficial. Assim como a em‑presa na escola não tem um CNPJ ou o partido es‑colar não irá eleger cargos para o parlamento, o MC não precisa10 ter uma cole‑ção com peças valiosas ou raras, um acervo com pe‑ças coletadas ao longo de décadas ou qualquer coisa

10  Lembre‑se: “não precisar” não é o mesmo que “não poder”.

Figura 4 Visão geral do Museu da Natureza, criado pelo autor e seus alunos em 2010.Fonte: Acervo do autor.

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que seja cara, rara ou inatingível. O MC pode ter sua coleção ou acer‑vo produzidos pelos alunos. Portanto, pelo fato de ser confeccionado e musealizado pelos aprendentes, torna‑se valioso naquele contexto local e temporal. As museálias criadas por estudantes poderão ser, quando inseridas no contexto de sua realidade (escolar, cultural, gru‑pal e/ou familiar), mais valiosas que uma Gioconda, mais geniais que uma Capela Sistina e mais imponentes que a pirâmide de Quéops.

Uma característica marcante desse tipo de projeto é o protago‑nismo dos alunos, que não serão agentes passivos, seu envolvimento será total e intenso. Impõe‑se lembrar a todo momento em que se estiver realizando esse trabalho: cada aluno é importante. O museu pode ser um mosaico de seus trabalhos, que emergem de suas aspi‑rações mais profundas, de suas emoções mais intensas.

Os alunos farão parte do museu e este fará parte deles. Se o projeto alçar voo, o pro‑fessor orientador verá sua imensa influência na vida dos alunos, dentro e fora da escola. O professor que orientar o trabalho deve estar sempre ciente disso, mas não basta ficar sen‑tado observando as coisas acontecerem. A instalação de um museu na escola de‑pende bastante, talvez fun‑damentalmente, da força pessoal do professor que encabeçá‑la.

É desejável levar os alunos para conhecer um museu, um bom museu11. Caso contrário, não perca seu tempo, pode acabar dando aos alunos uma impressão distorcida, que os leve a pensar que mu‑seus são espaços de tédio e vazio emocional, com objetos “velhos” desprovidos de significado para eles. Após a visita o professor orien‑

11  Um museu que estimule os alunos, que os assombre e impressione. Nada que seja tedioso e/ou auto‑ritário.

Figura 5 Alunos‑curadores do Museu da Natureza trabalhando na coleção de fósseis. Colocando a cúpula de proteção sobre um mosquito preservado em âmbar.Fonte: Acervo do autor.

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tador pode perguntar a uns e outros alunos: Quem sabe fazemos um lá na escola?

O mestre que conhece e observa seus alunos saberá a quem lan‑çar essa provocação. Com certeza não faltarão entusiastas.

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2. EQUIPE

Depende muito da sensibilidade do professor orientador e da realidade da escola, a maneira como será constituída a equipe. Em muitos casos o docente já identifica alunos possuidores de (apurada) inteligência naturalista, no entanto há de se tomar cuidado para não ser excludente. Nem sempre o aluno que tira boas notas em Ciên‑cias é aquele que mais sabe ou que tem a capacidade de colaborar na construção participativa. Em suma, encontrar alunos que se en-volvam e participem com seriedade não é fácil nem óbvio, exige muita reflexão. Sugiro inicialmente que comente em suas turmas que há um movimento na escola para a montagem de um museu. É bastante provável que muitos apresentem interesse.

Após fazer uma lista daqueles que querem participar, convém marcar um dia e um horário, na sala onde será feito o museu, caso haja efetivamente uma sala. Caso contrário12, a reunião pode ser rea‑lizada em uma sala de aula onde tenham tempo para discutir o pro‑jeto, fazer trabalhos e iniciar a construção participativa. A princípio a equipe pode ser um grupo grande, não excedendo 20 alunos. Mais do que isso,o trabalho torna‑se muito cansativo.Se houver outro pro‑fessor envolvido, o grupo poderá crescer sem problemas. O ideal é que o grupo fique entre dez e quinze estudantes.

2.1. Alunos‑curadores

É mister fazer um quadro de cargos de curadores. Cada aluno pode ser curador de uma área de conhecimento que o museu aborde (ou coleção, caso possua uma). A escolha fica a critério dos alunos, e estes podem trocar de cargo quando quiserem, tendo em vista os principais aspectos deste trabalho: a liberdade e o protagonismo dos estudantes. Nas reuniões iniciais, quando começarem as primeiras atividades, eles poderão escolher o que vão fazer. Ao passo que fo‑

12  O museu pode ser montado em um canto de saguão, corredor, sala de aula ou área verde externa ou interna. Mesmo assim é importante reforçar que uma sala somente para a instalação do museu, apesar de mais difícil, é mais prático e producente. Esse assunto será abordado em mais detalhes a seguir.

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rem dedicando‑se especificamente a uma atividade, pode‑se pergun‑tar qual trabalho gostariam de dar continuidade e aprofundamento. É interessante fazer uma eleição para escolha do diretor. Este não irá “mandar” nos colegas, mas será o braço direito do professor orien‑tador. Será o meio de comunicação entre o professor orientador e os curadores, e vice‑versa. Também atuará o representante da equipe em assuntos externos. O mestre também pode votar na eleição, mas não esquecendo que seu voto tem o mesmo peso que o dos alunos‑cu‑radores.

Cada curador deverá aprender (com o professor13) o que fazer. Caso o professor orientador se veja na delicada situação de não saber algo que um aluno venha propor, é importante que se disponha a aprender14 junto ao aluno 15.

13  Alguns alunos aprendem sozinhos, isso é menos comum, mas podem, propelidos por sua curiosidade, demonstrar grande autonomia intelectual. Quando algo assim aparecer, o professor orientador deverá atentar‑se para interferir na medida certa, para não desestabilizar a autossuficiência do aluno.14  Este é um paradigma da Educação que defendemos neste livro:evitar a transmissão de informações do professor ao aluno, mas sim um “diálogo de aprendentes”, conforme Chassot (2010) coloca em artigo no qual debate o fazer alfabetização científica.15 Aprendi muito sobre instalações elétricas com um aluno que fazia exposições interativas para o MN. Recentemente soube que este estudante está cursando Engenharia Elétrica.

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3. INSTALAÇÕES

Uma tarefa nem sempre fácil é encontrar espaço. Quando fiz o MN na escola onde lecionava, a diretora disponibilizou uma sala de 50 m2. Após alguns anos recebi mais quatro salas do mesmo tama‑nho, onde fizemos, além do museu, sala de estudos, oficina, laborató‑rio de microscopia e sala de reserva técnica. Antes que o leitor pense que estou fora da realidade, já antecipo que sei o quão anômala foi a situação na qual me encontrava. Tenho noção da dificuldade de espaço de muitas escolas. Por isso aqui sugerimos soluções.

O professor interessado em fazer um museu escolar deve bus‑car ajuda junto à direção. Sugiro que, antes de pedir um espaço, pre‑pare um projeto. Justificando a instalação de um MC, clarificando os objetivos da proposta16. Vale lembrar que algumas direções escolares podem não ver com simpatia uma movimentação desse tipo. Caso o professor tenha a sorte de encontrar um diretor/gestor que apoie esse tipo de iniciativa, será mais fácil a obtenção do espaço.

3.1. O sonho: uma sala somente para o museu

Como primeira ação, sugiro que dê um passeio atento pela es‑cola. Por todo(s) o(s) prédio(s)! Observe cada sala, cada espaço, cada corredor. Caso consiga, faça esse passeio com o molho de chaves ou a chave‑mestra da escola. Em geral há um depósito abandonado, uma sala de arte, línguas ou matemática desativada. Enfim, é uma ativida‑de de observação atenta.

Somente peça o espaço ao diretor/gestor depois que já tiver em mente alguma sala (ou recanto). Pergunte se há espaço para instalar o Museu. Caso ele diga que não sabe, você já saberá, logo, diga qual. Caso diga que não tem, você pode sugerir, com humildade, que há “uma sala no terceiro andar na qual ninguém entra há 12 anos”.

Também vale checar se o laboratório de Ciências é utilizado. Caso seja, como já vi muitas vezes, uma sala bagunçada, empoeira‑

16  Poderá encontrar ajuda na Parte 1 deste livro, utilizando citações e referências sobre alfabetização científica, educação em museus e múltiplas inteligências.

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da e pouco frequentada, tente organizar o projeto ali. Não é o lugar ideal, mas, utilizando sua criatividade e um pouco de paciência, o resultado poderá ser atingido. Ainda sobre instalar o museu no labo‑ratório de Ciências farei algumas breves observações.

3.2. Uma solução: instalar o museu no laboratório

O laboratório de Ciências não é o espaço ideal para instalar um museu escolar. Mesmo assim, caso não haja outra possibilidade, pode ser a solução. Lembre‑se de que um museu possui coleções, acervo e exposições, e isso não combina com torneiras e bancadas. Apesar dis‑so o espaço é bom para realizar trabalhos. As exposições podem ser colocadas tanto dentro do laboratório quanto fora, como corredores, vitrines, saguões, secretaria, entre outros espaços da escola. Essas pos‑sibilidades serão tratadas com mais detalhamento na próxima seção.

Sendo o laboratório um espaço “abandonado” ou pouco uti‑lizado, vale lembrar que é fundamental que se faça uma revisão de segurança antes de começar uma reunião com alunos. Mui‑tos laboratórios escolares possuem ácidos, sodas, metais pesados e até combustíveis17. Guarde‑os, todos, em um armário que seja trancado e revise se estão em frascos apropriados. Não se esqueça de descartar18 quaisquer frascos com animais mortos conservados em álcool, pois são inseguros e inapropriados para o ensino de Ciências.

As museálias produzidas pelos alunos‑curadores poderão ser suspensas no teto, presas às paredes ou colocadas em cima de ban‑cadas que não sejam usadas para experimentação, temporária ou permanentemente.

3.3. Espaços alternativos

Se realmente não houver onde instalar o museu, não desista! Ainda é possível fazer este trabalho. A escola é repleta de espaços

17  Já vi garrafas pet com gasolina em um armário baixo sem fechadura.18  O álcool pode ser colocado pelo ralo da pia, e os animais podem ser descartados em lixo orgânico, envoltos em sacos de plástico biodegradáveis. Caso sejam conservados em formaldeído procure um res‑ponsável técnico.

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onde se pode colocar uma exposição. Basta observar corredores largos, recintos espaçosos e vazios e, até mesmo, espaços nas salas de aula. Uma peça produzida pelos alunos‑curadores pode “viajar” entre os espaços da escola (caso não seja frágil, volumosa ou pesa‑da), ficando um dia na secretaria, outro em uma sala de aula, outro em um corredor. Basta um pouco de dinamismo e criatividade para encontrar lugares que possam abrigar uma exposição. O mais im‑portante no museu escolar não é, exatamente, o ato de expor, mas o fazer, construir, pesquisar, elaborar o acervo.

3.3. Museu efêmero, um gérmen para a perenidade

Se os espaços da escola forem limitados a ponto de ser imprati‑cável montar uma pequena exposição, uma mesa com uma maquete, um móbile, ou uma estante com uma exposição de peças feitas pelos alunos, mesmo assim é possível implantar um museu escolar na for‑ma de “museu efêmero”. Nesta “modalidade” haverá um dia da se‑mana, em um horário determinado, no qual ocorrerá uma exposição dos trabalhos dos alunos‑curadores. Pode‑se criticar essa proposta dizendo que: exposições de trabalhos em escolas são práticas mais do que batidas, esse tipo de trabalho não é inovador. Embora seja verdade a assertiva anterior, vale lembrar que a exposição é somen‑te uma culminância do processo de construção participativa. Antes dela já houve seleção de temas, um levantamento de dados, catalo‑gação de acervo, elaboração de projetos e, por fim, a construção de uma exposição. Logo, as atividades que precedem a elaboração da exposição são o diferencial que faz da instalação do “museu efême‑ro” uma oportunidade para a alfabetização científica, e este é o obje‑tivo central da construção participativa.

3.4. Ao ar livre (Ecomuseu escolar)

Na total impossibilidade de instalar um museu nas dependên‑cias da escola, ou havendo a oportunidade de fazê‑lo e ainda com‑plementar com um trabalho ambiental, sugere‑se a criação de um “Ecomuseu escolar”. Este terá uma equipe ambiental de alunos‑cui‑dadores, muito semelhante aos alunos curadores, mas com atribui‑

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ções distintas. Os membros da equipe‑ambiental responsabilizam‑se pelo cuidado e pela pesquisa de plantas no jardim (ou pátio) da es‑cola. Para haver essa “adaptação” do museu escolar, o qual trata o presente livro, não é preciso que a escola conte com um imenso jar‑dim ou seja uma escola rural. Um pequeno pátio, que tenha uma mínima área verde, ou até mesmo uma escola onde não haja espaço para plantar pode acolher vasos com folhagens e flores de estação. A seguir apresento um relato onde explico como e em quais circuns‑tâncias fiz um “Ecomuseu escolar”, paralelamente às atividades do museu que orientava junto de meus alunos‑curadores.

Após dois anos trabalhando na escola onde instalei o Museu da Natureza, comecei a reparar, com mais atenção, em algo que me in‑comodava sem que percebesse. Durante a instalação do MN estive imerso em fazeres que obumbraram minha percepção para a parte externa da escola.

Esta era inserida em uma reserva ecológica, contava com um lindo bosque de mata nativa. No entanto, apesar de o bosque ser es‑pontaneamente belo, o “paisagismo” da escola era árido. Os vegetais reinavam absolutos no bosque a alguns metros da escola. Em contra‑partida, o prédio, com suas áreas (des)ajardinadas, era no mínimo feio. Não combinava com aquele lugar ter uma aparência de total descaso com a natureza.

Em uma manhã modorrenta e gris de um sábado de fim de ou‑tono, entre reuniões e conselhos de classe, vendo o ambiente escolar descarnado da presença álacre dos alunos, percebi o quão desagra‑dável era observar um “jardim” desprovido de alma.

Cresci no Museu Oceanográfico em Rio Grande, onde meu pai é diretor e também é “jardineiro”, pois cuida das árvores, arbustos e canteiros há 40 anos. Portanto, acostumei‑me a jardins com árvores de frondes generosas, a canteiros abarrotados de flores e um am‑biente emoldurado por uma verdejante paisagem. Como estava com as atividades no MN estabilizadas, ou seja, tudo feito e somente pro‑jetos antigos ocorrendo, pensei em quebrar a homeostase.

Perguntei à direção da escola qual era a possibilidade de tra‑balhar no jardim, junto aos alunos, para deixar a escola mais bonita e ensinar a algumas crianças “de apartamento” como se cuida dos vegetais.

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Foi aí que deu‑se o início de um trabalho paralelo e complemen‑tar ao MN. Também foi uma alternativa interessante para aqueles alunos que, além de possuírem uma inteligência naturalista, tam‑bém demonstravam uma inteligência sinestésico‑corporal. Ou seja, que além de amarem (e entenderem) a natureza também gostavam de se mexer.

Carrinhos de mão, pás, tesouras, sacos de terra, chapéus de palha à mão, começamos nossa jardinagem. A equipe ambiental virou febre na escola. Iniciamos por simples petúnias em um canteiro, vasos com ervas de chá e temperos e roseiras na entrada da escola, a um jardim vertical e um lago. Após alguns meses não havia canto na escola onde não houvesse floradas. Cascatas de petúnias multicoloridas em gran‑des vasos entorpeciam as retinas na entrada principal. Dracenas ma‑genta acompanhavam as colunas do prédio. Marantas de folhas fili‑granadas aguardavam quem explorasse corredores menos luminosos do prédio. Paredes tomavam‑se do verde de vincas pendentes, e rosas surpreendiam quem chegava de carro ao estacionamento.

Nada era mais comentado que o jardim, no colégio São Mateus. Foi uma sagração da primavera, onde a coreografia foi feita por alu‑nos que corriam com regadores e pazinhas, sujos de terra, deixando no chão, para o desespero (e meu total desprestígio) das “tias” da lim‑peza. Mas a sujeira era justificável. Mães que viam seus filhos chega‑rem da escola com as roupas embarradas e cansados agradeciam‑me por mostrar aos jovens que vale a pena cuidar da natureza, porque, depois, ela cuida de nossos “espíritos”, dando‑nos a eterna alegria daquilo que é belo, parafraseando Keats.

O museu era, portanto, não somente um espaço de pesquisa na escola, onde os alunos‑curadores faziam exposições e textos, mas também um catalisador do cuidado com o meio ambiente, no qual alunos curavam plantas e a beleza do espaço escolar onde transita‑vam diariamente.

Apresento, na seção de operacionalização, uma sugestão de como fazer trabalhos fomentando algo parecido com o que foi feito na escola onde foi construído o Museu da Natureza.

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4. RECURSOS

Um problema recorrente em projetos escolares reside na capta‑ção e disponibilidade de recursos para adquirir materiais. Antecipo ao leitor que, quanto maior a criatividade do professor orientador, menor será a necessidade de comprar materiais. Este livro oferece algumas soluções para elaboração de acervos, dioramas, maquetes e exposições sem necessidade de gastos elevados, que dificultariam a implantação. Certa vez o professor Attico Chassot19, em uma visi‑ta ao MN, afirmou que aquele era um trabalho paradigmático, pois mostrava ser possível fazer alfabetização científica sem instalações milionárias.

Naturalmente, dispor de um generoso patrocínio facilitaria o projeto e permitiria utilização ferramentas como computadores, ilu‑minação adequada, climatização, pintura de paredes, confecção de móveis específicos para expor. Contudo sabe‑se que essa realidade é rara, senão utópica. Ademais, aqueles que dispuserem de uma ins‑tituição que proveja e não tenha carências financeiras terão menos trabalho braçal, mas não menos trabalho intelectivo e laboral. Qual‑quer professor que deseje implantar um museu escolar usará, prin‑cipalmente, sua criatividade. A criatividade é uma força interna de cada pessoa que pode propelir o indivíduo a produzir soluções para problemas emergentes. É uma associação das inteligências que cada um possui e, quando unidas, movem‑se para ações construtivas que mudem o mundo circundante.

Algum leitor poderá dizer que essa justificativa é um falso leni‑tivo, que não é possível “tirar leite de pedra”, que somente com muito dinheiro pode‑se implantar um museu escolar. Pensar assim não é pragmatismo, mas a aceitação acomodada de uma derrota apriorís‑tica. A implantação é um desafio ao aluno, mas um desafio maior ao mestre. Por essa razão pretendo ambiciosamente, neste livro, ofe‑

19  Dr. Attico Chassot é professor e pesquisador há mais de cinco décadas, referência nacional em alfabe‑tização científica e história da ciência, tendo publicado vários livros e diversos artigos. Visitou algumas vezes o MN, na ocasião de palestras e aulas magnas que proferia na escola.

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recer soluções e propor caminhos para um trabalho que possa ser concretizado.

4.1. Materiais

Conforme vimos na Parte 1, os museus surgem de coleções, essas podem (e devem) ser/conter objetos de pesquisa que catalisem pro‑dução de conhecimento. No caso de não haver uma coleção pronta, com peças que os alunos‑curadores possam musealizar, sugiro que seja criada durante a construção participativa, conforme mostrarei em seguida. Reitero que a proposta de instalação de museu escolar é uma estratégia de ensino (de Ciências, Química, Física, Biologia, Matemática, História, Geografia etc.), não é preciso seguir os requi‑sitos de um museu, ou seja, as “regras” e “técnicas” são afrouxadas. Somente são adotadas aquelas que convêm ao ensino e à aprendiza‑gem de conhecimentos significativos.

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5. CONSTRUÇÃO POR ENCONTROS

– OPERACIONALIZAÇÃO

É fundamental que a implantação do museu seja guiada por um roteiro, um mapa, que irá guiar o professor orientador e seus alunos‑curadores na jornada do fazer. A ação exige planejamento e avaliação reflexiva (coletiva). O roteiro, portanto, será mais um mapa, não para os (futuros) visitantes, mas para os entes envolvidos no projeto de construção participativa.

Naturalmente, o professor que sentir‑se à vontade para elaborar seu próprio roteiro pode fazê‑lo, envolvendo atividades que já costu‑me fazer, concernentes à elaboração de uma coleção, de exposições ou, ainda, criando novas. Todavia sabe‑se do estado de esgotamento a que um professor de escola pode chegar, física e psicologicamen‑te, esse cansaço contribui para uma opacificação da criatividade, até mesmo para professores mais experientes. Por essa razão e várias outras, é sugerido no presente livro um roteiro com protocolos de cada atividade.

Não tenho intenção de oferecer “receitas”, mas alguns proto‑colos de atividades já validadas, ou seja, realizadas e bem‑sucedidas em um ambiente escolar. Muitos autores que escrevem sobre alfabe‑tização científica, museus de Ciências e áreas afins tratam com razo‑ável profundidade o assunto, tecendo reflexões e teorizações. Essas podem ser catalisadoras de ações, mas somente o serão se o profes‑sor transpuser o conhecimento teórico para uma prática, e isso é, inegavelmente, uma tarefa nada trivial. Reunidas essas razões, apre‑senta‑se, nas páginas seguintes, uma operacionalização, passo a pas‑so, de algumas etapas da implantação de um MC.

Aqui se faz oportuno justificar dois aspectos deste livro. Primei‑ro, o porquê de ser um “manual”. Escolheu‑se este termo por ser um pequeno livro que sumariza noções básicas de um assunto e explica o funcionamento de algo. Segundo, a razão de ser um museu de Ciên‑cias: este livro surgiu a partir de uma experiência realizada por mim, durante meus primeiros anos de magistério. Portanto, o assunto que abordaram no museu implantado foi, majoritariamente, Ciências. Isso não impede que professores de outras áreas venham implantar museus abordando temáticas relacionadas às suas áreas.

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5.1. Roteiro geral

1. A dança dos planetas (planetário, modelo heliocêntrico)

2. Continentes navegando (tectonismo de placas, fases do planeta Terra e evolução dos seres vivos)

3. A fúria de Geia (modelo de vulcão)

4. Minúcias da vida (modelos de célula)

5. Escritura espiralada (modelo de cadeia de DNA)

6. Estranho mundo perdido (maquete do período Cambria‑no – folhelho de Burgess)

7. Tétis e Oceano (móbile com os seres do mar)

8. Caleidoscópios vivos (modelagem de moluscos nudib‑rânquios)

9. Ecos do passado (modelagem de fósseis)

10. A Sagração da Primavera (construção de um jardim ver‑tical)

Algumas observações:Sobre os procedimentos de construção das exposições, caberá ao professor orientador decidir quais serão feitos pelos alunos sem sua ajuda, quais necessitarão de tutela e quais serão feitos pelo professor, sozinho ou com ajuda profissional. Isto é muito relativo e vai depender da idade e da maturidade dos alunos‑curadores, bem como do aparato disponível em cada escola.

5.2 Exposições

EXPOSIÇÃO I: A Dança dos Planetas

Fundamentação

Um dos maiores desenvolvimentos da cultura humana foi a ca‑pacidade de entendermos onde estamos, apesar de ainda não saber‑mos exatamente de onde viemos e não termos a mais vaga ideia de para onde vamos. Mesmo assim podemos tentar cuidar do planeta para que, aonde quer que cheguemos, preservemos com dignidade e possibilidade de existência humana. Visando ensinar sobre nossa

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casa, a Terra, é essencial que os alunos entendam onde se localiza esta pequena esfera de rocha e água, como se formou e porque abri‑ga fenômenos tão anômalos para os padrões apresentados pelo Cos‑mos.

Como veremos a seguir, para oportunizarmos um aprendizado sólido e significativo, fazer um modelo de Sistema Solar pode mos‑trar‑se uma boa exposição para o museu escolar. Além de emocio‑nante para quem faz, é didático e esteticamente agradável para quem vê, seja aluno, seja professor, sejam demais membros da comunida‑de escolar envolvida.

Para quem se preocupa com limitações financeiras, temos uma boa notícia: essa exposição pode ser feita com mate‑riais de papelaria. Nada que uma vaquinha entre alunos, um apoio da asso‑ciação de pais e mestres (para quem tem, evidente‑mente) ou até mesmo uma boa conversa com o pro‑prietário da papelaria não resolva. Por essa razão, se faz necessário um bom ro‑teiro, conforme vimos an‑teriormente, bem funda‑mentado e com objetivos claros.

Lembremo‑nos que nosso Universo formou‑se há 15 bilhões de anos, em uma imensa explosão chamada Big Bang. Surgiram então as energias que governam o Cosmos até hoje: gravitacional, eletro‑magnética, nuclear forte e nuclear fraca. Essas quatro protagonistas invisíveis começaram a formar grandes conglomerados de estrelas, as galáxias, que navegam errantes pela escuridão do nada até os dias de hoje. Uma pequena estrela em particular foi capaz de atrair para seu redor uma grande nuvem de partículas. Sua gravidade fez toda aquela poeira se transfigurar em anéis, como um grande Saturno, e, após, em esferas. Oito grandes esferas, quatro de gás e quatro de pe‑

Figura 6 Galáxia Andrômeda. Fonte: Disponível em <http://nautilus.fis.uc.pt/astro/hu/viag/images/imagem34.jpg>.

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dra, as quais, desde cinco bilhões de anos atrás até hoje, orbitam esta estrela, agora chamada de sol por seres vivos do terceiro planeta.

Sugestão de trabalho: fazer uma parede preta com galáxias sus‑pensas por fios de náilon em vários tamanhos, distâncias e alturas. As galáxias podem ser de papelão ou isopor. Use cola colorida, pur‑purina, lantejoulas e tudo que sua criatividade permitir.

Materiais

• Duas esferas de isopor de 40mm de diâmetro para elabo‑rar Mercúrio e Marte

• Duas esferas de 125mm de diâmetro para Urano e Ne‑tuno

• Uma esfera de 250mm de diâmetro para o Sol

• Duas esferas de 5mm para Terra e Vênus

• Duas esferas de 150mm para Saturno e Júpiter

• Tinta acrílica de cores variadas (têmpera não adere bem ao isopor)

• Fio de nylon

• Pedacinhos de arame fino de mais ou menos 5cm

• Pincéis de variados tamanhos

• Massa corrida

• Esponja

Procedimento

Esta parte do processo irá depender muito do grupo de alunos, considerando suas idades, a realidade da escola e a criatividade dos estudantes e do professor orientador. Aqui iremos oferecer um ro‑teiro, a ser alterado conforme os curadores e o orientador conside‑rarem apropriado. Apresentamos assim porque foi dessa maneira que foi construído o Museu da Natureza e consideramos o resultado satisfatório dentro do que fora proposto.

Vamos ao que interessa: escolha três ou quatro alunos da equi‑pe de trabalho constituída para a construção participativa e fale so‑

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bre o sistema solar, de forma breve, que não os canse ou entedie. Após, forneça materiais para que possam construir a maquete.

O material deve ser entregue aos alunos e uma breve explica‑ção deve preceder a feitu‑ra da maquete, nada muito prolongado, visto que este assunto já teve oportuni‑dade de ser abordado com mais profundidade em mo‑mentos mais formais. Após a entrega, os alunos irão fazer análises de imagens retratando os planetas e ir pintando cada esfera con‑forme o que considerarem uma representação do pla‑neta.

Sugestão importante: Explique sua ideia, mas não lhes dê a so‑lução direta e objetivamente. Poderá surpreender‑se com as soluções que produzirão, muitas vezes superarão as suas. Caso veja que não estão produzindo conforme o esperado ou com dificuldades, goteje algumas pistas em forma de sugestões, com um tom sutil de dúvida e interesse em suas opiniões, incentivando e respeitando a autonomia.

Saber pesar e decidir quando é necessária a interferência pode ser difícil, um critério que pode ser útil é somente “podar” aquilo que estiver realmente errado, algo que esteja imperfeito poderá perma‑necer20.

Não se preocupe com escalas, isso faria o trabalho complicado a ponto de impedir sua conclusão. Os alunos podem utilizar a espon‑ja para dar a textura aos planetas gasosos (Júpiter, Saturno, Urano e Netuno) e a massa corrida para fazer os continentes do planeta Ter‑ra. Para os anéis de Saturno podem‑se fazer discos (faça utilizando um compasso) de papelão pintado com cores que lembrem as dos anéis, que podem ser presos ao planeta ou suspensos no teto com fios

20  Quantas vezes vemos feiras de Ciências e mostras escolares com trabalhos expostos como feitos pelos alunos e nitidamente aquilo foi feito por um adulto, sem qualquer autoria dos alunos, isso pode causar‑lhes uma impressão de serem incapazes de fazer algo apresentável e digno de admiração, o que consiste num equívoco.

Figura 7 Elaborando o sistema solar Fonte: Acervo do autor.

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de náilon. Enfatize a importância de a representação dos planetas ser o mais fiel possível. Valorize seus trabalhos, dizendo que não es‑tão fazendo um simples “trabalhinho” de aula, estão elaborando uma exposição para o museu da escola.

Após a conclusão da pintura dos planetas, que pode estender‑se por um mais encontros, es‑ses serão colocados em ex‑posição, seguindo o roteiro do museu, previamente organizado. Os planetas po‑dem ser fixados a uma base giratória para demonstrar o movimento de translação ou podem ficar suspensos por um fio ou ambos. Para prender os planetas ao fio de nylon,dobre o arame em forma de “U” e insira as duas pontas na esfera. Após, amarre o fio ao arame.

Coloque na frente de uma parede pintada de preto ou de algum tecido preto, buscando dar maior destaque aos planetas e dando uma impressão de espaço sideral. Parece uma prática óbvia e convencional, mas no contexto de um mu‑seu escolar toma um tamanho e um significado além da mera maquete.

Figura 8 Alunos‑curadores do MN pintando os planetas. Fonte: Acervo do autor.

Figura 9 Planetário pronto, antes de ser colocado em exposição. Fonte: Acervo do autor.

Figura 10 Planetário na exposição do museu. Fonte: Acervo do autor.

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EXPOSIÇÃO II: Continentes Navegando!

Fundamentação

Nosso planeta nem sempre teve o “mapa” o qual estamos acostu‑mados a ver. A dimensão cronológica de nossas vidas, limitadas a me‑nos de um século, impede‑nos de perceber a mutabilidade dos conti‑nentes. Somente em eventos como grandes terremotos e tsunamis somos afrontados com a perturbadora realidade de que o chão abaixo de nossos pés, lentamente, se move. As pesquisas de Alfred Lothar We‑gener (1880‑1930) revelaram fósseis comuns entre continentes separa‑dos por vastos oceanos. Foi uma evidência bastante sólida da conexão pretérita entre os continentes. A separação dessas massas de terra foi crucial para a evolução dos seres vivos em nosso planeta.

Figura 11 Fósseis iguais encontrados em continentes diferentes corroborando a teoria wegeneriana de que um dia toda terra esteve unida. Fonte: Disponível em <http://espacociencias.com/site/wp‑content/uploads/2012/10/paleontologicos.jpg>.

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Materiais

• Duas esferas de isopor de 24cm de diâmetro (as quatro partes serão aproveitadas)

• Massa corrida

• Tinta guache ou de tecido nas cores azul, verde, marrom e branca

• Giz de cera preto ou lápis

• Papel crepom azul

• Cola de papel

• Pincel

Procedimento

Esta é uma etapa bastante fácil, porém importante, do roteiro ex‑positivo. A exposição é útil para contextualizar as épocas (eras geoló‑gicas, anos atrás) dos fósseis e das exposições que tratam de evolução dos seres vivos. A Figura 9 é o primeiro passo para a construção dos modelos. Mostre‑a aos curadores e explique a importância desses eventos para a vida na Terra. Recomendo que faça um momento de reflexão sobre o assunto antes de começar o trabalho propriamente dito. Você poderá, eventualmente, abordar aspectos da natureza da ciência quando tocar nesse assunto, visto que Wegener não foi leva‑do a sério, em sua teoria da deriva continental, até meados de 1950. Após debater esses assuntos, siga os seguintes passos:

1. Orientar os alunos para que desenhem os continentes, em suas conformações variadas, com canetinha na su‑perfície do isopor.

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Figura 12 Deriva continental ao longo dos milhões de anos da Terra. Fonte: Disponível em <http://espacociencias.com/site/wp‑ content/uploads/2012/10evolucao‑ continentes.jpg>.

2. Colocar massa corrida sobre o desenho dos continentes e aguardar até a secagem completa.

3. Após os continentes estarem secos, pintá‑los com tinta verde e marrom. Aguardar a secagem.

Figura 13 Elaborando a Pangeia. Fonte: Acervo do autor.

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4. Pintar a parte da esfera que representa o oceano com tinta azul ou colar papel crepom azul. Caso o faça, deve‑rá passar suavemente o pincel com cola para dar brilho.

É mais trabalhoso, mas o efeito é mais fidedigno.

EXPOSIÇÃO III: A Fúria de Geia

Fundamentação

Os vulcões sempre despertaram fascínio e temor na humanida‑de. Pompeia e Herculano, engolidas pela piroclastia do Monte Vesú‑vio não diminuíram a coragem dos habitantes de Nápoles em ficar próximos ao vulcão como quem não se importa com a iminência de um cataclismo. Sempre impressiona ver a potência de uma erupção jogando para o alto cinzas sulfurosas e pedras ferventes. Como se Geia, a deusa grega da Terra, quisesse atingir o marido, Urano, deus dos céus, com seus pedregulhos flamejantes em uma briga ardente.

Essa fúria toda deve‑se ao fato de o núcleo terrestre ser uma rocha líquida aquecida a 5.000ºC, e, vez que outra, seus eflúvios ul‑trapassarem a crosta sólida. Os vulcões são fumarolas que aliviam as pressões das entranhas do planeta. São capazes de formar ilhas ou

Figura 14 Pintando os continentes. Fonte: Acervo do autor.

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destruí‑las, soterrar cidades inteiras ou infestar a atmosfera com nu‑vens silicosas gerando caos aos aeroportos.

Não é somente dos gregos ou dos italianos a fascinação pelos vul‑cões. Esses habitam o imaginário daqueles que nunca os viram mas le‑ram Viagem ao centro da Terra, de Júlio Verne. O precursor da ficção científica coloca um vulcão como a porta de entrada a um mundo per‑dido, habitado por “fósseis vivos”, que há muito sumiram da superfície.

Figura 15 O Monte Vesúvio encobrindo Pompeia com seus eflúvios piroclásticos. Fonte: Disponível em <http://1.bp.blogspot.com/‑‑KWycnXxPDQ/UUg3IS4A30I/AAAAAAAALTU/ux‑yTsOfLsc/s1600/Pompeii_Vesuvius.jpg>.

Materiais

• Malha de arame (4 m)

• Espuma de poliuretano (quatro unidades de 500 ml)

• Cola branca (1l, se sobrar pode ser utilizada em outras atividades)

• Areia colorida (verde, cinza e em tons terrosos)

• Papel higiênico (um rolo, do mais barato que houver)

• Pincéis grandes

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Procedimento

1. Com a malha de arame estruturar a forma de um cone, pode ser amassado e deformado, lembrando uma montanha.

Figura 16 Cone de arame. Fonte: Acervo do autor.

2. Sacudir bem o frasco com a espuma e, após, colocar o canudo (vem junto à espuma). Então iniciar a liberar a espuma, em fileiras paralelas, de cima para baixo, dei‑xando de 5 cm a 8 cm entre elas. Pedaços da malha po‑dem ficar aparecendo, porque, após algumas horas, a espuma absorve ar e aumenta consideravelmente de ta‑manho.

Figura 17 Elaborando o vulcão. Fonte: Acervo do autor.

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3. Depois de 24 horas a espuma estará completamente seca. As lacunas que restarem podem ser cobertas com papel higiênico amassado misturado com cola branca.

4. Assim que tudo estiver seco, pintar todo o vulcão com cola e, concomitantemente, despejar areia colorida, ao gosto dos alunos‑curadores.

Observação: O vulcão pode ser feito em um tamanho menor, basta diminuir a malha. Cada metro a menos diminui um fras‑co de espuma de 500 ml.

EXPOSIÇÃO IV: Minúcias da Vida

Fundamentação

Todos os seres vivos da Terra são compostos por células, essas são as menores unidades vivas de um organismo. A célula pode ser, até mesmo, o próprio organismo, como é caso das bactérias, dos pro‑tozoários e de alguns tipos de fungo (leveduras). A maioria dos seres os quais a Ciência foi capaz de detectar é descendente de um ances‑

Figura 18 Pintando o vulcão. Fonte: Acervo do autor.

Figura 19 Dando acabamento no vulcão. Fonte: Acervo do autor.

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tral comum. Com o passar das gerações (ao longo de bilhões de anos), desenvolveu‑se uma célula com características compartilhadas por todos os seres vivos: material genético, citoplasma e membrana plas‑mática. Existem três tipos: célula bacteriana, a mais simples, dotada de um citoplasma com ribossomos e o cromossomo; célula animal, repleta de organelas (ou organoides) cada uma com funções distin‑tas; célula vegetal, esta com quase todos os elementos presentes na célula animal ainda somando um vacúolo, cloroplastos e uma parede celular.

Fazendo uma analogia das células com as cidades, podemos dizer que suas organelas são partes desta cidade e seus habitan‑tes. O núcleo seria uma espécie de prefeitura, contendo as plantas (DNA) das edificações (proteínas); mitocôndrias e os cloroplastos (nas células que o possuem) seriam as usinas; lisossomos, as cen‑trais de reciclagem; complexo de Golgi21, o correio; retículo endo‑plasmático rugoso, a fábrica; citoesqueleto, as estradas de ferro e as ruas.

É importante ressaltar que nem todas as organelas surgi‑ram de mutações seguidas de seleção natural. Conforme a teoria da “endossimbiose”, desenvolvida pela bióloga Lynn Margulis22 (1939‑2011), a mitocôndria e o cloroplasto teriam sido, em uma vida pretérita, bactérias. A mitocôndria, uma bactéria aeróbica e heterotrófica; e o cloroplasto, uma cianobactéria autotrófica. A evidência mais sólida para essa afirmação pouco ortodoxa é a pre‑sença de DNA no lúmen dessas duas estruturas. A mitocôndria, por exemplo, tem suas funções de síntese de proteínas pratica‑mente independentes do núcleo.

21  O pesquisador lombardo Camilo Golgi (1843‑1926) foi o responsável pela identificação do sistema reticular intracelular responsável pelo empacotamento de proteínas, por isso o nome. Golgi foi agraciado, em 1906, com o prêmio Nobel de Fisiologia por suas relevantes pesquisas sobre os neurônios e o sistema nervoso. É válido trazer informações aos alunos sobre suas descobertas, pois foi um dos maiores cientistas do início do século. Assim o nome do “complexo de Golgi”, ou “complexo golgiense”, torna‑se menos esotérico.22  No livro Os cem maiores cientistas da História,o autor John Simmons (2003, p. 449‑454) traz uma descrição sobre a trajetória acadêmica da Dra. Margulis e aspectos fundamentais de sua teoria.

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Figura 20 Modelo de célula bacteriana. 1) Flagelo; 2) ribossomo; 3) material genético; 4) plasmídeo; 5) membrana plasmática; 6) peptideglicano. Fonte: Acervo do autor. Figura

Figura 21 Modelo de célula eucariótica animal. 1) Membrana plasmática; 2) núcleo; 3) mitocôndria; 4) complexo de Golgi; 5) lisossomos 6) parede celular; 7) centríolos; 8) retículo endoplasmático nãogranuloso; 9) citoesqueleto; 10) retículo endoplasmático granuloso. Fonte: Acervo do autor.

Figura 22 Modelo de célula eucariótica vegetal. 1) Núcleo; 2) retículo endoplasmático granuloso; 3) complexo de Golgi; 4) mitocôndria; 5) parede celular; 6) lisossomos; 7) cloroplasto; 8) membrana plasmática; 9) vacúolo. Fonte: Acervo do autor.

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78 GUY BARROS BARCELLOS

Materiais

• Três placas de isopor (3 a 4 cm de espessura)

• Cola colorida de cores variadas

• Tinta acrílica para tecido

• Pincéis de tamanhos variados

• Pistola de cola quente (e recarga da cola)

• Papelão

Procedimento

Não irei “protocolizar” o construir desta museália, na qual o professor deverá dar orientações mais técnicas, ainda menos dire‑cionadas. A intenção, nesta atividade, é dupla: superficialmente e objetivamente é produzir mais uma peça expositiva, mas profunda e subjetivamente o professor irá visualizar a expressão do modelo mental que o aluno tem de célula, poderá entender como o aluno compreende e expressa aquilo que, em sua mente, ocorre quando a palavra “célula” é proferida. Abaixo algumas orientações úteis quan‑to ao fazer propriamente dito:

• Os alunos podem desenhar as organelas em papel sulfite branco e colar os desenhos em papelão.

• Outras organelas e o citoesqueleto podem ser feitos so‑bre o isopor, já pintado e seco, com cola colorida que dê efeito de textura.

• Para uma impressão de tridimensionalidade no modelo final é interessante colar, abaixo de cada organela, um cubo de isopor (usando a pistola de cola quente).

• As cores são escolhidas a critério dos alunos, afinal, nas imagens dos livros, as cores são sempre fantasia, pois, pelo tamanho diminuto, as células não têm cor. Somente o cloroplasto deverá ser verde, pela presença de clorofi‑la em seu interior.

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79MANUAL DE IMPLANTAÇÃO DE MUSEUS ESCOLARES

Figura 23 Elaborando o modelo de célula animal. Fonte: Acervo do autor.

Figura 24 Modelo de célula vegetal. Fonte: Acervo do autor.

Figura 25 Modelo de célula animal. Fonte: Acervo do autor.

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EXPOSIÇÃO V: Escritura Espiralada

Fundamentação

Charles Darwin (1809‑1882), o mais importante biólogo de todos os tempos, criador da teoria da Evolução, certa vez fez um desenho de uma árvore, e seus ramos originavam vários outros. Cada galho repre‑sentava um grande grupo de seres vivos e todos, originados de um único tronco, demonstravam a explicitação do pesquisador sobre to‑dos os seres vivos possuírem um ancestral comum. Naquela época não havia como o cientista comprovar o que dizia, baseava‑se somente em evidências fósseis, caracterizações anatômicas e morfológicas, obser‑vação atenta e minuciosa dos seres vivos e uma forte intuição.

Figura 26 Árvore da vida desenha por Darwin em seus cadernos de anotações. Um insight genial. Fonte: Disponível em <http://24hrartprojects.files.wordpress.com/2008/11/darwinsdrawing2.jpg>.

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81MANUAL DE IMPLANTAÇÃO DE MUSEUS ESCOLARES

O advento da biologia molecular, marcado em 1953 pela desco‑berta da dupla‑hélice do DNA pelos cientistas estadunidenses James Watson e Francis Crick, veio a abrir as portas da pesquisa para a confirmação da teoria de Darwin. Todos os seres vivos da terra pos‑suíam, como material genético, DNA, um polímero de fósforos ácidos ligados a açúcares e bases nitrogenadas. Sendo assim, todos descen‑deriam de um ancestral comum.23

Materiais

• Oitenta esferas de isopor de 5 cm de diâmetro

• Cano de PVC (2 m)

• Furadeira e broca (4 mm)

• Quarenta palitos de madeira de 20 cm

• Três frascos de spray cinza metálico

23  Imagem produzida por Rafael Andrade Caceres (não publicada).

Figura 27 Dupla‑hélice do DNA23, uma linguagem química espiralada, contendo as informações necessárias para construir quaisquer seres vivos. Fonte: Caceres (s.d.).

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82 GUY BARROS BARCELLOS

Procedimento

1. Explicar aos alunos‑curadores que a cadeia de DNA é composta por quatro “letras” moleculares. Após, oriente para que pintem, das 80 esferas, quatro grupos de 20, cada um com uma cor.

2. Podem eleger arbitrariamente quais serão as cores das bases nitrogenadas, no entanto devem lembrar‑se de que têm de manter uma coerência na montagem. Por exemplo: se a esfera representando a adenina for azul e aquela representando a timina for vermelha, a azul deve sempre ser conectada à vermelha. Isso também aplica‑se às esferas representando as bases citosina e guanina.

3. Após a pintura de todas as esferas, o professor deve, com o auxílio de alguma pessoa capacitada (caso não o seja), fazer furos no cano. Observe‑se que antes da perfuração devem ser feitas marcas com pincel atômico permanen‑te onde serão feitos os furos. Para assegurar a represen‑tação da forma helicoidal da molécula, os furos devem ser feitos em intervalos verticais de 15cm de altura e um distanciamento horizontal de 8cm.

4. Após a perfuração, pintar o cano com spray cinza me‑tálico (não que esta cor deva ser utilizada, visto que as moléculas não têm propriamente uma cor; a escolha fica a critério do gosto dos alunos‑curadores e da disponibi‑lidade do produto).

5. Pintar os palitos com o spray, observando as instruções de utilização no rótulo do produto. É recomendável que o professor faça esta parte do processo sozinho e somen‑te entregue aos alunos‑curadores os palitos já pintados e prontos para a montagem. Para pintar os palitos pren‑da‑os todos em uma placa de isopor. Para evitar que o spray derreta o isopor, coloque sobre a placa uma folha de jornal velho.

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83MANUAL DE IMPLANTAÇÃO DE MUSEUS ESCOLARES

6. Concluir a montagem prendendo a cadeia de DNA ao teto da sala ou fixando‑a ao piso, de forma segura, para que não caia, e encaixando os palitos e as bolinhas pin‑tados nos furos feitos ao longo do cano.

Figura 28 Modelo de cadeia de DNA. Fonte: Acervo do autor.

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84 GUY BARROS BARCELLOS

EXPOSIÇÃO VI: Estranho Mundo Perdido

Fundamentação

Após uma longa e rigorosa glaciação, quem procurasse vida na Terra deveria fazê‑lo nos oceanos, onde surgiram as primeiras bacté‑rias. O degelo ajudou a encher a atmosfera e a hidrosfera terrestre de oxigênio, e as temperaturas subiram. Essa nova composição permi‑tiu a emergência de uma imensa variedade de seres vivos, inclusive de seres pluricelulares, com células especializadas e organismos al‑tamente complexos. Os oceanos não eram mais habitados pelo ma‑rasmo bacteriano. A vida animal fervilhava nas águas rasas. Toda essa biodiversidade foi preservada no folhelho de Burgess, encontra‑do em montanhas na Columbia Britânica do Canadá, pelo paleontó‑logo estadunidense Charles Doolittle Walcott (1850‑1927). A existên‑cia desses fósseis permitiu o conhecimento dos seres vivos já extintos e da origem dos vertebrados. Stephen Jay Gould (1941‑2002) aprofun‑da este assunto em seu “Vida Maravilhosa” (1990).

Figura 29 Para construir uma boa maquete da biodiversidade de Burgess Shale é importante fazê‑la observando a representação da biota encontrada no registro fóssil. Fonte: Disponível em <http://paleoaeolos.deviantart.com/art/The life‑on‑Burgess‑Shale‑13177422>.

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85MANUAL DE IMPLANTAÇÃO DE MUSEUS ESCOLARES

Aysheaia, membro de um grupo irmão dos atuais artrópodes, possuía papilas próximas à boca, que o ajudavam a comer. Viviam comumente associados à esponjas‑do‑mar.

Pikaia, possivelmente o primeiro vertebrado de que se tem notícia. Fortes indícios de que era um ser filtrador, que nadava próximo ao fundo, ondulando seu corpo alongado.

Trilobitas habitaram todos os oceanos, por centenas de milhões de anos até serem completamente extintos no período Permiano, na grande extinção que exterminou 95% das espécies. Eram bentônicos e tinham carapaças ricas em CaCO2, o que permitiu que muitos fossilizassem. Foram os primeiros animais a desenvolverem olhos complexos. Chegavam a viver em grandes profundidades.

Anomalocaris, relacionado aos artrópodes, era o maior predador (1m) da biodiversidade de Burgess. Propelia seu corpo ondulando os lobos flexíveis de seu corpo, tinha uma mandíbula potente capaz de quebrar a carapaça de suas presas.

Opabinia possuía cinco olhos. Próximo à boca tinha uma longa e flexível probóscide terminada com uma garra, para capturar presas escondidas no lodo.

Wiwaxia, um possível molusco detritívoro. Devido a sua carapaça dura ainda pairam dúvidas sobre ser um molusco ou um poliqueto, pois os tecidos moles são ocluídos no registro fóssil. Sabe‑se, ao menos, que era muito resistente e possuía hábitos bentônicos.

Quadro 1: Algumas das espécies encontradas por Walcott no folhelho de Burgess. Fonte: Disponível em <http://www.burgess‑shale.bc.ca/discover‑burgess‑shale/ancient‑creatures>.

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86 GUY BARROS BARCELLOS

Materiais

• Duas placas de isopor (4 cm de espessura)

• Uma placa de isopor (entre 1 cm e 2 cm de espessura)

• Doisquilosde massa de biscuit

• Pincéis e tinta acrílica de tecido

• Pedaços de plantas de plástico

• Papelão

• Papel higiênico ou papel toalha (o mais barato que houver)

• Pistola de cola quente e recargas

Procedimento

Fauna e f lora

1. Começar fazendo os incríveis seres da fauna de Burgess. Mostre aos alunos a imagem, diga que escolham quais irão modelar. Não se preocupe que as formas fiquem idênticas, basta serem parecidas. O objetivo é mostrar a grande biodiversidade.

2. Oriente aos alunos que pintem de cores variadas e ao seu gosto, afinal o registro fóssil somente nos mostra a forma, não a cor.

3. Após a secagem da tinta verifique se há necessidade de uma segunda pintura.

Ambiente

1. Unir as duas placas de isopor ao comprido em um ângu‑lo reto com cola quente.

2. Recortar com estilete (ou cortador elétrico) oito triângu‑los (catetos com 10 e 18 cm) em isopor. Catetos devem ser retos, a hipotenusa poderá ser cortada em uma linha mais irregular, pois será a base para a representação da formação rochosa.

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87MANUAL DE IMPLANTAÇÃO DE MUSEUS ESCOLARES

3. Colar os triângulos nas duas placas em intervalos de 10cm.

4. Recortar triângulos de papelão que alcancem os triân‑gulos de isopor e, em seguida, colá‑los fazendo um “es‑trado”.

5. Recobrir as frestas do estrado com papel sulfite.

6. Depositar papel higiênico amassado sobre o estrado e despejar cola. Espalhar a cola com um pincel. Esta deve‑rá ser a textura da formação rochosa do fundo do mar.

7. Prender a Pikaia ou o Anomalocaris a um palito de ma‑deira (ou arame) pintado de preto para dar efeito de flu‑tuação. É importante dar destaque à Pikaia por seu pro‑vável papel decisivo na evolução dos vertebrados.

8. Colar os modelos à maquete com pistola de cola quente.

Figura 30 Maquete da biodiversidade de Burgess. Fonte: Acervo do autor.

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88 GUY BARROS BARCELLOS

EXPOSIÇÃO VII: Tétis e Oceano

Fundamentação

Quando Tétis percorria as áreas úmidas do planeta, os peixes fica‑vam em festa: nadavam ao redor de seu carro de marfim, pulando fora das águas para ver a bela criatura. Oceano e Tétis tiveram mi‑lhares de filhos.

Há 4,5 bilhões de anos surgiu a Terra, incandescente, a 5000ºC o planeta cintilava no firmamento. Mais se parecia com um inferno do que com o que conhecemos hoje, nenhuma forma de vida podia estabelecer‑se naquele planeta jovem.

O passar do tempo resfriou as rochas líquidas, solidificando‑as. Os vapores presentes na atmosfera liquefizeram‑se. Um dilúvio de quase um milhão de anos de duração formou os oceanos, onde, pos‑teriormente, surgiriam todas as formas de vida conhecidas. Foi nas águas rasas que as cianobactérias começaram a formar os primeiros estromatólitos que encheram a atmosfera de oxigênio.

Ainda hoje o oceano é um manancial de descobertas. Várias ci‑vilizações voltaram sua curiosidade para as águas salgadas de todos os cantos do planeta e talvez tenham visto muitos seres que não exis‑tem e tenham deixado de ver vários outros que ainda estão ocultos.

A biodiversidade marinha divide‑se em zonas. Até onde a luz penetra (aproximadamente cinco a vinte metros, dependendo da turbidez) chama‑se zona fótica ou planctônica.Essa zona também contém seres fotossintetizantes, chamados planctônicos, pois boiam ao sabor das marés. Abaixo dessa zona, na coluna d’água, fica a zona nectônica, onde habitam peixes de cardumes, lulas, tubarões e ma‑míferos marinhos. O fundo chama‑se zona bentônica, onde habitam seres que vivem em contato com o leito marinho, como crustáceos, moluscos, cnidários e alguns peixes. É sobre esse assunto que trato nesta exposição. Esse trabalho é uma maneira de os alunos apren‑derem sobre as zonas marinhas e compreenderem a importância da preservação dos ecossistemas marinhos.

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89MANUAL DE IMPLANTAÇÃO DE MUSEUS ESCOLARES

Figura 31 Esquema das zonas marinhas e seus habitantes. Fonte: Acervo do autor.

Materiais

• Tecido azul (metragem dependerá do espaço disponível para fazer a exposição)

• Carretel de fio de nylon

• Réplicas de animais marinhos ou massa de biscuit

• Um cabo de vassoura

• Furadeira

• Quatro ganchos de aparafusar

• Quatro buchas para colocar os ganchos

• Tesoura

• Tinta acrílica em cores diversas

• Cento e cinquenta centímetros de arame

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90 GUY BARROS BARCELLOS

Procedimento

1. Costurar o tecido azul no cabo de vassoura, envolvendo o tecido no cabo, deixando‑o oculto.

2. Fazer quatro furos no teto da sala, para colocar os gan‑chos e prender o cabo de vassoura com o tecido e o ara‑me. Os furos deverão ter uma distância de 10cm e 1m (ou o tamanho do cabo), formando um retângulo.

3. Prender os ganchos e, após, pendurar o cabo de vassou‑ra, amarrando suas extremidades aos ganchos com ara‑me.

4. Entrar os ganchos que ficarem na frente, prender 1m de arame esticado horizontalmente, é neste que irão ser amarrados os seres marinhos.

5. Amarrar os animais em alturas de acordo com a zona marinha onde habitam (sugiro que as proporções sejam feitas pelos alunos‑curadores).

• Caso não tenham disponíveis réplicas fidedignas de ani‑mais marinhos, pode‑se fazê‑las com massa de biscuit e pintando com tinta acrílica.

Figura 32 Exposição sobre os seres vivos que habitam os oceanos. Fonte: Acervo do autor.

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91MANUAL DE IMPLANTAÇÃO DE MUSEUS ESCOLARES

EXPOSIÇÃO VIII: Caleidoscópios Vivos

Fundamentação

O processo evolutivo criou formas altamente complexas e, mui‑tas delas, de extrema beleza. Produtos de milhões de anos de muta‑ção e seleção natural, todos os seres vivos carregam características que, herdadas por seus genitores, são evidências das aventuras de uma espécie durante sua existência na Terra. Antes de surgirem os vertebrados, no período Cambriano (500 milhões de anos atrás), já perambulava pelo mar, ar e terra uma plêiade de seres vivos.

Um grupo animal (filo) que se mostrou bastante diverso e, diga‑mos, “persistente” foi o dos moluscos. Esses seres vivos podem ter ten‑táculos e braços para capturar alimento (lulas), podem ter olhos muito parecidos com os de um ser humano (polvo) ou podem ter conchas espi‑raladas e coloridas (gastrópodes e nautiloides). Muitos deles invadiram o ambiente terrestre e, para isso, desenvolveram pulmões. São impor‑tantes na cadeia alimentar como detritívoros, filtradores, herbívoros, predadores (alguns conídeos caçam com arpão venenoso) e também servem de alimento para peixes, crustáceos, aves e mamíferos.

Em suma, não há por que não estudar este fantástico espetácu‑lo de cores e formas. Um grupo particularmente estimulante, para dizer‑se o mínimo, é o dos nudibrânquios24. Eles são, de todos os mo‑luscos existentes, os mais coloridos, e não possuem concha. Sua de‑fesa é uma coloração de aviso, chamada aposemática, muitas vezes parecendo que foram feitos, decorados, enfeitados e pintados por um artista do período rococó. Não é exagero dizer que, talvez, não haja nudibrânquio que nossa mente não possa imaginar, tamanha é sua variedade.

O nome advém de uma característica bastante ousada, suas brânquias não são internas. Por serem extremamente venenosos, podem expor essas estruturas vitais tão sensíveis.

24  Informações taxonômicas mais detalhadas podem ser encontradas no Compendium of Brazilian Sea Shells (RIOS, 2009).

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92 GUY BARROS BARCELLOS

Materiais

• Massa de biscuit branca (porcelana fria)

• Pincéis de tamanhos variados

• Tinta acrílica em várias cores

Procedimento

1. Observar atentamente a anatomia geral dos nudibrân‑quios.

Figura 33 Anatomia de um nudibrânquio – tradução da legenda: foot = pé; gills = brânquias; rinospores = rinósporos; mantle = manto; mantle margin = margem do manto. Fonte: Disponível em <http://www.ukdivers.net/images/nudidiag.jpg>.

1. Escolher uma espécie de nudibrânquio (algumas espé‑cies abaixo):

a. Glaucus atlanticus (manto azul claro, nadadeiras azul anil e azul marinho);

Figura 34 Nudibrânquio 1 Fonte: Disponível em <http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/2/21/Glaucus_atlanticus_1_cropped.jpg>.

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b. Phidiana pugnax (manto branco amarelado, brânquias marrons e cor de laranja, rinósforos brancos);

Figura 35 Nudibrânquio 2 Fonte: Disponível em <http://www.saturdays.net/animal/img/phidiana_pugnax.jpg>

c. Chromodoris kuiniei (margem do manto e bolinhas ro‑xas, demais partes amarelas e brancas);

Figura 36 Nudibrânquio 3 Fonte: Disponível em <http://www.sergeyphoto.com/underwater/nudibranchs/chromodoris‑kuniei‑1.jpg>.

d. Hypselodoris apolegma (manto roxo, rinósforos e brân‑quias amarelos, margens brancas)

Figura 37 Nudibrânquio 4 Fonte: Disponível em <http://sergeyphoto.com/underwater/nudibranchs/hypselodoris‑apolegma.html>.

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e. Nembrotha kubaryana (manto preto com listras verdes, brânquias verdes, rinósforos e tentáculos orais com pon‑tas alaranjadas);

Figura 38 Nudibrânquio 5 Fonte: Disponível em <http://www.starfish.ch/Fotos/molluscs‑Weichtiere/nudibranchs‑ Nacktschnecken/Doridina/Polyceridae/Nembrotha‑ kubaryana6.jpg>.

f. Glossodoris sp. (manto branco com margens alaranja‑das, rinósforos cordelaranja);

Figura 39 Nudibrânquio 6 Fonte: Disponível em <http://sergeyphoto.com/underwater/nudibranchs/glossodoris‑sp.html>.

g. Elysia ornata (manto verde‑esmeralda, margens amare‑las e verde‑musgo, rinósforos com as pontas amarelas);

Figura 40 Nudibrânquio 7 Fonte: Disponível em <http://sergeyphoto.com/underwater/nudibranchs/elysia‑ornata.html>.

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h. Phyllidia ocellata (manto amarelo‑ouro, brânquias azul‑claro e azul‑marinho, rinósforos alaranjados).

Figura 41 Nudibrânquio 8 Fonte: Disponível em <http://sergeyphoto.com/underwater/tioman/phyllidia‑ocellata‑1.html>.

1. Fazer um cilindro de 5 a 10 cm com a massa de biscuit.

2. Achatar a parte inferior contra uma folha de papel.

3. Modelar com os dedos as pleuras do nudibrânquio.

4. Fazer as brânquias modelando pequenos cilindros com a massa de biscuit.

5. Esperar secar (24h‑72h).

6. Pintar com pincel pequeno, observando as cores da es‑pécie retratada no modelo (podem‑se buscar imagens na internet, usando como referência os nomes científicos que ofereço).

7. Esperar secar e observar se há necessidade de outra ca‑mada de tinta.

EXPOSIÇÃO IX: Ecos do Passado

Fundamentação

Conhecemos muitos seres vivos que habitaram a Terra há cente‑nas de milhões de anos e há muito já foram extintos. Sabemos que os trilobitas habitaram os oceanos do Permiano, que os dinossauros cami‑nharam pesados sobre os continentes até o final do Cretáceo e que os mamutes lanudos existiram até a última grande glaciação. Todo esse co‑nhecimento advém do estudo dos fósseis. Não fossem eles não teríamos

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96 GUY BARROS BARCELLOS

como saber os caminhos que a evolução darwiniana tomou em nosso planeta durante o trilhar da vida em seus 3,5 bilhões de anos.

Fósseis são, portanto, vestígios de seres vivos que viveram há mais de dez mil anos. Podem ser desde ossos, dentes, ovos e pele até pegadas, ninhos e fezes. Para haver fossilização, que é um processo pouco usual, é preciso que o ambiente onde o ser vivo deixou seu vestígio não disponha de grandes quantidades de oxigênio e que seja um local arenoso, argiloso ou calcário. Fósseis dificilmente se for‑mam em rochas magmáticas, pois a alta temperatura destrói qual‑quer traço que pudesse ficar.

Podem ser encontrados em escavações paleontológicas, e mui‑tas vezes os pesquisadores ficam anos trabalhando em uma única escavação.

Figura 42 Etapas do processo de fossilização. Fonte: Disponível em <http://aventurmaxciencia.files.wordpress.com/2009/11/fossilization.gif>.

Possuindo fósseis... como fazer cópias?

Materiais

• Silicone líquido

• Catalisador

• Vaselina líquida

• Vaselina sólida

• Pincel (aproximadamente de 1 a 2 cm)

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97MANUAL DE IMPLANTAÇÃO DE MUSEUS ESCOLARES

• Fósseis (que possam passar pelo processo, de preferên‑cia de ossos ou carapaças)

• Pote plástico, onde o fóssil a ser modelado caiba

• Massa de modelar

Figura 43 Materiais. Fonte: Acervo do autor.

Procedimento

Primeira etapa: Fazendo a forma/contramolde

1. Untar o pote plástico com vaselina sólida.

2. Fazer uma base de massinha de modelar do tamanho do fóssil e prendê‑la em sua parte inferior (se houver) ou em uma de suas faces. É importante que esteja bem aderida e exatamente do mesmo tamanho, pois, quando a forma estiver pronta, esse será o orifício por onde en‑trará o gesso líquido e sairá o modelo.

Figura 44 Base de massinha de modelar. Fonte: Acervo do autor.

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3. Untar o fóssil, cuidadosamente, com vaselina sólida e, após, com vaselina líquida. É muito importante que toda a superfície seja recoberta com vaselina, inclusive a base de massinha, pois essa evita que o silicone (ainda líqui‑do) penetre em poros e interstícios do fóssil, o que pode‑ria danificar a peça.

4. Misturar o silicone líquido com o catalisador, de acordo as instruções de diluição específicas do produto que es‑tiver usando.

5. Despejar silicone lentamente sobre o fóssil, para que não se formem bolhas, o que arruinaria a forma.

1. Aguardar 48 horas.

2. Remover o fóssil com muito cuidado, e, voilá, a forma está pronta.

Segunda etapa: Pintando os modelos de fósseis

1. Despejar, lentamente, gesso misturado com água dentro da forma e aguardar secagem completa.

Figura 45 Despejando silicone sobre o fóssil. Fonte: Acervo do autor.

Figura 46 Aguardando secagem do silicone. Fonte: Acervo do autor.

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99MANUAL DE IMPLANTAÇÃO DE MUSEUS ESCOLARES

Figura 47 Forma pronta recebendo silicone. Fonte: Acervo do autor.

2. Desenformar os modelos já secos e começar a pintar ob‑servando o original.No caso do fóssil da Figura 48, uma vértebra de preguiça gigante, o aluno‑curador primeiro fez um fundo cinza‑grafite e aguardou a secagem.

Figura 48 Fóssil de vértebra de preguiça gigante

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100 GUY BARROS BARCELLOS

Fonte: Acervo do autor.

3. Utilizar outras cores como amarelo, branco e preto para pintar detalhes de porosidades do osso. A pintura deve ser feita sobre uma folha de papel branco.

Figura 49 Pintando a réplica do fóssil. Fonte: Acervo do autor.

4. Resultado final com fidedignidade, as quatro vértebras abaixo (na Figura50) assemelham‑se muito à que está acima, que é a original.

Figura 50 Réplicas prontas. Fonte: Acervo do autor.

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101MANUAL DE IMPLANTAÇÃO DE MUSEUS ESCOLARES

5. A réplica de gesso do trilobita deve ser colocada ao lado da original, para começar a pintura.

Figura 51 Fóssil de trilobita original (à esquerda) e réplica (à direita).

Fonte: Acervo do autor.

6. Pintar primeiramente a base de rocha sedimentar, com tinta cinza.

Figura 52 Pintando réplica de fóssil de trilobita. Fonte: Acervo do autor.

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102 GUY BARROS BARCELLOS

7. Pintar o trilobita de preto.

Figura 53 Concluindo pintura de réplica de trilobita. Fonte: Acervo do autor.

Não possuindo fósseis... faça seu próprio!

Materiais

• Massinha de modelar

• Papel A4 branco gramatura de 180 (no mínimo)

• Fita adesiva

• Gesso

• Um pote plástico

• Bastão de vidro (ou uma colher)

• Folhas, conchas, animais de plástico, insetos com cara‑paça dura (cascudos, besouros etc.)

Procedimento

1. Fazer um disco de massinha de modelar.

2. Apertar a folha (ou outro material) contra a massinha de modelar, deixando uma marca em baixo‑relevo.

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103MANUAL DE IMPLANTAÇÃO DE MUSEUS ESCOLARES

Figura 54 Prensando a folha contra a massinha. Fonte: Acervo do autor.

3. Remover a folha da massinha com cuidado, verificando se deixou a marca.

Figura 55 Removendo a folha da massinha. Fonte: Acervo do autor.

4. Recortar uma tira de papel‑cartão e prender suas pon‑tas, formando um cilindro que englobe a marca do ma‑terial na massinha.

5. Prender o papel, com firmeza, na massinha (verificar se não ficaram frestas, pois ali será colocado o gesso líqui‑do).

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Figura 56 Fixando as bordas da forma. Fonte: Acervo do autor.

6. Despejar sobre a “forma” gesso líquido e aguardar por 24horas.

Figura 57 Despejando gesso, com cuidado, dentro da forma. Fonte: Acervo do autor.

7. Desprender a massinha do gesso, já seco, com cuidado.

8. Pintar a textura em alto‑relevo produzida no gesso.

9. Neste procedimento você poderá trabalhar a fossilização por contramoldes, de comum ocorrência em moluscos e alguns vegetais.

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105MANUAL DE IMPLANTAÇÃO DE MUSEUS ESCOLARES

EXPOSIÇÃO X: Sagração da primavera

Fundamentação

Neste texto dou continuidade ao assunto abordado anterior‑mente, o qual entitulei “Ecomuseu escolar”. Reitero que um MC não necessita nem deve restringir‑se às paredes de sua sala. O museu deve extravasar os limites de sua corporeidade, espalhando‑se pela escola, mudando sua face e seus hábitos.

Materiais

• Vasos de planta com furo para prender na parede (uma versão alternativa pode ser feita com garrafa pet e ara‑me)

• Terra preta

• Pedrisco

• Furadeira

• Parafusos e buchas

Figura 58 Modelo de fóssil concluído. Fonte: Acerv o do autor

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• Escada

• Plantas variadas (escolher de acordo com o clima da re‑gião e a incidência de luz no local)

Observação: as quantidades dos materiais irão variar de acor‑do com o tamanho desejado para fazer o jardim vertical.

Procedimento

1. Fazer furos e colocar buchas e parafusos nas paredes.

2. Plantar os vegetais nos vasinhos. Antes de colocar a ter‑ra preta, colocar pedrisco para drenar. No caso de garra‑fa pet, fazer um pequeno furo no fundo.

3. Prender as plantas na parede e regá‑las de acordo com a necessidade de cada espécie.

Figura 59 Aluno montando o jardim vertical do MN. Fonte: Acervo do autor.

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107MANUAL DE IMPLANTAÇÃO DE MUSEUS ESCOLARES

EPÍLOGO

Caleidoscópio do ser/conhecer

Para encerrar esta jornada, optei por uma visão caleidoscópica, pois neste texto abordo diferentes perspectivas sobre tudo o que de‑fendi neste livro.

Dentro de escolas, semanas de provas assolam a paz dos alunos, tarefas são enviadas para a casa (local de repouso e convívio) em vez de serem feitas com ajuda de alguém qualificado para isso (o professor) e no local destinado ao estudo e ao aprendizado (a esco‑la). Olha‑se o erro para punir e valoriza‑se o que o aluno não sabe. Muitos professores ensinam sem se preocupar se o aluno aprende; imperam a competição e a meritocracia; e, em geral, o estudo é orga‑nizado focando aprovação em um concurso. Nesse contexto um MC pode ser um espaço de resistência, de reação.

O MC é um local onde há vontade de valorizar o aluno, no qual o professor tenha liberdade pedagógica total, haja tolerância com pe‑quenas faltas e olhe‑se o erro como oportunidade de aprendizado. Em um MC dialoga‑se com os jovens. O aluno aprende o conteúdo quando puder e precisar, e não há o desgaste e a tensão de provas e competições. Cada estudante pode progredir em seu próprio ritmo, pois há confiança na curiosidade e na sede de saber dos alunos. Em um MC se aprende entre amigos.

No Museu de Ciências Escolar defendido neste livro, respei‑tam‑se profundamente os conhecimentos, mas, mais ainda, os indi‑víduos em vias de aprendê‑los. O aprendizado é favorecido em uma atmosfera de tolerância, respeito e alegria, sem obrigação, peso e an‑siedade, respeitando‑se os ritmos psicológicos de cada um, evitando cansaço inútil. O professor aproxima‑se dos alunos, não se limitando à transmissão mecânica de conhecimentos.

O senso afetivo é importante para a aprendizagem de qualquer conteúdo. Quando a emoção está presente, o aprender ocorre de forma mais natural, o conhecer vai além do armazenamento de in‑formação, as conexões realizadas pelas células nervosas tornam‑se perenes.

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108 GUY BARROS BARCELLOS

Em um MC os fracassos não são motivos para não avançar, mas oportunidades para refletir sobre as ações e reações (do aluno e do professor) e continuar a caminhada com um pensamento renovado. Essa pode ser uma oportunidade para aceder ao conhecimento com entusiasmo e sem sentimentos de nulidade, na qual os alunos são protagonistas de seu aprendizado. É importante que os estudantes realizem atividades voltadas para seu interesse e planejadas por eles. Uma vez que, quando são sempre tutelados e fazem somente atividades que são lhes dadas prontas, podem correr o risco de tor‑narem‑se adultos sem autonomia.

O MC não é uma panaceia para o ensino de Ciências, mas um ambiente que pode complementar as tentativas do professor de me‑lhorar o aprendizado de seus alunos. Os alunos estudam, aprendem e pesquisam com objetos reais, não trabalham somente hands‑on, mas também minds‑on, ou seja, a prática está diretamente vinculada à teoria e à reflexão.

Neste livro ofereço etapas para a construção participativa de um MC. Essas são somente sugestões que um professor pode utilizar ao fazer o “seu” museu escolar. Reitero a importância de acolherem‑se projetos e sugestões que os alunos apresentarem. Este trabalho é apenas um ponto de partida, para várias outras possibilidades que possam surgir. O foco é em Ciências por ser esta a área na qual atuo e, portanto, ter sido a temática do museu que organizei com alunos. Nada impede que um professor faça um museu escolar de Artes, Ge‑ografia, Línguas ou Matemática. Basta lembrar‑se da característica fundamental desta proposta: protagonismo dos alunos.

Por que um museu e não um laboratório? Embora tenha teci‑do esta justificativa no primeiro ato, vale sublinhar que um labora‑tório tem como foco o próprio laboratório, pois leva a divulgar os resultados para seus membros: o quanto o diálogo do pesquisador é direcionado para um entendimento do seus pares. Em laboratórios de pesquisa, existem experimentos e, após a experimentação, aná‑lises. Em museus busca‑se preservar a memória e torná‑la pública; transformar objetos (materiais e imateriais) em patrimônio; valorar o conhecimento, sua gênese e, consequentemente, ensejar oportuni‑dades de criações. Tudo é musealizável: coleção de carros de corrida, roupas de uma casa de ópera, cultura dos mendigos de uma cidade,

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109MANUAL DE IMPLANTAÇÃO DE MUSEUS ESCOLARES

joias de uma família, danças de aborígines, culinária de uma nação ou os hábitos de um bairro boêmio. Escolhi o museu por várias ra‑zões, muito além do conhecimento inerente, mas o resgate cultural e a preservação da memória são as mais pungentes.

Ao folhear o incunábulo do Gabinete de Curiosidades Naturais, de Albertus Seba (1665‑1736), o Thesaurus, registro as notas finais desta ópera, com o caleidoscópio do ser/conhecer. Seba, farmacêu‑tico e naturalista holandês, reuniu milhares de espécimes de ser‑pentes, mamíferos, borboletas, lagartos e plantas, ávido por novas aquisições para seu acervo.Queria conhecer todas as formas de vida curiosas que os navegadores, com os quais estabeleceu colaborações, traziam de mundos incógnitos. Seba foi um precursor dos museus de Ciências. O próprio Carlos Lineu (1707‑1778) referenciou‑o cente‑nas de vezes em seus tratados que organizaram a biologia moderna. Colecionador dos Países Baixos, Seba influenciou também, indireta‑mente, exploradores como Joseph Banks25, Daniel Solander26 e, até mesmo, o próprio Darwin (1809‑1882). Os museus estão, portanto, envolvidos na gênese da Ciência que nos fornece explicitações da vida e, por recorrência, da existência humana: a Biologia.

O conhecimento pode ser “adquirido” de várias formas, bem como utilizado de maneiras diferentes e para fins diferentes. O saber científico, quando ancorado na perspectiva histórica e social, pode ser um elemento de mudança da vida das pessoas. Organizar um museu é mais que focar no passado e sim precisar e sintetizar o hoje. De uma forma apaixonada e questionadora, tecendo críticas e im‑pressões sobre o processo vital das formas caleidoscópicas da exis‑tência do ser, instigando a navegar entre futuro e passado, buscando significado das gerações passadas às futuras. Uma possibilidade de (re)desenhar um mosaico cultural do viver. O conhecimento é ine‑rente ao ser humano. Trata‑se de um processo educativo que envolve a interação entre pessoas e meio: por recorrência requer consciência e ética. Neste universo a educação escolar, por meio do museu, per‑mite aos alunos, à luz do saber, virem a iluminar seu Ser.

25  Botânico inglês (1743‑1820).26  Naturalista sueco, apóstolo de Lineu (1736‑1782).

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