20265 87941-1-pb

8
37 COSTA, J. de M.; PINHEIRO, N. A. M. Imagens da Educação, v. 3, n. 2, p. 37-44, 2013. O ENSINO POR MEIO DE TEMAS-GERADORES: A EDUCAÇÃO PENSADA DE FORMA CONTEXTUALIZADA, PROBLEMATIZADA E INTERDISCIPLINAR doi: 10.4025/imagenseduc.v3i2.20265 Jaqueline de Morais Costa* Nilcéia Aparecida Maciel Pinheiro ** * Faculdades Integradas dos Campos Gerais – CESCAGE. [email protected] ** Universidade Tecnológica Federal do Paraná – UTFPR. [email protected] Resumo O objetivo do presente artigo é discutir sobre o emprego de temas geradores como uma proposta de método de ensino. Pretende-se apresentar um estudo teórico sobre o contexto histórico que deu origem à proposta do ensino por meio de temas geradores, seus pressupostos e diferenciais para a educação. Tendo como base teórica principal o autor Paulo Freire, é possível reconhecer em sua proposta de educação, inicialmente pensada para a formação de adultos, a aplicabilidade para o ensino regular, independentemente da etapa da escolarização.Verificou-se que, como benefícios para a prática escolar, o emprego de temas geradores possibilita um ensino mais significativo, a promoção da interdisciplinaridade, o desenvolvimento da autonomia e do senso crítico do educando, além da aproximação entre professor e aluno. Palavras-chave: Investigação temática. Paulo Freire. Formação crítica. Abstract. The teaching by means of themes-generators: education on the thought of how contextualized, problematized and interdisciplinary. The objective of this article and discuss on the employment of generating themes as a proposal for teaching method. Intends to present a theoretical study of historical context that gave rise to the proposal of teaching by means of generating themes, its assumptions and differentials for education. Having as a theoretical base main the author Paulo Freire, it is possible to recognize in its proposal for education, originally thought to the training of adults, the applicability to the regular education, regardless of stage of schooling. It was found that as benefits for school practice, the employment of generating topics enables a teaching more significant, the promotion of interdisciplinary, the development of autonomy and critical sense of the student, in addition to the rapprochement between teacher and student. Keywords:Thematic research. Paulo Freire. Training critical. Introdução Falar em educação vai além da reflexão sobre a docência de conteúdos específicos elencados em uma matriz curricular. Na atualidade, cada vez mais, discute-se sobre a necessidade da formação integral, aquela capaz de desenvolver, além de competências e habilidades técnicas, também atitudes e, com isso, ser capaz de despertar nos estudantes um olhar mais crítico sobre os fenômenos que cercam seu contexto. Para essa formação, porém, é importante que os professores tenham clareza sobre o papel da educação e que reconheçam a função que exercem nesse processo. Quando o educador ultrapassa o posto de mero reprodutor de conhecimento, assumindo a postura de transformador da realidade, enxerga a

description

Tema gerador

Transcript of 20265 87941-1-pb

Page 1: 20265 87941-1-pb

37

COSTA, J. de M.; PINHEIRO, N. A. M. Imagens da Educação, v. 3, n. 2, p. 37-44, 2013.

O ENSINO POR MEIO DE TEMAS-GERADORES:A EDUCAÇÃO PENSADA DE FORMA CONTEXTUALIZADA,

PROBLEMATIZADA E INTERDISCIPLINARdoi: 10.4025/imagenseduc.v3i2.20265

Jaqueline de Morais Costa*Nilcéia Aparecida Maciel Pinheiro **

* Faculdades Integradas dos Campos Gerais – CESCAGE. [email protected]** Universidade Tecnológica Federal do Paraná – UTFPR. [email protected]

ResumoO objetivo do presente artigo é discutir sobre o emprego de temas geradores comouma proposta de método de ensino. Pretende-se apresentar um estudo teóricosobre o contexto histórico que deu origem à proposta do ensino por meio detemas geradores, seus pressupostos e diferenciais para a educação. Tendo comobase teórica principal o autor Paulo Freire, é possível reconhecer em sua propostade educação, inicialmente pensada para a formação de adultos, a aplicabilidade parao ensino regular, independentemente da etapa da escolarização.Verificou-se que,como benefícios para a prática escolar, o emprego de temas geradores possibilitaum ensino mais significativo, a promoção da interdisciplinaridade, odesenvolvimento da autonomia e do senso crítico do educando, além daaproximação entre professor e aluno.Palavras-chave: Investigação temática. Paulo Freire. Formação crítica.

Abstract. The teaching by means of themes-generators: education on thethought of how contextualized, problematized and interdisciplinary. Theobjective of this article and discuss on the employment of generating themes as aproposal for teaching method. Intends to present a theoretical study of historicalcontext that gave rise to the proposal of teaching by means of generating themes,its assumptions and differentials for education. Having as a theoretical base mainthe author Paulo Freire, it is possible to recognize in its proposal for education,originally thought to the training of adults, the applicability to the regulareducation, regardless of stage of schooling. It was found that as benefits for schoolpractice, the employment of generating topics enables a teaching more significant,the promotion of interdisciplinary, the development of autonomy and criticalsense of the student, in addition to the rapprochement between teacher andstudent.Keywords:Thematic research. Paulo Freire. Training critical.

IntroduçãoFalar em educação vai além da reflexão

sobre a docência de conteúdos específicoselencados em uma matriz curricular. Naatualidade, cada vez mais, discute-se sobre anecessidade da formação integral, aquela capazde desenvolver, além de competências ehabilidades técnicas, também atitudes e, comisso, ser capaz de despertar nos estudantes um

olhar mais crítico sobre os fenômenos quecercam seu contexto.

Para essa formação, porém, é importanteque os professores tenham clareza sobre o papelda educação e que reconheçam a função queexercem nesse processo. Quando o educadorultrapassa o posto de mero reprodutor deconhecimento, assumindo a postura detransformador da realidade, enxerga a

Page 2: 20265 87941-1-pb

38

COSTA, J. de M.; PINHEIRO, N. A. M. Imagens da Educação, v. 3, n. 2, p. 37-44, 2013.

importância da forma de condução do ensinodos alunos, independentemente da etapa deescolarização.

Assim, não é possível promover atransformação com práticas de ensinoengessadas e baseadas na repetição para amemorização. Tais métodos assumem umapostura domesticadora de educação, tantas vezescriticada por Paulo Freire.

Buscando formas de educar de modo apromover uma escolarização cumpridora de seupapel social, discute-se, neste artigo, o empregode temas geradores como uma proposta demétodo de ensino. Partindo-se dasconsiderações acima destacadas sobre aeducação, faz-se uma breve explanação docontexto histórico que deu origem a essaproposta, seus pressupostos e diferenciais para aeducação.

Reflexões sobre o ato de educar

Com base nas explanações anteriores,entende-se que a educação precisa adaptar-se aomundo e às suas transformações. Metodologiasde ensino que entendem os sujeitos dosprocessos de ensino e aprendizagem comoprofessor-locutor e aluno-receptor nãopropiciam a formação de cidadãos que atendamaos anseios da sociedade atual.

Essas necessidades sociais, porém, nãoconsistem em educar para a domesticação, emtorno de uma obediência cega aos preceitosimpostos pelas diversas esferas componentesdos modos de organização social, mas sim “[...]para a formação de homens que respondam comfirmeza à exploração, que sejam idôneos osuficiente para idealizar e viabilizar mudançasreais e positivas” (NADAL; PAPI, 2007, p. 17).

Para Freire (2002), o ensino precisa gerar acapacidade de ler, apreender e transformarsituações marcadas pela exploração, negligência,discriminação, entre tantos outros problemassociais existentes em nosso meio.

Para que esse processo se concretize noambiente escolar, é necessário que o alunodesenvolva a capacidade de leitura einterpretação das diferentes situações quecircundam sua vida e se reconheça como sujeitoativo no meio onde vive. Nesse sentido,segundo Freire (2009), não se pode tratar oconhecimento como algo estático e alheio aoque o aluno vive, ou seja, um ensinocontextualizado precisa ser uma prática

constante nas escolas, em todos os seus níveisde formação.

A partir do momento que o mundo externoé trazido para o interior da escola, professores ealunos agem de forma coletiva sobre oreconhecimento do saber. “Essa relação dedesafio e de construção coletiva, por seu caráterde projeto, é alimentada pela percepção dogrupo de suas conquistas e pelos novos desafiosque constantemente se apresentam”(DELIZOICOV; ANGOTTI; PERNAMBUCO,2002, p. 153). A ação direta do aluno naconstrução de seu conhecimento é bastantediscutida por Freire (1999, p. 51), podendo sermelhor ilustrada quando o autor afirma que:

A partir das relações do homem com arealidade, resultantes de estar com ela e deestar nela, pelos atos de criação, recriaçãoe decisão, vai ele dinamizando seu mundo.Vai dominando a realidade. Vaihumanizando-a. Vai acrescentando a elaalgo de que ele mesmo é fazedor. Vaitemporalizando os espaços geográficos.Faz cultura.

Nessa perspectiva, o educando não poderáficar à margem do processo educativo, como naconfiguração linear apresentada na figura 1:

Professor

(conhecimento)

AlunoFigura 1: Esquema do ensino linear

Fonte: Autora

Ao contrário do ensino representado nafigura, é necessário “reconhecer que esse alunoé, na verdade, o sujeito de sua aprendizagem; équem realiza a ação, e não alguém que sofre ourecebe uma ação” (DELIZOICOV; ANGOTTI;PERNAMBUCO, 2002, p. 122). Dessa forma, oeducando não pode estar na ponta final, mas simser considerado como sujeito central doprocesso educativo. Práticas tradicionais nãooportunizam ao professor a estrutura necessáriapara práticas de ensino mais críticas e nãoinstigam nos alunos o interesse pela pesquisa deforma que promovam o aprendizado como umprocesso de descoberta. Sobre isso, segundo

Page 3: 20265 87941-1-pb

39

COSTA, J. de M.; PINHEIRO, N. A. M. Imagens da Educação, v. 3, n. 2, p. 37-44, 2013.

Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2002, p.151-152),

[...] o professor é, na sala de aula,porta-voz de uma conteúdo escolar, quenão é só um conjunto de fatos, nomes eequações, mas também uma forma deconstruir um conhecimento específicoimbuído de sua produção histórica eprocedimentos próprios. Como principalporta-voz do conhecimento científico, é omediador por excelência do processo deaprendizagem do aluno.

Diante destas afirmativas, considera-se queensinar hoje não depende somente de técnicas,procedimentos e domínio de conteúdo(DELIZOICOV; ANGOTTI; PERNAMBUCO,2002). A ação do professor necessita ir além, afim de se promover uma educação atingível atodos. Desse modo, é questionável que aindagrande parte dos professores utilizem, comoprincipal material de apoio, o livro didático.Apesar de hoje haver políticas de avaliação dolivro didático, como por exemplo, o ProgramaNacional do Livro Didático (PNLD) lançadopelo Ministério da Educação (MEC), Delizoicov,Angotti e Pernambuco (2002, p. 37)argumentam que atualmente “[...] tem-se aclareza de que o professor não pode ser refémdessa única fonte, por melhor que venha atornar-se a sua qualidade”. Por isso, o livrodidático precisa ser caracterizado como umaferramenta a mais na prática do professor, e nãocomo única e exclusiva.

Nesse caso, o professor precisa exploraroutros espaços e estratégias na sua práticapedagógica. Entre várias propostas, este trabalhotrata das práticas de ensino por meio de temasgeradores por ser considerada pelos autorescomo uma estratégia promotora de umaformação crítica, interdisciplinar econtextualizada.

O Ensino por meio de Temas Geradores

O grande desafio do professor é construirpráticas que propiciem aos alunos uma visãomais crítica do mundo que o rodeia. Estapreocupação, segundo Saviani (2000), tem sidotratada pelas tendências educacionaisprogressistas, da qual fazem parte as teoriasLibertadora, Progressista Libertária e CríticoSocial dos Conteúdos. Entre as teoriasapontadas, será destacada a Pedagogia

Libertadora, por melhor embasar este trabalhode pesquisa.

Em Tozoni-Reis (2006, p. 104), a PedagogiaLibertadora é explicada como:

[...] a forma de trabalho educativo é ogrupo de discussão, que conduz oprocesso educativo buscando osconteúdos problematizadores, realizandoas discussões, compartilhando asdescobertas, definindo as atividades e ostemas geradores como ponto de partidapara a decodificação das sílabas e,principalmente, a decodificação do mundosocial, histórico, político e cultural ondevivem os oprimidos nas sociedadesdesiguais.

Esta teoria tem como seu principal expoenteo educador brasileiro Paulo Freire. Este autoriniciou práticas que revolucionaram a educaçãode adultos no Brasil, com o Movimento daCultura Popular, no ano de 1961 (GADOTTI,1999).

Ferrari, Angotti e Tragtenberg (2009)explicam que Freire desenvolveu uma estratégiapor investigação temática voltada à alfabetizaçãode adultos. Sendo assim, todo o processo deensino era baseado em temas e deles eramretirados os conteúdos escolares necessários aoaprendizado do educando.

Inicialmente, a fim de que “o diálogorealmente se efetivasse, Paulo desenvolveu umtrabalho onde o conhecido dos educandos setransformava em palavras geradoras, quepossibilitavam a participação de todos”(BARRETO, 1998, p. 89). Tais palavras eramretiradas do contexto em que se encontravam oseducandos, isso porque seria uma forma de lhespromover um ensino mais significativo.

Barreto (1998) explica que o uso de palavrasgeradoras foi substituído, posteriormente, porFreire pelo uso de temas geradores. Aocorrência ocorreu pela compreensão do autorde que as palavras geradoras alcançavam,durante as discussões com os educandos, umaabrangência maior, pois as palavras eram naverdade assuntos que geravam discussão,investigação e geração de novos conhecimentos.Esta visão fica clara no seguinte discurso deFreire (1999, p. 102):

Não seria, porém, com essa educaçãodesvinculada da vida, centrada na palavra,em que é altamente rica, mas na palavra

Page 4: 20265 87941-1-pb

40

COSTA, J. de M.; PINHEIRO, N. A. M. Imagens da Educação, v. 3, n. 2, p. 37-44, 2013.

‘milagrosamente’ esvaziada da realidadeque deveria apresentar, pobre deatividades com que o educando ganhe aexperiência do fazer, quedesenvolveríamos no brasileiro acriticidade de sua consciênciaindispensável à nossa democratização.

A apresentação mais completa sobre oensino com o uso de temas geradores éencontrada na obra Pedagogia do Oprimido(FREIRE, 2009). Essa prática é explicada peloautor como a adoção de situações que cercam arealidade de educandos e educadores. Estestemas precisam ser, não só apreendidos, masrefletidos, para que ocorra a tomada deconsciência dos indivíduos sobre eles. Mais doque palavras, os temas são objetos deconhecimentos que deverão ser interpretados erepresentados pelos aprendizes. Ainda segundoFreire (2009), os temas geradores podemassumir caráter universal, ou temas maispeculiares, denominados também desituações-limites.

Gadotti (1991) apresenta as etapas dotrabalho com temas geradores, cujo início ocorrepela etapa da investigação, onde o educador faráo levantamento de temas e palavras de granderelevância na vida dos educandos.

A etapa da tematização, que se manifesta nomomento em que a temática é apresentada aogrupo, ocorre sempre a partir de uma situaçãoreal, denominada situação figurada ou codificada(GADOTTI, 1991). Posteriormente, estasituação codificada passa pelo processo dedescodificação, onde se explora o tema e o quese conhece até aquele momento da situação emquestão, percebendo-se suas situações limites.Freire (2009, p. 125) explica melhor estemomento:

A segunda fase da investigação começaprecisamente quando os investigadores,com os dados que recolheram, chegam àapreensão daquele conjunto decontradições.A partir deste momento, sempre emequipe, escolherão algumas destascontradições, com que serão elaboradas ascodificações que vão servir à investigaçãotemática.

As situações-limites demarcam o ponto maiscrítico do diálogo problematizador, momentoeste marcado pela conscientização de que o que

se sabe não é suficiente para continuar oprocesso de construção do conhecimento.Percebe-se então a necessidade de se buscaroutras fontes de informação.

Então, os temas geradores são temas queservem ao processo decodificação-decodificação eproblematização da situação. Elespermitem concretizar, metodologicamente,o esforço de compreensão da realidadevivida para alcançar um nível mais críticode conhecimento dessa realidade, pelaexperiência da reflexão coletiva da práticasocial real. Esse é o caminhometodológico: o trabalho educativodispensa, pois, um programa pronto e asatividades tradicionais de escrita e leitura,mecanicamente executadas. A avaliação éum processo coletivo cujo foco não é o‛rendimento’ individual, mas o próprioprocesso de conscientização. O diálogo é,portanto, o método básico, realizado pelostemas geradores de forma radicalmentedemocrática e participativa(TOZONI-REIS, 2006, p. 104).

Por fim, a etapa de problematização,momento em que se efetua a práxis delineadapela reflexão-ação. O termo práxis adotado pelateoria de Paulo Freire tem suas raízes em KarlMarx (QUINTANEIRO; BARBOSA;OLIVEIRA, 2000). Segundo Aranha (1998), apráxis na óptica marxista explica que as açõeshumanas têm base em teorias; por outro lado,toda teoria é fruto das ações humanas.

Com isso, entende-se que há um diálogoconstante entre teoria e prática, configurando oesquema:

teoria prática teoria

Portanto, a concepção marxista tem como“[...] premissa inicial de uma unidade entre teoriae prática, a exigência de um desdobramento daessência prática da teoria, o desenvolvimento dasinterdependências entre teoria e prática [...]”(MUSSE, 1998, p. 27). Freire (2002, p. 44)afirma que “o próprio discurso teórico,necessário à reflexão crítica, tem de ser de talmodo concreto que quase se confunda com aprática”. Isso tudo configura que a prática pelaprática torna-se ativismo; já a práxis pedagógicaforma-se na ação e reflexão tratadas de formaindissociadas, ou ainda, a prática não pode serconcebida de um fazer inerte, sem “um saber

Page 5: 20265 87941-1-pb

41

COSTA, J. de M.; PINHEIRO, N. A. M. Imagens da Educação, v. 3, n. 2, p. 37-44, 2013.

para quê” se faz, pois quem pauta esta prática é ateoria. Dessa forma, há como atuar diretamenteno mundo, a fim de transformar a realidade(FREIRE, 2009). A figura 2 ilustra melhor oconceito de práxis pedagógica:

Figura 2: Esquema da práxis de Paulo Freire Fonte: Freire (2009, p. 89).

Desse modo, é possível observar que otrabalho com temas geradores parte do princípioda prática permeada de reflexão, pois há umaunião harmônica entre os conhecimentosconstruídos pela humanidade e sua releitura paraa compreensão de situações peculiares queenvolvem a realidade local, contribuindo, assim,para maior reconhecimento da importância dosaprendizados escolares na vida das pessoas.

Os métodos de ensino com o uso de temasgeradores são trabalhados inversamente àspropostas tradicionais. Esta última, parte doconteúdo científico e depois de sua apreensão,sendo que posteriormente o professor orienta asaplicações por meio de exercícios que podem ounão ser contextualizados.

Já com os temas geradores, parte-se dacontextualização, ou seja, de um assuntopresente no dia-a-dia dos educandos e doeducador. Na busca de uma interpretação maiscrítica do tema, percebe-se que osconhecimentos de senso comum não sãosuficientes para a plena compreensão do temaem questão. Esse é o momento em que seprovoca o aluno para a aprendizagem.

O objetivo final do processo será aapreensão dos conteúdos científicos paragarantir uma visão reformulada destes mesmostemas, uma vez que se torna essencialressignificar o meio onde se vive, em outraspalavras, “o tema gerador é o tema ponto departida para o processo de construção dadescoberta” (TOZONI-REIS, 2006, p. 103).

Como os temas geradores retratam assuntosde grandes significados para os participantes noprocesso educativo, são usados para ainterpretação e representação da realidade, sendoque seus princípios básicos, apresentados porDelizoicov, Angotti e Pernambuco (2002, p.166) são:

[...] uma visão da totalidade e abrangênciada realidade; a ruptura com oconhecimento no nível de senso comum;adotar o diálogo como sua essência; exigirdo educador uma postura crítica, deproblematização constante, dedistanciamento, de estar na ação e deobservar e se criticar nessa ação; apontarpara a participação, discutindo no coletivoe exigindo disponibilidade dos educandos.

Todo o processo educativo se configura emtorno de situações-problema reais, as quaisganham corporeificação por meio da reflexãocrítica ancorada pela teoria. O contexto é oponto de partida e o ponto de chegada dotrabalho pedagógico.

Outro ponto a ser salientado é a questãoproblematizadora presente no ensino por meiode temas geradores, explicada por Freire (2009,p. 82) da seguinte forma: “A educaçãoproblematizadora se faz, assim, um esforçopermanente através do qual os homens vãopercebendo, criticamente, como estão sendo nomundo com que e em que se acham”.

Problematizar significa partir de umasituação na qual alunos e professores buscarãojuntos as respostas necessárias para acompreensão dos temas estudados. Significatambém vir ao encontro do pressuposto de queo próprio aluno deverá reconhecer as limitaçõesdo conhecimento de senso comum e anecessidade de aprimorá-lo. Esse é o momentode ruptura, o qual promove o desequilíbrio doque já se sabe, provocando a necessidade de seconquistar estabilidade do conhecimento(DELIZOICOV; ANGOTTI; PERNAMBUCO,2002).

Com isso, rejeita-se a educação bancária, tãocriticada por Freire (1999; 2002; 2009), pois oprocesso ensino-aprendizagem não mais adotaráo modelo em que se coloca o professor comodetentor do saber e os alunos como receptoresvazios, nos quais os professores depositam seusconhecimentos.

Sendo assim, o tema gerador precisa serproblematizado para ganhar um maiorsignificado por meio de uma análise minuciosaentre dos envolvidos no processo educativo.Nessa perspectiva, Delizoicov, Angotti ePernambuco (2002, p. 122) explanam que “aaprendizagem é resultado de ações de umsujeito, não é resultado de qualquer ação: ela seconstrói em uma interação entre esse sujeito e o

Page 6: 20265 87941-1-pb

42

COSTA, J. de M.; PINHEIRO, N. A. M. Imagens da Educação, v. 3, n. 2, p. 37-44, 2013.

meio circundante, natural e social”. A educaçãoproblematizadora, proposta pela adoção detemas geradores, vem possibilitar a construçãodo conhecimento por meio da investigação,onde educador e educandos unem-se na buscapelo conhecer. A escola, assim, redireciona avisão de compreender os conhecimentoscientíficos como modelos prontos e acabados,os quais devem ser apenas fornecidos aosalunos. Ainda segundo Gadotti (1991, p. 69), “aeducação problematizadora (método daproblematização) funda-se justamente na relaçãodialógico-dialética entre educador e educando:ambos aprendem juntos”.

Além isso, é possível, no ensino por meio detemas geradores, oportunizar um enfoqueinterdisciplinar, em que as várias áreas do saberse entrelaçam em uma problemática estudada.Sobre este aspecto, Freire (2009, p. 133-134)argumenta:

Os temas que foram captados dentro deuma totalidade, jamais serão tratadosesquematicamente. Seria uma lástima se,depois de investigados na riqueza de suainterpretação com outros aspectos darealidade, ao serem ‛tratados’, perdessemesta riqueza, esvaziando-se de sua força naestreiteza dos especialismos.Feita a delimitação temática, caberá a cadaespecialista, dentro de seu campo,apresentar à equipe interdisciplinar oprojeto de ‛redução’ de seu tema.No processo de ‛redução’ deste, oespecialista busca os seus núcleosfundamentais que, constituindo-se emunidades de aprendizagem e estabelecendouma seqüência entre si, dão a visão geraldo tema ‛reduzido’.

A interdisciplinaridade presente naconcepção de Paulo Freire é discutida porPuiggrós (1999, p. 110) quando expõe que oautor a configurou no momento em que coloca:

[...] como centro do problema epriorizando a análise crítica em relação àescolha de categorias [...] O elementodecisivo na opção interdisciplinar deFreire, no entanto, é a centralidade queatribuiu ao sujeito da educação e suacompreensão do caráter complexo dessesujeito.

A compartimentalização do ensino por meiode disciplinas isoladas não pode contemplar a

adoção de temas geradores, uma vez que suaconcepção prevê o entrelaçamento doscomponentes do ensino: educando - educador -meio social - conhecimento.

Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2002)também explicam que, seguindo a abordagem dePaulo Freire, as práticas educativas necessitamde uma veiculação do conhecimento naeducação escolar, reconhecendo e trabalhandoos conceitos em dois vieses, sendo um comum eoutro científico. Isso pode ser oportunizado pormeio de uma abordagem temática, explicadacomo “perspectiva curricular cuja lógica deorganização é estruturada com base em temas,com os quais são selecionados os conteúdos deensino das disciplinas. Nessa abordagem, aconceituação científica da programação ésubordinada ao tema” (DELIZOICOV;ANGOTTI; PERNAMBUCO, 2002, p. 189).

O trabalho com os temas geradorescontempla o diálogo necessário entre a educaçãoe a realidade. Para melhor compreensão dessa,muitas vezes, os educadores precisam incluirtemas além daqueles sugeridos pelos educandos.Estes assuntos são denominados por Freire(2009) como temas dobradiças, cuja função éalinhavar os conhecimentos investigados eproduzidos com a realidade, preenchendopossíveis vazios que ocorrem para apreensãototal do assunto. Logo, o tema gerador necessitado apoio de várias áreas do saber para construirsua interpretação. Além dos temas dobradiças,há também o emprego dos temas unificadores,explicado por Delizoicov, Angotti ePernambuco (2002, p. 281) como temas que:

podem aproximar as várias ciências ,mantendo os níveis de cogniçãopreservados [...] pode-se determinar que os‛conteúdos’ a ser definidos por temassignificativos de amplo alcance e osconceitos unificadores sejamsistematicamente utilizados, para que astransferências ocorram, as desejadasapreensões ocorram e aí o conhecimento[...].

Com isso, a interdisciplinaridade éconfigurada no trabalho com temas geradores,uma vez que o tema em estudo caracteriza-secomo o ponto de encontro das diferentes áreasque formam os conhecimentos científicos.

Os pressupostos apresentados pelaabordagem educacional baseados em temasgeradores mostram-se de grande valia a partir do

Page 7: 20265 87941-1-pb

43

COSTA, J. de M.; PINHEIRO, N. A. M. Imagens da Educação, v. 3, n. 2, p. 37-44, 2013.

momento em que norteiam para uma concepçãode educação que reconhece a importância doensino contextualizado e tratado de formainterdisciplinar. Mais do que isso, coloca oeducando como participante ativo do processoeducativo, possibilitando a formação de cidadãosmais críticos e ativos na sociedade.

Considerações finais

O ensino por meio de temas geradorespoderá permear a prática do professor nasdiferentes disciplinas que ele leciona.Considerando-se que há áreas do saber em queos professores pouco se utilizam dacontextualização por considerarem “específicasdemais”, há a necessidade de proporcionar-lhesestratégias diferenciadas que promovam asuperação de tais dificuldades. Nesta discussão,reconhece-se na proposta baseada em temasgeradores a possiblidade de se desenvolver umtrabalho diferenciado, independentemente daetapa da escolarização. Apesar de ter sidoprimeiramente pensada para a educação dejovens e adultos, os temas geradores poderãoperfeitamente servir de base de ensino tambémna educação de crianças, desde que respeitadasas peculiaridades da infância na escolha dostemas.

Com o intuito de aprimorar a práticadocente para o ensino desde a educação infantil,a proposta de trabalho por meio de temasgeradores poderia favorecer a aprendizagemporque contempla situações reais. Além disso, oemprego de um tema gerador para condução dasaulas proporciona de forma direta ainterdisciplinaridade e, com isso, os conteúdospodem ser tratados à luz das diversas áreas doconhecimento que os envolvem.

Dessa forma, trabalhar mediante a propostade Paulo Freire traz inúmeros benefícios para aeducação, pois reflete em um ensino em que osalunos são envolvidos nas temáticas discutidasem sala de aula, portanto mais significativo;promove a interdisciplinaridade, porque osconteúdos não são tratados de forma isolada,mas sim dentro de uma problemática maisampla; oportuniza o desenvolvimento daautonomia e do senso crítico, uma vez que suabase é o diálogo, o que leva o aluno a descobriro conhecimento, e não receber informaçõesprontas a serem memorizadas; e, por fim,aproxima professor e aluno, pois juntos passama assumir o papel de construtores do

conhecimento, rompendo com a barreira dahierarquia entre quem sabe e quem precisaaprender.

Portanto, a formação de cidadãos maiscríticos depende diretamente das posturasassumidas pela escola. Propor ações quepermitam o diálogo reflexivo não é o elementoúnico, contudo é fundamental para a educaçãotratada de forma libertadora.

Referências

ARANHA, M. L. de A. Filosofia da educação.São Paulo: Moderna, 1998.

BARRETO, V. Paulo Freire para educadores.São Paulo: Arte & Ciência, 1998.

DELIZOICOV, D.; ANGOTTI, J. A. P;PERNAMBUCO, M. M. Ensino de ciências:fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez,2002.

FERRARI, P. C.; ANGOTTI, J. A. P.;TRAGTENBERG, M. H. R. Educaçãoproblematizadora a distância para a inserção detemas contemporâneos na formação docente:uma introdução à teoria do caos. Ciência &Educação, v. 15, n. 1, p. 85-104, 2009.Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1516-73132009000100005&script=sci_arttext>. Acesso em: 25 ago. 2010.

FREIRE, P. Educação como prática daliberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1999.

______. Pedagogia da autonomia: saberesnecessários à prática educativa. 25. ed. SãoPaulo: Paz e Terra, 2002.

______. Pedagogia do oprimido. 48. reimp.São Paulo: Paz e Terra, 2009.

GADOTTI, M. Convite à leitura de PauloFreire. 2. ed. São Paulo: Scipione, 1991.

______. História das idéias pedagógicas. SãoPaulo: Ática, 1999.

MUSSE, R. Teoria e prática. In: LOUREIRO, I.M.; MUSSE, R. (Orgs.). Capítulos domarxismo ocidental. São Paulo: UNESP, 1998.p. 13-33.

Page 8: 20265 87941-1-pb

44

COSTA, J. de M.; PINHEIRO, N. A. M. Imagens da Educação, v. 3, n. 2, p. 37-44, 2013.

NADAL, B. G; PAPI, S. O. G. O trabalho deeninar: desafios contemporâneos. In: NADAL,B. G. (Org.). Práticas pedagógicas nos anosiniciais: concepção e ação. Ponta Grossa:Editora UEPG, 2007, p. 15- 33.

PUIGGRÓS, A. Paulo Freire do ponto de vistada interdisciplinaridade. In: STRECK, D. R.(Org.). Paulo Freire: ética, utopia e educação. 3.ed. Petrópolis: Vozes, 1999.

QUINTANEIRO, T.; BARBOSA, M. L. O;OLIVEIRA, M. G. Um toque de clássicos:Durkheim, Marx e Weber. Belo Horizonte:Editora UFMG, 2000.

SAVIANI, D. Escola e democracia. 33. ed.São Paulo: Autores Associados, 2000.

TOZONI-REIS, M. F. de C. Temas ambientaiscomo “temas geradores”: contribuições parauma metodologia educativa ambiental crítica,transformadora e emancipatória. Educar emRevista, n. 27, p. 93-110, 2006. Disponível em:<http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-40602006000100007&script=sci_abstract&tlng=pt>. Acesso em: 25 ago. 2010.

Recebido em: 26/03/2012Aceito em: 29/04/2013