24 a 30 de janeiro de 2013 A cidadania - Paulus Editora · Educação FOLHA DIRIGIDA 24 a 30 de...

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Educação FOLHA DIRIGIDA www.folhadirigida.com.br 24 a 30 de janeiro de 2013 CADERNO DE FOLHA DIRIGIDA — O SENADO APROVOU UM PROJETO DE LEI QUE PODE TORNAR OBRIGATÓRIO O ESTUDO DE CIDADANIA NAS ESCOLAS. QUAL A SUA OPINIÃO SOBRE ESTA PROPOSTA? João Pedro Roriz — Acho fundamental que o aluno seja ava- liado por seu comportamento dentro da escola e para isso, é necessário que a escola faça seu papel e ensine conceitos sobre cidadania. A forma de apresentação dessa matéria é o que gera polêmica. Temos a oportunidade de, com essa matéria, inaugurarmos uma nova forma de educação mais moderna e menos repressora, sem a famosa “cuspição de giz”, mas com atividades lúdicas e interativas que cativem o aluno. Prevejo também uma melhora no comportamento do próprio profissional de educação, principalmente na educação infantil – formador da base - e nos anos onde o padrão de comportamento dos adolescentes é considerado mais difícil (6º e 7º anos). DE QUE FORMA O SENHOR ACHA QUE A CIDADANIA PODERIA SER TRABALHADA NAS ESCOLAS? COMO UMA DISCIPLINA DO CUR- RÍCULO? OU DE OUTRA FORMA? Como matéria interdisciplinar do currículo, com aulas lúdi- cas, com apresentação de peças teatrais sobre o tema, deba- tes sobre assuntos que estão em evidência nos jornais, pales- tras dramatizadas e apresentação de trabalhos dos próprios alunos. Em paralelo, a conduta de comportamento de cada aluno deverá ser avaliada pelo professor de cada matéria e a média poderá ser revertida em uma nota simbólica dada pelo coordenador pedagógico da escola. O objetivo dessa matéria é orientar, de modo que os alunos se respeitem dentro do ambiente escolar e reflitam sobre as próprias condutas no dia- a-dia, seja em sala de aula, nas ruas ou durante atividades recreativas e esportivas. A SEU VER, AS ESCOLAS TRABALHAM, DE FORMA SATISFATÓ- RIA, A QUESTÃO DA CIDADANIA EM SEUS CURRÍCULOS? Não posso generalizar, mas pela minha experiência, eu di- ria que não. Existe um “bater de cabeças” da coordenação pedagógica em relação ao comportamento dos alunos. De um lado estão as crianças e os adolescentes vivenciando seus primeiros anos de relacionamento social e, do outro lado, um número cada vez maior de professores sem vocação pe- dagógica. Enquanto o mundo girar, observaremos que mes- mo após anos de evolução tecnológica e um louvável de- senvolvimento da ciência na última década, ainda nos con- frontamos com o grande desafio de convivermos pacifica- mente. Paradoxalmente, esse é o ponto em que menos in- vestimos, tanto nas escolas, quanto nos desportos, na polí- tica ou no ambiente de trabalho. SEU LIVRO “ALMANAQUE DA CIDADANIAÉ VOLTADO PARA ADOLESCENTES. TRABALHAR CONCEITOS RELACIONADOS À CIDADANIA NA ADOLESCÊNCIA PODE TRAZER MAIOR CONSCIEN- TIZAÇÃO? POR QUÊ? Sim. Existe uma incrível troca de papéis na sociedade quan- do o assunto é cidadania. As crianças estão sempre alertando os adultos de suas obrigações: colocar o cinto de segurança, não sujar as ruas, etc. Isso prova que as crianças estão mais atentas a esses assuntos graças ao trabalho de bons professo- res. Mas ao se tornar adolescentes e experimentar os primei- ros momentos de liberdade, muitos esquecem que é bonito e agradável ser bom e ético. Muitos confundem a liberdade de expressão e até mesmo a rebeldia típica da adolescência com um comportamento histérico, criminoso ou imoral. É aí que eu trabalho, sem broncas e ranger de dentes, mas com muito humor e certa dose de rock n’ roll. O SENHOR ACREDITA QUE NOSSOS ESTUDANTES TENHAM O CONCEITO CORRETO DO QUE É CIDADANIA? POR QUÊ? Claro que não. Porque ninguém tem. Precisamos ser hones- tos com os alunos. Existe uma Constituição que informa os direitos e os deveres do cidadão. É preciso sim, ensinar quais são, mas deixando claro que, infelizmente, nem todos terão acesso a esses direitos e, por conseguinte, não saberão ou poderão cumprir com seus deveres. É importante, a meu ver, que os alunos recebam subsídios intelectuais que os permi- tam observar essas diferenças dentro de suas comunidades, de modo a tirar suas conclusões e discutir com o professor em sala de aula. Nesse interim, é preciso que o professor seja sensível o bastante e tenha estrutura emocional para ouvir as mazelas e dificuldades de seus alunos. Isso até acontece nas escolas, mas não de modo sistemático. A PRESENÇA DA CIDADANIA NO CURRÍCULO ESCOLAR CONTRI- BUIRIA PARA REDUÇÃO DE PROBLEMAS QUE AFLIGEM PAIS E EDUCADORES ATUALMENTE, COMO O BULLYING E A QUESTÃO DA VIOLÊNCIA? É a única ferramenta que temos. Esse trabalho é realizado pontualmente por algumas instituições, mas nem todas es- tão abertas a criar um projeto de combate sistemático à vio- lência. Eu realizo palestras dramatizadas sobre bullying em todo o país e essas atividades visam à prevenção da violên- cia nas escolas e ao alerta em relação às suas consequências. O meu trabalho é lúdico, possui humor, mas poderia ser re- sumido em uma só palavra: “cidadania”. Falarei de assuntos que todos já conhecem, mas que ficaram esquecidos por cau- sa de algumas ambições típicas dos adolescentes – como maior aceitação, concorrências, autoafirmação, visibilidade, etc. E o trabalho que realizo só dá certo porque a grande maioria dos alunos é formada por pessoas de bem que, intimamen- te, querem viver em paz com seu próximo e com sua própria consciência. A CIDADANIA ENVOLVE, SOBRETUDO, DIREITOS E DEVERES. E VIVEMOS EM UMA ÉPOCA EM QUE NOSSA JUVENTUDE PARECE CADA VEZ MAIS SEM LIMITES. ACHA QUE NOSSOS ESTUDANTES ESTÃO PREPARADOS PARA SABER QUE, ALÉM DE DIREITOS, TAMBÉM TÊM OBRIGAÇÕES COM A ESCOLA, A FAMÍLIA, O PRÓ- XIMO, A SOCIEDADE, ETC? Sim, mas se o aluno sentir que na prática é alijado de seus direitos mais básicos (educação de qualidade, saneamento básico, moradia, trabalho, etc) não podemos esperar que ele seja Francisco de Assis na hora de cumprir com os seus deve- res. É por isso que eu digo: não dá para falar de cidadania nas escolas sem passar um recibo de incompetência governamen- tal histórica. Talvez os senadores não tenham pensado nisso antes de propor essa Lei, porque na prática, o que querem é organizar a “plebe” de acordo com seus interesses. “Cidada- nia” não significa transformar a sociedade em um grupo de robôs bem educados na fila dos bancos. Cidadania é acima de tudo baseada no exemplo. É preciso agir com honestida- de com a população, de modo que as pessoas percebam que não existe prejuízo no cumprimento de seus deveres. HOJE EM DIA, UMA PREOCUPAÇÃO CADA VEZ MAIOR DAS ESCOLAS EM PREPARAR OS ALUNOS PARA O ENEM. NESTE CONTEXTO, ACREDITA QUE, MESMO COM UMA LEI, A CIDADANIA TERIA ESPAÇO NAS ESCOLAS? ALÉM DA LEI, O QUE MAIS É NE- CESSÁRIO? Se um assunto tão básico como cidadania não tiver espaço nas escolas, principalmente as públicas, não saberei explicar a importância das outras matérias. Pretende-se formar um cidadão com conhecimento para o mercado de trabalho, mas não para a vida social. O que adiantaria formar um Brasil de intelectuais individualistas que não possuem o menor sen- so de coletividade? O Brasil investe na educação do povo porque teoricamente esse investimento retornará, no futuro, aos cofres da Nação. Sem o senso de cidadania nas escolas, continuaremos longe do ideal de república e perto da reali- dade cleptocrática em que nos encontramos. Essa Lei é um passo para esse objetivo, mas é fundamental que alunos e professores entendam seus papéis e a importância de seu tra- balho para a Nação, ou os jovens continuarão a se perguntar por que são obrigados a ir à escola. O SENHOR ACREDITA QUE A QUESTÃO DA CIDADANIA DEVERIA ESTAR PRESENTE TAMBÉM NOS CURSOS DE ENSINO SUPERIOR? COMO ESTA QUESTÃO PODERIA SER TRABALHADA JUNTO AOS UNIVERSITÁRIOS? Sim, acredito. Quando a universidade não contempla ape- nas o aprendizado tecnicista, promove alargamento intelec- tual. Mas as matérias teóricas de ciências sociais são menos- prezadas por muitos alunos. São os efeitos de uma cultura superficial e de uma educação deficitária em casa e nas esco- las. Basta ver que muitos alunos, ao chegar às universidades, passam mais tempo nos bares bebendo do que estudando. A maioria não deseja de fato estudar, mas “tirar o diploma” para poder “ganhar a vida”. As universidades precisam dialogar mais com os alunos sobre a importância das matérias teóricas. Mas, assim como nas escolas, o que vemos nas universidades é professor “cuspindo giz” e aluno decorando conceitos para passar nas provas. MUITOS AFIRMAM QUE O JOVEM, HOJE, É INDIVIDUALISTA. UM TRABALHO MAIS PERMANENTE COM QUESTÕES RELACIONADAS À CIDADANIA, AO LONGO DA VIDA ESCOLAR E ACADÊMICA, AJU- DARIA A DESENVOLVER UMA PREOCUPAÇÃO DE CUNHO SOCI- AL? POR QUÊ? Certamente. Sob a ótica antropológica é compreensível que um cidadão tenha um pensamento mais individualizado na fase da juventude por conta do processo de criação de uma estrutura intelectual e material que servirá de base para a sustentação de seus propósitos e objetivos futuros. Mas isso precisa ser relativizado, pois sabemos que não há formas desse jovem conquistar todos os seus objetivos sozinho. Por isso, a escola e a família são células tão importantes, pois permi- tem que cidadão treine as suas relações sociais. COMO O SENHOR DEFINIRIA UMA ESCOLA CIDADÃ? Como uma forma de redundância. Uma escola só pode ser cidadã. Caso contrário, perderá um de seus focos principais que é o enriquecimento moral de seus alunos e se tornará apenas um comércio com propósitos mesquinhos. “Cidadania não significa transformar a sociedade em um grupo de robôs bem educados na fila dos bancos. Cidadania é acima de tudo baseada no exemplo. É preciso agir com honestidade com a população, de modo que as pessoas percebam que não existe prejuízo no cumprimento de seus deveres.” Nesta entrevista, o escritor e professor João Pedro Roriz, autor do livro Almanaque da Cidadania, fala sobre como atividades que despertem a consciência cidadã podem contribuir com o processo de ensino A cidadania João Pedro Roriz: “sem o senso de cidadania nas escolas, continuaremos longe do ideal de república” RENATO DECCACHE [email protected] violência no ambiente escolar e as ati- tudes, muitas vezes agressivas, de mui- tos jovens no cotidiano têm preocupa- do pais e educadores em todo o país. Uma das saídas para combater este tipo de comportamento, segundo especialistas, é trabalhar conceitos relacionados à cidadania junto a estudantes das mais diferentes idades. Isto, inclusive, motivou a criação de um projeto de lei, que tramita no Congresso Nacional, que estabelece a inclusão de conteúdos relaciona- dos à cidadania no currículo das escolas. Mas, como trabalhar este tipo de assunto jun- to aos estudantes? Autor do Almanaque da Ci- dadania (Ed Paulus), o escritor, ator e jornalista João Pedro Roriz defende que a abordagem seja interdisciplinar, priorizando atividades mais dinâmicas, como apresentação de peças teatrais e realização de debates entre os alunos. “O objetivo dessa matéria é orientar, de modo que os alunos se respeitem dentro do ambiente escolar e reflitam sobre as próprias condutas no dia-a-dia”, comentou o escritor. João Pedro, que também é arte-educador espe- cializado em literatura infanto-juvenil, possui dez livros direcionados para essa faixa etária. Foi professor e assessor de Cultura da Univer- sidade Castelo Branco, além de professor de produção textual e coordenador de eventos li- terários do Centro Cultural Oduvaldo Viana Filho, vinculado à Prefeitura do Rio. Ele tam- bém realiza palestras para alunos e professo- res, sobre temas como motivação pedagógica, bullying e leitura. Pelo que tem percebido, ele acredita que as escolas, de maneira geral, não estão trabalhando da forma mais adequada a questão da cidadania junto a seus estudantes. “Existe um ‘bater de cabeças’ da coordenação pedagógica em relação ao comportamento dos alunos. De um lado estão as crianças e os ado- lescentes vivenciando seus primeiros anos de relacionamento social e, do outro lado, um número cada vez maior de professores sem vo- cação pedagógica”, destacou João Pedro Roriz. A MALU SOLIME mais presente no ensino

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EducaçãoFOLHA DIRIGIDA

www.folhadirigida.com.br24 a 30 de janeiro de 2013

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FOLHA DIRIGIDA — O SENADO APROVOU UM PROJETO DE LEIQUE PODE TORNAR OBRIGATÓRIO O ESTUDO DE CIDADANIA NASESCOLAS. QUAL A SUA OPINIÃO SOBRE ESTA PROPOSTA?João Pedro Roriz — Acho fundamental que o aluno seja ava-liado por seu comportamento dentro da escola e para isso,é necessário que a escola faça seu papel e ensine conceitossobre cidadania. A forma de apresentação dessa matéria é oque gera polêmica. Temos a oportunidade de, com essamatéria, inaugurarmos uma nova forma de educação maismoderna e menos repressora, sem a famosa “cuspição degiz”, mas com atividades lúdicas e interativas que cativemo aluno. Prevejo também uma melhora no comportamentodo próprio profissional de educação, principalmente naeducação infantil – formador da base - e nos anos onde opadrão de comportamento dos adolescentes é consideradomais difícil (6º e 7º anos).

DE QUE FORMA O SENHOR ACHA QUE A CIDADANIA PODERIA SERTRABALHADA NAS ESCOLAS? COMO UMA DISCIPLINA DO CUR-RÍCULO? OU DE OUTRA FORMA?Como matéria interdisciplinar do currículo, com aulas lúdi-cas, com apresentação de peças teatrais sobre o tema, deba-tes sobre assuntos que estão em evidência nos jornais, pales-tras dramatizadas e apresentação de trabalhos dos própriosalunos. Em paralelo, a conduta de comportamento de cadaaluno deverá ser avaliada pelo professor de cada matéria e amédia poderá ser revertida em uma nota simbólica dada pelocoordenador pedagógico da escola. O objetivo dessa matériaé orientar, de modo que os alunos se respeitem dentro doambiente escolar e reflitam sobre as próprias condutas no dia-a-dia, seja em sala de aula, nas ruas ou durante atividadesrecreativas e esportivas.

A SEU VER, AS ESCOLAS TRABALHAM, DE FORMA SATISFATÓ-RIA, A QUESTÃO DA CIDADANIA EM SEUS CURRÍCULOS?Não posso generalizar, mas pela minha experiência, eu di-ria que não. Existe um “bater de cabeças” da coordenaçãopedagógica em relação ao comportamento dos alunos. Deum lado estão as crianças e os adolescentes vivenciando seusprimeiros anos de relacionamento social e, do outro lado,um número cada vez maior de professores sem vocação pe-dagógica. Enquanto o mundo girar, observaremos que mes-mo após anos de evolução tecnológica e um louvável de-senvolvimento da ciência na última década, ainda nos con-frontamos com o grande desafio de convivermos pacifica-mente. Paradoxalmente, esse é o ponto em que menos in-vestimos, tanto nas escolas, quanto nos desportos, na polí-tica ou no ambiente de trabalho.

SEU LIVRO “ALMANAQUE DA CIDADANIA” É VOLTADO PARAADOLESCENTES. TRABALHAR CONCEITOS RELACIONADOS ÀCIDADANIA NA ADOLESCÊNCIA PODE TRAZER MAIOR CONSCIEN-TIZAÇÃO? POR QUÊ?Sim. Existe uma incrível troca de papéis na sociedade quan-do o assunto é cidadania. As crianças estão sempre alertandoos adultos de suas obrigações: colocar o cinto de segurança,não sujar as ruas, etc. Isso prova que as crianças estão maisatentas a esses assuntos graças ao trabalho de bons professo-res. Mas ao se tornar adolescentes e experimentar os primei-ros momentos de liberdade, muitos esquecem que é bonitoe agradável ser bom e ético. Muitos confundem a liberdadede expressão e até mesmo a rebeldia típica da adolescênciacom um comportamento histérico, criminoso ou imoral. Éaí que eu trabalho, sem broncas e ranger de dentes, mas commuito humor e certa dose de rock n’ roll.

O SENHOR ACREDITA QUE NOSSOS ESTUDANTES TENHAM OCONCEITO CORRETO DO QUE É CIDADANIA? POR QUÊ?Claro que não. Porque ninguém tem. Precisamos ser hones-tos com os alunos. Existe uma Constituição que informa osdireitos e os deveres do cidadão. É preciso sim, ensinar quaissão, mas deixando claro que, infelizmente, nem todos terãoacesso a esses direitos e, por conseguinte, não saberão oupoderão cumprir com seus deveres. É importante, a meu ver,que os alunos recebam subsídios intelectuais que os permi-tam observar essas diferenças dentro de suas comunidades,de modo a tirar suas conclusões e discutir com o professorem sala de aula. Nesse interim, é preciso que o professor sejasensível o bastante e tenha estrutura emocional para ouvir asmazelas e dificuldades de seus alunos. Isso até acontece nas

escolas, mas não de modo sistemático.

A PRESENÇA DA CIDADANIA NO CURRÍCULO ESCOLAR CONTRI-BUIRIA PARA REDUÇÃO DE PROBLEMAS QUE AFLIGEM PAIS EEDUCADORES ATUALMENTE, COMO O BULLYING E A QUESTÃODA VIOLÊNCIA?É a única ferramenta que temos. Esse trabalho é realizadopontualmente por algumas instituições, mas nem todas es-tão abertas a criar um projeto de combate sistemático à vio-lência. Eu realizo palestras dramatizadas sobre bullying emtodo o país e essas atividades visam à prevenção da violên-cia nas escolas e ao alerta em relação às suas consequências.O meu trabalho é lúdico, possui humor, mas poderia ser re-sumido em uma só palavra: “cidadania”. Falarei de assuntosque todos já conhecem, mas que ficaram esquecidos por cau-sa de algumas ambições típicas dos adolescentes – como maioraceitação, concorrências, autoafirmação, visibilidade, etc. Eo trabalho que realizo só dá certo porque a grande maioriados alunos é formada por pessoas de bem que, intimamen-te, querem viver em paz com seu próximo e com sua própriaconsciência.

A CIDADANIA ENVOLVE, SOBRETUDO, DIREITOS E DEVERES. EVIVEMOS EM UMA ÉPOCA EM QUE NOSSA JUVENTUDE PARECECADA VEZ MAIS SEM LIMITES. ACHA QUE NOSSOS ESTUDANTESESTÃO PREPARADOS PARA SABER QUE, ALÉM DE DIREITOS,TAMBÉM TÊM OBRIGAÇÕES COM A ESCOLA, A FAMÍLIA, O PRÓ-XIMO, A SOCIEDADE, ETC?Sim, mas se o aluno sentir que na prática é alijado de seusdireitos mais básicos (educação de qualidade, saneamentobásico, moradia, trabalho, etc) não podemos esperar que eleseja Francisco de Assis na hora de cumprir com os seus deve-res. É por isso que eu digo: não dá para falar de cidadania nasescolas sem passar um recibo de incompetência governamen-tal histórica. Talvez os senadores não tenham pensado nissoantes de propor essa Lei, porque na prática, o que querem éorganizar a “plebe” de acordo com seus interesses. “Cidada-nia” não significa transformar a sociedade em um grupo derobôs bem educados na fila dos bancos. Cidadania é acimade tudo baseada no exemplo. É preciso agir com honestida-de com a população, de modo que as pessoas percebam quenão existe prejuízo no cumprimento de seus deveres.

HOJE EM DIA, HÁ UMA PREOCUPAÇÃO CADA VEZ MAIOR DASESCOLAS EM PREPARAR OS ALUNOS PARA O ENEM. NESTECONTEXTO, ACREDITA QUE, MESMO COM UMA LEI, A CIDADANIATERIA ESPAÇO NAS ESCOLAS? ALÉM DA LEI, O QUE MAIS É NE-CESSÁRIO?Se um assunto tão básico como cidadania não tiver espaçonas escolas, principalmente as públicas, não saberei explicara importância das outras matérias. Pretende-se formar umcidadão com conhecimento para o mercado de trabalho, masnão para a vida social. O que adiantaria formar um Brasil deintelectuais individualistas que não possuem o menor sen-so de coletividade? O Brasil investe na educação do povoporque teoricamente esse investimento retornará, no futuro,aos cofres da Nação. Sem o senso de cidadania nas escolas,continuaremos longe do ideal de república e perto da reali-dade cleptocrática em que nos encontramos. Essa Lei é umpasso para esse objetivo, mas é fundamental que alunos eprofessores entendam seus papéis e a importância de seu tra-balho para a Nação, ou os jovens continuarão a se perguntarpor que são obrigados a ir à escola.

O SENHOR ACREDITA QUE A QUESTÃO DA CIDADANIA DEVERIAESTAR PRESENTE TAMBÉM NOS CURSOS DE ENSINO SUPERIOR?COMO ESTA QUESTÃO PODERIA SER TRABALHADA JUNTO AOSUNIVERSITÁRIOS?Sim, acredito. Quando a universidade não contempla ape-nas o aprendizado tecnicista, promove alargamento intelec-tual. Mas as matérias teóricas de ciências sociais são menos-prezadas por muitos alunos. São os efeitos de uma culturasuperficial e de uma educação deficitária em casa e nas esco-las. Basta ver que muitos alunos, ao chegar às universidades,passam mais tempo nos bares bebendo do que estudando. Amaioria não deseja de fato estudar, mas “tirar o diploma” parapoder “ganhar a vida”. As universidades precisam dialogar maiscom os alunos sobre a importância das matérias teóricas. Mas,assim como nas escolas, o que vemos nas universidades éprofessor “cuspindo giz” e aluno decorando conceitos parapassar nas provas.

MUITOS AFIRMAM QUE O JOVEM, HOJE, É INDIVIDUALISTA. UMTRABALHO MAIS PERMANENTE COM QUESTÕES RELACIONADASÀ CIDADANIA, AO LONGO DA VIDA ESCOLAR E ACADÊMICA, AJU-DARIA A DESENVOLVER UMA PREOCUPAÇÃO DE CUNHO SOCI-AL? POR QUÊ?Certamente. Sob a ótica antropológica é compreensível queum cidadão tenha um pensamento mais individualizado nafase da juventude por conta do processo de criação de umaestrutura intelectual e material que servirá de base para asustentação de seus propósitos e objetivos futuros. Mas issoprecisa ser relativizado, pois sabemos que não há formas dessejovem conquistar todos os seus objetivos sozinho. Por isso, aescola e a família são células tão importantes, pois permi-tem que cidadão treine as suas relações sociais.

COMO O SENHOR DEFINIRIA UMA ESCOLA CIDADÃ?Como uma forma de redundância. Uma escola só pode sercidadã. Caso contrário, perderá um de seus focos principaisque é o enriquecimento moral de seus alunos e se tornaráapenas um comércio com propósitos mesquinhos.

“Cidadania não significa transformar asociedade em um grupo de robôs bemeducados na fila dos bancos. Cidadania éacima de tudo baseada no exemplo. Épreciso agir com honestidade com apopulação, de modo que as pessoaspercebam que não existe prejuízo nocumprimento de seus deveres.”

Nesta entrevista, o escritor e professor João Pedro Roriz, autor do livro Almanaque da Cidadania, falasobre como atividades que despertem a consciência cidadã podem contribuir com o processo de ensino

A cidadania

João Pedro Roriz: “sem osenso de cidadania nas escolas,continuaremos longe do idealde república”

RENATO [email protected]

violência no ambiente escolar e as ati-tudes, muitas vezes agressivas, de mui-tos jovens no cotidiano têm preocupa-do pais e educadores em todo o país. Umadas saídas para combater este tipo decomportamento, segundo especialistas,

é trabalhar conceitos relacionados à cidadaniajunto a estudantes das mais diferentes idades.Isto, inclusive, motivou a criação de um projetode lei, que tramita no Congresso Nacional, queestabelece a inclusão de conteúdos relaciona-dos à cidadania no currículo das escolas.Mas, como trabalhar este tipo de assunto jun-to aos estudantes? Autor do Almanaque da Ci-dadania (Ed Paulus), o escritor, ator e jornalistaJoão Pedro Roriz defende que a abordagem sejainterdisciplinar, priorizando atividades maisdinâmicas, como apresentação de peças teatraise realização de debates entre os alunos. “Oobjetivo dessa matéria é orientar, de modo queos alunos se respeitem dentro do ambienteescolar e reflitam sobre as próprias condutasno dia-a-dia”, comentou o escritor.João Pedro, que também é arte-educador espe-cializado em literatura infanto-juvenil, possuidez livros direcionados para essa faixa etária.Foi professor e assessor de Cultura da Univer-sidade Castelo Branco, além de professor deprodução textual e coordenador de eventos li-terários do Centro Cultural Oduvaldo VianaFilho, vinculado à Prefeitura do Rio. Ele tam-bém realiza palestras para alunos e professo-res, sobre temas como motivação pedagógica,bullying e leitura. Pelo que tem percebido, eleacredita que as escolas, de maneira geral, nãoestão trabalhando da forma mais adequada aquestão da cidadania junto a seus estudantes.“Existe um ‘bater de cabeças’ da coordenaçãopedagógica em relação ao comportamento dosalunos. De um lado estão as crianças e os ado-lescentes vivenciando seus primeiros anos derelacionamento social e, do outro lado, umnúmero cada vez maior de professores sem vo-cação pedagógica”, destacou João Pedro Roriz.

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