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175 Em Aberto, Brasília, v. 25, n. 88, p. 175-189, jul./dez. 2012 Clima escolar e resiliência: a escola como lugar de paz em tempo integral Fernando Cézar Bezerra de Andrade Resumo A relação entre clima escolar e promoção da resiliência, em situações traumáticas caracterizadas pela violência, é analisada a partir do primeiro caso de assassinatos em série numa escola brasileira. O clima escolar interfere na constituição de resiliência para o alunado, sobretudo em escolas em tempo integral, desde que num modelo que propicie a reflexão sobre o cotidiano escolar como fator de aprendizagem diante de adversidades e situações traumáticas. Palavras-chave: clima escolar; resiliência; trauma; violência; escola em tempo integral.

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Clima escolar

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    Em Aberto, Braslia, v. 25, n. 88, p. 175-189, jul./dez. 2012

    Clima escolar e resilincia: a escola como lugar de paz em tempo integralFernando Czar Bezerra de Andrade

    Resumo

    A relao entre clima escolar e promoo da resilincia, em situaes

    traumticas caracterizadas pela violncia, analisada a partir do primeiro caso de

    assassinatos em srie numa escola brasileira. O clima escolar interfere na constituio

    de resilincia para o alunado, sobretudo em escolas em tempo integral, desde que

    num modelo que propicie a reflexo sobre o cotidiano escolar como fator de

    aprendizagem diante de adversidades e situaes traumticas.

    Palavras-chave: clima escolar; resilincia; trauma; violncia; escola em tempo

    integral.

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    AbstractScholl climate and resilience: the school as a full time place of peace

    This article discusses the relationship between school climate and resiliences

    promotion, in traumatic situations derived from violence, by the analysis of the first

    serial murders case in a Brazilian school. It is argued that the school climate interferes

    with the formation of students resilience, especially in full time schools, but only when

    this model provides an environment propitious to reflection about the school routine,

    considered being a learning factor to cope with trauma and adversity.

    Keywords: school climate; resilience; trauma; violence; full time school.

    A letra da msica Faz escuro, mas eu canto, de Monsueto e Thiago de Mello,

    inspirada no poema Madrugada camponesa, do prprio Thiago de Mello, fala de

    esperana na transformao de um contexto difcil, sofrido e desesperador:

    Faz escuro, mas eu canto,porque a manh vai chegar.Vem ver comigo, companheiro,vai ser lindoa cor do mundo mudar.Vale a pena no dormirpara esperara madrugada cantar.J vem vindo o dia, com a luz da liberdade,vai lavar de amor o cho malvado.Quem sofre fica acordadodefendendo o coraoMadrugada da esperana,j estou vendo uma crianatrazendo a aurora na mo.

    Os versos desse poema-cano recorrem a metforas sempre renovadas por

    sua fora expressiva: a noite que se muda em dia traz cores e msica, luz, liberdade

    e amor para lavar o cho malvado. Nesse poema, o eu lrico pe-se de frente para

    os primeiros sinais do novo dia, aos quais se agarra com a fora dos sobreviventes

    a um perodo de desamparo, solido e dor representado pela ausncia de viso

    prpria ao escuro da noite (faz escuro, mas eu canto/porque a manh vai chegar).

    A noite do sofrimento e o dia da alegria so oposies que na metfora so articuladas

    por um eu que convida outros iguais a ele (vem ver comigo, companheiro) a

    ultrapassar o momento presente em razo de uma diferena que se avizinha (quem

    sofre fica acordado/defendendo o corao/Madrugada de esperana). a criana,

    por fim, o smbolo que, vindo na direo de quem espera, traz o novo dia e tudo o

    que ele comporta de novo e bom (j estou vendo uma criana/trazendo a aurora na

    mo).

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    Ao proclamar a esperana, essa poesia sugere um tema importante: o da

    resilincia, entendida como a capacidade humana para enfrentar, vencer e ser

    fortalecido ou transformado por experincias de adversidade (Grotberg, 2005, p. 15).

    Ante a escurido, a feira e a maldade, o poeta canta e alimenta a esperana, afirmando,

    como que para transmitir aos que sofrem, essa sua capacidade de resistir e aprender

    com a dor: quem sofre fica acordado/defendendo o corao. Melillo (2001, p. 11)

    lembra que tal poder de resistncia resulta, na histria individual marcada pela dor,

    do apoio irrestrito de algum adulto significativo, familiar ou no.

    V-se, ento, a importncia, em episdios de violncia, de que adultos capazes

    de alimentar a esperana em si mesmos acolham crianas e adolescentes marcados

    pela violncia seja de modo sistemtico, seja de modo circunstancial, mas

    fortemente doloroso , para que essas crianas e adolescentes possam superar o

    traumatismo inerente situao (lavar de amor o cho malvado).

    Na escola, a resilincia em contextos sistemticos ou ocasionais de violncia

    pode ser promovida mediante o clima escolar, o que tem mais oportunidade de

    ocorrer num regime de escola em tempo integral, desde que essa escola corresponda

    a certos critrios ideais para a formao da democracia. Esta a ideia central deste

    texto, que discute a capacidade humana de superar traumas a partir do contexto

    escolar pensado como espao para a elaborao do sofrimento, quando exercita,

    por meio de dispositivos pedaggicos, o reconhecimento, pela fala, do sofrimento e

    sua superao atravs de ritos rotineiros.

    Este artigo se divide em trs partes: na primeira, apresentam-se os conceitos

    de clima escolar, resilincia e violncia na escola. Adiante, luz desses conceitos,

    discutem-se os provveis efeitos, sobre o clima escolar, de um caso de violncia fsica

    extrema, como o do massacre de alunas e alunos na escola Tasso da Silveira, to

    recente quanto brutal. A partir dessa ilustrao, so apresentados alguns princpios

    de ao que podem, em contextos semelhantes, ser empregados como orientadores

    para a definio de estratgias de reconstituio de uma atmosfera de paz nas escolas.

    Por fim, esses princpios servem como mote para uma relao que apenas sugerida

    e se mantm aberta, como um tema a desenvolver-se em outra ocasio: a da relao

    entre propiciao de condies para a resilincia e a escola em tempo integral.

    Clima institucional e violncia na escola

    Toda instituio supe uma teia de relaes em torno das quais processos

    grupais so estabelecidos: vnculos afetivos, padres de interao social (como

    competio, colaborao) e identificaes so alguns entre eles. Dessas relaes

    produz-se a partir de uma rotina de aes conjuntas, mais ou menos orquestradas

    em torno de objetivos compartilhados e de uma disciplina para a convivncia o

    clima institucional, capaz de determinar os rumos individuais dos integrantes da

    instituio e, consequentemente, afetar a prpria instituio.

    Cunha e Costa (2009, apud Brito e Costa, 2010, p. 501) apresentam uma

    definio que resume o antes afirmado: o clima de uma instituio consiste num

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    conjunto das expectativas recprocas compartilhadas pelos indivduos em um

    ambiente institucional. Cornejo e Redondo (2001, p. 16) so mais minuciosos quando

    conceituam: o que define o clima social de uma instituio a percepo que tm

    os sujeitos acerca das relaes interpessoais que estabelecem no contexto escolar

    (em nvel de aula ou de toda escola) e o contexto ou marco em que estas interaes

    do-se.

    Com a escola no diferente. O clima escolar est associado aos modelos de

    relacionamento em contatos sociais (muitas vezes aprendidos fora da escola), aos

    tipos de percepo sobre o espao, o tempo e as atividades (a organizao escolar),

    s condies materiais (infraestrutura, tamanho do prdio, posse e uso do material

    de consumo e de recursos audiovisuais, disponibilidade de merenda para o intervalo

    etc.), no sentido que se d a essas aes na escola (a percepo e as expectativas

    antes citadas). Em uma instncia ideal, esse clima deve caracterizar-se um bom

    relacionamento coletivo, produtivo e prazeroso (Rocha, Perosa, 2008, p. 431).

    Reconhece-se, portanto, que o clima escolar efeito determinado tanto por

    elementos objetivos quanto por outros de natureza intersubjetiva e mesmo subjetiva.

    Estes dois ltimos fatores dizendo respeito, particularmente, qualidade das

    interaes podem ser capazes de compensar eventuais (ou mesmo sistemticas)

    falhas materiais e so promovidos, no cotidiano, por pequenas e constantes aes

    orientadas pelos educadores e educadoras, tanto mais quanto conseguirem trabalhar

    em grupo.

    Uma vez cobertas de uma dotao mnima de recursos, so os processos psicossociais e as normas que caracterizam as interaes desenvolvidas na instituio escolar (considerada como um sistema social dinmico, com uma cultura prpria) o que realmente diferencia umas escolas de outras, em sua configurao e nos efeitos obtidos sobre a aprendizagem. (Cornejo, Redondo, 2001, p. 13).

    Ora, aqui se trata da cultura escolar e de seu contedo, de que, para autores

    como Schein (apud Hernndez y Hernndez, Sancho Gil, 2004), o clima escolar a

    expresso mais imediata. Ainda que o clima escolar diga de uma atmosfera psicolgica

    e a cultura de prticas rotineiras, muitas vezes inconscientes e capazes de promover

    a unidade do grupo, ambos esto intrinsecamente ligados. Alguns indicativos de um

    bom clima escolar so, portanto:

    O respeito s opinies do corpo docente, em estruturas escolares no autoritrias; o compromisso; a vocao; a liderana pessoal; o apoio individual ao aluno; o compartilhamento das responsabilidades; demonstraes de afeto e tratamento pessoal; baixo grau de flutuao de professores (ou seja, manuteno do mesmo professor durante todo o perodo letivo) e as altas expectativas em relao aos alunos foram elementos-chave das escolas bem sucedidas. (Gomes, 2005, p. 290).

    Como se v, o clima escolar medido pelo grau de bem-estar experimentado

    por quem trabalha ou estuda na escola. Mas, cabe lembrar, escolas com bom clima

    tambm se abrem comunidade e s famlias do seu alunado e se tornam lugar de

    convivncia entre amigos. Do lado dos discentes, esse conjunto ideal de fatores promove

    consequncias positivas sobre sua aprendizagem: uma escola que oferece um bom

    clima permite melhor desenvolvimento socioemocional do alunado; mais chances para

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    a assimilao e memorizao de contedos novos, garantindo um rendimento mais

    alto que aquele em outras condies (Cornejo, Redondo, 2001, p. 17).

    Tudo isso efeito da interveno docente e tambm do trabalho de outros

    profissionais que, atuando na escola, colaboram para a constituio dessa espcie

    de estima positiva pelo lugar de trabalho: Do ponto de vista do ensino (no da

    aprendizagem), os efeitos dos colegas, tanto ao nvel da escola quanto da turma,

    afetam apenas a probabilidade de diversas alternativas de ensino-aprendizagem

    ocorrerem e, ainda assim, tais efeitos seriam indiretos (Gomes, 2005, p. 297).

    ainda o prprio Gomes quem lista algumas das intervenes habituais para contribuir

    com um clima escolar favorvel: clareza de metas e normas, clareza do ensino

    (segundo o nvel cognitivo do alunado), flexibilidade do planejamento, motivao,

    capacidade autocrtica, criatividade para oportunizar momentos motivadores e

    participativos para o alunado, administrao adequada de consequncias ao

    comportamento de alunos.

    bvio, ento, que o clima escolar possa ser afetado por variaes eventuais

    desses componentes materiais, sociais e psquicos. Isso ainda mais verdadeiro

    quando se trata de situaes de violncia mais ostensiva.

    De um lado, deve-se reconhecer com diversos autores (Abramovay, Rua, 2002;

    Adorno, 2002; Charlot, 2002; Waiselfisz, 2004, entre outros) que a sociedade

    brasileira marcada, historicamente, pela violncia, por sua impunidade e clara

    tolerncia a ponto de ter sido ela invisvel por muito tempo na maior parte dos

    domnios sociais (inclusive na escola). Parte dessa violncia, caracterizada como

    padro social para resoluo de conflitos numa cultura desigual, competitiva e

    armada, invade periodicamente a escola: o caso da violncia na escola, como a

    define Charlot (2002), prpria a invases de traficantes e assaltantes, por exemplo,

    ou ainda de comportamentos agressivos, fsica e verbalmente, aprendidos fora da

    escola e no seu interior reproduzidos, com vista delimitao de lugares de poder.

    Assim se d com o bullying e com outros tipos de agresso, no s entre alunos,

    mas entre adultos e profissionais.

    De outro lado, a literatura aponta para ocorrncias em que a violncia

    intencionalmente dirigida contra a escola, a fim de impedir seu funcionamento,

    afetando-lhe parcial ou inteiramente: a depredao do patrimnio, a agresso a

    profissionais e alunos que l trabalham e estudam. Esse tipo de situao, antes mais

    rara, repete-se com mais frequncia nas ltimas dcadas para muitos autores,

    como Debarbieux (2001) e Peralva (1997) por conta da depauperao material e

    simblica da instituio escolar, diante da defasagem entre as demandas atuais do

    capitalismo e a capacidade da escola em responder eficazmente a tais exigncias.

    Por fim, a violncia da prpria escola, identificada e criticada por autores como

    Foucault (1993), Bourdieu e Passeron (1982), aquela pela qual a instituio, por

    sua prpria lgica interna, implicitamente promove o adestramento individual e a

    seleo social, impedindo variaes comportamentais que fujam ao padro esperado

    e preparando para a diviso social e econmica. Nessa categoria, encontram-se

    tambm as violncias simblicas praticadas por profissionais da escola contra o

    alunado como agresses verbais, ofensas e humilhaes.

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    Se necessrio entender, a partir dessas trs categorias descritivas, que a

    violncia fez e faz parte da escola, sem dvida tambm se deve admitir que a escola,

    em geral, no foi ou lugar de episdios de extrema agresso fsica como aquele

    ocorrido na Escola Municipal Tasso da Silveira, no dia 7 de abril de 2011, em que

    12 crianas foram assassinadas e mais de 20 pessoas foram feridas, a partir da

    investida solitria de um ex-aluno, Wellington Oliveira, que, suficientemente armado,

    atirou para matar a queima roupa tantas pessoas quantas pudesse.

    Se histrias semelhantes j so conhecidas em pases como os Estados Unidos

    (onde mais de um morticnio j ocorreu), a Alemanha e a Finlndia, no Brasil esse

    massacre fez abrirem-se os olhos para o fato de que nenhum lugar em que haja

    condies infraestruturais de acesso s armas e a endereos com aglomerao de

    pessoas est isento do risco de exploses de fria que s se explicam por crises de

    evidente psicopatologia.

    Por sua extenso, intensidade e subitaneidade, esse provavelmente foi o mais

    traumtico de que se tem notcia, em se tratando de violncia fsica armada no Brasil,

    com consequncias que perduraro por anos, particularmente nas vidas tanto de

    quem conseguiu escapar morte quanto de quem perdeu algum nessa tragdia.

    Trauma e clima escolar: sofrimento e resilincia

    A psicologia explica o trauma como um evento no qual uma pessoa

    testemunha ou vivencia uma ameaa a sua prpria vida ou segurana fsica ou a de

    outros e experimenta medo, terror ou impotncia, de modo que desafiam a viso

    do mundo de um indivduo como lugar justo, seguro e previsvel, particularmente

    os causados por comportamento humano (American Psychological Association, 2010,

    p. 992). Ele geralmente se transforma em gerador de uma doena psquica, de um

    distrbio emocional (Braconnier, 2006).

    Tal , exatamente, o caso vivido por alunos, alunas, professoras e professores

    da Escola Tasso da Silveira: os dados coletados e divulgados pela imprensa sobre a

    sequncia de aes do atirador demonstram a preciso e a intencionalidade que

    caracterizam a violncia em seu mais alto grau, quando a outra pessoa transformada

    em puro objeto e destituda de sua alteridade (no exemplo, transformada em alvo

    para os tiros). Mantidas impotentes, fugiam as que podiam, jogavam-se ao cho as

    que no podiam fugir, diante do homem que no queria refns, mas o reconhecimento

    por meio da vingana. Suas vidas foram ameaadas e as de 12 colegas foram tiradas,

    pondo no s essas crianas e adolescentes em altssimo grau de risco, mas

    provocando toda a sociedade a discutir as causas e consequncias da matana, cujo

    horror foi especialmente acentuado pelo cenrio em que se deu uma escola de

    paz, tradicionalmente ainda associada a um lugar protegido.

    Ora, interessa aqui entender o trauma no que ele ameaou as identidades do

    alunado, do professorado e, de certo modo, de toda a sociedade. No que diz respeito

    ao alunado e ao professorado, vrios depoimentos noticiados pela imprensa j

    apontam para os efeitos deletrios sobre suas vidas. Alguns alunos no conseguem

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    falar, outros no conseguem se entregar ao sono, outros no se alimentam, no saem

    de casa ou no conseguem esquecer as cenas sanguinolentas em que viram morrer

    seus colegas, outros ainda no conseguem voltar escola de que gostariam de

    afastar-se ao mximo todas essas reaes num esforo psquico repetido de

    controlar, minimamente que seja, os efeitos subjetivos que a situao provocou:

    num primeiro tempo, ameaa integridade de suas vidas; depois, ameaa a seu

    psiquismo, a seus autoconceitos e, finalmente, sua prpria condio de alunos e

    professores.

    Os alunos, mais que seus professores, estiveram expostos fora do

    acontecimento, dada sua imaturidade psquica, mas no se pode pretender que os

    adultos no estejam marcados profundamente quem perdeu filhas e filhos, como

    Noeli Rocha, me de Mariana assassinada aos 12 anos, no consegue ver sentido na

    retomada das atividades pela escola: No me deram conforto, nem tranquilidade

    [na primeira reunio de pais e mestres aps a tragdia]. [...] Se eu tivesse poder, eu

    derrubava essa escola (Volta s aulas na Escola Tasso da Silveira preocupa pais,

    2011).

    Mas claro que educadores e funcionrios presentes na escola no momento

    da mortandade tambm experimentaram a impotncia e a vulnerabilidade, sendo

    afetados. Esses profissionais tiveram posta em questo sua funo de transmissores

    do saber s vidas de seus alunos e alunas, ante a fora bruta que anula, ao menos

    temporariamente, a validade da mediao simblica dos conflitos pelo saber. Em

    outras palavras, no s a integridade fsica correu risco, mas a autoimagem

    profissional pode ter sido duramente ferida. Alm disso, viram-se penosamente

    ameaados em seu lugar de trabalho, de modo a estarem sujeitos ao estresse ps-

    traumtico laboral como o caso de uma professora que chora e se sente culpada

    por ter autorizado a entrada de Wellington na escola, em razo das palestras de

    ex-alunos pelo quadragsimo aniversrio da instituio. Por isso, todos vm

    recebendo apoio psicolgico e foram envolvidos na tarefa de reconstituir a imagem

    da escola, drasticamente afetada junto a alunos e seus familiares (Leal, 2011;

    Moratelli, 2011).

    A populao, por sua vez, reagiu perguntando-se pelas causas que permitiram

    tanta dor. Isso s foi antecedido pelo dio dos moradores vizinhos escola, que

    queriam linchar o atirador (e que, estando ele j morto, depredaram por dois dias

    seguidos sua casa). O assassino rapidamente foi tachado de monstro, num esforo

    imaginrio de diferenci-lo de todo o resto por sua loucura e, ao mesmo tempo,

    por sua aparente semelhana que no levou ningum a prever o mal que se praticaria.

    Bom exemplo da repulsa coletiva encontra-se na fala do coveiro que enterrou o corpo

    do psictico, ao descobrir ter sido designado para essa tarefa: O sentimento foi de

    dio. Acho que um cara desses no merecia ser enterrado (Lorenzi, 2011).

    Considerando que o enterro simbolicamente o representante de um cuidado

    para com algum que teve certa dignidade quando vivo, esse dio claramente

    assumido expressa a mistura de impotncia diante do absurdo da ao que, em

    ltima instncia, permanecer impune (j que o autor est morto) com demonizao

    de Wellington Oliveira, para rapidamente o desumanizar. Certamente que no sentido

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    mais elogioso o assassino no foi humano, mas no sentido antropolgico e psicolgico

    ele no era seno humano e os motivos da ignomnia de seu ato no podem ser

    afastados do mais recndito interior da subjetividade humana, comum a todos.

    No entanto, algo muito importante deve ser considerado, na contramo do que

    poderia levar a um discurso determinista e fatalista: diante do sofrimento provocado

    pelo trauma, muitas pessoas conseguem ser resilientes, ou seja, so capazes de se

    restabelecerem psquica e socialmente diante de uma experincia de sofrimento,

    intenso ou, seno, duradouro, sem adoecerem de modo permanente ou grave durante

    esse processo e mantendo vnculos sociais saudveis e produtivos. So capazes,

    igualmente, de aprenderem com essa experincia, de modo a criarem dispositivos e

    estratgias que, de um lado, previnam a reduo do risco de novamente serem expostas

    a situaes traumticas e, de outro, promovam o aumento das condies para resistirem

    bem ao trauma se o sofrimento for, em ltima instncia, impossvel de controlar-se

    em todas as suas variveis causais (Assis, Pesce, Avanci, 2006; Grotberg, 2005).

    A resilincia, segundo especialistas, recente, mas o fenmeno to antigo

    quanto o manejo do sofrimento humano. Nomeada a partir de uma noo oriunda

    da Fsica, no campo psicossocial a capacidade de metamorfosear as adversidades

    da vida (Assis, Pesce, Avanci, 2006, p. 17) entendida pelo prisma da preservao

    da sade e da aprendizagem diante do sofrimento. Como lembra Grotberg (2005),

    a resilincia depende, sobretudo, do momento da vida em que o sofrimento vivido

    pela pessoa envolvendo, em diferentes etapas, habilidades, motivaes e

    sentimentos decorrentes de processos como o desenvolvimento da autoconfiana,

    da autonomia, da iniciativa e da identidade ; das mudanas ocorridas nas condies

    adversas eventualmente causadoras de trauma; e da rede de relacionamentos

    socioafetivos em que se insere a pessoa traumatizada (suporte social).

    Consequentemente, a resilincia caracteriza-se como um processo muito

    aberto, interativo e dinmico, mas tambm relativamente mensurvel e previsvel,

    associado no s ao sofrimento mas, em seu sentido mais amplo, prpria sade

    mental, de modo a ser possvel identificar trs elementos-chave para o reconhecimento

    dessa capacidade (Infante, 2005, p. 26): a situao adversa, a adaptao positiva

    situao (ou mesmo a superao dessa situao) e o processo prprio dinmica

    entre mecanismos emocionais, cognitivos e socioculturais que influem no

    desenvolvimento humano.

    Reconhecendo, ento, que o suporte social um componente decisivo para

    promover a resilincia, pode-se compreender o valiosssimo papel da escola nesse

    processo. Condio social compulsria para crianas e adolescentes, as instituies

    de ensino constituem-se em ncleos de convivncia cujo clima pode propiciar algumas

    condies fundamentais para a resilincia ou, por outro lado, negligenci-las. J se

    destacou a relevncia de um bom clima escolar para a aprendizagem, parecendo

    lgico associar igualmente bom clima escolar e resilincia. Sobre a relao entre

    esta e educao, afirma Melillo (2005, p. 88) que

    os pais constroem resilincia quando mantm com crianas ou adolescentes uma relao baseada no amor incondicional (o que no significa falta de limites adequados), que se expressa em seus atos, quando favorecem a autoestima e a autonomia, estimulam a

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    capacidade de resolver problemas e de manter um bom astral em situaes adversas e instalam um clima de afeto e alegria. Tambm acontece no caso de professores [...], quando incluem em sua tarefa condutas como as mencionadas, quando se preocupam, mais do que com seu trabalho, com os destinatrios.

    O enfoque no cultivo de uma boa qualidade da relao com o alunado

    fundamental: Dessa maneira, instaura-se um tipo de relao com o aluno,

    estimuladora da sua autoestima, ponto de partida para a construo da resilincia

    (Melillo, 2005, p. 100). Alm desse cuidado basilar, para o clima escolar promotor

    de resilincia, tambm necessrio considerar a organizao da escola e a incluso

    da vida e dos conhecimentos discentes no processo de ensino, envolvendo familiares

    e comunidade na unidade de ensino. Organizao institucional, abertura pedaggica

    e curricular e suporte social so os eixos que na escola promovem a resilincia, como

    resume Bonnie Benard (apud Melillo, 2005, p. 100-101):

    Quando as escolas so lugares onde h apoio, respeito e a sensao de pertencer a um grupo, fomenta-se a motivao para a aprendizagem. O carinho mtuo e as relaes baseadas no respeito so fatores crticos e determinantes para o estudante aprender ou no, os pais comearem e continuarem envolvidos com a escola, um programa ou estratgia surtir efeito positivo, uma mudana educativa ser de longo prazo e, por ltimo, para que um jovem sinta que tem um lugar especial na sociedade. Quando uma escola redefinir sua cultura, construindo uma viso com um compromisso que se estenda comunidade escolar inteira e que se baseia nesses fatores crticos de resilincia, ter fora para ser um escudo protetor para todos os seus alunos e um guia para a juventude de lares em perigo e/ou comunidades pobres.

    Se esse escudo protetor no capaz de impedir que todo tipo de adversidade

    penetre na escola, poder reduzir o impacto de experincias aversivas. As escolas

    que promovem tais condies em seu espao institucional no esto imunes a

    conflitos, como a violncia, nem conseguem poupar inteiramente que seu alunado

    os experimente pois os alunos pertencem a famlias e comunidades que so por

    vezes alvos de situaes de violncia (podendo tambm nela estar implicados,

    inclusive, como seus autores) , mas tais instituies de ensino tero mais chances

    de reagir positivamente aos efeitos deletrios do trauma.

    Podem servir como exemplo disso, em relao a situaes de violncia, as

    experincias escolares apresentadas por Abramovay et al. (2003), que argu-

    mentam: quanto mais escolas integrarem estratgias de interveno em face da

    violncia de modo sistemtico no seu cotidiano, agindo inclusive para o

    melhoramento do clima escolar, maiores as chances de sucesso na gesto de

    situaes. Essas so as escolas boas, nos discursos de alunos, reproduzidos

    em itlico pelos autores:

    Quem consegue arranjar uma escola boa tem mais oportunidade do que os outros, que acabam entrando nas drogas. Ainda que tal opinio merea ser relativizada, possvel reconhecer que traduz, de alguma forma, um sentimento de que caberia em grande parte escola a responsabilidade pelo destino daqueles que por ela passam. A existncia de um bom clima transparece em observaes que destacam a sintonia entre a expectativa dos alunos e o cumprimento da funo de ensinar da escola, como aponta um entrevistado que, ao ouvir de jovens estudantes de estabelecimentos de outros bairros que havia colegas que portavam armas, retrucou: Nossa, na minha escola no, o pessoal leva um livro, caderno... (Abramovay et al, 2003, p. 325).

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    O rumo adotado por uma escola no manejo de seus conflitos e, em particular,

    das situaes de violncia determina, assim, se a instituio promover ou no mais

    resilincia entre seus alunos e alunas. Se as aes forem pontuais, por exemplo,

    tendero a perder de vista o carter processual que define tanto o trauma quanto a

    resilincia (j que ambos so complexos, dependem das significaes dadas pelos

    envolvidos e mudam ao longo do tempo). J se as estratgias implicarem o

    envolvimento da estrutura institucional e dos atores escolares direo, corpo

    tcnico, docentes, todos articulados aos discentes, suas famlias e comunidades

    haver mais chances de que as prticas pedaggicas modifiquem o clima escolar

    para melhor ou, se no, o conservem suficientemente forte para elaborar os abalos

    decorrentes de situaes traumticas.

    A (re)constituio da escola como lugar de paz: em tempo integral?

    Como se pode identificar os esforos no sentido da resilincia, diante do vivido

    pela Escola Municipal de Ensino Fundamental Tasso da Silveira s voltas com o

    problema de retomar o trabalho e fazer face horrvel matana de seus alunos e

    alunas? A mdia (Caetano, Vieira, 2011; Giraldi, 2011; Vieira, 2011) tem acompanhado

    vrias iniciativas adotadas na unidade de ensino que podem ser classificadas em

    trs grupos, cujas metas esto imbricadas: a parada inicial, o retorno s atividades

    e o apoio psicossocial s pessoas envolvidas tratando de promover o luto, a

    elaborao da dolorosa memria e a reorganizao do cotidiano e da imagem da

    prpria escola atingida.

    A parada da escola, diante do choque, por dez dias, foi automtica, inevitvel

    e, depois, assumida como necessria para uma mnima recomposio dos afetos e

    da tranquilidade, bem como para que se inicie um tipo de luto pela perda da imagem

    de segurana que parecia haver entre os seus membros. Aps a imediata e abundante

    divulgao de notcias e a explorao, pela mdia, de possveis razes para o ocorrido,

    a repercusso da tragdia levou vrias instncias oficiais a marcarem esse luto, que

    na escola apenas comeou a ser vivido muito gradualmente, mediante cerimnias

    e ritos que lembraram os mortos (flores, oraes, usos de cartazes) e que insistiram,

    alguns dias aps, na preservao da unidade de ensino como no abrao escola,

    dois dias depois das mortes.

    J o retorno s atividades foi pensado por meio de estratgias que envolveram

    o uso de um prdio reformado, em que algumas marcas fsicas foram alteradas

    nova pintura, novo emprego das salas em que as crianas e adolescentes foram

    mortos e outros espaos foram criados para comear a narrar-se outra histria

    um mural, um grande aqurio , sempre com a preocupao de sugerir a superao

    gradual do sofrimento e a revalorizao do espao fsico da escola, na recuperao

    da rotina. O passado tem que ficar para trs nas nossas mentes. O importante

    pensar no hoje para ter um futuro melhor. Quero voltar a estudar e ter uma vida

    normal, afirmou um aluno de 10 anos, presente na escola durante o massacre.

    Tambm os gestos prvios ao retorno s aulas como os discursos em prol da

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    Em Aberto, Braslia, v. 25, n. 88, p. 175-189, jul./dez. 2012

    continuidade do funcionamento da escola e a recepo aos alunos, no ltimo dia

    18 de abril, por professores e professoras, para atividades no curriculares, foram

    organizados em funo da revitalizao institucional: dois meses de readaptao so

    previstos, com atividades artsticas e ldicas.

    Por sua vez, o cuidado com as pessoas direta ou indiretamente envolvidas

    com as atividades da instituio mostrou-se a partir da garantia governamental em

    dispor, na escola, para alunos e familiares, assistentes sociais, psiclogos e outros

    profissionais de apoio; as pessoas encontram-se tanto para lembrar os mortos como

    para planejar a nova direo dada a suas vidas e prpria escola. Alm disso,

    interromperam-se as atividades na rede municipal, por duas horas, no dia 13 de

    abril, para discutir o futuro de todas as escolas. No retorno, em 18 de abril, alm

    dos professores, uma centena de pessoas buscou receber os alunos s portas da

    escola.

    Como entender as medidas adotadas para a proteo e a retomada da escola?

    Tanto o luto das perdas humanas, materiais e simblicas quanto o reinvestimento

    da imagem escolar, por meio do cuidado das pessoas, acompanhado, em parte, pela

    reconfigurao, em parte pelo restabelecimento de rotinas de trabalho, so garantidos

    por momentos de fala e escuta, de expresso do prprio sofrimento e do desejo de

    recomear, assim como pelo gesto e pela valorizao dos vnculos entre aqueles e

    aquelas que sobreviveram ao trauma e tm a tarefa de aprender com ele.

    Da perspectiva psicolgica, portanto, todas essas providncias orientam-se

    pelo esforo de dar algum sentido ao horror e novo significado rotina escolar e ao

    trabalho por ela organizado. Evidentemente, isso depender das identificaes

    mtuas que as pessoas conseguirem em funo de terem sido submetidas aos

    mesmos impactos, mas tambm dos ideais que as vinculam escola em questo.

    Ora, uma das alternativas que incentivam a formao dessa identificao pode

    estar na escola em tempo integral. Como em boa parte dos pases desenvolvidos, o

    alunado que passa mais tempo numa escola com bom clima escolar tem mais chances

    de ser protegido e de tornar-se resiliente, j que essa escola tende a tornar-se, de

    fato, um lugar de formao mais ampla no apenas no plano intelectual, mas

    tambm relacional e afetivo.

    Mas para tanto, como adverte Cavaliere (2007), necessrio que essa escola

    se diferencie da convencional. Estudar numa escola em tempo integral que tenha

    um clima escolar aversivo estender os fatores de risco violncia, sobretudo aquela

    que se d entre iguais. Por isso a pergunta: que escola pretender em tempo integral?

    E, mais especificamente em relao ao problema deste artigo, que escola em tempo

    integral pode promover um bom clima, capaz de garantir condies para a formao

    pacfica segundo critrios que tambm sejam democrticos e democratizantes?

    Afirma essa autora:

    Numa escola de tempo integral, as atividades ligadas s necessidades ordinrias da vida (alimentao, higiene, sade), cultura, arte, ao lazer, organizao coletiva, tomada de decises so potencializadas e adquirem uma dimenso educativa. Diferentemente, a rotina otimizada e esvaziada de opes em uma escola em turno parcial, imediatamente centrada nos contedos escolares, dificilmente pode propiciar esse tipo de vivncia. Nesse sentido, ou seja, entendendo-se mais tempo como oportunidade de uma outra

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    Em Aberto, Braslia, v. 25, n. 88, p. 175-189, jul./dez. 2012

    qualidade de experincia escolar, que a escola de tempo integral pode trazer alguma novidade ao sistema educacional brasileiro. (Cavaliere, 2007, p. 1023).

    Numa perspectiva mais emancipatria e menos assistencialista e autoritria,

    essa concepo de escola em tempo integral a que mais se aproxima, na prtica,

    das condies favorveis constituio de um clima escolar motivador e propcio

    aprendizagem e convivncia.

    [...] a estabilidade de uma instituio organizada, rica em atividades e vivncias o que pode fazer da escola um ambiente de formao para a democracia. Nesse modelo, o espao escolar o centro de referncia, mesmo que eventualmente algumas atividades sejam feitas fora dele. Os professores pertencem escola, da mesma forma que os alunos. H um corpo social, h uma instituio com identidade prpria, com objetivos compartilhados e que pode se fortalecer com o tempo integral e com uma proposta de educao integral. (Cavaliere, 2007, p. 1031)

    .

    No toa que a escola em tempo integral converge para as pretenses de

    uma instituio cujo clima concorra para a resilincia e a paz. Se tal clima pode ser

    constitudo em escolas com apenas um turno, mais verdade ainda na escola em

    tempo integral acima caracterizada, pois no mesmo prdio no haver trs escolas

    distintas (uma por turno), mas uma somente. Ainda que esse modelo integral deva-

    se em parte provavelmente a outros fatores no especificamente pedaggicos

    (Cavaliere, 2007), suas razes pedaggicas so mais fortes e melhores que as do

    modelo brasileiro tradicional.

    Se aquelas estratgias forem pensadas no modelo da escola democrtica

    deweyana, compreende-se a afirmao anterior: o tempo dedicado escola por

    discentes e docentes serve como substrato para reforar ainda mais os vnculos

    interpessoais. Quanto mais tempo se passa junto, mais se pode conhecer o outro,

    envolver-se com ele, aprender a partir da convivncia a resolver pacificamente

    conflitos tudo isso concorrendo, entre o alunado, para a valorizao dos vnculos

    escolares. Para os educadores, em particular, esse tempo, num paradigma ideal,

    aumenta as chances de que se possa dar ateno individualizada aos alunos, conhec-

    los, alm de trabalhar em grupo e pensar as dificuldades de cada aluno e turma num

    espao coletivo; foro mediador para aprendizagem de estratgias e posturas a serem

    adotadas por todos em situaes de conflito. Se essa escola no est isenta de expor-

    se violncia mais brutal, nesse enquadre, o luto, a elaborao de novos sentidos

    para a escola e o atendimento a necessidades individuais e grupais, certamente,

    ficam bem mais possveis.

    No parece ser por acaso, afinal, que seja a extenso do uso das escolas e de

    seu tempo em atividades extraescolares (esportivas, artsticas etc.) e a abertura do

    espao escolar comunidade nos finais de semana o que caracteriza vrias

    experincias bem-sucedidas de gesto da violncia e de constituio de um bom

    clima institucional (Abramovay et al, 2003), um pouco na direo daquilo que

    Cavaliere (2007) denomina concepo multissetorial de educao integral ou

    seja, uma escola que se multiplica em outros turnos, com atividades complementares,

    ou mesmo em lugares complementares de acesso cultura (museus, estdios etc.),

    com todos os riscos e ganhos que essa proposta traz consigo.

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    Em Aberto, Braslia, v. 25, n. 88, p. 175-189, jul./dez. 2012

    Numa situao ideal, e a partir das experincias consideradas, pode-se afirmar

    ser essa escola, at agora, a mais favorecedora das identificaes que tecem a rede

    relacional que, por ter mais tempo, d suporte aos atores escolares em ocasies

    traumticas, de modo a permitir que quem veja, em momentos de escurido, a

    aurora, ainda delicada como uma criana, possa manter-se em p, para ajudar

    companheiros a ficarem acordados e defenderem o corao, cantando juntos.

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    Fernando Czar Bezerra de Andrade, doutor em Educao pela Universidade

    Federal da Paraba, docente nessa universidade.

    [email protected]