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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS ESCOLA DE DIREITO DE SÃO PAULO VICTOR DE OLIVEIRA FERNANDES Alternativas para constituição de garantia sobre direitos de crédito em favor de credores estrangeiros em operações de project finance de plataformas e sondas de perfuração. SÃO PAULO 2016

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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS

ESCOLA DE DIREITO DE SÃO PAULO

VICTOR DE OLIVEIRA FERNANDES

Alternativas para constituição de garantia sobre direitos de crédito em favor de credores estrangeiros em operações de project

finance de plataformas e sondas de perfuração.

SÃO PAULO

2016

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VICTOR DE OLIVEIRA FERNANDES

Alternativas para constituição de garantia sobre direitos de crédito em favor de credores estrangeiros em operações de project

finance de plataformas e sondas de perfuração.

Dissertação apresentada como Trabalho de Conclusão de Curso no Programa de Mestrado Profissional da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas. Área de Concentração: Direito dos Negócios Aplicado e Desenvolvimento Orientador: Professor Doutor Bruno Meyerhof Salama

SÃO PAULO

2016

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Fernandes, Victor de Oliveira. Alternativas para constituição de garantia sobre direitos de crédito em favor de credores estrangeiros em operações de project finance de plataformas e sondas de perfuração. / Victor de Oliveira Fernandes. - 2016. 114 f. Orientador: Bruno Meyerhof Salama Dissertação (mestrado) - Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas. 1. Sondas de perfuração. 2. Projetos - Financiamentos. 3. Contratos. I. Salama, Bruno Meyerhof. II. Dissertação (mestrado) - Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas. III. Título.

CDU 347.44

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VICTOR DE OLIVEIRA FERNANDES

Alternativas para constituição de garantia sobre direitos de crédito em favor de credores estrangeiros em operações de project

finance de plataformas e sondas de perfuração.

Dissertação apresentada como Trabalho de Conclusão de Curso no Programa de Mestrado Profissional da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas. Área de Concentração: Direito dos Negócios Aplicado e Desenvolvimento Data de aprovação: __/__/___ Banca Examinadora: _____________________________________ Prof. Dr. Bruno Meyerhof Salama (Orientador) _____________________________________ Prof. Dr. Luciano de Souza Godoy _____________________________________ Prof. Dr. Rafael Domingos Faiardo Vanzella _____________________________________ José Carlos Junqueira Sampaio Meirelles

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RESUMO

O presente trabalho tem como escopo analisar a estrutura de contratação de plataformas

de produção e sondas de perfuração e as formas por meio das quais se pode garantir o direito

dos financiadores aos créditos decorrentes do afretamento desses equipamentos.

A estrutura de sua contratação geralmente ocorre por meio da celebração de contratos

coligados de afretamento, com sociedade de propósito específico estrangeira (SPE), de

prestação de serviços, com empresa vinculada constituída no Brasil. O financiamento, por sua

vez, estrutura-se como um project finance internacional, em que a SPE toma financiamento

junto a bancos estrangeiros, para pagamento da construção. Os direitos de crédito resultantes

do afretamento servem como meio de pagamento do financiamento.

Este trabalho analisa as principais características dos quatro arranjos contratuais por

meio do qual os financiadores poderiam garantir seu acesso aos créditos, analisando as

principais justificativas para sua possível adoção e os principais riscos relacionados à sua

celebração, especialmente em vista da possibilidade de que a SPE seja parte de processo de

recuperação judicial no Brasil, em razão da insolvência de seus controladores, quando estes são

brasileiros.

As quatro estruturas analisadas são a cessão de créditos regida pelas regras do Código

Civil (Lei nº 10.406/2002), cessão fiduciária de direitos creditórios, prevista no artigo 66-B da

Lei nº 4.728/1965, penhor de direitos e contratos regidos por legislação estrangeira.

Palavras Chave: project finance, cessão de crédito, recuperação judicial, financiamento,

garantias.

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ABSTRACT

This work’s scope is to analyze the structure of the contracts used in connection with

production platforms and drilling rigs in Brazil and manners by which the financiers can have

access to the receivables arising from the chartering of such equipment.

The structure of the transaction is usually set up by the entry into a charter agreement,

with a foreign special purpose company (SPC), and a services agreement, with a related

company established in Brazil. The financing is structure as an international project finance, in

which the SPC borrows funds from foreign banks for paying the construction. The receivables

arising out of the charter agreement are then used for paying the financing.

This paper analyses the main characteristics of the four contract arrangements by which

financiers may ensure access to the receivables and reviews the main reasons for their use and

the risks relating to them, especially in view of the possibility that the SPC becomes party to a

judicial recuperation or bankruptcy in Brazil as a result of the insolvency of its controllers,

when they are established in Brazilian.

The four arrangements reviewed are the assignment of credits governed by the rules of

the Civil Code (Law n. 10,406/2002), fiduciary assignment of credit rights, as set forth by article

66-B of Law n. 4,728/1965, pledge of rights and contracts governed by foreign laws.

Keywords: project finance; assignment of credits, judicial recuperation, financing, securities.

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ANP Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis

FPSO Floating Production Storage Offloading Unit

LINDB Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei nº 4.657/1942)

LRF Lei de Recuperação Judicial e Falência (Lei n. 11.101/2005)

LRP Lei de Registros Públicos (Lei n. 6.015/1973)

Petrobras Petróleo Brasileiro S.A.

REsp Recurso Especial

RTD Registro de Títulos e Documentos

SPE Sociedade de propósito específico

STJ Superior Tribunal de Justiça

TJ Tribunal de Justiça

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SUMÁRIO

1. Introdução............................................................................................................................ 8

2. Project finance: estrutura e utilização no mercado brasileiro de óleo e gás. ...................... 9

2.1 O mercado brasileiro de plataformas e sondas e forma de financiamento: incentivos jurídico-econômicos para seu desenvolvimento. .................................................................... 9

2.1.1 A forma de contratação dos equipamentos. Contratos de afretamento e prestação de serviços. Forma de financiamento. ............................................................................... 11

2.2 Definição de project finance. ................................................................................... 15

2.2.1 Notas sobre o desenvolvimento histórico do project finance. .............................. 18

2.2.2 Principais partes envolvidas. ................................................................................ 19

2.3 Modelo utilizado no mercado de plataformas e sondas para exploração de petróleo e gás natural no Brasil. ............................................................................................................ 20

2.4 Estruturação contratual básica do financiamento de plataformas. ........................... 23

2.4.1 O contrato de empréstimo..................................................................................... 24

2.4.2 Principais garantias. .............................................................................................. 25

2.4.3 Tratamento contratual dos créditos e garantias relacionadas. .............................. 30

2.5 Principais alternativas para garantir o direito do credor aos créditos. ...................... 32

2.5.1 Cessão de créditos regida pelo Código Civil. ....................................................... 32

2.5.2 Cessão fiduciária de créditos. ............................................................................... 34

2.5.3 Penhor de créditos. ............................................................................................... 36

2.5.4 Cessão de créditos regida por lei estrangeira........................................................ 37

2.6. Principais riscos jurídicos relacionados aos créditos. Inadimplemento e insolvência de clientes. ................................................................................................................................. 38

2.6.1 Insolvência do grupo patrocinador e sujeição da SPE ao processo no Brasil. ..... 39

2.6.2 Inadimplência do cliente do projeto. .................................................................... 40

2.6.3 Disputas com terceiros credores da SPE. ............................................................. 41

3. Garantias sobre créditos devidos no Brasil: Análise das alternativas possíveis. .............. 42

3.1 Cessão de crédito prevista pelo Código Civil. .......................................................... 42

3.1.1 Justificativas para adoção do modelo. .................................................................. 42

(a) Simplicidade para formalização e transmissão imediata da titularidade dos créditos. . .................................................................................................................................. 42

(b) Ausência de riscos relacionados à nacionalidade e qualidade do credor. Maior flexibilidade. ...................................................................................................................... 43

(c) Conformidade ao modelo de autorização utilizado pela Petrobras. ......................... 44

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3.1.2 Possíveis riscos jurídicos da estrutura. ................................................................. 44

(a) Efeitos perante terceiros. Indefinição sobre Registro de Títulos e Documentos competente para registro da cessão. .................................................................................. 44

(b) Simulação e requalificação do contrato. ................................................................... 48

(c) Possibilidade de cessão de créditos futuros. ............................................................. 53

(d) Insolvência do cedente: ausência de decisões e discussão sobre as consequências. 55

(e) Validade da eleição da lei brasileira. ........................................................................ 58

3.1.3 Conclusão parcial. ................................................................................................ 62

3.2. Cessão Fiduciária de Direitos Creditórios. ............................................................... 63

3.2.1 Justificativas para adoção do modelo. .................................................................. 63

(a) Não sujeição à recuperação judicial: precedentes do STJ. ....................................... 63

(b) Menor risco de requalificação: tipificação legal....................................................... 69

3.2.2 Possíveis riscos jurídicos da estrutura. ................................................................. 69

(a) Possibilidade de celebração em benefício de instituições financeiras estrangeiras.. 69

(b) Efeitos resultantes do registro no Registro de Títulos e Documentos e definição do cartório competente. .......................................................................................................... 72

(c) Validade da eleição da lei brasileira. ........................................................................ 74

3.2.3 Conclusão parcial. ................................................................................................ 74

3.3. Penhor de Créditos. .................................................................................................. 75

3.3.1 Justificativas para adoção do modelo. .................................................................. 75

(a) Segurança jurídica. ................................................................................................... 75

3.3.2 Possíveis riscos jurídicos e desvantagens da estrutura. ........................................ 75

(a) Sujeição a recuperação judicial e falência. Classificação do crédito. ...................... 76

(b) Regramento da cobrança e maiores formalidades. ................................................... 77

(c) Definição do Registro de Títulos e Documentos competente. ................................. 79

(d) Lei aplicável. ............................................................................................................ 79

3.3.3 Conclusão parcial. ................................................................................................ 81

3.4. Contrato regido por legislação estrangeira. .............................................................. 82

3.4.1 Justificativas para adoção do modelo. .................................................................. 82

(a) Familiaridade do credor estrangeiro. ........................................................................ 82

(b) Uniformidade de tratamento para todos os créditos do projeto. ............................... 83

3.4.2 Possíveis riscos jurídicos e desvantagens da estrutura. ........................................ 84

(a) Prova da lei estrangeira em juízo. Tradução e interpretação da lei estrangeira. ....... 84

(b) Possibilidade de afastamento da aplicação da lei estrangeira................................... 87

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(c) Insolvência da SPE: ausência de precedentes e probabilidade de resistência pelo Judiciário. .......................................................................................................................... 90

(d) Registro em RTD. ................................................................................................. 93

3.4.3 Conclusão parcial. ................................................................................................ 93

3.5. Quadro Sinótico das Alternativas. ............................................................................ 95

4 Conclusão ........................................................................................................................ 100

Referências Bibliográficas ...................................................................................................... 104

APÊNDICE A Plataformas modelo FPSO (floating production, storage and offloading) em operação no brasil no ano de 2015 ......................................................................................... 111

APÊNDICE B Decisões do STJ sobre sujeição da cessão fiduciária à recuperação judicial 113

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1. INTRODUÇÃO

A demanda do mercado brasileiro de petróleo e gás, especificamente da Petrobras, por

plataformas e sondas de perfuração cresceu forte e rapidamente após a descoberta das reservas

de petróleo na camada do pré-sal. Na esteira dessas descobertas, a estratégia da Petrobras de

afretar a maioria desses equipamentos de terceiros abriu uma janela de oportunidades para

diversas empresas tornarem-se fornecedores desses equipamentos.

A aquisição e construção de sondas e plataformas geralmente são financiadas por meio

de operações de project finance internacional, nas quais os recursos que servirão como fonte

principal de pagamento dos financiadores são devidos por partes domiciliadas no Brasil. Dessa

forma, a garantia do acesso a esses créditos1 pelos agentes financeiros estrangeiros torna-se uma

questão fundamental para segurança de toda a estrutura.

Entendemos que há quatro alternativas principais para garantir esse acesso: (i) cessão

de créditos fundamentada nas regras do Código Civil; (ii) cessão fiduciária de direitos

creditórios; (iii) penhor de créditos; e (iv) cessão de créditos ou celebração de outro contrato

regido por lei estrangeira.

A proposta do presente trabalho é discutir de maneira objetiva as principais

características de cada uma dessas alternativas, apontando as razões que podem justificar sua

adoção e os principais riscos que identificamos em cada uma.

O trabalho, então, divide-se em duas partes. Na primeira, explicamos o que é uma

operação de project finance e como normalmente são estruturados os financiamentos de sondas

de perfuração e plataformas no Brasil. Na segunda, buscamos identificar as principais vantagens

e os potenciais riscos de cada uma das quatro formas de contratação identificadas acima.

1 As referências feitas ao longo do presente trabalho aos créditos gerados pelo empreendimento financiado consideram tanto os créditos já devidos quanto os créditos futuros, esperados da operação futura do empreendimento.

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2. PROJECT FINANCE: ESTRUTURA E UTILIZAÇÃO NO MERCADO

BRASILEIRO DE ÓLEO E GÁS.

O presente capítulo tem como objetivo traçar um breve painel sobre o desenvolvimento

da indústria de petróleo e gás no Brasil, especialmente após as descobertas de reservas na

camada geológica conhecida como pré-sal. Nesse contexto, nosso foco será descrever os

arranjos contratuais geralmente utilizados para a contratação de plataformas e sondas de

perfuração e as características do project finance, modelo de estruturação jurídico-financeiro

mais utilizado para o financiamento da construção desses equipamentos.

A seguir, focaremos na estrutura contratual do financiamento, passando pelo papel das

partes envolvidas, os principais contratos e, por fim, o tratamento dos créditos originados da

operação das plataformas e que são a principal fonte de pagamento do financiamento. Por fim,

descreveremos as quatro principais alternativas que entendemos possíveis para garantir o acesso

do credor estrangeiro aos créditos gerados pela operação da plataforma ou sonda.2

2.1 O mercado brasileiro de plataformas e sondas e forma de financiamento:

incentivos jurídico-econômicos para seu desenvolvimento.

Na última década, os investimentos no mercado brasileiro de exploração e produção de

petróleo e gás3 aumentaram substancialmente,4 especialmente em razão dos pesados

2 Ao longo deste trabalho, a expressão projeto será utilizada como sinônimo de empreendimento, o que compreenderá tanto a construção da plataforma ou sonda (fase pré-operacional) quanto seu afretamento (fase operacional). Assim, eventuais referências a cliente do projeto devem ser interpretadas como referências à afretadora da plataforma ou sonda, que, formalmente, celebra contrato com a SPE. De forma semelhante, os patrocinadores do projeto são as sociedades que originalmente desenvolvem o empreendimento por meio de uma sociedade de propósito específico. 3 A cadeia de produção de petróleo e gás divide-se entre as fases de exploração e produção, parte da cadeia chamada de upstream, e refino e distribuição (downstream). Durante a fase de exploração, são feitas pesquisas sobre as áreas nas quais as jazidas podem ser descobertas por meio da perfuração de poços no subsolo (em terra – onshore – ou submarinos - offshore). Consideram-se contidas na exploração, (a) a exploração em sentido estrito, iniciada com a assinatura do contrato para exploração do campo (concessão, partilha ou outro modelo existente), compreendendo, entre outras atividades, levantamentos aéreos, geológicos e geofísicos e perfuração de poços até a ocorrência de uma descoberta; (b) a fase de avaliação, em que se realizam trabalhos de verificação da viabilidade técnico-econômica da produção, encerrada com a declaração de comercialidade da área; e (c) a fase de desenvolvimento, em que são construídas as instalações e adquiridos os equipamentos para extração, tratamento, coleta, armazenamento, medição e transferência da produção. À fase de exploração, segue-se a fase de produção, que inclui todas as atividades necessárias para a efetiva extração de petróleo e gás das jazidas (PAIM, 2011, p. 11-12; CARNEIRO e GOMES, 2002, p. 243). 4 Em 2005, havia 15 plataformas de produção do modelo FPSO em operação no Brasil (aproximadamente 15% do total em operação no mundo), enquanto, em 2015, eram 37 plataformas em operação (aproximadamente 23% do

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investimentos exigidos para exploração do pré-sal e de políticas públicas adotadas pelo governo

brasileiro para desenvolvimento do mercado.

Os planos ambiciosos do governo brasileiro para aumentar rapidamente a produção

nacional de petróleo e gás,5 consubstanciado principalmente no aumento substancial dos

investimentos da Petrobras, fez com que a demanda por plataformas e sondas de perfuração6

utilizadas nas atividades de exploração e produção aumentasse consideravelmente.7

Esse aumento expressivo da demanda atraiu o interesse de grandes agentes econômicos

nacionais, que passaram a atuar ou aumentaram sua atuação no fornecimento e operação de

plataformas (em particular grandes empreiteiras, que criaram braços em suas estruturas

societárias para explorar o mercado de petróleo e gás8), e também de grandes fornecedores

estrangeiros.

Entretanto, tal demanda não podia ser atendida pela indústria naval brasileira, em razão

da falta de capacidade produtiva nacional e maior expertise e competitividade de estaleiros

estrangeiros.9 Considerável parcela dos equipamentos necessários para atividades de

exploração e produção precisaria, portanto, ser produzida no exterior.

total em operação no mundo). Fonte: Offshore Magazine (<http://www.offshore-mag.com/maps-posters.html>). Acesso em 06/09/2015. 5 O plano de negócios da Petrobras para os exercícios de 2010 a 2014 previam investimentos totais de US$ 224 bilhões, com média de US$ 44,8 bilhões por ano. Em relação ao plano anterior, essas estimativas representavam um aumento de 20%. Cf. <http://fatosedados.blogspetrobras.com.br/wp-content/uploads/2010/06/ Apresentação1.pdf >. Acesso em 12/02/2016. 6 Referimo-nos genericamente a plataformas e sondas de perfuração para incluir equipamentos como navios-sonda, barcaças-sonda, plataformas semissubmersíveis e FPSOs (floating production, storage and offloading unit). Embarcações de apoio de diversas espécies não serão consideradas em conjunto com essas instalações maiores, pois, ainda que possam ser financiadas com estruturas semelhantes, as características dos seus afretamentos, construção e financiamento diferenciam-se de modo relevante. Sobre os diferentes tipos de plataformas, conf. PAIM, 2011, p. 41 e ss. 7 Em plano de negócios divulgado pela Petrobras em 2009, havia previsão de que a Petrobras adquiriria 15 plataformas de produção até 2013, 8 entre 2013 e 2015 e mais 22 entre 2016 e 2020. No mesmo plano, a Petrobras afirma a expectativa de contratação de 40 navios sonda e plataformas semissubmersíveis até 2017. Fonte: <http://www.senado.leg.br/comissoes/ci/ap/AP20090324_Petrobras.pdf>. Acesso em 12/02/2016. 8 Nos anos 2000, diversas empresas de engenharia e construção criaram subsidiárias para disponibilizar e operar equipamentos para a exploração de petróleo e gás ou expandiram fortemente suas atividades na área, como Odebrecht Óleo e Gás, Queiroz Galvão Óleo e Gás, Queiroz Galvão Exploração e Produção, OAS Óleo e Gás e Schahin Petróleo e Gás. 9 Sobre a competitividade da indústria naval brasileira e possíveis medidas para seu desenvolvimento, cf., MOURA, BOTTER (2011).

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Nesse contexto, se, por um lado, criaram-se medidas para incentivar o desenvolvimento

da indústria naval brasileira, dos quais os melhores exemplos são a política de conteúdo

nacional implementada pela Agência Nacional de Petróleo (ANP) e o projeto da Sete Brasil,10

de outro lado, mantinham-se leis que tornavam a importação de equipamentos a opção com

maiores incentivos aos agentes.

Nesse sentido, diversas regras tributárias desenvolvidas na esteira da promulgação da

Lei do Petróleo (Lei nº 9.478/1997), já conferiam incentivos alinhados com a necessidade de

buscar equipamentos e tecnologias no exterior, especificamente (i) a criação do Repetro, regime

aduaneiro especial que prevê condições específicas para “exportação e importação de bens

destinados às atividades de pesquisa e de lavra das jazidas de petróleo e de gás natural”,11 que

permite a importação com suspensão total de diversos tributos, e (ii) a redução a zero da

alíquota do Imposto de Renda Retido na Fonte sobre pagamentos de afretamentos para o

exterior, conforme art. 691 do Regulamento do Imposto de Renda.

2.1.1 A forma de contratação dos equipamentos. Contratos de afretamento e prestação de serviços. Forma de financiamento.

As licitações realizadas pela Petrobras – principal agente e verdadeiro centro

gravitacional do mercado brasileiro12 – para fornecimento de sondas e plataformas previam a

estrutura básica da operação contendo a divisão do negócio e dos pagamentos entre um contrato

de afretamento internacional de longo prazo13 e um contrato de prestação de serviços de

operação entre partes brasileiras.

10 Em síntese, a Sete Brasil foi uma empresa constituída, em 2010, por iniciativa da Petrobras, que teria como principais funções: a) contratar a construção de sondas de perfuração junto a estaleiros e b) afretar tais sondas à Petrobras. A operação garantiria o fornecimento de sondas à Petrobras, demanda/estímulo aos estaleiros brasileiros e não exigiria endividamento da Petrobras para a construção das plataformas. A empresa encomendou a construção de 29 sondas de perfuração junto a estaleiros brasileiros, mas atualmente negocia com seus acionistas uma grande reorganização como tentativa de sobrevivência. A crise da Petrobras (único cliente da Sete), a queda no preço do petróleo e a redução drástica de financiamento disponível tornaram impossível o cumprimento do otimista plano de negócios da empresa. Sobre o assunto, cf. <http://www.valor.com.br/empresas/4389034/sem-acordo-bancos-e-fundos-fecham-o-cerco-petroleira>. Acesso em 12/02/2016. 11 Redação contida no artigo 1º da Instrução Normativa da Receita Federal nº 1415/2013, que atualmente regula o Repetro. A criação do regime, contudo, ocorreu em 1999, com a edição da IN nº 112/1999. 12 Das 37 plataformas de produção FPSO em operação no Brasil no ano de 2015, 31 estavam sob posse da Petrobras (como proprietária ou afretadora). Vide Apêndice A. 13 Eliane Martins (2015, p. 362-363) aponta que “os contratos de fretamento (ou afretamento) consignam pactos de utilização e exploração de embarcações, navios, plataformas marítimas ou estruturas offshore”. Quanto à denominação do contrato e de suas partes, a autora indica que ambas as formas – fretamento e afretamento – são corretas: “afretar um navio ou afretamento é o ato de tomar para si o navio em contrato para usá-lo no transporte

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Essa estrutura implicitamente reconhece a conveniência e necessidade de contratação

das plataformas em âmbito global e também pode ser considerada uma resposta aos incentivos

fiscais concedidos para importação temporária dos equipamentos e remessa dos recursos

decorrentes de sua utilização para o exterior. Os contratos de afretamento e prestação de

serviços14 são expressamente coligados,15 tendo prazos comum e cláusulas de término que

vinculam suas vigências e execução.

Os fornecedores da Petrobras e de outras empresas encarregadas da exploração de

campos de petróleo,16 incluindo as companhias brasileiras, passaram a se organizar de modo

semelhante do ponto de vista societário, constituindo uma sociedade fora do Brasil para ser a

proprietária da plataforma e celebrar o contrato de afretamento, e outra no Brasil, para execução

dos serviços de operação. A estrutura padrão das contratações da Petrobras apresenta-se da

forma descrita na Figura 1.

de carga própria ou de terceiros. Fretar ou fretamento significa o inverso do afretamento, isto é, significa o ato de disponibilizar o navio a frete ao afretador, que efetivamente vai usar o navio”. Entre as principais modalidades do contrato de afretamento, destacam-se (a) o afretamento a casco nu (bareboat charter), em que a embarcação é disponibilizada sem armação (i.e., provimento da tripulação e insumos para sua navegação), (b) o afretamento por viagem (voyage charter), em que a embarcação é disponibilizada para viagem ou conjunto de viagens específicas, e (c) o afretamento por tempo (time charter), em que a embarcação é disponibilizada por tempo determinado ao afretador. Sobre o desenvolvimento histórico do contrato de afretamento, v. BAPTISTA, 2013, p. 51-58. 14 Cópias dos contratos de afretamento e prestação de serviços relativos a sondas de perfuração afretadas e operadas por empresas ligadas à Schahin Engenharia foram juntadas aos autos da recuperação judicial do grupo Schahin (processo nº 037133-31.2015.8.26.0100). A estrutura dos contratos e da operação também foi descrita publicamente por autoridades fiscais em disputas relacionadas à tributação dessas operações, como o processo administrativo nº 15521.000156/2009-25, julgado pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, em que a estrutura das contratações é analisada em detalhes. 15 Francisco Paulo Marino (2009, p. 99) define contratos coligados como “contratos que, por força de disposição legal, da natureza acessória de um deles ou do conteúdo contratual (expresso ou implícito), encontram-se em relação de dependência unilateral ou recíproca. Da noção apresentada podem-se deduzir os dois ‘elementos essenciais’ da coligação contratual juridicamente relevante: (i) pluralidade de contratos, não necessariamente celebrados entre as mesmas partes; (ii) vínculo de dependência unilateral ou recíproca”. Ambos os elementos encontram-se presentes na relação entre os contratos de afretamento e prestação de serviços, havendo vinculação expressa entre eles, com prazos comuns de vigência e cláusulas resolutivas cruzadas. 16 As referências a “empresa encarregada da exploração dos campos” explica-se pelos diferentes regimes existentes no Brasil atualmente. Originalmente, a Lei do Petróleo (Lei nº 9.478/1997) determinava a exploração por meio de contratos de concessão. As dez primeiras rodadas de licitação da ANP foram realizadas com base nesta lei. Em 2010, o modelo regulatório brasileiro do petróleo foi alterado pelas Leis nº12.276/2010, 12.304/2010 e 12.351/2010. Nessa reforma, o contrato de concessão foi substituído pelo de partilha de produção como padrão. Como parte da capitalização da Petrobras realizada no bojo dessa reforma legislativa, a Petrobras recebeu, como forma de integralização de parte das novas ações emitidas em favor da União, direitos de exploração sob regime de “cessão onerosa”. Dessa forma, atualmente coexistem três regimes de exploração: concessão, partilha e cessão onerosa. Sobre a evolução legislativa da exploração de petróleo e gás no Brasil, cf. QUINTANS (2015, p. 21-54).

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13

Figura 1

Com relação ao modo de financiamento de tais ativos, o elevado custo para construção

das plataformas,17 aliado à vinculação a contratos de afretamento de longo prazo torna a

estruturação financeira por meio de project finance uma opção evidente para viabilização dos

projetos.18

17 Em notícia publicada pelo jornal Valor Econômico em 15/07/2015, estima-se que o custo de construção de uma sonda de perfuração em Cingapura seria de aproximadamente US$ 700 milhões (<http://www.valor.com.br/empresas/4134748/sondas-nacionais-sao-bem-mais-caras>, último acesso em 11/02/2016). Plataformas mais complexas, como FPSOs, possuem preço consideravelmente superior. Nesse sentido, nota publicada em 28/07/2015 sobre plataforma a ser entregue à Petrobras indica o custo de aproximadamente US$ 1,5 bilhão (<http://sinaval.org.br/2015/07/sbm-garante-financiamento-para-construcao-do-fpso-cidade-de-saquarema>, último acesso em 11/02/2016). 18 Nos últimos anos, a utilização da emissão de títulos de dívida no mercado de capitais (bonds) ganhou importância e passou a ser alternativa relevante ao financiamento bancário puro, em razão, principalmente, da maior facilidade de se obter prazos mais longos de vencimento e taxas de juros fixas. Com menos bancos financiando investimentos após a crise de 2008, os recursos disponíveis no mercado bancário ainda eram afetados pelo alto custo de captação, maior rigor dos comitês de crédito dos bancos e necessidade de menor exposição dos bancos a dívidas. Nesse cenário, a emissão de bonds passou a ser uma alternativa cada vez mais interessante (MCLAUGHLIN e YESSIOS, 2011, p. 35). Em dissertação de mestrado sobre formas de financiamento de construção de sondas de perfuração, Eduardo Franco Alves Ferreira (2013, p. 12) aponta movimento das empresas brasileiras de petróleo no sentido de, após a fase de construção (e início da operação), captarem recursos por meio da emissão de títulos de dívida (bonds) no mercado de capitais. Com os novos recursos, as empresas quitavam o financiamento anterior, beneficiando-se do menor custo de capital da captação pelos project bonds. Isso ocorria porque, durante a fase de construção, os bancos corriam o risco do estaleiro e, após no início das operações, o risco seria o de inadimplência pela Petrobras, classificado (na época), como muito baixo, o que barateava a captação por meio de bonds.

SPE (proprietária da plataforma)

Prestadora de serviços de operação

Participação societária

Participação societária

Contrato de afretamento

Contrato de prestação de

serviços

Exterior

Brasil

Fonte: elaborado pelo autor

Fornecedor / Licitante

Petrobras ou outra

exploradora do campo

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14

Além de se estruturarem como project finance, os financiamentos eram contratados, em

regra, fora do Brasil, em razão da maior disponibilidade de bancos com experiência nessas

operações e crédito mais barato. Além disso, o fato de o afretamento e a construção serem pagos

em moeda estrangeira reduzia o risco cambial e facilitava a estruturação do financiamento.

Dessa forma, as operações para aquisição de plataformas e sondas de perfuração

passaram a ser estruturadas, em grande parte, como operações de project finance

internacional,19 em que os vínculos com o Brasil são (a) a localização física da plataforma ou

sonda durante a operação, (b) a afretadora, que pagaria os créditos, e (c) eventualmente, os

patrocinadores do projeto.

Tais vínculos com o Brasil mostram-se relevantes para identificar as hipóteses em que

o Poder Judiciário brasileiro poderia ser acionado. Particularmente, haveria competência para

tratar da posse da plataforma ou sonda, da cobrança de créditos devidos pela afretadora ou para

processar recuperação judicial ou falência dos patrocinadores brasileiros.

Nesse sentido, as regras de competência internacional contidas no artigo 21 do Código

de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015)20 embasam as duas primeiras hipóteses, ao determinar

competente a autoridade judiciária brasileira quando o réu for domiciliado no Brasil, a

obrigação deva ser cumprida no país ou o fundamento seja fato ocorrido ou ato praticado no

Brasil. Na hipótese de recuperação judicial ou falência dos patrocinadores, o art. 3º da Lei de

Recuperação Judicial e Falência (Lei nº 11.101/2005) (LRF) determina como competente para

deferir a recuperação judicial ou decretar a falência o juízo do local do principal

estabelecimento do devedor. Assim, caso os patrocinadores sejam domiciliados em território

brasileiro, seria competente a autoridade judiciária local.

19 Destacamos que a utilização desta estrutura ocorria mesmo nas hipóteses em que a própria empresa responsável pela exploração do campo adquiria a plataforma ou sonda. Neste caso, constituía uma subsidiária ou afiliada no exterior especificamente para tal fim. 20 O artigo 20 do Novo Código de Processo Civil contém a mesma redação do artigo 88 do Código vigente até 17 de março de 2016 (Lei nº 5.869/1973.

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15

Feitas as considerações acima, o restante do presente capítulo terá como objetivos

(a) descrever a estrutura básica de uma operação de project finance21, (b) identificar as

particularidades do modelo utilizado no mercado brasileiro de plataformas e sondas para

exploração e produção de petróleo e gás, (c) descrever a estrutura contratual desse arranjo

negocial, inclusive as garantias apresentadas e o tratamento dos créditos que serão utilizados

como garantia e forma de pagamento dos financiamentos e (d) identificar as principais

alternativas por meio das quais os financiadores externos22 do projeto podem apropriar-se dos

créditos devidos por partes domiciliadas no Brasil.

2.2 Definição de project finance.

Uma operação de project finance tem como principal característica23 estruturar-se como

um mútuo com propósito específico24 (i.e., construção da plataforma ou sonda) pago

primordialmente pelo fluxo de receitas advindo da exploração do ativo construído.25

Benjamin Esty (2004, p. 1) aponta como elementos essenciais à definição de project

finance (a) a criação de uma sociedade independente especificamente para o projeto, (b)

financiada por débito externo e com capital próprio por um ou mais patrocinadores, com

21 E.R. Yescombe (2002, p. 7) aponta que não existe uma estrutura padrão de project finance, uma vez que cada negócio tem suas características únicas. Ressalva, contudo, que “there are common principles underlying the

project finance approach”. 22 A referência a financiadores externos contrapõe-se aos patrocinadores, que financiam parte do empreendimento com capital próprio, seja por meio de integralização de capital, empréstimos ou outras formas de financiamento. 23 Scott L. Hoffman (2008, p. 4) define project finance da seguinte forma: “the term project finance is generally

used to refer to a nonrecourse or limited recourse financing structure in which, debt, equity, and credit

enhancement are combined for the construction and operation, or the refinancing, of a particular facility in a

capital-intensive industry, in which lenders base credit appraisals on the projected revenues from the operation

of the facility, rather than general assets or the credit of the sponsor of the facility, and rely on the assets of the

facility, including any revenue-producing contracts and other cash flow generated by the facility, as collateral for

the debt”. 24 Eduardo Salomão Neto (2004, p. 53) aponta dois traços distintivos básicos de uma operação de project finance: “[e]m primeiro lugar, sendo financiamentos, sua natureza é a de um mútuo, ou mais frequentemente, promessa de mútuo, com destinação específica, isto é, os recursos devem necessariamente ser canalizados para um projeto específico, inclusive por cláusula na documentação. Em segundo lugar, e nisto se distinguem dos outros financiamentos empresariais, os mutuantes aceitam que em princípio seu crédito deve ser pago com recursos gerados pelo próprio projeto, ao invés de por um tomador de recursos autônomo e preexistente, cujo crédito tenha sido aprovado”. 25 John Finnerty (1999, p. 8) define a operação como “captação de recursos para financiar um projeto de investimento de capital economicamente separável, no qual os provedores de recursos veem o fluxo de caixa vindo do projeto como fonte primária”.

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16

limitação dos riscos aos patrimônios de tais empreendedores, (c) com o objetivo de investir em

um bem de capital.26

Com relação à primeira característica apontada, a criação de uma sociedade de propósito

específico (SPE) tem como função evidente servir como instrumento de segregação do projeto

do patrimônio dos patrocinadores. A SPE atua como tomadora do financiamento, proprietária

dos ativos e ponto focal de todas as obrigações relacionadas ao projeto (contratação de

fornecedores, seguros, funcionários, etc.).

A independência da SPE também pode permitir a tomada de controle do projeto pelos

financiadores (step in) em caso de inadimplemento, uma vez que todas as ações da SPE

costumam ser empenhadas em favor dos financiadores.

Quanto à segunda característica apontada por Benjamin Esty, é fundamental no project

finance que o patrimônio dos patrocinadores não sirva como garantia do pagamento do

financiamento. Como ressalta Virgílio Enei (2007, p. 23), “o financiamento com garantia

pessoal ou recurso ilimitado ao acionista ou patrocinador não é um financiamento de projetos,

mas empréstimo ou financiamento convencional”. Por isso, as operações de project finance

dividem-se entre as que preveem o acesso limitado ao patrimônio dos patrocinadores (limited

recourse) e as que não o preveem em nenhum grau (nonrecourse).

Nesse sentido, Bonomi e Malvessi (2004, p. 20) destacam como característica relevante

do negócio a possibilidade de compartilhamento dos riscos pelos envolvidos, afirmando que a

estrutura de uma operação de project finance é “um exercício de engenharia financeira que

permite que as partes envolvidas em um empreendimento possam realizá-lo, assumindo

diferentes responsabilidades, ou diferentes combinações de risco e retorno, de acordo com suas

respectivas preferências”.

Na prática, isso significa que patrocinadores e financiadores estabelecem limites quanto

à parcela do custo de construção que será financiada com capital próprio dos patrocinadores

26 Sobre o assunto, o autor afirma (2004, p. 1) que o project finance “involves the creation of a legally independent

project company financed with equity from one or more sponsoring firms and non-recourse debt for the purpose

of investing in a capital asset”.

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17

(equity) ou dos bancos,27 as hipóteses em que os patrocinadores concederão garantias pessoais

(geralmente em período pré-operacional, quando ainda não há ativos prontos nem receitas), os

limites dessas garantias e os casos em que aportes adicionais de capital serão devidos pelos

patrocinadores. Obviamente, quanto mais amplo for o acesso ao patrimônio dos patrocinadores,

menor o risco dos financiadores, o que se refletirá no custo do capital tomado.

Em regra, como o acesso ao patrimônio dos patrocinadores do projeto costuma ser

bastante limitado (limited recourse) ou ausente (non-recourse), os financiadores assumem uma

parcela maior de risco do que em um financiamento corporativo convencional,28 razão pela qual

a efetividade de garantias que permitam o acesso ao patrimônio e receitas do projeto são

fundamentais aos financiadores externos.

Por fim, a necessidade de o financiamento ser destinado à realização de um investimento

em um bem de capital relaciona-se ao fato de a receita gerada pelos bens produzidos será a

fonte de pagamento do financiamento e os ativos produzidos serão a principal garantia em caso

de colapso da estrutura e inadimplemento do financiamento.

Portanto, como o pagamento do financiamento será feito primordialmente com as

receitas do projeto, a análise dos financiadores concentra-se no empreendimento que se planeja

construir ou expandir, assim como em sua capacidade de gerar os recursos necessários à

amortização do financiamento (LEÃES, 2004, p. 1443).

Dessa forma, tal arranjo financeiro-contratual diferencia-se de um financiamento

corporativo tradicional na medida em que este se baseia em garantias reais e fidejussórias

oferecidas pelo mutuário ou outras sociedades de seu grupo e no histórico de crédito e

capacidade financeira, enquanto, no project finance, leva-se em conta principalmente a

capacidade de geração de receitas do empreendimento.

27 As operações de project finance apresentam elevada alavancagem, em que a parte financiada por dívida normalmente corresponde a parcela entre 70 e 90% do investimento de capital total (YESCOMBE, 2002, p. 7). 28 Ao comparar uma operação de project finance a um financiamento corporativo, John Finnerty (1999, p. 32) anota que : “devido aos custos de transação mais elevados e ao prêmio de rentabilidade exigido, quando ambas as alternativas de financiamento estiverem disponíveis, o project finance geralmente será mais eficaz em termos de custo do que o financiamento direto convencional quando (1) o project finance permitir um grau de alavancagem maior do que aquele que os patrocinadores poderiam alcançar por si sós e (2) o aumento de alavancagem produzir um mecanismo de economia fiscal com benefícios suficientes para compensar o custo mais alto dos recursos da divida, resultando num custo geral de capital mais baixo para o projeto”.

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18

Como se pode deduzir de fatos como a necessidade de desenho específico dos contratos

às características da operação, grande número de partes envolvidas em diferentes países e da

complexidade dos ajustes necessários para se alcançar um equilíbrio entre risco e retorno para

todas as partes,29 a estruturação de um project finance requer altos custos de transação, o que o

leva a ser utilizado frequentemente em grandes projetos de infraestrutura, uma vez que o valor

de tais empreendimentos justifica os altos custos de negociação e estruturação do

financiamento, e o produto final normalmente tem demanda garantida, preços pouco voláteis e,

portanto, fluxos de caixa previsíveis (BONOMI; MALVESSI, 2004, p. 29).

Tal característica é, em grande parte, explicada pelo fato de que o project finance se

desenvolveu justamente como mecanismo para viabilizar a execução de grandes projetos.

2.2.1 Notas sobre o desenvolvimento histórico do project finance.

O project finance passou a ser estruturado no formato em que é atualmente utilizado

principalmente a partir da década de 1970, em projetos de exploração de recursos naturais,

como campos de petróleo e mineração,30 e se disseminou posteriormente na indústria de geração

de energia nos Estados Unidos.31 Uma das razões de sua utilização era a magnitude dos

investimentos realizados em comparação com os ativos totais das empresas, o que tornava

praticamente inviável a possibilidade de financiamento corporativo (ESTY; CHAVICH;

SESIA, 2014, p. 5).

29 Malvessi e Bonomi (2004, p. 21) destacam, ainda, que, além da análise do fluxo de caixa esperado do projeto, são elementos fundamentais da estruturação de um project finance (i) a precisa identificação e segmentação dos riscos envolvidos de forma que possam ser mitigados ou conscientemente alocados entre os participantes do empreendimento e (ii) a remuneração adequada de cada participante do empreendimento, de acordo com os riscos assumidos por cada um. 30 Esty, Chavich e Sesia (2014, p. 5) apontam como projetos precursores na época o financiamento de US$ 945 milhões obtido pela British Petroleum para o campo de Forties no Mar do Norte e os financiamentos das minas de cobre Ertsberg, na Indonésia, e Bougainville, na Papua Nova-Guiné, obtidos por Freeport Minerals e Conzinc Riotinto, respectivamente. 31 O grande desenvolvimento do project finance para construção de plantas energéticas nos Estados Unidos a partir do final da década de 1970 deveu-se à promulgação do Public Utility Regulatory Policy Act (PURPA), em 1978, que obrigou fornecedores de serviços públicos a adquirirem energia elétrica de fornecedores qualificados por meio de contratos de fornecimento de longo prazo. A lei foi promulgada em resposta à forte alta do preço de energia elétrica durante a década de 1970, tendo como objetivo estimular o desenvolvimento de fontes de energia alternativas ao petróleo. Assim, a exigência da celebração de contratos de longo prazo de novos geradores de energia garantiu as condições para utilização maciça do project finance nesse mercado ao longo dos anos 1980 (ESTY, CHAVICH e SESIA, 2014, p. 5). No mesmo sentido, v. Finnerty (1999, p. 5).

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19

Nos anos 1990, a utilização do project finance estendeu-se a diversos países e a projetos

de infraestrutura, como rodovias e sistemas de telecomunicações. Mais recentemente, a

estrutura também passou a ser utilizada em projetos de infraestrutura social, como escolas,

hospitais e presídios (ESTY, CHAVICH e SESIA 2014, p. 1, 6).

2.2.2 Principais partes envolvidas. 32

A estrutura usual de um empreendimento financiado por meio de project finance inclui

diversos polos de interesses. O primeiro é o da empresa ou grupo de empresas patrocinadoras

do projeto. A SPE – controlada pelos patrocinadores – é responsável pelo desenvolvimento do

projeto e ponto focal da intrincada rede de relações e contratos coligados estabelecida com os

demais participantes.

O primeiro centro de relações estabelecido pelos patrocinadores, por meio da SPE,

refere-se à construção do empreendimento. Assim, dependendo da natureza do

empreendimento, diversas partes podem ser envolvidas na construção, como uma empreiteira

(ou estaleiro, no caso de plataformas e sondas de perfuração), projetistas e fornecedores de

equipamentos e tecnologias.

Na outra ponta do negócio, encontra-se o cliente do projeto, ou seja, as partes

responsáveis por adquirir o produto gerado. Como os créditos devidos pelo cliente são

fundamentais para a estruturação do financiamento, é importante que os contratos celebrados

tenham previsibilidade e prazo suficientes para garantir a amortização do financiamento e ainda

retorno aos patrocinadores.

Os financiadores são os responsáveis por fornecer o crédito para a construção do

empreendimento. O financiamento ocorre por meio de desembolsos realizados de acordo com

os avanços da construção. Toda estruturação das garantias, taxas de juros, definição da parcela

financiada pelos bancos e fluxos de pagamento dependem diretamente da definição de questões

32 A definição das partes envolvidas neste item tem como principal objetivo demonstrar como elas se relacionam, para permitir a dinâmica nos financiamentos da construção de plataformas e sondas. Hoffman (2008, p. 71-78), porém, trata separadamente das seguintes partes que podem fazer parte de uma operação de project finance: project

sponsor, project company, borrowing entity, commercial lender (especificando o arranging bank, managing bank,

agent, bank, engineering bank e o security agent), bondholders, international (multilateral) agencies, bilateral

agencies, rating agency, supplier, output purchaser, contractor, operator, financial advisor, technical consultants,

project finance lawyers, local lawyers, host government e insurers.

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20

como os pagamentos devidos durante a construção (para que os desembolsos sejam realizados

do modo concomitante), os riscos pré-operacionais do projeto (para definição das garantias

devidas durante a construção) e a estabilidade e volume das receitas geradas na fase

operacional.

O organograma abaixo (Figura 2) simplifica a relação ao agrupar centros de interesses

distintos. Todavia, deve-se ressaltar que cada um desses centros pode conter diversas partes,

ligadas por contratos diversos, como fornecimento, garantias corporativas, garantias bancárias

e subcontratação de parte do escopo de construção.

Figura 2

2.3 Modelo utilizado no mercado de plataformas e sondas para exploração de petróleo

e gás natural no Brasil.

Patrocinadores / SPE (proprietários do

projeto)

Construção - Projetista - Empreiteira - Fornecedores de equipamentos e tecnologias

Financiamento - Bancos comerciais - Agências nacionais de fomento - Recursos públicos

Cliente(s) (fonte de receitas do

projeto)

Contratos de construção, fornecimento, serviços, etc.

Contrato de empréstimo e

garantias diversas.

Contrato de fornecimento, arrendamento, afretamento, etc.

$

Recursos desembolsados pelos financiadores são utilizados para

pagamento da construção (fase pré-operacional)

Receitas do projeto utilizadas para amortização

do mútuo. Podem ser juridicamente titularizadas pela SPE ou diretamente pelo representante dos

bancos.

$

Fonte: elaborado pelo autor

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21

Tendo descrito genericamente o funcionamento de um project finance, buscaremos,

neste item, descrever o modelo utilizado especificamente para o afretamento e operação de

plataformas no Brasil.

O projeto costuma se desenvolver a partir dos contratos de afretamento e prestação de

serviços celebrados entre a empresa responsável pela exploração de determinada área (em

grande parte dos casos, a Petrobras ou consórcios dos quais ela é parte) e os fornecedores

responsáveis pela aquisição, afretamento e operação das plataformas.33

Após vencer a concorrência para fornecimento do equipamento, o fornecedor constitui

a SPE proprietária do equipamento fora do país para celebrar o contrato de afretamento.34

Paralelamente, outra empresa do grupo, constituída no Brasil, celebra contrato de prestação de

serviços de operação e manutenção, que incluem os trâmites de importação e desembaraço

aduaneiro, contratação da tripulação, insumos e outras providências necessárias à operação.

A maior parte do valor da operação é paga à empresa estrangeira (SPE), como

pagamento do afretamento,35 enquanto o preço da prestação dos serviços de operação é pago

no Brasil.36 As taxas de afretamento costumam ser definidas em dólares norte-americanos, o

que elimina o risco cambial, conferindo maior segurança para contratação da construção da

plataforma e do financiamento.

33 Na última década, foram criadas estruturas alternativas, como as da OSX e Sete Brasil, planejadas com objetivo de fornecer plataformas preferencialmente a partes relacionadas (OGX e Petrobras, respectivamente), para aproveitamento de potenciais ganhos de escala (em razão da contratação de diversas plataformas simultaneamente), estimular – ou forçar – o desenvolvimento da indústria naval nacional (em especial no caso da Sete Brasil) e atuar simultaneamente em nichos diferentes do mercado de petróleo e gás (no caso das empresas OSX e OGX). V. nota 8 supra. 34 Em razão de planejamentos tributários relacionados a tratados bilaterais celebrados pelo Brasil para evitar dupla tributação, também é possível que o proprietário da plataforma a afrete a outra sociedade do mesmo grupo que, por sua vez, a sub-afreta ao cliente. Neste caso, todos os créditos da cadeia, assim como as ações ou outra forma de participação na sociedade são cedidos ou empenhados em favor dos financiadores. 35 O preço devido pelo afretamento denomina-se taxa de afretamento, geralmente calculada por dia. 36 A divisão dos pagamentos entre os contratos de afretamento e de prestação de serviços passou a ser questionada pela Receita Federal, que argumentava que a divisão não possuía justificativa negocial e econômica e, portanto, parte dos pagamentos realizados ao exterior em razão de contratos de afretamento foram tributados como serviços, com incidência de IRRF e CIDE. Após tais questionamentos, a lei nº 13.043/2014 disciplinou a divisão entre os pagamentos de afretamento e serviço, determinando que: “quando ocorrer execução simultânea do contrato de afretamento ou aluguel de embarcações marítimas e do contrato de prestação de serviço, relacionados à prospecção e exploração de petróleo ou gás natural, celebrados com pessoas jurídicas vinculadas entre si, do valor total dos contratos a parcela relativa ao afretamento ou aluguel não poderá ser superior: (i) 85%, no caso de embarcações com sistemas flutuantes de produção e/ou armazenamento e descarga (Floating Production Systems - FPS); (ii) 80%, no caso de embarcações com sistema do tipo sonda para perfuração, completação, manutenção de poços (navios-sonda); e (iii) 65%, nos demais tipos de embarcações”.

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22

Após a assinatura dos contratos de afretamento e prestação de serviços, a SPE busca a

contratação da construção37 da plataforma junto a um estaleiro.38 Em paralelo, contrata também

o financiamento de longo prazo junto a um conjunto de bancos. Os recursos desse

financiamento serão utilizados para pagar a construção ao estaleiro e demais fornecedores

envolvidos na construção e no transporte da plataforma até o local de entrega (mobilização), ou

seja, todos os custos necessários até o início de sua operação.

Com a entrega da plataforma pelo estaleiro, ela é registrada sob a bandeira escolhida

pelo proprietário, via de regra, fora do país,39 para que seja possível sua habilitação no regime

aduaneiro especial de admissão temporária para o mercado e petróleo (Repetro). Após o

transporte até o local de operação e a realização de testes de funcionamento, verifica-se o termo

inicial do afretamento e iniciam-se os pagamentos das taxas de afretamento, que servirão como

pagamento do próprio financiamento.

Em sua fase operacional, portanto, os projetos envolvendo plataformas de petróleo

caracterizam-se (a) pelo afretamento da plataforma por uma sociedade estrangeira à empresa

responsável pela exploração do campo de petróleo no Brasil, (b) pelo abandeiramento da

plataforma no exterior, (c) pela operação da plataforma por uma empresa brasileira vinculada à

proprietária, de acordo com o contrato de prestação de serviços expressamente coligado ao de

afretamento, e (d) pelo financiamento disponibilizado por bancos estrangeiros, a ser pago com

os créditos gerados no Brasil e devidos pela exploradora do campo e afretadora da plataforma.

A Figura 3 abaixo ilustra a estrutura usual, esclarecendo as relações e partes

estabelecidas no Brasil e no exterior e os fluxos de pagamentos ao longo do tempo no projeto:

37 Os contratos de construção das plataformas assemelham-se aos de outras espécies de empreendimentos, utilizando formas como EPC (engineering, procurement and construction) turn-key, em que o estaleiro é integralmente responsável pela construção da plataforma, ou em contratos em que a SPE se responsabiliza pela contratação de determinados equipamentos, cuja instalação e montagem ficam sob responsabilidade do estaleiro. 38 Os principais estaleiros para construção de sondas de perfuração e plataformas de produção localizam-se na Ásia, na Coreia (Hyundai, Samsung), Cingapura (Keppel Fels), Emirados Árabes Unidos e China. 39 Todas as FPSOs em operação no país em 2015 navegavam com bandeiras estrangeiras, conforme descrito no Apêndice A deste trabalho.

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23

Figura 3.

2.4 Estruturação contratual básica do financiamento de plataformas.

Contratualmente, a estrutura básica do financiamento de plataformas é a de um

empréstimo sindicalizado, com adaptações necessárias para adequar a estrutura do contrato ao

escopo do projeto e às garantias que recaem, direta ou indiretamente, sobre seus ativos físicos

e direitos de crédito.

SPE [proprietária da

plataforma]

Estaleiro e outros

fornecedores

Bancos

(syndicated loan)

Petrobras ou outra exploradora do campo

Contratos de construção, fornecimento, serviços, etc.

Contrato de mútuo

$

Fase pré-operacional: financiamento utilizado para

pagamento da construção

Fase operacional: cessão dos recebíveis

Operadora

Exterior

Brasil

$ Entre 10% e 40% do total

do projeto

Contrato de prestação de serviços de

operação

Contrato de afretamento

$ Entre 60% e 90% do total

do projeto

PLATAFORMA

Participação societária

Participação societária

Patrocinadores [grupos brasileiros ou

estrangeiros]

Fonte: elaborado pelo autor

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2.4.1 O contrato de empréstimo.

Primeiramente, cumpre definir empréstimos sindicalizados como aqueles realizados

por um grupo de instituições financeiras – denominado sindicato (syndicate) – a um único

devedor e coordenadas por meio de um único instrumento contratual (LIMA, 2014, p. 16), o

que facilita a arrecadação de valores elevados em comparação com a contratação de um grande

empréstimo junto a uma única instituição40 ou contratos independentes junto a diferentes

instituições.

Em geral, o sindicato é organizado por uma instituição com a qual os patrocinadores

possuem prévia relação comercial e à qual outorgam mandato contendo as principais

características do financiamento proposto,41 para que a instituição mandatária negocie a

formação do grupo de financiadores com outros bancos.42

Formado o sindicato, questões como a forma de tomada de decisões dos bancos (e.g.,

por maioria ou unanimidade), de substituição e cessão da participação dos financiadores e de

recebimento e cobrança dos recursos são definidas no contrato de empréstimo – na medida em

que também interessem ao devedor – ou em contratos celebrados entre os bancos (intercreditor

agreement).

O contrato de empréstimo43 definirá ainda as principais características e condições do

financiamento, como as hipóteses de vencimento antecipado, a forma de execução das

40 A maior facilidade de levantar elevados recursos nesse modelo pode se explicar principalmente em razão (a) da pulverização dos riscos de um projeto entre vários bancos, o que permite a cada banco investir ao mesmo tempo em vários projetos e (b) das medidas prudenciais mais rígidas impostas aos bancos pelo Comitê de Supervisão Bancária da Basiléia após a crise de 2008, com o objetivo de dar maior liquidez ao sistema financeiro (LIMA, 2014, p. 23). 41 A formação de um empréstimo sindicalizado não é necessariamente voltada a um financiamento de projeto, podendo, igualmente, ser utilizada em um financiamento corporativo (LIMA, 2014, p. 16-17). Nesta hipótese, a estrutura das garantias, covenants, índices financeiros (financial covenants), análise de risco de crédito e outras características seriam diferentes daquelas aplicáveis a uma operação de project finance. 42 De modo geral, tal forma de estruturação apresenta como vantagens (LIMA, 2014, p. 23-24), além da arrecadação de mais recursos em uma única operação, (a) maior flexibilidade para negociação dos cronogramas de desembolsos e vencimento da dívida, adequando-a à característica do projeto, (b) possibilidade de captação de recurso em moedas distintas, (c) maior participação de organismos e instituições multilaterais e agências governamentais de crédito à exportação (v. nota 125 abaixo). 43 Denominado de diferentes formas, como credit agreement, credit facility agreement e project loan agreement. Em alguns casos, em que há celebração de contratos distintos de empréstimo, para diferentes linhas de crédito, é

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garantias, a divisão dos recursos em caso de inadimplemento, bem como a forma como todos

os contratos da operação devem se coordenar e como os desembolsos e pagamentos devem

ocorrer.

Especificamente quanto à estrutura de desembolsos do financiamento, a mesma

vincula-se diretamente à construção, de modo que a própria obrigação dos financiadores de

disponibilizar recursos costuma ser condicionada à comprovação de que o empreendimento

atende às exigências básicas para seu desenvolvimento e operação,44 como autorizações e

licenças governamentais (SALOMÃO NETO, 2004, p. 57).

Além da comprovação de atendimento das condições prévias básicas ao

funcionamento do projeto, os saques realizados nas linhas de crédito disponibilizadas pelos

financiadores precisam ser vinculados aos custos de construção incorridos. Dessa forma, para

realizar cada desembolso, a SPE (tomadora do empréstimo) deve comprovar o status da

construção e solicitar o desembolso ao banco líder necessário para os próximos pagamentos. O

banco líder, por sua vez, exige que cada participante do sindicato desembolse

concomitantemente a parcela do valor proporcional à sua participação do negócio.

2.4.2 Principais garantias.

Inicialmente, cumpre esclarecer que, em um project finance, as garantias titularizadas

pelos financiadores nas fases pré-operacional e operacional são significativamente distintas.

Durante a construção (fase pré-operacional), em que os investimentos são realizados, a

exposição dos financiadores é maior, uma vez que não há receitas nem ativos fixos completos

que possam servir de garantia.

comum que as definições e demais termos gerais do financiamento sejam dispostos em um contrato denominado common terms agreement. 44 Os contratos de empréstimo em geral contém listas de condições (comumente chamadas de condições precedentes, em adaptação à expressão inglesa conditions precedent), que se dividem em diversas etapas: (i) condições para eficácia do contrato e da obrigação dos bancos de disponibilizarem recursos, que incluem as licenças e autorizações iniciais necessárias para o projeto, (ii) condições para cada desembolso, incluindo comprovação das despesas incorridas ou prestes a serem incorridas na construção, (iii) condições para término da construção e entrega do projeto, como a licenças e garantias (e.g., hipoteca) que dependiam da finalização da construção, (iv) condições para liberação de garantias pré-operacionais, como a comprovação de que a plataforma foi entregue e aceita pelo afretador e (v) condições para liberação de outras garantias quando o empréstimo for amortizado.

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Portanto, os financiadores externos costumam mitigar seus riscos neste período com

(a) a cessão de eventuais indenizações dos seguros contratados pela SPE ou pela

empreiteira/estaleiros responsáveis pela construção, (b) cessão dos direitos a eventuais

indenizações e penalidades devidas por fornecedores e empreiteira/estaleiros decorrentes de

mora, má execução ou inadimplemento de suas obrigações perante a SPE e (c) garantias

prestadas pelos patrocinadores, inclusive fianças ou obrigações de pagar.

Após o início da operação, os financiadores beneficiam-se basicamente das garantias

principalmente relacionadas aos ativos e receitas geradas pelo projeto. O pacote de garantias e

obrigações estabelecido nas operações de project finance de plataformas pode ser dividido, para

maior clareza, em três grupos distintos (apesar de não haver tal divisão nos contratos): (a)

garantias sobre os ativos do projeto, que permitem ao credor assumir sua administração em caso

de inadimplemento (step in), (b) contratos que têm como objetivo garantir que a construção seja

concluída e tenha condições de operação e (c) contratos relacionados aos créditos gerados.

O primeiro grupo de garantias e contratos tem como objetivo garantir que os ativos do

projeto sejam oferecidos em garantia aos financiadores, por meio de hipoteca naval45 e penhor

sobre as ações da SPE.

A hipoteca naval é regida pelas leis do país da bandeira da plataforma, uma vez que

esta também regula a propriedade sobre a embarcação. Em regra,46 as plataformas em operação

no Brasil são registradas em países conhecidos como bandeiras de conveniência, em que não

se exige que o proprietário da embarcação seja domiciliado ou que haja outro vínculo com o

país de registro.

45 Discute-se atualmente em ação de execução em trâmite em São Paulo/SP a validade de hipotecas navais estrangeiras no país. A unidade FPSO OSX-3, de propriedade de sociedade holandesa do grupo OSX foi hipotecada em favor de bondholders estrangeiros, de acordo com a lei da Libéria. O Banco BTG Pactual propôs ação de execução no Brasil requerendo o arresto e alienação da embarcação sob o argumento de que hipotecas navais estrangeiras não são válidas no Brasil em razão da ausência de registro perante o Tribunal Marítimo. Recentemente, o TJ-SP decidiu (Agravo de Instrumento n. 2153991-40.2015.8.26.0000, 13a Câmara de Direito Privado, Des. Nelson Jorge Junior, j. 03/02/2016) que o Brasil reconhece hipotecas navais apenas por meio da Convenção de Bruxelas de 1926, para unificação de certas regras sobre hipotecas marítimas, e do Código de Bustamante. De acordo com o TJ, como a Libéria não é parte de nenhum desses tratados, a hipoteca celebrada de acordo com suas leis não geraria efeitos no Brasil. 46 Vide relação de FPSOs contidas no Apêndice A. O abandeiramento de sondas de perfuração segue a mesma tendência.

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Como o direito de propriedade sobre a embarcação e a hipoteca são regidos pela lei da

bandeira, eventual transferência de propriedade em favor dos credores, decorrente do

inadimplemento do financiamento será feita de acordo com essas mesmas leis, de modo que, se

não houver restrição ao pacto comissório, os credores podem assumir rapidamente a

propriedade da plataforma, restando a busca pela tomada da posse no Brasil.

De modo semelhante, o penhor sobre as ações da SPE será regido pela lei do local de

constituição da sociedade. Assim, essas sociedades costumam ser constituídas em jurisdições

em que a legislação permita uma rápida tomada do controle pelos credores em caso de

inadimplemento do financiamento.

Essas garantias visam garantir o afastamento do patrocinador e eventual assunção do

projeto pelos financiadores (step-in) na hipótese de atraso nos pagamentos ou inadimplemento

de outras obrigações do financiamento, assim como permitir a alienação dos ativos para

pagamento da dívida, em caso de inviabilidade de continuação do desenvolvimento do projeto.

É possível reunir um segundo conjunto de garantias e obrigações que têm como ponto

comum o propósito de garantir a conclusão da construção da embarcação e sua correta operação

durante o período de amortização do financiamento. Estas obrigações são a principal exceção à

limitação ao acesso do patrimônio dos patrocinadores por obrigações relacionadas ao projeto.47

Neste grupo destacam-se contratos por meio dos quais os patrocinadores do projeto se

obrigam a garantir que a plataforma seja concluída e entre em operação. Independentemente do

nome conferido a tais contratos (credit support agreement, equity support agreement, sponsors

support agreement, pre-completion guarantee, etc.), os patrocinadores assumem a obrigação

de aportar recursos em caso de estouro dos orçamentos inicialmente previstos, multas por

atrasos na entrega e perdas decorrentes de riscos cambiais não cobertos durante a construção.

Como mencionado acima, estas garantias possuem fundamental importância durante a

construção do empreendimento, quando não há ativos prontos ou receitas que possam ser

utilizadas para constituição de garantias em favor dos financiadores. Desta forma, estas

47 Em geral, o financiamento corresponde a uma parcela entre 60% e 90% do valor do projeto e os patrocinadores se comprometem a prover o restante dos recursos. Estes contratos, porém, criam exceções à limitação da responsabilidade dos patrocinadores ao alocar determinados riscos exclusivamente a eles.

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garantias costumam ser válidas até o início da operação, quando o risco do empreendimento se

reduz e as receitas geradas passam a ser a principal fonte de pagamento do financiamento.

Outras cláusulas importantes presentes em todos financiamentos de projeto são os

covenants,48 que podem ser definidos como um conjunto de obrigações de fazer, não fazer ou

de fazer com que terceiros façam ou deixem de fazer algo, cujo propósito é manter a estrutura

de alocação de riscos dentro de determinados limites, servindo como instrumento de proteção

do credor ao reduzir o risco de inadimplemento. Nesse contexto, possuem importante papel em

operações de crédito, como emissões de títulos de dívida e empréstimos bancários.

Em financiamentos de projeto, os covenants exigidos da SPE costumam ser

extremamente rígidos a ponto de bloquear todos os ativos e recursos do projeto, isolando-os

completamente de outros negócios dos patrocinadores. Como a SPE não possui outras

atividades, é comum que se submeta a tais limitações.

Um dos principais objetivos dos covenants é proteger os credores de custos de agência,

criando restrições contratuais para a atuação dos administradores da sociedade devedora na

condução de seus negócios. Credores e tomadores negociam um pacote de restrições em que

sopesam o interesse do devedor em ter maior flexibilidade no desenvolvimento de sua atividade

em face do interesse do credor em ter maior segurança financeira, resultando em um equilíbrio

aceitável para ambas as partes entre riscos e custos das restrições (BRATTON, 2006, p. 5).

Os principais riscos para os quais os covenants buscam proteção são: (i) diluição do

valor da dívida em relação ao patrimônio do devedor causado por endividamentos

subsequentes, (ii) disposição de ativos, tanto mediante alienação direta ou distribuição de

dividendos, (iii) sub-investimento e (iv) assunção de riscos desproporcionais pela administração

(BRATTON, 2006, p. 6-8).

48 As cláusulas de covenants foram desenvolvidas nos Estados Unidos, especialmente após surgimento da emissão pública de debêntures, por volta da década de 1900, permitindo a venda pública de títulos de dívida sem garantias por empresas de grande porte. Essas emissões introduziram os business covenants como um mecanismo de garantia mais flexível que hipotecas, passando rapidamente a serem utilizadas para emissões privadas de títulos de dívida e empréstimos bancários de longo prazo. O conjunto de cláusulas utilizado até hoje foi desenvolvido de fato após a Segunda Guerra Mundial, principalmente no âmbito dos mercados de emissões privadas de títulos e de empréstimos bancários. Ao longo dos anos, a rigidez de sua aplicação variava de acordo com as condições do mercado, com períodos em que os contratos geralmente previam maior ou menor rigidez das restrições impostas aos devedores. Em geral, a estrutura de tais disposições foi desenvolvida em um contexto legal com poucas regras impostas pelo direito positivo, o que impunha às partes o ônus de criar suas proteções contratualmente, conferindo-lhes também grande flexibilidade (BRATTON, 2006, p. 3-4).

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Para mitigar adequadamente cada risco acima, foram desenvolvidas cláusulas

específicas que se tornaram razoavelmente padronizadas e que podem ser sistematizadas da

seguinte forma (SMITH; WARNER, 1979, p. 125-146):

(a) Restrições à política de investimento/produção da sociedade, que

compreendem limitações à concessão de empréstimos a terceiros, à aquisição

de participação em outras sociedades, à possibilidade de alienar ativos e à

realização de fusões e aquisições, assim como exigência de manutenção de

determinados ativos;

(b) Restrições à distribuição de dividendos, direta ou indiretamente, por meio de

resgate de ações ou outros arranjos contratuais e societários;

(c) Restrições à tomada de financiamento adicional, com exigências quanto aos

índices de endividamento futuro da sociedade e à prioridade dos débitos

futuros;

(d) Obrigações de especificar e informar as atividades do devedor, que podem

incluir diversos relatórios financeiros, exigências quanto a padrões contábeis

e contratação de seguros.

Evidentemente, o nível de detalhamento e a espécie adequada dos covenants que

devem se aplicar a cada operação dependerão da correta identificação dos principais riscos aos

quais o devedor está sujeito. Um financiamento de projeto requer que as opções do devedor

para utilização de seus recursos sejam as mais restritas e previsíveis possível, em vista da

limitação de garantias externas ao empreendimento. Nesse contexto, os covenants financeiros

assumem grande importância, uma vez que buscam medir ao longo do tempo a capacidade do

fluxo de caixa da SPE de suportar o pagamento da dívida.49

Em razão da relevância dos créditos para a operação de project finance e por serem

também o foco deste trabalho, trataremos do terceiro grupo de contratos e disposições

contratuais separadamente.

49 Na opinião de Dinir Rios da Rocha (2013, p. 133), os covenants financeiros são os mais importantes: “[a] covenant financeira visa proteger os credores contra algum eventual excessivo endividamento do devedor tomando-se como base seu patrimônio líquido ou qualquer outro método de avaliação financeira, pois, caso o devedor fique altamente endividado em relação ao seu patrimônio líquido, poderá ter problemas em conseguir fundos rapidamente para pagar o empréstimo”.

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2.4.3 Tratamento contratual dos créditos e garantias relacionadas.

Outro grupo de garantias e contratos tem como propósito garantir que todos os créditos

resultantes da operação sejam direcionados à manutenção e operação do próprio projeto e ao

pagamento do financiamento.

Inicialmente, todas as receitas e demais recursos relacionados ao projeto são

direcionados a contas específicas abertas junto a um dos bancos do sindicato. Em regra, são

abertas as seguintes contas:50

(a) loan proceeds account / project account: recebe os desembolsos do

financiamento e a parcela da construção eventualmente paga pelos

patrocinadores (equity) e faz os pagamentos para o estaleiro e demais

fornecedores;

(b) revenue account / earnings account: recebe a receita gerada pelo projeto e,

periodicamente, faz os pagamentos para amortização do financiamento e

outros custos;

(c) debt service reserve account: acumula recursos para pagar o serviço da dívida

caso o projeto temporariamente pare de operar e tenha sua receita reduzida;

(d) compensation account / proceeds account: tem como objetivo receber

indenizações de seguros por destruição total ou parcial do projeto e

indenizações pagas em decorrência limitações de direitos ou expropriações

por entidades governamentais. Seus recursos devem ser usados para

reconstrução ou conserto do projeto ou destinados à amortização da dívida

caso ele se torne inviável.

Os fluxos de pagamentos recebidos e realizados a partir dessas contas são

detalhadamente descritos em contratos específicos (denominados, exemplificativamente,

accounts agreement ou deed of proceeds and priorities) nos quais se define ainda quais tipos

de recursos devem ser depositados em cada conta e as hipóteses e condições em que cada conta

pode ser movimentada. Assim como as decisões da administração do projeto são

50 A denominação das contas varia entre diferentes modelos de contrato, mas, de modo geral, suas funções seguem divisão semelhante à descrita. Referimo-nos às expressões utilizadas por Eduardo Salomão (2004, p. 57-58).

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significativamente limitadas pelos covenants, a movimentação das contas deve seguir

estritamente as determinações do contrato, restando pouca margem à discricionariedade dos

administradores da SPE.

Todas as contas do financiamento são empenhadas em favor dos bancos, de modo que

o acesso a elas pela SPE ou outras empresas ligadas aos patrocinadores seja imediatamente

interrompido após a ocorrência de um evento de inadimplemento.

Além da regulação detalhada e da celebração de penhores sobre as contas, a SPE e

outras empresas envolvidas com o projeto cedem ou dão em garantia aos financiadores –

geralmente representados por um agente responsável por titularizar e coordenar as garantias em

seus nomes (security agent) – todos os créditos relacionados ao empreendimento, incluindo

eventuais multas e indenizações devidas pelo estaleiro responsável pela construção da

embarcação, indenizações de seguros, indenizações decorrentes de expropriações ou outras

medidas de órgãos governamentais, assim como todas as receitas geradas pelo afretamento das

plataformas.

A constituição de garantia que permita o amplo acesso dos financiadores ao fluxo de

receitas gerado pelo afretamento e operação da plataforma é fundamental51 para garantir o

funcionamento da estrutura e garantir maior segurança de pagamento aos financiadores.

É neste momento que surge a principal questão que este trabalho pretende discutir:

considerando que os recursos mais importantes para pagamento do financiamento (ou seja, as

taxas de afretamento) são devidos por uma parte domiciliada no Brasil, quais as alternativas

para se documentar e estruturar juridicamente uma garantia sobre esses créditos em favor dos

financiadores estrangeiros?

Antes de pensarmos nas alternativas jurídicas, vale lembrar que, como um todo, os

créditos gerados pelo projeto podem ser devidos por partes domiciliadas em diversas jurisdições

e ter como origem relações sujeitas a diferentes legislações. Não é incomum que a SPE seja

51 José Virgílio Lopes Enei (2007, p. 364) afirma que a garantia “outorgada sobre as receitas do empreendimento é a garantia mais importante no contexto do financiamento de projetos, já que as receitas constituem a fonte primária de satisfação do crédito do financiador externo”.

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constituída em um paraíso fiscal, o estaleiro localize-se na Ásia,52 as principais seguradoras

estejam na Inglaterra ou Estados Unidos e o afretador no Brasil.

Como a maioria dos financiamentos é coordenada por escritórios ingleses e norte-

americanos,53 há uma tendência de que a garantia sobre os créditos siga a lei de regência do

mútuo e dos demais contratos coligados (lei inglesa ou de algum estado norte-americano).

Surgem, então, questões relacionadas aos efeitos desses contratos na ordem jurídica brasileira

e, principalmente, à exequibilidade das obrigações decorrentes desses contratos perante o

Judiciário brasileiro.

Caso regido pelo direito brasileiro, o acesso aos créditos poderia ser feito por meio de

(a) um penhor de direitos, (b) uma cessão de créditos, tal como prevista no Código Civil ou (c)

uma cessão fiduciária de direitos creditórios, como prevista no art. 66-B da Lei 4.728/1965,

conforme alterado pela lei 10.931/2004.

No próximo item, descreveremos a forma como cada uma dessas estruturas pode ser

utilizada, para que, no capítulo 3, passemos à análise detalhada das causas que podem justificar

a adoção de cada estrutura e os seus principais riscos.

2.5 Principais alternativas para garantir o direito do credor aos créditos.

2.5.1 Cessão de créditos regida pelo Código Civil.

A primeira alternativa possível para documentar a cessão dos créditos aos

financiadores é a utilização de uma cessão de créditos, conforme prevista nos artigos 286 e

seguintes do Código Civil, adaptada às características do projeto.

52 Cingapura, Japão, China e Coreia do Sul respondem por relevante parte da demanda mundial por plataformas para exploração de petróleo e gás. 53 Esty, Chavich e Sesia (2014, p. 11; 33) apresentam lista dos 10 escritórios com maior participação em grandes operações de project finance (com valores superiores a US$ 500 milhões) entre 1999 e 2012, no qual figuram 6 escritórios britânicos, 3 norte-americanos e 1 australiano. Sobre a relação dessa participação dos escritórios com a lei aplicável, os autores observam que “[w]hat is most striking about the law firm league table is that 9 of the top

10 law firms are headquartered in either the United States or the United Kingdom. Whereas French, German, and

Dutch banks play prominent roles in the arranger market—and there were many projects in Western Europe (...)

—they were not major players in the legal advisory markets. One reason for the prevalence of US and UK law

firms is that most of the financing contracts are written under either American or UK law”.

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Orlando Gomes (2004, p. 239) define a cessão de crédito como o negócio jurídico

bilateral pelo qual o credor transfere a terceiro sua posição na relação obrigacional. Destaque-

se a bilateralidade do negócio, de modo que se prescinde do consentimento do devedor para seu

aperfeiçoamento. Basta que o devedor esteja ciente da existência da cessão para que esta lhe

seja oponível, conforme determina o artigo 290 do Código Civil. O registro em cartório de

títulos e documentos seria necessário para eficácia da cessão perante terceiros, conforme artigo

129 da Lei de Registros Públicos, Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (LRP).

Desta forma, perfazendo-se a cessão, o crédito passa do patrimônio do cedente ao do

cessionário, o qual também poderá tomar todas as medidas necessárias à sua defesa e

conservação, nos termos do artigo 293 do Código Civil.

Considerando a estrutura usual dos financiamentos descrita no item 2.4 acima, os

créditos gerados pelo afretamento poderiam – exceto se houver alguma restrição contratual –

ser cedidos integralmente ao financiador logo após a celebração do afretamento. Dessa forma,

assim que os créditos passarem a ser devidos em razão da utilização da plataforma pelo

afretador, integrarão diretamente o patrimônio do credor. A cessão, portanto, teria seu termo

inicial determinado no próprio contrato de cessão. Se o contrato de afretamento exigir

autorização prévia do afretador, pode-se sujeitar a eficácia da cessão a condição suspensiva.

Quanto ao termo final da cessão, este pode ser determinado por meio de uma condição

resolutiva, correspondente à confirmação pelo agente do financiamento de que a dívida foi

integralmente paga. Alternativamente, pode-se prever a obrigação contratual do financiador

ceder os direitos ao titular original, a SPE do projeto.

Cumpre ressaltar que a hipótese acima trata dos créditos decorrentes do afretamento

da plataforma, que são principais receitas do projeto e fonte prioritária para pagamento do

serviço da dívida. Outros créditos, todavia, podem não ser utilizados para pagamento do

financiamento. Esse é o caso, muitas vezes, dos créditos decorrentes da prestação de serviços

de operação das plataformas, os quais são utilizados para pagamento dos custos de operação e

teriam alguma relevância para pagamento da dívida apenas em caso de mora ou

inadimplemento do financiamento.

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2.5.2 Cessão fiduciária de créditos.

A segunda alternativa para documentar o acesso dos financiadores aos créditos gerados

pelo projeto é a cessão fiduciária dos direitórios, atualmente prevista no artigo 66-B da lei

4.728/1965, alterada em 2004 pela lei nº 10.931.

Orlando Gomes (2014, p. 357), referindo-se à alienação fiduciária em sentido lato,54

define-a como o “negócio jurídico pelo qual uma das partes adquire, em confiança, a

propriedade de um bem, obrigando-se a devolvê-la quando se verifique o acontecimento a que

se tenha subordinado tal obrigação, ou lhe seja pedida a restituição”.55

Em vista desta definição, pode-se inclusive interpretar a cessão civil dos créditos,

descrita no item 2.5.1 acima, como espécie do gênero negócio fiduciário, na medida em que o

cessionário assume a obrigação de transmitir a titularidade dos créditos restantes ao cedente

original após eventual satisfação do financiamento.

Inicialmente, o direito brasileiro previu, por meio da Lei nº 4.864, de 29 de novembro

de 1965, a cessão fiduciária de créditos exclusivamente para créditos decorrentes de alienação

de imóveis56 em financiamentos habitacionais considerados de interesse social. A própria lei

tinha como objeto declarado a criação de medidas de estímulo à indústria de construção civil.

Em 1997, a Lei nº 9.514 reformou as disposições relativas ao Sistema Financeiro

Imobiliário, ampliando a possibilidade de utilização da cessão fiduciária de créditos para

qualquer operação no mercado imobiliário.57 Entretanto, apesar da ampliação promovida, a

garantia ainda era restrita a um mercado específico.

54 Ao tratar do conceito do gênero negócio fiduciário, Melhim Namem Chalhub (2009, p. 38) afirma que a característica essencial de tal negócio é que o “meio jurídico utilizado sempre extravasa o resultado econômico objetivado, registrando-se, aí, a presença da fidúcia, vale dizer, a confiança em que o fiduciário, tendo recebido um poder jurídico formalmente ilimitado sobre a coisa que lhe foi transmitida – isso é, o poder de titular do domínio –, dele não fará uso senão para atender à finalidade definida no contrato celebrado entre ele e o fiduciante”. 55 O autor aponta, ainda, que a alienação fiduciária, em sentido amplo, pode ser celebrada com o objetivo de (a) posterior transmissão dos bens ou direitos a terceiros, (b) administração da coisa alienada, (c) execução de um crédito ou, mais frequentemente, (d) constituição de garantia (2014, p. 357-358). 56 Art. 22. Os créditos abertos nos termos do artigo anterior pelas Caixas Econômicas, bem como pelas sociedades de crédito imobiliário, poderão ser garantidos pela caução, a cessão parcial ou a cessão fiduciária dos direitos decorrentes dos contratos de alienação das unidades habitacionais integrantes do projeto financiado. 57 Melhim Namem Chalhub (2009, p. 38) observa, com base no artigo 17 da lei nº 9.514/97, que qualquer pessoa, física ou jurídica, teria legitimidade para celebrar uma cessão fiduciária de créditos, desde que visando um

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Como parte de reformas legislativas que tinham como objetivo promover a expansão e

barateamento do crédito,58 a Lei nº 10.931, de 2 de agosto de 2004, incluiu o artigo 66-B à Lei

nº 4.728,59 criando a titularidade fiduciária de direitos sobre bens móveis e de direitos

creditórios em geral, aplicável “no âmbito do mercado financeiro e de capitais, bem como em

garantia de créditos fiscais e previdenciários”.

Além disso, a Lei de Recuperação Judicial e Falência (Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro

de 2005), tornou a cessão fiduciária de créditos um instrumento ainda mais atrativo para

financiadores, ao dispor que o credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens

móveis ou imóveis (art. 49, §3º) não será submetido aos efeitos da recuperação judicial. Assim

como a ampliação do escopo da cessão fiduciária realizada pela a Lei nº 10.931, essa disposição

buscava criar incentivos para redução do custo de capital externo para empresas por meio da

redução dos riscos de inadimplência.

Do ponto de vista formal, a cessão do crédito deve ser constituída mediante o registro

do contrato de cessão no Registro de Títulos e Documentos. Com o registro, o

credor/cessionário-fiduciário torna-se titular dos créditos cedidos, que passam a integrar seu

patrimônio, com as restrições típicas da fiduciariedade (CHALHUB, 2009, p. 353).

financiamento imobiliário. Prossegue anotando que “não se trata, como na regulamentação anterior, de contrato privativo de determinadas instituições financeiras, mas de garantia de aplicação generalizada para o financiamento imobiliário”. 58 Nesse sentido, ao analisar a conveniência do Judiciário intervir para alterar a regra prevista na Lei de Recuperações Judicial e Falências sobre a cessão fiduciária de créditos, a “trava bancária”, Bruno Salama (2013, p. 21) afirma que “[s]e, por um lado, pode-se argumentar que os bancos possuem representatividade política desproporcionalmente grande, por outro lado é preciso levar em conta que toda a política econômica do Executivo desenvolvida na última década teve por base a expansão do crédito. A Lei de Recuperação Judicial e Falências de 2005 não foi uma peça isolada. Complementou diversas outras voltadas a solidificar a certeza do crédito e a efetividade das garantias, tudo a fim de facilitar o crédito, engenho do desenvolvimento econômico”. 59 Art. 66-B, § 3o: É admitida a alienação fiduciária de coisa fungível e a cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis, bem como de títulos de crédito, hipóteses em que, salvo disposição em contrário, a posse direta e indireta do bem objeto da propriedade fiduciária ou do título representativo do direito ou do crédito é atribuída ao credor, que, em caso de inadimplemento ou mora da obrigação garantida, poderá vender a terceiros o bem objeto da propriedade fiduciária independente de leilão, hasta pública ou qualquer outra medida judicial ou extrajudicial, devendo aplicar o preço da venda no pagamento do seu crédito e das despesas decorrentes da realização da garantia, entregando ao devedor o saldo, se houver, acompanhado do demonstrativo da operação realizada. § 4o No tocante à cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis ou sobre títulos de crédito aplica-se, também, o disposto nos arts. 18 a 20 da Lei no 9.514, de 20 de novembro de 1997. § 5o Aplicam-se à alienação fiduciária e à cessão fiduciária de que trata esta Lei os arts. 1.421, 1.425, 1.426, 1.435 e 1.436 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. § 6o Não se aplica à alienação fiduciária e à cessão fiduciária de que trata esta Lei o disposto no art. 644 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002.

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Assim, o credor/cessionário fiduciário passa a ter o direito de cobrar o crédito cedido

em nome próprio, propondo todas as ações e tomando todas as medidas necessárias para

proteção do crédito e de se apropriar do produto da cobrança, até o limite da dívida garantida.

2.5.3 Penhor de créditos.

Outra alternativa teoricamente possível é o penhor dos créditos em favor dos bancos

financiadores, nos termos dos artigos 1.451 e seguintes do Código Civil.

A constituição de penhor garantiria ao credor pignoratício o direito a receber e cobrar o

crédito diretamente do devedor60 (i.e., o cliente do projeto), da mesma forma que uma cessão

(civil ou fiduciária), mas não o excluiria dos efeitos da recuperação judicial, grande atrativo da

cessão fiduciária.

Dessa forma, a criação da possibilidade de cessão fiduciária sobre créditos, em 2004,

aliada à exclusão de tais créditos dos efeitos da Recuperação Judicial, fizeram com que o penhor

dos créditos se tornasse uma opção menos atrativa para garantir o acesso dos financiadores aos

créditos gerados pelo projeto. Destaque-se, porém, que, antes do posicionamento do STJ sobre

o tema, Tribunais de Justiça61 chegaram a descaracterizar a cessão fiduciária de créditos para

requalificá-la como um penhor. 62

Nesse sentido, cabe notar que Orlando Gomes (2014, p. 358), ao comparar a alienação

fiduciária ao penhor, aponta que, apesar de ambos os negócios assemelharem-se pela função de

garantia e pela qualidade do objeto, diferenciam-se porque (a) o fiduciante transfere a

propriedade – ou titularidade, no caso de direito – ao fiduciário, enquanto o devedor

pignoratício conserva a propriedade/titularidade sobre o bem ou direito e, (b) no penhor, o

60 Art 1.459 do Código Civil: “Ao credor, em penhor de título de crédito, compete o direito de: I - conservar a posse do título e recuperá-la de quem quer que o detenha; II - usar dos meios judiciais convenientes para assegurar os seus direitos, e os do credor do título empenhado; III - fazer intimar ao devedor do título que não pague ao seu credor, enquanto durar o penhor; IV - receber a importância consubstanciada no título e os respectivos juros, se exigíveis, restituindo o título ao devedor, quando este solver a obrigação”. 61 V. nota 96 infra. 62 Sobre o assunto, Bruno Salama (2003, p. 17-18) entende que a requalificação da cessão fiduciária determinada pelo TJ-RJ como um penhor é equivocada, uma vez que não seria adequado “desconsiderar ou julgar ilegal estrutura jurídica bastante usual no mundo das finanças modernas, especialmente em se tratando de estrutura jurídica expressamente disciplinada em lei federal”.

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credor tem direito real sobre coisa alheia, enquanto na fidúcia tem direito real sobre coisa

própria.

De modo semelhante, Carlos Roberto Gonçalves (2014, p. 578) compara o penhor de

créditos à cessão de créditos, apontando que “a existência de contrato escrito é indispensável

para evitar confusão do penhor com a cessão de direitos. Nesta, ocorre alienação do direito,

alterando-se o titular da relação jurídica subjacente; naquele, o titular do direito continua a ser

dono, permanecendo como titular da relação jurídica original, concedendo apenas, a terceiros,

direito real de garantia sobre os direitos”.

Ainda que o penhor não tenha ampla utilização em financiamentos de projetos

internacionais, uma decisão judicial que aumente o risco das demais alternativas pode tornar o

penhor de direitos uma opção mais viável. Além disso, o risco de requalificação de outros

contratos como penhor aumenta a importância de identificarmos as vantagens e riscos

relacionados e essa espécie de garantia.

2.5.4 Cessão de créditos regida por lei estrangeira.

Por fim, alternativa bastante utilizada na prática é a celebração de contrato regido por

lei estrangeira. Isso se deve ao fato de que grande parte das operações são financiadas por

bancos estrangeiros e coordenadas por escritórios norte-americanos e ingleses.

Na hipótese em que a cessão (ou outra forma de garantia sobre créditos) é realizada de

acordo com legislação estrangeira, os requisitos para sua constituição e validade, assim como a

identificação do momento da transmissão da titularidade sobre os créditos, dependerão da

interpretação das normas da legislação estrangeira, o que aumenta consideravelmente a

complexidade para o intérprete brasileiro.

Toda as questões relacionadas à transferência da titularidade do crédito, ao direito de

cobrar diretamente o devedor, à necessidade de consentimento ou notificação do devedor para

aperfeiçoamento de cessão/garantia e à necessidade de realizar registros trazem novas

incertezas, especialmente ao se considerar como um juiz brasileiro poderá interpretar essas as

normas estrangeiras em comparação com o direito brasileiro.

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2.6. Principais riscos jurídicos relacionados aos créditos. Inadimplemento e insolvência de

clientes.

Um dos objetivos da estruturação de um project finance por meio de uma SPE é isolar

o empreendimento das demais atividades do grupo, permitindo que suas receitas sejam

totalmente direcionadas ao pagamento do financiamento. Busca-se, ao mesmo tempo, proteger

os credores, para que tenham todos os ativos do projeto segregados em garantia do pagamento

do financiamento, e os patrocinadores, na medida em que a autonomia patrimonial da SPE

evitaria63 sua responsabilização direta por obrigações da SPE. 64

Esse objetivo mostra-se particularmente evidente quando se verifica que (a) todos os

ativos do projeto servem de garantia ao pagamento do financiamento, (b) os covenants buscam

vedar a utilização de recursos para qualquer outro fim, proibindo qualquer forma de pagamento

ou utilização diversas desses recursos, e (c) todas as receitas relacionadas ao projeto são cedidas

integralmente aos financiadores, incluindo multas e indenizações dos construtores,

indenizações de seguros, indenizações por desapropriações.

Apesar da tentativa de blindagem da estrutura e isolamento do projeto, a estrutura de

que tratamos apresenta algumas fragilidades decorrentes do fato de que as principais receitas

do projeto são originadas de partes domiciliadas no Brasil ou de que grupos brasileiros são

controladores das SPEs proprietárias as plataformas.

63 Apesar da autonomia patrimonial da SPE impedir a contaminação dos patrocinadores com responsabilidades do projeto, determinados tipos de responsabilidade, particularmente a ambiental, estendem-se a outros membros do grupo em razão da previsão legal da desconsideração da personalidade jurídica em caso de dano ambiental (Lei nº 9.605/1998, art. 4º). 64 Bruno Salama (2014, p. 348-352), ao tratar de estratégias organizacionais que têm sido utilizadas mais recentemente como mecanismos de “fuga” da responsabilidade, menciona a criação de empresas subsidiárias e coligadas e a segregação de ativos no exterior. A criação de subsidiárias “permite à empresa operar seus ativos e gerar retorno econômico sem ter a propriedade dos ativos geradores desse retorno”, pois “[c]omo em princípio cada entidade reconhecida pelo Direito tem autonomia patrimonial, o proprietário desses ativos não pode ser acionado para responder por dívidas da empresa que está operando os ativos”. Notamos que este é justamente o propósito de segregação dos ativos do projeto em uma SPE, que, operando naturalmente com alto endividamento, permite melhor alocação dos riscos entre as diversas partes envolvidas, sem que o patrimônio dos patrocinadores – seus controladores – sejam submetidos ao risco do negócio. Por outro lado, a segregação de ativos no exterior – inclusive em paraísos fiscais –, especialmente de grandes grupos brasileiros envolvidos no afretamento e operações de plataformas significa, ao mesmo tempo, uma tentativa de “fuga” de diversas potenciais responsabilidades (regulatórias, fiscais, trabalhistas, etc.) no Brasil e uma resposta aos incentivos criados pela própria estrutura do mercado de afretamento, como as exigências das licitações internacionais da Petrobras e os diversos incentivos fiscais para a importação de plataformas e equipamentos estrangeiros.

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Os possíveis riscos, inseguranças e desvantagens de cada alternativa possível para

garantir o acesso dos financiadores aos créditos levará em consideração principalmente os três

cenários descritos nos próximos itens: a inclusão da SPE em um processo de recuperação

judicial ou falência no Brasil, a possível necessidade de cobrança dos créditos no Brasil,

diretamente do devedor – afretador da plataforma – e possíveis disputas com outros credores

da SPE no Brasil.

2.6.1 Insolvência do grupo patrocinador e sujeição da SPE ao processo no Brasil.

O primeiro risco relevante relacionado aos créditos relaciona-se à insolvência dos

patrocinadores. Apesar da tentativa de segregação pela constituição da SPE fora do Brasil, em

caso de crise financeira dos patrocinadores, tanto os demais credores do grupo quanto os

próprios patrocinadores podem buscar a superação da separação patrimonial da SPE do projeto

para utilizar os créditos gerados pelo projeto para pagamento de outras dívidas do grupo.

Ressalte-se que, em tese, a recuperação judicial ou falência do patrocinador

domiciliado no Brasil, controlador da SPE, deveria apenas afetar a propriedade da participação

na SPE e os dividendos ou outros direitos que tenham como sócios da SPE. Entretanto, ainda

que sem previsão legal, em alguns casos recentes, buscou-se trazer subsidiárias estrangeiras

para processos de recuperação judicial no Brasil, como nos casos dos grupos OGX/OSX e

Schahin Engenharia.

Portanto, há o risco de que o grupo brasileiro patrocinador do projeto, ao buscar a

proteção da recuperação judicial, nos termos da Lei de Recuperação Judicial e Falência, tente

submeter suas subsidiárias estrangeiras ao processo, fazendo com que os credores dessas

subsidiárias se sujeitem a um processo de recuperação judicial ou falência perante tribunais

brasileiros. Ainda que tal situação seja excepcional e contrária à LRF, deve-se considerar como

um risco.

Caso deferido o processamento da recuperação judicial em relação às subsidiárias

estrangeiras (inclusive SPEs constituídas para estruturação de operações de project finance),

elas possuirão grande flexibilidade para propor a reorganização das dívidas no plano de

recuperação, em prejuízo aos financiadores do projeto.

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Se, em regra, considera-se que a constituição de uma SPE com limitação de

responsabilidade protege o patrimônio dos patrocinadores ao impedir que este seja afetado pelas

dívidas relacionadas ao projeto, neste caso, inverte-se totalmente a lógica: a manutenção da

personalidade jurídica distinta e a autonomia patrimonial da SPE protegerá os credores externos

(financiadores) da tentativa de apropriação das receitas, pelos acionistas, por meio de processo

de recuperação judicial.

Não são poucos os incentivos de praticamente todas as partes envolvidas em eventual

processo de recuperação para incluir SPEs de projetos específicos. Os patrocinadores

insolventes poderão utilizar uma fonte de receitas constante e de longo prazo para recomposição

de seu caixa. Os demais credores dos patrocinadores também terão relevantes razões para

aprovar qualquer proposta que aumente os recursos disponíveis e que possam aumentar a

possibilidade de adimplemento de seu próprio crédito. Por fim, os juízes, ainda que teórica e

legalmente imparciais, têm demonstrado considerável inclinação para aplicação do “princípio

da manutenção da empresa” ainda que em prejuízo a direitos de determinado grupo de credores.

Em caso de falência do grupo brasileiro, os credores das demais empresas do grupo e

sujeitas ao juízo falimentar brasileiro possivelmente buscariam apropriar-se das receitas do

projeto para saldar outras obrigações da massa.

Por fim, é essencial lembrar que, na hipótese de os patrocinadores terem sede fora do

Brasil, entendemos que o risco descrito acima seria bastante reduzido, uma vez que o processo

de insolvência provavelmente ocorreria no local de constituição das holdings e outras empresas

operacionais do grupo. Ainda que haja subsidiárias no Brasil – como as constituídas para prestar

os serviços de operação da plataforma – parece-nos bastante improvável que a insolvência

destas empresas seria suficiente para justificar a inclusão de empresas estrangeiras ao processo.

2.6.2 Inadimplência do cliente do projeto.

O segundo caso em que os bancos poderiam precisar acionar o Judiciário brasileiro

relaciona-se à possível inadimplência do cliente do projeto. Neste caso, seria necessário provar

que o credor estrangeiro tem titularidade do crédito e, consequentemente, capacidade para

exigir seu pagamento diretamente do devedor, no Brasil.

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2.6.3 Disputas com terceiros credores da SPE.

O terceiro risco identificado é o de uma disputa com terceiros sobre o os créditos. Isso

poderia ocorrer caso outro credor da SPE buscasse cobrar sua dívida no Brasil, penhorando os

créditos decorrentes do contrato de afretamento.

Neste caso, entendemos que seria necessário garantir a oponibilidade da garantia

perante terceiros, para garantir que os créditos não fossem direcionados indevidamente para o

pagamento de outras dívidas.

Em cada alternativa descrita no item 2.5 deste capítulo, diferentes consequências e

dificuldades podem se apresentar ao financiador estrangeiro, razão pela qual pretendemos

analisar, no capítulo 3, as características e riscos que pode justificar a adoção de cada arranjo

contratual, levando-se em conta as duas hipóteses descritas nos itens 2.6.1 e 2.6.2.

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3. GARANTIAS SOBRE CRÉDITOS DEVIDOS NO BRASIL: ANÁLISE DAS

ALTERNATIVAS POSSÍVEIS.

Este capítulo foi dividido em cinco partes. Nas quatro primeiras, analisaremos cada

alternativa para garantia de acesso aos créditos, separando a análise entre as justificativas que

podem levar à adoção do modelo, os riscos e uma conclusão parcial. Ao final, buscaremos

sintetizar os principais pontos positivos e os riscos de cada modelo em um quadro sinótico.

3.1 Cessão de crédito prevista pelo Código Civil.

3.1.1 Justificativas para adoção do modelo.

(a) Simplicidade para formalização e transmissão imediata da titularidade dos créditos.

Em regra, a celebração de uma cessão de créditos se sujeita apenas aos pressupostos

de validade do negócio jurídico previstos no artigo 104 do Código Civil: (i) partes capazes,

(ii) objeto lícito, determinado ou determinável e (iii) forma prescrita ou não defesa em lei.

Quanto ao objeto, a vinculação ao contrato de afretamento garante de modo satisfatório

a identificação dos créditos cedidos. Com relação à forma, trata-se de um negócio não solene e

consensual, de modo que sua forma é livre e sua existência, validade e eficácia entre as partes

não dependem de nenhuma solenidade especial (PELUSO, 2013, p. 238).

Para que seja eficaz perante terceiros, porém, a cessão deve ser reduzida a um

instrumento escrito e registrada em RTD. Se o crédito cedido provier de negócio em que a

escritura pública é necessária, a cessão deve seguir a mesma formalidade (SCHREIBER;

TEPEDINO, 2008, p. 164). Caso contrário, bastará, além do registro, que se indique a

qualificação das partes, o local e data de assinatura e a extensão e exato conteúdo da cessão

(art. 654, §1º, do CC).

A facilidade para celebração do contrato é um ponto extremamente favorável a este

modelo, devendo-se notar apenas que, em vista da falta de previsão legal do seu funcionamento

da forma proposta neste caso, as partes precisarão detalhar no instrumento todas as condições

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para operacionalização da cessão, como o momento da transmissão da titularidade, estabelecer

condições resolutivas e demais direitos das partes.

(b) Ausência de riscos relacionados à nacionalidade e qualidade do credor. Maior flexibilidade.

Como o Código Civil não faz qualquer distinção sobre as partes de uma cessão, o fato

de ambas serem estrangeiras não traz risco adicional para o negócio. Nesse aspecto, assemelha-

se ao penhor de crédito.65 Em comparação com a cessão fiduciária, a cessão comum de créditos

seria mais segura ao cessionário, uma vez que na primeira há risco relacionado à celebração em

favor de instituição financeira estrangeira, conforme discutido no item 3.2.2(a) abaixo.

Além disso, a cessão de crédito não é restrita a negócios realizados nos mercados

financeiro e de capitais. Dessa forma, esta estrutura pode ser utilizada como alternativa em

operações em que o cessionário não faz parte do sistema financeiro e a celebração de uma

cessão fiduciária não seria viável. Ainda que operações de project finance pressuponham a

participação de bancos, é possível, por exemplo, que o beneficiário das garantias não seja,

formalmente, uma instituição financeira, mas uma sociedade controlada por um dos bancos do

sindicato. Neste caso, ainda que a operação tenha se realizado no âmbito do mercado financeiro

internacional, seria possível argumentar que uma cessão fiduciária realizada em favor de uma

subsidiária de um dos bancos credores não teria legitimidade para ser beneficiária de uma

cessão fiduciária. Teríamos, neste caso, dois riscos com a celebração de uma cessão fiduciária:

(i) a beneficiária da garantia ser estrangeira e não atuar no mercado financeiro brasileiro e (ii)

o fato de não se tratar de uma instituição financeira. Estes riscos seriam evitados com uma

cessão comum.

A cessão de créditos também seria útil na hipótese em que, havendo mais de um

patrocinador, um deles financie o outro. Tome-se como exemplo o caso em que dois grupos se

unem para desenvolver um empreendimento e constituam uma SPE para contratar a construção

de uma plataforma e tomar financiamento. A parcela do investimento devida pelos

patrocinadores (equity) seria, a princípio, dividida entre eles. No entanto, um deles faz o aporte

integralmente, pagando sua parte e emprestando a do outro patrocinador. Esta dívida poderia

65 Sobre o penhor de créditos, v. item 3.3 abaixo.

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ser objeto de uma estrutura secundária de garantias. Nesta hipótese, ativos como dividendos da

SPE ou créditos remanescentes após amortização do financiamento externo poderiam ser

utilizados como forma de garantias. Como normalmente os patrocinadores dos projetos não são

instituições que atuam no mercado financeiro, uma cessão dos créditos celebrada com

fundamento nos artigos do Código Civil seria uma alternativa viável.

Em resumo, a cessão comum de créditos pode apresentar menos incertezas tanto para

os casos em que as partes entendem que a cessão fiduciária não seja cabível, como no caso da

operação não ocorrer no âmbito mercado financeiro ou de capitais, quanto em substituição à

cessão fiduciária, se as partes entenderem que os riscos relacionados a essa estrutura são mais

aceitáveis que aqueles existentes na cessão fiduciária.

(c) Conformidade ao modelo de autorização utilizado pela Petrobras.

O contrato de afretamento da Petrobras exige autorização prévia para a cessão de

qualquer direito pelo contratado. Nesse sentido, o modelo de autorização utilizado pela

Petrobras66 menciona que a autorização é realizada nos termos do artigo 290 do Código Civil,

apesar de o referido artigo não tratar da autorização para cessão, mas da ciência do devedor.

Apesar da referência ao artigo ser genérica, é possível interpretar restritivamente que

a Petrobras estaria autorizando apenas a cessão realizada nos termos do Código Civil. A

celebração de contrato de cessão de créditos comum, então, garantiria maior aderência à

autorização, evitando alegações de descumprimento da mesma.

3.1.2 Possíveis riscos jurídicos da estrutura.

(a) Efeitos perante terceiros. Indefinição sobre Registro de Títulos e Documentos competente para registro da cessão.

Para que a cessão de créditos tenha eficácia perante terceiros, o Código Civil (art. 288)

dispõe que o instrumento de cessão deve ser celebrado por meio de instrumento público ou

instrumento particular revestido das solenidades do §1º do art. 654. Este dispositivo aplica-se

66 Disponível nos autos da recuperação judicial da Schahin Engenharia processo nº 1037133-31.2015.8.24.0100, 2ª Vara de Falências e Recuperações Judicias de São Paulo/SP, fls. 7290-7292 e cópias obtidas junto a Registros de Títulos e Documentos no Rio de Janeiro.

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ao instrumento particular do mandato, mas, adaptado à cessão, exige que o instrumento

particular mencione o lugar e a data onde o instrumento da cessão foi assinado, a qualificação

das partes e o objetivo da cessão, com a descrição e a extensão dos créditos cedidos.

Tais providências, obviamente, não poderiam ser suficientes para que a cessão fosse

oponível a terceiros, devendo ser cumuladas com o registro em Registro de Títulos e

Documentos (RTD),67 conforme exigido pela Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/1973)

(LRP). O item 9º do artigo 130 da LRP dispõe que, para surtirem efeitos perante terceiros, os

instrumentos de cessão de direitos e de créditos estão sujeitos a registro no RTD, o que nos

parece mais adequado para fins de garantir oposição da existência do contrato a terceiros do

que a disposição do artigo 654 do Código Civil.

Definida a necessidade de realização do registro, deve-se verificar o local e prazo em

que o registro de deve ser realizado. Nesse sentido, o artigo 130 da LRP prevê que o registro

deve ser realizado no prazo de 20 dias, no domicílio das partes contratantes e, quando elas forem

domiciliadas em locais distintos, no cartório competente sobre o domicílio de cada uma delas.

Com relação ao prazo, dois pontos merecem destaque. O primeiro é que, ao esclarecer

que os documentos apresentados para registro após o decurso do prazo de 20 dias produzirão

efeitos somente a partir da data de apresentação (art. 130, §1º), a LRP permite concluir que,

caso o instrumento de cessão seja apresentado dentro do prazo, os efeitos do registro retroagirão

até a data do instrumento.68

A segunda questão relevante é que, em vista da retroatividade garantida pela lei, ainda

que a transcrição de um ato seja realizada (ou outro ato de terceiro que afete os créditos ocorra)

67 Walter Ceneviva (2001, p. 129) aponta que o efeito do registro em RTD é “a oponibilidade ativa e a inoponibilidade passiva, em relação a todas as pessoas, na medida em que sejam submetidas ao ornamento jurídico brasileiras”. Wilson de Souza Campos Batalha (1997, p. 328) afirma que os registros exigidos pelo art. 129 da Lei de Registros Públicos são necessários para que os documentos indicados adquiram eficácia perante terceiros, ressalvando que assumem “plena validade entre as partes, independentemente da formalidade registrária”. 68 Serpa Lopes (1996, p. 113), em comentário ao decreto nº 4.857, de 9 de novembro de 1939 (legislação anterior à Lei de Registros Públicos), que previa prazo de 60 dias para apresentação do documento para registro, sem especificar consequências para o descumprimento do prazo, defendia que, se o documento fosse transcrito dentro do prazo previsto na lei, seria “incontestável que essa transcrição opera os seus efeitos como se o ato tivesse sido transcrito no próprio dia de sua assinatura, a menos que o interessado contestante demonstre ter havido fraude. Essa retroatividade se nos afigura um corolário lógico, oriundo do sistema obrigatório aliado ao da concessão de um prazo. Os efeitos são ‘ex tunc’ e não ‘ex nunc’”.

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antes da apresentação para registro da cessão de créditos, caso a apresentação da cessão ocorra

dentro do prazo ela (cessão) deve prevalecer. Considere-se o exemplo de uma cessão celebrada

no dia 5, mas apresentada para registro no dia 10. Caso um terceiro, credor do cedente, tente

penhorar os créditos, será prejudicado pela existência da cessão, que valeria desde o dia 5. Serpa

Lopes (1996, p. 113) observa que “nenhuma significação teria o prazo concedido pela lei, se

entendido de outro modo”.69

Quanto ao local do registro, a questão relevante que surge relaciona-se ao fato de que

não há regra aplicável à hipótese em que nenhuma das partes tenha domicílio estabelecido no

país. Neste caso, acreditamos que as duas alternativas possíveis seriam (a) registrar o

instrumento de cessão no domicílio do devedor/cedido e local a partir de onde os créditos serão

pagos e (b) registrar o instrumento no domicílio ou principal estabelecimento do patrocinador

do projeto, caso este seja estabelecido no Brasil.

Ao comentar a exigência legal do registro de contratos de penhor em RTD, Gladston

Mamede (2003, p. 137) aponta, em linha com doutrina especializada em direito registral e

notarial,70 como razões que a justificam: (a) o registro permite atestar a veracidade da

estipulação, inclusive a data de sua constituição, preservando os interesses de terceiros, (b)

atesta a veracidade da declaração de vontade que constituiu a garantia real, garantido ao credor

meio de prova do gravame que lhe beneficia, e (c) o registro faz prova pública do ato,

preservando o interesse de terceiros que, podendo saber da existência do gravame, podem tomar

a decisão de realizar negócios com prestador da garantia.

Se considerarmos os objetivos acima como os pretendidos pelo registro em RTD, a

publicidade71 obtida com o registro no local de origem dos créditos cedidos e no principal

69 No mesmo sentido, SOUZA (2011 p. 42). 70 Sobre o assunto, Wilson de Souza Campos Batalha (p. 315) afirma que o RTD “tem por finalidade atribuir autenticidade ao documento, demonstrando a exatidão da data e do conteúdo, conservando-o para a hipótese de perda ou extravio, bem como constituir forma de publicidade incontroversa para sua validade contra terceiros”. No mesmo sentido, SOUZA (2011, p. 42) e CENEVIVA (2001, p. 251). 71 Os registros públicos são regidos, quanto aos seus efeitos, pelos seguintes princípios (PEDROSO e LAMANAUSKAS, 2015, p.10-13): (i) publicidade, que se caracteriza como um dos principais pilares do sistema registral, em razão do qual a Lei de Registros Públicos garante, expressamente, a qualquer pessoa o direito de “requerer certidão do registro sem informar ao oficial ou ao funcionário o motivo ou interesse do pedido” (art. 17); (ii) prioridade, de acordo com o qual os direitos eventualmente decorrentes do registros são assegurados àquele que for realizado antes; (iii) inscrição/obrigatoriedade, segundo o qual somente o registro pode garantir segurança e proteção perante terceiros, nas hipóteses previstas na lei; e (iv) presunção, que constitui uma presunção relativa

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estabelecimento do patrocinador e controlador da SPE atenderia a todos. Caso outros credores

da SPE busquem satisfazer seus créditos com esses recursos, o registro no domicílio do devedor

seria o único local possível para eventuais pesquisas em RTD. Na hipótese da sujeição da SPE

ao processo de recuperação ou falência da SPE, o registro da cessão no local principal

estabelecimento72 deveria permitir a presunção de ciência dos seus credores.

O STJ, no julgamento do RESP 11024237, no qual se discutia uma cessão de direitos

hereditários cuja escritura pública não foi registrada no RTD de domicilio das partes, fornece

indícios úteis sobre possível interpretação da questão. Na decisão, argumenta da seguinte forma:

“[A] existência de escritura pública atenderia o requisito de publicidade, dado que sua lavratura se deu: (i) em comarca distante da do domicílio de ambos os herdeiros que o celebraram; (ii) em comarca diversa daquela em que se processa o inventário; e, ainda, (iii) não foi noticiada no processo de inventário, mesmo anos após a sua lavratura. Assim, presumir que todos teriam ciência da alienação promovida nessas circunstâncias implicaria demandar dos interessados que estivessem cientes dos atos praticados em todos os Cartórios de Notas do país” (REsp 11024237/MS, 3ªT., rel. Min. Nancy Andrighi, j. 07/10/2010, DJe 15/02/2011). (grifos nossos)

Ainda que a decisão não discuta diretamente a possibilidade de registro em RTDs

distintos daqueles mencionados pelo art. 130 da LRP, a redação permite o entendimento de que,

se a escritura houvesse sido registrada na comarca do inventário ou ainda se tornado pública

por meio de informação nos autos do inventário, o requisito de publicidade poderia ser

considerado suprido.

Apesar do entendimento de que o registro nos locais em que há vínculos com partes

domiciliadas no Brasil supriria a exigência de publicidade, devemos considerar que não há

qualquer regra positivada ou mesmo posicionamento da doutrina73 confirmando tal

interpretação, de forma que nos parece impossível fazer, com alguma segurança, qualquer

afirmação sobre o provável entendimento do Judiciário.

ao atribuir eficácia e validade aos registros perante terceiros, até prova em contrário e cancelamento do registro, conforme art. 252. 72 Referimo-nos ao principal estabelecimento e não à sede em vista do disposto no art. 3º da LRF, que dispõe: “É competente para homologar o plano de recuperação extrajudicial, deferir a recuperação judicial ou decretar a falência o juízo do local do principal estabelecimento do devedor ou da filial de empresa que tenha sede fora do Brasil”. 73 Sobre o assunto, BATALHA (1997), CENEVIVA (2001), DIP (2004), LOPES (1996), LOUREIRO FILHO; LOUREIRO (2007), PEDROSO; LAMANAUSKAS (2015) e SOUZA (2011) não consideram a hipótese de registro em RTD de contrato celebrado por partes estrangeiras.

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Ressalte-se, porém, que eventual interpretação de que o registro realizado no domicílio

do cedido (e principal vínculo com o território brasileiro) não seria válido em razão do disposto

no art. 130 da LRP, corresponderia praticamente declarar a impossibilidade de celebração por

partes estrangeiras de quaisquer contratos que precisam ser registrados no Brasil (incluindo-se

nesta lista todos os quatro contratos discutidos neste trabalho), apesar de não haver qualquer

vedação legal nesse sentido.

Por fim, como o registro é necessário para oponibilidade perante terceiros, este risco

não afetaria de modo relevante a possibilidade cobrança do devedor pelo cessionário, caso tenha

havido notificação da cessão. Eventual invalidade do registro afetaria de modo mais

significativo os direitos dos financiadores nos casos de recuperação judicial e falência da SPE

no Brasil e na hipótese de terceiros, credores da SPE, tentarem penhorar os créditos para

satisfazer suas dívidas.

(b) Simulação e requalificação do contrato.

Outra possível fragilidade da utilização de uma cessão de crédito comum seria o

questionamento sobre a real natureza do negócio.74 Conforme mencionamos no item 2.5.1

acima, a forma como a cessão de créditos prevista no Código Civil pode ser utilizada em um

project finance internacional pode ser considerada um negócio fiduciário atípico, uma vez que

envolve a transmissão da titularidade de um direito para determinado fim, com a obrigação de

devolução ao titular original após o cumprimento de seu objetivo.

Considerando, então, que esta cessão pode ser interpretada como um negócio

fiduciário, latu sensu, e existe dispositivo legal no Direito Brasileiro que permite a cessão

fiduciária de direitos creditórios, prevendo requisitos específicos para sua constituição,

podemos identificar dois riscos relacionados a este arranjo.

74 Nesse sentido, Luiz Carlos Sturzenegger e Henrique Leite Cavalcanti (2014, p. 49), ao comentarem sobre o contexto legal para concessão de crédito nos anos 1960, afirmam, quanto às garantias disponíveis, que os agentes financeiros precisavam optar entre “(a) a utilização dos tradicionais direitos reais de garantia, não obstante sua reconhecida ineficácia na tempestiva recuperação dos recursos emprestados, (b) a utilização de fórmulas jurídicas complexas, sob a forma de negócios fiduciárias atípicos, com os riscos a ele inerentes, sobretudo o de sua desconstituição por simulação ou fraude, e (c) o excessivo aumento do rigor e, consequentemente, do custo da concessão de recursos”.

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O primeiro é que se considere a cessão uma simulação e, portanto, nula. Os negócios

fiduciários são, muitas vezes, interpretados como negócios simulados, especialmente quando

não tipificados.75 Melhim Chalhub (2009, p. 43), a propósito, afirma que “[n]ão raras vezes os

negócios fiduciários são confundidos com os negócios simulados”.

A origem de tal entendimento é explicada por Orlando Gomes (1971, p. 23), que

afirma que houve necessidade de se diferenciar os negócios fiduciários dos simulados tão logo

a fidúcia reapareceu no direito moderno. O autor aponta que, na aparência, os negócios

fiduciários apresentavam-se sob perspectiva que sugeria tamanha semelhança com a simulação,

que se inclinou a doutrina para considerar simulados os negócios fiduciários. Prossegue

exemplificando que:

Na transferência da propriedade, para fins de administração ou garantia, via-se simulação relativa no entendimento de que o contrato translativo ocultava o negócio verdadeiro, consistente realmente na constituição de um vínculo de mandato, ou de direito real pignoratício. Com o negócio fiduciário, alcançavam as partes fins para os quais serviam de falsa transmissão da propriedade. O contrato translativo seria, por conseguinte, negócio simulado, por encerrar aquela divergência entre a vontade real e a vontade declarada, que caracteriza, segundo o pensamento de numerosos autores, a simulação.

Álvaro Villaça Azevedo (1988, p. 134), quase duas décadas depois, observou que tal

entendimento ainda se mantinha, apontando que “alguns autores têm concluído ser o negócio

fiduciário prejudicial ao comércio jurídico de hoje. Os que sustentam esta ideia, pela qual nulos

seriam os negócios fiduciários pelo vício decorrente da simulação, não encontram qualquer

apoio, porque se colocam fora da realidade social e jurídica”.

Bruno Salama (2013, p. 18), comentando a recente e ainda atual discussão

jurisprudencial sobre a sujeição da cessão fiduciária de créditos ao processo de recuperação

judicial, observa que:

Num certo sentido, estamos agora testemunhando com as cessões fiduciárias as mesmas polêmicas ocorridas no passado com as alienações fiduciárias. Quem não se lembra de alienações fiduciárias de automóveis recaracterizadas em juízo como meros penhores? Talvez este desconforto do Poder Judiciário com os negócios fiduciários seja natural. Diante de mudanças, o Judiciário costuma ser menos afoito e mais cauteloso do que o Legislativo, e é bom que seja assim. Mas não há como voltar o relógio da história, e os

75 Se considerarmos que o trabalho citado se refere à resistência oposta a negócios fiduciários expressamente previstos na legislação brasileira, pode-se presumir que seria considerável o risco de que questionamentos a negócios fiduciários atípicos encontrem ainda maior simpatia no Judiciário.

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negócios fiduciários sobre recebíveis são hoje, um dado da realidade de um sistema de crédito em franca expansão, para o bem e para o mal.

Esse breve panorama da resistência ao negócio fiduciário sugere que a resistência e

dificuldade de se interpretar negócios fiduciários é histórica e ainda não foi totalmente superada

no direito brasileiro.

Melhim Chalhub (2009, p. 43), porém, afirma que é possível perceber com facilidade

a distinção entre negócios fiduciários e negócios simulados, pois na simulação existe “uma

discrepância entre a natureza do contrato ostensivamente celebrado (simulado) e oponível erga

omnes, e a natureza do contrato efetivamente estipulado pelas partes e só oponível

internamente, entre as partes”. Concluindo sua argumentação para sustentar que não deve haver

confusão entre as duas espécies de negócios, o autor defende que a distinção essencial está no

processo de formação da vontade, pois nele seria possível verificar a intenção das partes de

enganar terceiros, caracterizadora da simulação.76

No mesmo sentido, Pontes de Miranda (2000, p. 444) adota a seguinte posição:

“[a] simulação supõe que se finja: há ato jurídico, que se quis, sob o ato jurídico que aparece; ou não há nenhum ato jurídico, posto que haja a aparência de algum. (…) Os negócios jurídicos de fidúcia e outros atos jurídicos fiduciários são queridos. Não são aparentes: ‘são’. Em verdade, são plus: por eles, transmite-se direito para fim econômico que não exigiria tal transmissão. O fiduciário é proprietário em frente a todos; apenas a sua propriedade não é eficaz quanto ao fiduciante (relatividade da eficácia, não da propriedade). O fiduciante fia-se no fiduciário. Não há negócio ou ato jurídico aparente; há negócio jurídico, que é. Por ele, cria-se relação jurídica de fidúcia, que obriga o judiciário a destinar o bem fiduciário ao fim da fidúcia”.

Antes da promulgação da Lei 10.931/2004, que ampliou as hipóteses em que a cessão

fiduciária sobre créditos poderia ser utilizada, o STJ se manifestou sobre a validade de negócio

fiduciário atípico, independentemente da existência de regramento legal. Nesse sentido, a

ementa do julgamento do REsp 57.991/SP:77

CIVIL. NEGOCIO FIDUCIARIO. TRANSFERENCIA DE PROPRIEDADE DE IMOVEL EM GARANTIA DE DIVIDA. PEDIDO DE DECLARAÇÃO DE EXISTENCIA DO PACTO. EFEITO NATURAL DE RETORNO AO ESTADO

76 Neste ponto, o comentário de Orlando Gomes (1971, p.24) mostra-se relevante, esclarecendo que “[a] vontade das partes no negócio fiduciário é, real e efetivamente, efetuá-la, posto que para fim menor. O fiduciante quer verdadeiramente alienar o bem. Se esta é a sua vontade real, não está em divergência com a vontade declarada, não existindo, portanto, simulação”. 77 No mesmo sentido, v. STJ, REsp 155.242/RJ, Rel. Min. Sálvio Figueiredo Teixeira, 4ªT., j. 15/02/1999, DJ 02/05/2000.

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ANTERIOR. COM ANULAÇÃO DA ESCRITURA. PRESCRIÇÃO. INCIDENCIA DA NORMA DO ART. 177 E NÃO DO ART. 178, PAR. 9., V, B, CC. INEXISTENCIA DE AÇÃO ANULATORIA E NEM MESMO DE SIMULAÇÃO. RECURSO DESACOLHIDO. I- O negócio fiduciário, embora sem regramento determinado no direito positivo, se insere dentro da liberação de contratar própria do direito privado e se caracteriza pela entrega fictícia de um bem, geralmente em garantia, com a condição de ser devolvido posteriormente. II- Reconhecida a validade do negócio fiduciário, o retorno ao estado anterior e mero efeito da sua declaração de existência, pelo que o bem dado em garantia pelo débito deve retornar, normalmente, à propriedade do devedor. III- Inocorre, assim, qualquer pretensão desconstitutiva de contrato, mas sim declarativa de validade, o que afastaria a prescrição definida no art. 178, par. 9, V, b, do Código Civil. E nem mesmo se trata de simulação, porque no negócio simulado há um distanciamento entre a vontade real e a vontade manifestada, inexistente no negócio fiduciário. (REsp 57.991/SP, Rel. Min. Sálvio Figueiredo Teixeira, 4ªT., j. 19/08/1997, DJ 29/09/1997, p. 48209) (grifos nossos)

Nota-se, portanto, que o STJ não restringe a celebração de negócios fiduciários às

hipóteses positivadas e também o diferencia claramente dos negócios simulados, com base no

que as partes efetivamente pretendem quando celebram o negócio, em linha com o

entendimento pacífico da doutrina estudada.78

Tomando-se em conta o posicionamento da doutrina e indicações da jurisprudência,

parece-nos difícil sustentar que o negócio empreendido consistiria em simulação, já que, para

implementá-lo, as partes precisam expressamente descrever cada etapa do processo no contrato,

uma vez que não há tipificação legal. Além disso, a própria estrutura do project finance, que

necessariamente prevê a captura dos recebíveis pelo financiador, confere coesão

negocial/econômica ao negócio.

78 Além de Milhem Chalhub (2009) e Pontes de Miranda (2000), acima citados, tem entendimento semelhante Campos Batalha (1997, p. 340), para quem “os negócios indiretos, entre os quais os fiduciários, se apresentam como legítimos, adotando-se, para certa finalidade, esquema legal previsto para outra finalidade, ao passo que os negócios simulados são aqueles em que a não-correspondência entre a forma e a substância se revela ilícita ou intolerável para o Direito. Nos negócios simulados, nos indiretos e nos fiduciários, há discrepância entre a causa típica do negócio jurídico e a intenção prática existente ‘in concreto’. Mas ao passo que, nos negócios simulados, a discrepância se reveste do aspecto da incompatibilidade, nos negócios indiretos (entre os quais os fiduciários) tal discrepância tem o aspecto de simples incongruência ou discordância (inadequação) entre meios e escopos, que são, entre si, compatíveis e excluem qualquer ilegalidade”. Alváro Villaça Azevedo (1988, p. 122 e ss) observa que “[e]mbora o negócio fiduciário não esteja previsto expressamente em nossa legislação, é ele plenamente admitido. (…) O certo é que de simulado nada tem o negócio fiduciário, nem mesmo se identifica com simulação relativa, pois no negócio fiduciário não pode haver ficção ou mera aparência, como existe em qualquer simulação, seja absoluta ou relativa, sendo ele um negócio sério e realmente querido pelas partes”. Por fim, a discussão apresentava-se também no Direito Português. Porém, Luis Miguel Pestana de Vasconcelos (2007, p. 83-84) esclarece que “[a] doutrina, desde há largo tempo é praticamente unânime no reconhecimento de que o negócio fiduciário não é um negócio simulado. Não preenche mesmo nenhum dos requisitos essa figura. Não há qualquer divergência entre as vontades das partes e as suas declarações. Os contratantes visam mesmo a transmissão de um direito, assim como a assunção de determinadas obrigações pelo fiduciário quanto ao exercício do mesmo. Não há igualmente intuito de enganar terceiros, decorrendo do contrato as limitações de natureza obrigacional, a que o exercício do direito pelo fiduciário fica sujeito, embora por vezes o carácter fiduciário da titularidade possa não ser claro para terceiros”.

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O segundo risco é de que se interprete que a cessão realizada de acordo com os

instrumentos oferecidos pelas regras gerais do Código Civil seria, na verdade, uma forma das

partes evitarem as exigências e limitações impostas às modalidades existentes na legislação

para constituição de garantias sobre recebíveis (cessão fiduciária e/ou penhor).

Uma requalificação do contrato como uma cessão fiduciária traria os riscos inerentes

à cessão fiduciária, em especial, o argumento de que não pode ser celebrada em favor de credor

estrangeiro ou agravar o risco relacionado à competência para registro em RTD, uma vez que

este é requisito de existência do contrato.

Alternativamente, seria possível sua requalificação como um penhor, de modo

semelhante à interpretação que passou conferida pelo Judiciário francês para este tipo de

negócio. O direito francês contém uma modalidade de cessão – chamada usualmente de Cessão

Dailly – utilizada somente como garantia para operações de crédito e em favor de instituições

financeiras licenciadas na França ou beneficiária do “passaporte europeu”.

Como alternativa às operações realizadas com partes que não atendiam às exigências

da Lei Dailly, os dispositivos do código civil francês passaram a ser utilizados para realizar

cessões em outros tipos de operação.79 No caso, não haveria maiores limitações quanto à

possibilidade legal para a cessão de créditos, bastando a identificação clara de seu devedor.

Essa modalidade de cessão passou a ser amplamente utilizada como modo de garantia

(JOHNSTON, 2008, p. 179), de modo semelhante a uma cessão fiduciária. No entanto, em

2006, a câmara comercial do Cour de Cassation80 proferiu decisão determinando que o ato pelo

79 Destaque-se que as disposições do Código Civil francês aplicáveis à cessão de créditos são bastante semelhantes em seu conteúdo às dos artigos 286 e seguintes do Código Civil brasileiro, apesar de suas promulgações estarem separadas por mais de duzentos anos. A título de exemplo, diversos artigos possuem conteúdo equivalente, como o brasileiro 287 (“Salvo disposição em contrário, na cessão de um crédito abrangem-se todos os seus acessórios”) e 1692 francês (“La vente ou cession d'une créance comprend les accessoires de la créance, tels que caution,

privilège et hypothèque”). No caso da responsabilidade do cedente pela existência, a redação de ambas as legislações também é bastante próxima, exceto pelo trecho da lei brasileira sobre a cessão gratuita realizada de má-fé: “Celui qui vend une créance ou autre droit incorporel doit en garantir l'existence au temps du transport,

quoiqu'il soit fait sans garantie”, enquanto a disposição brasileira dispõe que: “[n]a cessão por título oneroso, o cedente, ainda que não se responsabilize, fica responsável ao cessionário pela existência do crédito ao tempo em que lhe cedeu; a mesma responsabilidade lhe cabe nas cessões por título gratuito, se tiver procedido de má-fé”. 80 O cour de cassation é a mais alta instância do Poder Judiciário francês, responsável pela revisão de decisões dos tribunais de apelação.

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qual um devedor cede e transfere a seu credor, a título de garantia, todos os seus direitos sobre

determinados créditos, constitui um penhor de créditos.81

Caso tal guinada interpretativa do negócio ocorresse no Brasil, surgiriam questões

como se os requisitos para constituição do penhor, como os do artigo 1.42482 e 1.43283 do

Código Civil, precisariam ser atendidos. Além disso, as consequências em um cenário de

insolvência do cedente seriam totalmente distintas.84

No entanto, apesar de não se pode negar o risco de eventual requalificação do contrato

por um juiz, uma resposta imediata para tal possibilidade seria de que a utilização da cessão de

créditos com essa finalidade não encontra impedimentos na legislação e, apesar de atender ao

mesmo propósito da cessão fiduciária ou de um penhor, apresenta características, exigências

legais para constituição e riscos distintos e as partes seriam livres para optar por qualquer uma

delas.

(c) Possibilidade de cessão de créditos futuros.

O Código Civil brasileiro nada dispõe acerca da possibilidade de cessão de créditos

ainda não constituídos, como os recebíveis dos contratos de afretamento de embarcações, que

dependem do efetivo cumprimento do contrato para que sejam devidos. Assim, poder-se-ia

argumentar que sequer existiriam direitos cedidos, uma vez que até o cumprimento do

afretamento, não haveria que se falar em créditos existentes.

Contudo, considerando-se que art. 104 do Código Civil determina que o objeto do

negócio jurídico deve ser determinado ou determinável, parece-nos plenamente defensável que

81 Originalmente, a decisão dispõe da seguinte forma: “Attendu qu’en statuant ainsi, alors qu’en dehors des cas

prévus par la loi, l’acte par lequel un débiteur cède et transporte à son créancier, à titre de garantie, tous ses

droits sur des créances, constitue un nantissement de créance, la cour d’appel a violé les textes susvisés” (Cour

de cassation, Arrêt n° 1500 du 19 décembre 2006). Disponível em <https://www.courdecassation.fr/jurisprudence_2/chambre_commerciale_574/arret_n_9716.html>, acesso em 28 de julho de 2015. 82 Art. 1.424. Os contratos de penhor, anticrese ou hipoteca declararão, sob pena de não terem eficácia: I - o valor do crédito, sua estimação, ou valor máximo; II - o prazo fixado para pagamento; III - a taxa dos juros, se houver; IV - o bem dado em garantia com as suas especificações. 83 Art. 1.432. O instrumento do penhor deverá ser levado a registro, por qualquer dos contratantes; o do penhor comum será registrado no Cartório de Títulos e Documentos. 84 V. item 3.3.2 infra.

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os créditos futuros decorrentes do contrato de afretamento celebrado pelo cedente são

determináveis e, portanto, passíveis de serem objeto de cessão. Além disso, o Código Civil, ao

prever a existência de contratos aleatórios, admite a possibilidade de que as obrigações de uma

parte sujeitem-se à ocorrência de um evento futuro e incerto.85

O STJ, no julgamento do REsp 356383/SP86 já decidiu claramente em favor da

possibilidade de cessão de créditos futuros. A Min Nancy Adrighi, em seu voto, afirmou que

“a celebração entre as partes de cessão de posição contratual, que englobou créditos e débitos,

(...) é lícita, pois o ordenamento não coíbe a cessão a cessão de contrato que pode englobar ou

não todos os direitos e obrigações pretéritos, presentes ou futuros (...)”. No mesmo julgamento

e em reforço ao entendimento acima, o Min. Carlos Alberto Menezes Direito, afirmou, de modo

bastante objetivo, que “[a] cessão não significou a divisão entre as parcelas pagas e aquelas que

deveriam ser pagas; ao contrário, a cessão foi do contrato por inteiro”.

Parece-nos haver poucas discussões também na doutrina sobre a possibilidade de

cessão de créditos futuros. Maurício Menezes (2005, p. 217) entende que a cessão é possível,

desde que os créditos sejam determináveis, como se exige nos requisitos de validade de negócio

jurídico. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão (2005, p. 414), tratando do Direito Português,

afirma que “[h]oje em dia não parece que a admissibilidade desta forma de cessão constitua um

problema, sendo, pelo contrário, pacífica a solução de que nada impede as partes de ceder um

crédito futuro”. No mesmo sentido, entendem Antunes Varela87 (1997) e Luis Miguel Pestana

de Vasconcelos88 (2007).

85 Com base neste mesmo argumento, o Desembargador Romeu Ricupero, em julgamento da Câmara Reservada a Falência e Recuperação do Tribunal de Justiça de SP, já admitiu a possibilidade de se contratar alienação fiduciária de bens futuros, afirmando que “não pode haver dúvida de que a alienação fiduciária pode ter como objeto coisas ou fatos futuros, visto que o atual Código Civil, assim como o revogado, dedica uma seção ao contrato aleatório, ou seja, aquele que diz respeito a coisas ou fatos futuros” (TJ/SP, AgIn 6276594300, j. 28/07/2009). 86 REsp 356383/SP, Rel. Min. Nancy Adrighi, publicado no DJ em 06/05/2002. 87 O autor (1997, p. 316) entende que “a cessão pode ter como objeto, não só os créditos já existentes e de que o cedente seja titular à data do contrato, mas também os créditos ainda não existentes (rendas dum contrato de arrendamento ainda não celebrado, ou relativas a meses futuros, num contrato já realizado (...)); ou créditos já existentes, mas a que o cedente ainda não tem direito, embora espere vir adquiri-los. Numa palavra: a cessão pode ter por objeto créditos ‘presentes’ (já vencidos; a prazo, ainda por vencer; condicionais, etc.); e também créditos ‘futuros’. Desde que se admite a prestação de coisa futura, nenhuma razão subsiste para que não se permita, com a mesma limitação, a cessão de ‘créditos futuros’, contanto lhes não falte o necessário requisito da determinabilidade”. 88 “A doutrina não levanta dificuldades à transmissão de créditos futuros. Entende-se, correctamente, admitindo a lei de uma forma ampla a prestação de coisa futura (salvo nos casos em que a lei o proíba (…)), não há qualquer razão que impeça, verificados os restantes requisitos ligados ao objecto negocial, em particular a determinabilidade, a transferência de créditos futuros” (p. 459).

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Em vista dos argumentos acima, parece-nos pequeno o risco de que se considere que

créditos futuros não estejam compreendidos em eventual cessão.

(d) Insolvência do cedente:89 ausência de decisões e discussão sobre as consequências.

O §3º do art. 49 da Lei de Recuperação Judicial e Falências (Lei nº 11.101/2005)

(LRF)90 expressamente exclui de seus efeitos o “credor titular da posição de proprietário

fiduciário de bens móveis ou imóveis”.

O fundamento para a exclusão desses créditos dos efeitos da recuperação judicial é a

natureza e os efeitos do negócio fiduciário, particularmente quanto à transferência da

propriedade. Dessa forma, o bem objeto da alienação ou cessão fiduciária deixa o patrimônio

do devedor fiduciante antes do pedido de recuperação, o que justificaria a exclusão de tais

créditos do processo de insolvência (ASSUMPÇÃO; CHALHUB, 2009, p.136).

Na hipótese da celebração de um contrato de cessão geral dos recebíveis baseado

apenas nos dispositivos do Código Civil, portanto, a mesma lógica poderia ser aplicada, uma

vez que os créditos efetivamente deixarão o patrimônio do cedente e passarão a ser utilizados

para amortização do financiamento.

O fato de a LRF não mencionar expressamente tal hipótese,91 contudo, gera incertezas,

especialmente em razão da possibilidade de que, com base no princípio da preservação da

empresa, haja uma tendência a se desconsiderar arranjo contratual estabelecido pelas partes

como forma de viabilizar a recuperação judicial, inclusive com base nos argumentos levantados

no item 3.1.2 deste trabalho e no flexível princípio da preservação da empresa.92 Além disso, a

ausência de decisões sobre o assunto confirma esse estado de incerteza e, portanto, o risco.

89 Ressaltamos novamente que o presente trabalho considera a hipótese de que a SPE estrangeira, por fazer parte de grupo empresarial cujos controladores são domiciliados no Brasil, seja incluída em eventual processo de recuperação judicial ou falência regido pela lei brasileira. 90 A aplicabilidade deste dispositivo à cessão fiduciária é tratada no item 3.2.1 deste trabalho. 91 Não defendemos que deveria haver tal referência, já que, como os créditos já deixaram o patrimônio do cedente, seria redundante fazer referência a eles. No entanto, a omissão amplia as interpretações possíveis, especialmente levando-se em consideração todas as discussões sobre a cessão fiduciária. 92 Nesse sentido, em diversos casos, os juízes responsáveis pela condução de processos de recuperação contrariaram disposições expressas da LRF com o objetivo de permitir a recuperação da empresa em crise. Exemplos que se tornaram amplamente admitidos são a prorrogação do prazo de 180 dias para suspensão das ações

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Além das incertezas acerca da interpretação em caso de insolvência da SPE, o fato da

cessão compreender créditos futuros também pode conferir novas possibilidades de

interpretação sobre o momento da transmissão da titularidade e suas consequências na hipótese

de insolvência do cedente. Sobre o tema, duas teorias contrapõem-se: a teoria da transmissão,

que considera que o crédito se constitui no patrimônio do cedente antes de ser transmitido ao

cessionário, e a teoria da imediação, segundo a qual o crédito futuro é diretamente incorporado

ao patrimônio do cessionário.

Luís Manuel Teles de Menezes Leitão (2005, p. 433-434) define da seguinte forma

essas teorias, comentando ainda sobre os efeitos da cessão de créditos futuros em relação à

massa falida do cedente:

“Para os defensores da teoria da transmissão, uma vez que o crédito chega a pertencer durante um segundo ao património do insolvente, tal é suficiente para que seja objecto de aquisição pela massa insolvente, sem o negócio de cessão ineficaz em relação a esta nos termos gerais. Efectivamente, de acordo com a teoria da transmissão, o cedente tem necessariamente que ser titular do poder de disposição sobre o crédito no segundo em que se deve verificar a sua transmissão para o cessionário. Ora, se nesse momento o cedente já foi declarado insolvente, perdeu o poder de disposição sobre o crédito, sendo os actos de alienação considerados ineficazes em relação à massa. Assim, no momento em que surge o crédito este vem a ser apreendido pela massa, não merecendo qualquer tutela a posição do cessionário, dado que este, ao celebrar a cessão de créditos futuros, aceita o risco da insolvência do cedente no momento da constituição do crédito. (...) Pelo contrário, para os defensores da teoria da imediação, dado que o crédito se constitui diretamente no património do cessionário, a solução lógica seria a de que não poderia ser objecto de apreensão pela massa falida, sendo também inatacável o negócio de cessão, uma vez que foi celebrado definitivamente antes da declaração de insolvência”.

Parece-nos particularmente importante apontar, em primeiro lugar, a necessidade de

diferenciação dos cenários em que o cedente está em recuperação judicial e falência (como

considerado no trecho citado), uma vez que, neste, o empresário deixa de ter a capacidade de

e execuções (art. 6º, §4º da LRF) e a dispensa da apresentação certidões negativas para deferimento da recuperação judicial (art. 57 da LRF). Sobre a prorrogação do prazo de suspensão, após ampla discussão das decisões prolatadas sobre o tema ao longo dos 10 primeiros anos de vigência da LRF, Paulo Penalva Santos (2015, p. 272-273) conclui que “em casos excepcionais, a doutrina e a jurisprudência admitem a prorrogação desse prazo de suspensão, desde que a devedora não tenha dado causa ao descumprimento dos prazos estabelecidos na Lei 11.101. No confronto entre a norma que estabelece um prazo improrrogável de suspensão das ações e o princípio da preservação da empresa, aquele prazo pode ser prorrogado, desde que o retardamento do feito não tenha sido imputado ao devedor”. A tentativa de sujeitar créditos cedidos fiduciariamente à recuperação, apesar do disposto no art. 49, §3º da LRF e do entendimento do STJ, segue a mesma linha, cf. item 3.2.1 infra. Ainda assim, há diversos casos recentes em que Tribunais de Justiça, como os do Rio de Janeiro e Pará, ainda determinam a sujeição de créditos cedidos fiduciariamente aos efeitos da recuperação judicial com fundamento no princípio da preservação da empresa.

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dispor do patrimônio da sociedade. Neste caso, acreditamos que, caso se aplicasse a teoria da

transmissão, seria impossível ao cedente transmitir a titularidade do crédito ao cessionário, que

passaria a ser apenas credor da massa.

Já na recuperação judicial, a empresa em crise continua, em regra, com o controle de

seus ativos, em busca da negociação e aprovação do plano de recuperação em conjunto com

seus credores. A possibilidade de disposição do patrimônio durante a recuperação judicial é

limitada apenas por disposições da lei e pelo plano de recuperação aprovado pelos credores e

homologado pelo juízo. Nesta hipótese, portanto, caso se opte por aplicar a teoria da

transmissão, seriam defensáveis tanto argumentos defendendo a transmissão automática dos

créditos ao cessionário/credor quanto aqueles que entendem que, passando pelo patrimônio do

devedor, este poderia dispor deles por meio do plano de recuperação.

Entendemos que a intepretação mais razoável sobre a aplicação dessas teorias é a de

Antunes Varela (1997, p. 316-319), para quem se trata de uma questão de interpretação da

vontade dos contratantes. De acordo com este autor, sempre que a relação contratual duradoura

entre cedente e devedor cedido – ou seja, o contrato que dará origem aos créditos cedidos – já

estiver constituída no momento da cessão, o direito de crédito nascerá diretamente na esfera

jurídica do cessionário, “visto este ter adquirido desde logo, a partir da celebração da cessão, a

expectativa jurídica, que é o gérmen do futuro crédito”. Por outro lado, se os contratos dos quais

os créditos serão gerados ainda não existirem “os créditos em expectativa nascerão na

titularidade do cedente e só depois serão transferidos para o cessionário”.

Luís Miguel Pestana de Vasconcelos (2007, p. 475-480), concordando com a posição

de Antunes Varela, sintetiza o argumento de modo muito claro:

[O]s contratantes só poderão recorrer à transferência imediata quando o cedente seja já titular de uma posição jurídica que seja de imediato transmissível ao cessionário, e onde depois radicará o direito a nascer. Dito de outra forma: só se o alienante for já titular de uma expectativa jurídica à aquisição do crédito pode ele transmitir essa posição, a expectativa, de imediato ao adquirente, que adquirirá depois o direito, se e quando ele vier a nascer, directamente na sua esfera jurídica. Na realidade, nada há a obstar a que as parte pretendam que o direito transmitido nasça no patrimônio do adquirente, mas tão-só quando o alienante, desde logo, possa transmitir-lhe uma posição juridicamente tutelada, uma expectativa jurídica. Caso o cedente tenha uma mera expectativa de facto à aquisição desse crédito, a vontade das partes no sentido da transferência imediata poderá valer, quando muito, para, logo que o alienante adquira a expectativa jurídica correspondente a esse direito, esta se transmita imediatamente para o patrimônio do cessionário.

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Em vista desta posição, seria recomendável que o contrato mencionasse expressamente

a cessão de qualquer expectativa de direito aos créditos surgidos no contrato de afretamento,

esclarecendo que esses créditos serão automaticamente titularizados pelo cessionário. Ainda

que não impeça interpretações em sentido contrário pelo juiz, a disposição adiantaria possíveis

argumentos, particularmente em disputas relacionadas à sujeição da SPE a processos de

recuperação judicial e falência.

(e) Validade da eleição da lei brasileira.

Conforme descrito no capítulo 2 deste trabalho, a SPE do projeto, que afreta a

embarcação à parte encarregada da exploração dos campos de petróleo e gás é uma sociedade

constituída fora do Brasil, que, em geral, toma financiamento de instituições financeiras

estrangeiras. Portanto, o contrato de cessão dos recebíveis seria celebrado por duas partes

domiciliadas no exterior (SPE/cedente e security agent dos bancos/cessionário).

Como a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei

nº 4.657/1942) (LINDB) dispõe que, “para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do

país em que se constituírem”, sem previsão expressa sobre a liberdade das partes de escolherem

a lei aplicável, uma primeira conclusão possível é de que, para se evitar dúvidas acerca da

aplicabilidade da legislação brasileira, o instrumento contratual da cessão deveria ser assinado

em território brasileiro, de modo que nele nasçam as obrigações, garantindo a aplicação da lei

brasileira.

Não é essa, porém, a forma mais comum em que os contratos são assinados neste tipo

de operação. A assinatura dos contratos geralmente ocorre no país em que se localizam os

financiadores, os escritórios de advocacia contratados por eles para coordenar a operação ou,

ainda, no local em que estiverem os representantes de cada parte, mediante a troca eletrônica

de cópias dos contratos assinados.

Caso se tente tratar o contrato como realizado entre ausentes, para aplicação do §2º do

art. 9º (DOLINGER, p. 491), é importante destacar a dificuldade de se definir proposta e aceite

e, consequentemente, os papeis de proponente e aceitante nestes casos. Sobre essa questão,

Maristela Basso (2002, p. 108) afirma que

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No período negocial geralmente não há uma oferta e uma aceitação (...). O processo de tratativas é todo ele uma “troca de informações”, um amadurecimento da intenção contratual, que permite às partes realizar seus interesses progressivamente, até que atinjam um ponto de equilíbrio tal que ambas se sintam satisfeitas. É muito difícil, nessa troca de informações, saber quem de fato propôs e quem finalmente aceitou, até mesmo porque o contrato definitivo poderá atingir tal grau de complexidade e detalhamento que se mostre capaz de refletir propostas e aceitações feitas reciprocamente.

Deve-se, então, considerar se eventual cláusula de eleição de lei brasileira será válida

ainda que determine a aplicação de legislação diferente daquela que seria aplicável de acordo

com a LINDB.

Caso a eleição da lei brasileira fosse considerada inválida, passar-se-ia a um cenário

de grande incerteza para, inicialmente, definir a lei aplicável e, em um segundo momento,

verificar se o instrumento celebrado efetivamente atende os requisitos impostos por essa lei

estrangeira para aperfeiçoamento de cessão.

Luiz Olavo Baptista (2011, p. 49) aponta que, em regra, no Direito Internacional, a

manifestação expressa das partes pela aplicação de uma lei somente encontra obstáculo na

ordem pública, no controle efetuado pelo juiz do caráter internacional do contrato, na existência

de relações que não permitem a eleição de lei93 e a ocorrência de fraude.94 No mesmo sentido,

Nadia de Araújo (2002, p. 198) observa que “a faculdade das partes de escolher a lei aplicável

ao contrato internacional encontrou acolhida nas principais convenções internacionais e

legislações internas de países dos cinco continentes, especialmente na Europa”.

No Brasil, porém, o legislador não adotou posição clara favorável ou contrária ao

direito de as partes escolherem livremente a lei aplicável a seus contratos e a doutrina tampouco

apresenta uniformidade sobre a interpretação do assunto.

93 O autor esclarece esta restrição citando como exemplo que a lei suíça proíbe expressamente o direito de escolher a lei aplicável em questões que envolvam direito dos consumidores. 94 Neste caso, entende-se como fraude a criação pelas partes de elementos de conexão que levam à aplicação de uma lei que não teria relação direta com o contrato. De acordo com Luiz Olavo Baptista (2011, p. 105), “uma situação é criada, artificialmente, para, através de um falso conflito, ocorrer a aplicação de uma lei menos competente, e, finalmente, o interessado postular ou procurar exercer os direitos daí decorrentes”.

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Nadia de Araújo (2002),95 Luiz Olavo Baptista (2011)96 e José Inácio Gonzaga

Franceschini (2002) entendem que o direito brasileiro não acolhe a teoria da autonomia da

vontade como elemento de conexão aplicável a contratos, concluindo o último autor que as

partes de um contrato podem “tão-somente, exercer sua liberdade de contratual no âmbito das

regras supletivas da lei aplicável imperativamente, determinada pela lex loci contractus”.

Com relação à posição da doutrina, Luiz Olavo Baptista afirma que “a opinião de parte

da doutrina no Brasil é de que (...) a regra é a da autonomia da vontade, à qual se podem opor,

afastando-a, as leis imperativas do foro e a ordem pública internacional. Entretanto, (...) não é

essa corrente doutrinária predominante, mas sim a aplicação indireta do ‘princípio da

autonomia’ pela escolha do local da contratação”.

João Grandino Rodas (2002, p. 49), antes de analisar as diferentes interpretações sobre

o art. 9º da LINDB, também observa que a questão não é pacífica no Brasil, afirmando que “os

mais importantes autores brasileiros de Direito Internacional Privado nem sempre seguem os

mesmos caminhos, na exegese da legislação acerca da substância dos contratos”.

Nádia de Araújo (2002, 2004, 2008) ao comentar a jurisprudência existente cita alguns

casos em se discute a aplicação de lei estrangeira, sem, porém, analisar diretamente a validade

ou não da eleição de lei, limitando-se a aplicar o art. 9º da Lei de Introdução às Normas do

Direito Brasileiro a obrigações diversas.97

Tal cenário de incerteza certamente prejudica a estruturação de operações

internacionais. Sobre o assunto, Rodas (2011, p. 63) ressalta que “o contratante estrangeiro, ao

sopesar o ‘custo Brasil’, leva em conta, também, a certeza jurídica propiciada ou não pelas

regras jurídicas internas relativas à contratação internacional. Sendo tais regras obsoletas ou

95 A autora afirma que “[n]o Brasil, a regra de conexão utilizada para os contratos internacionais é a lex loci

contractus, na forma estabelecida pelo artigo 9º da Lei de Introdução ao Código Civil, de cuja exegese não se extrai a permissão à teoria da autonomia da vontade, antes consagrada na Introdução ao Código Civil de 1917”. 96 Sua posição é exposta da seguinte forma: “no Brasil, é possível escolher a lei aplicável de duas formas: firmando o contrato no local cuja lei se deseja ver prevalecer, ou escolhendo-a, de modo expresso quando o contrato ocorra em situação sob a regência das convenções da CIDIP V, do Mercosul, ou quando há cláusula arbitral”. 97 Sobre o assunto, a autora conclui (2004, p. 129) que “a jurisprudência pátria tem aplicado aos litígios envolvendo contratos internacionais, nos poucos casos que pudemos colher, a clássica regra de conexão do artigo 9º. Por isso, a questão sobre a permissão da autonomia da vontade através da interpretação do artigo 9º, em conjunção com o antigo art. 13, ou a tese de Valladão, já esposada neste capítulo, não tem sido levada em consideração pelos tribunais brasileiros”.

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não possibilitando a necessária certeza, a curva estatística representativa dos contratos

internacionais, dentre os quais figuram os de exportação, tenderá a declinar”.

Do ponto de vista prático e tendo em vista a divergência doutrinária e da falta de

posicionamento claro da jurisprudência sobre a eficácia da eleição de lei, entendemos que a

alternativa mais conservadora para mitigar tal risco e garantir a aplicação da legislação

brasileira98 seria assegurar que o contrato seja assinado em território brasileiro,99 de modo que

a lei brasileira fosse aplicável nos termos da regra do art. 9º da LINDB, além de indicar

expressamente sua aplicação no contrato. Dessa forma, a vontade das partes, expressa na

cláusula de eleição de lei apontaria na mesma direção que as regras de conflito de leis do direito

brasileiro.

Por fim, uma questão favorável à aceitação da eleição da lei brasileira é a tendência

dos juízes de aplicarem a lei do foro aos contratos internacionais, conforme apontado por Nádia

de Araújo (2002, p. 200) e José Inácio Gonzaga Franceschini (2002, p. 67).100 Como eventual

disputa ocorreria em tribunais brasileiros, tanto para cobrança do débito em face do devedor,

quanto em caso de insolvência da cedente, a dificuldade de se definir uma legislação estrangeira

aplicável e fazer prova de seu conteúdo101 certamente seria um importante incentivo para a

aceitação da legislação brasileira como aplicável.

98 Armando Alvares Garcia Junior (2000, p. 90) propõe outra alternativa: “[a]lém da lei aplicável e do foro competente (…), é necessário distinguir, com absoluta clareza, quem é o proponente e quem é o aceitante, pois será a lei do lugar onde residir o solicitante (proponente, formulador da proposta) que será compulsoriamente levado em consideração pelo Poder Judiciário brasileiro. Nenhum juiz, membro do Ministério Público ou quaisquer advogados podem infirmar esta verdade jurídica, importantíssima, mas quase sempre olvidada”. Primeiramente, parece-nos que esta estratégia se adequa melhor a contratos de compra e venda ou que sejam negociados de modo independente. Como em operações de project finance a cessão faz parte de uma rede de contratos coligados sujeitos a extensas fases de negociação, acreditamos que faria pouco sentido indicar um proponente para o negócio. 99 Uma alternativa para viabilizar a assinatura no mesmo local seria que as partes outorgassem procurações representantes domiciliados nos Brasil especificamente para assinatura do contrato. Para comprovar o local de assinatura, além da indicação do local de assinatura no próprio instrumento, os signatários podem ter suas firmas reconhecidas por autenticidade, garantindo uma declaração de notário público (portanto, com fé pública) de que as assinaturas ocorreram em sua presença. 100 Cumpre esclarecer que tal posição não é defendida pelos autores, que, na verdade, constatam o que entendem ser um fato. Franceschini ainda aponta que tal fato é comum entre juízes alemães e ingleses, atribuindo também como possíveis causas “a complexidade e dificuldades práticas que se antepõem à aplicação do Direito Privado estrangeiro” e a relativa “pouca tradição dos tribunais e juízes brasileiros no trato de questões de Direito Internacional Privado em sede de contratos internacionais”, concluindo, porém que os dois temas (foro e lei aplicável) “são absolutamente distintos um do outro”. 101 Sobre o assunto, v. item 3.4.2(a) abaixo.

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3.1.3 Conclusão parcial.

A cessão de créditos realizada de acordo com o Código Civil parece-nos uma

alternativa viável para formalizar a cessão de créditos em uma operação de project finance,

porém, com elevado risco na hipótese de recuperação judicial ou falência da SPE no Brasil.

Entendemos que haveria grandes riscos de que a cessão dos créditos fosse

simplesmente desconsiderada por não estar prevista no rol de contratos do art. 49, §3º da LRF,

para que os créditos passassem a ser recebidos para pagamento das dívidas da empresa em

recuperação ou da massa falida, conforme o caso.

Aliás, a inclusão da SPE em eventual processo de recuperação não teria outra razão

além da tentativa de se apropriar dos recebíveis do projeto para saneamento financeiro de outras

empresas do grupo. Certa tendência a privilegiar a empresa em crise na recuperação judicial

com base no princípio da preservação da empresa também sugere que, ao menos, uma intensa

batalha jurídica precisaria ser travada entre patrocinadores e financiadores.

Por outro lado, quando os patrocinadores forem grupos estrangeiros, com sede e

principais operações fora do Brasil, o risco de sujeição da SPE a processos de recuperação ou

falência no Brasil seriam drasticamente reduzidos, tornando esta alternativa mais atrativa.

Além disso, o risco de que o contrato seja requalificado por um juiz não nos parece

desprezível, considerando exemplo das decisões do TJ-RJ que requalificaram contratos de

cessão fiduciária de recebíveis como penhores de créditos,102 a fim de submeter os créditos aos

efeitos de processos de recuperação judicial.

Com relação aos riscos relacionados ao registro do contrato em RTD e definição da lei

aplicável, parece-nos que há pouco que as partes possam fazer, uma vez que decorrem da

própria estrutura do contrato e existiriam, de modo semelhante, em todas as demais alternativas

analisadas.

102 Ementa do Agravo de Instrumento 0042458-08.2015.8.19.0000: “A propriedade fiduciária de bem móvel referida no aludido preceito [art. 49, §3º, da LRF] não equivale à cessão fiduciária de recebíveis, objeto de garantia prestada pelo devedor em contrato. 3-Situação que, em verdade, configura penhor de crédito à sujeito à recuperação judicial - haja vista que a titularidade dos direitos creditórios não sai da esfera patrimonial do devedor” (TJ-RJ, Rel. Des. Milton Fernandes de Souza, 5ª Câmara Cível, j. 13/10/2015).

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Por fim, a utilização desse arranjo parece-nos particularmente adequada quando o

credor, cessionário dos créditos, não atuar no mercado financeiro ou, ainda, de modo subsidiário

à cessão fiduciária, caso, por qualquer razão, os requisitos de existência e validade desta não

tenham sido cumpridos.

3.2. Cessão Fiduciária de Direitos Creditórios.

3.2.1 Justificativas para adoção do modelo.

(a) Não sujeição à recuperação judicial: precedentes do STJ.

O parágrafo 3º do artigo 49 da Lei de Recuperação Judicial e Falência, expressamente

exclui dos efeitos da recuperação judicial o “credor titular da posição de proprietário fiduciário

de bens móveis ou imóveis”.103 Apesar da aparente clareza da redação legal, empresas em

recuperação passaram a buscar judicialmente a submissão de créditos objeto de cessão

fiduciária aos processos de recuperação, sob argumento de que a exclusão desses créditos

praticamente inviabilizaria a recuperação.

103 Art. 49, § 3o, da LRF: Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4o do art. 6o desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial.

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Diversos tribunais de justiça aceitaram tais pedidos,104 105 embasando suas decisões

em argumentos diversos como (a) prevalência do princípio da preservação da empresa (art. 47

da LRF106), (b) tratamento diferenciado de cessão fiduciária – sujeita à recuperação – e da

alienação fiduciária – não sujeita à recuperação107 e (c) aplicação do art. 49, §3º, somente a bens

móveis materiais, excluindo-se os direitos de crédito por se tratarem de bens imateriais.

Apesar dos posicionamentos divergentes dos Tribunais de Justiça, o Superior Tribunal

de Justiça108 possui posicionamento pacificado no sentido de que créditos cedidos

104 O Tribunal de Justiça do Pará repetidamente decidiu nesse sentido: Agravo de Instrumento n. 2014.04658353-83, 1ª Câmara Cível Isolada, Rel. Des. Marneide Trindade Merabet, j. 21/11/2014, DJe 04/12/2014; Agravo de Instrumento n. 2013.04108910-43, 1ª Câmara Cível Isolada, Rel. Des. Marneide Trindade Merabet, j. 18/03/2013, DJe 04/04/2013; e Agravo de Instrumento n. 2013.04104937-31, 1ª Câmara Cível Isolada, Rel. Des. Presidente, j. 11/03/2013, DJe 25/03/2013. Vale citar trecho que demonstra a rasa argumentação desenvolvida em alguns casos: “Se por um lado ela [regra do art. 49. §3º, da LRF] fora criada para satisfazer a obrigação de credores de qualidades diferentes, concedendo a possibilidade de continuarem a demandar suas ações ou demandarem novas ações judiciais buscando a satisfação de seus importes financeiros devidos pela sociedade paralelamente ao procedimento de recuperação judicial ao qual a sociedade se sucumbe; por outro, as consequências econômico-financeiras podem ser desastrosas, posto que o processo de recuperação judicial baseia-se na reestruturação das dívidas e estando tais classes de credores responsáveis pelo financiamento de crédito à empresa fora do alcance do plano de recuperação, ter-se-ia por completamente ineficaz o plano de recuperação ante as inexatidões criadas pelas ações paralelas. (…) Analisando os autos, verifico que se trata de hipótese que abarca prejuízo para ambas as partes. Entretanto, averiguo que incorre em lesão mais grave a parte agravada, haja vista a constrição de crédito que a mesma vem sofrendo após o pedido de recuperação judicial”. 105 O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro tem adotado posição curiosa: apesar de reconhecer a não sujeição dos créditos cedidos fiduciariamente à recuperação judicial, determina a liberação de 70% de tais créditos para as empresas em recuperação em razão do princípio da preservação da empresa. Considerando apenas decisões proferidas em 2015 e 2016 (até 14/02/2016), localizamos tal abordagem em 3 dos 14 resultados (Agravo de Instrumento 0057605-74.2015.8.19.0000, Rel. Des. Claudio de Mello Tavares 11ª Câmara Cível, j. 03/02/2016; Agravo de Instrumento 0055054-24.2015.8.19.0000 , Rel. Des. Claudio de Mello Tavares 11ª Câmara Cível, j. 16/12/2015; e Agravo de Instrumento 0025957-76.2015.8.19.0000, Rel. Des. Carlos Azeredo de Araújo, 9ª Câmara Cível, j. 09/06/2015) para a busca realizada com os termos “cessão, fiduciária e recuperação”. Em outro resultado o Tribunal requalificou a cessão fiduciária como penhor: “A propriedade fiduciária de bem móvel referida no aludido preceito [art. 49, §3º, da LRF] não equivale à cessão fiduciária de recebíveis, objeto de garantia prestada pelo devedor em contrato. 3-Situação que, em verdade, configura penhor de crédito à sujeito à recuperação judicial - haja vista que a titularidade dos direitos creditórios não sai da esfera patrimonial do devedor” (Agravo de Instrumento 0042458-08.2015.8.19.0000, Rel. Des. Milton Fernandes de Souza, 5ª Câmara Cível, j. 13/10/2015). 106 Art. 47, da LRF: A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica. 107 Nesse sentido, o TJ-PA (Agravo de Instrumento n. 2014.04658353-83, 1ª Câmara Cível Isolada, Rel. Des. Marneide Trindade Merabet, j. 21/11/2014) interpretou a o §3º do art. 49 da LRF da seguinte forma, mesmo após posicionamento do STJ sobre o tema: “Não merece prosperar o entendimento apresentado pelo agravante no sentido de que os créditos garantidos não estariam sujeitos aos efeitos da recuperação judicial, tendo em vista que o art. 67, § 3º determina que não se submeterão aos efeitos da recuperação Judicial os o proprietário fiduciário de bens móveis e imóveis, não fazendo qualquer menção à cessão fiduciária de títulos de crédito, onde se enquadra o agravante. Desta forma, por ausência de previsão legal, entendo que os créditos do agravante estão perfeitamente sujeitos aos efeitos da Recuperação Judicial”. 108 Em busca realizada em 3 de janeiro de 2016, o sistema de buscas do site do Superior Tribunal de Justiça apontou 21 resultados para busca conjunta das expressões “cessão” e “fiduciária”. Entretanto, as 6 primeiras decisões que aparecem na pesquisa, proferidas entre 1996 e 2010, mencionam a cessão fiduciária apenas de modo incidental. Um resumo de todas as decisões encontradas encontra-se no Apêndice B.

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fiduciariamente não estão sujeitos a processos de recuperação judicial, em razão do disposto no

art. 49, §3º, da LRF.

O primeiro caso que tinha como objeto a sujeição de créditos cedidos fiduciariamente

ao processo de recuperação judicial foi o Agravo Regimental na Medida Cautelar nº 17722, de

2011. No entanto, o voto do relator não chegou a discutir a questão, mencionando, porém, que

se tratava de questão ainda inédita no tribunal.

Assim, somente em 2013, no julgamento do Recurso Especial 1.263.500, a quarta

turma do STJ efetivamente discutiu o tema, estabelecendo paradigma para as decisões

seguintes, que invariavelmente citaram este acórdão como fundamento para determinar a não

sujeição de créditos cedidos fiduciariamente ao processo de recuperação judicial.

O Recurso Especial teve como origem acórdão proferido pelo TJ-ES, que considerou

que (i) a cessão fiduciária de títulos de crédito não está contida na referência a proprietário

fiduciário do art. 49, §3º, da Lei de Recuperação Judicial; e (ii) o referido dispositivo aplica-se

somente a bens móveis materiais, em razão da referência à “impossibilidade de venda ou

retirada dos bens do estabelecimento da empresa” durante o período de 180 dias de suspensão

que se segue ao deferimento do processamento da recuperação, referência que não seria

aplicável a bens imateriais, como créditos.

A Ministra Maria Isabel Gallotti, relatora do recurso, refutou os argumentos da

empresa em recuperação e do acórdão recorrido, sob os seguintes fundamentos:

(a) O artigo 83 do Código Civil considera como móveis, para os efeitos legais, “os direitos

pessoais de caráter patrimonial e respectivas ações”, de modo que “não seria razoável

sustentar que títulos de crédito não configurem direitos pessoais de caráter patrimonial

e, portanto, bens móveis”;

(b) A Lei de Recuperação Judicial menciona o gênero “bem móvel”, sem distinção entre

suas classificações;

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(c) A cessão fiduciária não tem as mesmas características de um penhor, razão pela qual

deve se afastar o regime do §5º109 do art. 49 da LRF;

(d) A utilização da cessão fiduciária como garantia foi considerada pelo devedor no

momento da contratação do financiamento e, se fosse outra a garantia, as bases

econômicas do negócio teriam sido diferentes e a alteração dessas bases pelo juiz

configuraria ofensa à boa-fé objetiva; e

(e) Se a cessão fiduciária, por um lado, privilegia fortemente bancos em relação a outros

credores e dificulta a recuperação de empresas em crise, por outro, induz à redução do

spread bancário, beneficiando a atividade empresarial e o sistema financeiro nacional

como um todo, ao reduzir o risco de inadimplência pelo devedor/cedente.

O Ministro Luis Felipe Salomão, divergiu parcialmente da relatora ao considerar que

se aplica aos créditos cedidos fiduciariamente a determinação do art. 49, §3º, segundo a qual

não se permite “a venda ou a retirada de bens de capital essenciais” à atividade da empresa em

recuperação durante o período de 180 dias suspensão de ações contra a recuperanda após o

deferimento do processamento da recuperação judicial.110 Dessa forma, o Ministro sugeriu que

os créditos cedidos fossem depositados em uma conta vinculada ao juízo, ficando a liberação

dos recursos ao credor/cessionário sujeita à decisão do juiz sobre sua essencialidade à atividade

do devedor.

A Relatora manteve seu voto, sendo acompanhada pelo Ministro Marco Buzzi, que

argumentou brevemente sobre as consequências da decisão, afirmando que mudanças nas

regras aplicáveis à cessão fiduciária levariam a modificações “primeiro, nas taxas de juros

109 Art. 49. § 5o – Tratando-se de crédito garantido por penhor sobre títulos de crédito, direitos creditórios, aplicações financeiras ou valores mobiliários, poderão ser substituídas ou renovadas as garantias liquidadas ou vencidas durante a recuperação judicial e, enquanto não renovadas ou substituídas, o valor eventualmente recebido em pagamento das garantias permanecerá em conta vinculada durante o período de suspensão de que trata o § 4o do art. 6o desta Lei. 110 Art. 6o A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário. § 4o Na recuperação judicial, a suspensão de que trata o caput deste artigo em hipótese nenhuma excederá o prazo improrrogável de 180 (cento e oitenta) dias contado do deferimento do processamento da recuperação, restabelecendo-se, após o decurso do prazo, o direito dos credores de iniciar ou continuar suas ações e execuções, independentemente de pronunciamento judicial.

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praticadas e, segundo, na disposição, no ânimo do banqueiro de dispor dessa parte do capital

para o consumidor, para todas essas empresas que se valem, e muito, desses expedientes de

crédito”. Por fim, o Ministro deixou uma porta aberta para futura mudança de posição (que, até

o momento, não ocorreu) ao dizer que não se compromete com tal tese “nos casos em que

evidenciada a inviabilidade de recuperação judicial da empresa”.

No mês seguinte ao julgamento realizado pela quarta turma,111 a terceira turma do STJ

decidiu caso semelhante (REsp 1.202.918), com igual resultado. O relator, Ministro Ricardo

Villas Bôas Cueva, analisou se a cessão fiduciária deveria ser enquadrada no conceito de

propriedade fiduciária mencionado no art. 49, §3º da LRF. Após analisar a evolução legislativa

e a posição de diversos doutrinadores, concluiu de modo afirmativo (ou seja, que a cessão

fiduciária de créditos não se sujeita à recuperação judicial por se tratar de modalidade de

propriedade fiduciária), não sem antes também se utilizar de argumento consequencialista, ao

considerar que seria intenção da lei criar um mecanismo jurídico que permitisse a obtenção de

empréstimos a juros mais baixos, estimulando o surgimento de um ambiente propício ao

desenvolvimento econômico, especialmente nas hipóteses em que a insuficiência de patrimônio

do tomador inviabilizava a concessão de outra forma de garantia.

A Ministra Nancy Andrighi, porém, divergiu integralmente dessa posição,

argumentando em seu voto que a Lei nº 10.931/2004 criou duas modalidades distintas de

negócio fiduciário: (a) a alienação fiduciária de coisa, móvel ou imóvel, e (b) a cessão fiduciária

de direitos sobre coisas móveis incorpóreas ou títulos de crédito. A LRF, ao mencionar o

“proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis” teria optado por excluir dos efeitos da

recuperação apenas os credores beneficiados pela alienação fiduciária. Reforçou seu argumento

afirmando que a LRF, por ser posterior à Lei nº 10.931/2004, poderia ter mencionado

expressamente a cessão fiduciária em seu art. 49, §3º, se realmente fosse essa a intenção do

legislador.

Finalmente, para contradizer o argumento consequencialista utilizado pelos demais

Ministros, a Min. Andrighi afirmou que (i) outras modalidades de crédito estão sujeitas à

111 O Superior Tribunal de Justiça é formado por 3 seções, cada uma dividida por 2 turmas constituídas por 5 Ministros. As três seções do Tribunal são divididas por assunto, sendo competentes, respectivamente, por assuntos de Direito Público, Direito Privado e Direito Penal. Dessa forma, a Terceira e Quarta turmas, julgadoras dos casos em discussão são responsáveis por todas as questões de Direito Privado.

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recuperação judicial e, nem por isso, tiveram sua oferta reduzida e (ii) a questão da redução dos

juros praticados deveria ser resolvida “pela prática de uma política de governo tendente à

redução desse encargo, como a verificada atualmente”.112

O Ministro Paulo de Tarso Sanseverino alinhou-se ao relator ao considerar que os

créditos garantidos por cessão fiduciária não se submetem à recuperação judicial. Em suma,

asseverou que “os contratos de alienação fiduciária e cessão fiduciária representam o mesmo

negócio jurídico, não havendo justificativa para o tratamento diferenciado dos credores

garantidos por cada uma das operações”.

Dessa forma, as duas turmas do STJ decidiram que os créditos garantidos por cessão

fiduciária não se submetem aos efeitos da recuperação judicial, conforme exceção prevista pelo

art. 49, §3º, da LRF. Tal entendimento foi mantido nos 9 processos posteriormente submetidos

a julgamento de alguma das turmas113 ou da Segunda Seção do STJ, que invariavelmente

citavam as duas decisões iniciais sobre o tema, afirmando também se tratar do entendimento

pacífico do Tribunal. Um resumo dessas decisões pode ser verificado no Apêndice B.

Em vista do posicionamento do STJ, podemos considerar que a principal vantagem da

cessão fiduciária é a segurança de que os créditos não serão desviados do pagamento do

financiamento em caso de recuperação judicial no Brasil das empresas dos patrocinadores do

projeto.

Deve-se fazer duas ressalvas a respeito desta vantagem. A primeira é de que este ponto

positivo tem maior relevância quando os patrocinadores forem grupos empresariais de origem

brasileira, pois haveria maior risco da uma recuperação judicial no Brasil incluir a SPE

estrangeira. A segunda é de que, apesar do posicionamento do STJ, alguns Tribunais de Justiça

ainda mantêm entendimento de que a cessão fiduciária deve se submeter aos processos de

recuperação judicial.114 Nesses casos, o credor precisará discutir judicialmente em primeiro e

segundo grau nos tribunais estaduais para, então, conseguir a confirmação de que tem direito

112 Entre agosto de 2011 e outubro de 2012, o Banco Central reduziu a seguidamente a taxa Selic, que passou de 12,5% a.a. para 7,25% a.a., taxa que ainda era mantida na data do julgamento, em 7 de março de 2013 (http://www.bcb.gov.br/?COPOMJUROS). A realidade econômica, porém, demonstrou o insucesso da política de redução de juros do governo federal, que voltaram a subir apenas dois meses após o julgamento, em maio de 2013, até alcançarem o patamar de 14,25% em julho de 2015. 113 Para fins da presente análise, não consideramos as decisões monocráticas proferidas sobre o assunto. 114 V. notas 98, 99 e 101 supra.

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de continuar a receber diretamente as receitas do projeto. De qualquer forma, o tempo e recursos

necessários para tal disputa são elementos que devem ser considerados.

Por fim, caso recursos alienados fiduciariamente sejam arrecadados pela massa falida

da SPE no Brasil, o credor cessionário teria o direito de pedir a restituição dos bens objeto da

cessão, sem necessidade de habilitar seu crédito e aguardar o rateio junto aos credores da massa

(AMENDOLARA, 2006, p. 187).

(b) Menor risco de requalificação: tipificação legal.

Em comparação com os riscos descritos com relação à cessão realizada de acordo com

as regras do Código Civil, a cessão fiduciária de créditos possui ampla utilização no mercado

financeiro brasileiro e sua aplicação, em regra, não traria maiores riscos quanto à sua

qualificação.

3.2.2 Possíveis riscos jurídicos da estrutura.

(a) Possibilidade de celebração em benefício de instituições financeiras estrangeiras.

O principal risco da celebração da cessão fiduciária em favor de credores estrangeiros

decorre da restrição imposta pelo artigo 66-B da lei 4.729/1965, que limita a aplicação do

arranjo contratual apenas “no âmbito do mercado financeiro e de capitais”.

A redação da lei, a nosso ver, gera ambiguidade ao não especificar se, ao mencionar

os mercados financeiro e de capitais, refere-se a tais mercados, tal qual definidos e regulados

pelas autoridades brasileiras, no caso, Banco Central do Brasil e Comissão de Valores

Mobiliários (CVM), respectivamente.

Com relação ao sistema financeiro, seu desenho institucional básico se encontra na Lei

nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964, cujo artigo 1º dispõe que o Sistema Financeiro Nacional

é composto por (i) Conselho Monetário Nacional, (ii) Banco Central do Brasil, (iii) Banco do

Brasil S. A., (iv) Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e (v) das demais instituições

financeiras públicas e privadas.

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A Lei nº 4.595 também define, em seu artigo 17, como instituições financeiras “as

pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenham como atividade principal ou acessória a

coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda

nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros”.

O funcionamento de tais instituições depende, no caso das instituições financeiras

nacionais, de prévia autorização do Banco Central, e se forem estrangeiras, de decreto do Poder

Executivo.

A vagueza da redação do artigo 66-B da Lei 4.728 permitiria a interpretação de que

somente contratos celebrados no âmbito do mercado financeiro, tal como definido pela lei

4.595/1965, seriam válidos. Dessa forma, cessões fiduciárias celebradas em favor de

instituições financeiras que não estejam formalmente autorizadas a funcionar no país não

atenderiam ao artigo 66-B por não serem celebradas no “âmbito do mercado financeiro”.

Tal interpretação, porém, não nos parece razoável, pelas seguintes razões:

(i) se a intenção do legislador fosse restringir o contrato apenas aos casos em que

fosse celebrado em benefício de instituição autorizada a operar no Brasil, poderia

ter dito expressamente a contratos celebrados no âmbito dos mercados financeiro

e de capitais nacionais;

(ii) as instituições financeiras estrangeiras que costumam figurar como beneficiárias

das garantias nos projetos de financiamento de plataformas atendem à definição

de instituição financeira contida na lei brasileira e efetivamente atuam no

mercado financeiro (como exigido na lei), mas em âmbito mundial e não local;

(iii) se o objetivo da alteração legal que passou a permitir a cessão fiduciária de

direitos creditórios era incentivar a expansão e ampliação de crédito,115 seria

contraproducente que o Judiciário adotasse interpretação restritiva que

115 Nesse sentido, é essencial ressaltar que a reforma das regras aplicáveis à cessão fiduciária, empreendida pela Lei nº 10.931/2004, era parte das “medidas de reforma dos sistemas de insolvência e de cobrança de dívidas propostas pelo Banco Central do Brasil nos relatórios anuis do Projeto Juros e Spread Bancário (PJSB) publicados de 1999 a 2006” (FABIANI, 2011, p. 57). Nesse contexto, o autor analisa as seguintes medidas que também fizeram parte dessas reformas: criação da cédula de crédito bancário, reconhecimento do acordo para compensação de pagamentos no sistema de pagamentos brasileiro e em mercado de balcão, previsão legal do crédito consignado em folha de pagamento, reforma da lei de falências e medidas de racionalização de processos judiciais.

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desincentivasse a concessão de crédito internacional a projetos no Brasil,

especialmente em um mercado (petróleo e gás) para qual o Estado brasileiro

criou diversos incentivos para atrair pesados investimentos estrangeiros.

A detalhada análise realizada por Moreira Alves (1973, p. 90-103) sobre o tema

também apresenta argumentos relevantes. Inicialmente, o autor aponta decisões do TJ-SP, de

1969, no sentido de que somente instituições financeiras devidamente registradas no Banco

Central do Brasil seriam legitimadas para celebrar a cessão fiduciária como adquirentes e do

TAC de SP, em sentido contrário, entendendo que “a lei, dispondo sobre o mercado de capitais,

em nenhum de seus dispositivos estabeleceu o privilégio das sociedades de financiamento de

serem as únicas titulares do direito da alienação fiduciária em garantia”.

Ao considerar a redação então vigente do art. 66 da Lei 4.728/65, o autor apontava (p.

96-100) como argumentos no sentido de que a lei não restringia sua aplicação a instituições

financeiras:

(i) apesar da modalidade de garantia haver sido criada imediatamente como meio

de favorecer o desenvolvimento do mercado de capitais, seu escopo não se limita

a esse fim, afirmando que: “[o] simples fato de sua criação se ter dado em lei que

visa à disciplina de mercado de capitais não é, obviamente, argumento de peso

para a restrição dos termos genéricos que essa mesma lei utiliza, ao regular o

instituto que criou”;

(ii) Não há impedimento que uma lei especial crie institutos de direito comum,

citando exemplos de leis tributárias que tratam de alterações a regras de direito

privado;

(iii) Interpretação gramatical do texto do art. 66 permite concluir pela sua utilização

mais ampla, devido à “utilização sistemática e rigorosamente constante de

termos genéricos, o que não seria de se esperar se o instituto tivesse sido criado

tão-somente para ser utilizado no mercado de capitais” (p. 98);

(iv) A lei menciona que o contrato deve mencionar a taxa de juros, “se houver”, o

que indica a possibilidade utilização da garantia em contratos de empréstimo

gratuitos, o que não seria compatível com operações realizadas apenas no

mercado de capitais.

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Moreira Alves (1973, p. 102), em seguida, reconhece as alterações promovidas pelo

Decreto-lei 911/1969 e concorda que, por causa delas, o instituto “somente poderá ser utilizado

pelas instituições financeiras em sentido amplo”. Cumpre ressaltar que toda discussão relatada

e análise realizada pelo autor tratava da possibilidade de celebração do contrato por sociedades

financeiras ou amplamente, por qualquer agente. Em nenhum momento se considerou a

possibilidade de celebração em favor de instituição financeira estrangeira.

Dessa forma, acreditamos haver bons argumentos para sustentar a possibilidade de

celebração da cessão fiduciária em favor de instituição financeira estrangeira. No entanto, é

necessário considerar que, ao tomarem a decisão sobre qual estrutura contratual será adotada,

as partes devem levar e conta a ausência de precedentes jurisprudenciais que concedam alguma

previsibilidade ou ao menos indício sobre o posicionamento do Poder Judiciário. O histórico de

questionamentos a contratos e estruturas que não beneficiem a empresa em recuperação no

momento da crise e a tendência à valorização do princípio da preservação da empresa fazem

com que não seja prudente menosprezar o risco de interpretações que restrinjam a utilização da

cessão fiduciária de créditos em favor de instituições financeiras estrangeiras.

(b) Efeitos resultantes do registro no Registro de Títulos e Documentos e definição do cartório competente.

A Lei nº 4.728/1965 nada dispõe sobre o registro do contrato de cessão fiduciária em

RTD. Em vista do silêncio da lei, restam duas normas sobre as quais se dividem a doutrina.

A primeira é a Lei de Registros Públicos, cujo artigo 129, §5º,116 exige o registro de

contrato de alienação fiduciária para que seja oponível a terceiros. Por outro lado, o artigo 1.361

do Código Civil117 determina que a propriedade fiduciária é constituída mediante o registro do

contrato no Registro de Títulos e Documentos do domicílio do devedor.

116 Art. 128 da Lei 6.015/1973: À margem dos respectivos registros, serão averbadas quaisquer ocorrências que os alterem, quer em relação às obrigações, quer em atinência às pessoas que nos atos figurarem, inclusive quanto à prorrogação dos prazos. (...) 5º) os contratos de compra e venda em prestações, com reserva de domínio ou não, qualquer que seja a forma de que se revistam, os de alienação ou de promessas de venda referentes a bens móveis e os de alienação fiduciária 117 Art. 1.361, §1º, do Código Civil: Constitui-se a propriedade fiduciária com o registro do contrato, celebrado por instrumento público ou particular, que lhe serve de título, no Registro de Títulos e Documentos do domicílio do devedor, ou, em se tratando de veículos, na repartição competente para o licenciamento, fazendo-se a anotação no certificado de registro.

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Duas diferenças fundamentais resultam da comparação das disposições da Lei de

Registros Públicos e do Código: (a) enquanto para a Lei de Registros Públicos o registro é

condição para eficácia apenas perante terceiros, para o Código Civil, o registro é condição para

sua própria existência; e (b) o Código Civil prevê que, para se constituir a garantia, o registro

deve ser realizado no RTD com competência sobre o domicílio do devedor e a Lei de Registros

Públicos determina o registro nos RTDs dos domicílios de todas as partes.

Com relação aos efeitos decorrentes do registro, o Tribunal de Justiça de São Paulo

tem entendido repetidamente que a cessão fiduciária prevista na Lei 4.728 precisa ser

constituída por meio do registro do instrumento em Registro de Títulos e Documentos, tendo,

inclusive, emitido súmula nº 60 dispondo no seguinte sentido: “a propriedade fiduciária

constitui-se com o registro do instrumento no registro de títulos e documentos do domicílio do

devedor”. Encontramos decisões no mesmo sentido nos Tribunais de Justiça do Rio de

Janeiro118 e Pará.119 Cumpre ressaltar, novamente, que não identificamos caso que tratasse de

contratos celebrados entre partes não domiciliadas no Brasil.

A doutrina não apresenta entendimento consolidado sobre o tema. De um lado, Jean

Carlos Fernandes (2010, p. 200-202) e Melhim Namem Chalhub (2009, p. 156) entendem que

o art. 1.361 do Código Civil não deve ser aplicado supletivamente à cessão fiduciária de

créditos. De outro lado, Francisco Eduardo Loureiro (PELUSO, p. 1.403) e Cesar Amendolara

(2006, p. 189) entendem que o registro é condição para constituição da cessão fiduciária.

O entendimento de que o registro é requisito para a própria existência da cessão, e,

portanto, se o registro for considerado irregular, a cessão fiduciária pode ser considerada

inexistente, altera o risco em comparação com a cessão comum regida pelo Código Civil, na

medida em que poderia ser empecilho para a própria cobrança da dívida junto ao cedido.

118 “Crédito oriundo de cessão fiduciária em garantia, que equivale à propriedade fiduciária, desde que o contrato tenha sido registrado anteriormente ao pleito de recuperação judicial” (TJ-RJ, Apelação 0058525-84.2011.8.19.0001, 13ª Câmara Cível, Rel. Des. Fernando Fernandy Fernandes, j. 15/10/2014). Nesse mesmo sentido, v. TJ-RJ, Agravo de Instrumento 0018234-06.2015.8.19.0000, 20ª Câmara Cível, Rel. Des. Marília de Castro Neves, j. 08/07/2015). 119 “Compulsando os autos, percebi que de fato, fora realizado registro da garantia fiduciária posteriormente ao pedido de recuperação judicial da Embargada. A recuperação judicial ocorreu em 28/02/2012 e o contrato de garantia de cessão fiduciária de recebíveis sequer existia. Diante disso, e levando-se em conta o art. 49 da Lei 11.101/05 c/c Art. 1361, parágrafo primeiro, do Código Civil, conlui (sic) que o ora Agravante não possuía o registro da garantia fiduciária na data do pedido de recuperação, o que, consequentemente não concede o caráter de propriedade fiduciária a sua garantia” (Agravo de Instrumento 2015-01206587-97, 1ª Câmara Cível Isolada, Des. Rel. Marneide Trindade Merabet, j. 26/03/2015, DJ 14/04/2015).

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Com relação à definição do RTD competente para realização do registro, como não

haveria parte brasileira no contrato, a incerteza descrita no item 3.1.2(a) acima também se

aplicaria ao presente caso.

(c) Validade da eleição da lei brasileira.

Com relação à validade da eleição da lei brasileira, entendemos que os riscos sejam

praticamente idênticos ao da cessão regida pelo Código Civil.

3.2.3 Conclusão parcial.

De imediato, cumpre destacar a principal vantagem da cessão fiduciária, que é sua

exclusão expressa dos efeitos da recuperação judicial. Ainda que haja possíveis discussões para

tentar desqualificar o contrato celebrado com parte estrangeira e que o caminho nas instâncias

inferiores nos Tribunais de Justiça não seja livre de percalços, parece-nos que a posição clara

do STJ pela não sujeição confere razoável segurança.

Por outro lado, caso o risco de insolvência da SPE no Brasil não seja relevante, talvez

seja menos arriscada a celebração da cessão regida pelo Código Civil, em vista do maior risco

relacionado ao registro em RTD da cessão fiduciária. Na cessão de créditos comum, a cessão é

existente, válida e eficaz entre a cedente e cessionário com a assinatura do instrumento (público

ou privado) da cessão, exigindo-se o registro apenas para que produza efeitos com relação a

terceiros. Ainda na ausência do registro, seria possível demonstrar a ciência de eventuais

terceiros, caso tenham sido notificados, por exemplo.

Na cessão fiduciária, pode-se argumentar que, em vista da previsão do artigo 1.361 do

Código Civil, a ausência de registro torna o contrato inexistente ou inválido. Certamente seria

possível argumentar que, ao menos a transferência de titularidade sobre o crédito é válida entre

as partes, na medida em que livremente consentiram e manifestaram sua vontade de ceder os

recebíveis, e também perante terceiros que tenham sido notificados. No entanto, seria um

elemento de incerteza e com maiores argumentos para contestação em caso de disputa.

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3.3. Penhor de Créditos.

3.3.1 Justificativas para adoção do modelo.

(a) Segurança jurídica.

O penhor de direitos sobre coisas móveis é expressamente previsto no artigo 1.451 do

Código Civil, que exige que tais direitos sejam suscetíveis de cessão. Destaque-se que a

equiparação legal120 dos direitos pessoais de caráter patrimonial a bens móveis permite que

qualquer crédito ordinário possa ser objeto de penhor (GOMES, 2012, p. 372).

Dessa forma, desde que cumpridas as exigências legais para constituição e

aperfeiçoamento da garantia, não haveria riscos relacionados à natureza do negócio celebrado

pelas partes, uma vez que o contrato de penhor é amplamente regulado pelo Código Civil e

admitido na prática.

O Código Civil contém uma série de disposições aplicáveis ao penhor que visam

proteger o credor pignoratício da deterioração patrimonial do devedor que aumente a chance de

inadimplemento. Nesse sentido, a regra do artigo 1.425121 do Código Civil, por exemplo, acaba

exercendo função semelhante à das cláusulas de covenants contratuais dos financiamentos, ao

garantir mecanismos que permitam o vencimento antecipado da dívida em caso de redução da

eficácia da garantia e aumento do risco de inadimplemento.

Por fim, vale ressaltar que não há exigências quanto à natureza e atividades das partes

ou restrições à celebração de contratos de penhor em favor de partes estrangeiras.

3.3.2 Possíveis riscos jurídicos e desvantagens da estrutura.

120 Art. 83 do CC. Consideram-se móveis para os efeitos legais: (...) III - os direitos pessoais de caráter patrimonial e respectivas ações. 121 Art. 1.425. A dívida considera-se vencida: I - se, deteriorando-se, ou depreciando-se o bem dado em segurança, desfalcar a garantia, e o devedor, intimado, não a reforçar ou substituir; II - se o devedor cair em insolvência ou falir; III - se as prestações não forem pontualmente pagas, toda vez que deste modo se achar estipulado o pagamento. Neste caso, o recebimento posterior da prestação atrasada importa renúncia do credor ao seu direito de execução imediata; IV - se perecer o bem dado em garantia, e não for substituído; V - se se desapropriar o bem dado em garantia, hipótese na qual se depositará a parte do preço que for necessária para o pagamento integral do credor.

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(a) Sujeição a recuperação judicial e falência. Classificação do crédito.

A principal desvantagem do penhor com relação à cessão fiduciária reside no fato de

que o crédito com garantia pignoratícia se submete aos processos de recuperação judicial e

falência.

No primeiro caso, o §5º do art. 49 prevê que os penhores sobre direitos creditórios

poderão ser substituídos ou renovados se forem liquidados ou venceram durante o período de

suspensão das ações contra a empresa em recuperação.122 Durante tal período, os valores

recebidos devem ficar depositados em conta vinculada, devendo ser liberados após o término

da suspensão.123

No entanto, deve-se ressaltar que tal regime não exclui os créditos garantidos por

penhor dos efeitos da recuperação (como aqueles previstos no art. 49, §3º), o que leva à

conclusão de que as dívidas poderão sujeitar-se às determinações do plano de recuperação (com

prorrogações de vencimento, alteração de taxas de juros, descontos, etc), mas permanecerão

garantidas pelo penhor, que somente poderia ser substituído com o consentimento do credor

pignoratício (art. 50, §1º).

Na hipótese de falência, o credor pignoratício apenas figuraria em classe de credores

com preferência em relação à massa de credores sem garantia, mas ainda atrás dos créditos

extraconcursais124 e dos trabalhistas.125 Além disso, como o artigo 83 limita o crédito com

122 O caput do art. 6º da LRF dispõe que “[a] decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor (...).” Já o § 4o da LRF dispõe: “Na recuperação judicial, a suspensão de que trata o caput deste artigo em hipótese nenhuma excederá o prazo improrrogável de 180 (cento e oitenta) dias contado do deferimento do processamento da recuperação, restabelecendo-se, após o decurso do prazo, o direito dos credores de iniciar ou continuar suas ações e execuções, independentemente de pronunciamento judicial”. 123 Entretanto, não tem sido incomum a prorrogação desse prazo, quando se considera que o atraso não é atribuível à conduta da empresa em recuperação. Cf. nota 86 supra e SANTOS (2015). 124 O art. 84 da LRF classifica como extraconcursais, com preferência de pagamento com relação aos demais créditos da massa falida: (i) remunerações devidas ao administrador judicial e seus auxiliares, e créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho relativos a serviços prestados após a decretação da falência; (ii) quantias fornecidas à massa pelos credores; (iii) despesas com arrecadação, administração, realização do ativo e distribuição do seu produto, bem como custas do processo de falência; (iv) custas judiciais relativas às ações e execuções em que a massa falida tenha sido vencida; e (v) obrigações resultantes de atos jurídicos válidos praticados durante a recuperação judicial, ou após a decretação da falência, e tributos relativos a fatos geradores ocorridos após a decretação da falência. 125 O art. 83 da LRF determina que a classificação dos créditos na falência deve obedecer à seguinte ordem: (i) créditos decorrentes da legislação do trabalho, (ii) créditos com garantia real até o limite do valor do bem gravado, (iii) créditos tributários, exceto multas, (iv) créditos com privilégio especial, (v) créditos com privilégio geral, (vi) créditos quirografários, (vii) multas e penalidades contratuais, e (viii) créditos subordinados.

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garantia real ao valor do bem gravado, provavelmente o crédito com garantia real seria limitado

valor que efetivamente for gerado pelo afretamento e pago pelo afretador.

Dessa forma, se comparado com uma cessão fiduciária, o penhor de direitos apresenta

sensível desvantagem, na medida em que os créditos cedidos fiduciariamente não seriam

afetados pela recuperação judicial (art. 49, §3º da LRF) e poderiam ser reavidos mediante

pedido de restituição na falência.

Com relação à cessão de créditos feita com base nas disposições do Código Civil, a

comparação dos benefícios das duas alternativas mostra-se mais difícil, em razão da pouca

previsibilidade sobre o sucesso da exclusão dos créditos cedidos dos processos de recuperação

judicial e falência. Ainda que haja argumentos jurídicos para se defender que os recebíveis não

eram mais titularizados pela SPE (em recuperação ou falida) e, portanto, não poderiam fazer

parte do plano de recuperação ou serem incorporados à massa falida, o sucesso de eventual

disputa é incerto em vista da resistência da empresa em recuperação, credores e, eventualmente,

do próprio juiz.

Assim, em caso de sucesso na argumentação do cessionário, os recebíveis não seriam

afetados pela recuperação judicial e poderiam ser objeto de pedido de restituição em eventual

falência, equiparando-se a uma cessão fiduciária. Em caso de insucesso, os créditos sujeitar-se-

iam aos processos de recuperação e falência, tal como os garantidos pelo penhor, mas

classificados como quirografários.126

(b) Regramento da cobrança e maiores formalidades.

De um lado, a tipificação e o extenso regramento do penhor de direitos conferem maior

segurança quanto a sua validade e aceitação pelo Judiciário brasileiro, por outro lado, limitam

a possibilidade das partes livremente estruturarem a garantia ou, pelo menos, demandam maior

126 Considerando apenas as garantias estabelecidas sobre os créditos e ignorando outras garantias que os bancos possuem, como a hipoteca marítima sobre a plataforma e o penhor sobre as ações da SPE, que poderiam alterar a classificação do crédito.

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atenção para cumprimento das formalidades exigidas pela lei, assim como para afastar as

disposições que não se adequam à estrutura do negócio.127

Inicialmente, vale destacar o artigo 1.455 do Código Civil, que dispõe que o credor

pignoratício deve cobrar o crédito empenhado assim que se tornar exigível e, se o crédito

consistir em uma obrigação pecuniária, deve depositá-lo onde determinado pelo devedor

pignoratício ou pelo juiz. Somente se a dívida estiver vencida o credor pignoratício terá o direito

de reter da quantia recebida o necessário para satisfazer seu crédito, restituindo o restante ao

devedor.

Mais do que conferir ao credor pignoratício a possibilidade de garantir o recebimento

do crédito empenhado, a lei transmite ao credor pignoratício a titularidade da relação

obrigacional (MAMEDE, 2003, p. 255), obrigando-o a efetivamente praticar todos os atos de

conservação e cobrança necessários, inclusive quanto aos juros e obrigações acessórias. Dessa

forma, se não se desonerar de tais obrigações corretamente, o credor correria mesmo o risco de

ter que indenizar o devedor pignoratício pelo valor do crédito empenhado não recebido.

Além do credor pignoratício assumir, em decorrência de disposição legal expressa,

obrigação de cobrar a dívida garantida, o Código Civil determina que eventual dinheiro

recebido seja depositado em conta específica e nela mantido até o vencimento da obrigação,

exceto se vencida a obrigação garantida, hipótese em que a lei passa a permitir a compensação.

Essa disposição, na prática, não constitui maior empecilho para a estruturação da

garantia, na medida em que a estrutura mais comum prevê justamente o acúmulo das receitas

do projeto em conta vinculada durante determinado período até o vencimento de parcela da

dívida. Todavia, a existência dessa disposição acerca da forma de cobrança e recebimento do

crédito empenhado exige maior cuidado das partes para preverem expressamente que não serão

aplicadas, em detrimento das disposições acordadas no contrato de penhor.

127 Antônio Junqueira de Azevedo (2002, p. 38), ao discutir os elementos dos negócios jurídicos, afirma que os tipos de negócios jurídicos possuem elementos essenciais – que lhes caracterizam a essência – e outros que resultam de sua natureza, mas que, se ausentes, não impedem a existência do negócio pretendido pelas partes. Os primeiros elementos são, nas palavras do autor “inderrogáveis, no sentido de que, se derrogados, já não teremos aquele negócio, enquanto os segundos são derrogáveis, no sentido de que, mesmo repelidos pelas partes, seu regime jurídico continuará o mesmo (logo, quanto a estes elementos, há, para as partes, uma situação de ônus de se manifestar, se quiserem afastá-los)”.

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Por fim, citamos como exemplo de formalidade, o disposto no artigo 1.424 do Código

Civil, que condiciona a eficácia de contratos de penhor à declaração do valor do crédito

garantido, sua estimação, ou valor máximo, do seu prazo de pagamento, da taxa de juros e as

especificações do bem dado em garantia.

Desta forma, a existência de numerosas disposições legais exige maior cuidado e,

consequentemente, maiores custos de transação relativos à discussão sobre as responsabilidades

impostas pela lei, o cumprimento dos requisitos formais e a necessidade de afastamento de

disposições que não se adequem às pretensões das partes e aos demais contratos da operação.

(c) Definição do Registro de Títulos e Documentos competente.

O artigo 1.452 do Código Civil determina, da mesma forma que o artigo 1.432128, que

o penhor de direito constitui-se mediante registro de seu instrumento constitutivo (particular ou

público) junto ao RTD.

Assim como todos os demais contratos de que tratamos no presente trabalho, que

precisam ser registrados em RTD para que sejam oponíveis a terceiros (cessão de crédito com

fins de garantia e contratos regidos por lei estrangeira) ou para sua validade (cessão fiduciária),

há dificuldade para definição do cartório competente.

Da mesma forma que para a cessão fiduciária, em que o registro é condição de validade

da garantia,129 haveria maior risco de questionamento sobre a regularidade do registro na

hipótese de uma disputa judicial do que se comparado a uma cessão comum.

(d) Lei aplicável.

128 O artigo 1.432 aplica-se ao regramento geral do penhor e dispõe que “o instrumento do penhor deverá ser levado a registro, por qualquer dos contratantes, o do penhor comum será registrado no Cartório de Títulos e Documentos”. 129 Gladston Mamede (2003, p. 244) observa, quanto à constituição desta modalidade de penhor por meio do registro, que, quando se oferece um direito, uma faculdade sobre um bem jurídico imaterial, não é possível atender à exigência do artigo 1.431 do Código Civil, que determina a transferência da posse sobre o bem empenhado, uma vez que “não há que se falar em transferência efetiva da posse, se não há materialidade

correspondente”.

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A LINDB contém disposição específica para determinar a lei de regência do penhor:

o artigo 8º, §2º, determina que penhor é regido pela lei do domicílio da pessoa em cuja posse

se encontre a coisa empenhada.

Dessa forma, consideramos dois cenários. No primeiro, o juiz brasileiro aceita a

cláusula de eleição de lei aplicável feita pelas partes, aplicando o direito brasileiro. No segundo,

o juiz determina a aplicação da regra de conflito prevista na LINDB, o que geraria diversas

possibilidade interpretativas.

Inicialmente, cumpre verificar se a aplicação deste dispositivo faz algum sentido

quando se trata, como no caso, de penhor de direito, ou seja, bem incorpóreo. Assim, cumpre

destacar que o texto da lei se refere a “coisa” e não ‘bem” empenhado.

Sobre o assunto, Flavio Tartuce (2014, p. 165) aponta divergência na doutrina quanto

à definição de bens e coisas. Como referência, cita Caio Mario da Silva Pereira para

exemplificar aqueles autores que diferenciam os dois conceitos pela sua materialidade, sendo

que as coisas seriam bens materiais e concretos. No caso, bens seria gênero do qual coisa é

espécie. Por outro lado, cita Silvio Rodrigues, para quem o conceito de coisas contém tudo que

existe objetivamente, corpóreas ou não. Dentro deste grupo, os bens seriam as coisas suscetíveis

de apropriação e que contêm valor econômico.

Cumpre destacar também o argumento traçado pela Min. Nancy Andrighi em seu voto

sobre a sujeição da cessão fiduciária de créditos130 em que defende que “[a]o utilizar a expressão

“coisa”, o legislador deixa claro que a exceção ao regime da recuperação judicial alcança apenas

a propriedade fiduciária sobre bens (móveis ou imóveis), nunca sobre direitos, ainda mais sobre

direitos de crédito”.

Foge do escopo deste trabalho o aprofundamento de tal discussão, sendo relevante

notar que tal divergência apresenta importante consequência para a interpretação do artigo 8º,

§2º, da LINDB, pois, se considerarmos que se aplica apenas a penhor sobre bens corpóreos, não

afetará a definição da lei aplicável ao penhor de direito.

130 Cf. item 3.2.1(a) supra.

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Em segundo lugar, vale verificar se, ao se entender que faria sentido tratarmos da posse

do direito sobre o crédito. Nesse sentido, Orlando Gomes (2012, p. 41), afirma claramente que

“podem ser objeto da posse as coisas e os direitos”, anotando que, após o direito romano, que

considerava válida apenas a posse sobre coisas, tal distinção foi posteriormente abandonada,

passando-se “a aceitar, indiferentemente, tanto a posse dos bens corpóreos como a dos

incorpóreos”. Da mesma forma entende Melhim Chalhub (2014, p. 40). Portanto, quanto a este

ponto, entendemos que não haveria maiores divergências.

Assim, admitindo-se que o artigo 8º, §2º da LINDB seja aplicável a direitos (ou seja,

assumindo que direitos estão contidos no conceito de coisas), deve-se anotar que a lei se refere

ao seu possuidor após a celebração do contrato de penhor. Ou seja, como, em regra, o penhor

recai sobre bens corpóreos, ao se referir a “coisa empenhada”, pressupõe-se que a lei indique

que se aplica a lei do domicílio do credor pignoratício, ressalvadas as hipóteses em que a

tradição é ficta, como no penhor agrícola. Nesta hipótese, a aplicação da LINDB afastaria a lei

brasileira, que seria substituída pela lei do domicílio do credor pignoratício (security agent), o

que geraria o inconveniente de que o contrato foi celebrado de acordo com as formalidades

exigidas pela legislação brasileira, podendo inclusive, ser considerado inválido ou inexistente

sob a lei estrangeira.

Um outro resultado possível seria que a lei do domicílio do credor pignoratício, ao

aceitar a autonomia da vontade como elemento de conexão, determinasse o respeito à cláusula

de eleição de lei, ocasionando o reenvio ao direito brasileiro.

Em vista das dificuldades interpretativas da regra contida no art. 8º, §2º, da LINDB,

acreditamos que o nível de incerteza e o risco de contestações à lei aplicável sobre o penhor em

eventual disputa são maiores do que em todos os outros arranjos contratuais analisados.

3.3.3 Conclusão parcial.

A constituição de penhor sobre os créditos é a alternativa de menor utilização prática,

especialmente por apresentar uma grande desvantagem quando comparada com a cessão

fiduciária de créditos, já que esta não se sujeita aos efeitos dos processos de recuperação judicial

e falência.

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Tal vantagem é mitigada quando se considera o risco de desconsideração da cessão

fiduciária celebrada em favor de credores estrangeiros. No entanto, parece-nos que o benefício

de não se sujeitar aos processos de recuperação e falência da SPE no Brasil supera largamente

os riscos de ter seu crédito classificado como quirografário. A sujeição a um processo de

recuperação ou falência, por si só representa elevado risco de desconto no crédito, extensão de

prazos de pagamento ou mesmo de não recebimento.

Além disso, devemos considerar que os financiadores ainda podem ser classificados

credores com garantia real em razão de outras garantias (hipotecas e penhor de ações), de forma

que os argumentos a favor da validade da cessão fiduciária e o grande benefício da não sujeição

à recuperação ou falência superam o risco de, caso a cessão seja desqualificada, participação

do processo como credor quirografário.

Quanto às questões relacionadas ao registro em RTD, entendemos que o penhor

apresenta riscos semelhantes aos dos demais contratos, mas é o que apresenta maior nível de

incerteza com relação a possíveis questionamentos sobre a lei aplicável.

3.4. Contrato regido por legislação estrangeira.

3.4.1 Justificativas para adoção do modelo.

(a) Familiaridade do credor estrangeiro.

A vantagem mais evidente para a celebração de contrato de cessão regido por

legislação estrangeira é de que os financiadores podem escolher a legislação com a qual estão

mais familiarizados.

Como mencionado anteriormente, a maioria dos projetos são coordenados por

escritórios de advocacia estrangeiros, de modo que a padronização dos contratos e análise dos

efeitos da cessão acabam por se repetir para operações, independentemente da nacionalidade

das partes.

Além disso, o conjunto (sindicato) de bancos costuma ser formado por instituições

financeiras de diversos países, sendo também bastante comum a participação de bancos de

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fomento ou órgãos governamentais estrangeiros.131 A utilização de uma legislação que seja

aceitável para todos facilita a análise dos riscos jurídicos envolvidos e também as negociações

e discussões internas dos credores.

A mudança para uma cessão regida por lei brasileira demandaria um novo processo de

compreensão e análise dos riscos por cada um dos credores, que exigiria tempo e recursos

adicionais de cada banco para negociação da minuta contratual, revisão pelos advogados

internos, contratação de advogados locais e tradução do contrato. Percebe-se, portanto, que a

prática de utilizar modelos de contrato regidos por lei estrangeira reduz os custos de transação,

que já são extremamente altos em financiamentos de projeto.

(b) Uniformidade de tratamento para todos os créditos do projeto.

Assim como a utilização de lei mais familiar aos bancos financiadores e aos escritórios

que coordenam a estruturação jurídica do projeto ajuda a reduzir custos de transação e conferir

maior previsibilidade, esses efeitos positivos também são obtidos ao se incluir todos os

recebíveis do projeto no mesmo contrato, tornando-o uma cessão geral de créditos.

Como descrito no capítulo 2, os créditos cedidos aos financiadores incluem, além das

receitas decorrentes da operação da plataforma, créditos potenciais gerados pelos mais variados

eventos, como pagamento de indenizações e multas pelo estaleiro ou outros fornecedores,

indenizações de seguros e indenizações por requisições de uso feitas por governos locais.

Como os fornecedores e seguradoras normalmente se localizam em diferentes

continentes, a celebração de um contrato de cessão que seja aplicável para todos esses créditos

torna a estrutura mais simples e demanda menores custos de transação.

Na hipótese de utilização de um documento regido por lei brasileira (cessão comum,

cessão fiduciária ou penhor de créditos), uma alternativa para ainda manter coesão do

tratamento dos recebíveis seria celebrar um contrato regido pela lei brasileira apenas para os

créditos devidos por partes domiciliadas no Brasil e outro contrato, regido pela lei de

131 Exemplificativamente, o banco de fomento sul-coreano Export-Import Bank of Korea – Kexim (https://www.koreaexim.go.kr/site/main/index002), a agência de crédito à exportação norueguesa Eksportfinans (http://www.eksportfinans.no/lending/loan-portfolio/?ln=uk) e a agência do governo norueguês responsável por prover garantias e seguros financeiros a investimentos, GIEK (http://www.giek.no/en).

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preferência dos bancos, para todos os demais créditos. O contrato regido pela lei brasileira

poderia seguir, tanto quanto possível, o modelo adotado pelos bancos, com as adaptações

necessárias para adequação ao ordenamento brasileiro.

3.4.2 Possíveis riscos jurídicos e desvantagens da estrutura.

(a) Prova da lei estrangeira em juízo. Tradução e interpretação da lei estrangeira.

Em qualquer cenário em que a titularidade do crédito cedido seja discutida no

Judiciário brasileiro, seria necessário que o juiz compreendesse o conteúdo do direito

estrangeiro e, com base em suas normas, quais direitos são conferidos ao cessionário (ou

beneficiário de outra garantia regida por lei estrangeira).

De acordo com Rechsteiner (2015, p. 260-261), atualmente há três vertentes sobre a

forma como o juiz deve aplicar o direito estrangeiro, se assim determinado pelas regras de

direito internacional privado.

A primeira diz que cabe ao juiz aplicar o direito estrangeiro de ofício, podendo exigir

a colaboração das partes na pesquisa do seu conteúdo. Nesta hipótese, seria facultado ao juiz

determinar a realização de diligências para apurar o teor, vigência e interpretação do direito

estrangeiro.132 De acordo com a segunda vertente, caberia às partes provarem o direito

estrangeiro. Por fim, muitos países não seguem nenhum desses dois princípios, ficando a

critério do juiz decidir em que medida atuará por iniciativa própria ou determinará que as partes

tomem providências.

O direito brasileiro trata do assunto no artigo 337 do Código de Processo Civil, que

determina que a parte deve provar133 o teor e vigência do direito estrangeiro, caso determinado

pelo juiz, e no artigo 14 da LINDB, que permite ao juiz exigir da parte que invocar o direito o

encargo de provar o seu texto e vigência.134

132 Esta abordagem teria sido adotada por Áustria, Alemanha, Itália, Turquia e Peru, enquanto Inglaterra impõe às partes a obrigação de provar o conteúdo do direito estrangeiro. Cf., RECHSTEINER, 2015. 133 Com relação à forma de prova do conteúdo direito estrangeiro, José Frederico Marques (1999, p. 338) observa que o mesmo “pode ser provado por pareceres de juristas, ou por informações de caráter oficial, não, porém, por testemunhas ou confissão”. 134 Art. 14. Não conhecendo a lei estrangeira, poderá o juiz exigir de quem a invoca prova do texto e da vigência.

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Rechsteiner (2015, p. 262) entende que, no Brasil, o juiz deve aplicar o direito

estrangeiro de ofício. Na medida em que as regras de direito internacional privado brasileiro

são de aplicação obrigatória, a aplicação do direito estrangeiro indicado por essas normas

tornar-se-ia incerta caso o juiz não pudesse (e devesse) aplicá-las de ofício. Isso não significa,

porém, que o juiz deva prescindir da atuação das partes, já que pode determinar que atuem com

o objetivo de auxiliá-lo no conhecimento do conteúdo do direito estrangeiro.

Nesse sentido, o STJ, ao interpretar o art. 337 do Código de Processo Civil, já

determinou que é responsabilidade do juiz determinar a comprovação do conteúdo do direito

municipal, não cabendo à parte o ônus de sua comprovação.135

Ressaltamos que o juiz deve decidir o que entende necessário para verificar o conteúdo

da norma estrangeira da forma como o juiz estrangeiro observaria tais regras em seu sistema

jurídico (RECHSTEINER, p. 265). Ou seja, o juiz brasileiro deve aplicar a lei estrangeira ao

caso tal qual ela seria aplicada pelo juiz estrangeiro. Para obter as informações necessárias, o

juiz pode recorrer ao texto da lei obtido na internet, decisões judiciais extraídas de sítios

eletrônicos de tribunais estrangeiros ou mesmo de doutrina estrangeira. A obtenção de pareceres

de juristas e advogados estrangeiro também seria instrumento útil na tentativa de se alcançar a

solução correta no ordenamento estrangeiro.

Nesse processo de averiguação do conteúdo do direito, porém, encontram-se as

maiores dificuldades. Se, em disputas sem elementos estrangeiros, em que as partes, seus

advogados e o juiz estudaram o direito brasileiro e dominam o idioma, são comuns divergências

acerca da interpretação de determinadas regras, imagine-se em um caso envolvendo direito

estrangeiro e institutos jurídicos que, ainda que semelhantes, não são idênticos aos existentes

no direito local.

Tomemos como exemplo hipótese em que as partes submetam uma cessão de créditos

regida pela lei inglesa à análise de um juiz brasileiro. No direito inglês, a utilização de recebíveis

135 O STJ se manifestou da seguinte forma: “A parte não está obrigada a provar o conteúdo ou a vigência da legislação municipal se o juiz não a determinar. É vedado ao Poder Judiciário negar prestação jurisdicional por desconhecimento de legislação municipal por ausência de comprovação, cabendo ao juiz determinar sua juntada aos autos” (AgRG no REsp 1.139.800/SC, 2ª T., rel. Min. Humberto Martins, j. 17-2-2009, DJe, 19-2-2010).

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como garantias pode ocorrer por meio da criação de um mortgage ou um charge sobre os

créditos (SIGMAN; KIENINGER, p. 150). Na primeira hipótese, ocorre a efetiva transferência

da titularidade do crédito ao cessionário, com a obrigação de retransmiti-lo após a ocorrência

de determinada condição (e.g. pagamento da obrigação garantida). A criação de um charge, por

outro lado, resulta na constituição de um gravame sobre o direito. No entanto, o direito não

deixa o patrimônio do devedor/cedente. Em ambos os casos, a operação é denominada como

uma cessão ou transferência (assignment by way of charge ou mortgage transfer).

Apesar do nome do contrato (assignment by way of charge) sugerir uma cessão,

entendemos que a criação de um charge assemelha-se substancialmente ao penhor de créditos.

No entanto, não é denominado pledge – expressão que geralmente designa direito real de

garantia sobre bens móveis na língua inglesa –, pois tal denominação é utilizada apenas para

garantias que resultem na posse direta do bem pelo credor (SIGMAN e KIENINGER, p. 150).

Nesta hipótese, em caso de insolvência do cedente, deveria ser a cessão interpretada como

penhor, servindo apenas para classificação do crédito do cessionário como beneficiário de

garantia real?

A cessão de créditos em que ocorre transferência de titularidade é regulada pelo artigo

136 da Law of Property Act 1925,136 tanto para transferências definitivas quanto para aquelas

realizadas como garantia de outras obrigações (mortgage transfer). Tal dispositivo estabelece

as formalidades para validade e eficácia de uma cessão, exigindo que a mesma (i) seja feita por

escrito (by writing under the hand of the assignor), (ii) não tenha o único propósito a criação

de um gravame (not purporting to be by way of charge only), sem a efetiva transferência de

propriedade, (iii) tenha como objeto uma dívida ou outra coisa sujeita a cobrança (of any debt

136 Referido dispositivo possui originalmente a seguinte redação: “136 Legal assignments of things in action.

(1) Any absolute assignment by writing under the hand of the assignor (not purporting to be by way of charge

only) of any debt or other legal thing in action, of which express notice in writing has been given to the debtor,

trustee or other person from whom the assignor would have been entitled to claim such debt or thing in action, is

effectual in law (subject to equities having priority over the right of the assignee) to pass and transfer from the

date of such notice—

(a) the legal right to such debt or thing in action;

(b) all legal and other remedies for the same; and

(c) the power to give a good discharge for the same without the concurrence of the assignor:

Provided that, if the debtor, trustee or other person liable in respect of such debt or thing in action has notice—

(a) that the assignment is disputed by the assignor or any person claiming under him; or

(b) of any other opposing or conflicting claims to such debt or thing in action;he may, if he thinks fit, either call

upon the persons making claim thereto to interplead concerning the same, or pay the debt or other thing in action

into court under the provisions of the Trustee Act, 1925. […]”.

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or other legal thing in action), e (iv) seja notificada expressamente ao devedor (of which express

notice in writing has been given to the debtor, trustee or other person from whom the assignor

would have been entitled to claim such debt or thing in action).

Novamente, apesar do nome indicar mortgage, costumeiramente interpretado como

direito real de garantia sobre imóveis e a bens equiparados a imóveis (e.g., embarcações e

aeronaves), trata-se de instituto que apresenta mais semelhanças com uma cessão fiduciária do

que com uma garantia real. Eventual tentativa das partes e juízes de interpretarem a redação do

contrato ou mesmo o conteúdo da lei apenas com base no texto dos mesmos pode levar a

resultados completamente divergentes daqueles esperados no ordenamento estrangeiro.

Esta rápida análise das formas contratuais previstas na lei inglesa chama a atenção para

as diversas expressões que, se interpretadas de acordo apenas com a redação do texto

positivado, podem levar a conclusões incorretas, em função de falsos cognatos ou dos sentidos

comumente conhecidos para expressões como pledge ou mortgage.

As dificuldades de interpretação vão além da mera tradução dessas expressões,

exigindo maior contextualização e análise pelas partes para tentar chegarem à interpretação que

seria conferida pelo Judiciário no país de origem. Deve-se buscar verificar, tanto quanto

possível, as normas que efetivamente vigoram naquele ordenamento jurídico, o que inclui os

precedentes judiciais e costume, que podem ter especial importância para países de common

law.

As dificuldades na compreensão e interpretação da legislação estrangeira fazem com

que o resultado de eventual disputa nos tribunais brasileiros seja imprevisível, em vista de toda

a dificuldade para se provar o conteúdo da norma aplicável e sua correta interpretação,

especialmente quando esta depender de precedentes jurisprudenciais. Uma dificuldade

adicional é a tentativa de interpretar os institutos da lei estrangeira em face daqueles existentes

e citados na lei brasileira, como, por exemplo, considerar determinada garantia equivalente a

um penhor, para fins de classificação do crédito em uma falência.

(b) Possibilidade de afastamento da aplicação da lei estrangeira.

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A sujeição de contrato que visa a produzir efeitos no Brasil às leis de outro país cria a

possibilidade de que, ao ser submetido ao Judiciário brasileiro, o juiz afaste a aplicação da lei

eleita pelas partes. As principais hipóteses em que isso pode ocorrer são (BAPTISTA, 2011, p.

95 e ss.) (a) quando o contrato ou algumas cláusulas ofendem a ordem pública brasileira, (b)

quando houver leis de aplicação imediata que devam se sobrepor à lei estrangeira e (c) quando

houver fraude à lei.

A principal restrição à aplicação da legislação estrangeira é a ordem pública, tanto

nacional quanto internacional. Sempre que as normas do direito estrangeiro aplicáveis à relação

contratual contrariarem a ordem pública, o juiz deve deixar de aplicar a lei estrangeira

(BAPTISTA, 2011, p. 95). Contudo, a conceituação de ordem pública e identificação das leis

que a representam são um desafio ao intérprete, pois a vagueza desse conceito pode abrir portas

para diversos argumentos, conferindo maior discricionariedade ao juiz para decidir. Em um

exemplo simplório, a tentativa de demonstrar que a titularidade dos recebíveis foi transferida

ao cessionário e, portanto, não pode integrar o patrimônio da SPE poderia enfrentar resistência

sob o argumento de que a defesa da empresa em recuperação e o princípio da preservação da

empresa são de ordem pública e, portanto, tal cessão não poderia ser considerada válida. Essa

incerteza certamente aumenta a probabilidade de disputas em caso de discussão do contrato

estrangeiro no Judiciário brasileiro.

Luiz Olavo Baptista (2011, p. 97) explica que o conteúdo da ordem pública se altera

ao longo do tempo, acompanhando mudanças nas orientações políticas do país. O autor cita

como exemplos as normas cambiais e as que regulam a transferência de tecnologia como

representativas de princípios da ordem pública econômica brasileira, cujo objetivo principal é

garantir o desenvolvimento nacional.

A violação da ordem pública pode ter como consequências a anulação, quando afetar

apenas algumas cláusulas do contrato, ou mesmo a declaração de nulidade de todo o contrato.

A nulidade do contrato em geral é causada pelo seu objeto, mas pode decorrer também do não

atendimento a requisitos formais ou pressupostos de validade (BAPTISTA, 2011, p. 101).

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A lei estrangeira também pode ser afastada como consequência de leis de aplicação

imediata,137 que são aquelas ligadas diretamente ao conceito de ordem pública e que não podem

ser afastas pela vontade das partes ou pelo resultado da aplicação das regras de conflito de leis,

como as leis de defesa da ordem econômico-financeira.

Assim como na definição de ordem pública, a identificação dessas leis deve ser

realizada caso a caso pelo juiz. Irineu Strenger (2003, p. 356) aponta que, tratando-se de leis

imperativas, a autonomia da vontade fica na dependência das disposições de tais leis. E

prossegue afirmando que “as leis obrigatórias ou imperativas limitam e condicionam o domínio

da autonomia, apesar de não existir possibilidade de se apresentar um critério a priori que

permita traçar uma linha demarcatória entre os domínios respectivos da autonomia e da lei

imperativa”.

As consequências para a eficácia do contrato regido por lei estrangeira, também podem

variar da anulação de determinadas disposições do contrato à declaração de nulidade do

contrato todo, em caso de ofensa integral a norma cogente local.

Por fim, a fraude à lei é a terceira causa que pode ensejar o afastamento da aplicação

da lei estrangeira. Em direito internacional privado, tal expressão designa a manipulação

indevida das partes das regras de conflitos de lei com o objetivo de obterem resultados que não

seriam possíveis caso a relação jurídica fosse regida pelas normas aplicáveis às partes. Luiz

Olavo Baptista (2011, p. 104), afirma que, em caso de fraude à lei, afasta-se a lei estrangeira

“porque se entende que o ato jurídico sob exame foi baseado em lei ou foro inadequado, fruto

de manipulação ilícita pelo sujeito ou sujeitos de direito envolvidos”. Na mesma linha, Irineu

Strenger (2003, p. 442) esclarece que “há fraude à lei sempre que as regras de conflito são

utilizadas a fim de que os indivíduos sujeitos ao ordenamento jurídico nacional escapem ou

contornem as disposições pertencentes a esse ordenamento”.

As exceções descritas acima à aplicação da legislação estrangeira reduzem a segurança

quanto à aplicação da lei de regência pelo juiz brasileiro, o que pode ser uma razão importante

para induzir os financiadores a adotarem modelo regido pela lei brasileira.

137 Luiz Olavo Baptista (2011, p. 101) anota que também são chamadas pela doutrina de leis de polícia, leis de aplicação necessária ou também leis de ordem pública.

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(c) Insolvência da SPE: ausência de precedentes e probabilidade de resistência pelo Judiciário.

Em um cenário de insolvência do cedente, o quadro de incerteza pode se mostrar ainda

maior, pois diversas interpretações sobre o contrato estrangeiro seriam possíveis, desde a

interpretação de que a garantia constituída de acordo com a lei estrangeira equivale à

propriedade fiduciária e, portanto, os créditos não integram o patrimônio da empresa da cedente,

até seu oposto, de que contratos regidos por lei estrangeira não podem criar direito real de

garantia no Brasil, classificando o crédito como quirografário.138 Trata-se de incerteza

semelhante à existente na cessão comum de créditos (cf. item 3.1.2(d) acima).

Neste ponto, porém, mostra-se de fundamental relevância a origem dos patrocinadores.

As referências que temos feito ao longo do trabalho a processos de insolvência do cedente

sempre consideram o cenário em que a SPE (constituída no exterior) é incluída em eventual

falência ou recuperação judicial de seus controladores brasileiros.

O mercado brasileiro expandiu-se rapidamente sem que as estruturas dos

financiamentos, especialmente as garantias, fossem testadas em juízo. Recentemente, contudo,

alguns pontos dessas estruturas têm sido objeto de disputas judiciais139, e tanto partes quanto

juízes parecem debater-se ou simplesmente ignorar as implicações do direito estrangeiro para

interpretação dos direitos das partes.

Um exemplo recente dessa situação é o pedido de recuperação judicial proposto por

diversas empresas do grupo Schahin.140 Imediatamente após o deferimento do processamento

da recuperação judicial, as recuperandas peticionaram ao juízo requerendo a cessação imediata

138 Deve-se ressalvar também a possibilidade de classificação do crédito com base em outras garantias conferidas pela cedente, como a hipoteca da plataforma, contrato também sujeito a questões semelhantes quanto a sua interpretação à luz do direito brasileiro. 139 A crise das empresas do grupo X levantaram diversas questões relacionadas à submissão de sociedades de propósito específico a procedimentos de recuperação judicial e falência no Brasil, validade e formalidades para reconhecimento de hipotecas marítimas estrangeiras no Brasil ou mesmo possibilidade de revisão de contratos por onerosidade excessiva. Mais recentemente, recuperações judiciais de grandes grupos nacionais, como Schahin, suscitaram novas questões importantes para operações de project finance, como a inclusão de subsidiárias estrangeiras e validade de cessões de crédito regidas por leis estrangeiras. 140 Processo nº 1037133-31.2015.8.26.0100, proposto por Schahin Engenharia S/A e outros, em trâmite perante a 2ª Vara de Falências e Recuperação Judicial da Comarca da Capital do Estado de São Paulo.

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de pagamento dos créditos supostamente cedidos aos respectivos credores (cessionários), com

a consequente restituição à Schahin, para pagamento de outras dívidas do grupo.

Na operação em questão, uma sociedade do grupo Schahin constituída no Reino Unido

(Deep Black LLP) celebrou contrato de leasing referente a um navio sonda141 (Vitoria 10000)142

junto a uma subsidiária da Petrobras constituída na Holanda, (Drill Ship International B.V. –

DSI).143 A Deep Black LLP, por sua vez, celebrou contrato de afretamento com a Petrobras,

cedendo parte da receita originada do mesmo à DSI, para pagamento do leasing contratado

junto a esta sociedade. O Capital Lease Agreement entre Deep Black LLP e DSI, que dispunha

sobre a obrigação de cessão dos créditos era regido pela lei inglesa. Não há, contudo, cópia nos

autos do contrato de cessão, que deveria seguir a mesma lei de regência.

Outra parte das receitas do afretamento teria sido cedida ao Deutsche Bank Trust

Company Americas (Deutsche Bank), na qualidade de representante (trustee) de um sindicato

de bancos que forneceram financiamento à Deep Black LLP. Para tanto, Deutsche Bank e Deep

Black LLP celebraram um Security Assignment Agreement regido por lei inglesa.

Os principais argumentos utilizados pelas recuperandas para justificar a necessidade

de desconstituição das duas cessões de crédito144 foram os seguintes:

(i) Os assignments não seriam cessões de crédito em pagamento, mas meras

garantias.

141 De acordo com Maria Augusta Paim (2011, p. 44), o navio sonda é “uma plataforma móvel com casco de navio construída especialmente com a finalidade de perfuração, ou obtida através de conversão de um navio, usada para perfuração de petróleo ou gás de águas profundas de até 4000 metros. As principais características físicas do navio-sonda são: autopropulsão, aparência convencional de navio, e a presença de torre de perfuração montada em uma abertura no casco do centro no navio chamada de moon pool”. 142 Notícias publicadas na imprensa brasileira indicam a possibilidade de fraudes na estruturação de tal operação (http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,o-navio-vitoria-encalha-na-lava-jato,1697497). Tal fato, porém, não diminui sua utilidade para ilustrar possíveis entendimentos do Judiciário sobre cessões de créditos regidas por legislação estrangeira. 143 Conforme descrito no processo, a transação foi celebrada incialmente por outras sociedades vinculadas aos grupos Schahin e Petrobras, tendo sido posteriormente cedida às sociedades mencionadas. No entanto, para fins de exposição, estão citadas apenas as partes do negócio no momento da disputa judicial. 144 Além do contrato de cessão em favor da DSI não ter sido juntado aos autos (há apenas cópia da autorização de cessão emitida pela Petrobras e que foi considerado por todos envolvidos como contrato de cessão, sem maiores questionamentos), o contrato de cessão em favor do Deutsche Bank estava sujeito a condição suspensiva (autorização da Petrobras), que não foi satisfeita. Entretanto, a maior parte dos argumentos das recuperandas foi desenvolvida assumindo a eficácia dos contratos.

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De acordo com a Schahin, “nenhum dos ‘assignments’ configuram, verdadeiramente,

uma cessão de crédito celebrada nos termos do Código Civil Brasileiro (...). Tais ‘assignments’,

claramente, são tentativas de garantir os contratos financeiros existentes entre as partes”.

Em seguida, após citar trecho de contrato entre DSI e Deep Black LLP, conclui que

“não se trata, de forma alguma, de cessão definitiva – como a referência ao citado artigo 290

do Código Civil poderia indicar – na medida em que há expressa indicação de que o saldo

eventualmente apurado após o uso da garantia deve ser retornado para a Deep Black LLP. Se

fosse cessão definitiva, e não em garantia, não haveria que se falar em tal retorno”.

(ii) Não haveria garantias de Direito Brasileiro devidamente constituídas.

O argumento, neste caso, defende que os ônus criados pela lei estrangeira “não

constituem garantias reais ou fiduciárias perfeitas e acabadas, nos termos do Direito Brasileiro,

uma vez que se tratam apenas de relação obrigacional entre as partes”. Além de limitar-se a

repetir que os contratos não foram celebrados de acordo com a legislação brasileira – como se

contratos celebrados sob a égide de outras legislações não fossem válidos nem produzissem

efeitos no Brasil –, afirmam que não podem ser considerados eficazes em relação à recuperação

judicial por não serem regulados por lei brasileira e não terem os registros exigidos pela lei

brasileira.

O juiz de primeiro grau, com base na referência ao artigo 290 do Código Civil contida

na autorização de cessão emitida pela Petrobras, reconheceu a existência de uma cessão de

crédito em favor da DSI. Entretanto, afirmou que não haveria como se interpretar “o

instrumento em que se pactuou a cessão de crédito (...), que contém expressa menção ao

dispositivo legal que trata desse negócio jurídico de alienação, como instrumento de mera

constituição de garantia. Se realmente fosse essa a intenção dos contratantes, assim teriam se

manifestado no contrato firmado”. Com relação à cessão em favor do Deutsche Bank, limita-se

a afirmar que “não se vê (...) a regular constituição de direito real de garantia ou de propriedade

fiduciária sobre parte dos créditos”.

Como se percebe, em nenhum momento, buscou-se compreender se os contratos foram

regularmente constituídos de acordo com sua lei de regência, quais efeitos tal legislação,

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conforme aplicada ao contrato, traria ao patrimônio das partes e, por fim, como essas

consequências poderiam ser interpretadas no âmbito da recuperação judicial.

De qualquer forma, o caso mostra claramente a existência de um risco relevante,

especialmente em vista do aumento das recuperações judiciais de grandes grupos após a

deflagração de investigações de corrupção e formação de cartel.

A nosso ver, a melhor forma de mitigar esse risco parece-nos ser a celebração de dois

contratos de cessão quando o projeto envolver patrocinadores brasileiros. Assim, os créditos

devidos por partes brasileiras seriam regidos por um contrato celebrado de acordo com a lei

brasileira, enquanto outros recebíveis poderiam sujeitar-se a uma cessão regida pela mesma lei

do contrato de mútuo e demais documentos do financiamento.

Por outro lado, caso a SPE seja controlada por grupos estrangeiros, a possibilidade de

proposição de recuperação judicial ou falência no Brasil seria muito pequena, reduzindo

drasticamente os riscos relacionados à qualificação e interpretação do contrato estrangeiro no

Brasil.

(d) Registro em RTD.

A LRP determina que devem ser registrados em RTD “os documentos de procedência

estrangeira, acompanhados das respectivas traduções, para produzirem efeitos em repartições

da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios ou em qualquer

instância, juízo ou tribunal” (art. 129, 6º). Neste caso, não haveria que se falar em registro no

domicílio das partes.

Entretanto, como se objetiva que o contrato seja oponível a terceiros, tal qual uma

cessão ou penhor regido por lei brasileira, entendemos que o contrato deve ser registrado,

acompanhado de tradução juramentada, nos cartórios competentes sobre o domicílio do

devedor dos créditos (cedido) e, caso o grupo controlador da SPE tenha sede no Brasil, no RTD

competente sobre seu principal estabelecimento.

3.4.3 Conclusão parcial.

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A constituição de garantia sobre os créditos regida por legislação estrangeira é a forma

mais comumente utilizada na prática, pois (a) permite a utilização de lei mais familiar aos vários

financiadores que podem estar envolvidos no mesmo projeto, (b) reduz custos de transação, na

medida em que permite a utilização do mesmo modelo de minuta para operações em países

diversos, e (c) pode ser utilizada para a cessão de outros recebíveis do projeto, além das receitas

do afretamento.

Por outro lado, casos recentes, como dos grupos Schahin e OGX/OSX mostraram um

relevante risco de que SPEs controladas – direta ou indiretamente – por grupos brasileiros sejam

trazidas para processos de recuperação judicial ou falência no Brasil.

Nestes casos, parece-nos que ter um contrato regido por lei brasileira pode conferir

maior segurança e previsibilidade aos credores estrangeiros. Particularmente, uma cessão

fiduciária, ainda que sujeita a contra-argumentos e riscos, apresentaria a melhor relação entre

os benefícios e riscos, já que permitiria maior possibilidade de se alcançar o melhor cenário

possível aos financiadores, que é a não sujeição de seus créditos a nenhum processo de

insolvência no Brasil.

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3.5. Quadro Sinótico das Alternativas.

Justificativas / vantagens Riscos / desvantagens

1. Cessão de créditos regida pelo Código Civil

Facilidade para formalização e

aperfeiçoamento: a cessão de crédito

realizada de acordo com as regras do

Código Civil não depende registro,

consentimento do devedor nem forma

específica. Basta a celebração de contrato

que atenda aos requisitos gerais de

validade do negócio jurídico (art. 104 do

Código Civil).

Registro e validade perante terceiros:

como a lei de registros públicos não

contém regra sobre a competência para

registro em RTD de contratos em que não

há partes brasileiras, é impossível

determinar com segurança o local

adequado para registro do contrato de

cessão, para fins de efeitos perante

terceiros. Sugere-se o registro no

domicílio do devedor (cedido) e no

principal estabelecimento dos

patrocinadores, quando forem brasileiros.

Transmissão imediata da titularidade do

direito: o direito de crédito é transferido ao

cessionário/credor da SPE no momento da

celebração do contrato,

independentemente de registro ou

notificação, que são necessários para

oponibilidade perante terceiros, incluindo

o devedor.

Simulação e desqualificação do contrato:

pode-se alegar que se trata de simulação

com o intuito de apenas retirar os

recebíveis do patrimônio do cedente e

como a legislação prevê um contrato

típico (cessão fiduciária), é possível

argumentar que não seria permitido

celebrar um contrato fiduciário atípico de

cessão. Entende-se que esta a estrutura

tem fundamento econômico e jurídico e

que os riscos são diferentes dos da cessão

fiduciária.

Nacionalidade do credor: não há riscos

relacionados à nacionalidade do

credor/cessionário, ao contrário do que

Créditos futuros: o argumento defendendo

a impossibilidade de cessão de crédito

futuros pode levar à cessão a tornar-se

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ocorre com a cessão fiduciária. Neste

caso, é indiferente (para fins de validade

do contrato) se o credor é constituído ou

domiciliado no Brasil ou no exterior.

ineficaz com relação aos créditos que

ainda não sejam efetivamente devidos em

razão ao cumprimento do contrato de

afretamento. Entende-se que a doutrina é

pacífica quanto à possibilidade de cessão

de créditos futuros.

Qualidade do credor: qualquer pessoa

capaz pode figurar como cessionário em

uma cessão de crédito, ao contrário de

uma cessão fiduciária, que deve ser

celebrada no âmbito do mercado

financeiro e de capitais. Dessa forma, esta

estrutura pode ser utilizada como

alternativa em operações em que

cessionário não faz parte do sistema

financeiro.

Incerteza quanto ao tratamento em caso de

insolvência do cedente: ao contrário da

cessão fiduciária, discutida em

profundidade pelo Judiciário, não há

indicações de como um contrato fiduciário

atípico de cessão seria interpretado pelo

Judiciário. Em vista da forte resistência à

aceitação da exclusão da cessão fiduciária

dos efeitos da recuperação judicial, pode-

se considerar elevado o risco de

desconsideração da cessão e sujeição do

crédito ao processo de recuperação.

Conformidade com o modelo de

autorização da Petrobras: o modelo de

autorização de cessão utilizado pela

Petrobras refere-se a artigo do Código

Civil. Celebração de contrato regido pelas

regras do Código Civil reduz risco de

disputas quanto à conformidade da cessão

à autorização.

Eleição da lei: a Lei de Introdução às

Normas do Direito Brasileiro determina a

aplicação da lei do local em que as

obrigações se formarem para regê-las.

Como as partes da cessão são estrangeiras

(SPE x bancos) e geralmente o contrato é

assinado fora do país, é possível que se

crie um imbróglio jurídico sobre a lei de

regência do contrato caso se considere

inválida a eleição da lei brasileira. Sugere-

se a assinatura do contrato no Brasil para

mitigação do risco.

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2. Cessão fiduciária de direitos creditórios

Não sujeição a recuperação judicial: o STJ

entende que a exclusão do “proprietário

fiduciário” dos efeitos da recuperação

judicial, nos termos do §3º do art. 49 da

Lei 11.101 aplica-se à cessão fiduciária.

No entanto, alguns Tribunais de Justiça

ainda mantêm resistência, o que poderia

prolongar eventual disputa sobre o

assunto.

Risco de interpretação de que cessão se

aplica apenas a instituições partes do

mercado financeiro brasileiro: a redação

do artigo 66-B da Lei 4.728/1965 é vaga

ao se referir a negócios realizados “no

âmbito do mercado financeiro e de

capitais”, permitindo a interpretação de

que apenas empresas atuantes no mercado

financeiro – conforme definido na

legislação brasileira – teriam legitimidade

para celebrar este tipo de negócio.

Entendemos que qualquer operação

celebrada no âmbito do mercado

financeiro ou de capitais seja passível,

inclusive em âmbito global/internacional.

Menor risco de requalificação em relação

à cessão do Código Civil: como há

tipificação legal deste contrato, haveria

menos riscos de questionamento ou

requalificação da estrutura, ressalvando-se

posições como de alguns

Desembargadores do TJ-RJ, que

requalificam a cessão de fiduciária um

penhor de créditos.

Definição do RTD competente para

registro: semelhantemente à cessão regida

pelas regras do Código Civil, o fato das

partes serem estrangeiras dificulta a

definição do RTD competente para

registro. Entretanto, neste caso, as

consequências para ausência ou

irregularidade do registro podem ser mais

gravosas, se se considerar o registro como

uma condição para existência e validade

do contrato.

Validade da eleição de lei de regência:

assim como na hipótese da cessão regida

pelas regras do Código Civil, o fato das

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partes serem estrangeiras pode gerar

questionamentos sobre a lei aplicável,

caso o contrato não tenha sido celebrado

fisicamente no Brasil.

3. Penhor de créditos.

Segurança jurídica: o contrato de penhor é

expressamente regulado pelo Código Civil

e não haveria maiores riscos quanto à

interpretação dos direitos decorrentes de

sua celebração. Também não há riscos

quanto à celebração por partes

estrangeiras.

Submissão à recuperação judicial e

falência: ao contrário da cessão fiduciária

e, possivelmente (apesar das incertezas)

da cessão comum, o crédito garantido por

penhor certamente sujeita-se ao processo

de recuperação judicial, com melhor

classificação do que os quirografários.

Garantias adicionais previstas no Código

Civil para garantias reais: o Código Civil

prevê mecanismos de proteção do credor,

como o art. 1.425, que acabam exercendo

função semelhante à de covenants.

Maiores formalidades: Código Civil

impõe uma série de deveres ao credor e

formalidades para constituição do

contrato, os quais implicam maior

responsabilidade e trabalho para cumprir

formalidades ou afastar disposições que

não se aplicam à operação.

Definição do RTD competente para

registro: semelhante à cessão fiduciária.

Há dificuldade para determinação do RTD

competente, o que pode afetar a própria

existência e validade da garantia.

Lei aplicável: artigo 8º, §2º, da Lei de

Introdução às Normas do Direito

Brasileiro prevê a lei do domicílio do

possuidor do bem para regular o penhor.

A interpretação do artigo pode gerar

dificuldades e também tornar incerta a

eleição de lei brasileira.

4. Cessão regida por lei estrangeira

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Familiaridade: a utilização de um contrato

regido por lei estrangeira permite aos

financiadores optarem pela legislação

cujas regras lhes são mais familiares, pois

razões culturais (país de sua sede) ou

empresariais (utilização em operações

passadas).

Prova do direito estrangeiro e sua

interpretação no Judiciário: a prova do

conteúdo e a interpretação do direito

estrangeiro trazem grandes incertezas, em

vista da dificuldade de extrair a norma

como ela é aplicada no ordenamento

estrangeiro e também de traduzir a norma

para o português adequadamente.

Custos de transação: a repetição de

minutas de operações passadas permite a

economia de custos de transação, na

medida em que não é necessário

desenvolver uma minuta específica para

lei brasileira. Além disso, os diversos

bancos envolvidos no financiamento não

precisam aplicar tempo e recursos na

identificação e mensuração dos riscos com

o novo contrato.

Discussão no âmbito de processos de

insolvência do grupo patrocinador:

quando controladas por grupos brasileiros,

haveria risco da SPE do projeto ser trazida

para processos de recuperação judicial ou

falências no Brasil. Neste caso, a incerteza

sobre a qualificação pelo juiz do contrato

estrangeiro pode levar à inclusão dos

credores como quirografários. Os riscos

provavelmente seriam elevados, em face

dos incentivos de todas partes (exceto os

financiadores) para desconsideração da

uma cessão.

Inclusão de créditos diversos: outro fator

que leva à redução de custos de transação

é a utilização do mesmo contrato para

capturar todos os créditos devidos pelas

diversas partes envolvidas no projeto

(fornecedores, estaleiro, seguradoras,

etc.).

Afastamento da lei estrangeira: em razão

de ofensa à ordem pública, lei de aplicação

imediata ou fraude à lei. Análise é feita

caso a caso e sujeita a grande

discricionariedade pelo juiz.

Registro em RTD: publicidade deve ser

buscada da mesma forma que os demais

contratos estudados, com o objetivo de

que o contrato seja oponível a terceiros.

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4 CONCLUSÃO

O presente trabalho teve como origem a tentativa de identificar os riscos relacionados

aos contratos de cessão de créditos usualmente celebrados em financiamentos internacionais,

em particular nos financiamentos de plataformas de produção de petróleo.

Durante os anos de crescimento do mercado de petróleo e gás no Brasil, puxados pela

intensa expansão dos investimentos da Petrobras, os contratos foram cumpridos sem maiores

problemas e eventuais dúvidas acerca da real eficácia dos pacotes de garantia foram mantidas

em segundo plano.

A derrocada das empresas do grupo X, particularmente OSX e OGX, deu um primeiro

golpe na aparente estabilidade do mercado, exigindo maior atenção às estruturas contratuais

desenvolvidas, especialmente às garantias. A tentativa de inclusão de empresas estrangeiras dos

grupos nos processos de recuperação trouxe novo elemento de risco ao negócio.

Com o estouro da crise no setor de petróleo em razão de fatores diversos, como a queda

nos preços do petróleo, a crise fiscal do Brasil, escândalos de corrupção envolvendo a Petrobras

e o altíssimo endividamento da Petrobras, as primeiras disputas sobre garantias passaram a

surgir.

No processo de recuperação judicial da Schahin Engenharia S/A, a empresa em

recuperação conseguiu trazer ao processo uma sociedade de propósito específico estrangeira

com o objetivo de utilizar os recebíveis decorrentes do afretamento de uma unidade de

perfuração à Petrobras para tentar sanear o caixa do grupo. Para tanto, buscou a desconsideração

de cessões de crédito supostamente celebradas pela empresa.

O caso ainda não foi definitivamente julgado pelo Judiciário, mas, independentemente

do seu resultado final, serve como exemplo de um risco a que as estruturas de financiamento

de projetos estão expostas.

Em vista disso, resolvemos pesquisar as principais vantagens e riscos de cada estrutura

disponível para garantir o acesso de credores estrangeiros a créditos devidos por partes

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brasileiras: a cessão de créditos regida pelo Código Civil, a cessão fiduciária de créditos, o

penhor de créditos e a celebração de contratos regidos por lei estrangeira.

Partimos da premissa de que o credor estrangeiro precisaria buscar o Judiciário

brasileiro para exercer seus direitos principalmente em três situações: (i) cobrança direta do

devedor; (ii) disputas com outros credores da SPE (titular original dos créditos) que tentem

utilizar os recebíveis para pagamento de suas dívidas; e (iii) sujeição do financiamento a um

processo de recuperação judicial ou falência perante tribunais brasileiros.

Com relação à possibilidade de cobrança da dívida do devedor diretamente pelo credor

estrangeiro, entendemos que a cessão comum e a cessão fiduciária, por transferirem a

titularidade sobre o crédito, garantiriam esse direito sem maiores questionamentos. O penhor,

mais do que permitir essa ação do credor, cria um dever de cobrar, o qual poderia inclusive

resultar em responsabilização. No caso do contrato estrangeiro, acreditamos que a maior

dificuldade seria a demonstração dos efeitos do contrato sobre a mudança de titularidade ou

outros direitos criados sobre o crédito.

Os riscos relacionados a possíveis disputas com terceiros estão diretamente

relacionados aos efeitos do registro do contrato celebrado no RTD. Como a Lei de Registros

Públicos elege apenas o domicílio das partes como critério para definir a competência para

registro, cria-se uma grande dúvida sobre o local adequado para registro quando não há parte

brasileira. Neste caso, entendemos que o registro deva ser feito no local em que houver maior

vínculo com o território brasileiro. No caso tomado como referência, tal local seria o domicílio

do devedor dos créditos oferecidos em garantia.

De certa forma, esse risco também se aplicaria no caso da recuperação ou falência, na

medida em que o contrato precisaria ser oponível contra todos os credores sujeitos ao processo.

Neste caso, entendemos que o registro deveria ser realizado no principal estabelecimento do

patrocinador do projeto (controlador da SPE).

Por fim, o principal risco identificado é a inclusão da SPE em processo de recuperação

judicial ou falência no Brasil e, consequentemente, a sujeição do financiamento a tais processos.

Precisamos trabalhar com dois cenários distintos para comentar o resultado de nossa análise

sobre esta questão.

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No primeiro, em que os patrocinadores são grupos brasileiros, entendemos que o risco

é consideravelmente maior, especialmente no atual cenário econômico brasileiro, em que vários

fornecedores da Petrobras enfrentam sérias dificuldades.145

Neste caso, acreditamos que a melhor alternativa é a cessão fiduciária, em razão da

disposição do art. 49, §3º da Lei de Recuperação Judicial e Falências, que expressamente exclui

o proprietário fiduciário dos efeitos do processo de recuperação. O posicionamento claro do

STJ sobre tal exclusão suporta essa conclusão. Em razão da transferência de titularidade, tais

créditos também não se sujeitariam à falência, sendo passíveis de pedido de restituição.

A cessão comum e contratos regidos por lei estrangeira que impliquem mudança de

titularidade sobre o crédito também poderiam alcançar o mesmo objetivo. Por não haver

dispositivo expresso na LRF nem precedentes jurisprudenciais, porém, achamos difícil fazer

uma avaliação mais precisa desse risco.

Ressaltamos, contudo, que nenhuma alternativa conferiria segurança total em caso de

recuperação judicial ou falência, pois todas apresentam pontos que podem, em tese, servir de

justificativa146 para a submissão dos créditos à recuperação judicial ou à falência. Acreditamos

que esse risco é aumentado por uma certa tendência de alguns tribunais de buscar atender ao

princípio da preservação da empresa a todo custo.

Na hipótese de os patrocinadores serem estabelecidos fora do Brasil, acreditamos que

o risco seria muito menor, de forma que todas as alternativas de garantia seriam viáveis. Parece-

nos, porém, que a cessão comum, regida pelo Código Civil talvez apresentaria menos riscos,

uma vez que sua constituição exige menor formalidade e o registro em RTD não afetaria sua

existência (como pode ocorrer com o penhor e a cessão fiduciária).

145 Podemos citar como principais exemplos os grupos OAS, Galvão Engenharia e Schahin Engenharia, que estão envolvidos em processos de recuperação judicial. 146 Destacamos como exemplos o risco relacionado ao registro em RTD e o fato da cessão fiduciária ser celebrada em favor de credor estrangeiro. Não entendemos que essas questões deveriam afetar a validade dos contratos ou sua oponibilidade perante terceiros. No entanto, reconhecemos que são argumentos possíveis.

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Dois dos riscos se apresentaram de modo constante nas quatro alternativas analisadas:

a incerteza quanto à competência do RTD adequado para realização do registro dos contratos e

as incertezas quanto à validade da escolha da lei brasileira feita pelas partes.

Quanto ao primeiro, a total ausência de manifestações da jurisprudência e doutrina

aumentam a incerteza, que poderia ser facilmente evitada por meio de alteração à lei de registros

públicos para especificar que o registro de contrato entre partes estrangeiras será realizado no

local em que houver maior vínculo com a execução do contrato. Ainda que se trate de conceito

aberto, conferiria certeza quanto à validade do contrato e possibilidade do registro.

Por outro lado, o princípio da autonomia das partes como elemento de conexão para

definição da lei aplicável é tema de extensa e antiga discussão na doutrina brasileira. Além

disso, diversos projetos de lei e tratados internacionais trataram do tema, sem que o legislador

tenha se disposto a reformar as normas de Direito Internacional Privado.

Os efeitos concretos da utilização de contratos regido por leis estrangeiras dependem,

obviamente, do conteúdo da lei de regência. De todo modo, sua discussão perante o Judiciário

brasileiro passaria pelo difícil e incerto processo de prova e interpretação das normas

estrangeiras pelo juiz brasileiro, o que, sem dúvida, é um inconveniente para o credor. A análise

pelo juiz da conformidade do contrato com a ordem pública e leis de aplicação imediata também

confere razoável discricionariedade ao juiz, aumentando a possibilidade de decisões que

restrinjam a validade e exequibilidade desses contratos no Brasil.

Por fim, observamos que os questionamentos realizados neste trabalho também podem

ser úteis para outras estruturas em que partes estrangeiras tenham garantias sobre créditos

devidos por partes domiciliadas no Brasil.

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111

APÊNDICE A

PLATAFORMAS MODELO FPSO (FLOATING PRODUCTION, STORAGE AND

OFFLOADING) EM OPERAÇÃO NO BRASIL NO ANO DE 2015

NOME PROPRIETARIO (OP)

OPERADOR BANDEIRA147

1. BW Cidade de São Vicente

BW Offshore Petrobras BERMUDA

2. Capixaba SBM Petrobras BAHAMAS 3. Cidade de Anchieta

SBM Petrobras BAHAMAS

4. Cidade de Angra dos Reis (MV22)

Modec Petrobras BAHAMAS

5. Cidade de Ilhabela

SBM Petrobras BAHAMAS

6. Cidade de Itajaí Teekay Petrobras BAHAMAS 7. Cidade de Mangaratiba (MV24)

Modec Petrobras BAHAMAS

8. Cidade de Niteroi (MV18)

Modec Petrobras BAHAMAS

9. Cidade de Paraty SBM Petrobras BAHAMAS 10. Cidade de Rio de Janeiro (MV14)

Modec Petrobras BAHAMAS

11. Cidade de Santos (MV20)

Modec Petrobras BAHAMAS

12. Cidade de São Paulo (MV23)

Modec Petrobras BAHAMAS

13. Cidade de Vitória

Saipem Petrobras BAHAMAS

14. Dynamic Producer (PIPA2)

DPI Petrobras LIBERIA

15. Espírito Santo (BC-10)

SBM Shell BAHAMAS

16. Fluminense FPSO

Shell (Modec) Shell BAHAMAS

17. Frade Chevron (SBM) Chevron BAHAMAS 18. Marlim Sul SBM Petrobras BAHAMAS 19. OSX-1 OSX OGX LIBERIA 20. P-31 Petrobras Petrobras PANAMA 21. P-32 Petrobras Petrobras ILHAS

MARSHALL 22. P-33 Petrobras Petrobras PANAMA 23. P-34 Petrobras Petrobras PANAMA148

147 Site www.marinetraffic.com. Consultas realizadas em 6 de setembro 2015. 148 Pesquisa no site www.vesselfinder.com. Consulta realizada em 6 de setembro 2015.

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112

24. P-35 Petrobras Petrobras PANAMA 25. P-37 Petrobras Petrobras PANAMA 26. P-43 Petrobras Petrobras PANAMA 27. P-48 Petrobras Petrobras PANAMA 28. P-50 Petrobras Petrobras ILHAS

MARSHALL 29. P-53 CDC (PB) Petrobras ILHAS

MARSHALL 30. P-54 Petrobras Petrobras ILHAS

MARSHALL 31. P-57 Petrobras (SBM) Petrobras ILHAS

MARSHALL 32. P-58 Petrobras Petrobras ILHAS

MARSHALL 33. P-62 Petrobras Petrobras PANAMA 34. P-63 BW Offshore (PB) Petrobras ILHAS

MARSHALL 35. Peregrino Statoil (BW) Statoil BAHAMAS 36. Piranema Spirit Teekay (Sevan) Petrobras BAHAMAS 37. Polvo BW (HRT) HRT PANAMA

37 plataformas

37 estrangeiras

31 afretadas pela Petrobras e 6 por outras operadoras

16 de propriedade da operadora e 21 contratadas de fornecedores

Fonte: Offshore Magazine

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113

APÊNDICE B

DECISÕES DO STJ SOBRE SUJEIÇÃO DA CESSÃO FIDUCIÁRIA À

RECUPERAÇÃO JUDICIAL

Processo Relator Turma / Seção Julgamento Observação

AgRg no REsp 1514911/GO

Min. Maria Isabel Gallotti T4 06/10/2015

Decisão cita os dois paradigmas como referência.

AgRg no AREsp 734102 / MG

Min. Maria Isabel Gallotti T4 01/09/2015 Não trata de cessão fiduciária.

AgRg no REsp 1482441 / PE

Min. Marco Aurélio Bellizze T3 25/08/2015

Decisão cita os dois paradigmas como referência.

AgRg nos EDcl no AREsp 575818 / SP

Min. Moura Ribeiro T3 04/12/2014 Não trata de cessão fiduciária.

Rcl 18538 / PA Min. Antonio Carlos Ferreira

S2 (T3/T4) 24/09/2014

Decisão cita os dois paradigmas como referência.

AgRg no REsp 1306924 / SP

Min. Paulo de Tarso Sanseverino T3 12/08/2014

AgRg nos EDcl na MC 22761 / MS

Min. Sidnei Beneti T3 05/08/2014

Cita os dois paradigmas. Não é claro quanto à garantia ("créditos objeto de alienação fiduciária")

AgRg no REsp 1181533 / MT

Min. Luis Felipe Salomão T4 05/12/2013

Decisão cita os dois paradigmas como referência.

AgRg no REsp 1326851 / MT

Min. Sidnei Beneti T3 19/11/2013

Decisão cita os dois paradigmas como referência.

AgRg no CC 124489 / MG

Min. Raul Araújo

S2 (T3/T4) 09/10/2013

Decisão cita os dois paradigmas como referência.

EDcl no RMS 41646 / PA

Min. Antonio Carlos Ferreira T4 24/09/2013

Decisão cita os dois paradigmas como referência.

AgRg no CC 124795 / GO

Min. Antonio Carlos Ferreira

S2 (T3/T4) 26/06/2013

Recurso trata do tema, mas decisão trata apenas de aspectos processuais. Decisão menciona precedentes.

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114

REsp 1202918 / SP

Min. Ricardo Villas Bôas Cueva T3 07/03/2013

Primeiro caso da Terceira Turma. Serve como paradigma para decisões posteriores.

REsp 1263500 / ES

Min. Maria Isabel Gallotti T4 05/02/2013

Primeiro caso da Quarta Turma. Serve como paradigma para decisões posteriores.

AgRg na MC 17722 / MT

Ministro Vasco Della Giustina (Des. convocado TJ/RS) T3 03/03/2011

Recurso trata do tema, mas decisão trata apenas de aspectos processuais. Decisão menciona que tema é inédito no STJ.

REsp 867772 / ES

Min. Sidnei Beneti T3 19/08/2010 Não trata de cessão fiduciária.

REsp 757598 / MG Min. Luiz Fux T1 17/05/2007 Não trata de cessão fiduciária.

REsp 363825 / PR

Min. Carlos Alberto Menezes Direito T3 24/06/2002 Não trata de cessão fiduciária.

REsp 31586 / RS

Min. Aldir Passarinho Junior T4 15/08/2000

Não trata de cessão fiduciária. Veículo. Registro no Detran

REsp 145901 / SP

Min. Carlos Alberto Menezes Direito T3 10/12/1998

Não trata de cessão fiduciária. Veículo. Registro no Detran

REsp 78459 / RJ

Min. Ruy Rosado de Aguiar T4 09/04/1996 Não trata de cessão fiduciária.