29 DE NOVEMBRO DE 2014: 5. Visconde de Taunay, “Inocência” · shakespeariano romance entre...

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TERCEIRO ENCONTRO DO DESAFIO LITERÁRIO 29 DE NOVEMBRO DE 2014: 5. Visconde de Taunay, “Inocência” No terceiro mês do Grupo de Leitura, trataríamos a respeito das leituras programadas para o quinto mês do Desafio Literário: O autor Visconde de Taunay e a obra “Inocência”. Em virtude da complexidade da obra do quarto item (“Memórias do Distrito Diamantino”) mantivemos sua leitura para no mês de férias (dezembro) e adiantamos a leitura da obra “Inocência” para o mês vigente (novembro). A obra “Inocência” foi publicada em 1872 e divide-se em trinta capítulos, todos eles iniciados por citações. Como se diria da obra “Lucíola” de Alencar tratar-se de uma releitura abrasileirada de “A Dama das Camélias”, “Inocência” é uma versão sertaneja do shakespeariano romance entre Romeu e Julieta.

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TERCEIRO ENCONTRO DO DESAFIO LITERÁRIO

29 DE NOVEMBRO DE 2014: 5. Visconde de Taunay, “Inocência”

No terceiro mês do Grupo de Leitura, trataríamos a respeito das leiturasprogramadas para o quinto mês do Desafio Literário: O autor Visconde de Taunay e aobra “Inocência”. Em virtude da complexidade da obra do quarto item (“Memórias doDistrito Diamantino”) mantivemos sua leitura para no mês de férias (dezembro) eadiantamos a leitura da obra “Inocência” para o mês vigente (novembro).

A obra “Inocência” foi publicada em 1872 e divide-se em trinta capítulos, todoseles iniciados por citações. Como se diria da obra “Lucíola” de Alencar tratar-se de umareleitura abrasileirada de “A Dama das Camélias”, “Inocência” é uma versão sertaneja doshakespeariano romance entre Romeu e Julieta.

O autor: Alfredo Maria Adriano d'Escragnolle Taunay, primeiro e únicoVisconde de Taunay, (Rio de Janeiro, 22de janeiro de 1843— 25 de janeiro de 1899)pode ser considerado profissional eclético: músico, artista plástico, professor,engenheiro militar, político, historiador e sociólogo. Aristocrata de família francesa,Taunay estudou literatura, física, matemática e ciências naturais. Casou-se com CristinaTeixeira Leite, filha do barão de Vassouras, neta do primeiro barão de Itambé esobrinha-neta do barão de Aiuruoca. Seu filho foi o historiador Afonso d'EscragnolleTaunay, membro-fundador da Academia Brasileira de Letras.

Tendo lutado na Guerra do Paraguai como engenheiro militar, de 1864 a 1870,publicou seu livro “A Retirada da Laguna” (1869). No dia 26 de abril de 1876, foinomeado presidente da província de Santa Catarina. Em 1877 inaugurou, no Largodo Palácio, atual Praça Quinze de Novembro (em Florianópolis), o monumento aosheróis catarinenses da Guerra do Paraguai. Inconformado com a queda do PartidoConservador, retirou-se da vida política em 1878. Regressando, em 1885, foi nomeadopresidente da província do Paraná. Recebeu o título de visconde de D. Pedro II em 6de setembro de 1889. Com a proclamação da República naquele mesmo ano, Taunaydeixou a política para sempre.

A obra: O primeiro capítulo de “Inocência” parece introduzir uma obra que serátão enfadonha quanto “Iracema” de Alencar. O que o crítico Gurgel chama de “tendênciairrefreável à verborragia1” – ou “aula de empolamento2 e enfadar leitores”, mania de“adjetivar” quando pretende “enumerar detalhadamente” – é gritante nos primeirosparágrafos que pretendem descrever o clima e a paisagem do sertão. A primeirareferência a alguma sensação ou impressão humana leva algumas páginas para aparecere assim se apresenta: “Ao homem do sertão afiguram-se tais momentos incomparáveis,acima de tudo quanto possa idear a imaginação no mais vasto círculo de ambições” (p.9).

No entanto, a partir do segundo capítulo o romance muda de ambiente e, aliás, oambiente é menos central na narrativa. Neste mesmo capítulo o autor nos apresenta oprotagonista, Cirino, que “tinha quando muito vinte e cinco anos, presença agradável,

1 “verborragia”, eloquência abundante e estéril, necessidade excessiva de falar.

2 "empolamento", criar empolas, inchar. Avolumar-se, encapelar-se, ensoberbecer-se.

olhos negros e bem rasgados, barba e cabelos cortados quase à escovinha e ar tãointeligente quanto decidido” (p.17). No terceiro capítulo, “O doutor”, uma descrição maisdetalhada do herói:

Curandeiro, simples curandeiro, ia por toda a parte granjeando otratamento de doutor, que gradualmente lhe foi parecendo, a si próprio,título inerente a sua pessoa e a que tinha incontestável direito. Bem formado era o coração daquele moço, sua alma elevada e incapazde pensamentos menos dignos; entretanto no íntimo do seu caráterhavia insensivelmente enraizado certos hábitos de orgulho, repassadode tal ou qual charlatanismo, oriundo não só da flagrante insuficiênciacientífica, como da roda em que sempre vivera. Afastava-se em todo caso, ainda assim com seus defeitos, do comum dosmédicos ambulantes do sertão, tipos que se encontram frequentementenaquelas paragens, eivados de todos os atributos da mais crassaignorância, mas rodeados de regalias completamente excepcionais.Por toda a parte entra, com efeito, o doutor, penetra no interior dasfamílias, verdadeiros gineceus; tem o melhor lugar a mesa doshóspedes, a mais macia cama; é, enfim, um personagem caído do céu ejunto ao qual acodem logo, de muitas léguas em torno, não já enfermos,mas fanatizados crentes, que durante largos anos se havia medicado oupor conselhos de vizinhos ou por suas próprias inspirações e que nachegada desse Messias depositam todas as suas ardentes esperanças doalmejado restabelecimento. (p. 35)

O “doutor” Cirino, portanto, embora carregado de chavões, não se trata de maisherói de perfeita índole moral, tem uma certa complexidade fora do lugar-comum. Eleconhecerá sua paciente, heroína da história, Inocência, no capítulo sexto. Moça simples,filha do sertanejo machista, Pereira. O pai, super-protetor da filha que estimaabsurdamente, diz:

Esta obrigação de casar as mulheres é o diabo!… Se não tomam estado,ficam jururus e fanadinhas…; se casam podem cair nas mãos de algummarido malvado… E depois, as histórias!… Ih, meu Deus, mulheresnuma casa, é coisa de meter medo… São redomas de vidro que tudopode quebrar… Enfim, minha filha, enquanto solteira, honrou o nomede meus pais… O Manecão que se agüente, quando a tiver por sua…Com gente de saia não há que fiar… Cruz! botam famílias inteiras aperder, enquanto o demo esfrega um olho. (p.48)

Inocência, a Julieta do sertão, não é tão inocente quanto faz supor seu nome.“Pouco aparece no livro, escondida numa espécie de gineceu, mas, quando surge,comporta-se de maneira a ratificar as idéias machistas de Pereira: mal conheceu Cirino,age como sua cúmplice e, instintivamente, finge diante do pai” (GURGEL, p.74). Delateremos lido algumas poucas referências a aparência física (frágil e dócil) e meia dúziade declarações de amor. Inocência e Cirino, apaixonados, sofrem com a promessa decasamento acertada pelo pai da moça ao sertanejo Manecão. O autor narra as primeirassensações de amor de Cirino:

Desabrida paixão enchia o peito daquele malsinado; dessas paixõesrepentinas, explosivas, irresistíveis, que se apoderam de uma alma, aenleiam por toda parte, prendem-na de mil modos e a sufocam como as

serpentes de Netuno a Laocoonte. Conhecedor como era dos hábitos dosertão, do jugo absoluto dos preconceitos, do respeito fatal à palavradada, antevia tantas dificuldades, tamanhos obstáculos diante de si,que, se de um lado desanimava, de outro mais sentia revoltado onascente e já violento afeto. (pp.125-126)

Passam-se os últimos capítulos sobre as tentativas do casal de livrarem-se doindesejado casamento e conquistarem licença para uma união de amor e não deconvenção. Descobertas as ousadas tentativas do jovem “médico”, Manecão e Pereiraplanejam sua morte e, depois de acertado o plano, Manecão dá por finda a vida dodoutor com um tiro a queima roupa. Inocência morrerá em seguida, certamente dedesgoso. O último parágrafo da obra registra: “Inocência, coitadinha... Exatamente nessedia fazia dois anos que o seu gentil corpo fora entregue à terra, no imenso sertão deSant'Ana do Paranaíba, para aí dormir o sono da eternidade” (p.243).

Entre os personagens “secundários” encontraremos Tembel Meyer (naturalistaviajante em busca de insetos, especialmente novas espécies), seu criado José – que virãoa hospedar-se na casa da família Pereira e deixar o pai de Inocência azedo e desconfiado– a cozinheira da família Pereira e o empregado, anão, Tico.

Para o crítico Rodrigo Gurgel, “Inocência” é um “romancinho sentimental”,“valioso, mas desigual” e que tem recebido elogios exagerados. Para ele, a obra é alvo dacostumeira mania dos principais críticos brasileiros:

Trata-se de uma prática rotineira entre nós, infelizmente, chamar degenial o apenas razoável, como se o país, destituído de um número degênios que corresponda ao tamanho de seu território, se dispusesse acriá-los à força, ainda que, para tanto, fosse obrigado a edulcorar averdade. E não há exageros em minhas palavras. Leiam os cadernosculturais: aqui, nasce um gênio a cada semana. (p.68)

Ele critica a inabilidade do escritor de conseguir qualificativos/adjetivosideais aos seus personagens e paisagens, escrevendo, por vezes,infantilizadamente. Mas a análise de Gurgel não se resume a crítica. Eleelogia o esforço e sucesso da obra em ser “o primeiro sopro, razoavelmentefeliz, do realismo; o sinal de que, enfim, a temática dos nossos escritorescomeçava a mudar e, lentamente, afastava-se da estética romântica” (p. 69).Ressalta também a qualidade dos perfis e vozes de alguns personagens,afirmando que muitos dos diálogos são “plenos de naturalidade” emerecedores de elogios.

Referências

TAUNAY, Visconde de. Inocência. Editora Melhoramentos, 2012. 248 pp.

GURGEL, Rodrigo. Muita Retórica, Pouca Literatura: De Alencar a Graça Aranha.Campinhas, SP: Vide Editorial, 2012. 228 pp.

_______________________. Valioso, mas desigual. Jornal Rascunho, online. Gazeta do Povo. Artigo disponível em: http://rascunho.gazetadopovo.com.br/valioso-%E2%80%94-mas-desigual/