256.07 - corte araucárias - responsabilidade madeireiro

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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA

EXCELENTÍSSIMA SENHORA JUÍZA DE DIREITO DA COMARCA DE MODELO

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA

CATARINA, pelo titular da Promotoria de Justiça de Modelo, com

fundamento nos arts. 127 e 129, III da Constituição da República,

bem como no art. 225 da Constituição da República, propõe AÇÃO

CIVIL PÚBLICA em face de:

ALMIR HAMMERSCHMITT, brasileiro, casado,

madeireiro, natural de Modelo, nascido em 2 de junho de 1965, filho

de João Hammerschmitt e de Alcídia Hamerschmitt, residente no

Distrito Machado, Município e Comarca de Pinhalzinho;

MARKÍLIO BORMANN, brasileiro, solteiro, agricultor,

filho de Benone José Bormann e de Catarina Bormann, portador da CI

nº 4.891.565-5, inscrito no CPF sob o nº 050.235.379-19, domiciliado

na Linha Cesco, Município de Comarca de Modelo;

MÁRCIO BORMANN, brasileiro, solteiro, agricultor, filho

de Benone José Bormann e de Catarina Bormann, portador da CI nº

4.910.256.7, inscrito no CPF sob o nº 047.517.379-10, domiciliado na

Linha Cesco, Município de Comarca de Modelo;

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CATARINA BORMANN, brasileira, viúva, agricultora,

inscrita no CPF sob o nº 020.811.089-50, domiciliada na Linha Cesco,

Município de Comarca de Modelo.

1. Objetivo da ação

Esta ação civil pública tem por objetivo obter provimento

jurisdicional que determine aos requeridos a adoção de todas as

providências que se fizerem necessárias a fim de promover a

recomposição de área de Mata Atlântica situada no Município de

Modelo, área que sem autorização e em total desconformidade com

a legislação vigente desmataram.

Tem também por objetivo obter sentença condenando-os

à obrigação de compensar o dano ambiental causado, única forma

de se obter cabal reparação e sanção pela conduta ilegal praticada.

2. Legitimidade passiva

Antes de expor os fatos cumpre observar que Benone

José Bormann, co-responsável pelo dano ambiental causado, faleceu

em 3 de maio de 2006, como comprova a certidão de óbito anexa.

Nessa situação, considerando que a responsabilidade

pelos danos ambientais tem característica propter rem, seus

sucessores tornaram-se igualmente co-obrigados à reparação do

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dano1, motivo pelo qual direciona-se esta ação também contra a

viúva Catarina e os filhos Markílio e Márcio Bormann.

De qualquer forma, como se verá, inicialmente buscará o

Ministério Público que a obrigação de fazer seja imposta ao poluidor

primário, o requerido Almir Hammerschmitt, que deverá realizar a

recomposição do dano ambiental na propriedade dos demais

requeridos.

3. Fatos

Conforme está claro na Notícia de Infração Ambiental

lavrada pela Polícia Militar Ambiental, e que instruiu a ação penal nº

256.05.000557-3, em trâmite nesta Comarca, em setembro de 2005

o requerido Almir Hammerschmitt, proprietário de uma madeireira,

negociou com falecido Benone José Bormann, a compra de cinco

pinheiros brasileiros (Araucaria angustifolia).

Nem Almir nem Benone dispunham de autorização

ambiental para o corte das espécies, e nem mesmo poderiam ter,

porque as árvores estavam em área de preservação permanente no

imóvel de propriedade dos filhos de Benone, os requeridos Markílio e

Márcio.

1 Vide, por exemplo, Recurso Especial nº 222.349-PR: “Administrativo. Reserva Florestal. Novo proprietário. Legitimidade passiva. O novo adquirente do imóvel é parte legítima passiva para responder por ação de dano ambiental, pois assume a propriedade do bem rural com a imposição das limitações ditadas pela lei federal”.

No mesmo sentido, acórdão da Segunda Turma do STJ: “Administrativo. Dano ao meio ambiente. Indenização. Legitimação passiva do novo adquirente. A responsabilidade pela preservação e recomposição do meio ambiente é objetiva, mas se exige nexo de causalidade entre a atividade do proprietário e o dano causado (Lei nº 6.938/81). Em se tratando de reserva florestal, com limitação imposta por lei, o novo proprietário, ao adquirir a área, assume o ônus de manter a preservação, tornando-se responsável pela reposição, mesmo que não tenha contribuído para devastá-la. Responsabilidade independe de culpa ou nexo causal, por imposta por lei” (REsp nº 282.781/PR, j. 16.4.2002).

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O crime foi comunicado à esta Promotoria de Justiça, que

propôs ação penal pública visando à punição do poluidor. Aplicou-se

ao caso a Lei nº 9.099/95, e o processo foi suspenso sob o

compromisso de Benone e Almir em recuperarem a área.

No entanto, com a morte de Benone, em 3 de maio de

2006, e com a total inércia de Almir em cumprir o compromisso

assumido, não há outra alternativa que não a propositura desta ação

civil pública. A gravidade da possível sanção penal, pelo que indicam

os autos, não afeta a vontade do requerido Almir; talvez, por outro

lado, a perda patrimonial decorrente desta ação tenha o efeito

desejado.

4. Direito

Para a Constituição da República, a Mata Atlântica, assim

como a Floresta Amazônica brasileira, a Serra do Mar, o Pantanal

Mato-Grossense e a Zona Costeira, é patrimônio nacional, e sua

utilização far-se-á dentro de condições que assegurem a

preservação do meio ambiente (§4º do art. 225 da Constituição da

República).

Quando se fala em patrimônio nacional, evidentemente,

não se está a mencionar patrimônio da União, mas sim patrimônio

de toda a nação, patrimônio de alta relevância para os brasileiros.

Daí porque o princípio foi assim inserido na Carta Magna.

Por sua vez, a Constituição do Estado de Santa Catarina

considera a Mata Atlântica dentre as “áreas de interesse ecológico,

cuja utilização dependerá de prévia autorização dos órgãos

competentes homologada pela Assembléia Legislativa” (art. 184, I).

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A novíssima Lei Federal nº 11.428/2006, que trata da

proteção à Mata Atlântica, contém restrições importantes sobre o

manejo deste “patrimônio nacional”.

Para a Lei da Mata Atlântica, por exemplo, o corte e a

supressão de vegetação primária ou nos estágios avançado e médio

de regeneração ficam vedados quando a vegetação abrigar espécies

da flora e da fauna silvestres ameaçadas de extinção (art. 11, I, a).

Além disso, “a supressão de vegetação primária e

secundária no estágio avançado de regeneração somente poderá ser

autorizada em caso de utilidade pública, sendo que a vegetação

secundária em estágio médio de regeneração poderá ser suprimida

nos casos de utilidade pública e interesse social, em todos os casos

devidamente caracterizados e motivados em procedimento

administrativo próprio” (art. 14).

Especificamente em Santa Catarina, a Lei nº 10.472/97,

que trata da política florestal do Estado, contém regras bastante

rígidas para o manejo de áreas de Mata Atlântica, justamente por

considerar a relevância do ecossistema.

Pela primeira das normas da Lei Estadual, a extração ou a

utilização de espécies da floresta primária (virgem) ou secundária (já

regenerada) da Mata Atlântica necessariamente deve passar por

procedimento administrativo para obtenção de licença da Fatma.

A Fatma, por óbvio, não pode autorizar a extração quando

não “seja elaborado projeto de manejo fundamentado, entre outros

aspectos, em estudos técnico-científicos de estoques e de

capacidade e sustentabilidade das espécies a manejar” (art. 18).

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Não bastassem essas normas, todas vigentes e aplicáveis

ao caso dos autos, a Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/98)

considera criminosas as condutas do requerido (arts. 38 e 39). Vale

transcrever os dispositivos:

Art. 38. Destruir ou danificar floresta considerada de preservação permanente, mesmo que em formação, ou utilizá-la com infringência das normas de proteção: Pena - detenção, de um a três anos, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente. Parágrafo Único - Se o crime for culposo, a pena será reduzida à metade.

Art 39 - Cortar árvores em floresta considerada de preservação permanente, sem permissão da autoridade competente: Pena - detenção, de um a três anos, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente

Não há dúvidas, portanto, de que o requerido Almir

Hammerschmitt descumpriu frontalmente a legislação vigente no

Brasil, ao cortar cinco pinheiros (Araucaria angustifolia) em área de

preservação permanente, sem qualquer autorização dos órgãos

competentes.

Vale anotar, por fim, que o pinheiro brasileiro é espécie

considerada pelo Ibama como ameaçada de extinção, conforme

relação expressa da Portaria Ibama nº 37-N, de abril de 1992.

Tal é a necessidade de proteção da espécie que a

Resolução nº 278, do Conama, proibiu o Ibama de autorizar corte ou

exploração de todas as espécies arrolada na Portaria nº 37-N,

conforme comprovam os documentos anexos.

5. Reparação do dano

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Para que o meio ambiente volte à sua natural

conformação, isto é para que volte à sua integridade, é necessário

que se determine a recuperação da área degradada.

A reparação encontra abrigo no disposto no §3º do art.

225 da Constituição da República, que determina que “as condutas e

atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os

infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e

administrativas, independentemente da obrigação de reparar os

danos causados”.

Para Édis Milaré, de fato a recuperação natural do

ambiente degradado é a modalidade mais adequada de reparação

do dano, “e a primeira que deve ser tentada, mesmo que mais

onerosa”. E justifica sua posição afirmando, com Paulo Affonso Leme

Machado, que “não basta indenizar, mas fazer cessar a causa do

mal, pois um carrinho de dinheiro não substitui o sono recuperador,

a saúde dos brônquios ou a boa formação do feto”2.

Constatada a ocorrência de infração à legislação federal e

estadual, bem como do dano ambiental daí decorrente, além do

nexo de causalidade entre a conduta do requerido e o dano, cumpre

ao Ministério Público requerer provimento jurisdicional que

determine de imediato a recuperação ambiental da área degredada.

Mas a reparação do dano não pode, evidentemente, dar-

se pelo simples plantio de outros cinco exemplares de pinheiro

brasileiro. Até que as plantas adquiram novamente o porte que

tinham quando cortadas, muito tempo terá transcorrido e o dano

2 MILARÉ, Édis. Direito do ambiente. 4ª ed. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2005. p. 741.

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causado – que persistirá durante este período – não terá sido

convenientemente reparado.

Eis o porquê exigir nestes casos – e foi justamente o que

comprometeram-se a fazer o requerido Almir Hammerschmitt e o

falecido Benone José Bormann no processo penal – o plantio de

cinqüenta mudas de árvores nativas idênticas às que existiam no

local, bem como a recomposição da área de fixação de mata ciliar

em toda a extensão da propriedade dos requeridos Catarina, Márcio

e Markílio.

6. Antecipação de tutela

A Natureza, como se viu acima, não pode aguardar pelo

desfecho da ação para só então ver-se reparada. Os danos

ambientais decorrentes, como por exemplo a fuga de animais

silvestres, a quebra do equilíbrio ambiental, dentre outros, penderão

enquanto não se promover a restauração da área ao que era antes.

Nessa situação, é passível de aplicação o art. 461 do

Código de Processo Civil, que determina que “na ação que tenha por

objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz

concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o

pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático

equivalente ao do adimplemento”.

E, segundo o §3º do art. 461, “sendo relevante o

fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia

do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente

ou mediante justificação prévia, citado o réu”. Complementa a regra

o §4º, autorizando o juiz a “impor multa diária ao réu,

independentemente de pedido do autor, se for suficiente e

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compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para

cumprimento do preceito”.

Por fim, autoriza o §5º: “Para efetivação da tutela

específica ou a obtenção de resultado prático equivalente, poderá o

juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas

necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso,

busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de

obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com

requisição de força policial”.

O fundamento da demanda, como se vê, é relevante,

porque pautado pela infringência em uma série de dispositivos

legais em vigor. Não bastasse isso, o dano ambiental está

cabalmente comprovado documentalmente nos autos, como

comprova o auto de infração lavrado pela Polícia Militar Ambiental.

Para tanto, requer desde já o Ministério Público do Estado

de Santa Catarina ordem dirigida ao requerido Almir Hammerschmitt

para que promova a revitalização da mata na área degradada e o

plantio de espécies nativas. Devem os co-réus Catarina, Markílio e

Márcio ser obrigados a permitir o cumprimento da ordem por Almir.

A plausibilidade do direito se encontra não apenas nas

normas fundamentais da Constituição da República, mas também no

princípio jurídico-ambiental do poluidor-pagador. Como exposto

acima, a Natureza não pode aguardar pela decisão final para só

então ver-se novamente equilibrada.

Por outro lado, a lesão, se perdurar, será irreparável, pelo

simples fato de se estar diante da possibilidade de afugentamento

de espécimes da fauna local, isso sem falar em outros danos, tais

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quais os prejuízos a mananciais hídricos, ao solo (erosão, por

exemplo) e à qualidade do ar.

Assim, estão presentes o fumus boni juris e o periculum in

mora, sendo caso de deferimento da liminar, inclusive sem a oitiva

da parte contrária.

7. Pedidos

Ante o exposto, requer o Ministério Público:

a) o recebimento da presente ação civil pública;

b) a concessão de tutela específica antecipada para

determinar que Almir Hammerschmitt, sob pena de multa diária de

R$ 500,00 e prisão pelo crime de desobediência:

b1) plante na propriedade dos co-réus Catarina, Markílio e

Márcio cinqüenta mudas de árvores nativas, dentre elas araucárias,

sob acompanhamento e supervisão da Polícia Militar de Proteção

Ambiental;

b2) recomponha a faixa destinada à fixação da mata ciliar

nas margens do rio Joelho, em toda a extensão que o curso d´água

cortar o imóvel da família Bormann, plantando no local cinqüenta

mudas de árvores nativas e adequadas à região, também sob

acompanhamento e supervisão da Polícia Militar de Proteção

Ambiental;

c) tendo em vista o caráter mandamental da ação, bem

como o envolvimento do patrimônio dos requeridos, requer-se seja

determinado aos Oficiais do Registro de Imóveis de Pinhalzinho e de

Modelo que averbem na matrícula dos imóveis registrados em nome

dos réus a pendência desta ação civil pública, mencionando-se o

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valor da causa (art. 615-A do Código de Processo Civil, por

analogia)3;

d) a citação dos requeridos para, querendo,

apresentarem a defesa que entenderem pertinente;

e) a produção de todos os meios de prova admitidos,

notadamente a prova pericial, documental e testemunhal, se for

necessário;

f) a condenação do requerido Almir Hammerschmitt a

recuperar a área degradada e a recompor o dano ambiental,

confirmando-se as determinações requeridas no item ‘b’;

g) a condenação dos requeridos em custas, despesas

processuais e honorários advocatícios (estes conforme art. 4º do

Decreto Estadual nº 2.666/04, em favor do Fundo de Recuperação

de Bens Lesados do Estado de Santa Catarina).

Atribui-se à causa o valor de R$ 20.000,00 (vinte mil

reais).

Modelo, 4 de maio de 2007

Eduardo Sens dos SantosPromotor de Justiça

3 Art. 615-A.  O exeqüente poderá, no ato da distribuição, obter certidão comprobatória do ajuizamento da execução, com identificação das partes e valor da causa, para fins de averbação no registro de imóveis, registro de veículos ou registro de outros bens sujeitos à penhora ou arresto.

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