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  • I Motrivivencia Ano XIII, N2 18, p. 83-89 Marco/2002

    0 determinismo econOmico na midia e noesporte

    Paulo Liedtke'

    RESUMO ABSTRACT

    0 artigo trata-se de uma reflexo sobrea interferencia da 'India no futebol,

    levantando hipOteses sobre odeterminismo econOmico neste e

    noutros esportes. A partir de uma breveretrospectiva de fatos que ilustram a

    influencia da imprensa e dos patrocina-dores nos acontecimentos esportivos,aponta-se para urn o crescente desen-

    cantamento do paha) com os eventosdessa natureza.

    Palavras-chave: Midia Futebol PoderEcon8mico

    The article is a reflection on theinterference of the media in the soccer,lifting hypotheses on the economic factsin this and in another sports. Startingfrom a brief one retrospective of factsthat illustrate the influence of the pressand of the sponsors in the sportingevents, it is aimed for a the public'sgrowing desentization with the events ofthat nature.Keywords: Media - Football - EconomicPower

    1 Professor universitario, doutorando em Sociologia Polftica/UFSC. Mestre em Comunicacio e Informaciopela UFRGS e autor do livro "A Esquerda Presta Contas: comunicacao e democracia nas cidades" queencontra-se no prelo pelas editoras da UFSC e Univali.

  • Motrivhancia

    Epoca de Copa de Mundo um momento sugestivo para dis-cutir a influencia da midia no espor-te. Mais uma vez o pals vai parardiante das telas para assistir maisum evento esportivo. Talvez nesteano a audiencia n seja tao expres-siva quanto nas irltimas competi-cOes, em funco dos jogos no Japaoe Coreia acontecerem durante amadrugada aqui no Brasil. Mais istono desprestigia o esporte, pois nopals do futebol tudo gira em tornoda bola. Atraves dela correm diver-sos tipos de interesse.

    Alguns podero boicotaros jogos, fazendo um protesto par-ticular pela no convocac5o deRomario. Mas a paixo deve falarmais alto, afinal Copa do Mundo periodo de maior patriotismo. Nun-ca o povo fica tao unido em func5o.Quem dera a politica e os movimen-tos sociais tivessem o mesmo nivelde mobilizaco popular.

    0 futebol pode ser consi-derado um fenOmeno cultural bra-sileiro. Mas como qualquer culturade massa, a participaco de midiafundamental, principalmente da te-levisao.

    Vamos usar o exemplo daCopa do Mundo para refletir a influ-encia da midia no esporte. Pois as-sim como o esporte um espetacu-lo, a midia depende desses espeta-culos de forte apelo popular paragarantir sua audiencia.

    0 problema a que ha al-gum tempo no Brasil, a televisdovem interferindo cada vez mais nosacontecimentos esportivos. A fre-qiiencia de palico nos estadios estacada vez menor ( o Campeonato Bra-sileiro de Futebol tern medias emtorno de 8 mil pessoas por jogo).Ha uma troca de espetaculos esteti-cos. De um lado o esporte gerandoespetaculos para a midia, e de ou-tro os esportistas dependendo darepercusso da midia para garantira sobrevivencia financeira do fute-bol. Audiencia significa garantia de

    tanto nos estadios quantona tv, e principalmente retorno paraos patrocinadores, que conseguemdar visibilidade aos seus produtos.

    Como percebemos, so astransmissiies esportivas que estogarantindo a sobrevivencia dos clu-bes. Com as rendas cada vez meno-res nos estadios, a receita parte dacota de participaco na transmissoao vivo na tv. Dependendo da corn-peticao, o clube recebe cerca de R$100 mil por partida no Campeona-to Brasileiro, por exemplo, corn va-lores variando conforme a fase dacompetico. Os finalistas ganharomais, claro, pois aumentara a au-diencia.

    Esta relaco cada vezmais determinante na vida dos clu-bes. Como a principal fonte de ren-ds vem das redes de televiso, prin-cipalmente da Globo e suas afilia-

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    das regionais, os interesses corner-ciais dos velculos que determinamo calendario esportivo. Por exemplo,os jogos noturnos corn transmissona Globo somente acontecem apOsa novela das oito, ou seja, a partirdas 21h45min. 0 povo que vai aosestclios sacrificado. Volta para casadepois da meia noite, pois os jogosnunca terminam antes das23h3Omin. Quem est em casa tam-bem sofre, pois o horirio de it paraa cama pode ser prolongado. Casoo seu time do coraco perca a parti-da, o sono pode ainda piorar.

    Estes so exemploscos de uma hipOtese da AgendaSetting, teoria da comunicaco quediz que os meios de comunicacode massa tern o poder de pautar ouagendar acontecimentos na socieda-de, bem como a comunicacointerpessoal, pois as pessoas acabamdialogando sobre os temas exibidosna mfdia, bem como sua rotina podeser alterada em funco de eventosmidiaticos.

    E interessante tambem re-fletir sobre a supremacia da televi-so sobre os eventos esportivos. Osdemais velculos de comunicaco,como os jornais, no consegueminterferir no horario das partidas. 0jogos noturnos, que terminam per-to das 24 horas, prejudicam bastan-te a cobertura da mfdia imprensa.Neste horario os jornais ja esto emfase de impresso, principalmente a

    edico corn circulaco nacional. As-sim a repercusso do evento ficasuperficial, pois n ha tempo deincluir a materia na edico. E co-mum o caso de jornais n noticia-rem o resultado das partidas. Porexemplo, voce le a Folha de SA Pau-lo em FlorianOpolis. A edico nacio-nal fechou as 20 horas. Portanto oresultado do jogo das 21h45minn aparece na sesso de esportes.Somente nas edicifies locais quesera possfvel adequar o contend.E comum os jornais fazerem capasdiferenciadas por regio, prevendourn espaco corn a fotografia do jogo.

    Portanto, a mfdia impres-sa a mais prejudicada noagendamento televisivo. Em raiddisso, alguns jogos noturnos ntelevisionados acontecem a partirdas 20h3Omin. Assim sobra tempopara os jornais noticiarem o espet-culo. Em funco destas dificuldadesdos perindicos, imaginem como seraa cobertura da Copa do Mundo? Seo Brasil jogar pela madrugada, osimpressos somente trataro o assun-to mais de 24 horas depois do even-to? Ou vo alterar seus horarios fe-chamento e circulaco?

    0 patrocinador quemmanda

    O determinismo econ8mi-co sobre o futebol est provocandourn desencantamento do esporte. As

  • 86 Mot ' ' encia

    entidades esportivas esto mergu-Ihadas em crises e denOncias decorrupc5o. Os patrocinadores man-dando nos clubes e ate comprandopasses de jogadores. Tivemos o re-cente exemplo da Parmalat que pa-trocinava dois clubes, mas tambemtinha o controle do passe dos joga-dores. Empresas virando clubes defutebol tambem nao novidade noBrasil. Vide exemplo do Malutron noParana. Ate politicos tambem tiramproveitos, como no caso doBrasiliense, cujo mandante o ex-senador (cassado) Luiz Estevao.

    So exemplos simplOriosdo futebol mercantilizado, onde asdecisties extra campo que sodeterminantes. Nesta area no fal-tam lembrancas. A eliminaco doFigueirense da serie A por uma de-ciso da justica alterando o resulta-do de um jogo, foi atribuido pormuitos analistas como urn lobby depoliticos para garantir a presenca deum time gaicho.

    As interferencias no limi-tan-se ao futebol. A "Formula 1"tambem tern suas armacifies. 0 mun-do ficou perplexo corn o Grande Pre-mio da Austria, realizado no dia 13/05/02, quando Rubens Barrichelloliderou a corrida ate final, tendo quepisar no freio para Schumacker ga-nhar a corrida. Ordens determinadaspela Ferrari, afinal n importa opiloto e sim a marca, como deter-minam os manuais mercadolOgicos.

    Urn fato tambem marcantefoi a discOrdia entre a Rede Globo eex-prefeito de So Paulo Celso Pitta.Muitos especulam que a serie dedemincias que resultaram no proces-so de impeachment, foram estimu-ladas pelo n cumprimento deimposicOes da Globo: a emissoraqueria alterar o horario da partidafinal do Campeonato Brasileiro de1999. Pitta no aceitou, alegando osproblemas que poderiam ocasionarno trnsito de So Paulo. Depois aGlobo buscou na prefeitura o pato-cinio para o reveillon, pedido tam-bem negado pelo prefeito. Pitta nseguiu a cartilha de Maluf, que quan-do prefeito de So Paulo pagou ummilho de reais para a Globo trans-mitir uma maratona esportiva, or-ganizada para inauguraco do via-duto Airton Senna.

    Nem necessario lembrarEurico Miranda na tragedia do SoJanudrio. RelacOes tumultuadas corna Globo, a revanche foi exibir cami-setas do SBT em seus jogadores napartida adiada com o Sao Caetano,realizada na final do Brasileiro de2000.

    A CBF ainda no deu expli-caces convincentes a opiniao ptl-blica, no episOdio envolvendo Nikee Ronaldinho na Copa de 98. Maisuma Copa do Mundo se aproxima eassunto no foi totalmente esclare-cido. Pior, o comprometimento pros-segue. Alguem sabe quern o as-

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    sessor de imprensa da seleco bra-sileira? E o mesmo profissional queassessora Ronaldinho. Ou seja, eti-ca profissional serve somente comoum manual academic. Alguem ingenuo em pensar que n haverscomprometimento informativo? Aimprensa tambern ciimplice.

    Mergulhada numa crisegerada por graves dentincias, a en-tidade buscou uma saida estrategi-ca para se resguardar se uma possi-vel intervenc5o. Fortaleceu as ligasregionais de dubes, criando figurasjuridicas que diluem o poder da CBF.Outras entidades esportivas tam-bern surgem nesta perspectiva,transferindo parte do poder concen-trado em Ricardo Teixeira.

    0 pior para o pals queCopa do Mundo acontece em ano deeleico presidencial. Mais uma veza populaco Ora de refletir seusproblemas, de encarar o debate po-litico, ouvir as propostas dos candi-datos, para ficar alienadamente fi-car de olho na bola. No minim por30 dias a politica praticamente de-saparece dos notici grios. No foi emvo que nossa Ultima moeda, o Real,foi lancado em julho de 1994, jus-tamente no period() em que o palsestava de olho na Copa, alheio aosacontecimentos econOmicos. A con-quista nos Estados Unidos somoupontos naquela eleico de FHC.

    A tragica morte de AyrtonSenna, em maio daquele ano, dei-

    xou o pals em luto. Isto demandavaa necessidade de um novo idolo parasubstituir o her6i das pistas. 0 pa-pel da media nessas horas funda-mental. Enfim, o titulo mundial defutebol veio anestesiar a comocodo povo, mas era preciso nascer urnnovo mito nacional. Ai surgeRomkio: o Deus da bola, todo po-deroso.

    A instabilidade na carreirado atleta, n sustentou sua perma-nencia como idol nacional para aCopa de 1998. A imprensa, princi-palmente a Globo, se encarregou depreparar outro her6i. Aos pes deRonaldinho foram depositadas to-das as esperancas da Ng -do. Isto foitrabalhado gradativamente, quaseurn ano antes da Copa. Lembro quea Globo mostrava os gols do craquena Europa. Por exemplo: em um par-tida que foi 4x 0, a tv exibia somen-te os feitos do Ronaldo, ignorandoo exito do outro brasileiro (Giovani)que tambern integrava a mesmaequipe . Assim fcil ciaram mitos,principalmente quando o noticiario superficial e tendencioso.

    Veio a Copa e o idol nsuportou, descompensando-se psi-cologicamente antes da partida fi-nal. Imaginem um jovem de poucomais de 20 anos lidar corn toda essaexpectativa, centenas de milhOes depessoas aguardando seus feitos. Ospatrocinadores atentos. 0 craquepifou. Galvo Bueno tambem quaseteve uma crise.

  • Motrivilancia

    A copa anterior, em 1994,tambem pode ser lembrada pela inu-sitada briga de patrocinadores.Como a cerveja Antartica antecipou-se na compra da cota de patrocfnionas transmisseies da Globo, restoupara a Brahma organizar a "torcidanirmero 1". Corn grande presencanos estadios durante os jogos pre-paratOrios, os emissarios da Brahmapolufram visualmente as imagens daGlobo, gerando ameacas de suspen-so da verba da Antartica. A Globochegou a filtrar imagens, evitando,por exemplo, que os cinegrafistasenquadrassem cobrancas de escan-teios quando a torcida "tvamero 1"estivesse ao fundo.

    Em 2002, ao que parece abriga sera entre os refrigerantes. 0guarana Antartica marcou urn gol naCoca corn a ausencia de Romario.Isto comentaremos mais adiante,pois mais uma copa se aproxima enovos rituals entram em cena.

    A novela Romario

    Muitos comparam futebola religio. A analogia procede, poismuitas vezes o futebol vira uma ro-maria. Recentemente acompanha-mos o mais ostensivo lobby da his-tOria esportiva brasileira em relacoa um atleta.

    Sera que era o povo quequeria Romario na seleco ou era amfdia que estava mobilizando opovo para isso? Fico com a segundaopcdo, pois o tratamento que a im-prensa deu ao fato, estimulandouma mobilizaco popular, demons-tra claramente o poder persuasivodos nossos jornalistas.

    No duvido que chegue-mos a um tempo em que os timesno precisaro mais de tecnicos.Basta os sistemas interativos damfdia dizerem o que povo quer queseja feito: coloque este ou outro atle-ta, assim por diante.

    Meritos ao Felipo que re-sistiu a esta interferencia no seu tra-balho professional. Enquetes e pres-seies populares nortearam o notici-Arlo esportivo nos dias que antece-deram a lista final dos jogadoresconvocados para a delegaco quepartiu para Coreia e jap5o. 0 esque-ma tatico do tecnico pouco interes-sa. 0 que vale o que a mfdia estadizendo, ou melhor "trazendo" daboca do povo. Afinal, "a voz do povo a voz de Deus". Mas creio que nfoi Deus que botou palavras na bocado povo.

    No bastou a chorosa co-letiva de Romario pedindo perdoao Felip5o. A cena n convenceu.Mas sera que a n convocaco do

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    baixinho foi somente por criteriostecnicos ou houve alguma imposi-(do econeimica? Pois todos sabemque o patrocinador oficial da sele-co o guaran6 Antrtica e queRomAdo teria urn contrato corn aCoca-Cola. Ha alguns meses gravouum comercial: "quern diz que eu noyou a copa?", promovendo uma cam-panha para o refrigerante. A respos-ta para a promoco da Coca veio doGuaran Antgrtica, cujo "garoto pro-paganda" o felip5o.

    N teremos Romario, masressuscitaram Ronaldinho, corn di-reito a entrevista ao vivo nos estti-dios do Jornal Nacional (07/05/

    2002), fato incomum na dinamicado noticirio. Ou seja, n deu cer-to urn Idolo, j5 es-0 em pauta outropara anestesiar o povo. Assim, quemsabe, ninguem sentirg a falta dobaixinho.

    Por essas razeies o futebolperde na sua pureza, no seu encan-to. Sobra alienaco e muita mani-pulac5o do povo. Vale a pena per-der o sono? Ou seria melhor dormir-mos para continuar "acordados"?

    Recebido: maio/2002Aprovado: out/2002